O Espiritismo Na Arte
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SUMÁRIO
I - ARQUITETURA E ESCULTURA
A arte na espiritualidade
O processo de criação
II – A INSPIRAÇÃO
O mecanismo da inspiração
Há inspiração nos tempos modernos
III – O SENSO ARTISTICO
A elaboração da obra de arte
A pintura
IV - LITERATURA E ORATORIA
O pensamento na arte
A transmissão espiritual da arte
V - O ESPIRITISMO, A LITERATURA E A MÚSICA
A música do plano espiritual
A arte para os espíritos
VI - A MÚSICA E A MEDIUNIDADE
VII - A MÚSICA TERRESTRE
VIII - O PERISPÍRITO E A SENSIBILIDADE MUSICAL
O perispírito: instrumento do espírito
Comentários
IX - A MÚSICA CELESTE
A harmonia
A percepção do som no mundo espiritual
Comentários
X - SOM E COR
As notas musicais
Comentários
XI - CORRENTES MUSICAIS
A música do espaço
XII - COMENTÁRIO FINAL
I - ARQUITETURA E ESCULTURA
A beleza é um dos atributos divinos. Deus colocou nos seres e nas coisas esse misterioso encanto que nos atrai, nos seduz, nos cativa e enche a alma de admiração, às vezes de entusiasmo.
A arte é a busca, o estudo, a manifestação dessa beleza eterna, da qual aqui na Terra não percebemos senão um reflexo. Para contemplá-la em todo o seu esplendor, em todo o seu poder, é preciso subir de grau em grau em direção à fonte da qual ela emana, e esta é uma tarefa difícil para a maioria de nós. Ao menos podemos conhecê-la através do espetáculo que o universo oferece aos nossos sentidos, e também através das obras que ela inspira aos homens de talento.
O espiritismo vem abrir para a arte novas perspectivas, horizontes sem limites. A comunicação que ele estabelece entre os mundos visível e invisível, as informações fornecidas sobre as condições da vida no além, a revelação que ele nos traz das leis superiores de harmonia e de beleza que regem o universo, vem oferecer a nossos pensadores, a nossos artistas, inesgotáveis temas de inspiração.
A observação dos fenômenos de aparição dá a nossos pintores imagens da vida fluídica, das quais James Tissot já pôde tirar proveito com as ilustrações de sua (Vida de Jesus). Oradores, escritores, poetas, encontrarão nesses fenômenos fonte de idéias e de sentimentos. O conhecimento das vidas sucessivas do ser, sua ascensão dolorosa através dos séculos, o ensinamento dos espíritos a respeito dessa grandiosa questão do destino, lançará, em toda a história, uma inesperada luz, e fornecerão ainda aos romancistas, aos poetas, temas de drama, móbeis de elevação, todo um conjunto de recursos intelectuais que ultrapassarão em riqueza tudo que o pensamento já pôde conhecer até o momento.
Quando refletimos a respeito de tudo o que o espiritismo traz à humanidade, quando meditamos nos tesouros de consolação e de esperança, na mina inesgotável de arte e de beleza que ele vem lhe oferecer, sentimo-nos cheios de piedade pelos homens ignorantes e pérfidos cujas malévolas críticas não têm outra finalidade senão tirar o crédito, ridicularizar e até mesmo sufocar a nascente idéia cujos benefícios já são tão sensíveis. Evidentemente essa idéia, em sua aplicação, necessita de um exame, um controle rigoroso, mas a beleza que dela se desprende revela-se deslumbrante a todo pesquisador imparcial, a todo observador atento.
O materialismo, com sua insensibilidade haviam esterilizado a arte. Esta se arrastava na estreiteza do realismo, sem poder elevar-se ao máximo da beleza ideal. O espiritismo vem dar-lhe novo curso, um impulso mais vive em direção às alturas, onde ela encontra a fonte fecunda das inspirações e a sublimidade do talento.
O objetivo essencial da arte, já dissemos, é a busca e a realização da beleza é, ao mesmo tempo a busca de Deus, uma vez que Deus é a fonte primeira e a realização perfeita da beleza física e moral.
Quanto mais a inteligência se purifica, se aperfeiçoa e se eleva, mais se impregna da idéia do belo. O objetivo essencial da evolução será, portanto, a busca e a conquista da beleza, a fim de realizá-la no ser e em suas obras. Tal é a regra da alma em sua ascensão infinita.
Já aí se impõe a necessidade das existências sucessivas como meio de adquirir, através de esforços contínuos e graduais, um sentido mais preciso do bem e do belo. O início é modesto aqui no plano terrestre, a alma prepara-se primeiramente através de tarefas humildes, obscuras, apagadas; e em seguida, pouco a pouco, passando por novas etapas, o espírito adquire a dignidade de artista. Mais além ainda, ele irá se abrir às concepções amplas e profundas que são privilégio dos gênios, e tornar-se-á capaz de realizar a lei suprema da beleza ideal.
Na Terra nem todos os artistas inspiram-se nesse ideal superior. A maior parte limita-se a imitar o que chamam "a natureza", sem se aperceberem de que esta não é senão um dos aspectos da obra divina. Porém no espaço a arte se reveste, ao mesmo tempo, das mais sutis e mais grandiosas formas, e ilumina-se com um reflexo divino.
É por este motivo que neste estudo fizemos questão de consultar, sobretudo nossos espíritos guias, de recolher e resumir seus ensinamentos. Nos domínios onde vivem, as fontes de inspiração são mais abundantes, o campo de ação amplia-se; o pensamento, à vontade, o poder supremo, afirmam-se e resplandecem com mais intensidade.
Nossos protetores invisíveis enviaram-nos primeiramente o espírito Massenet, que veio nos ditar cinco lições sobre a música celeste, procedendo como fazia na Terra em seus cursos no Conservatório. Porém isto não nos podia ser suficiente; para nós eram necessários dados mais gerais, visões de conjunto sobre como a arte é compreendida e praticada no além.
Observa-se, com freqüência, nas obras inspiradas por espíritos, sobretudo nos livros anglo-saxões, a descrição de lugares, monumentos, habitações, criados com o auxílio dos fluidos, através da vontade dos habitantes do espaço. Tínhamos necessidade de esclarecimentos a respeito desse assunto tão controvertido e sobre o qual faltaram até o momento informações precisas.
Devido a nossos reiterados pedidos, e a fim de nos informar, os guias anunciaram-nos uma entidade que se apresentou sob o nome de o Esteta, e cuja verdadeira identidade não nos seria revelada senão ao final deste estudo. Imediatamente tivemos a impressão de que nos encontrávamos em presença de um espírito de alto valor.
O fenômeno produz-se sob a forma de incorporações. A partir do momento em que a entidade toma posse do médium treinado, os traços deste, que é um jovem cego, tomam uma expressão de calma, de serenidade quase Angélica, e que contrasta com a maneira de ser dos outros espíritos. A fala é suave, penetrante; e quando a sessão termina, os assistentes encontram-se sob forte impressão de paz, de serenidade, de quietude profunda. O médium, despertando, ignora completamente o que foi dito através de sua boca durante o transe, e declara encontrar-se como que mergulhado em um "banho de radiações". Ele experimenta uma inexprimível sensação de bem-estar.
O Esteta tomou a arquitetura como tema das duas primeiras lições estenografadas, as quais reproduzimos mais adiante. Escolheu como modelo a catedral porque ela serve de moldura a todas as outras artes. Mais adiante ele nos falará de escultura, de pintura, de eloqüência e, enfim, do estudo da música, e as lições de Massenet virão completar esta exposição.
Lembramos aqui que todo espírito que emana de Deus não apenas possui uma centelha da inteligência divina como, ainda, goza de uma parcela do poder criador, poder que ele é chamado a manifestar cada vez mais no decorrer de sua evolução, tanto em suas encarnações planetárias quanto na vida no espaço.
Na Terra, sob o véu da carne, essa inteligência e esse poder ficam diminuídos; e, contudo é maravilhoso constatar até que ponto o talento do homem pôde subjugar as forças brutais da matéria, vencer sua resistência, sua hostilidade, submetê-las a suas necessidades e até mesmo a suas fantasias! O homem trabalha o ferro, funde o bronze e o vidro, esculpir a pedra, faz estátuas, erige palácios e templos; o homem abre caminhos através das montanhas e une os mares. Porém no espaço esse poder criador afirma-se com muito mais força quanto mais sutil seja a matéria fluídica e quanto melhor tenha o espírito aprendido a combinar os elementos etéreos que são a própria substância do universo. Aí todas as dificuldades da obra terrestre desaparecem; basta uma firme ação mental para que se dê aos fluídos as formas que o espírito deseja realizar e tornar duráveis.
Mesmo nessa vida, vemos no sono hipnótico a vontade do operador dar aos objetos, às substâncias, propriedades temporárias, que exercem sobre os sujeito incontestáveis influências.
Em um grau mais elevado, por exemplo, nas materializações de espíritos, à vontade destes cria formas, rostos, vestimentas, atributos semelhantes aos que eles possuíam na Terra e que nos permitem reconhecê-los, identificá-los. Nesse caso o pensamento, auxiliado pelas recordações, reconstitui os detalhes de existência que lhe eram particulares: trajes e armas. À vontade lhes dá a consistência necessária para tocar os sentidos dos observadores. Não há porque procurar alhures a explicação desses fenômenos, conhecidos por todos os espíritas experientes. Nossos guias asseguram-nos que encontramos no espaço as arquiteturas mais estranhas, mais variadas, pois elas ultrapassam em grandeza e em beleza todas as criações de nossos sonhos. Temos sobre esse ponto os testemunhos mais precisos: o filho de O Lodge, Raymond, construiu para si uma casinha de campo segundo seus gostos terrestres. Os espíritos de Mozart, de Victorien Sardou e outros erigiram para si palácios ornados de plantas e de flores. Antigos arquitetos terrestres dizem-nos, edificaram santuários onde são celebrados os ritos de tal ou tal culto. Os espíritos comprazem-se reconstituindo meios semelhantes, mas superiores em beleza, àqueles que freqüentavam na Terra, e isso com tanto mais facilidade quanto mais maleável e flexível seja o material de que possam dispor.
Admiramo-nos com esses relatos, com essas descrições, e muitos comentários foram feitos a esse respeito. Entretanto o que se passa nas sessões de experimentação: os fenômenos de transporte, de levitação, a penetração da matéria pela matéria, a dissociação e a reconstituição de objetos através das paredes - tudo isto mostra-nos o poder dos espíritos sobre os fluidos e facilita nossa compreensão. Certos estudiosos psiquistas confessam que eles próprios não entendem nada disso, e assim demonstram sua falta de prática em matéria de espiritismo, enquanto que simples adeptos estão a par de todos esses fenômenos.
Retornemos à arquitetura que o Esteta tomou como tema de suas primeiras lições. Aqui no plano terrestre, é à arte sublime que se prendem todas as outras artes, e freqüentemente ela lhes serve de amparo.
Da mesma forma como na Terra a música representa a arte viva, a harmonia móvel e vibrante, a arquitetura representa a arte imóvel e passiva, com suas imponentes e rígidas formas. Porém, enquanto que no espaço o espírito modela à vontade a matéria fluídica, dá lhe a aparência, as cores, os contornos que lhe agradam, em nosso planeta a matéria opõe mais resistência à vontade do homem. A pedra resiste ao cinzel do escultor tanto quanto à ferramenta do pedreiro. Às vezes são necessários longos e pacientes esforços, um trabalho persistente para dar ao mármore, ao granito, a expressão da beleza.
As lições do Esteta ressaltam a diferença que existe entre os processos usados na Terra e os do espaço para a realização de criações artísticas. Enquanto que na Terra a catedral, tomada como modelo de arquitetura, é a obra paciente e durável de uma coletividade laboriosa, desde o mais humilde talhador de pedras até o grande artista que traçou o plano de conjunto, ela é no espaço a obra particular de um mestre que, instantaneamente e à sua vontade, pode erigi-la ou destruí-Ia apenas assistido por um grupo de alunos que procuram assimilar e imitar seu pensamento criador. Aqui na Terra o monumento é obra da multidão humana, labor dos séculos. Gerações de artistas e de operários trabalharam para elevar as colunas, flechas, torres, fundiram os vitrais, pintaram as imagens, esculpiram as estátuas. Assim foram lentamente erigido à pirâmide, o palácio, a catedral. É por isso que em sua majestosa unidade simbolizam o espírito de um povo, o talento de uma raça, a alma de uma religião.
Foram à fé, o entusiasmo, uns espiritualismos ardentes, que dirigiram para o céu essas bíblias de pedra. E nessas obras colossais.s o invisível tem seu papel; ele pensa com o arquiteto, medita com o artista, age com o artesão, e manobra-o. A todos eles inspira o pensamento de Deus e do além, na medida em que eles o podem compreender e interpretar.
Desta forma foram edificados esses "livros" imponentes que são as catedrais, e que durante séculos foram suficientes para guiar, instruir, consolar o espírito humano.
A catedral terrestre serve de moldura a todas as artes. Nela a música faz vibrarem as vastas naves, a pintura decora-lhe as paredes, a escultura a povoa de estátuas. Entretanto, em seu conjunto, ela guarda fria imobilidade e a opacidade do granito.
O papel essencial da arte é expressar a vida com todo seu poder, sua graça e sua beleza. Ora, a vida é movimento. E aí precisamente reside a principal dificuldade da arte humana, que não pode reproduzir o movimento senão através da música. As outras artes não podem dele dar senão a ilusão. O escultor, pela expressão que confere à sua estátua, dá-lhe o movimento que seu pensamento concebe e cria a ação na imobilidade. A pintura dá a mesma ilusão através do gesto paralisado na tela e pela harmonia das cores, o jogo das perspectivas, a simulação das profundidades e dos horizontes fugidios. Na estatuária há mais força, e no quadro mais artifício; porém ambos podem expressar a beleza ideal sob a forma de obras-primas que nos são conhecidas. No entanto, apesar da intenção genial que lhes preside a execução, eles não nos dão nada além da sensação de coisa vaga.
Nas obras de arte do espaço não ocorre o mesmo: lá, tudo é vida, movimento, cor, luz. A catedral fluídica é como que animada e viva. Suas colunas têm a flexibilidade, a elasticidade da mais sutil matéria; suas paredes são transparentes como o cristal, e mil tonalidades; desconhecidas na Terra, aí brincam num entrelaçamento de sombra e de luz. Todas as harmonias aí se combinam em ondas de inexprimível suavidade; tudo vibra em um estremecimento de vida intensa e profunda.
Os artistas da Terra deverão inspirar-se nesses modelos sobre-humanos que os ensinamentos espíritas lhes tornarão familiares. A educação estética do homem comporta concepções cada vez mais elevadas, a fim de que o sentimento do belo penetre e desenvolva-se em todas as almas. Uma evolução já se produz nesse sentido, e ela se acentuará sob a influência do além. Os artistas do futuro esforçar-se-ão em dar mais fluidez às cores, mais vida ao mármore, mais espiritualidade a todas as suas obras. As artes complementares serão idealizadas, deixando à arquitetura a majestade das formas rígidas e a ilusão do imutável na inércia.
A arte se eleva e progride em todos os graus da escala da vida realizando formas cada vez mais nobres e perfeitas, que se aproximam da fonte divina de eterna beleza.
A arte na espiritualidade (Lição 1)
15 de novembro de 1921
Fico contente em poder lhes falar de uma arte que foi minha constante preocupação. Cem vezes vocês têm razão de defender a causa da arte e de colocá-la em paralelo na Terra e no espaço. A arte tem essência divina, é uma manifestação do pensamento de Deus, uma radiação do cérebro e do coração de Deus transmitida sob- a forma artística.
Porém muitas coisas do plano divino não podem ser transmitidas aos homens. A arte, sob a forma de inspiração, faz parte desse todo maravilhoso que compõe o universo. É o lampejo, ou, antes, a centelha que estabelece a relação entre Deus e suas criaturas.
Vocês poderão se perguntar quais são os reflexos que guardamos da arte após termos passado por uma série de existências em diferentes mundos. Vou tentar lhes dizer.
Na Terra a arte é ainda pouca coisa, e vocês se contentam com isso. A arte existe em todos os domínios: no do pensamento, da escultura, da música. É nesta última que ela melhor se manifesta e torna-se acessível a mais cérebros. Primeiramente, quando o espírito humano encarna na Terra e leva consigo - seja de sua vida no espaço, seja em conseqüência de um trabalho anterior em vidas terrestres - certa noção de ideal estético, tão logo ele chega à maturidade na vida terrestre sua bagagem artística exterioriza-se sob a forma de inspirações reunidas a uma qualidade mestra que chamaremos de gosto reunido ao sentido do belo. Eis, pois, o artista criado e apto a trabalhar sobre a matéria.
Quando esse artista completa uma vida de trabalho, retorna ao espaço. Lá, sai de seu ser uma infinidade de pensamentos que ele deseja concretizar. Nesse meio fluídico ele terá todo o material necessário para reconstituir o que seu pensamento aprisionado na carne não pôde realizar numa única existência.
O espírito não possui órgão visual, porém o pensamento reúne todos os sentidos. Primeiramente ele revê em sua memória as mais belas coisas que lhe impressionaram o cérebro na existência precedente. Se ele viveu em um meio elevado, graças às diretrizes adquiridas, os quadros que desfilarão em seu pensamento serão verdadeiramente inspirados pelo culto do belo. Portanto, nosso ser espiritual, através de seu trabalho, será em pouco tempo transportado a um meio fluídico suficientemente puro, desligado de parcelas materiais, e lá ele poderá receber, pela recordação, o reflexo artístico de suas vidas anteriores. Pelo simples querer, tudo se concretizará com o auxílio dos fluidos ambientes. Era pintor esse espírito? Seu pensamento refletirá os quadros dos mestres que conheceu e amou. Era ele escultor? As formas antigas ou clássicas, ou as de sua época aparecerão na tela de seu pensamento. Depois, com o tempo, outros espíritos, não atraídos pela arte, mas desejosos de se elevarem a um plano superior, agrupar-se-ão em torno dos seres que, por seu trabalho e elevação, pairam em regiões fluídicas mais puras. Esses seres, que se aproximam do artista, receberão mais facilmente o pensamento deste último; através de um trabalho prolongado estabelecer-se-á uma fusão do espírito do profano com o espírito do artista. Pouco a pouco o profano receberá em sua mente os quadros e as cenas artísticas de seu mestre espiritual e poderá, então, experimentar alegrias estéticas muito grandes e tornar-se, ele próprio, artista em uma futura existência, uma vez que terá retirado para si os primeiros elementos da arte no contato com um ser mais adiantado do que ele.
É assim, em geral, que os meios artísticos se perpetuam da Terra ao espaço, do espaço a Terra, e em outros mundos, pois existem muitas esferas onde os meios de criação artística são mais ricos do que no globo terrestre.
Devo acrescentar que os espíritos, através de trocas de pensamentos, podem criar formas com o auxílio da gama de cores, que é infinita no espaço: quanto mais elevados são os planos, mais desenvolvida é a gama de cores.
Na atmosfera terrestre não podemos exteriorizar nosso pensamento de maneira nítida e precisa. É como se quisesse projetar o pensamento sobre uma tela cinzenta, em vez de sobre uma tela branca.
Às vezes os espíritos se reúnem entre si, trocam formas através de seus pensamentos, criam quadros variados. Se entre eles encontra-se um espírito que viveu em um mundo superior, ele faz com que seus irmãos menos privilegiados aproveitem os recursos artísticos que ele pôde adquirir. O criador dessas cenas tem o poder de destruir imediatamente o que seu pensamento criou. Essas cenas são, portanto passageiras e pessoais ao espírito; porém aqueles que têm o desejo de elevação podem tirar proveito dessa projeção artística, constituída pela combinação das moléculas fluídicas retiradas do meio ambiente.
