SEGUNDA PARTE
O PROBLEMA DO DESTINO
XIII. - As vidas sucessivas. A reencarnação e suas leis
XIV. - As vidas sucessivas. Provas experimentais. Renovação da memória
XV. - As vidas sucessivas. As crianças prodígio e hereditariedade
XVI. - As vidas sucessivas. - Objeções e críticas
XVII. - As vidas sucessivas. Provas históricas
XVIII. Justiça e Responsabilidade O problema do mal
XIX. - A lei dos destinos
XIII. - As vidas sucessivas. A reencarnação e suas leis
A alma, depois de residir temporariamente no Espaço, renasce na condição humana, trazendo consigo a herança, boa ou má, do seu passado; renasce criancinha, reaparece na cena terrestre para representar um novo ato do drama da sua vida, pagar as dívidas que contraiu, conquistar novas capacidades que lhe hão de facilitar a ascensão, acelerar a marcha para a frente.
A lei dos renascimentos explica e completa o princípio da imortalidade. A evolução do ser indica um plano e um fim. Esse fim, que é a perfeição, não pode realizar-se em uma existência só, por mais longa que seja. Devemos ver na pluralidade das vidas da alma a condição necessária de sua educação e de seus progressos. É à custa dos próprios esforços, de suas lutas, de seus sofrimentos, que ela se redime de seu estado de ignorância e de inferioridade e se eleva, de degrau a degrau, na Terra primeiramente, e, depois, através das inumeráveis estâncias do céu estrelado.
A reencarnação, afirmada pelas vozes de além-túmulo, é a única forma racional por que se pode admitir a reparação das faltas cometidas e a evolução gradual dos seres. Sem ela, não se vê sanção moral satisfatória e completa; não há possibilidade de conceber a existência de um Ser que governe o Universo com justiça.
Se admitirmos que o homem viva atualmente pela Primeira e última vez neste mundo, que uma única existência terrestre é o quinhão de cada um de nós, a incoerência e a parcialidade, forçoso seria reconhecê-lo, presidem à repartição dos bens e dos males, das aptidões e das faculdades, das qualidades nativas e dos vícios originais.Por que para uns a fortuna, a felicidade constante e para outros a miséria, a desgraça inevitável? Para estes a força, a saúde, a beleza; para aqueles a fraqueza, a doença, a fealdade? Por que a inteligência, o gênio, aqui; e, acolá, a imbecilidade? Como se encontram tantas qualidades morais admiráveis, a par de tantos vícios e defeitos?
Por que há raças tão diversas? Umas inferiores a tal ponto que parecem confinar com a animalidade e outras favorecidas com todos os dons que lhes asseguram a supremacia? E as enfermidades inatas, a cegueira, a idiotia, as deformidades, todos os infortúnios que enchem os hospitais, os albergues noturnos, as casas de correção? A hereditariedade não explica tudo; na maior parte dos casos, estas aflições não podem ser consideradas como o resultado de causas atuais. Sucede o mesmo com os favores da sorte. Muitíssimas vezes, os justos parecem esmagados pelo peso da prova, ao passo que os egoístas e os maus prosperam!
Por que também as crianças mortas antes de nascer e as que são condenadas a sofrer desde o berço? Certas existências acabam em poucos anos, em poucos dias; outras duram quase um século! Donde vêm também os jovens-prodígios - músicos, pintores, poetas, todos aqueles que, desde a meninice, mostram disposições extraordinárias para as artes ou para as ciências, ao passo que tantos outros ficam na mediocridade toda a vida, apesar de um labor insano? E igualmente, donde vêm os instintos precoces, os sentimentos inatos de dignidade ou baixeza contrastando às vezes tão estranhamente com o meio em que se manifestam?
Se a vida individual começa somente com o nascimento terrestre, se, antes dele, nada existe para todas as uni de nós, debalde se procurarão explicar estas diversidades pungentes, estas tremendas anomalias e ainda menos poderemos conciliá-las com a existência de um poder sábio, previdente, eqüitativo. Todas as religiões, todos os sistemas filosóficos contemporâneos vieram esbarrar com este problema; nenhum o pôde resolver. Considerado sob seu ponto de vista, que é a unidade de existência para cada ser humano, o destino continua incompreensível, ensombra-se o plano do Universo, a evolução pára, torna-se inexplicável o sofrimento. O homem, levado a crer na ação de forças cegas e fatais, na ausência de toda justiça distributiva, resvala insensivelmente para o ateísmo e o pessimismo. Ao contrário, tudo se explica, se torna claro com a doutrina das vidas sucessivas. A lei de justiça revela-se nas menores particularidades da existência. As desigualdades que nos chocam resultam das diferentes situações ocupadas pelas almas nos seus graus infinitos de evolução. O destino do ser não é mais do que o desenvolvimento, através das idades, da longa série de causas e efeitos gerados por seus atos. Nada se perde; os efeitos do bem e do mal se acumulam e germinam em nós até ao momento favorável de desabrocharem. Às vezes, expandem-se com rapidez; outras, depois de longo lapso de tempo, transmitem-se, repercutem, de uma para outra existência, segundo a sua maturação é ativada ou retardada pelas influências ambientes; mas, nenhum desses efeitos pode desaparecer por si mesmo; só a reparação tem esse poder.
Cada um leva para a outra vida e traz, ao nascer, a semente do passado. Essa semente há de espalhar seus frutos, conforme a sua natureza, ou para nossa felicidade ou para nossa desgraça, na nova vida que começa e até sobre as seguintes, se uma só existência não bastar para desfazer as conseqüências más de nossas vidas passadas. Ao mesmo tempo, os nossos atos cotidianos, fontes de novos efeitos, vêm juntar-se às causas antigas, atenuando-as ou agravando-as e formam com elas um encadeamento de bens ou de males que, no seu conjunto, urdirão a teia do nosso destino.
Assim, a sanção moral, tão insuficiente, às vezes tão sem valor, quando é estudada sob o ponto de vista de uma vida única, reconhece-se absoluta e perfeita na sucessão de nossas existências. Há uma íntima correlação entre os nossos atos e o nosso destino. Sofremos em nós mesmos, em nosso ser interior e nos acontecimentos da nossa vida, a repercussão do nosso proceder. A nossa atividade, sob todas as suas formas, cria elementos bons ou maus, efeitos próximos ou remotos, que recaem sobre nós em chuvas, em tempestades ou em alegres claridades. O hoir am constrói o seu próprio futuro. Até agora, na sua incerteza, na sua ignorância, ele o construiu às apalpadelas e sofreu a sua sorte sem poder explicá-la. Não tardará o momento em que, mais bem instruído, penetrado pela majestade das leis superiores, compreenderá a beleza da vida, que reside no esforço corajoso, e dará à sua obra um impulso mais nobre e elevado.
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A variedade infinita das aptidões, das faculdades, dos caracteres, explica-se facilmente, dizíamos nós. Nem todas as almas têm a mesma idade, nem todas subiram com o mesmo passo seus estádios evolutivos. Umas percorreram uma carreira imensa e aproximaram-se já do apogeu dos progressos terrestres; outras mal começam o seu ciclo de evolução no seio das humanidades. Estas são as almas jovens, emanadas a menos tempo do Foco Eterno, foco inextinguível que despede sem cessar feixes de Inteligências que descem aos mundos da matéria para animarem as formas rudimentares da vida. Chegadas à humanidade, tomarão lugar entre os povos selvagens ou entre as raças bárbaras que povoam os continentes atrasados, as regiões deserdadas do Globo. E, quando, afinal, penetram em nossas civilizações, ainda facilmente se deixam reconhecer pela falta de desembaraço, de jeito, pela sua incapacidade para todas as coisas e, principalmente, pelas suas paixões violentas, pelos seus gostos sanguinários, às vezes até pela sua ferocidade; mas, essas almas ainda não desenvolvidas subirão por sua vez a escala das graduações infinitas por meio de reencarnações inúmeras. Outro elemento do problema é a liberdade de ação do Espírito. A uns, ela permite que se demorem na via da ascensão, que percam, sem cuidado com o verdadeiro fim da existência, tantas horas preciosas à cata das riquezas e do prazer; a outros, deixa-os se apressarem a trilhar os carreiros escabrosos e alcançar os cimos do pensamento, se, às seduções da matéria, preferem a posse dos bens do espírito e do coração. São desse número os sábios, os gênios e os santos de todos os tempos e de todos os países, os nobres mártires das causas generosas e aqueles que consagraram vidas inteiras a acumular no silêncio dos claustros, das bibliotecas, dos laboratórios, os tesouros da ciência e da sabedoria humana.
Todas as correntes do passado se encontram, juntam-se e confundem-se em cada vida. Contribuem para fazer a alma generosa ou mesquinha, luminosa ou escura, poderosa ou miserável. Essas correntes, entre a maior parte dos nossos contemporâneos, apenas conseguem fazer as almas indiferentes, incessantemente balouçadas pelos sopros do bem e do mal, da verdade e do erro, da paixão e do dever.
Assim, no encadeamento das nossas estações terrestres, continua e completa-se a obra grandiosa de nossa educação, o moroso edificar de nossa individualidade, de nossa personalidade moral. É por essa razão que a alma tem de encarnar sucessivamente nos meios mais diversos, em todas as condições sociais; tem de passar alternadamente pelas provações da pobreza e da riqueza, aprendendo a obedecer para depois mandar. Precisam das vidas obscuras, vidas de trabalho, de privações para acostumar-se a renunciar às vaidades materiais, a desapegar-se das coisas frívolas, a ter paciência, a adquirir a disciplina do espírito. São necessárias as existências de estudo, as missões de dedicação, de caridade, por via das quais se ilustra a inteligência e o coração se enriquece com a aquisição de novas qualidades; virão depois as vidas de sacrifício pela família, pela pátria, pela Humanidade. São necessários também à prova cruel, cadinho onde se fundem o orgulho e o egoísmo, e as situações dolorosas, que são o resgate do passado, a reparação das nossas faltas, a norma por que se cumpre à lei de justiça. O Espírito retempera-se, aperfeiçoa-se, purifica-se na luta e no sofrimento. Volta a expiar no próprio meio onde se tornou culpado. Acontece às vezes que as provações fazem de nossa existência um calvário, mas esse calvário é um monte que nos aproxima dos mundos felizes.
Logo, não há fatalidade. É o homem, por sua própria vontade, quem forja as próprias cadeias, é ele quem tece, fio por fio, dia a dia, do nascimento à morte, a rede de seu destino. A lei de justiça não é, em essência, senão a lei de harmonia; determina as conseqüências dos atos que livremente praticamos. Não pune nem recompensa, mas preside simplesmente à ordem, ao equilíbrio do mundo moral como ao do mundo físico. Todo dano causado à ordem universal acarreta causas de sofrimento e uma reparação necessária até que, mediante os cuidados do culpado, a harmonia violada seja restabelecida.
O bem e o mal praticado constituem a única regra do destino. Sobre todas as coisas exerce influência uma lei grande e poderosa, em virtude da qual cada ser vivo do Universo só pode gozar da situação correspondente a seus méritos. A nossa felicidade, apesar das aparências enganadoras, está sempre em relação direta com a nossa capacidade para o bem; e essa lei acha completa aplicação nas reencarnações da alma. É ela que fixa as condições de cada renascimento e traça as linhas principais dos nossos destinos. Por isso há maus que parecem felizes, ao passo que justos sofrem excessivamente. A hora da reparação soou para estes e, breve, soará para aqueles.
Associarmos os nossos atos ao plano divino, agirmos de acordo com a Natureza, no sentido da harmonia e para o bem de todos, é preparar nossa elevação, nossa felicidade; agir no sentido contrário, fomentar a discórdia, incitar os apetites malsãos, trabalhar para si mesmo em menoscabo dos outros, é semear para o futuro fermentos de dor; é nos colocarmos sob o domínio de influências que retardam o nosso adiantamento e por muito tempo nos acorrentam aos mundos inferiores.