O Esteta
O processo de criação (Lição 2)
22 de novembro de 1921
Após haver dado a descrição das cenas artísticas que registramos no espaço, será interessante para vocês saberem como agrupamos os elementos dessas cenas para compormos virtualmente esses quadros.
Devo tentar fazê-los compreender como reunimos as moléculas necessárias para que nossa vontade possa projetar fluidos capazes de se transformarem em obras que simbolizam a beleza sob todas as formas. Essas obras serão sentidas e percebidas por outros seres fluídicos que não são criadores.
Os seres imateriais que flutuam em regiões fluídicas infinitamente ricas e sutis lá não chegaram senão através de uma longa e progressiva evolução, através da qual adquiriram conhecimentos e aptidões suficientes para poderem criar, eles próprios, no mundo onde vivem, entre suas existências humanas.
Tomemos um exemplo: um grande escultor, um grande pintor, ou um grande artista parte da Terra. Ele encontra-se ainda sob a impressão dos trabalhos que realizou durante sua existência precedente; chegando ao espaço, não estando mais seu espírito comprimido pela matéria, ele revê o caminho percorrido desde o dia em que recebeu a essência criadora divina e adquire a certeza de que poderá, em novas existências, desenvolver e completar o que vocês podem chamar de parcela genial.
Ele vai ver desenrolarem-se no espaço todos os fatos relevantes que antecederam a eclosão de sua inspiração.
Se ele foi arquiteto, ou escultor, imediatamente sua memória, através de sua vontade, traçará de novo os monumentos ou as obras de arte que ele criou.
Admitimos que ele paire nesse meio do qual acabamos de falar; após um apelo a Deus, sua mente encontrará, através de suas radiações, fluidos suficientes para reconstituir todas as suas obras. Se elas apresentam um real caráter de beleza, se a inspiração é pura, se o ideal é elevado, os outros seres que circundam o artista sentirão despertar em si um desejo de imitação, e pouco a pouco, tendo-se suspenso o véu material, sua mente pessoal será fecundada pela do artista.
Assim, um grande mestre escultor fará reviverem aqueles belos monumentos nos quais a Glória do Alto foi cantada durante séculos. Imensas catedrais são, assim, reedificadas; porém nem sempre o artista se limita à obra que criou, sua visão à distância encontra assim as obras de seus discípulos, e algumas vezes sua inspiração prossegue no espaço para formar novamente obras, tomando de diversos autores as partes de suas concepções que mais êxito alcançaram. Se vocês penetrassem no espaço, no plano elevado do qual lhes falo, poderiam perceber que monumentos não-semelhantes aos erigidos em seu mundo são reconstituídos pelo pensamento fluídico de seres inspirados por Deus.
O Criador supremo dá a cada um de seus filhos uma parcela animadora que se exterioriza quando o culto do belo e do ideal desperta em cada um deles. Os monumentos religiosos de vocês são suas imagens vivas. As flechas ousadas, dirigidas para o céu, não são uma imagem fiel do pensamento do ser humano elevando-se em uma prece última em direção a esse Deus que nos criou? Que seja uma catedral ou um templo da Antiguidade; que seja na Grécia, em Roma, em Florença, ou em seu país; procurem e vocês descobrirão sempre que o pensamento superior preside a eclosão das obras de arquitetura.
O Esteta
Uma pequena comparação, distanciando-me talvez do tema: se considerarmos a história da arquitetura na Alemanha nos tempos modernos, constataremos que a elevação em direção ao céu está ausente, que formas massivas e quadradas substituem a cúpula ou a ogiva; o pensamento prende-se a Terra, e não mais se eleva para o divino.
Em pintura, estudemos a Escola Florentina na época do Renascimento; constataremos que quando as obras apresentam caráter místico, os traços se divinizam e as cenas tomam caráter de real beleza e de verdadeira grandeza.
Da mesma forma ocorre em todas as artes. Por exemplo, a música sacra não apresenta um caráter que toca de mais perto o divino, enquanto que a música profana, quando se aproxima da matéria, reveste-se de um caráter de realismo baixo e grosseiro?
II - A INSPIRAÇÃO
A arte, sob suas diversas formas, como já dissemos no capítulo precedente, é a expressão da beleza eterna, uma manifestação da poderosa harmonia que rege o universo; é a irradiação do Alto que dissipa as brumas, as obscuridades da matéria, e faz-nos entrever os planos da vida superior. Ela é, por si mesma, rica em ensinamentos, em revelações, em luz. Ela encaminha a alma em direção às regiões da vida espiritual, que é sua verdadeira vida, e que ela aspira reencontrar um dia.
A arte bem compreendida é poderoso meio de elevação e de renovação. É a fonte dos mais puros prazeres da alma; ela embeleza a vida, sustenta e consola nas provas, e traça com antecedência, para o espírito, os caminhos para o céu. Quando é sustentada e inspirada por uma fé sincera, por um ideal nobre, a arte é sempre uma fonte fecunda de instrução, um meio incomparável de civilização e de aperfeiçoamento.
Porém, com bastante freqüência nos dias atuais, ela é aviltada, desviada de seu objetivo, subjugada a mesquinhas teorias de escola e é, sobretudo, considerada um meio de se chegar à fortuna, às honras terrestres. É empregada para lisonjear as más paixões, para super excitar os sentidos, e assim faz-se dela um meio de rebaixamento.
Quase todos aqueles que receberam a sagrada missão de encaminhar as almas para a perfeição esquivaram se dessa tarefa. Tornaram-se culpados de um crime ao se recusarem instruir e iluminar as sociedades e ao perpetuarem a desordem moral e todos os males que recaem sobre a humanidade. Assim explicam-se as decadências da arte em nossa época e a ausência de obras fortes.
O pensamento de Deus é a fonte das altas e sãs inspirações. Se nossos artistas soubessem daí retirar alguma coisa, encontrariam o segredo das obras imperecíveis e as maiores felicidades. O espiritismo vem lhes oferecer os recursos “espirituais dos quais nossa época necessita para regenerar-se. Ele nos faz compreender que a vida, em sua plenitude, não é outra coisa senão a concepção e a realização da beleza eterna”.
Viver é sempre subir, sempre crescer, sempre acrescentar a si o sentimento e a noção do belo.
As grandes obras elaboram-se apenas no recolhimento e no silêncio, tendo como preço longas meditações e uma comunhão mais ou menos consciente com o mundo superior. A algazarra das cidades pouco convém ao vôo do pensamento; ao contrário, a calma da natureza, a profunda paz das montanhas, facilitam a inspiração e favorecem a eclosão do talento. Assim verifica-se uma vez mais o provérbio árabe: "O ruído pertence aos homens, o silêncio pertence a Deus!"
O espírita sabe que imenso auxílio à comunhão com o além, com os espíritos celestes, oferece ao artista, ao escritor, ao poeta. Quase todas as grandes obras tiveram colaboradores invisíveis. Essa associação fortifica-se e acentua-se através da fé e da prece. Elas permitem que as forças do Alto penetrem mais profundamente em nós e impregne todo o nosso ser. Mais do que qualquer outro, o espírita sente as poderosas correntes que passam nas frontes pensativas e inspiram idéias, formas, harmonias, que são como o material do qual o talento se servirá para edificar sua soberba obra.
A consciência dessa colaboração dá a medida de nossa fraqueza; ela nos faz compreender que parcela vem da influência de nossos irmãos mais velhos, de nossos guias espirituais, daqueles que, do espaço, debruçam-se sobre nós e nos assistem nos trabalhos. Ela nos ensina a nos mantermos humildes no sucesso. Foi o orgulho do homem que esgotou a fonte das altas inspirações. A vaidade, defeito de muitos artistas, endurece-lhes o espírito e afasta as grandes almas que consentiriam em protegê-los. O orgulho forma como que uma barreira entre nós e as forças do além.
O artista espírita tem consciência de sua própria carência, porém sabe que acima de si abre-se um mundo sem limites, pleno de riquezas, de tesouros incalculáveis, perto dos quais todos os recursos da Terra são apenas pobreza e miséria. O espírita tem, também, conhecimento de que esse mundo invisível, se ele sabe deste tornar-se digno, purificando seu pensamento e seu coração, pode tornar mais intensa a ação do Alto, fazê-lo participar de suas riquezas através da inspiração e da revelação, e delas impregnar obras que serão coma que um reflexo da vida superior e da glória divina.
O objetivo destas páginas é, sobretudo mostrar o considerável papel que a inspiração representou em todos os tempos na evolução da arte e do pensamento. Todos os estudiosos do oculto sabem que uma onda de idéias, de formas, de imagens, aflui sem cessar do mundo invisível sobre a humanidade. A maioria dos escritores, dos artistas, dos poetas, dos inventores, conhece essas poderosas correntes que vêm fecundar seu cérebro, aumentar o círculo de suas concepções.
Às vezes a inspiração desliza suavemente em nosso intelecto, mistura-se intimamente a nosso próprio pensamento, de tal maneira que se torna impossível distingui-la. Outras vezes é uma irrupção repentina, uma invasão cerebral, um sopro que passa sobre nossas frontes e agita-nos com uma espécie de febre. Outras vezes, ainda, é como que uma voz interior, tão nítida e tão clara que parece vir de fora para nos falar de coisas graves e profundas. Uma corrente de forças e de pensamentos agita-se e rola à nossa volta, procurando penetrar nos cérebros humanos dispostos a recebê-los, a assimilá-los, a traduzi-los sob a forma e a medida de suas capacidades, de seu grau de evolução. Alguns o expressam de maneira mais ampla; outros, de modo mais restrito, segundo suas aptidões, segundo a riqueza ou pobreza das expressões que lhes são familiares e os recursos de sua inteligência.
As lições do Esteta, que reproduzimos mais adiante, vão precisar os caracteres diversos da inspiração, conforme os casos.
Dentre os homens de talento, muitos reconheceram essas influências invisíveis. Vários descrevem o estado próximo do transe, no qual a elaboração de uma grande obra os faz mergulhar. Outros falam da onda abrasadora que os penetra, do fogo que corre em suas veias e provoca uma super excitação que lhes centuplica as faculdades. Em vão procuram às vezes resistir a esse poder que os domina, os subjuga e lhes destruiria o envoltório caso ele fosse contínuo. Alguns há que sucumbiram a essa ação soberana e morreram prematuramente, como Rafael, na flor da idade.
Lamartine descreveu esse estado em célebres versos:
Mas ao impulso do pensamento/ O instinto dos sentidos opõe-se em vão:/ Sob o deus minha alma oprimida/ Salta, arremessa-se e bate meu coração./ O raio em minhas veias circula,/ E admirado com o fogo que me queima/ Eu o provoco combatendo-o./ E a lava de meu talento/ Transborda em correntes de harmonia/ E me consome escapando. - Tradução literal do poema.
Romain Rolland descreve o caso especial de Miguel Ângelo (Revue de Paris, 1906, e Cahiers de Ia Quinzaine), nos termos seguintes:
A força do talento que emana do Deus oculto não se manifesta claramente senão em um homem sem vontade, tal qual Miguel Ângelo. Jamais algum homem foi assim sua presa. Seu talento não parecia ter a mesma natureza de Miguel Ângelo; foi um conquistador que a ele se lançou e o manteve subjugado. Sua vontade não o governava, e poder-se-ia dizer que tampouco seu espírito e seu coração. Era uma exaltação frenética, uma vida formidável em um corpo e em uma alma fracos demais para contê-la.
Encontra-se em Goethe (Cartas a uma criança) os seguintes detalhes sobre Beethoven:
Beethoven, falando sobre a fonte de onde lhe vinha à concepção de suas obras-primas, dizia a Bettina: “Sintoma forçado a deixar transbordarem de todos os lados às ondas de harmonia provindas do foco da inspiração”. Tento segui-Ias e as tomo apaixonadamente; novamente elas me escapam e desaparecem por entre a multidão de distrações que me rodeiam. Mas em pouco tempo novamente me apodero da inspiração com ardor; encantado, multiplico todas as suas modulações, e no último momento triunfo com o primeiro pensamento musical.
"Devo viver só, comigo mesmo. Sei bem que Deus e os anjos estão mais perto de mim, de minha arte, do que os outros. Comunico-me com eles e sem medo. A música é uma das entradas espirituais às esferas superiores da inteligência."
Mozart, por seu lado, em uma de suas cartas a um amigo íntimo, inicia-nos nos mistérios da inspiração musical. Essa carta foi publicada por Holmes, na Vida de Mozart, em Londres, em 1845.
Vocês dizem que gostariam de saber qual é a maneira de compor e que método sigo. Não posso na verdade lhes dizer mais do que o que direi a seguir, pois eu mesmo não entendo nada e não consigo explicá-lo.
Quando estou bem-disposto e completamente só, durante meus passeios, os pensamentos musicais vêm a mim em abundância. Não sei de onde vêm esses pensamentos, nem como me chegam; minha vontade não me. governa.
Schiller declarou que seus mais belos pensamentos não eram de sua própria criação; vinham-lhe tão apressadamente e com tal força que ele sentia dificuldades em agarrá-los bastante rapidamente a fim de transcrevê-los.
Michelet também parece estar, em certos momentos, sob o império de algum poder desconhecido. Falando de sua Histoire de Ia révolution, ele diz:
Jamais, desde a Pucelle d'Orléans (A Virgem de Orleans), eu havia recebido tal irradiação do Alto, tão luminosa visita do céu ... Inesquecíveis dias, quem sou eu para tê-los narrado! Não sei ainda, e não saberei jamais, como pude reproduzi-los. A incrível ventura de reencontrar isso tão vivo, tão abrasador, após 60 anos, encheu-me o coração de heróica alegria.
O poder da inspiração traduz-se em Henri Heine de maneira mais sensível ainda. Eis o que ele dizia no Prefácio de sua tragédia de W. Radcliff.
Escrevi Williani Radcliff em Berlim enquanto o sol iluminava com seus raios, até desagradáveis, os telhados cobertos de neve e as árvores desprovidas de folhas; eu escrevia sem interrupção e sem rasuras. Sempre escrevendo, parecia-me ouvir acima da cabeça como que um ruído de asas.
Poderíamos multiplicar as citações desse tipo, e veríamos que a inspiração varia conforme as naturezas. Em alguns o cérebro é como um espelho que reflete as coisas ocultas e envia suas radiações sobre a humanidade. Sob mil formas ela penetra os sensitivos e se impõe.
As duas lições do Esteta que vamos ler a seguir têm por tema a inspiração, considerada em sua causa e em seus efeitos gerais, tanto na Terra quanto no espaço.
Em nossas sessões essas lições seguem-se com regularidade a cada semana, porém ainda ignoramos os.Verdadeiros nome e personalidade do autor. Entretanto observamos que os espíritos familiares de nosso grupo afastam-se respeitosamente e, apenas, se calam diante dele; o guia do médium vem, após a partida do Esteta, dizer-nos algumas palavras de amizade e de encorajamento, declarando-se "constrangido pela superioridade e pela irradiação desse grande espírito".
Qualquer que seja o valor do estilo fizemos questão de reproduzir fielmente o pensamento do autor, evitando com cuidado tudo o que pudesse alterar seu sentido, mesmo para proveito da forma.
O mecanismo da inspiração (Lição 3)
29 de novembro de 1921
Eu gostaria de lhes falar sobre a inspiração. Trata se de um processo de transmissão da centelha divina; ela se produz sob diversas formas, uma vez que a arte, com suas múltiplas ramificações, aproxima-se, em graus diversos, desse plano divino do qual lhes falo. Quando, no espaço, o espírito de um artista decide-se a reencarnar, leva consigo as amizades de seres que lhe são caros e que, por causas diversas, devem permanecer no espaço. Porém esses amigos, pela intuição, enviarão a esse ser, aprisionado na carne, fluidos provenientes de seu meio e idéias que darão novo impulso à parcela de talento que ele possui e que tenderiam a adormecer sob a carne.
A inspiração apresenta-se sob duas formas: uma pessoal; e outra mais ampla, transmitida pelos espíritos elevados que retiram para a arte elementos das mais puras fontes e comunicam seus efeitos a um ser que os põe em obra por seus meios próprios e naturais.
A inspiração pessoal é a mais comum. Vocês não ignoram que um ser capaz de experimentar esse fenômeno já seja evoluído; sua evolução se dá por graus. Em cada uma de suas vidas, ele passa por um período mais marcante do que os outros, período no qual o trabalho é mais perseverante e, conseqüentemente, mais produtivo; daí resultarão aquisições que se acumularão no perispírito. Na vida seguinte essas aquisições reaparecerão sob a forma de dom inato. Este dom, para os não-iniciados, chamar-se-á inspiração. Porém essa inspiração tem caráter apenas humano; ela é, em geral, fria, não sendo animada pelas centelhas divinas.
Para tornar essa inspiração mais bela, mais elevada, é preciso impregná-la de ideal e de fluidos que emanam do foco divino. Chegamos assim à segunda forma de inspiração. Vocês não ignoram que os amigos invisíveis velam pelos seres que julgam dignos de proteção e encorajamento. Do espaço os espíritos superiores.Pressentem a pequena chama produzida pela inspiração pessoal. Para torná-la mais luminosa, pela prece, se Deus o permite, esses guias irão buscar, em esferas onde reinam radiações maravilhosas, elementos de vida criadora que alimentarão essa pequena chama e dela farão brotar centelhas de talento.
Pode ocorrer que o corpo humano seja um pouco perturbado por essas forças. Quando os átomos físicos não podem resistir a esse influxo, produz-se uma desordem no organismo. Assim se explica o fato de em alguns homens de talento faltar algumas vezes o equilíbrio.
Eis a explicação material do fenômeno. O que sentirá o ser sob o golpe de uma inspiração? Se ele for suficientemente sensível, quando uma idéia, um pensamento que ele não podia prever, toca seu cérebro, ele o assimilará como um receptor telefônico que recebe ondas elétricas e vibra com sua passagem. É ele um pintor? De repente, sobre sua paleta, ele descobrirá o segredo da mistura das tintas, que produzirá nova cor, adaptando-se admiravelmente ao jogo de fisionomias ou ao relevo a ser dado a um quadro que esteja em execução. É ele um escritor, um pensador, um poeta? Desse mesmo cérebro brotarão a imagem, a idéia, a expressão, que devem realçar e ilustrar a obra que precisa revestir-se de forma mais elevada e mais colorida. É ele um músico? No momento em que menos espera, um acorde, uma série harmônica, uma melodia, virá, através de sua suavidade, sua pureza, sua riqueza, dar à sua composição um relevo que ele não pôde adquirir. Se o ser humano for, desde o nascimento, preso a um ideal, podemos calcular os novos tesouros que a ele se prenderão. A arte ideal é uma das formas da prece; seu pensamento atrairá amigos invisíveis bastante elevados, e para estes será fácil realçar o brilho da chama acesa anteriormente, e da alma do artista brotarão obras inspiradas pelo belo e pelo divino.
Em geral é preciso que o artista permaneça em um meio são, pois a chama criadora que o anima pode apagar-se sob a influência de um ambiente fluídico carregado de moléculas materiais. A verdadeira arte não busca os gozos da mesa, da carne e os prazeres dos quais o espírito e o cérebro não participam.
Em seu país, a França, vocês tiveram artistas maravilhosos que criaram, em todos os domínios, obras admiráveis. Os da Renascença constituíram, devo-lhes dizer, uma plêiade inspirada por também grandes artistas do espaço. Esses artistas da Renascença haviam encontrado sua fonte criadora na Antiguidade grega e latina. Após terem vivido na Grécia, em Roma e no Egito, retornaram ao espaço. Lá seus conhecimentos aumentaram e adquiriram polimento, forma particular; e quando eles reencarnaram, deixaram o paganismo para celebrarem, em todos os domínios, a glória de Deus, da qual haviam se impregnado no decorrer de sua última passagem nas esferas celestes. Suas vidas anteriores na Terra haviam sido consagradas a um trabalho de base, isto é, à preparação dessa pequena chama que devia ser como um dos pólos atrativos da essência divina. É por isso que a obra dos pintores, dos escultores e dos músicos dessa época tem cor de devoção, de suavidade, de quietude, que não encontramos na época presente.