É isso o que é necessário dizer, repetir e fazer penetrar no pensamento, na consciência de todos, a fim de que o homem tenha um único alvo em mira – conquistar as forças morais, sem as quais ficará sempre na impotência de melhorar a sua condição e a da Humanidade! Fazendo conhecer os efeitos da lei de responsabilidade, demonstrando que as conseqüências de nossos atos recaem sobre nós através dos tempos, como a pedra atirada ao ar torna a cair ao solo, pouco a pouco serão levados os homens a conformar o seu proceder com esta lei, a realizar a ordem, a justiça, a solidariedade no meio social.
Certas escolas espiritualistas combatem o princípio das vidas sucessivas e ensinam que a evolução da alma depois da morte continua a efetuar-se somente no mundo invisível; outras, conquanto admitam a reencarnação, crêem que ela se realiza em esferas mais elevadas; o regresso a Terra não lhes parece ser uma necessidade.
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Aos partidários dessas teorias lembraremos que a encarnação na Terra tem um objetivo e esse objetivo é o aperfeiçoamento do ser humano. Ora, dada à infinita variedade das condições da existência terrestre, quer quanto à duração, quer quanto aos resultados, é impossível admitir que todos os homens possam chegar ao mesmo grau de perfeição numa única vida. Daí, a necessidade de regressos sucessivos que permitam adquirirem-se as qualidades requeridas para ter entrada em mundos mais adiantados.
O presente tem a sua explicação no passado. Foi precisa uma série de renascimentos terrestres para que o homem conquistasse a posição que atualmente ocupa, e não parece admissível que este ponto de evolução seja definitivo para a nossa esfera. Os seus habitantes não estão todos em estado de transmigrar depois da morte para sociedades mais perfeitas; pelo contrário, tudo indica a imperfeição da sua natureza e a necessidade de novos trabalhos, de outras provas que lhes completem a educação e lhes dêem acesso a um grau superior na escala dos seres.
Em toda a parte, a Natureza procede com sabedoria, método e morosidade. Numerosos séculos foram-lhe indispensáveis para fabricar a forma humana; só volvidos longos períodos de barbaria é que nasceu a Civilização. A evolução física e mental e o progresso moral são regidos por leis idênticas; não basta uma única existência para dar-lhes cumprimento. E para que havemos de ir buscar muito longe, a outros mundos, os elementos de novos progressos, quando os encontramos por toda parte em volta de nós ? Desde a selvageria até a mais requintada civilização, não nos oferece o nosso planeta vasto campo ao desenvolvimento do Espírito?
Os contrastes, as oposições que aí apresentam, em todas as suas formas, o bem e o mal, o saber e a ignorância, são outros tantos exemplos e ensinamentos, outras tantas causas de emulação.
Renascer não é mais extraordinário do que nascer; a alma volta à carne para nela submeter-se às leis da necessidade; as precisões e as lutas da vida material são outros tantos incentivos que a obrigam a trabalhar, aumentam a sua energia, avigoram-lhe o caráter. Tais resultados não poderiam ser obtidos na vida livre do Espaço por Espíritos juvenis, cuja vontade é vacilante. Para avançarem, tornam-se precisos o látego da necessidade e as numerosas encarnações, durante as quais a alma vai concentrar-se, recolher-se em si mesma, adquirir a elasticidade, a impulsão indispensável para descrever mais tarde a sua imensa trajetória no céu.
O fim dessas encarnações é, pois, de alguma sorte, a revelação da alma a si mesma ou, antes, a sua própria valorização pelo desenvolvimento constante das suas forças, dos seus conhecimentos, da sua consciência, da sua vontade. A alma inferior e nova não pode adquirir a consciência de si mesma senão com a condição de estar separada das outras almas, encerrada num corpo material.
Ela constituirá, assim, um ser distinto, que vai afirmar a sua personalidade, aumentar a sua experiência, acentuar a sua marcha progressiva na razão direta dos esforços que fizer para triunfar das dificuldades e dos obstáculos que a vida terrestre lhe semeia debaixo dos pés.
As existências planetárias põem-nos em relação com uma ordem completa de coisas que constituem o plano inicial, a base de nossa evolução infinita e que se acha em perfeita harmonia com o nosso grau de evolução; mas, esta ordem de coisas e a série das vidas que com ela se relacionam, por mais numerosas que sejam, representam uma fração ínfima da existência sideral, um instante na duração ilimitada dos nossos destinos.
A passagem das almas terrestres para outros mundos só pode ser efetuada sob o regime de certas leis. Os Globos que povoam a extensão diferem entre si por sua natureza e densidade. A adaptação dos invólucros fluídicos das almas a esses meios novos somente é realizável em condições especiais de purificação. É impossível aos Espíritos inferiores, na vida errática, penetrarem nos mundos elevados e lhes descreverem as belezas aos nossos médiuns. Encontra-se a mesma dificuldade, maior ainda, quando se trata da reencarnação nesses mundos. As sociedades que os habitam, por seu estado de superioridade, são inacessíveis à imensa maioria dos Espíritos terrestres, ainda demasiadamente grosseiros, em insuficiente grau de elevação. Os sentimentos psíquicos dos últimos, mui pouco apurados, não lhes permitiriam viver da vida sutil que reina nessas esferas longínquas. Achar-se-iam lá como cegos na claridade ou surdos num concerto. A atração que lhes encadeia os corpos fluídicos ao Planeta prende-lhes, do mesmo modo, o pensamento e a consciência às coisas inferiores. Seus desejos, seus apetites, seus ódios, seu amor mesmo fazem-nos voltar a este mundo e ligam-nos ao objeto da sua paixão.
E necessário aprendermos primeiramente a desatar os laços que nos amarram a Terra, para, depois, levantarmos o vôo para mundos mais elevados. Arrancar as almas terrestres ao seu meio, antes do termo da evolução especial a esse meio, fazê-las transmigrar para esferas superiores, antes de terem realizado- os progressos necessários, seria desarrazoado e imprudente. A Natureza não procede assim, sua obra desenrola-se majestosa, harmônica em todas as suas fases. Os seres, cuja ascensão suas leis dirigem, não deixam o campo de ação senão depois de terem adquirido virtudes e potências capazes de lhes darem entrada num domínio mais elevado da Vida Universal.
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A que regras estão sujeito o regresso da alma à carne? As da atração e da afinidade. Quando um Espírito encarna, é atraído para um meio conforme as suas tendências, ao seu caráter e grau de evolução. As almas seguem umas as outras e encarnam por grupos, constituem famílias espirituais, cujos membros são unidos por laços ternos e fortes, contraídos durante existências percorridas em comum. Às vezes esses Espíritos são temporariamente afastados uns dos outros e mudam de meio para adquirirem novas aptidões. Assim se explicam, segundo os casos, as analogias ou dessemelhanças que caracterizam os membros de uma mesma família, filhos e pais; mas, sempre aqueles que se amam tornam, cedo ou tarde, a encontrar-se na Terra, como no Espaço.
Acusa-se a doutrina das reencarnações de amesquinhar a idéia de família, de inverter e confundir as situações que ocupam, uns em relação aos outros, os Espíritos unidos por laços de parentesco, por exemplo, as relações de mãe para filho, de marido para mulher, etc. ; o contrário é que é a verdade. Na hipótese de uma vida.Única, os Espíritos dispersam-se depois de breve coabitação e, muitas vezes, tornam-se estranhos uns aos outros. Segundo a doutrina católica, as almas permanecem, depois da morte, em lugares diversos, segundo os seus méritos, e os eleitos são para sempre separados dos réprobos. Assim, os laços de família e de amizade, formados por uma vida transitória, afrouxam-se na maior parte dos casos e até se quebram de vez; ao passo que, pelos renascimentos, os Espíritos reúnem-se de novo e prosseguem em comum as suas peregrinações através dos mundos, tornando-se, assim, a sua união cada vez mais íntima e profunda.
Nossa ternura espontânea por certos seres deste mundo explica-se facilmente. Já os havíamos conhecido, em outros tempos, já os encontráramos. Quantos esposos, quantos amantes não têm sido unidos por inúmeras existências, percorridas dois a dois!
Seu amor é indestrutível, porque o amor é à força das forças, o vínculo supremo que nada pode destruir. As condições da reencarnação não permitem que nossas situações recíprocas se invertam; quase sempre se conservam os graus respectivos de parentesco. Algumas vezes, em caso de impossibilidade, um filho poderá vir a ser o irmão mais novo do seu pai de outros tempos, a mãe poderá renascer irmã mais velha do filho. Em casos excepcionais, e somente a pedido dos interessados, podem inverter-se as situações. Os sentimentos de delicadeza, de dignidade, de mútuo respeito que sentimos na Terra não podem ser desconhecidos no mundo espiritual. Para supô-lo, é preciso ignorar a natureza das leis que regem a evolução das almas!
O Espírito adiantado, cuja liberdade aumenta na razão direta da sua elevação, escolhe o meio onde quer renascer, ao passo que o Espírito inferior é impelido por uma força misteriosa a que obedece instintivamente; mas, todos são protegidos, aconselhados, amparados na passagem da vida do Espaço para a existência terrestre, mais penosa, mais temível que a morte.
A união da alma com o corpo efetua-se por meio do invólucro fluídico, o perispírito, de que muitas vezes temos falado. Sutil por sua natureza, vai ele servir de laço entre o Espírito e a matéria. A alma está presa ao gérmen por "este mediador plástico", que vai retrair-se, condensar-se cada vez mais, através das fases progressivas da gestação, e formar o corpo físico. Desde a concepção até o nascimento, a fusão opera-se lentamente, fibra por fibra, molécula por molécula. Pelo afluxo crescente dos elementos materiais e da força vital fornecidos pelos genitores, os movimentos vibratórios do perispírito da criança vão diminuir e restringirem-se, ao mesmo tempo em que as faculdades da alma, a memória, a consciência esvai-se e aniquilam-se. É a essa redução das vibrações fluídicas do perispírito, à sua oclusão na carne que se deve atribuir à perda da memória das vidas passadas. Um véu cada vez mais espessa envolve a alma e apaga-lhe as radiações interiores. Todas as impressões da sua vida celeste e do seu longo passado volvem às profundezas do inconsciente e a emersão só se realiza nas horas de exteriorização ou por ocasião da morte, quando o Espírito, recuperando a plenitude dos seus movimentos vibratórios, evoca o mundo adormecido das suas recordações.
O papel do duplo fluídico é considerável; explica, desde o nascimento até a morte, todos os fenômenos vitais. Possuindo em si os vestígios indeléveis de todos os estados do ser, desde a sua origem, comunicam-lhe a impressão, as linhas essenciais ao gérmen material. Eis aí a chave dos fenômenos embriogênicos.
O perispírito, durante o período de gestação, impregna-se de fluido vital e materializa-se quanto baste para tornar-se o regulador da energia e o suporte dos elementos fornecidos pelos genitores; constitui, assim, uma espécie de esboço, de rede fluídica permanente, através da qual passará a corrente de matéria que destrói e reconstitui sem cessar, durante a vida, o organismo terrestre; será a armação invisível que sustenta interiormente a estátua humana. Graças a ele, a individualidade e a memória conservar-se-ão no plano físico, apesar das vicissitudes da parte mutável e móvel do ser, e assegurarão, do mesmo modo, a lembrança dos fatos da existência presente, recordações cujo encadeamento, do berço à cova, fornece-nos a certeza íntima da nossa identidade.
A incorporação da alma não é, pois, subitânea, como o afirmam certas doutrinas; é gradual e só se completa e se torna definitiva à saída da vida uterina. Nesse momento, a matéria encerra completamente o Espírito, que deverá vivificá-la pela ação das faculdades adquiridas.
Longo será o período de desenvolvimento durante o qual a alma se ocupará em pôr à sua feição o novo invólucro, em acomodá-lo às suas necessidades, em fazer dele um instrumento capaz de manifestar-lhe as potências íntimas; mas, nessa obra, será coadjuvada por um Espírito preposto à sua guarda, que cuida dela, a inspira e guia em todo o percurso da sua peregrinação terrestre. Todas as noites, durante o sono, muitas vezes até de dia, o Espírito, no período infantil, desprende-se da forma carnal, volve ao Espaço, a haurir forças e alentos para, em seguida, tornar a descer ao invólucro e prosseguir o penoso curso da existência.
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Antes de novamente entrar em contacto com a matéria e começar nova carreira, o Espírito tem, dissemos, de escolher o meio onde vai renascer para a vida terrestre; mas, essa escolha é limitada, circunscrita, determinada por causas múltiplas. Os antecedentes do ser, suas dívidas morais, suas afeições, seus méritos e deméritos, o papel que está apto para desempenhar, todos esses elementos intervêm na orientação da vida em preparo; daí a preferência por uma raça, tal nação, tal família. As almas terrestres que havemos amado atraem-nos; os laços - do passado reatam-se em filiações, alianças, amizades novas. Os próprios lugares exercem sobre nós a sua misteriosa sedução e é raro que o destino não nos reconduza muitas vezes às regiões onde já vivemos, amamos, sofremos. Os ódios são forças também que nos aproximam dos nossos inimigos de outrora para apagarmos, com melhores relações, inimizades antigas. Assim, tornamos a encontrar em nosso caminho a maior parte daqueles que constituíram nossa alegria ou fizeram nossos tormentos.
Sucede o mesmo com a adoção de uma classe social, com as condições de ambiente e educação, com os privilégios da fortuna ou da saúde, com as misérias da pobreza. Toda esta causa tão variada, tão complexa, vã combinar-se para assegurar ao novo encarnado as satisfações, as vantagens ou as provações que convêm ao seu grau de evolução, aos seus méritos ou às suas faltas e às dívidas contraídas por ele.
Pelo que fica dito, compreender-se-á quão difícil é a escolha. Por isso, esta escolha é-nos, as mais das vezes, inspirada pelas Inteligências diretoras, ou, então, em proveito nosso, hão de elas próprias fazê-lo, se não possuirmos o discernimento necessário para adotar com toda a sabedoria e previdência os meios mais eficazes para ativarem a nossa evolução e expurgarem o nosso passado.
Todavia, o interessado tem sempre a liberdade de aceitar ou procrastinar a hora das reparações inelutáveis. No momento de se ligar a um gérmen humano, quando a alma possui ainda toda a sua lucidez, o seu Guia desenrola diante dela o panorama da existência que a espera; mostra-lhe os obstáculos e os males de que será eriçada, faz-lhe compreender a utilidade desses obstáculos e desses males para desenvolver-lhe as virtudes ou expurga-la dos seus vícios. Se a prova lhe parecer demasiado rude, se não se sentir suficientemente armado para afrontá-la, é lícito ao Espírito diferir-lhe a data e procurar uma vida transitória que lhe aumente as forças morais e a vontade.
Na hora das resoluções supremas, antes de tornar a descer à carne, o Espírito percebe, atinge o sentido geral da vida que vai começar, ela lhe aparece nas suas linhas principais, nos seus fatos culminantes, modificáveis sempre, entretanto, por sua ação pessoal e pelo uso do seu livre-arbítrio; porque a alma é senhora dos seus atos; mas, desde que ela se decidiu, desde que o laço se dá e a incorporação se debuxa, tudo se apaga, esvai-se tudo. A existência vai desenrolar-se com todas as suas conseqüências previstas, aceitas, desejadas, sem que nenhuma intuição do futuro subsista na consciência normal do ser encarnado. O esquecimento é necessário durante a vida material. O conhecimento antecipado dos males ou das catástrofes que nos esperam paralisariam os nossos esforços, sustariam a nossa marcha para a frente.
Quanto à escolha do sexo, é também a alma que, de antemão, resolve. Pode até variá-lo de uma encarnação para outra por um ato da sua vontade criadora, modificando as condições orgânicas do perispírito. Certos pensadores admitem que a alternação dos sexos seja necessária para adquirir virtudes mais especiais, dizem eles, a cada uma das metades do gênero humano; por exemplo, no homem, à vontade, a firmeza, a coragem; na mulher, a ternura, a paciência, a pureza.
Cremos de preferência, de acordo com os nossos Guias, que a mudança de sexo, sempre possível para o Fspírito, é, em princípio, inútil e perigosa. Os Espíritos elevados reprovam-na. É fácil reconhecer, à primeira vista, em volta de nós, às pessoas que numa existência precedente adotaram sexo diferente; são sempre, sob algum ponto de vista, anormais. As viragos, de caráter e gostos varonis, algumas das quais apresentam ainda vestígio dos atributos do outro sexo, por exemplo, barba no mento, são, evidentemente, homens reencarnados. Elas nada têm de estético e sedutor; sucede o mesmo com os homens efeminados, que têm todos os característicos das filhas de Eva e acham-se como que transviados na vida. Quando um Espírito se afez a um sexo, é mau para ele sair do que se tornou a sua natureza.
Muitas almas, criadas aos pares, são destinadas a evoluírem juntas, unidas para sempre na alegria como na dor. Deram-lhes o nome de almas-irmãs ; o seu número é mais considerável do que geralmente se crê; realizam a forma mais completa, mais perfeita da vida e do sentimento e dão às outras almas o exemplo de um amor fiel, inalterável, profundo; podem ser reconhecidas por exale característico. Que seria de sua afeição, de suas relações, de seu destino, se a mudança de sexo fosse uma necessidade, uma lei? Entendemos antes que, pelo próprio fato da ascensão geral, os caracteres nobres e as altas virtudes multiplicar-se-ão nos dois sexos ao mesmo tempo; finalmente, nenhuma qualidade ficará sendo apanágio de um só dos sexos, mas atributo dos dois.
A mudança de sexo poderia ser considerada como um ato imposto pela lei de justiça e reparação num único caso, o qual se dá quando maus-tratos ou graves danos, infligidos a pessoas de um sexo, atraem para este mesmo sexo os Espíritos responsáveis, para assim sofrerem, por sua vez, os efeitos das causas a que deram origem; mas, a pena de talião não rege, como mais adiante veremos, de maneira absoluta, o mundo das almas; existem mil formas de se fazer à reparação e de se eliminarem as causas do mal. A cadeia onipotente das causas e dos efeitos desenrola-se em mil anéis diversos.
Objetar-nos-ão talvez que seria iníquo coagir metade dos Espíritos a evoluírem num sexo mais fraco e bastas vezes oprimido, humilhado, sacrificado por uma organização social ainda bárbara. Podemos responder que este estado de coisas tende a desaparecer, de dia para dia, para dar lugar a maior soma de eqüidade. E pelo aperfeiçoamento moral e social e pela sólida educação da mulher que a Humanidade se há de levantar.
Quanto às dores do passado, sabemos que não ficam perdidas. O Espírito que sofreu iniqüidades sociais, colhe, por força da lei de equilíbrio e compensação, o resultado das provações por que passou. O Espírito feminino, dizem-nos os Guias, ascende com vôo mais rápido para a perfeição.
O papel da mulher é imenso na vida dos povos. Irmã, esposa ou mãe, é a grande consoladora e a carinhosa conselheira. Pelo filho é seu o porvir e prepara o homem futuro. Por isso, as sociedades que a deprimem, deprimem-se a si mesmas. A mulher respeitada, honrada, de entendimento esclarecido, é que faz a família forte e a sociedade grande, moral, unida!
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Temíveis são certas atrações para as almas que procuram as condições de um renascimento, por exemplo, as famílias de alcoólicos, de devassos, de dementes. Como conciliar a noção de justiça com a encarnação dos seres em tais meios? Não há aí, em jogo, razões psíquicas profundas e latentes e não é as causa físicas apenas uma aparência? Vimos que a lei de afinidade aproxima os seres similares. Um passado de culpas arrasta a alma atrasada para grupos que apresentam analogias com o seu próprio estado fluídico e mental, estado que ela criou com os seus pensamentos e ações.
Não há, nestes problemas, nenhum lugar para a arbitrariedade ou para o acaso. É o mau uso prolongado de seu livre-arbítrio, a procura constante de resultados egoístas ou maléficos que atrai a alma para genitores semelhantes a si. Eles fornecer-lhe-ão materiais em harmonia com o seu organismo fluídico, impregnados das mesmas tendências grosseiras, próprios para a manifestação dos mesmos apetites, dos mesmos desejos. Abrir-se-á nova existência, novo degrau de queda para o vício e para a criminalidade. E a descida para o abismo.
Senhora do seu destino, a alma tem de sujeitar-se ao estado de coisas que preparou, que escolheu. Todavia, depois de haver feito de sua consciência um antro tenebroso, um covil do mal, terá de transformá-lo em templo de luz. As faltas acumuladas farão nascer sofrimentos mais vivos; suceder-se-ão mais penosas, mais dolorosas as encarnações; o círculo de ferro apertar-se-á até que a alma, triturada pela engrenagem das causas e dos efeitos que houver criado, compreenderá a necessidade de reagir contra suas tendências, de vencer suas ruins paixões e de mudar de caminho. Desde esse momento, por pouco que o arrependimento a sensibilize, sentirá nascer em si forças, impulsões novas que a levarão para meios mais adequados à sua obra de reparação, de renovação, e passo a passo irá fazendo progressos. Raios e eflúvios penetrarão na alma arrependida e enternecida, aspirações desconhecidas, necessidades de ação útil e de dedicação hão de despertar nela. A lei de atração, que a impelia para as últimas camadas sociais, reverterá em seu benefício e tornar-se-á o instrumento da sua regeneração.
Entretanto, não será sem custo que ela se levantará; a ascensão não prosseguirá sem dificuldades. As faltas e os erros cometidos repercutem como causas de obstrução nas vias futuras e o esforço terá de ser tanto mais enérgico e prolongado quanto mais pesadas forem às responsabilidades, quanto mais extenso tiver sido o período de resistência e obstinação no mal. Na escabrosa e íngreme subida, o passado dominará por muito tempo o presente, e o seu peso fará vergar mais de uma vez os ombros do caminhante; mas, do Alto, mãos piedosas estender-se-ão para ele e ajudá-lo-ão a transpor as passagens mais escarpadas. "Ha. alegria no Céu por um pecador que se arrepende do que por cem justos que perseveram."
O nosso futuro está em nossas mãos e as nossas facilidades para o bem aumentam na razão direta dos nossos esforços para o praticarmos. Toda vida nobre e pura, toda missão superior é o resultado de um passado imenso de lutas, de derrotas sofridas, de vitórias ganhas contra nós mesmos; é o remate de trabalhos longos e pacientes, a acumulação de frutos de ciência e caridade colhidos, um por um, no decurso das idades. Cada faculdade brilhante, cada virtude sólida reclamou existências multíplices de trabalho obscuro, de combates violentos entre o espírito e a carne, a paixão e o dever. Para chegar ao talento, ao gênio, o pensamento teve de amadurecer lentamente através dos séculos. O campo da inteligência, penosamente desbravado, a principio apenas deu escassas colheitas; depois, pouco a pouco, vieram as searas cada vez mais ricas e abundantes.
Em cada regresso ao Espaço procede-se ao balanço dos lucros e perdas; avaliam-se e firmam-se os progressos. O ser examina-se e julga-se; perscruta minuciosamente a sua história recente, em si mesmo escrita; passam em revista os frutos de experiência e sabedoria que a sua última vida lhe proporcionou, para mais profundamente assinalar-lhes a substância.
A vida do Espaço é, para o Espírito que evoluiu, o período de exame, de recolhimento, em que as faculdades, depois de se terem gasto no exterior, refletem-se, aplicam-se ao estudo íntimo, ao interrogatório da consciência, ao inventário rigoroso da beleza ou fealdade que há na alma. A vida do Espaço é a forma necessária e simétrica da vida terrestre, vida de equilíbrio, em que as forças se reconstituem, em que as energias se retemperam, em que os entusiasmos se reanimam, em que o ser se prepara para as futuras tarefas; é o descanso depois do trabalho, a bonança depois da tormenta, a concentração tranqüila e serena depois da expansão ativa ou do conflito ardente.
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Segundo a opinião dos teósofos, o regresso da alma à carne efetua-se de mil e quinhentos em mil e quinhentos anos (124). Esta teoria não é confirmada nem pelos fatos nem pelo testemunho dos Espíritos. Estes, interrogados em grande número, em meios muito diversos, responderam que a reencarnação é muito mais rápida; as almas ávidas de progresso demoram-se pouco no Espaço. Pedem o regresso à vida deste mundo para conquistar novos títulos, novos méritos. Possuímos sobre as existências anteriores de certa pessoa indicações recolhidas, em pontos muito afastados uns dos outros, da boca de médiuns que nunca se conheceram, indicações perfeitamente concordes entre si e com as intuições do interessado. Demonstram que apenas vinte, trinta anos, quando muito, separaram as suas vidas terrestres. Não há, quanto a isto, regra exata. As encarnações aproximam-se ou se distanciam segundo o estado das almas, seu desejo de trabalho e adiantamento e as ocasiões favoráveis que se lhes oferecem; nos casos de morte precoce, são quase imediatas.