Na próxima conversa falar-lhes-ei da inspiração da época presente. Ela é também bela em alguns, porém suas características não são as mesmas. A inspiração atual, na qual se misturam novos pontos de vista, deve servir de auxílio para uma transformação geral da humanidade, através de uma evolução no pensamento, aproximando-se e comunicando-se com os mundos invisíveis, intermediários do plano divino.
O Esteta
A inspiração nos tempos modernos (Lição 4)
5 de dezembro de 1921
Vamos falar da inspiração nos tempos modernos. Vocês vão compreender que há três grandes estágios: iniciação, trabalho e progressão. O desabrochar, parcial nos mundos, é completo no espaço. Vimos nossos artistas fazerem sua iniciação na antiguidade, quer em Roma, na Grécia ou no Egito. De retorno ao espaço, esses seres amadureceram e aproveitaram as qualidades adquiridas em um ambiente material; de volta a Terra, em outra encarnação, eles trouxeram consigo seu ideal da época do Renascimento; em seguida esse ideal desabrochou um século mais tarde, nas letras, nas artes e na arquitetura. Quero falar do século de Luís XIV. Tendo esses espíritos retornados ao espaço, durante um tempo bastante longo, a inspiração em geral foi apenas medíocre no século XVIII e latente no XIX.
Em que ela consiste em nossa época?
Os espíritos, imbuídos das belas obras rebuscadas da Terra e do espaço, e que se encontram atualmente desencarnados, retornarão no momento em que a arte e o espírito, divinizados, deverão reflorir de maneira mais intensa. Paralelamente, outros espíritos que antes trabalharam para a evolução material impregnaram-se de positivismo e, aqui no plano terrestre, no momento presente sua inspiração, classificada como inspiração pessoal, dirige-se para as coisas científicas. Porém o grupo de artistas idealistas que permanece no espaço procura iluminar com uma luz divina esses seres que possuem belas qualidades, do ponto de vista trabalho, e que devem fazer brotar a centelha da ciência.
É por isso que, atualmente, constata-se uma luta entre a ciência pura e, a busca dos destinos humanos, sua formação e a do cosmo.
Vocês me perguntarão: como se concebe a arte no espaço? A arte brota da inspiração, por isso é necessário mostrar-lhes como ela se desenvolve e cresce em constante evolução, a fim de que vocês possam perceber a caminhada ascendente da espiritualidade. Apenas quando vocês compreenderem bem como a centelha artística, a centelha divina se desprende do espírito, poderão também compreender e idealizar os quadros que se desenrolam no espaço, mais grandiosos e mais completos do que os que vêem na Terra e que são apenas seu pálido reflexo.
Os espíritos terrestres positivos, providos de centelha criadora, procuram, pela inspiração científica que lhes é própria, e por aquela que recebem dos seres desencarnados, penetrar o mistério da vida e do universo.
Todas as forças se cruzam, do mundo visível ao mundo invisível. Os espíritos idealistas procuram do alto animar, com uma chama que os espiritualiza, os seres que trabalharam em períodos diversos e que adquiriram através disso uma inspiração pessoal, porém fria e rígida.
Os cientistas da época atual não viveram no mesmo tempo que os idealistas que conceberam belas obras, e é por isso que do espaço estes procuram inflamar os cientistas, cuja inspiração pessoal confinou-se no domínio da matéria. A centelha criadora toca-lhes apenas o cérebro, porém não a alma; seria preciso, portanto, que grandes espíritos iniciadores viessem do espaço para dar a nossos contemporâneos à insuflação inspiradora que os leve, bem suavemente, através dos exemplos materiais, à revelação de forças desconhecidas.
As ondas hertzianas constituem uma das formas concretas das correntes fluídicas, criadas por Deus e transmitidas pelos espíritos. O primeiro homem que sob a forma de inspiração constatou a existência dessas ondas, a isso foi levado pouco a pouco por seres invisíveis que desejavam revelar aos terrestres o poder das correntes desconhecidas para eles. Porém, da inspiração científica à inspiração idealista há certa distância. As dificuldades são devidas aos meios de ação, mas nos séculos futuros será necessário que todos os seres vibrem em uníssono, e no momento atual o núcleo de pesquisadores cientistas tem necessidade de sentir uma inspiração, na qual se misturam a ciência e a forma espiritualizada da obra divina em toda a sua grandeza e beleza. Um vez que a multidão de seres vivos que passam pela Terra não possui o mesmo grau de evolução, a inspiração que anima cada multidão não pode ter a mesma natureza.
Para preparar-se à tarefa progressiva das gerações há, na inspiração científica, uma mescla de desconhecido, de surpresa, que gera algumas vezes um ceticismo que não é durável.
No ciclo que se prepara, os sábios deverão, fatalmente, aceitar e ensinar à humanidade as novas forças que brotam continuamente do éter. No dia em que seus cientistas descobrirem, pela intuição e pela inspiração, a fonte das correntes que animam o universo, o ideal divino estará pronto para reflorescer na 'Cerra, e então poderemos afirmar com vocês que a evolução terrestre terá dado um grande passo.
A evolução científica segue em todos os domínios, desde a preciosa descoberta material até a aplicação de princípios novos e positivos nas artes. Atualmente a arte na Terra, excetuando a literatura, procede desse tipo um pouco impulsivo de impressão e de inspiração. Se durante a Renascença as composições pareciam, às vezes, um tanto ingênuas, nos dias atuais a cor, a forma e o poder de inspiração não faltam, porém será ainda preciso adquirir, nos séculos futuros, a noção de ideal que servirá de ligação entre todas as obras do pensamento. Deus a vocês dá, através disso, o sentido real e profundo de Sua obra universal.
Neste estudo vimos o cérebro do artista organizado em todos os domínios. A inspiração vinda seja da personalidade, ou seja, do ideal divino, é a forma que concretiza a arte. Os seres carnais a adquirem na Terra; seu espírito a completa no espaço.
Mais adiante veremos as belas concepções que podem repercutir em uma alma ardente no trabalho e cheia de admiração pelo Criador.
O Esteta
III - O SENSO ARTÍSTICO
Em que consiste o senso artístico?
O estudo atento da alma mostra-nos que tudo na natureza, os sons, os perfumes, os raios de luz, as cores, encontram em nós suas correspondências, suas analogias, e que suas radiações se fundem e se harmonizam com as profundezas do ser na medida de nossa evolução. É isto que constitui o senso artístico, a compreensão do belo sob todas as suas formas.
A evolução desse senso íntimo, a faculdade de expressá-lo, desenvolvem-se de vida em vida nas almas, e acabam por produzir o talento, o gênio. Nos aspectos superiores da arte, o artista encontra a alta concepção da beleza eterna; ele compreende que sua fonte única está em Deus. Esta fonte aflui do infinito sobre todos os seres e os penetra segundo seu grau de receptividade.
Raios de luz e cores, sons e perfumes, são ligados por um encadeamento, uma espécie de gama na qual cada nota representa uma soma particular de vibrações e que em seu conjunto constituem uma unidade perfeita. Se a isso juntarmos as formas e as linhas, essa unidade tornar-se-á a lei geral do belo, e a arte, em suas múltiplas manifestações, terá como objetivo reproduzi-los.
O estudo da arte e suas realizações nos impregnam pouco a pouco dos esplendores do universo. Primeiramente surdo e inconsciente no homem primitivo, esse trabalho torna-se consciente, acentua-se, revela-se sob formas crescentes para vir a ser como que um reflexo da beleza suprema.
Porém, na Terra, a arte é ainda apenas um balbucio. Nos outros mundos, e, sobretudo no espaço, dizem-nos nossos guias, ela concebe maravilhas, perto das quais as mais belas obras humanas pareceriam bastante pobres e quase infantis. Chegando a essas alturas, a arte torna-se a mais sublime forma de culto prestado à divindade.
Até aqui o artista inspirou-se com as coisas do mundo visível ou tangível; ele ouviu suas vozes, suas harmonias; estudaram suas formas, suas cores e conseguiu delas impregnar suas obras. Ele criou, assim, entre o homem e a natureza, uma comunhão mais íntima. Graças a ele as coisas obscuras e mudas tomaram alma, e suas vagas aspirações, suas queixas, suas dores, encontraram expressões que, tornando-as mais vivas, aproximavam-nas de nós, ao mesmo tempo em que a alma humana tornava-se mais sensível ao contato da vida exterior.
Assim, a arte devolveu à vida do globo o sentido profundo que lhe faltava. Através dela as forças cegas da natureza penetraram em nós e adquiriram como que um reflexo de nossa consciência e de nossos sentimentos. A alma humana foi em direção às coisas, e sua influência deu-lhes um modo mais intenso de vida e de sensações; através dessa comunhão a alma da Terra elevou-se ao conhecimento de si mesma, de seu papel e de seu grande destino.
Agora, como se pode ver através das lições do Esteta, é um outro mundo que se abre, é uma vida ignorada que surge, mais rica, mais abundante, mais variada do que tudo o que já conhecemos até agora, e a arte vão encontrar nesse meio desconhecido fontes inesgotáveis de inspiração e de poesia, formas insuspeitáveis do pensamento e da vida.
Logo, o domínio da matéria sutil e dos fluidos foi aberto, revelando-se sob aspectos prodigiosos, oferecendo ao homem meios de estudo e de observação que aumentam ao infinito o campo de suas pesquisas e de seus conhecimentos científicos. As aparições de espíritos familiarizam-nos com todas essas formas da existência extraterrestre, desde as mais densas e mais grosseiras materializações até as manifestações da mais ideal e mais radiosa vida.
Em nossas entrevistas regulares com os espíritos guias obtêm informações sobre a vida no espaço, sobre a magnificência de suas formas e de seus tons, sobre suas suaves e poderosas harmonias, que abrem ao músico, ao coloriste, ao estatuário, vias múltiplas e inexploradas.
Aqueles que gozam de faculdades medianímicas percebê-las-ão diretamente, e todos os recursos da arte com elas serão enriquecidos. O vasto mundo dos espíritos torna-se acessível aos nossos sentidos, pelos espetáculos e os ensinamentos que ele nos reserva. As forças intelectuais da humanidade serão centuplicadas, seu talento artístico conceberá obras que ultrapassarão tudo o que os séculos realizaram.
Em resumo, a lei eterna do universo, o objetivo sublime da criação, é a fusão do bem e do belo. Esses dois princípios são inseparáveis, inspiram toda a obra divina e constituem a base essencial das harmonias do cosmo.
Sendo o pensamento e a intenção divinos o bem, o belo é sua manifestação. O ser, em sua ascensão, deverá deixar-se penetrar cada vez mais por esse pensamento soberano, por essa vontade, e aplicar-se em realizá-los em si mesmo, e fora de si, sob formas cada vez mais perfeitas. Sua felicidade consistirá em assimilar essa lei e em cumpri-Ia. As alegrias íntimas e profundas que daí resultarão são a demonstração evidente do objetivo do universo; alegrias dizem-nos os espíritos, que qualquer linguagem humana é impotente para definir. Essas leis, esse objetivo essencial, o espiritismo não apenas nos ensina como também nos indica os meios para atingi-los, para praticá-los. Sob esse ponto de vista, seu papel é considerável e sua intervenção, no momento presente da história, é providencial.
Assistimos há um século ao colossal desenvolvimento da indústria e de suas invenções, à descoberta e à aplicação dos recursos físicos do globo. Daí, nas idéias, uma poderosa corrente materialista, que deu novo impulso aos apetites, às imperiosas necessidades de bem-estar e de prazeres. Faz-se sentir cada vez mais a necessidade de a isso se opor uma contra-influência espiritualista.
A evolução materialista necessita de uma evolução paralela, filosófica e religiosa, sem o que as forças intelectuais se voltariam cada vez mais para o mal e o mundo se desmoronaria num cataclismo para o qual a última guerra não seria senão um prelúdio e dele nos daria apenas uma idéia.
Acima da vida presente, que é apenas transitória, é preciso, entre outras coisas, entrever a outra vida, que é sua finalidade e sua sanção. É somente através da cooperação mútua das ciências, das filosofias e das religiões-mais evoluídas que o pensamento atingirá a perfeição e a humanidade encontrará, confiança e a paz, com o conhecimento das verdades essenciais, sob suas diversas faces.
A elaboração da obra de arte (Lição 5)
10 de janeiro de 1922
Falamos, em nossas últimas lições, sobre diferentes graus de inspiração capazes de se exteriorizar e de formar pinturas, imagens espirituais, tornadas concretas para os seres que habitam o mundo terrestre e os diversos pontos do éter.
Tendo as lições preliminares mostrado a ginástica cerebral que se realiza, de modo consciente ou inconsciente, em cada ser organizado, vamos agora ver qual o fenômeno que, no retorno ao espaço, faz movimentar por reflexo esses mesmos feixes fluídicos, armazenados sob a forma de conhecimentos nos envoltórios carnais.
Um escultor retorna à vida no espaço. Ele revê todas as suas existências passadas, e em geral as últimas tiveram como centro de trabalho (centro, no sentido absoluto da palavra) locais onde a própria natureza incita à beleza. No espaço esse ser não poderão afastar de seu espírito os pensamentos, as visões das obras criadas por seus semelhantes ou por ele próprio. Instintivamente seu espírito flutuará ainda em torno dos monumentos, das estátuas que gostava de contemplar durante sua vida material. Se sua existência passou-se em tal país, a este' ele retornará; se uma preexistência passou-se em outro, para este, instintivamente, ele será atraído por suas recordações. Em repouso no espaço ele gozará de real beatitude, e projetarão em irradiações de todas as cores quadros, formas esculturais do mais maravilhoso efeito. Ele poderá aliar as artes gregas, romanas, latinas e gaulesas e reviver horas inesquecíveis. Todos os períodos de sua arte serão representados conforme a duração e o gênero das evoluções realizadas.
Um dia, no meio astral onde se encontra, composto de moléculas especiais, ele irá querer fazer os espíritos menos evoluídos aproveitarem as mais belas projeções.
Com o auxílio de alguns amigos, seu pensamento pedirá a Deus que atraia espíritos profanos que possuam o desejo de se elevarem, mas cujos conhecimentos artísticos são medíocres. Empregando os termos por vocês utilizados, ele irá querer vulgarizar sua arte e chamar a si um público de seres sem dúvida distintos, mas pouco eruditos. O espírito sempre inventivo de nossos artistas formará pórticos, abóbadas, unindo a arte grega à arte romana, e a arte romana à arte ogival, que constituirão graciosos monumentos. Esses monumentos, formados fluidicamente, são constituídos de moléculas relativamente sólidas, não que se possa nelas chocar-se, porém essas moléculas, quando por elas passam espíritos, produzem neles uma impressão próxima ao êxtase.
Os seres fluídicos podem, assim, encontrar-se em presença de arquiteturas cujos planos a geometria de vocês, bastante pobre, não me pode ajudar a explicar.
Essas obras de arte podem permanecer fixas no espaço tanto tempo quanto a vontade do artista o desejar, porém ele sente que seu orgulho tem limites; em um momento fixado sua vontade projetará instintivamente um outro quadro e o monumento precedente desaparecerá, devolvendo ao infinito toda a sua limpidez, esperando que uma nova obra se produza e se afirme.
As moléculas que compõem esses trabalhos de arquitetura são, por si só, maleáveis e retiradas da matéria astral; porém o pensamento do artista, como todos os outros sentimentos, irisa-os com cores tais que todos os seres que contemplam essas obras experimentam sensações tanto mais vivas quanto mais acentuada seja sua elevação.
Os modelos são tomados quer de recordações que emanam da Terra, quer de outros mundos, mais ou menos avançados. Falar-lhes-ei sobre esses mundos em último lugar.
Se a escultura é interessante, a pintura também o é. Há gradações entre a escultura, a pintura, a música e a arte da palavra, ou da filosofia escrita ou falada.
O Esteta
A pintura (Lição 6)
20 de janeiro de 1922
Após haver falado, em nosso último encontro, sobre a arquitetura no espaço, hoje vamos nos ocupar com a pintura. Há uma diferença sensível entre o pensamento escrito ou falado e a arquitetura ou a pintura. A arquitetura toca os sentidos, a pintura toca mais o espírito do que os sentidos.
Na vida comum, a pintura é a reprodução exata, tanto quanto possível, dos quadros que Deus quis colocar sob nossos olhos sobre os mundos que Ele criou. Na arquitetura participa tanto a inspiração quanto o talento, da mesma forma como o trabalho do ser humano. A pintura provém de outra forma; ela tende a fixar sobre uma superfície qualquer as impressões transmitidas ao cérebro pela receptividade das imagens.
No mundo terrestre, a pintura inspira-se também em visões anteriores recolhidas pelo artista, seja no espaço, seja nos mundos que habitou ou visitou. O ser que trabalhou especialmente nessa arte possui todo o material necessário para reconstituir, num meio fluídico apropriado, os quadros suscitados por seu pensamento.
As cores terrestres formam uma paleta bastante incompleta, uma vez que, além daquelas representadas pela natureza, vocês são obrigados a criar outras, artificiais, com o auxílio da química.
No além o pensamento concretiza-se em feixes luminosos, revestindo-se dos mais variados tons. Cada pensamento traduz-se, portanto, por um rasto luminoso, mais ou menos colorido, segundo sua orientação.
Vocês podem conceber que é muito fácil, para um ser que já tenha, por sua evolução, um passado artístico, reproduzir no meio fluídico não somente arcadas arquiteturais, como também painéis sobre os quais serão impressas cenas reconstituindo o que chamarei de sonho em cores.
No próprio espírito do ser os tons existem em estado latente, uma vez que eles próprios são formados por moléculas diversamente coloridas. Essas moléculas são comparáveis a pequenos pedaços de vidro de diferentes cores. O pensamento, atravessando essas moléculas, fará uma projeção que reproduzirá os temas que o freqüentam. A fotografia a cores pode ser tomada como comparação, uma vez que, de maneira bem restrita, ela pode dar uma fraca idéia das colorações fluídicas do espaço.
Vocês vêem daqui a diversidade de cenas que podem ser projetadas por seres especialmente organizados. São naturalmente aqueles que trabalharam a pintura que projetam os mais belos quadros, pois estes últimos possuem a harmonia da linha e a ciência do desenho.
A atração dos meios espirituais não é vã; a corrente perpetua-se e desenvolve-se, a evolução prossegue mesmo no espaço, e numerosos são os espíritos que voluntariamente procuram impregnar.Se das esplêndidas qualidades dos espíritos mais avançados do que eles.
Estes criam, no meio onde vivem, quadros, cenas de maravilhosa fascinação, de incomparável riqueza de colorido. Da mesma forma como na arquitetura, esses quadros são perecíveis à vontade do ser que os criou, mas existem regiões onde, quer na arquitetura, quer na pintura, cenas e monumentos subsistem após a reencarnação do autor. É como que um dos limites do espaço que separam os mundos etéreos, mundos numerosos onde a vida é puramente espiritual e que não são freqüentados senão por espíritos bastante evoluídos. É lá que os seres vão em missão procurar as altas inspirações, iniciar-se no culto do belo e do bem, impregnando-se de radiações que têm caráter realmente divino.
O Esteta
IV - LITERATURA E ORATÓRIA
A literatura e a oratória são também formas da arte, poderosos meios para se fazer irradiar o pensamento em nosso mundo. Pode-se, a esse respeito, dizer o que Esopo dizia da língua, ou seja, que esta é, segundo o uso que dela se faz, o que há de melhor ou de pior. Sob esse ponto de vista, a França teve sempre um papel privilegiado. A clareza, a nitidez de seu verbo, apesar deste ser mais pobre do que outro em qualificativos, serviu amplamente à expansão de seu talento e à difusão das idéias generosas. São, portanto, as qualidades desse verbo que asseguram, ao mesmo tempo, em nosso país, lugar à parte no mundo e alta posição no futuro.