Sabemos que o corpo fluídico materializa-se ou purifica-se conforme a natureza dos pensamentos e das ações do Espírito. As almas viciosas atraem a si, por suas tendências, fluidos impuros, que lhes tornam mais espesso o invólucro e lhes diminuem as radiações. A morte, não podem elevar-se acima das nossas regiões e ficam confinadas na atmosfera ou misturadas com os humanos; se persistem no mal, a atração planetária torna-se tão poderosa que lhes precipita a reencarnação.
Quanto mais material e grosseiro é o Espírito, tanto mais influência tem sobre ele a lei de gravidade; com os Espíritos puros, cujo perispírito radioso vibra a todas as sensações do Infinito e que acham nas regiões etéreas meios apropriados à sua natureza e ao seu estado de progressão, produz-se o fenômeno inverso. Chegados a um grau superior, esses Espíritos prolongam cada vez mais a sua estada no Espaço; as vidas planetárias tornam-se, para eles, a exceção, e a vida livre a regra, até que a soma das perfeições realizadas os liberte para sempre da servidão dos renascimentos.
XIV. - As vidas sucessivas. Provas experimentais. Renovação da memória
Nas páginas precedentes expusemos as razões lógicas que militam em prol da doutrina das vidas sucessivas. Consagraremos o presente capítulo e os seguintes a refutar as objeções dos seus contraditores e entraremos no campo das provas científicas que, todos os dias, vêm consolidá-la.
A objeção mais trivial é esta: "Se o homem já viveu, pergunta-se: por que não se lembra de suas existências passadas ?"
Já, sumariamente, indicamos a causa fisiológica deste esquecimento; esta causa é o próprio renascimento, isto é, o revestimento de um novo organismo, de um invólucro material que, sobrepondo-se ao invólucro fluídico, faz, a seu respeito, às vezes de um apagador. Em conseqüência da diminuição do seu estado vibratório, o Espírito, cada vez que toma posse de um corpo novo, de um cérebro virgem de toda a imagem, acha-se na impossibilidade de exprimir as recordações acumuladas das suas vidas precedentes. Continuarão, é verdade, revelando seus antecedentes em suas aptidões, na facilidade de assimilação, nas qualidades e defeitos; mas, todas as particularidades dos fatos, dos sucessos que constituem seu passado, reintegrado nas profundezas da consciência, ficarão veladas durante a vida terrestre. O Espírito, no estado de vigília, apenas poderá exprimir pelas formas da linguagem as impressões registradas por seu cérebro material.
A memória é o concatenamento, a associação das idéias, dos fatos, dos conhecimentos. Desde que esta associação desaparece, desde que se rompe o fio das recordações, parece que para nós se apaga o passado; mas, só na aparência. Num discurso pronunciado em 6 de fevereiro de 1905, o Prof. Charles Richet, da Academia de Medicina, dizia: "A memória é uma faculdade implacável de nossa inteligência, porque nenhuma de nossas percepções jamais é esquecida. Logo que um fato nos impressionou os sentidos, fixa-se irrevogavelmente na memória. Pouco importa que tenhamos conservado a consciência desta recordação: ela existe, é indelével."
Acrescentamos que pode ressurgir. O despertar da memória não é mais do que um efeito de vibração produzido pela ação da vontade nas células do cérebro. Para fazermos reviver as lembranças anteriores ao nascimento, é necessário tornemos a pôr-nos em harmonia de vibrações com o estado dinâmico em que nos achávamos na época em que houve a percepção. Não existindo já os cérebros que registraram essas percepções, é preciso procurá-las na consciência profunda; mas, esta se conserva calada enquanto o Espírito está encerrado na carne. Para recuperar a plenitude das suas vibrações e reaver o fio das lembranças em si ocultas, é necessário que ele saia e se separe do corpo; então percebe o passado e pode reconstituí-lo nos menores fatos. É isso o que se dá nos fenômenos do sonambulismo e do transe.
Sabemos que há em nós profundezas misteriosas onde lentamente se foram depositando, através das idades, os sedimentos das nossas vidas de lutas, de estudo e de trabalho; ali se gravam todos os incidentes, todas as vicissitudes do passado obscuro. É como um oceano de coisas adormecidas, balouçadas pelas vagas do destino. Um apelo poderoso da vontade pode fazê-lo reviver. A vista do Espírito, nas horas de clarividência, desce para elas como as radiações das estrelas se coam e vão, nas profundezas glaucas, até debaixo das abóbadas e das arcadas dos recessos sombrios do mar.
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Recordemos aqui os pontos essenciais da teoria do "eu", com a qual têm conexão todos os problemas da memória e da consciência.
Os dois fatores que constituem a permanência e mantêm a identidade, a personalidade do "eu", são a memória e a consciência. As reminiscências, as intuições e as aptidões determinam a sensação de haver vivido. Existe na inteligência uma continuidade, uma sucessão de causas e efeitos que é preciso reconstituir na sua totalidade para possuir o conhecimento integral do "eu". É isso, como vimos, impossível na vida material, pois que a incorporação produz uma extinção temporária dos estados de consciência que formam este todo continuo. Assim como a vida física está sujeita às alternativas da noite e do dia, assim também se produz um fenômeno análogo na vida do Espírito. A nossa memória e a nossa consciência atravessam alternadamente períodos de eclipse ou de esplendor, de sombra ou de luz, no estado celeste ou terrestre, e até, neste último plano, durante a vigília ou durante os diferentes estados do sono. E, assim como há gradações no eclipse, há também graus de luz.
Muitos sonhos, à semelhança das impressões recebidas durante o sono do sonambulismo, não deixam vestígios ao despertar. O esquecimento, todos os magnetizadores o sabem, é um fenômeno constante nos sonâmbulos; mas, desde que o Espírito do "sujet", imerso em novo sono, torna a encontrar-se nas condições dinâmicas que permitem a renovação das recordações, estas se reavivam logo. O "sujet" recorda-se do que fez, disse, viu, exprimiu em todas as épocas da existência.
Por isto compreenderemos facilmente o esquecimento momentâneo das vidas anteriores. O movimento vibratório do invólucro perispiritual, amortecido pela matéria no decurso da vida atual, é excessivamente fraco para que o grau de intensidade e a duração necessária à renovação dessas recordações possam ser obtidos durante a vigília.
Na realidade, a memória não é mais do que uma modalidade da consciência. A recordação está, muitas vezes, no estado subconsciente. Já, no círculo restrito da vida atual, não conservamos a recordação de nossos primeiros anos a qual está, contudo, gravada em nós, como todos os estados atravessados no decurso de nossa história. Sucede o mesmo com grande número de atos e fatos pertencentes aos outros períodos da vida. Gassendi, dizem, lembrava-se da idade de 18 meses; mas isso é uma exceção. E necessário o esforço mental para reavivar estas recordações da vida normal, a que nos é mais familiar; é necessário, repetimo-lo, para novamente colher mil coisas estudadas, aprendidas e, depois, esquecidas, porque baixaram às camadas profundas da memória.
A cada passo, a inteligência tem de ir procurar na subconsciência os conhecimentos, as recordações que quer reavivar; esforça-se pelos fazer passar para a consciência física, para o cérebro concreto, depois de tê-los provido dos elementos vitais fornecidos pelos neurônios ou células nervosas. Segundo a riqueza ou a pobreza destes elementos, a recordação surgirá clara ou difusa; às vezes, esquiva-se; a comunicação não pode estabelecer-se ou, então, a projeção produz-se mais tarde somente, no momento em que menos se espera.
Para recordar, portanto, a primeira das condições é querer. Aí está a razão por que muitos Espíritos, mesmo na vida do Espaço, sob o domínio de certos preconceitos dogmáticos, desprezam toda investigação e conservam-se ignorantes do passado que neles dorme. Nesse meio, como entre nós, no decurso da experimentação, é necessária uma sugestão. Essa lei da sugestão, vemo-la manifestar-se em toda a parte, debaixo de mil formas; nós mesmos, a cada instante do dia, estamos sujeitos à sua ação. Eleva-se, por exemplo, perto de nós um canto, ressoa uma palavra, um nome, fere-nos a vista uma imagem e, de repente, graças à associação de idéias, desenrola-se em nosso espírito um encadeamento completo de recordações confusas, quase esquecidas, dissimuladas nas camadas profundas da nossa consciência.
Períodos inteiros da nossa vida atual podem apagar-se da memória. No seu livro "Lés Phénomènes Psychiques", pág. 170, o Dr. J. Maxwell fala nos seguintes termos do que se chama.
"Algumas vezes, até desaparece a noção da personalidade; doentes há que, subitamente, esquecem o próprio nome. Apaga-se-lhes toda a vida e parecem voltar ao estado em que estavam quando nasceram; têm de aprender outra vez a falar, a vestir-se e a comer. Às vezes, não é tão completa a amnésia. Pude observar um doente que havia esquecido tudo quanto tinha qualquer ligação com a sua personalidade; ignorava absolutamente tudo quanto fizera, não sabia onde nascera nem quem eram seus pais. Tinha cerca de trinta anos. A memória orgânica e as memórias organizadas fora da personalidade subsistiam; podia ler, escrever, desenhar alguma coisa, tocar mal um instrumento de música. Nele a amnésia limitava-se a todos os fatos conexos com a sua personalidade anterior."
O Dr. Pitre, deão da Faculdade de Medicina de Bordéus, no seu livro "L'Hystérie et 1'Hypnotisme", cita um caso que demonstra que todos os fatos e conhecimentos registrados em nós desde a infância podem renascer; é o que ele chama o fenômeno de amnésia. O "sujet", uma donzela de 17 anos, falava só francês e havia esquecido o dialeto gascão, idioma da sua juventude. Adormecer. E transportada pela sugestão à idade de 5 anos, deixava de entender o francês e só falava o seu dialeto; contava as menores particularidades de sua vida infantil, que se lhe apresentavam perfeitamente nítidas, mas não respondia às perguntas feitas, por já não compreender a língua que lhe falavam; esquecera todos os fatos de sua vida que se haviam desenrolado entre as idades de 5 a 17 anos o Dr. Burot fez experiências idênticas. O "sujet" Joana é transportado por ele, mentalmente, a diferentes épocas de sua juventude, e, em cada período, os incidentes da existência desenham-se com precisão em sua memória, mas todo fato ulterior se apaga. Era possível seguir-se, em escala descendente, os progressos de sua inteligência. Chegada à idade de 5 anos, verificou-se que mal sabia ler; escrevia como naquela idade, atrapalhadamente e com erros de ortografia que, em tal época, costumava cometer. (125)
Foi comprovada a exatidão de todas estas narrativas. Os sábios que citamos entregaram-se a minuciosas pesquisas; puderam verificar a veracidade dos fatos relatados pelos pacientes, fatos que, no estado normal, se lhes varriam da memória.
Vamos ver que, por um encadeamento lógico e rigoroso, esses fenômenos levam-nos à possibilidade de despertarmos experimentalmente, na parte permanente do ser, as recordações anteriores ao nascimento, o que verificaremos nas experiências de F. Colavida, E. Marata, Coronel de Rochas, etc.
O estado de febre, o delírio, o sono anestésico, provocando a separação parcial, podem também abalar, dilatar as camadas profundas da memória e despertar conhecimentos e lembranças antigas. Todos, sem dúvida, se lembram do célebre caso de Ninfa Filiberto, de Palermo. Com febre, falava várias línguas estrangeiras que, havia muito tempo, esquecera. Eis outros fatos relatados por médicos práticos.
O Dr. Henri Frieborn (126) cita o caso de uma mulher de 70 anos de idade que, gravemente doente de uma bronquite, foi acometida de delírio, de 13 a 16 de março de 1902. Depois, pouco a pouco, foi-lhe voltando à razão:
"Na noite de 13 para 14 percebeu-se que ela falava uma língua desconhecida das pessoas que a rodeavam. Parecia, às vezes, que recitava versos e, outras, que conversava. Por várias vezes, repetiu a mesma composição em verso; acabou-se por descobrir que a língua era a indostânica.
Na manhã de 14 começou a misturar-se com o indostânico algum inglês; conversava desta maneira com parentes e amigos de infância ou então falava deles.
No dia 15 havia, por sua vez, desaparecido o indostânico e a doente dirigiu-se a amigos, que mais tarde conhecera, servindo-se do inglês, do francês e do alemão. A senhora de que se trata nascera na Índia, donde saiu aos três anos de idade, a fim de ir para a Inglaterra, aonde chegou depois de quatro meses de viagem. Até ao dia do desembarque na Inglaterra fora confiada a serviçais hindus e não falava absolutamente nada do inglês.
No dia 13 revivia, no delírio, seus primeiros dias e falava a primeira linguagem que ouvira. Reconheceu-se que a poesia era uma espécie de cantiga com que os ayahs costumavam adormecer as crianças. Quando conversava, dirigia-se, sem dúvida, aos fâmulos hindus; assim, entre outras coisas, compreendeu-se que ela pedia que a levassem ao bazar para comprar doces.
Podia reconhecer-se que havia uma ligação seguida em toda a marcha do delírio. A principio, foram conhecimentos com que a doente estivera em relação durante a primeira infância; depois, passou em revista toda a sua existência, até chegar, em 16 de março, à época em que se casou e teve filhos que cresceram.
E curioso verificar que, depois de um período de sessenta e seis anos, durante o qual ela nunca falara o indostânico, o delírio lhe relembrasse a linguagem da sua primeira infância. Atualmente, a doente fala com tanta facilidade o francês, e o alemão como o inglês; mas, posto que conheça ainda algumas palavras do indostânico, é absolutamente incapaz de falar essa língua ou mesmo de compor nela uma única frase."
O Dr. Sollier, na sua obra "Phénomènes d'autoscopie" (pág. 105), menciona as experiências seguintes, do Dr. Baín. Trata-se de uma doente de 29 anos de idade, morfinomania e submetida ao "método de ressensibilização sucessiva pela hipnose":
"Depois de terminarmos o que tínhamos a fazer com o corpo, procedemos ao despertar da cabeça Assistimos a uma regressão da personalidade, não numa única sessão, mas em muitas, a dezessete anos antes. A doente tornava a encontrar-se na idade de doze anos; revivia todos os períodos de sua vida movimentada, com desdobramento completo da personalidade. Levar-nos-ía muito longe darmos, mesmo em escorço, a história da doente, história à qual assitíamos como se tivéssemos na mão o auscultador de um telefone e escutássemos a um s6 interlocutor. Eram as cenas de uma pobre operária que se prostituiu para viver e que, doente, se entrega à morfina; implicada em roubos, é julgada duas vezes e cumpre em Saint-Lazare, depois em Nanterre, a pena de um ano de prisão; cenas de família, cenas de oficina, cenas com amantes, horas de prosperidade passageiras, horas de miséria consecutivas, a vida em Saìnt-Lazare e Nanterre. Em janeiro de 1902, deixava a doente o asilo, a seu pedido; muito melhor, tinha engordado muito, dormia espontaneamente de noite, era ativa e trabalhava. Redigiu, a pedido nosso, uma nota expondo todos os incidentes da sua vida. Esta nota concordava com todas as informações que nos dera na hipnose, ao encontrar outra vez a sensibilidade cerebral."
Os "Annales des Sciences Psychiques", de março de 1906, registraram um caso interessante de amnésia em vigília, referido pelo Dr. Gilbert-Ballet, do hospital de Paris.
"Trata-se de um doente que, em conseqüência de um choque violento, esquecera completamente um trecho considerável de sua vida passada. Lembrava-se muito bem da infância e dos fatos muito remotos, mas se produzira uma lacuna para uma parte da sua existência mais próxima, e não podia lembrar-se dos acontecimentos passados durante este período da vida. E a isto que se chama amnésia retrógrada. O doente chama-se Dada e tem 50 anos de idade, Desde o dia 4 até ao dia 7 de outubro precedente, operara-se em sua memória um vácuo absoluto. Empregado como jardineiro numa propriedade perto de Nevers, deixara os seus amos no dia 4, e, no dia 7, achou-se, sem saber como, em Liège, junto às portas da exposição. De que maneira fez esta longa viagem? Ignora-o e, apesar de todos os esforços, não pôde conseguir a mínima recordação."
Mas, eis que este doente é mergulhado na hipnose e para logo se reconstituem todos os incidentes dessa viagem em suas menores particularidades, com a recordação das pessoas encontradas. Dada está na quarta crise de amnésia nervosa. Recorda-se, adormecido, daquilo que esqueceu no estado de vigília, pela muito simples razão de se achar novamente em estado de condição segunda, isto é, no estado em que se encontrava no momento do ataque de amnésia. Este caso põe-nos também no rastro das leis e condições que regem os fenômenos de renovação da memória das vidas anteriores.
Em resumo, todo o estudo do homem terrestre fornece-nos a prova de que existem estados distintos da consciência e da personalidade. Vimos, na primeira parte desta obra, que a coexistência, em nós, de "um mental duplo, cujas duas partes se juntam e fazem fusão na morte, é atestada não só pelo hipnotismo experimental, mas também por toda a evolução psíquica.
O simples fato desta dualidade intelectual, considerada nas suas relações com o problema das reencarnações, explica-nos como toda uma parte do "eu", com seu imenso cortejo de impressões e recordações antigas, pode ficar imersa na sombra durante a vida atual.
Sabemos que a telepatia, a clarividência e a previsão dos acontecimentos são poderes atinentes ao "eu" profundo e oculto. A sugestão facilita o seu exercício; é um apelo da vontade, um convite às almas fracas e incapazes a sair do cárcere e tornar temporariamente a entrar na posse das riquezas, das potências que nelas dormitam. Os passes magnéticos desfazem os laços que prendem a alma ao corpo físico, provocam o desprendimento. A partir daí começa a sugestão, pessoal ou estranha, a pôr-se em ação, a exercer-se com mais intensidade. Este movimento não é somente aplicável ao despertar dos sentidos psíquicos; acabamos de ver que pode também reconstituir o encadeamento das recordações gravadas nas profundezas do ser.
Parece que, em certos casos excepcionais, essa ação pode exercer-se mesmo no estado de vigília. F. Myers (127) fala da faculdade do "subliminal" de evocar estados emocionais desaparecidos da consciência normal e de reviver no passado. Esse fato, diz ele, encontra-se freqüentes vezes nos artistas, cujas emoções revivescidas podem exceder em intensidade as emoções originais.
O mesmo autor emite a opinião de que a teoria mais verossímil para explicar o gênio é a das reminiscências de Platão, com a condição de baseá-las nos dados científicos estabelecidos em nossos dias. (128)
Esses mesmos fenômenos reaparecem com outra forma numa ordem de fatos já assinalados. São as impressões de pessoas que, depois de acidentadas, puderam escapar à morte. Por exemplo, afogados salvos antes da asfixia completa e outros que sofreram quedas graves. Muitos contam que, entre o momento em que caíram e aquele em que perderam os sentidos, todo o espetáculo de sua vida se lhes desenrolou no cérebro de maneira automática, em quadros sucessivos e retrógrados, com rapidez vertiginosa, acompanhados do sentimento moral do bem e do mal, assim como da consciência das responsabilidades em que incorreram.
Th. Ribot, chefe do Positivismo francês, na sua obra "Les Maladies de Ia Mémoire", cita numerosos fatos que estabelecem a possibilidade do despertar espontâneo, automático, de todas as cenas ou imagens que povoam a memória, particularmente em caso de acidente. Lembremos, a esse respeito, o caso do Alm. Beaufort, extraído do "Journal de Médecine", de Paris. (129)
Caiu ao mar e perdeu, durante dois minutos, o sentido da consciência física. Bastou esse tempo à sua consciência transcendental para resumir toda a sua vida terrestre em quadros reduzidos de uma nitidez prodigiosa. Todos os seus atos, inclusive as causas, as circunstâncias contingentes e os efeitos, desfilaram em seu pensamento. Lembrava-se das próprias reflexões do momento sobre o bem e o mal que deles haviam resultado. Apresentamos aqui um caso da mesma natureza, relatado pelo Sr. Cottin, aeronauta:
"Em sua última ascensão, o balão Le Montgolfier levava o Sr. Perron, presidente da Academia de Aerostação, como chefe, e F. Cottin, agente administrativo da Associação Científica Francesa.
Tendo subido de um salto, o balão, às 4h24, elevou-se a 700 metros. Foi então que rebentou e começou a descer com velocidade maior do que aquela com que subira e às 4h27 afundou-se pela casa número 20 do beco do Cavaleiro, em Saint-Ouen. "Depois de ter atirado fora tudo quanto podia complicar a situação, diz-nos o Sr. Cottin (130), apossou-se de mim uma espécie de quietação, de inércia talvez; mil recordações remotas afluem, comprimem-se, chocam-se diante da minha imaginação; depois as coisas acentuam-se e o panorama de minha vida vem desenrolar-se diante do meu espírito atento. E tudo exato: os castelos no ar, as decepções, a luta pela existência; e tudo isso dentro do caixilho inexorável imposto pelo destino... Quem acreditará, por exemplo, que eu me tornei a ver, aos vinte anos, no 22o de Linha? ... Tornei a ver-me de mochila às costas na estrada de Vendóme. Em menos de três minutos vi desfilar toda a minha vida diante da memória."
Podem explicar-se estes fenômenos por um princípio de exteriorização. Nesse estado, como na vida do Espaço, a subconsciência une-se à consciência normal e reconstitui a consciência total, a plenitude do "eu". Por um instante, restabelece-se a associação das idéias e dos fatos, reata-se a cadeia das recordações. Pode obter-se o mesmo resultado pela experimentação; mas, então, o "sujet" precisa ser auxiliado em suas pesquisas por uma vontade superior à dele em poder, que se lhe associa e lhe estimula os esforços. Nos fenômenos do transe é este papel desempenhado ou pelo Espírito-guia ou pelo magnetizador, cujo pensamento atua sobre o "sujet" como uma alavanca.
As duas vontades, combinadas, sobrepostas, adquirem, então, uma intensidade de vibrações que põe em abalo as camadas mais profundas e mais ocultas do subconsciente.
Outro ponto essencial deve prender a nossa atenção. É o fato, estabelecido por toda a ciência fisiológica, de existir íntima correlação entre o físico e o mental do homem. A cada ação física corresponde um ato psíquico e vice-versa. Ambos são registrados ao mesmo tempo na memória subconsciente de tal maneira que um não pode ser evocado sem que surja imediatamente o outro.
Esta concordância aplica-se aos menores fatos da nossa existência integral, tanto do que diz respeito ao presente, como no que toca aos episódios do passado mais remoto.
A compreensão deste fenômeno, pouco inteligível para os materialistas, é-nos facilitada pelo conhecimento do perispírito ou invólucro fluídico da alma. 1J nele, e não no organismo físico composto de matériz. fluente, incessantemente variável nas suas células constitutivas, que se gravam todas as nossas impressões.
O perispírito é o instrumento de precisão que aponta com fidelidade absoluta as menores variações da personalidade. Todas as volições do pensamento e todos os atos da inteligência têm nele a sua repercussão. Os seus movimentos e os seus estados vibratórios distintos deixam nele traços sucessivos e sobrepostos. Certos experimentadores compararam este modo de registro a um cinematógrafo vivo sobre o qual se fixam sucessivamente nossas aquisições e recordações. Desenrolar-se-ia por uma espécie de empuxão ou abalo causado, quer pela ação de uma sugestão, quer por uma auto-sugestão ou, então, em conseqüência de um acidente, como vimos.
A influência do pensamento sobre o corpo já nos é revelada por fenômenos observáveis a cada passo de nós mesmos e em volta de nós. O medo paralisa os movimentos; a admiração, a vergonha e o susto provocam a palidez ou o rubor; a angústia aperta-nos o coração, a dor profunda faz-nos correr as lágrimas e pode causar com o tempo uma depressão vital. Aí estão outras tantas provas manifestas da ação poderosa da força mental sobre o invólucro material.