Nossa língua, por sua limpidez, sua clara compreensão das coisas, é o instrumento predestinado das grandes anunciações, das augustas revelações. As outras línguas possuem seu encanto, sua beleza, porém nenhuma consegue melhor esclarecer as inteligências, persuadir, convencer. Além do mais, os espíritos de elite que virão a Terra cumprir uma missão renovadora encarnarão de preferência em nosso país, a França; e dentre eles, os maiores de todos, a fim de que nossa língua possa servir de veículo a seus altos e nobres pensamentos através do mundo. Sua presença e sua ação dizem-nos do além, contribuirão ainda para aumentar o prestígio e a glória da França.
A literatura francesa sobressai, sobretudo na análise dos sentimentos e das paixões; ela caracterizou-se principalmente no romance, cujo tema geral é o amor sensual. Sob a influência do materialismo mundano, ela, de fato, perdeu-se em contradições, e em vez de cooperar para o enobrecimento da raça, contribuiu, com mais freqüência, para a corrupção de seus costumes e para a precipitação de sua decadência. A maioria dos autores de nosso tempo compraz-se em expor suas aventuras na ostentação de um cinismo picante. Daí, em certos momentos, o descrédito da França no exterior e as medidas tomadas contra nossa língua em vários estabelecimentos de educação. Já está na hora de uma nova corrente de idéias vir inspirar a arte e a literatura francesas, com um sentido mais filosófico das coisas e mais amplo noção do destino. Apenas isto pode devolver às obras do pensamento toda a sua amplitude e sua regeneradora eficácia.
Sob a inspiração de colaboradores e instrutores invisíveis, essa reação vai acentuar-se. Os escritores e os oradores sentem-se levados pelas forças ocultas em direção a horizontes mais puros, mais luminosos. De toda parte surgem produções impregnadas de doutrinas amplas e elevadas.
O pensamento francês começa a adquirir esse poder de irradiação ao qual tem direito; ele alcançará um dia alturas que apenas a música soube fazer-nos entrever e pressentir. Chegará a possuir esse dom de penetração, de persuasão, essas qualidades estéticas que assegurarão sua definitiva predominância.
Pode-se constatar, desde agora, que sob sua influência o mundo latino impregnou-se inteiramente da doutrina de Allan Kardec sobre as vidas sucessivas. As obras do grande iniciador foram traduzidas para todas as línguas neolatinas. As edições espanholas e portuguesas sucedem-se rapidamente nas Américas Central e Meridional; a idéia espiritualista penetra nos meios mais retirados, sob a forma com a qual os escritores franceses a revestiram.
No século passado autores de talento já haviam encontrado, nos fenômenos psíquicos, temas de inspiração. Podem-se citar Balzac, Alexandre Dumas, Théophile Gautier, Michelet, Edgard Quinet, Jean Reynaud e muitos outros.
O romantismo, apesar de seus excessos, levava àquele século, como uma grande onda, a noção do divino e da imortalidade; além do mais, os homens de 1830 e de 1848 possuíam caráter diferente e mais nobre moral do que os homens políticos de nossa época.
O impulso romântico manifestou-se como prelúdio do grande movimento de idéias que hoje envolve toda a humanidade. De Lamartine a Victor Hugo, a Baudelaire e Gérard de Nerval, todos procuram o infinito na natureza e na vida. A noção das vidas sucessivas encontra-se em La Chute d'un Ange (A Queda de um Anjo) e em Jocelyn, de Lamartine; e ainda em Revenant (De Regresso), Contemplations (Contemplações) e Légende des Siècles (Lenda dos Séculos) de Victor Hugo; em La Vie Antérieure (A Vida Anterior) de Baudelaire, etc.
Em obras mais recentes, certos autores de mérito, como Paul Grendel, Élie Sauvage, Doutor Wylm, etc., deram mais desenvolvimento à idéia psíquica e dela fizeram resultar suas amplas conseqüências. Até mesmo no exterior, Rudyard Kipling, dizem, e Selma Lagerlof introduzem a reencarnação em suas obras. Toda uma plêiade de jovens e ardentes escritores, nem sempre comedidos, segue esse exemplo e entra por fecundas e ricas trilhas.
Os graves acontecimentos desses últimos anos criaram em toda parte novas necessidades do espírito e do coração: a necessidade de saber, de crer, de descobrir os focos de uma luz mais viva, fontes mais abundantes de consolação.
A alma da França se esforça para desligar-se dos laços do materialismo. Suas profundas intuições célticas despertam e a levam em direção às fronteiras espirituais onde todo um mundo invisível à chama e a atrai.
O talento da França é feito de equilíbrio e de harmonia. Apesar de certas fraquezas no passado, pode se dizer que ele freqüentemente serviu de mediador entre as mais diversas escolas, entre os mais opostos sistemas. Ainda hoje, no campo político, por exemplo, a França permanece entre a reação e a anarquia. Sempre foi assim, no decorrer de sua história, nos domínios da arte e do pensamento.
Vimos que sua língua, que é uma das expressões de seu talento, apresenta as qualidades de precisão e de flexibilidade que dela fazem um maravilhoso agente de difusão e de propaganda. Ela sabe dar às idéias, ao mesmo tempo, força e graça, e é através disso que ela pode contribuir amplamente para a iniciação do mundo no conhecimento das leis superiores.
A literatura e a poesia francesas, melhor do que todas as outras artes souberam reproduzir todas as nuanças do pensamento e do sentimento; a ternura e a energia, o encanto, a suavidade infinita do ideal, em suma todos os sonhos sobre-humanos da arte e da beleza. O claro talento da França tem por papel, sobretudo reunir e fundir, em uma média equilibrada, seus dois talentos diferentes do Sul e do Norte, da raça latina e das raças setentrionais. É talvez ao encontro desses elementos opostos, ao fluxo e ao refluxo dessas correntes diversas, que se deve a mobilidade de seu espírito e a instabilidade às vezes desagradável de suas considerações; porém, sempre, após os períodos de crise, onde o equilíbrio nela se altera, o espírito nacional retoma sua atividade e seu livre desenvolvimento.
Sua missão parece, portanto, ser a de fornecer aos outros povos, de espírito mais lento, indicações, diretrizes das quais tirem proveito em aplicação prática e fecunda. É nesse sentido que a França é um maravilhoso agente de progresso e de evolução humana, por sua preocupação com a verdade e a luz, e pela beleza das formas com as quais ela se compraz em revesti-Ias.
São essas qualidades que estabelecerão um papel preponderante para ela na difusão do espiritismo filosófico e moral, enquanto que os países anglo-saxões representam-no, sobretudo, sob seu aspecto cientifico e experimental.
Após suas horas de tentativa e de obscuridade, o talento da França, que não é outro senão a alma sempre viva e imortal da Gália eleva-se novamente, e com vigoroso esforço desliga-se do lodaçal terrestre e lançasse em direção ao céu para lá descobrir novos horizontes, novas perspectivas para o futuro e mostrá-los como objetivo à humanidade em desenvolvimento.
Para todos aqueles que estudam e compreendem o talento de nossa raça, sob o véu do ceticismo que às vezes a recobre, a alma céltica reaparece, e nas horas solenes são esses impulsos que determinam as resoluções viris, os atos decisivos.
É ela que inspira Joana d'Arc e através de suas mãos livra a França do jugo dos ingleses; é ainda ela que provoca essa poderosa explosão espiritualista que, na época revolucionária, leva a todos a noção essencial de liberdade, assegurando assim o triunfo da alma moderna sobre as teorias deprimentes do determinismo e do fatalismo. É sempre ela que, nos dias sombrios de 1914, desperta todas as forças vivas da nação e a dirige, heróica e sublime, diante do despotismo germânico e do militarismo teutônico. Mais recentemente ainda, ela a opõe como um dique à onda vermelha do bolchevismo.
A França tem maiores deveres do que as outras nações, porque recebeu maiores dons, mais brilhantes qualidades. Assim, também suas responsabilidades são mais pesadas e maiores. Hoje uma tarefa maior do que todas as outras se delineia para ela no mundo inteiro. Trata-se de iniciar os homens nas belezas de um futuro mais amplo, mais rico do que aquele que as concepções filosóficas e religiosas puderam enxergar. Trata se de guiar a ascensão humana às majestosas perfeições da idéia, onde se acende o fogo de um novo dia, a aurora de uma civilização mais nobre e mais digna, liberta das calamidades que até o momento entravaram a via áspera e dolorosa da humanidade.
As outras nações têm, cada uma, sua tarefa importante, porém a França ultrapassa a todas pela variedade de suas aptidões e de suas atividades. Por isso é que o mundo inteiro tem os olhos fixos sobre ela, esperando o sinal que traçará sua nova evolução.
Oh, alma viva da França, desligue-se das pesadas influências materiais que ainda a oprimem, eleve-se até esse nobre ideal, pois sua missão é adquiri-lo e propagá-lo pelo mundo. Apenas quando a nova revelação for conhecida por todos os povos, quando ela tiver dado à sua expressão a forma soberba de seu talento, é que os homens compreenderão seu grandioso destino, assim como os deveres e os encargos que ele lhes impõe, e então a justiça e 'a, paz enfim reinarão sobre a Terra regenerada. E através dessas ações seu papel aparecerá aos olhos de todos. Você será venerada pelas gerações e sua glória se iluminará com uma luz que nada mais poderá denegrir!
Na oratória o movimento do pensamento é representado não somente pela palavra, mas também pelo gesto que sublinha e acentua seus efeitos. Nisto, mais do que em qualquer outra matéria, uma justa medida se impõe, pois o excesso, assim como a ausência de mímica, devem igualmente ser evitados com cuidado.
A maioria dos grandes oradores experimenta o sopro do invisível. A inspiração lhes chega a rápidas ondas que fazem surgir às expressões, as formas, as imagens que provocam o entusiasmo das multidões. Em certos momentos eles se sentem como que suspensos da Terra e levados por irresistível corrente. No decorrer de minha carreira de conferencista experimentei muitas vezes a sensação de um poderoso auxílio oculto, e eu conhecia sua causa. O espírito de Jerônimo de Praga, meu protetor, meu guia, sempre me assistiu em minha tarefa de propagandista. Às vezes, no momento de aparecer diante de um numeroso público, freqüentemente indiferente ou mesmo hostil, e de tomar a palavra, encontrava-me tomado por um mal-estar físico, por uma violenta enxaqueca que me paralisava o pensamento e a ação. Mas, então, respondendo a meu ardente apelo, à minha prece, o espírito de meu guia intervinha. Através de enérgica magnetização, ele restabelecia o equilíbrio orgânico e devolvia-me a lucidez, os meios de agir. Outras vezes, após debates contraditórios que duravam várias horas, após disputas oratórias com obstinados críticos, materialistas ou religiosos, apesar de meu esgotamento, eu ainda encontrava palavras marcantes, vibrantes entonações que surpreendiam e agitavam o auditório. Tive, certo dia, a compreensão desse fenômeno vendo-o reproduzir-se sob meus olhos.
Foi em Aix-les-Bains, na igreja paroquial, durante uma solenidade religiosa em homenagem a Joana d'Arc. Na presença do cardeal Dubillard e de uma multidão compacta, um jovem padre subiu ao púlpito para falar sobre o panegírico da heroína. A médium, Senhora Forget, que se encontrava sentada a meu lado, disse-me de repente: "Vejo o espírito de Jerônimo, ele está de pé no púlpito, atrás do padre”.Fiquei atento ao que ia ocorrer. O jovem padre começou em tom calmo: suas frases harmoniosas desenrolavam-se metodicamente, em seguida, pouco a pouco, o tom elevou-se, a voz tornou se vibrante e, no final, entonações possantes, as quais eu reconhecia, ressoaram nas abóbadas do prédio. Eu tinha um exemplo do que havia se produzido comigo mesmo em numerosos casos.
Essa inspirada eloqüência reencontrei em certos médiuns, bastante raros na verdade. Uns há que incorporam, em uma mesma sessão, vários espíritos, cujos discursos revelam personalidades bastante distintas, de grande originalidade, e que são impossíveis de serem confundidas entre si ou com a do médium.
O mais notável sujet que encontrei durante minhas viagens, era filha de um professor do Liceu de Marselha. No estado de transe, ela servia de órgão não somente para oradores do espaço como também para outras entidades extraordinárias, por exemplo, a célebre Senhora Geoffrin, que por sua delicadeza de espírito, sua finura e o penetrante encanto de suas maneiras, por sua linguagem um pouco desusada, não dava, há de se convir, margem à simulação.
É assim que as influências do alto se fazem sentir de mil maneiras e que cada vez mais se afirma à prova da sobrevivência e da solidariedade que une o mundo dos vivos ao mundo dos mortos.
O verdadeiro mérito quer do escritor, quer do orador, consiste em fazer pensar, em provocar nobres e santos entusiasmos nas almas, em elevá-las às alturas radiosas, onde elas percebem as vibrações do pensamento divino em uma suprema comunhão.
Porém, para que a alma se dilate e se expanda na embriaguez das alegrias superiores, convém que a harmonia venha juntar-se à palavra e ao estilo; é preciso que a música venha abrir para a inteligência as vias que levam à compreensão das leis divinas, à posse da eterna beleza.
A influência da música é imensa, e reveste-se das mais diversas formas, de acordo com os indivíduos. Os sons graves e profundos agem sobre nós de tal forma que o que há de melhor em nós exterioriza-se. A alma desliga-se e remonta às fontes vivas da inspiração.
Aconteceu-me, mais de uma vez, quando eu tinha de realizar uma conferência em grande cidade, de dirigir-me, na véspera, à noite, em direção a algum teatro lírico. Lá, escondido no fundo de um camarote, completamente isolado, eu me desinteressava de tudo o que se passava na sala ou em cena, para deixar-me embalar pela obra musical. Sob a ação combinada dos instrumentos e das vozes, uma onda de idéias subia a meu cérebro, uma floração de pensamentos e de imagens surgia das profundezas de meu eu. E nesses momentos eu estabelecia meu tema com uma riqueza de material, uma profusão de argumentos, uma abundância de formas e de expressões que eu não teria podido encontrar no silêncio e que nem sempre se apresentava à minha memória no momento oportuno.
O som dos órgãos e os cantos sacros produzem em mim impressões ainda maiores. Nos momentos em que posso ouvir boa música, o poder da arte abre-me, para meu proveito, o domínio dos tesouros ocultos das mais belas faculdades psíquicas, para deixar-me, em seguida, recair pesadamente na habitual corrente do pensamento e da vida.
Na Terra, é através do pensamento, escrito ou oral, que se comunica à fé e que se instruem os homens. No espaço, porém, dizem-nos nossos guias, a música é a expressão sublime do pensamento divino.
No plano terrestre, pode-se observar que um escritor ou um orador que estude a harmonia vê crescerem, em proporção, os recursos de sua imaginação, sua penetração das coisas e sua facilidade em expressá-las. Certos homens de talento não declararam que suas mais belas obras haviam sido concebidas em horas de êxtase, provocadas pela audição de longínquos ecos de algumas notas ouvidas dos concertos celestes, isto é, da orquestra infinita dos mundos?
O pensamento na arte (Lição 7)
27 de janeiro de 1922
Esta noite vamos abordar o domínio artístico, que tem como veículo puro o pensamento, o pensamento na literatura e na oratória. Em nossa última conversa mostramos como, do ponto de vista artístico, o reflexo do pensamento podia, graças a meios maravilhosamente sutis, ligar-se a moléculas fluídicas e, através de tonalidades variadas representando idéias, constituir quadros nos quais a arte da cor reproduz cenas tendo o belo como símbolo. E agora, qual será o mecanismo do pensamento na arte?
O pensamento é, antes de tudo, um dom de observação. O ser humano, encarnado ou desencarnado, pode explorar em pensamento todos os meios. Deixaremos de lado os seres que possuem caráter essencialmente material e que dirigem seus pensamentos a meios onde reina o espírito de lucro ou de luxúria.
Porém, no ser evoluído, o pensamento se elevará muito mais alto.
Vocês sabem que na Terra esse pensamento liga-se à pintura dos costumes, à análise dos caracteres e traduz-se em escritos que se revestem de formas mais ou menos simbólicas. No espaço o pensamento torna-se naturalmente muito mais livre; ele possui em si mesmo o reflexo exato de todos os sentimentos que nele possam ter sido impressos anteriormente e impressioná-lo em graus diversos. O espírito, logo que se desprende da matéria e que chega a uma determinada elevação, pode transmitir diretamente seu pensamento a seres ainda encarnados. Desse modo explica-se o fenômeno da inspiração.
Tomemos corno exemplo um ser espiritual bastante evoluído e que professe o culto da beleza perfeita. Ele reconhecerá na Terra os seres humanos cujo pensamento já se traduz através de focos luminosos. Sentir-se-á atraído por esses seres e seu próprio pensamento se misturará aos deles; suas moléculas fluídicas vivificarão, de forma intensa, as moléculas materiais geratrizes que brotam do cérebro do ser que vive no mundo terrestre.
Os espíritos-escritor aproximar-se-ão dos artistas da pena; os antigos oradores sentir-se-ão atraídos pelos mestres da palavra.
Assim é no que concerne à transmissão do espaço a um mundo. No ser evoluído, o desejo de fazer resplandecer seu pensamento através do espaço não é menor do que o que o atrai para os mundos habitados. Tomemos como exemplo um grande pensador terrestre; de retorno ao espaço, ele revelará aos espíritos que o circundam a própria essência das virtudes adquiridas. Em seguida, lendo o cérebro dos seres encarnados, aí projetará ondas impregnadas de todas as qualidades de seu pensamento.
É obra imperecível esta transmissão através dos corpos fluídicos, pois quando as emanações do pensa= mento são intensas, impressionam os cérebros de tal forma que estes guardam para sempre o cunho da impressão experimentada.
Há estreita correlação entre os pensadores da Terra e os do espaço. Certos espíritos passam sua existência no além colhendo essas impressões. Quando, por sua vez, sentem-se capazes de fazer os seres menos evoluídos delas tirarem proveito, retornam a Terra e então novamente tornam-se esses grandes escritores, esses grandes poetas e essas pessoas ilustres que causam a relativa admiração daqueles que os circundam.
A arte da oratória é formada da mesma maneira, porém com mais sutileza. No orador as vibrações do espaço são poderosamente sentidas através do organismo após um trabalho mais intenso concluído antes do nascimento, e pela ação de uma vontade muito mais forte.
Cada orador possui, em graus diversos, o dom da intuição, mais ou menos desenvolvido. Em geral, as qualidades de um mestre da oratória resultam de uma preparação efetuada no espaço, graças soma das impressões experimentadas nesse meio.
De acordo com a disposição das moléculas materiais, a arte, nos homens de letras ou no orador, é mais ou menos pura. Disso vocês têm prova considerando as diferentes categorias de escritores, de poetas, de oradores. No escritor comum, o pensamento é ainda carregado de um materialismo freqüentemente pesado. No poeta, o ideal, o símbolo, manifestam-se em mais alto grau, e são tanto mais admiráveis quanto mais puros o sejam. Da mesma forma ocorre com o orador; disso vocês têm prova no contraste existente entre o orador de condição inferior e aquele que, profano ou sagrado, consagra seu órgão físico à defesa e à divulgação das máximas e dos preceitos que emanam quase que do Alto.
As formas de exteriorização do pensamento são tão múltiplas quanto os indivíduos. As categorias de pensadores podem distinguir-se no espaço pela intensidade luminosa que se desprende de seu ser fluídico. A palavra do ser terrestre, de natureza absolutamente material, é coisa desconhecida no espaço; assim, quando um ser retorna a essa vida, deve submeter-se a nova adaptação, e sua linguagem se tornará a da interpretação das cores. Há na cor uma gama tão sutil e variada que as mínimas modulações podem representar as mínimas flutuações do pensamento.
Um ser enamorado pela arte poderá receber e transmitir pensamentos de infinita delicadeza, e asseguro-lhes que para meus sentidos a arte do pensamento aproxima-se mais de Deus do que as outras artes.