O Hipnotismo, desenvolvendo a sensibilidade do ser, demonstra-nos ainda com maior nitidez a ação reflexa do pensamento.
Vimos que a sugestão de uma queimadura pode produzir num "sujet" tantas desordens como a própria queimadura. Provoca-se, à vontade, a aparição de chagas, estigmas, etc. (131)
Se o pensamento e a vontade podem exercer tal influência sobre a matéria corporal, compreender-se-á que esta influência seja ainda maior e produza feitos mais intensos quando for aplicada à matéria fluídica, imponderável, de que o perispírito é formado. Menos densa, menos compacta que a matéria física, obedecerá com muito mais flexibilidade, mais docilidade, às menores volições do pensamento. É em virtude desta lei que os Espíritos podem aparecer com qualquer das formas que revestiram no passado e com todos os atributos da individualidade extinta. Basta-lhes pensarem com vigor numa fase qualquer das suas existências para se mostrarem aos videntes, tais quais eram na época evocada em sua memória; e, embora a força psíquica necessária lhes seja fornecida em pequena quantidade por um ou mais médiuns, as materializações tornam-se possíveis.
O Coronel de Rochas, conseguindo, em suas experiências, insular o corpo fluídico, demonstrou ser ele a sede da sensibilidade e das recordações (132). O Hipnotismo e a Fisiologia combinados permitem-nos que, de ora em diante, estudemos a ação da alma despida do seu invólucro grosseiro e unida ao corpo sutil; não tardarão em ministrar-nos os meios de elucidarmos os mais delicados problemas do ser. A experimentação psíquica encerra a chave de todos os fenômenos da vida; está destinada a renovar inteiramente a ciência moderna, lançando luz viva sobre grande número de questões obscuras até ao presente.
Vamos ver agora, nos fenômenos hipnóticos e particularmente no transe, que as impressões registradas pelo corpo fluídico de maneira indelével formam íntimas associações. As impressões físicas estão ligadas às impressões morais e intelectuais, de tal modo que não é possível chamar umas sem se ver aparecerem às outras. A sua reaparição é sempre simultânea.
Esta íntima correlação do físico e do moral, na sua aplicação às lembranças gravadas em nós, é demonstrada por experiências numerosas. Citemos primeiro as de sábios positivistas, que, apesar de suas prevenções a respeito de toda teoria nova, a confirmam sem darem por isso. Pierre Janet, professor de Fisiologia na Sorbonne, expõe os fatos que se seguem (133). As experiências são feitas em seu "sujet", Rosa, adormecido:
"Sugiro a Rosa que não estamos em 1888, mas em 1886, no mês de abril, para verificar simplesmente modificações de sensibilidade que poderiam produzir-se; mas, nisso, produz-se um acidente muito singular. Ela geme, queixa-se de estar cansada e de não poder andar. - "Então, que é que tem?" - "Oh! não é nada... Em que estado me acho!" - "Que estado?" Responde-me com um gesto. O ventre crescera-lhe de repente e distendera-se por um acesso súbito de timpanite histérica. Sem saber, eu a transportara a um período da sua vida, em que ela estava grávida.
Estudos mais interessantes foram feitos em Maria por este meio. Pude, fazendo-a voltar sucessivamente a diferentes períodos da sua existência, verificar todos os diversos estados da sensibilidade pelos quais ela passou e as causas de todas as modificações. Assim, está agora completamente cega do olho esquerdo e pretende que assim se encontra desde que nasceu. Fazendo-a voltar à idade de sete anos, verifica-se que padece ainda anestesia no olho esquerdo; mas, se lhe sugerir que tem seis anos, nota-se que vê bem com ambos os olhos e pode-se determinar a época e as circunstâncias bem curiosas em que perdeu a sensibilidade do olho esquerdo. A memória realizou automaticamente um estado de saúde de que o "sujet" julgava não haver conservado nenhuma recordação."
*
A possibilidade de despertar na consciência de um "sujet" em estado de transe as recordações esquecidas de sua infância, conduz-nos, logicamente, à renovação das recordações anteriores ao nascimento. Esta ordem de fatos foi pela primeira vez assinalada no Congresso Espírita de Paris, em 1900, por experimentadores espanhóis. Fazemos um extrato do relatório lido na sessão de 25 de setembro (134)
"Entrando o médium em sono profundo por meio de passes magnéticos, Fernandez Colavida, presidente do Grupo de Estudos Psíquicas de Barcelona, ordenou-lhe que dissesse o que tinha feito na véspera, na antevéspera, uma semana, um mês, um ano antes, e, sucessivamente, fê-lo remontar até à infância e descrevê-la com todos os pormenores.
Sempre impulsionado pela mesma vontade, o médium contou a sua vida no Espaço, a sua morte na última encarnação e, continuamente estimulado, chegou até quatro encarnações, a mais antiga das quais era uma existência inteiramente selvagem. Em cada existência, as feições do médium mudavam de expressão. Para trazê-lo ao estado habitual, fez-se com que voltasse gradualmente até à sua existência atual; depois foi despertado.
Algum tempo depois, de improviso, com o intento de contraprova, o experimentador fez magnetizar o mesmo paciente por outra pessoa, sugerindo-lhe que as suas precedentes descrições eram histórias. Sem embargo da sugestão, o médium reproduziu a série das quatro existências como o fizera antes. O despertar das recordações e o seu encadeamento foram idênticos aos resultados obtidos na primeira experiência."
Na mesma sessão desse Congresso, Esteva Marata, presidente da União Espírita de Catalunha, declara ter obtido fatos análogos pelos mesmos processos, sendo paciente, em estado de sono magnético, sua própria esposa. A propósito de uma mensagem dada por um Espírito e que tinha relação com uma das vidas passadas do "sujet", ele pôde despertar, na consciência dela, o rasto das suas existências anteriores.
Desde então têm sido estas experiências tentadas em muitos centros de estudo. Têm-se obtido assim numerosas indicações a respeito das vidas sucessivas da alma; essas experiências hão de provavelmente multiplicar-se de dia para dia. Notemos, entretanto, que elas reclamam grande prudência. Os erros e as fraudes são fáceis; são de recear perigos. O experimentador deve escolher pacientes muito sensíveis e bem desenvolvidos, precisa de ser assistido por um Espírito bastante poderoso para afastar todas as influências estranhas, todas as causas de perturbação e preservar o médium de acidentes possíveis, o mais grave dos quais seria a separação completa, irremediável, a impossibilidade de compelir o Espírito a retomar o corpo, o que ocasionaria a separação definitiva, a morte.
E necessário, principalmente, precatar-se contra os excessos da auto-sugestão e aceitar somente as descrições dentro dos limites em que é possível examiná-las, verificarias; exigir nomes, datas, pontos de referência, numa palavra, um conjunto de provas que apresentem caráter realmente positivo e científico. Seria bom imitar nesse ponto o exemplo dado pela Sociedade de Investigações Psíquicas de Londres e adotar métodos precisos e rigorosos, por exemplo, os que granjearam uma grande autoridade para os seus trabalhos sobre Telepatia.
A falta de precaução e a inobservância das regras mais elementares da experimentação fizeram das incorporações de Hélène Smith um caso obscuro e cheio de dificuldades. Não obstante, no meio da confusão dos fatos apontados pelo Sr. Th. Flournoy, professor na Universidade de Genebra, entendemos que se deve reter o fenômeno da princesa hindu Simandini.
Esta médium, no estado de transe, reproduz as cenas de uma das suas existências ocorridas na Índia, no século XII. Nesse estado, serve-se freqüentes vezes de palavras sânscritas, língua que ela ignora no estado normal; dá, sobre personagens históricas hindus, indicações que não se encontram em nenhuma obra usual. A confirmação desce:~s indicações é descoberta pelo Sr. Th. Flournoy, depois de muitas investigações, na obra de Marlès, historiador pouco conhecido e inteiramente fora do alcance do "sujet". Helena Smith, no sono sonambúlico, toma uma atitude impressionante. Extratamos o que diz Flournoy num livro que teve grande voga (135)
"Há em todo o ser, na expressão da sua fisionomia, em seus movimentos, no timbre da voz, quando fala ou canta em indostânico, uma graça indolente, um abandono, uma doçura melancólica, um quê de langoroso e sedutor que corresponde ao caráter do Oriente.
Toda a mímica de Helena, tão vária, e o falar exótico, ambos têm tal cunho de originalidade, de facilidade, de naturalidade, que se pergunta com estupefação donde vem a essa filha das margens do Lemano, sem educação artística nem conhecimentos especiais do Oriente, uma perfeição de jogo cênico à qual, sem dúvida, a melhor atriz só chegaria à custa de estudos prolongados ou de uma estada nas margens do Ganges."
Quanto à escrita e à linguagem indostânica empregadas por Helena, o Sr. Flournoy acrescenta que, nas investigações que fez para averiguar donde lhe vinha tal conhecimento, "todas as tentativas falharam".
Pessoalmente, observamos durante muitos anos casos semelhantes ao de Helena Smith. Um dos médiuns do grupo, cujos trabalhos dirigíamos, reproduzia no transe, sob a influência do Espírito-guia, cenas das suas diferentes existências. A princípio, foram as da vida atual no período infantil com expressões características e emoções juvenis; depois, vieram episódios de vidas remotas com jogos de fisionomia, atitudes, movimentos, reminiscências de expressões da meia-idade, um conjunto completo de detalhes psicológicos e automáticos muito diferentes dos costumes atuais da dama, senhora muito honesta e incapaz de fingimento algum, pela qual obtínhamos estes estranhos fenômenos.
O Coronel de Engenharia A. de Rochas, antigo administrador da Escola Politécnica, ocupou-se muito deste gênero de experiências. Apesar das objeções que elas podem suscitar, cremos dever relatar algumas de suas experiências. Vamos dizer o porquê.
Primeiro que tudo, tornamos a encontrar em todos os fatos da mesma ordem, provocados pelo Sr. de Rochas, a correlação do físico e do mental que já assinalamos e que parece ser a expressão de uma lei.
As reminiscências anteriores ao nascimento produzem, no organismo dos pacientes adormecidos, efeitos materiais verificados por todos os assistentes, muitos dos quais eram médicos. Ora, ainda que se leve em conta o papel que, nestas experiências, pode representar a imaginação dos "sujets"; ainda que se levem em conta os arabescos que ela borda em roda do fato principal, é tanto mais difícil se atribuírem estes efeitos a simples fantasias dos "sujets" quando, segundo as próprias expressões do coronel, "se tem plena certeza da sua boa-fé e de que as suas revelações são acompanhadas de característicos somáticos que parecem provar, de maneira absoluta, a sua realidade". (136)
Damos a palavra ao Coronel de Rochas (137):
"Há muito tempo se sabia que, em certas circunstâncias, notadamente quando se está para morrer, recordações, desde muito tempo em olvido, sucedem-se com extrema rapidez no espírito de algumas pessoas, como se diante da sua vista se desenrolassem os quadros de toda a sua vida.
Determinei experimentalmente um fenômeno análogo em sujets magnetizados, com a diferença de que, em vez de revocar simples recordações, faço tomar aos pacientes os estados de alma correspondentes às idades a que os reconduzo, com esquecimento de tudo o que é posterior a essas épocas. Estas transformações operam-se por meio de passes longitudinais, que têm, de ordinário, por efeito tornar mais profundo o sono magnético. As mudanças de personalidade, se assim se podem chamar os diferentes estados de um mesmo indivíduo, sucedem-se, invariavelmente, segundo a ordem dos tempos, fazendo-o voltar ao passado quando se empregam passes longitudinais, para tornar na mesma ordem, ao presente, quando se recorre aos passes transversais ou despertadores. Enquanto o paciente não volta ao estado normal, apresenta insensibilidade cutânea. Podem precipitar-se as transformações com o auxílio da sugestão, mas é preciso percorrer sempre as mesmas fases e não proceder com muita pressa. Não se observando esta condição, provocam-se os gemidos do sujet, que se queixa de que o torturam e de que não pode seguir-vos.
*
Quando fiz os primeiros ensaios, continua o Sr. de Rochas, parava logo que o paciente, transportado à primeira infância, já não me sabia responder; pensava não ser possível ir mais longe. Entretanto, tentei um dia tornar mais profundo o sono, continuando os passes, e grande foi a minha admiração quando, interrogando o dormente, me achei na presença de outra personalidade, que dizia ser a alma de um morto que usara tal nome e vivera em tal país. Parecia assim abrir-se novo caminho. Continuando os passes no mesmo sentido, fiz reviver o morto e esse ressuscitado percorreu toda a sua vida precedente, remontando o curso do tempo. Aqui não eram, tampouco, simples recordações que eu despertava, mas sucessivos estados de alma que fazia reaparecer.
À medida que repetia as experiências, essa viagem pelo passado efetuava-se cada vez com mais rapidez, passando sempre exatamente pelas mesmas fases, de maneira que pude assim remontar a muitas existências anteriores sem haver demasiada fadiga para o paciente e para mim. Todos os sujets, quaisquer que fossem as suas opiniões no estado de vigília, apresentavam o espetáculo de uma série de individualidades cada vez menos adiantadas moralmente, à medida que se remontava o curso das idades. Em cada existência expiava-se, por uma espécie de pena de talião, as faltas da existência precedente e o tempo que separava duas encarnações passava-se num meio mais ou menos luminoso, segundo o estado de adiantamento do indivíduo.
Passes despertativos faziam o sujet voltar ao estado normal, percorrendo as mesmas etapas, exatamente na ordem inversa.
Quando verifiquei por mim mesmo e por outros experimentadores, operando em outras cidades com outros sujets, que não se tratava de simples sonhos que pudessem provir de causas fortuitas, mas de uma série de fenômenos, apresentados de maneira regular com todos os característicos aparentes de uma visão no passado ou no futuro, pus todos os meus cuidados em investigar se essa visão correspondia à realidade."
O resultado das inquirições a que procedeu ao Coronel de Rochas não o satisfez inteiramente, o que não o impediu de concluir nestes termos (138):
"E certo que por meio de operações magnéticas se pode, progressivamente, trazer a maior parte dos sensitivos a épocas anteriores à sua vida atual, com as particularidades intelectuais e fisiológicas características dessas épocas, e isso até o momento de seu nascimento. Não são lembranças que se acordam; são estados sucessivos da personalidade que são evocados; essas evocações se produzem sempre na mesma ordem e através de uma sucessão de letargias e estados sonambúlicos.
E certo que, continuando essas operações magnéticas, além do nascimento, e sem haver necessidade de recorrer-se às sugestões, faz-se passar o sujet por estados análogos correspondentes às encarnações precedentes e aos intervalos que separam essas encarnações. O processo é o mesmo, através das sucessões de letargias e estados sonambúlicos."
As concordâncias, convém repeti-lo, que existem entre os fatos verificados por sábios materialistas hostis ao princípio das vidas sucessivas, tais como Pierre Janet, o Dr. Pitre, o Dr. Burot, etc., e os relatados pelo Coronel de Rochas, demonstram que há nestes fatos mais do que sonhos ou romances "subliminais"; há uma lei de correlação que merece estudo atento e continuado.
Por isso pareceu-nos conveniente insistir sobre esses fatos.
Em primeiro lugar convém mencionar uma série de experiências feitas em Paris com Laurent V. . . , rapaz de vinte anos, que cursava o grau de licenciando em Filosofia. Os resultados foram publicados em 1895 nos "Annales des Sciences Psychiques". O Sr. de Rochas resumiu-os assim (139):
"Tendo verificado que era sensitivo, quisera de moto próprio compreender a razão dos efeitos fisiológicos e psicológicos que poderiam ser obtidos por meio do magnetismo.
Descobri casualmente que, adormecendo-o por meio de passes longitudinais, trazia-o a estados de consciência e de desenvolvimento intelectual correspondentes a idades cada vez menos adiantadas; passava, assim, sucessivamente a aluno de Retórica, de segunda, de terceira classe, etc., já nada sabendo do que se ensinava nas classes superiores. Acabei por levá-lo ao tempo em que aprendia a ler e deu-me, acerca da sua mestra e dos seus companheirozinhos de escola, particularidades que esquecera completamente na vigília, mas cuja exatidão me foi confirmada por sua mãe.
Alternando os passes adormecedores e os passes despertadores, fazia-o subir ou descer, à minha vontade, pelo curso de sua vida."
Com os fatos que se vão seguir, vai dilatar-se o círculo dos fenômenos. Acrescenta o Coronel:
"Há muito pouco tempo encontrei em Grenoble e Voiron três sujets que possuíam faculdades semelhantes, cuja realidade pude igualmente verificar. Vindo-me a idéia de continuar os passes adormecedores depois de tê-los levado à mais tenra infância e os passes despertadores depois de tê-los reconduzido à sua idade atual, fiquei muito admirado de ouvi-los narrar sucessivamente todos os acontecimentos de suas existências pretéritas, passando pela descrição do seu estado entre duas existências. As indicações, que não variavam nunca, eram de tal modo categóricas que pude fazer indagações. De fato verifiquei, assim, a existência real dos nomes, dos lugares e de famílias, que entravam nas suas narrativas, posto que, no estado de vigília, de nada se recordassem; mas, não pude achar nos documentos do estado civil vestígio algum das personagens obscuras que eles teriam vivido."
Extratamos outras minúcias complementares de um estudo do Sr. de Rochas, mais extenso que o precedente (140) :
"Estes sujets não se conheciam. Uma, chamada Josefina, conta 18 anos, habita em Voiron e não é casada; a outra, Eugênia, tem 35 anos e vive em Grenoble. viúva, tem dois filhos e é de natureza apática, muito franca e pouco curiosa; ambas têm boa saúde e procedimento regular. Pude, em virtude de conhecer suas famílias, verificar a exatidão de suas revelações retrospectivas em um sem-número de circunstâncias que nenhum interesse teriam para o leitor. Citarei somente algumas relativas a Eugênia, para dar-lhes uma idéia a tal respeito; são extratos das atas das nossas sessões com o Dr. Bordier, diretor da Escola de Medicina de Grenoble.
Adormecida, transporto-a a alguns anos antes, vejo uma lágrima sobre os olhos; diz-me que tem vinte anos e que acaba de perder um filhinho.
. . . Continuação dos passes. Sobressalto brusco com grito de pavor; viu aparecerem ao seu lado os fantasmas da avó e de uma tia, falecidas havia pouco tempo. (Esta aparição, que se deu na idade a que a levei, causara-lhe impressão muito profunda.)
...Ei-la agora com onze anos. Vai à primeira comunhão; os seus pecados mais graves são ter desobedecido algumas vezes à vovó, e, principalmente, ter tirado um soldo do bolso do papai; teve muita vergonha e pediu perdão.
..Aos nove anos. - Sua mãe morreu há oito dias; é grande a sua dor. Seu pai, tintureiro em Vinay, acaba de mandá-la para casa do avô, em Grenoble, para aprender a coser.
... Aos seis anos. - Anda na escola em Vinay e já sabe escrever bem.
... Aos quatro anos. - Quando não está na escola, cuida da irmãzinha; começa a fazer riscos e a escrever algumas letras.
Passes transversais, despertando-a, fazem-na passar exatamente pelas mesmas fases e pelos mesmos estados de alma."
O Coronel faz experiências sobre o que ele chama o "instinto do pudor", em diferentes fases do sono. Levanta um pouco o vestido de Eugênia, que, de cada vez, o abaixa com vivacidade ou dá-lhe sopapos. "Quando pequena, não reage contra esse procedimento; o pudor não acordou ainda."
"Josefina, em Voiron, apresentou os mesmos fenômenos relativamente ao instinto do pudor e à escrita em diferentes idades. (Seguem-se cinco espécimes mostrando o progresso de sua instrução, dos 4 aos 16 anos.)
Até agora temos caminhado em terreno firme; observamos um fenômeno fisiológico de difícil explicação, mas que numerosas experiências e observações permitem considerar como certo. Vamos agora entrever horizontes novos.
Deixamos Eugénia como criancinha amamentada por sua mãe. Tornando-lhe mais profundo o sono, determinei uma mudança de personalidade. Já não estava viva; flutuava numa semi-obscuridade, não tendo pensamento, nem necessidade, nem comunicação com ninguém. Depois, recordações ainda mais remotas.
Fora antes uma menina, falecida muito novinha, de febre causada pela dentição; vê os pais chorando em volta de seu corpo, do qual ela separou-se muito depressa.
Procedi depois ao despertar, fazendo os passes transversais. Enquanto desperta, percorre em sentido inverso todas as fases assinaladas precedentemente e dá-me novos pormenores provocados pelas minhas perguntas. Algum tempo antes da última encarnação, sentiu que devia reviver em certa família; aproximou-se da que devia ser sua mãe e que acabava de conceber...
Entrou pouco a pouco, "por baforadas", no pequenino corpo. Até aos sete anos viveu, em parte, fora desse corpo carnal, que ela via, nos primeiros meses de sua vida, como se estivesse colocada fora dele. Não distinguia bem, então, os objetos materiais que a cercavam, mas, em compensação, percebia Espíritos flutuando em derredor. Uns, muito brilhantes, protegiam-na contra outros, escuros e malfazejos, que procuravam influenciar-lhe o corpo físico. Quando o conseguiam, provocavam aqueles acessos de raiva, a que as mães chamam manhas."
Seguem-se longos pormenores, muito interessantes, sobre outras existências da personalidade, que fora em último lugar Josefina; e o Sr. de Rochas termina assim:
"Em Voiron tenho por espectadora habitual das minhas experiências uma menina de espírito muito circunspeto, muito refletido, e de modo nenhum sugestionável, a Srta. Luisa, que possui em muito alto grau a propriedade (relativamente comum em grau menor) de perceber os eflúvios humanos e, por conseguinte, o corpo fluídico. Quando Josefina aviva a memória do passado, observa-se-lhe em volta uma aura luminosa percebida por Luisa; ora, essa aura torna-se aos olhos de Luisa, escura, quando Josefina se acha na fase que separa duas existências. Em todos os casos Josefina reage vivamente quando toco em pontos do espaço onde Luisa diz perceber a aura, quer seja luminosa ou sombria.
E muito difícil conceber como ações mecânicas, quais as dos passes, determinam o fenômeno da regressão da memória de maneira absolutamente certa até um momento determinado, e como estas ações, continuadas exatamente da mesma forma, mudam bruscamente, nesse momento, o seu efeito, finara somente originarem alucinações."
*
Nada acrescentaremos a tais comentários, com receio de enfraquecê-los. Preferimos passar sem transição a outra série de experiências do Sr. de Rochas, feitas em Aix-en-Provence, experiências relatadas, sessão por sessão, nos "Annales des Sciences Psychiques", de julho de 1905. (141)
E "sujet" uma jovem de 18 anos, que goza de saúde perfeita e que nunca ouviu falar de Magnetismo nem de Espiritismo. A Srta. Marie Mayo é filha de um engenheiro francês falecido no Oriente; foi educada em Beirut, onde fora confiada aos cuidados de criados indígenas; estava aprendendo a ler e escrever em árabe. Foi, depois, reconduzida à França e habita Aix, com uma tia.
As sessões tinham como testemunhas o Dr. Bertrand, antigo presidente da Câmara Municipal de Aix, médico da família, e o Sr. Lacoste, engenheiro, a quem se deve a redação da maior parte das atas. Estas sessões foram em grande número. A enumeração dos fatos ocupa 50 páginas dos "Annales". As primeiras experiências, empreendidas durante o mês de dezembro de 1904, têm por objeto a renovação das recordações da vida atual. A paciente, imersa na hipnose pela vontade do Coronel, retrocede gradualmente ao passado e revive as cenas da sua infância; dá, em diferentes idades, espécimes de sua letra, que se podem examinar. Aos 8 anos escreve em árabe e traça caracteres que depois esqueceu.
Obtém-se, a seguir, a renovação das vidas anteriores. Alternadamente, subindo o curso de suas existências à época atual, o "sujet", sob o império dos processos magnéticos que indicamos, passa e torna a passar pelas mesmas fases, na mesma ordem, direta ou retrógrada, com uma morosidade, diz o Coronel, "que torna as explorações difíceis para além de certo número de vidas e de personalidades".