Que delícia para nós no espaço sentirmos as vibrações de um ser que tenha o caráter de pureza e de elevação notáveis, e que se traduzem por radiações de tonalidades maravilhosamente ricas em átomos fluídicos!
Não retomarei aqui a análise de todos os domínios do pensamento. Eu simplesmente pretendi mostrar-lhes o mecanismo de transferência da arte da Terra ao espaço e seu princípio fundamental no meio das camadas fluídicas. Acrescentarei, e insisto em lhes dizer, que o pensamento é para nós a coisa mais fácil de transmitir, pois sentimos uma verdadeira alegria em auxiliar na iluminação moral dos seres que os circundam.
Os cérebros humanos, fechados às idéias sublimes que emanam do Ser Divino, não podem atualmente compreender o encadeamento das forças em ação no universo. Que nos seja suficiente saber que o pensamento de Deus atinge todos os seres e todas as coisas, que nenhuma de suas radiações se perde, e que nós, pobres libélulas, temos o papel de transmitir o melhor de 'nós mesmos àqueles que podem nos compreender. Nisso a arte vem em nosso auxílio. Atenham-se, portanto, a pensar com arte. Amem àqueles que pensam bem. Pois, estejam certos, a própria essência desse pensamento é um reflexo da vida no espaço; lamentem aqueles que não sabem pensar. A arte é uma das formas da beleza, e como o pensamento ela deve ser seu veículo, pois a beleza encerra em si mesma os princípios da bondade, da grandeza e da justiça.
O Esteta
A transmissão espiritual da arte (Lição 8)
3 de fevereiro de 1922
Hoje falaremos sobre a transmissão da arte na Terra, a fim de mostrarmos o papel que assumem, nas composições artísticas, os espíritos que continuam uma obra cujos elementos são retirados das fontes fluídicas e expandem-se nos meios materiais. Vimos de que forma, no espaço, um ser evoluído podia, através de reflexos, reproduzir por meio de suas qualidades artísticas temas tomados do domínio da arquitetura, da pintura, da escultura ou do pensamento.
Vocês recordam que é graças à faculdade que cada ser fluídico possui, de poder constituir os elementos e os quadros de suas vidas sucessivas, que ele aprende e retém todas as coisas que formam a universalidade divina. Agora desejo falar-lhes, deixando de lado o problema da intuição, sobre o espírito reencarnado que na Terra, por exemplo, quando o desenvolvimento corporal é suficiente, pode sentir vibrar em seu ser as moléculas fluídicas impregnadas de radiações resultantes de várias vidas no espaço e que podem traduzir-se, na Terra, por supostos dons inatos, os quais 'levarão o ser vivente a uma situação notável na categoria dos artistas, dos pensadores.
Tomemos a arquitetura como exemplo. Após reunir os elementos do desenho que irão fornecer a seu cérebro material capaz de concentrar as radiações, estas, intuitivamente, levarão o ser humano a criar formas ideais, inspirando-se, sem o saber, em imagens, em quadros, que poderão ser reconstituídos pelas radiações ligadas a seus átomos cerebrais.
De acordo com o número de vidas percorridas, de acordo com a vontade de estudar, de compreender, os átomos serão mais animados por vida própria, ou menos; e também de acordo com a flexibilidade de harmonia das linhas que lhe servirão de condutor, a obra criada será mais, ou menos, rica e elevada.
Por um lado, trabalho maquinal, trabalho exterior, aquele que é ensinado durante a vida tangível do ser; por outro lado, fixação das moléculas radiosas, impregnadas das aquisições anteriores. Sobre essas linhas, mais ou menos flexíveis, maleáveis, realiza-se uma produção, uma criação. A arquitetura vê, de repente, aparecerem linhas, abóbadas, e de acordo com sua vontade um monumento edifica-se; são as moléculas que, segundo os conhecimentos geométricos adquiridos, agem por extensão sobre os lóbulos cerebrais do artista e concretizam imagens idealizadas pelo abstrato.
Servi-me da arquitetura como exemplo, pois a arte arquitetural é, sob o ponto de vista de vocês, a arte mais tangível. No espaço o espírito percorre mundos infinitos; a arte da linha é para ele a primeira letra desse grandioso alfabeto que chamaremos de gama das formas, dos sons e das cores. O ser extrai do espaço e dos mundos essas formas necessárias, que são reproduzidas pela escultura. Para um espírito mais sutil, que ocupa um escalão mais elevado da arte, a pintura será a preferida, uma vez que o relevo no pintor é unicamente fluídico e deve ser reproduzido pelo pincel.
O terceiro escalão será aquele que dará acesso aos pensadores, aos filósofos, aos escritores. Os trabalhos geométricos, dos quais falamos, aí se tornam quase fictícios, sendo a geometria do pensamento simplesmente uma análise cada vez mais sutil dos seres e das coisas.
No próximo encontro abordaremos a música, e esforçar-me-ei para demonstrar como as inflexões musicais devem e podem sintetizar todas as artes, uma vez que elas são o veículo do sopro que tudo cria e anima.
Em minha vida terrestre interessei-me por todas as artes: pintura, escultura, música; agora Deus permitem viver em esferas onde tudo é vibração, e desejo dar lhes uma rápida visão dessa vida celeste.
O Esteta
V - O ESPIRITISMO, A LITERATURA E A MÚSICA
No capítulo precedente vimos que a preponderância da literatura francesa firmou-se por longo tempo. Ela possuía tudo o que seduz e cativa. Porém uma evolução impõe-se; chega um momento, na história do pensamento, onde a palavra e o gesto não são mais suficientes para traduzir as emoções da alma. É então que o senso musical desperta e entra em jogo na própria literatura, que deve ser como um reflexo da harmonia superior. A manifestação dessa tendência marca um grau a mais na ascensão do espírito rumo à perfeição, da mesma forma como no espaço, onde a palavra cessa de ser usada.
Essa evolução do pensamento e de suas manifestações, sob suas múltiplas formas: artes, ciências, letras, será conduzida por uma cooperação cada vez mais íntima e profunda do mundo dos espíritos na obra humana.
A revelação espírita fornece-nos inesgotáveis temas de inspiração e de sensação. Ela nos inicia nas condições de uma vida mais sutil, vida que é o objetivo essencial de toda ascensão e cujos detalhes introduzem, em nossos programas de estudo e de pesquisa, uma variedade de elementos que estão aquém do infinito dos limites de nossas concepções, de nossos conhecimentos. Daí resulta, forçosamente, uma fecundação, uma completa renovação do ideal que se apagava e se alterava sob o império das teorias materialistas ou dogmáticas, império que vai ter fim, apesar dos desesperados esforços de seus partidários.
Assim, o espiritismo dá ao pensamento um novo e vigoroso impulso. Ele traça, na história dos seres e dos mundos, um imenso círculo, que permite todos os sonhos, todos os vôos da imaginação; abre novos caminhos, em tudo o que faz o poder, a grandeza, a beleza do universo.
Até aqui a forma literária pareceu suficiente para exaltar os sentimentos nacionais e tudo o que se refere à epopéia das raças humanas e à vida planetária em geral. Ela pôde até mesmo parecer excelente e produzir obras-primas que permanecerão como monumentos imperecíveis do pensamento e do sentimento. Porém, por mais excelente que seja, a literatura torna-se pobre quando se trata de reproduzir as formas superiores da atividade humana.
na medida em que seus horizontes se ampliam e que a humanidade se comunica com a vida universal, formas mais perfeitas de expressão e de sensação tornam-se necessárias para responderem ao estado vibratório, às crescentes radiações da alma. Uma intuição segura, o instinto do belo, levam o ser espiritual a substituir na expressão de seu pensamento e nos impulsos de sua alma a harmonia pura pela palavra e pelas letras. As revelações do invisível incitam-no a empregar, por seu lado, os processos em uso na vida do espaço.
O verdadeiro mérito literário, as qualidades de um belo estilo, consistem em provocar o pensamento, as reflexões do leitor, em criar-lhe uma atmosfera mental que contribua para o desenvolvimento, para o enriquecimento de suas faculdades, de suas forças morais.
Fazer pensar é sem dúvida nobre, porém ainda mais nobre e meritório é elevar a alma em direção às alturas onde todas as suas faculdades desabrocham na luz e no amor. É ajudá-la a atingir o grau de evolução que lhe permitirá experimentar, não mais através de seus órgãos materiais, mas em seus sentidos íntimos e profundos, as alegrias, as satisfações da vida superior, sentir essa suprema vibração que enche o universo, segundo o Grande Esteta, e que provoca a comunhão definitiva com o pensamento divino, o êxtase na beleza compreendida e realizada.
As obras realmente belas e fortes tornaram-se raras entre os modernos, quer nas letras, quer até mesmo no teatro. Este poderia ser um poderoso meio de educação intelectual e moral, pela elevação dos pensamentos, dos sentimentos, pelos nobres exemplos colocados sob os olhos do público.
No entanto, em vez de cumprir sua grandiosa e benéfica missão, o teatro tornou-se bastante freqüentemente um meio de adular as paixões doentias, excitar os sentidos. Em todos os casos, ele se torna obra de céticos gozadores, ignorantes ou indiferentes ao verdadeiro objetivo da vida; é a escória brilhante e doentia, o fruto mórbido de uma civilização pervertida pelo atrativo do prazer e das riquezas.
Quantas vezes, atraído pelo título de uma nova peça, por um cartaz rutilante, fui aos maiores teatros parisienses na esperança de lá encontrar alimento substancial no decorrer de uma noite bem empregada. Mas, ai de mim!, Minhas decepções não se contam mais. Em vez da substância fecunda que eu esperava, eram cenas banais ou equívocas que se desenrolavam aos meus olhos. Muitos espíritos sem dúvida aí se consumiam. As palavras espirituais brotavam em raios reluzentes ou flutuavam como bolas de sabão ludibriadas, sob o calor do declive, mas que o mínimo sopro leva sem deixar nenhum rastro na lembrança nem na consciência do espectador, pois sempre se encontravam ausentes o pensamento elevado, o exemplo encorajados, o ensinamento consolados. E também a impressão que daí se desprendia era a do vazio ou da impotência, quando não era ainda pior'. . .
É preciso devolver ao teatro sua dignidade reconstituir o ideal da cena aviltado por incompetentes e corrompidos.
No espetáculo que muda costumes e meios sociais, que constituem a trama da comédia, é preciso saber selecionar o que pode elevar a inteligência e o coração. Porém em nossos autores contemporâneos encontra-se sempre o tema do amor culpado, do amor doentio que domina, e assim estimulam-se os apetites carnais, alimentam-se as paixões, precipita-se à decadência do teatro e trabalha-se para a corrupção geral.
Parece que nossa época tem um gosto particular pelos tóxicos. No campo material, esse gosto traduz-se pelo imoderado uso do álcool e do tabaco, e mesmo do ópio, do éter e de outras drogas maléficas, de tudo o que provoca desordens físicas, arruína a saúde, enfraquece a raça. No campo espiritual, esse gosto manifesta-se por uma espécie de predileção por uma literatura e espetáculos corrompidos. Aí o mal é ainda mais grave, pois é a consciência, o senso moral, a dignidade do homem, que são atingidos. E daí resulta um excesso dos apetites sensuais, uma orientação defeituosa da vida e das faculdades.
É por isso que convém buscar todos os meios para elevar as almas, os pensamentos, em direção às regiões que os sopros do alto limpam de todas as impurezas.
Dessas alturas radiosas contempla-se e penetra-se melhor a essência das coisas, e de lá descemos com a soma de energias necessárias para prosseguir as lutas na Terra e afastar de nós as tentações doentias, os prazeres aviltantes.
A poesia não é, no fundo, senão uma farsa da música. Ela é submetida às mesmas leis dó ritmo, da vibração, que são as leis da vida em seu estado superior.
A antiguidade, criadora do gênero, havia compreendido isso. O poeta antigo era, ao mesmo tempo, cantor e músico. Porém, atualmente, a poesia não é mais do que uma das formas da literatura. Como todas as manifestações da arte em geral, ela perdeu seu caráter augusto para mergulhar na banalidade. Somos inundados por um dilúvio de versos sem elevação e sem beleza.
Ora, o verso não suporta a mediocridade. E é por isso que na Idade Média, assim como nos dias atuais, os escritores de talento: Dante, Lamartine, Victor Hugo e outros puderam conservar na poesia seu esplendor, seu caráter de grandeza e salvá-la de uma queda irremediável. Para expressar o sublime ideal, todas as palavras são impotentes. Alcançando certa altura, o pensamento não encontra mais do que termos humanos apropriados às exigências de nosso plano inferior, mas incapazes de traduzir as impressões da vida superior. E é isso o que o Esteta deplora. Desde que a insuficiência da linguagem humana se revela, a música, com seus infinitos recursos, torna-se a única forma que se adapta à eterna beleza do universo, a única maneira de expressar as sensações da alma radiante, fundindo-se com o pensamento divino.
A palavra, quando unida à música, pode fornecer ao pensador um modo de expressão mais intenso, mais penetrante. Porém, nos dias atuais, a aplicação dessa fórmula tornou-se algumas vezes bastante vulgar. A romana, a canção, tinham, ainda outrora, seu encanto, seu sabor. Hoje, sob a influência de certos meios públicos, ela não é mais do que uma profanação, um aviltamento da idéia.
No entanto, quando mãos sacrílegas a sujam em cloacas impuras, a música eleva-se em direção a radiosas alturas do pensamento e da poesia, torna-se capaz de traduzir os mais nobres sentimentos. Ela encontra-se em seu elemento. Aí, tudo são ondas, vibrações, harmonia, luz. É por isso que a poesia, para permanecer em seu verdadeiro papel, deve inspirar-se nas leis da harmonia musical e reproduzi-Ias com fidelidade.
A música, nós o sabemos, representa grande papel na inspiração profética e religiosa. Ela dá o ritmo à emissão fluídica e facilita a ação dos espíritos elevados. É por isso que ela tem seu lugar nas reuniões espíritas, nas sessões em que convém sejam precedidas por um hino apropriado às circunstâncias. Ocorre com freqüência que os guias dos grupos levam os assistentes a entoarem um cântico a fim de facilitar as manifestações. Porém, até o momento, é preciso confessá-lo, os espíritos encontram-se bastante desprovidos e obrigados a recorrerem a cantos vulgares, a banalidades indignas do objetivo buscado. Foi com péssima impressão que constatamos mais de uma vez a penúria dos recursos musicais em uso nos grupos espíritas. Foi por isso que fizemos um hino dedicado "aos invisíveis" e cuja música foi dedicada a uma dama possuidora de certo senso estético e plena de boa vontade. Mas eis que M. A. F., compositor bastante conhecido, acaba de obter do espírito de Beethoven, por intermédio de um médium, um cântico espírita inteiramente digno do autor, e que em breve será revelado. Os espíritas possuirão, enfim, uma invocação musical em harmonia com seus pensamentos e suas aspirações.
As duas últimas lições do Esteta, que se encontram mais adiante, levam-nos às serenas alturas da arte. Elas terminam a série de comunicações que recebemos desse grande espírito, cuja personalidade agora conhecemos.
Em toda obra buscada - literatura, poesia, arte -, a escolha dos meios deve ser apropriada à grandeza do objetivo.
Na realidade a poesia encontra-se em toda parte onde é colocada. Ela não se expressa somente através de versos; ela pode impregnar todas as formas da linguagem escrita ou falada, todos os aspectos da arte. A poesia é a expressão da beleza expandida em todo o universo. É o comunicativo calor da alma que a compreende, que alcança o profundo sentido das coisas, a lei das supremas harmonias, e que procura penetrar as outras almas pelos meios que lhe são próprios.
Todos os seres são sensíveis à música. Até mesmo os animais sofrem sua influência. Conhece-se a lenda de Orfeu, que com sua lira atraía e agrupava a seu redor as feras da floresta. Os próprios insetos sentem as vibrações da música. Quando me sento ao piano, moscas voam a meu redor de maneira particular.
O poder da música demonstra-se também através da influência da canção sobre o povo. Ela é a companheira do trabalho, o sustento do esforço paciente repetido, a alegria do lar, pois exalta as forças e os sentimentos do ser humano. A canção poderia, portanto, ser, também ela, um meio de elevação, porém vimos que atualmente ela arrasta-se com freqüência em solo lamacento e perde todo o caráter regenerador.
Ele foi um dos mais eminentes artistas da Renascença italiana: ao mesmo tempo arquiteto, pintor e escultor. A música ele também não foi alheio. Hoje vive nas esferas superiores, onde o Belo e o Bem reinam sem reservas, e lá busca a realização de suas grandiosas concepções. Nossos guias nos dizem que devemos considerar como um favor único sua participação em nossos trabalhos, e da mesma forma fazemos questão de expressar-lhe toda a nossa gratidão, assim como ao poder soberano que permitiu tal intervenção.
Em breve falaremos sobre a música e daremos as lições do espírito Massenet, mais especialmente consagradas a essa grande arte. Graças a elas um raio de luz da vida celeste penetrou em nossa obscuridade, e nossas fracas tentativas humanas adquiriram mais realce e mais amplitude.
A música do plano espiritual (Lição 9)
10 de fevereiro de 1922
Hoje falaremos sobre a música do espaço, considerada como meio de transmissão do pensamento artístico. Sei que outro espírito, mais próximo a vocês,* já tentou fazê-los entender a maneira como as ondas, que vocês chamam de musicais, são criadas e, em seguida, transmitidas através do espaço para chegarem aos diferentes mundos. Já lhes disseram que o que vocês chamam de sonoridade é, para nós, comparável à tonalidade que, transportada sobre moléculas fluídicas, percorre os campos vibratórios e vai comunicar aos seres impressões comparáveis às que seus ouvidos percebem quando vocês ouvem uma gama de sons harmonizados neste ou naquele grau de vibrações.
Quando na Terra uma nota é tocada em tom maior, ela lhes transmitirá uma sensação de alegria plena e absoluta. Se ela é menor, ao contrário, seu cérebro experimentará uma sensação de profundidade, algumas vezes de tristeza ou de grande dor, conforme a modulação dos acordes e o número de notas tocadas.
Portanto, a esses dois grandes princípios, maior e menor, correspondem duas sensações: alegria e dor. Entre essas notas há uma infinidade de combinações que, por isso mesmo, formarão imagens. Assim como o escultor forma uma imagem virtual, o grupo de notas, os acordes, segundo sejam modulados em maior ou menor, formarão por seu estilo uma série de pensamentos que se tornam mais ou menos compreensíveis de acordo com a evolução dos tipos de música. Eis, portanto, um ponto estabelecido: as artes plásticas formam imagens e a arte das ondas musicais forma, igualmente, imagens, porém imagens mais sutis, cujo conteúdo é mais frágil e a compreensão mais delicada. Conforme o grau de evolução dos seres, essa compreensão será mais profunda ou mais superficial. É por isso que freqüentemente no globo terrestre um ser de cultura média será impressionado, enquanto que seu cérebro permanecerá refratário quando ele quiser utilizar o alfabeto para expressar seus pensamentos por meio das ondas que vocês classificam como musicais.
No espaço, como vocês sabem, não possuímos instrumentos; são nossos perispírito que recebem as ondas transmissoras do pensamento musical. Também será preciso impregnar diretamente os seres que devem receber ondas dessa natureza. Assim como os outros artistas, o espírito evoluído no sentido musical, e que pode experimentar sensações infinitamente suaves e sutis, pode também transmiti-Ias com o auxílio dos seus instrumentos, e por intermédio do cérebro de um dos seus intérpretes.
A matéria, para ser posta em movimento pelas ondas fluídicas, necessita de um intermediário, que será o cérebro de vocês, o qual, no caso, age como um pólo atrativo e uma placa sensível de onde parte toda irradiação que emana dos fluidos.
Os grandes músicos terrestres podem, como os outros artistas, receber a inspiração, seja do espaço, seja como resultante de trabalhos anteriores. Trata-se, exatamente, do mesmo fenômeno que se produz com os outros artistas.
No espaço nossos meios são muito mais rápidos do que os de vocês; não necessitamos de instrumentos para permutarmos nossos pensamentos, e nossa música é toda de impressões, agindo diretamente sobre a parte mais sensível de nosso ser fluídico, aquela que contém, em graus diversos, a centelha divina e que, no plano terrestre, é representada pelo órgão do coração.
As outras artes se refletem por imagens esculturais e picturais, que são os meios de transmissão do pensamento e substituem, para nós, a palavra. A música é uma impressão especial que invade todo o nosso ser fluídico, mergulha-o no êxtase, na beatitude, e faz com que ele experimente sensações de júbilo, de que. Todo, de alegria, de angústia, de desgosto, de dor, de pesares, de remorsos. Tal é, mais ou menos, a fama de todas as sensações ascendentes e descendentes, que vão do rosa ao preto; o preto representando o nada!
A partir de então vocês podem compreender, do ponto de vista puramente artístico, que sensações infinitas podem agir sobre um espírito já evoluído. Vocês já podem, na Terra, preparar-se para receber no além essas sensações, afastando qualquer satisfação material ou sensual. Busquem as atrações artísticas, por mais pobres que sejam; enriqueçam o pensamento, dêem aos nervos alimento de cálidas vibrações; encham o cérebro de sensações que se traduzem, nesse plano, por estudos analíticos de suas vidas terrestres. Tudo isso repercutirá um dia no espaço, em cêntuplo, pois as vibrações armazenadas no ser carnal despertarão e chamarão, como uma lira de mil cordas, todas as sensações atrativas que podem proporcionar os sentimentos mais harmoniosos, mais elevados, que circulam nas correntes que emanam diretamente da esfera divina.
É o apogeu da arte, uma infinita sensação artística.
As pobres criaturas terrestres não podem experimentar as alegrias inefáveis que nos cobrem quando essas sensações vêm tocar nossos extasiados espíritos.
O que são essas sensações? Tentarei, como conclusão, dizer-lhes, com a permissão de Deus, o que elas podem ser. Não será fácil, pois seria abrir-lhes uma visão direta sobre a obra divina. Seus guias vão orar. Espero poder dar-lhes, em poucas palavras, uma idéia dessa grande obra de beleza, de luz e de harmonia.
O Esteta
A arte para os espíritos (Lição 10) '
17 de fevereiro de 1922
O assunto final de nossas conversações torna-se cada vez mais delicado e o material que encontro no médium é tão restrito que devo pedir-lhes que me desculpem a pobreza das expressões empregadas. Vamos quase que entrar e planar no domínio divino.
Hoje eu gostaria de poder entreabrir uma janela para esse azul celeste que é o foco de todas as radiações e lhes resume todas as virtudes, todas as forças intelectuais e morais.
Vocês já constataram, em suas vidas humanas, que cada ser possui, em graus diversos, quer por intuição, quer como resultante de sua vontade, qualidades que adquiriu no globo terrestre em vidas anteriores ou através de aspirações dirigidas às esferas fluídicas divinas.
Chegamos ao ponto em que posso dizer-lhes que o Ser divino é um foco radiante composto de todas as coisas e compondo todas as coisas.
A imaginação terrestre não pode compreender isso. Não é preciso, aliás, pois em seu plano vocês não podem elevar-se mais do que a evolução lhes permite. Porém, do espaço, temos uma sensação mais forte de que existe uma esfera, um campo de ação no qual as ondas fluídicas causam impressões e fazem vibrar, em nosso plano, os seres espirituais, no plano terrestre, os seres corporais, e que representa o poder, a beleza, a harmonia do divino. Esta harmonia é a própria essência da arte, é ela que, nas justas medidas, faz vibrar o cérebro dos gênios e põe em ação as inteligências em evolução, através de um trabalho e de uma vontade firmes e racionais. Essas esferas dão acesso ao campo divino. Podemos representá-lo melhor do que vocês, entretanto ainda não podemos nos fundir com ele.
Eu gostaria de abrir bem a janela a fim de lhes comunicar o pensamento divino, a fim de lhes dizer como e através de que irradiação fluídica integral a obra criadora prossegue, porém não está em minhas mãos abrir completamente a porta para esse azul criador. Não é, portanto, senão por uma pequena abertura que posso comunicar aos seus cérebros e aos seus corações o que eu mesmo sei.
O foco divino está, portanto, em ação constante e regular, criando o movimento universal. É através dele que nascem, vivem e transformam-se as criaturas, segundo a pureza dos elementos físicos empregados. A irradiação divina faz-se sentir com maior ou menor intensidade sobre as moléculas que aprisionam seu espírito.
O corpo humano é mais, ou menos, perfeito. Há uma questão de atavismo, uma questão de atração espiritual, nos meios reais puros, ou menos puros, que os ditos corpos atravessam. As criações provindas do campo divino são de grandiosa elevação. À medida que nos aproximamos dele, melhor compreendemos o funcionamento desse grande organismo que é o universo.
Em geral, quando as rodas de uma engrenagem não se movem continuamente, cobrem-se de ferrugem, impedindo seus eixos de funcionarem com regularidade. A ferrugem traduz-se nos seres organizados por uma influência das imperfeições e quando há defeitos e vícios.
É assim que o bem se degenera. Ele pode reviver ao contato das fontes puras, assim como um trabalhador em mecânica de precisão pode repor em seus eixos um instrumento que não funcionava mais.
Por uma vontade sempre firme, por um chamamento direto, aspirem, pois as emanações vivificantes; através disso vocês poderão se manter em relação com os Fluidos que emanam do campo divino e que vivificarão, por sua ação, as partes de seus seres manchadas pela ferrugem dos defeitos e dos vícios. É através dessas relações, quase constantes com os feixes fluídicos, que um ser, em determinado mundo ou no espaço, conserva aptidões, meios de elevação, intuições que formam o sentido genérico da palavra arte.
É por isso que cada ser deve cuidar de seu progresso e conservar em si próprio esse pólo atrativo que, traduzindo-se virtualmente por capacidades correspondentes a seus desejos, será mais ou menos enamorado pela arte. Essa palavra, arte, quase mágica, significa: irradiações que provêm de um campo supra cósmico; essa irradiação mantém em nosso mundo a luz, a grandeza, a força, a beleza, a bondade, que emanam do foco que forma o centro do campo fluídico divino.
Falei, em conversa anterior, desse mais sensível ponto do organismo humano que se chama coração. É dele que parte a vibração que, expandindo-se por todo o seu ser, proporciona-lhe os meios de exteriorizar pensamentos nobres e elevados. Porém, analisem bem essa vibração, fechem-se em si mesmos e compreenderão que quando um sentimento generoso faz seu coração vibrar, é porque ele recebeu no mesmo instante o impulso de um nobre e generoso sentimento através de uma onda que emana do divino.
É graças a uma evolução racional em diferentes planos, em mundos diversos, que os seres vão se depurando gradualmente. O que se faz a seu redor se fará muito mais ao redor dos seres, dos mundos, das esferas.
Concluindo, a arte é para o ser humano o apelo do campo divino. Quanto mais um ser, por sua vontade e seus atos, aproxima-se de Deus, mais está apto a sentir os eflúvios e as vibrações divinas. De acordo corri sua evolução, essas vibrações se traduzirão por criações de virtudes, sendo a palavra virtude tomada em sentido bastante geral. Para mim ela significa tudo o que é digno de ser amado. A arte é, portanto, um dos meios de se sentir a grandeza de Deus. Devemos agradecer ao Criador por nos deixar sempre em relação com Ele. Cabe a nós nos tornarmos cada vez mais dignos disso. É preciso venerar e amarmos a arte, uma vez que através da imensidão é ela a mensageira da imortal irradiação e do movimento divino universal.
Guardemos bem no fundo de nosso ser esse ponto sensível, que é para nós um dos pólos de comunicação com nosso Criador. Quer estejamos munidos de um corpo carnal ou de um envoltório espiritual, a emanação divina sempre vem a nós quando não deixamos sem ação, por uma inércia culposa, essa máquina que deve servir de transmissão aos fluidos e às ondas divinas. O ser evoluído possui o júbilo de auxiliar no aperfeiçoamento e na preservação de seres mais materiais.
A arte, mensageira do divino, é a tocha que não deve jamais se apagar; ela deve fazer-nos compreender que a beleza e a glória de Deus são infinitas. Pode haver arte mesmo nas mais insignificantes ações se, adaptando se ao meio onde age, a emanação divina que se exterioriza expande a seu redor uma chuva de ondas benfazejas.
Quando há evolução nos seres, há evolução nas artes. Têm-se os primitivos nas artes da mesma forma que nas ações e nas virtudes, porém a centelha sempre brilha nas condições nas quais pode manifestar-se para afirmar a grandeza de Deus.
O Esteta
VI - A MÚSICA E A MEDIUNIDADE
A música é a voz dos céus profundos. Tudo no espaço traduz-se em vibrações harmônicas, e certas categorias de espíritos não se comunicam entre si senão através de ondas sonoras.
A sinfonia e a melodia não são na Terra senão ecos enfraquecidos e deformados dos concertos celestes. Nossos mais perfeitos instrumentos possuem sempre alguma coisa de mecânico e de duro, enquanto que os processos de emissão do espaço produzem sons de infinita delicadeza.
É por isso que em todos os graus da escala dos mundos e da hierarquia dos espíritos a música ocupa lugar considerável nas manifestações do culto que as almas prestam a Deus. Nas esferas superiores, ela se torna uma das formas habituais da vida do ser, que se sente mergulhado nas ondas de harmonia de intensidade e suavidade inexprimíveis.
Quando das grandes festas no espaço, dizem-nos nossos guias espirituais, quando as almas se unem aos milhões para prestarem homenagem ao Criador, na irradiação de sua fé e de seu amor, delas escapam eflúvios, radiações luminosas que se colorem de várias tonalidades e se transformam em vibrações melodiosas. As cores transformam-se em sons, e dessa comunhão dos fluidos, dos pensamentos e dos sentimentos desprende-se uma sinfonia sublime, à qual respondem os longínquos acordes vindos das esferas, dos inúmeros astros que povoam a imensidão.
Então, do alto descem outros acordes, ainda mais possantes, e um hino universal faz estremecerem céus e terras. À percepção desses acordes o espírito se dilata e se regozija; ele se sente viver na comunhão divina e entra num encantamento que chega ao êxtase.
Na Terra a sinfonia é a forma mais alada da música. Quando ela se une às palavras, assemelha-se à Vitória áptera, que rastejava sem poder levantar vôo e planar no alto. A música, ligada a palavras, perde um pouco de sua atração e de sua amplitude. No entanto a melodia nos acalenta, nos deleita, nos encanta; ela grava em nossa mente motivos que gostamos de repetir e que nos consolam das tristezas de cada dia. Porém essa música parece bastante pobre se comparada às harmonias do espaço; para compreendê-las e experimentá-las, é necessário que se possuam sentidos psíquicos bastante desenvolvidos.
Vimos mais de uma vez, nas sessões, lágrimas rolarem sobre a face de alguns médiuns, que percebiam os ecos da sinfonia eterna.
O médium G. Aubert, apesar de ignorante em música, em completo estado de automatismo toca no piano sonatas, árias inéditas e variadas, nas quais reconhecem se Beethoven, Bach, Chopin, Berilos, etc. Av maioria dos compositores afirma que ouve nas horas de recolhimento vozes, sons, que não provêm da Terra.
Durante as célebres sessões dirigidas por Jessé Schefard, médium escocês, em todas as grandes capitais e diante de várias cortes soberanas, da mesma forma que nas do Doutor San Ângelo, em Roma, ouviam-se coros celestes e acordes de numerosos instrumentos invisíveis. Solos permitiam que se reconhecesse a voz de cantores, ou cantoras, já falecidos.
A Senhora de Koning-Nierstrass descreve uma de suas sessões nos seguintes termos:
J. Schefard ficou hospedado em minha casa, em Haye, durante cerca de seis semanas. Uma noite eu e alguns amigos estávamos reunidos. Tendo o médium se levantado em meio-transe, pôs-se ao piano. Rappings (batidas) ressoaram por todos os lados, luzes adejavam no cômodo como borboletas ... De repente vozes de homens e de mulheres encheram o ar. Era um coro que cantava uma espécie de cântico; a Hosana e Glória a Deus foram ouvidos por todos nós. Ora era um coro, ora vozes de mulheres, o soprano dominando todo o canto. Sentada próxima ao médium, constatei que ele não havia aberto a boca. Dois dias após, uma de minhas vizinhas me diz:
- Ah! Desfrutei do lindo concerto que houve uma noite em sua casa; que músicos, e que belo coral fizeram-se ouvir!
Perguntei-lhe:
- A senhora ouviu uma voz de cada vez ou um coro?
- Um coro - respondeu a senhora -; eu distinguia bastante distintamente o soprano. Quem é que cantava tão maravilhosamente?
Esse testemunho espontâneo destruía qualquer hipótese de alucinação.
A respeito da música dos espíritos, lê-se na Introdução de Enseignements Spiritualistes (Ensinamentos Espiritualistas), de Stainton Moses, professor na Faculdade de Oxford, a descrição de fenômenos obtidos numa sala desprovida de piano, violino ou qualquer outro instrumento.
Um som se produzia, excessivamente difícil de ser descrito. Assemelhava-se ao suave som de um clarinete, aumentando de intensidade e novamente diminuindo, descendo à primeira emissão abafada, às vezes também se apagando em um longo lamento melancólico. Não tendo jamais ouvido nada que se aproximasse desse som realmente extraordinário, não posso dele dar senão uma descrição bastante insuficiente: é importante observar que obtemos apenas notas isoladas, e na melhor das hipóteses, cadências isoladas. Os agentes invisíveis atribuíam esse fato à organização antimusical do médium.
Por outro lado, lê-se em Light, de 30 de abril, os seguintes relatos, que mostram outra modalidade dessas manifestações, obtidas à cabeceira de moribundos e percebidas por outros assistentes.
Muitos livros foram escritos a respeito dos moribundos e dos acontecimentos extra normais observados no momento da morte. Dentre os mais interessantes casos, pode-se citar o do pequeno cativo do Templo: Luís XVII. Beauchesne conta que poucos instantes antes da morte do jovem príncipe perguntaram-lhe se sofria muito.
Ele respondeu:
- Sim, sofro, mas não muito; a música é tão linda. Fizeram-lhe perguntas a respeito dessa música que ninguém ouvia, porém ele insistia em dizer:
- É linda, eu a ouço! - e admirou-se por ninguém mais a ouvir.
Há também o caso de Jacob Boehme, cuja partida da Terra foi acompanhada da mais suave harmonia que ele apenas ouviu e proclamou sublime. Para Goethe,ao contrário, os sons que percebia em seu leito de morte, quando ele exclamava: "Luz, mais luz ainda!", foram ouvidos por aqueles que se encontravam perto dele.
Chegam-nos de toda parte da Inglaterra relatos dessas harmonias do Alto, ouvidas por moribundos e freqüentemente por aqueles que os assistem.
A Sra. Leaning nos escreve: "Quando Lily Sewell morreu, sons harmoniosos foram ouvidos, parecendo provirem de um canto do quarto, e isto durante os dois dias que precederam sua morte. A criança não ouviu nada, mas seus pais, sua irmã e a empregada os perceberam, e no terceiro dia, quando a criança morreu, o som tornou-se mais suave, tornou-se semelhante ao de uma harpa eólica, saiu do quarto, passou pela casa e afastou-se gradualmente."
Um professor de Eton, na Inglaterra, em 1881, em um momento em que se encontrava perto da mãe, ouviu, alguns minutos após a morte desta, uma suave música de três vozes infantis cantando um hino de forma tão penetrante que nenhum ser humano teria podido fazê-lo. Duas pessoas presentes, e o médico que lá se encontrava ouviram-na igualmente e abriram uma janela para ver se descobriam de onde provinham àqueles sons maravilhosos.
O Dr. Kenealy conta assim à morte de seu jovem irmão: "Seu quarto dava para uma grande e bonita vista, cercada por verdes colinas. Perto de seu leito várias pessoas da família encontravam-se sentadas, assim como também o médico; era cerca de meio-dia, o sol brilhante iluminando o cômodo, o ar puro e transparente; repentinamente ouvimos uma melodia divina elevar-se bem perto de nós; era uma voz melancólica e celeste de mulher, cujos tons não podem ser descritos. Isto durou vários minutos; em seguida, fundiu-se, como as sinuosidades das ondas sobre a areia, ora ainda ressoando, ora mal murmurando; em seguida veio o silêncio. Quando o canto começou, a criança entrou em agonia e no último murmúrio sua alma partiu!"
Enfim anotamos o caso descrito por H. Rooske, de Guilford: "Há alguns anos minha irmã e eu tivemos uma experiência que nos serviu de grande conforto na vida. Nossa mãe encontrava-se perigosamente doente; o médico e a governanta sabiam que seus sofrimentos chegavam ao fim. Uma noite em que minha irmã velava por ela com a governanta, ouviu de repente o mais lindo, o mais majestoso dos coros, cantado por vozes tão celestes como ela jamais ouvira. Virando-se em direção à governanta, perguntou-lhe: A senhora está ouvindo?' Não estou ouvindo nada', foi à resposta. Eu havia me deitado em um cômodo contíguo, esgotado pelas longas vigílias e por cruéis inquietações; os sons celestes despertaram de um sono profundo, saltei da cama e corri ao quarto de minha mãe perguntando: De onde vem essa música maravilhosa?' Repentinamente os sons cessaram, e aproximando-nos do leito percebemos que a doce alma havia partido com a divina harmonia."
Vê-se, através destes fatos narrados, e como as lições do Esteta afirmam, que o poder das vibrações sonoras revela-se sob mil formas. A' medida que o homem vai penetrando no conhecimento do universo e de sua estrutura íntima, a lei que o rege, que é a da harmonia musical, aparece-lhe em seu princípio assim como em seus maravilhosos efeitos. É através dela que é edificada e perpetuada toda a arquitetura dos mundos, todas as formas da vida universal. Podemos perceber isto através de uma simples experiência. Não é curioso, por exemplo, seguir sobre uma placa de vidro ou de metal salpicada de areia, e posta em contato com um instrumento de corda, as formas geométricas, os delicados e complicados desenhos que resultam de cada nota e de cada acorde?
No estudo da arte não nos devemos deixar desgostar por causa de uma aridez aparente e superficial. O exame atento, a firme análise de todo tema estético, revela-nos atrativos insuspeitáveis e contribui para nossa iniciação à lei geral do belo. Pode-se comparar esse exercício mental à escalada de uma montanha de aspecto rude e íngreme, mas onde cada sinuosidade de terreno contém maravilhas ocultas e de cujo altaneiro cume descobrimos o conjunto harmônico das coisas que se descortinam ao nosso olhar.
Todo homem pode e deve interessar-se por essa questão, pois ela reserva alegrias intelectuais bastante superiores a tudo o que os falsos prazeres lhe dão.
O mais humilde operário possui em seu pensamento uma possível via em direção à compreensão do belo, e lá encontrará recursos sempre novos para o aperfeiçoamento de sua própria obra. A arte da profissão é uma preparação para uma arte superior. Cada um trabalha um tipo particular de beleza, porém dentro de sua finalidade de ascensão todas as almas desabrocham numa radiosa concepção da universal e eterna beleza.
A dissociação da matéria, o jogo das forças intra-atômicas, fazem nascer uma nova ciência, que se desenvolvendo abre para o espírito humano mais amplas perspectivas sobre a obra do cosmo.
Reconhecer-se-á em breve o misterioso laço que une o pensamento, à vontade, à vibração, e que faz desta o agente daquelas a fim de se construírem as formas inumeráveis que povoam a imensidão.
Em resumo, o som, o ritmo e a harmonia são forças criadoras. Se pudéssemos calcular o poder das vibrações sonoras, medir sua ação sobre a matéria fluídica, seu modo de agrupar os turbilhões de átomos, penetraríamos em um dos segredos da energia espiritual.
No entanto, ao menos é preciso que observemos, na experiência que acabamos de citar, as figuras geométricas traçadas pela voz humana ou pelo arco de um violino sobre a placa de vidro recoberta por areia fina, para compreendermos, por comparação, como o pensamento divino, que é a vibração mestra e a suprema harmonia, pode agir sobre todos os planos da substância e construir as colossais formas das nebulosas, dos sóis, das esferas, e fixar-lhes a trajetória através dos espaços.
O espetáculo da vida universal mostra-nos por toda parte o esforço da inteligência para conquistar e realizar o belo. Do fundo do abismo da vida o ser aspira e sobe em direção ao infinito das concepções estéticas, à ciência divina, à perfeição eterna, onde reina a beleza perfeita. O esplendor do universo revela a inteligência divina, assim como a beleza das obras de arte terrestres revela a inteligência humana!
VII -- A MÚSICA TERRESTRE
A música desperta na alma impressões de arte e de beleza que são o júbilo e a recompensa dos espíritos puros, uma participação na vida divina em seus deleites e seus êxtases.
A música, melhor do que a palavra representa o movimento, que é uma das leis da vida; é a própria voz do mundo superior.
É necessária a beleza suprema da forma para se exprimir os esplendores da obra universal. Nem a poesia, nem a música, dissemos, suportam a mediocridade. Entretanto, apesar da carência estética dos tempos atuais, é preciso reconhecer e louvar os esforços de alguns autores que, em suas tentativas, aproximaram-se da perfeição e conseguiram realizar obras onde passa um sopro, uma radiação da soberana beleza. Através da ópera, particularmente, conseguiram agitar nas almas a fibra dos entusiasmos generosos.
Isto porque, para conceber, para produzir obras geniais, capazes de elevar as inteligências até o máximo do pensamento, até o ideal de beleza perfeita, é necessário primeiramente criar-se a si mesmo, edificar sua própria personalidade e torná-la suscetível de provar, de compreender os esplendores da vida superior e a harmonia eterna do mundo.
Que forças, que luzes, que consolações, que esperanças podemos passar às outras almas se não temos em nós próprios senão obscuridade, dúvida, incerteza e fraqueza? O que se poderia esperar de espíritos céticos, fechados a qualquer impressão elevada, surdo:-. A quaisquer vozes, a quaisquer ecos do além?
A miséria estética de nossa época explica-se pela impotência da alma contemporânea em se criar uma fé esclarecida, uma mais ampla e mais alta concepção da beleza universal.
Por conseguinte, devem-se apreciar as exceções que são produzidas e os impulsos dos raros autores que se esforçam por conduzir a opinião às regiões do ideal.
Porém, à medida que um novo ideal desperta e que os focos do espiritualismo se acendem em todos os pontos do globo, ver-se-á eclodir e desenvolver-se nas almas um reflexo mais poderoso dos esplendores da vida invisível tal como a revelam os ensinamentos de nossos amigos do espaço. E este será o sinal de uma floração de obras, o ponto de partida para uma era artística que ultrapassará em grandeza e em riqueza a obra dos séculos precedentes.
Sem dúvida o espetáculo do mundo terrestre e da vida humana, com seus contrastes violentos, oferecem-nos diversidade suficiente de quadros, de imagens, de cenas - amores e ódios, paixões e dores -, capazes de inspirar obras fortes, tais como as que o passado nos legou. Porém o que são esses temas, por mais ricos que sejam, comparados ao imenso panorama que desvenda aos nossos olhos a revelação espírita e suas descrições da vida nos espaços? O que se tornam às peripécias de uma existência humana ao lado dos amplos horizontes do destino da alma em sua ascensão através do ciclo das idades e dos mundos? E as alegrias, as provas, as quedas e os reerguimentos, a descida no abismo e as tentativas de vôo para a luz, os sacrifícios que são uma reparação, um resgate, as missões redentoras, a participação crescente na obra divina?
Quem falará das poderosas harmonias do universo, gigantesca harpa vibrando sob o pensamento de Deus, do canto dos mundos, do ritmo eterno que embala a gênese dos astros e das humanidades? Ou, então, da lenta elaboração, da dolorosa gestação da consciência através dos estágios inferiores, da laboriosa construção de uma individualidade, de um ser moral! Quem falará da conquista da vida, sempre mais ampla, mais-plena, mais serena, mais iluminada pelas irradiações do alto; a caminhada de cume em cume à procura da felicidade, do poder e do puro amor!
Esses vastos assuntos encontram-se ao alcance de todos. Em todo poeta, artista, escritor, há insuspeitáveis germes de mediunidade que não pedem nada a não ser eclodir; através deles o operário do pensamento entra em comunicação com a fonte inesgotável e recebe sua parcela de revelação. Essa revelação de estética apropriada à sua natureza, a seu tipo de talento, ele tem por missão expressá-la sob formas que farão penetrar na alma das multidões urna vibração das forças divinas, uma radiação da luz eterna.
É da comunhão freqüente e consciente com o mundo dos espíritos que os gênios do futuro extrairão os elementos para suas obras. Atualmente a penetração nos segredos de sua dupla vida vem oferecer ao homem auxílio e luzes que as religiões enfraquecidas não mais poderiam lhe dar. Em todos os domínios a idéia espírita vai fecundar o pensamento que trabalha.
O canto e a música em sua íntima união podem produzir a mais alta impressão. Quando ela é sustentada por nobres palavras a harmonia musical pode elevar as almas às regiões celestes. É o que se realiza com a música religiosa, com o canto sacro.
O cântico produz uma dilatação salutar da alma, uma emissão fluídica que facilita a ação das forças invisíveis. Não há cerimônia religiosa verdadeiramente eficaz e completa sem o cântico. Quando a voz pura das crianças e dos jovens ressoa peia abóbada dos templos, desprende-se como que uma sensação de suavidade Angélica.
Porém, unida a palavras malsãs, a música não é mais do que um instrumento de perversão, um veículo de torpeza que precipita a alma nas baixas sensualidades, e aí se encontra uma das causas da corrupção dos costumes na época atual.
O fenômeno sonoro desenvolve-se de círculo em círculo, de esfera em esfera, e amplia-se até o infinito. Ele leva a alma, em suas grandes ondas, sempre mais longe, sempre mais alto, no mundo do ideal, e nela desperta sensações tão delicadas quanto profundas, que a preparam para os júbilos e os êxtases da vida superior.
O poder misterioso e soberano estende-se sobre todos os seres, sobre toda a natureza. Com efeito, a lei das vibrações harmônicas rege toda a vida universal, todas as formas da arte, todas as criações do pensamento. Ela introduz equilíbrio e ritmo em todas as coisas. Ela influi até sobre a saúde física por sua ação sobre os fluidos humanos. Sabe-se que Saul, em suas crises nervosas, chamava Davi, que através dos sons de sua harpa acalmava a irritação do monarca. Em todos os tempos, e ainda nos dias atuais, a arte musical foi aplicada à terapêutica, e com resultado. Poder-se-iam multiplicar os exemplos.
A harpa, através de seus sons eólios, dissipa nossos pesares, acalma nossas dores e embala-nos deliciosamente a alma. Nossos pais, os celtas, consideravam-na como elemento indispensável à vida intelectual. O código de Hoël diz, com efeito: "Há três coisas inalienáveis em um homem livre: o livro, a harpa e a espada."
O maior dos bardos, Taliésin, desaparece misteriosamente, porém por longo tempo sua harpa é vista flutuando sobre as águas do lago encantado. E os ecos da floresta de Broceliande ressoam ainda, há certas horas, vibrações enfraquecidas da harpa de Merlin.
Nossos pais viam na música o ensinamento estético por excelência, o meio mais seguro de elevar o pensamento às alturas sublimes, onde reside o talento inspirados. A harpa representava importante papel nas evocações dos recintos sagrados e nas relações dos celtas com o povo invisível.
A voz humana possui também, quando é verdadeiramente bela, entonações de uma flexibilidade e de uma variedade que a tornam superior a todos os instrumentos. Ainda melhor do que isto, ela pode expressar todos os estados de espírito, todas as sensações da alegria e da dor, desde a invocação de amor até as entonações mais trágicas do desespero. É por isso que a introdução dos coros na música orquestrada e na sinfonia enriqueceu a arte de um elemento de encanto e de beleza.
Quase todos os célebres compositores gozam de faculdades mediúnicas que lhes permitem receber as inspirações do além, traduzir, sob a forma de seu próprio talento, as grandiosas concepções da eterna harmonia. Dentre eles, os mais notáveis parecem-nos ser Beethoven, Berlioz e Wagner.
Beethoven deve ser considerado como o verdadeiro criador da sinfonia, e sua frase, por sua amplitude e beleza, representa a ação musical completa. Sob esse ponto de vista, seu espírito domina e dominará ainda por muito tempo a música moderna. Afirmam-nos que recentemente ele ditou a certo médium um hino espírita destinado às sessões de evocação e que em breve será divulgado.
Também Berlioz foi um sinfonista de grande envergadura; dentre os compositores franceses, não há outro mais difícil de ser imitado, devido a seu enorme talento e prodigiosa virtuosidade. Em sua música ardente, apaixonada, pitoresca, a intenção e a execução se combinam; ela possui o relevo e a força da região alpina, onde o autor nasceu. Exprime ora o esplendor dos cumes ora o horror dos abismos. Nela encontramos a voz das torrentes, o murmúrio da floresta, todas as harmonias da montanha em sua unidade e variedade impressionantes.
Jamais esquecerei a profunda impressão em mim produzida pela primeira audição de A Danação de Fausto. Eu não tinha mais do que 20 anos de idade, e foi para mim, graças à sinfonia, a revelação de um mundo desconhecido, deslumbrante de riquezas e de maravilhas. Berlioz foi genial demais para ser bem compreendido por seus contemporâneos; como ocorre com quase todos os inovadores, foi apenas após sua morte que o público começou a apreciar o talento lírico dele.
Quanto a Richard Wagner, sua colossal obra é inteiramente impregnada de uma espiritualidade densa e pesada, que se limita de perto com o materialismo, como todo talento alemão. Porém, às vezes, dessa massa um pouco confusa, e freqüentemente até mesmo vulgar e banal, brotam jorros musicais que alcançam os mais altos cumes.
Wagner toma bastante de seus predecessores, porém torna seu o que lhes toma, revestindo-o de vida original e pessoal.
Nele, infelizmente, o fundo é inferior à forma, e sob esse aspecto sua obra carece de equilíbrio e de precisão. Suas imagens e temas são terrestres; quando quer povoar o espaço, ele o faz sempre através de deuses de máscaras trágicas e humanas demais, através de criaturas semimateriais de capacete e armadas, cavalgando sobre nuvens negras à procura de sangrentas batalhas. São exceções apenas duas de suas obras: Tristão e Isolda e Parsi f al, tomadas das lendas célticas e cristãs.
Sua música, no conjunto, é sensual e não mantém os espíritos nas altas regiões do sonho e da beleza. Isto porque Richard Wagner trabalhou apenas para o teatro, e na ópera, como já vimos, a música permanece presa à palavra e encontra-se aí, às vezes, uma causa de fraqueza e de inferioridade. Nesse gênero lírico, para se produzir a mais forte impressão, é preciso que a forma e o pensamento se equilibrem, se completem e permaneçam equivalentes. A forma soberba associada a um pensamento pobre dissipa-se rapidamente e não deixa senão uma impressão indecisa, uma vaga recordação.
Entretanto, apesar de seus defeitos e de suas lacunas, a obra de Wagner tem lugar fixo dentre as grandes criações musicais. Ela nos mostra uma vez mais que a arte é de todos os tempos, de todos os países, e não tem pátria. .
Porém, tanto em música como em qualquer outra coisa, a França revelou-se um país de equilíbrio: o gosto, a clareza, a medida, são para nós as qualidades essenciais da arte.
Entre os murmúrios melodiosos, os arrulhos quase femininos da música italiana e as másculas e possantes sonoridades da música alemã, a música francesa toma o meio e une as duas escolas opostas numa síntese feita de encanto, força e beleza.
As obras de Beethoven, Berlioz e Wagner parecem resumir a mais alta inspiração musical de nosso tempo. Porém o futuro verá surgirem outros homens, mais conscientes do mundo invisível que nos circunda, mais bem dotados das faculdades mestras que permitem a comunicação com ele. Eles dotarão a humanidade de tesouros de arte e de poesia, cujas riqueza e dimensão não poderíamos medir no momento, e que se tornarão para ela uma fonte inesgotável de júbilo, de verdade, de beleza.
O pensamento, a inteligência, são portas da mesma harmonia universal que a música, e é por isso que esta, sozinha, pode exprimir o que o pensamento, a inteligência, concebem de mais alto e mais sublime. Pois a vibração sonora não é senão uma manifestação da vida universal. É por isso que ela desperta um eco nos recônditos mais secretos da alma; ela reanima em si como que uma vaga recordação dos céus profundos onde nasceu, viveu e reviverá!
VIII - O PERISPIRITO E A SENSIBILIDADE MUSICAL´
Após o estudo da música terrestre, passaremos ao das harmonias do espaço, e para isto resumiremos as instruções que nos foram dadas pelo espírito Massenet no decorrer de várias sessões. Nesse ensinamento o ilustre compositor procede da mesma forma como fazia na Terra, com o mesmo método que aplicava em seus cursos no Conservatório.
Primeiramente, ele se ocupará do instrumento e dos meios de percepção. Porém na vida espiritual não se trata, como na Terra, de instrumentos de corda nem de sopro. Da mesma forma ocorre com relação às percepções, que não são localizadas como no corpo humano, estendendo-se à totalidade do corpo espiritual.
A música terrestre é apenas um eco enfraquecido e em surdina da música celeste, é a melodia eólia produzida por pesados e grosseiros instrumentos de madeira ou de metal; é o sonho estrelado e divino expresso pelas formas de uma vida inferior e material. Porém, nesse; caso, o sonho é uma alta realidade.
Se nossos meios de execução musical, rudimentares demais, não nos podem dar uma idéia nítida e clara das supremas harmonias, a dificuldade não é menor quando se trata de explicar através da linguagem comum as regras e as leis da grande sinfonia eterna. Esta dificuldade revelou-se, sobretudo no decorrer das lições que recebemos do espírito Massenet, as quais reproduziremos a seguir. Daí resulta que os termos pobres de nossa língua humana são impróprios para traduzir todas as belezas da obra divina.
Para expressar as sublimidades da arte seria necessária à própria arte, com seus mais altos e poderosos recursos e seus mais sutis processos.
O perispírito: instrumento do espírito
Servir-me-ei dos mais simples termos e imagens para fazê-los compreender os fenômenos do espaço. Quando vocês desencarnarem, constatarão que radiações de desigual intensidade escapam do perispírito e podem alcançar consideráveis velocidades.
Cada espírito, de acordo com seu grau de evolução, possui um aparelho vibratório de maior ou menor. Perfeição, isto é, um instrumento adaptado a seu ser. Do ser material emanam irradiações fluídicas pouco sutis, não celestes, e cujas vibrações são quase nulas; no ser evoluído, ao contrário, a irradiação fluídica pode ser comparada a uma corda de um dos instrumentos terrestres, muito fina, muito sensível e cujas vibrações são excessivamente agudas. O ser não-evoluído possui essa mesma corda, porém é como se ela estivesse mergulhada em argila.
Eis, portanto o ser desencarnado em movimento no espaço. Quando suas tendências o levam em direção à matéria, suas emanações fluídicas não transmitirão ao perispírito senão sensações materiais. Porém, quanto mais a evolução se acentua, mais as sensações materiais se atenuam e se apagam, os feixes de emanações fluídicas adquire mais sutilidade, poder, delicadeza, suavidade.
Sob a influência da prece, com os conselhos e a assistência de seus guias, esse espírito evoluirá numa atmosfera totalmente fluídica. Suas próprias radiações se encontrarão com as correntes fluídicas do espaço e daí resultarão sensações maravilhosas de sonoridades, percebidas por todo o ser.
O ser evoluído vive em esferas fluídicas onde reinam correntes de variada intensidade e de composições diversas. As ondas musicais anulam-se ao contato imediato do planeta terrestre, cujos fluidos são muito materiais. É preciso subir mais alto para perceber os acordes da lira celeste. Há até mesmo seres que, do ponto de vista moral, são perfeitos, mas que não experimentam as vibrações.
Uma educação estética é necessária; falaremos sobre isso mais adiante.
Massenet
Comentários
O corpo humano é um instrumento complexo e maravilhoso, que se adapta ao meio terrestre e a nossas múltiplas necessidades. No entanto ele é apenas o revestimento material, relativamente grosseiro, desse corpo sutil, o perispírito, de que nos fala Massenet, e que todos nós possuímos tanto durante a vida como após a morte.
A existência desse perispírito é demonstrada pelos fenômenos de exteriorização dos vivos e pelas aparições fotografadas dos mortos, freqüentemente relatadas na Revue Spirite (Revista Espírita).
Esse corpo sutil, admirável por sua flexibilidade e sensibilidade, é o envoltório imperecível da alma, e como ela, suscetível de purificação e progresso. Ele vibra aos menores impulsos do espírito e transmite ao corpo físico as vibrações forçosamente reduzidas. É por isso que na vida do espaço, tanto durante o sono quanto após a morte, o perispírito experimenta mais vivamente as influências dos meios onde penetra. Ele possui recursos mais extensos, meios de percepção desconhecidos pelos homens, mas dos quais alguns conservam a intuição ao despertarem após o desprendimento e as viagens espirituais da noite.
Nesse conjunto que constitui o homem, a alma, ou a inteligência, é a nota dominante. A correlação entre os dois envoltórios, físico e perispiritual, diz respeito a uma lei única, a das vibrações.
O papel e o funcionamento do perispírito continua sendo um dos mais interessantes temas de estudo do espiritismo; ele contém em germe todos os segredos da fisiologia e da psicologia, que serão esclarecidos à medida que nossas relações com os desencarnados se ampliem e se multipliquem. Através dele obteremos novos dados sobre as condições da vida no além e em geral sobre o modo de ação do espírito desprendido do corpo material.
IX - A MÚSICA CELESTE
A harmonia
Hoje falaremos não do instrumento extraterrestre, como dizíamos, mas da maneira como o espírito desencarnado pode afastar-se da Terra e penetrar em esferas etéreas onde as harmonias do espaço se tornarão mais suscetíveis para ele. Tomemos, por exemplo, um ser desencarnado de educação espiritual média resultante de seus trabalhos anteriores e de seu grau de fé.
No início de sua vida no espaço o ser desencarnado deverá se familiarizar com seu novo estado, e chegará a despertar em si a recordação das harmonias que percebeu em suas existências anteriores. Ele experimentará o desejo de se envolver de novo nesses fluidos harmoniosos; porém, do ponto de vista latente, ele não pode saber de imediato quais são os meios para chegar à esfera para onde seu espírito aspira subir. Seus guias, mais elevados do que ele, o "intuirão" e farão seu perispírito vibrar de maneira gradual a fim de que ele não se perturbe.
Assim se estabelecerá o que chamamos de acorde, e qualquer dissonância desaparecerá entre ele e a esfera musical onde quer penetrar. Quando na Terra vocês ouvem um instrumento imperfeito, se ele não está afinado, seus pobres órgãos ficam aturdidos; o mesmo ocorre na vida do além. Os guias impressionam o perispírito do desencarnado a fim de que ele obtenha uma adaptação mais completa.
Eis então nosso sujet preparado para receber ondas musicais. À medida que suas próprias radiações melhor se ligam aos feixes harmônicos do espaço, seu desejo de elevar-se ainda mais alto, em direção à fonte de beleza eterna, aumenta. Desembaraçado de qualquer influência grosseira, ele vai subir com seus guias às regiões superiores, celebrando com estes a glória do alto.
Os fluidos materiais volatilizam-se, o perispírito torna-se mais luminoso, as radiações mais intensas, mais sutis, e sua evolução é facilitada. O espírito subirá como os balões sobem em nosso globo.
Penetrando nas altas regiões do espaço, o ser espiritual experimenta primeiramente uma sensação de serenidade, uma espécie de dilatação, de deleite; em seguida as emanações fluídicas que se desprendem do perispírito entram em contato com outros feixes de emanações, e daí ocorre uma espécie de ajuste fluídico entre dois feixes de sutileza, mais ou menos igual, porém de natureza diversa. Vocês não podem imaginar a impressão experimentada pelo ser fluídico: não se trata mais de sensação de bem-estar, de contentamento, mas de uma espécie de acalanto, de ondulação, acompanhados de uma sensação especial que determina um estado emotivo, uma espécie de êxtase. As vibrações sentidas nesse estado formam o que vocês chamam de tonalidades; elas são produzidas por atritos de camadas fluídicas entre si.
Mais acima dessas esferas harmônicas, há outras regiões que não podemos ainda alcançar e onde residem seres superiores, criadores de uma música sublime que para nós é transmitida por especiais correntes fluídicas. Não percebemos os seres que a produzem, entretanto ela chega até nós através de correntes condutoras de natureza sutil. Um guia me diz que os seres que produzem as ondas dessa música celeste são quase perfeitos e possuem uma parcela do gênio divino.
Massenet
A percepção do som no mundo espiritual
Vocês sabem como se formam as vibrações. O espírito, transportado na esfera vibratória, encontra-se envolvido por uma rede de ondas sonoras cujos elementos são constituídos por seres superiores. O que ele experimenta? Experimenta uma impressão comparável à que vocês sentem quando ouvem em música uma nota tônica. Quanto mais as ondas do campo vibratório se desenvolvem em velocidade e comprimento, mais a impressão experimentada pelo espírito é viva, penetrante e comparável, em termos humanos, à que os sons agudos nos fornecem.
Portanto temos, de um lado, a nota tônica, e de outro, o som agudo. Se no campo vibratório as ondas variam em velocidade e em intensidade, a amplitude do som varia, e esse som parte de um ponto inicial, comparável à nota tônica. Esse ponto inicial compreende uma certa onda vibratória que não posso medir. Eis uma comparação: os fonógrafos terrestres emitem sons onde, além da sonoridade produzida pelo instrumento, se vocês aproximam o ouvido do pavilhão, experimentam um calor mais ou menos intenso de acordo com a elevação do tom. Ora, o ser desencarnado não sente calor, mas sensações mais ou menos deliciosas, segundo a velocidade, maior ou menor, e segundo a onda, de maior ou menor comprimento.
As radiações que tocam o perispírito são coloridas de tons incrivelmente variados. Cada cor possui uma propriedade particular, que confere uma sensação de bem-estar, de satisfação, que difere de acordo com a pureza, a homogeneidade de cada tom. É preciso, portanto, levar em consideração, de um lado, a qualidade das ondas, isto é, sua coloração; e de outro lado, sua velocidade, seu comprimento, as diversas fases de seus meandros. Tudo isso provoca, no ser desencarnado, incomparáveis e excessivamente variados fenômenos, pois, quanto mais evoluído é o espírito, mais as ondas que ele percebe são diversas, assim como as cores, que exprimem os sentimentos. Tomemos, por exemplo, o azul, que representa os mais elevados sentimentos do ponto de vista afetivo: uma onda azul lhes dará vibrações que serão para seu ser como que um banho de amor. O vermelho, nas mesmas condições, representará a paixão. O amarelo será intermediário. O rosa, que é uma mistura de amarelo e de vermelho, lhes dará um amor menos intenso, porém mais firme. Desta forma pode-se, com as cores fundamentais, formar uma gama de tonalidades que dão por correspondência vibrações de todos os sentimentos humanos e sobre-humanos.
Se o ser desencarnado é ainda pouco evoluído, mas tem o desejo de impregnar-se de belos sentimentos, seus guias o conduzirão na direção de esferas animadas pelos seres angélicos. Quando o ser é bastante evoluído, sente, nas mesmas esferas, satisfações em que o amor e a paixão virão impregnar seu ser, e é por isso que, de retorno a Terra, os seres que amam a música recordam-se intuitivamente das permanências mais ou menos longas que fizeram no espaço, em um campo de ondas musicais.
A música celeste não é produzida por atritos de arcos sobre cordas: tudo é fluídico, tudo é espiritual, tudo é inspirado pelo pensamento de Deus.
Massenet
Comentários
Sobre a Terra a gama dos sons, tal como a concebemos, não é senão uma relação de sensibilidade que não possui nada de absoluto. Concebe-se muito bem que existe uma relação entre as ondas sonoras e as ondas luminosas, porém tal relação escapa a muitos observadores e sensitivos porque as percepções são bastante diversas em seus graus de intensidade, sendo as vibrações luminosas incomparavelmente mais rápidas do que as vibrações sonoras.
Porém, para o espírito cujas percepções são muito mais poderosas e mais dilatadas, a relação é mais estreita do que para nós, e a sensação unifica-se; disto temos exemplo na diferença que se estabelece entre as notas baixas, que correspondem às cores mais escuras, e aos sons agudos, que respondem às intensidades luminosas mais vivas.*
A inteligência, que percebe e resume todos os efeitos e todas as formas da substância eterna, abrange todas as vibrações, e ela própria vibra sem preocupação com as distâncias e ritmos através do infinito.
É também fácil para nós compreender como, na vida espiritual, os prazeres estéticos são relativos ao grau de evolução dos seres. Todos nós possuímos na Terra o mesmo órgão auditivo, e, no entanto que diferença de sensações experimentam os ouvintes de uma sinfonia, de acordo com seu grau de cultura e sua elevação psíquica!
As formas e as imagens produzidas pelas vibrações sonoras nos espaços etéreos, das quais nos fala o espírito Massenet, parecem-nos ser igualmente manifestações do pensamento ordenador que concebeu e dirige o universo. A música celeste poderia representar a própria vibração da alma divina. É por isso que quanto mais o espírito evolui e se purifica, mais se torna apto para compreender, para sentir a beleza e a harmonia eterna do mundo.
X - SOM E COR
As notas musicais
Falaremos hoje sobre a sonoridade, não sobre a sonoridade pura, uma vez que não possuímos ouvidos para ela. O som é resultante de uma vibração que impressiona nossos órgãos físicos e produz, em conseqüência, um fenômeno virtual.
É preciso partir do seguinte princípio: no espaço o som não é mais a sensação de um ruído, mas a sensação que acarreta uma satisfação de bem-estar moral e espiritual. O júbilo é mais intenso é corresponde às sensações que os instrumentos da Terra produzem sobre nós
Vimos o ser imaterial transportado à esfera musical, isto é, ao campo vibratório animado por seres angélicos; vimos também que esse ser recebe em seu perispírito vibrações que, chocando-se com seus próprios eflúvios, produzem sensações de júbilo.
Na música humana vocês têm como nota de diapasão o lá: não tomaremos essa nota como ponto de partida, pois sua tonalidade não corresponde à tonalidade das cores. Tomaremos o dó. O dó, para os ouvidos humanos, produz um som grave, pleno, e que exprime o júbilo, um som que descreve bem o amor que devemos sentir por Deus. Esse dó, fazendo-se uma comparação, adapta-se melhor à primeira das sensações fluídicas, que se traduz geralmente pela cor azul.
O dó simboliza o azul-celeste, a quietude, a paz da alma, surgida através da prece. O dó é a primeira nota do acorde perfeito que deriva do azul.
O mi representa a força no amor, o desejo de amar, e pode ser representado por uma emanação da luz solar. Temos, portanto: dó, mi. O dó fundamental é azul; o mi, desejo no amor, dará azul-celeste e ouro.
O sol, terceira nota harmônica, representa a consolidação das duas notas precedentes, isto é, uma ligação que pontua as duas idéias precedentes emitidas, pontuação que assegura a exteriorização do sentimento dado pelo azul.
Percebemos essa nota através de um tonalidade especial, cuja cor procuro tornar compreensível aos tidos humanos. Não se trata nem de uma emanação prateada, que poderia confundir-se com o ouro, ser por este absorvida, nem de uma emanação preta, resultante das outras cores, que poderia absorver o azul. Mas é um fluido brilhante, sem cor muito definida, que pode aproximar-se da luz radiante que se desprende dos mundos por vocês percebidos, isto é, cinza-azulado, cinza prateado. O sol visto de longe, possui `esse aspecto.
A primeira tonalidade vista por um mortal, terá esse aspecto: tônica azul. Intensidade da tônica, ouro. Pontuação ou duração: cinza-prateado, mistura de azul com um pouco de ouro e de cinza-prateado.
Essa primeira tonalidade representa o amor divino. As outras cores fundamentais apresentam todos os outros sentimentos, indo do amarelo-claro ao amarelo-escuro; porém essas cores são sempre acompanhadas por seus mantos dourados e suas vestes cinza-prateadas.
Em música humana, acorde perfeito: dó, mi, sol. Tomando-se o ré, acorde perfeito: ré, já, lá; com o mi, acorde perfeito: mi, sol, si. A tônica variará de cor passando do azul até chegar ao vermelho, porém as duas outras notas serão sempre ouro e prata; elas variarão.
Conforme a qualidade do perispírito e a natureza do campo vibratório, as sensações variam e aumentam de intensidade a ponto de se tornarem maravilhosas. Certos perispírito recebem o amarelo, outros, o vermelho. Há alguns que excluem essa última cor.
O violeta é menos suportável para os seres evoluídos. O verde-claro é mais agradável do que o escuro. Pode-se, de acordo com as leis do espaço, perceber uma mistura de azul e de rosa.
Os campos vibratórios variam igualmente de intensidade. Eles resultam de emanações angélicas, inspiradas pelo ser divino. Quando retornamos a Terra, estamos ainda impregnados dessas vibrações; o corpo material as apaga, porém a consciência guarda sua impressão.
Além desses campos vibratórios existem esferas, e até mesmo correntes, que dão aos espíritos menos evoluídos alegrias harmônicas às vezes vivas e profundas, apesar de mais pessoais. Essas correntes fluídicas comunicam ao ser as alegrias íntimas do amor divino. Outras correntes lhe dão apenas a alegria de ouvir os acordes da lira celeste. Essas vibrações, não coloridas e invisíveis para o ser desencarnado, dão-lhe uma satisfação comparável à produzida pela sensação dos perfumes.
A música celeste é, portanto, resultante de impressões causadas pelas camadas fluídicas segundo a elevação do ser e a pureza do meio.
No espaço não se ouve nada; sente-se a harmonia dos fluidos e não a dos sons. A propriedade essencial dos fluidos é a cor. O som é de essência terrestre, a cor é de essência celeste.
A próxima lição tratará dos encantos harmônicos do espaço e de sua persistência nos sentimentos humanos.
Massenet
Comentários
A solidariedade dos sons e das cores, da qual o espírito Massenet nos fala, foi pressentida por todos os grandes músicos. Um deles disse:
A melodia é para a luz o que a harmonia é para as cores do prisma, isto é, uma mesma coisa sob dois aspectos diferentes: melódico e harmônico.
Platão nos diz:
A música é uma lei moral. Dá alma ao universo, asas ao pensamento, saída à imaginação, encanto à tristeza, alegria e vida a todas as coisas. Ela é a essência da ordem e eleva em direção a tudo o que é bom, justo e belo, e do qual ela é a forma invisível, mas, no entanto, deslumbrante, apaixonada, eterna.
Observemos de passagem que Massenet é antes melodista do que sinfonista.
Para formar a luz branca é preciso o acorde das cores complementares, e essa luz torna-se mais viva e radiante quanto melhor a melodia resuma e sintetize o acorde das harmonias complementares.
Parece, portanto, que há perfeita concordância entre as concepções dos gênios terrestres e o ensinamento das entidades do além, e isto se reconhecendo que estas nos fornecem detalhes, observações ignoradas pelos especialistas de nosso mundo.
Em termos de relação, a melodia está para a harmonia como o pensamento está para o gesto. Poder-se-ia dizer, também, que em música a melodia representa a síntese e a harmonia à análise. Elas se penetram, portanto uma na outra e mais valem quanto mais se combinem e se fundam mais completamente.
Na Terra a beleza de uma obra musical resulta ao mesmo tempo da concepção e da execução, porém na vida do além o pensamento iniciador e a execução se confundem, pois o pensamento comunica às vibrações fluídicas as qualidades que lhe são próprias. A obra é mais bela e a impressão que ela produz mais viva quanto mais elevada for a intenção. É isto o que dá à prece ardente, ao grito da alma a seu criador, propriedades Harmônicas.
Quanto mais nos elevamos na escala das relações, mais a unidade aparece em sua sublime grandeza.
A lei das notações musicais regula todas as coisas, e seu ritmo acalanta a vida universal. É uma espécie de geometria resplandecente e divina. O alfabeto humano, como um balbucio, é uma de suas formas mais rudimentares. Porém suas manifestações tornam-se cada vez mais amplas e importantes, em todos os graus da escala harmônica.
O espírito humano não pode se elevar até as supremas alturas da arte cuja fonte é Deus, mas ele pode, ao menos, elevar a elas suas aspirações.
As concordâncias estéticas se sobrepõem ao infinito. Mas o pensamento humano entrevê apenas alguns aspectos da lei universal de harmonia nas horas de êxtase e de grande alegria. A regra musical se produz no espaço através de raios de luz; o pensamento, a expressão do gênio divino e os astros em seus cursos, aí conformam suas vibrações.
Se o espírito humano, em seus impulsos, eleva-se um instante a essas alturas, recai impotente para descrever suas belezas; as impressões que ele experimenta não se podem traduzir senão através de muda adoração. O próprio espírito Massenet declara-se insuficientemente evoluído para manter-se nessas esferas superiores.
Uma vez mais encontramo-nos, aqui, na impossibilidade de exprimir, na linguagem humana, idéias sobre humanas. Apesar do que se possa dizer, permanece-se sempre aquém da verdade. O infinito das idéias, dos quadros, das imagens, é como um desafio aos limitados recursos do vocabulário terrestre. Com efeito, como encerrar em palavras, como resumir em palavras todo o esplendor das obras que se desenvolvem nas profundezas dos céus estrelados?
XI - CORRENTES MUSICAIS
A música no espaço
Como conclusão ao que expus a respeito da arte musical no espaço, vou tentar fazê-los compreender as sensações harmônicas experimentadas pelo espírito nas esferas onde vivemos. Em nossa última conversa falamos das correntes provocadas por seres angélicos. Restamos falar dos "trens de ondas" (expressão retirada do cérebro do médium, que possui algum conhecimento sobre telegrafia sem fio). Tomaremos, portanto, como termo de comparação, esse telégrafo sem fio que lhes dá uma primeira idéia desses trens de ondas harmônicas dos quais lhes falarei.
Ultimamente vocês me interrogavam a respeito da música das esferas. Eis sua explicação: forças dirigidas por vontades superiores produzem uma corrente fluídica cuja potência vibratória é considerável, mas uniforme. Essas ondas vão percorrer um espaço imenso e impressionarão espíritos menos evoluídos do que aqueles que podem abordar as esferas musicais das quais lhes falamos; esses espíritos, menos evoluídos, possuem ao menos por seu perispírito a faculdade de sentir certas ondulações. Tocando esses seres, que são em grande número, as ondas, segundo sua velocidade, produzem uma vibração que se traduz sobre todos os espíritos por uma repentina iluminação. Qualquer espírito que encontre essa corrente no espaço sentirá seu perispírito colorir se de tonalidade mais viva segundo a intensidade da corrente emitida, e através dela, sentirá uma satisfação adequada à coloração. Como em geral esses trens ou correntes de ondas são provocados por sentimentos que emanam de seres quase angélicos ou divinos, vocês podem conceber que se pode compará-los a banhos de azul-celeste apagando, tanto quanto possível, as paixões, que são ainda um resquício de matéria. Se à vontade do espírito que os percebe é suficiente, ele pode com eles se beneficiar amplamente, pois essas ondas constituem uma espécie de transmissão que pode auxiliar em sua elevação, uma vez que elas emanam das regiões divinas.
Essas correntes giram com freqüência em torno dos mundos e purificam sua atmosfera. Quando partem de um ponto diferente, essas correntes se revestem de cores distintas que podem se confundir e determinar uma dupla sensação. Assim se explica o que lhes disseram certos espíritos, que falam que no espaço "ouvem-se liras vibrando".
Em geral a tonalidade permanece a mesma, sendo a palavra tonalidade tomada no sentido de cor. Para nós a cor exprime as sensações colhidas pelo pensamento. Porém muitos seres permanecem insensíveis a essas correntes devido a sua pouca evolução. Alguns há que preferem as sensações produzidas por antigas paixões carnais, e as procuram; outros, impressionados por essas correntes, pedem através da prece para penetrar em esferas onde o êxtase é mais habitual.
Vocês sabem que no espaço os planos são diversos, porém Deus permitiu que todos os seres tivessem consciência de seus bons atos. Os prazeres experimentados não se comparam aos que vocês poderiam experimentar olhando um belo quadro ou ouvindo um trecho de música: as sensações são muito mais completas e não são absolutamente mecânicas como as de vocês. A música terrestre é resultante de choques mais ou menos violentos sobre um metal, ou da passagem de ar numa substância sonora, enquanto que a música do espaço traduz-se através de sensações cuja gama sobrepõe-se de graus coloridos! Cada cor, cada feixe colorido, tocando o perispírito, transmite-lhe "impressões mais elevadas, ou menos, e puras segundo a natureza elevada do espírito que as recebe e segundo a intensidade das ondas fluídicas.
A música terrestre não é, portanto, comparável à música do espaço. A primeira dá uma satisfação da qual sua sensibilidade nervosa tira proveito; a segunda, que é de essência divina, dá alegrias morais, sensações de bem-estar, êxtases tão profundos quanto mais puro seja o próprio receptáculo, isto é, o ser privado de envoltório carnal.
Massenet
XII - COMENTÁRIO FINAL
O estudo do espiritismo em suas relações com a arte encerra os mais amplos problemas do pensamento e da vida. Ele nos mostra a ascensão do ser na escala das existências e dos mundos em direção a uma concepção sempre mais ampla e mais precisa das regras de harmonia e de beleza, de acordo com as quais todas as coisas são estabelecidas no universo. Nessa magnífica ascensão, a inteligência cresce pouco a pouco; os germes do bem e do belo nela depositados desenvolvem-se, ao mesmo tempo em que se amplia sua compreensão da lei da eterna beleza.
A alma chega a executar sua melodia pessoal sobre as mil oitavas do imenso teclado do universo; ela é invadida pela harmonia sublime que sintetiza a ação de viver e a interpreta de acordo com seu próprio talento, prova cada vez mais as felicidades que a posse do belo e do verdadeiro proporciona, felicidades que os verdadeiros artistas podem entrever desde este mundo. Assim, o caminho da vida celeste é aberto a todos, e todos podem percorrê-lo através de seus esforços e de seus méritos, chegando à posse desses bens imperecíveis que a bondade de Deus nos reserva.
A lei soberana, o objetivo supremo do universo é, portanto, o belo. Todos os problemas do ser e do destino resumem-se em poucas palavras. Cada vida deve ser a construção, a realização do belo, o cumprimento da lei.
O ser que chega a uma concepção elevada dessa lei, e de suas aplicações, deve auxiliar todos aqueles que, abaixo dele, transpõem a grandiosa escala das ascensões.
Por seu lado, os seres inferiores devem trabalhar a fim de assegurar a vida material e em seguida tornar possível a liberdade de espírito necessária aos pensadores e aos pesquisadores. Assim afirma-se a imensa solidariedade, dos seres, unidos em uma ação comum.
Toda ascensão da vida à perfeição eterna, todo esplendor das leis universais, resumem-se em três palavras: beleza, sabedoria e amor!
FIM