Não é possível o fingimento. Mayo atravessa os diferentes estados hipnóticos e, em cada um, manifesta os sintomas que o caracterizam. O Dr. Bertrand verifica repetidas vezes a catalepsia, a contratura, a insensibilidade completa. Mayo passa a mão por cima da chama de uma vela sem a sentir. "Não tem nenhuma sensibilidade para o amoníaco; os olhos não reagem à luz; a pupila não é impressionada por um candeeiro ou vela que se lhe apresente de súbito muito perto da vista ou que rapidamente se retire" (142). Em compensação, acentua-se a sensibilidade a distância, o que demonstra, com toda a evidência, o fenômeno da exteriorização. Citemos as atas
"Faço subir Mayo o curso dos anos; ela, desse modo, vai até à época do seu nascimento. Fazendo-a chegar mais longe ainda, lembra-se de que já viveu, de que se chamava Line, de que morreu afogada, de que se elevou depois ao ar, de que viu seres luminosos; mas, que não lhe fora permitido falar-lhes. Além da vida de Line, torna a encontrar-se outra vez na erraticidade, mas num estado muito penoso; porque antes, havia sido um homem "que não fora bom".
Nesta encarnação chamava-se Charles Mauville. Estreou-se na vida pública como empregado num escritório em Paris. Havia, então, contínuos combates na rua. Ele mesmo matou gente e nisso tinha prazer, era mau. Cortavam-se as cabeças nas praças.
Aos cinqüenta anos deixou o escritório, está doente (tosse) e não tarda a morrer. Pode seguir o seu enterro e ouvir gente dizer: "Aquele foi um estróina a valer." Sofre, é infeliz. Afinal, passa para o corpo de Line.
Outras sessões reconstituem a existência de Line, a bretã. "Retardo os passes quando chego à época de sua morte; a respiração torna-se então entrecortada; o corpo balouça-se como levado pelas vagas e ela apresenta sufocações."
Sessão de 29 de dezembro de 1904. - O Sr. de Rochas ordena: "Torna a ser Line... no momento em que se afoga." Imediatamente, Mayo faz um movimento brusco na poltrona; vira-se para o lado direito com o rosto nas mãos e fica assim alguns segundos. Dir-se-ia ser uma primeira fase do ato que é executado voluntariamente, porque, se Line morreu afogada, é um afogamento voluntário, um suicídio, o que dá à cena aspecto inteiramente particular, bem diferente de um afogamento involuntário.
Depois, Mayo vira-se bruscamente para o lado esquerdo; Os movimentos respiratórios precipitam-se e tornam-se difíceis; o peito levanta-se com esforço e irregularidade; o rosto exprime ansiedade, angústia; os olhos estão espantados; faz verdadeiros movimentos de deglutição, como se engolisse água, mas contra sua vontade, porque se vê que resiste; nesse momento dá alguns gritos inarticulados; torce-se mais do que se debate e o rosto exprime sofrimento tão real que o Sr. de Rochas ordena-lhe que envelheça algumas horas. Depois, pergunta-lhe:
- Debateste-te por muito tempo? - Debati-me.
- E uma morte má? - E.
- Onde estás ? - No escuro.
30 de dezembro de 1904. - Existência de Ch. Mauville. Mayo descreve uma das fases da doença que o mata; parece passar pelos sintomas característicos das moléstias do peito; opressão, acessos de tosse penosos; morre e assiste ao seu funeral.
- Havia muita gente no acompanhamento? - Não.
- Que diziam de ti? Não diziam bem, não é verdade? Recordavam que tinhas sido um homem mau?
(Depois de hesitar, e baixinho:) - Sim.
Em seguida está no "negro"; o Coronel faz-lhe atravessar rapidamente e ela reencarna na Bretanha. Vê-se menina, depois donzela, tem 16 anos e não conhece ainda seu futuro marido; aos 18 anos encontra aquele que o há de ser, casa-se pouco depois e vem a ser mãe. Assistimos então a uma cena de parto de realismo surpreendente (143). A paciente revolve-se na cadeira, os membros inteiriçam-se, o rosto contrai-se e os seus sofrimentos parecem tão intensos que o Coronel lhe ordena que os passe com rapidez.
Tem 22 anos, perdeu o marido num naufrágio e seu filhinho morreu. Desesperada, afoga-se. Esse episódio, que ela já reproduziu em outra sessão, é tão doloroso que o Coronel prescreve-lhe que passe além, o que ela faz, mas não sem experimentar violento abalo. No "escuro" em que se vê depois, não sofre, como dissemos, quanto sofrera no "negro" depois da morte de Ch. Mauville; reencarna na sua família atual e volta a idade que tem. A mudança é operada por meio dos passes magnéticos transversais."
31 de dezembro de 1904. - "Proponho-me, nessa sessão, obter alguns novos pormenores a respeito da personalidade de Charles Mauville e tratar de fazer chegar Mayo até uma vida precedente. Torno, portanto, rapidamente, mais profundo o sono, empregando passes longitudinais, até à infância de Mauville. No momento em que o interrogo, tem 5 anos. O pai é contramestre numa manufatura, a mãe traja de preto e tem na cabeça uma touca. Continuo a tornar o sono mais profundo.
Antes de nascer está na "escuridão". Sofre. Anteriormente fora uma dama casada com um gentil-homem da Corte de Luis XIV; chamava-se Madeleine de Sannt-Marc.
Informações da vida dessa senhora: - Conheceu a Senhorita de Ia Vallière, que lhe era simpática; mal conhece a ara. de Montespan, e a Sra. de Maintenon desagrada-lhe.
- Diz-se que o rei desposou-a secretamente? - Qual! É simplesmente amante dele.
- E qual é a sua opinião a respeito do rei? - E um orgulhos
- Conhece Scarron?
- Santo Deus! Que feio ele é! - Viu representar Molière ?
- Vi, mas não gosto muito dele. - Conhece Corneille?
- E um selvagem. - E Racine ?
- Conheço principalmente as suas obras e tenho-as em grande conta. (144)
Proponho-lhe fazê-la envelhecer para que veja o que lhe sucederá mais tarde. Recusa formal. Debalde ordeno imperiosamente; não consigo vencer a sua resistência senão com emprego de passes transversais enérgicos, aos quais procura por todos os meios esquivar-se.
No momento em que eu paro, ela tem quarenta anos; deixou a Corte; tosse e sente-se doente do peito. Faço-a falar a respeito do seu caráter; confessa que é egoísta e ciumenta, que tem ciúmes principalmente das mulheres bonitas.
Continuando os passes transversais, faço-a chegar aos 45 anos, idade em que morre tísica. Assisto a uma agonia curta e ela entra na escuridão. Desperta sem demora pela continuação rápida dos passes transversais."
19 de janeiro de 1905. - "Três existências sucessivas. Primeiramente, Madeleine de Saint-Marc. Mayo reproduz os últimos momentos da sua vida.
Ao cabo de alguns momentos, tosse, um verdadeiro acesso... depois morre... e compreende-se pelos seus movimentos e atitude que está sofrendo; depois volta a ser Charles
Mauville; passado um instante, tosse outra vez. (O Sr. de Rochas lembra-se de que Charles Mauville morreu com doença do peito, com perto de 50 anos, como morrera Madeleine. ) Charles Mauville morre...
Passados alguns instantes, ela, sob a influência dos passes transversais, é outra vez Line na época da sua gravidez; depois chora, torce-se, agarra-se à sobrecasaca do Sr. De ochas; os seios apresentam na realidade volume maior que de ordinário. (Todos o verificamos.) Line tem verdadeiras dores; de repente sossega. - Está pronto; a criancinha nasceu. - Line teve o seu bom sucesso. .. Depois chora; o marido está a morrer... ; chora mais... e, de repente, com muita rapidez, debate-se, suspira, afoga-se... e entra no escuro.
Passa, finalmente, para o corpo de Mayo e chega progressivamente até aos 18 anos. O Sr. de Rochas desperta-a completamente."
*
Paremos um instante para considerar o conjunto destes fatos, procurar as garantias de autenticidade que apresentam e deduzir os ensinamentos que deles derivam.
Há, logo de princípio, uma coisa que nos causa forte impressão. 2, em cada vida renovada, a repetição constante, no decurso de sessões múltiplas, dos mesmos acontecimentos, na mesma ordem, quer ascendentes, quer descendentes, de modo espontâneo, sem hesitação, erro ou confusão (145). Vem, depois, a comprovação unânime dos experimentadores na Espanha, em Genebra, Grenoble, Aix, etc., verificação que, pessoalmente, pude fazer sempre que observei fenômenos deste gênero. Em cada nova existência que se desenrola, a atitude, o gesto, a linguagem do "sujet" mudam; a expressão do olhar difere, tornando-se mais dura, mais selvagem, à medida que se recua na ordem dos tempos.
Assiste-se à exumação de um complexo de vistas, de preconceitos, de crenças, em relação com a época e o meio em que essa existência passou.. Quando o "sujet", sempre uma mulher nos casos retro indicados (146), passa por uma encarnação masculina, a fisionomia é inteiramente outra, a voz é mais forte, o tom mais elevado, os modos afetam uma tal ou qual rudeza. Não são menos distintas as diferenças, quando é um período infantil que se atravessa.
Os estados físicos e mentais encadeiam-se, ligam-se sempre numa conexidade íntima, completando-se uns pelos outros e sendo sempre inseparáveis. Cada recordação evocada, cada cena revivida mobiliza um cortejo de sensações e impressões, risonhas ou penosas, cômicas ou pungentes, segundo os casos, mas perfeitamente adequadas à situação.
A lei de correlação verificada por Pierre Janet, Th. Ribot, etc, encontra-se novamente aqui em todo o seu rigor, com precisão mecânica, tanto no que diz respeito às cenas da vida presente, como às que se relacionam com as transatas. Esta correlação constante bastaria, por si só, para assegurar às duas ordens de recordações o mesmo caráter de probabilidade. Verificada, como foi, a exatidão das recordações, da existência atual nas suas fases primárias, apagadas na memória normal do "sujet", o que, para umas, é uma prova de autenticidade, constitui igualmente forte presunção em prol das outras.
Por outro lado, os "sujets" reproduziram com uma fidelidade absoluta, com uma vivacidade de impressões e de sensações por forma alguma fictícias, cenas tão comoventes como complicadas; asfixia por submersão, agonias causadas pela tísica no último grau, caso de gravidez seguido de parto com toda a série dos fenômenos físicos correlatos - sufocações, dores, tumefação dos seios, etc.
Ora, estes "sujets", quase todos moças de 16 a 18 anos, são, por natureza, muito tímidos e pouco versados em matéria científica. Por declaração dos próprios experimentadores, dos quais um é médico da família de Mayo, é notória a incapacidade deles para simularem cenas destas; não possuem nenhum conhecimento de Fisiologia, ou de Patologia e, na sua existência atual, não foram testemunhas de nenhum incidente que pudesse ministrar-lhes indicações sobre fatos desta ordem. (147)
Todas estas considerações nos levam a afastar desconfianças de qualquer fraude, artifício, ou hipótese de mera fantasia.
Que talento, que arte, que perfeição de atitude, de gesto, de acentuação não seria necessário despender de maneira contínua, durante tantas sessões, para imaginar e simular cenas tão realistas, às vezes dramáticas, na presença de experimentadores hábeis em desmascarar a impostura, de práticos sempre precavidos contra o erro ou o embuste ?
Tal papel não pode ser atribuído a jovens sem nenhuma experiência da .vida, com instrução elementar mui limitada.
Outra coisa. No encadeamento dessas descrições, no destino dos seres que estão na tela da discussão, nas peripécias das suas existências, encontramos sempre confirmação da alta lei de causalidade ou de conseqüência dos atos, que rege o mundo moral. Decerto, não é possível ver nisso um reflexo das opiniões dos "sujets",visto que, a tal respeito, nenhuma noção eles possuem, por não terem sido preparados de modo algum pelo meio em que viveram, nem pela educação que receberam, para o conhecimento das vidas sucessivas, como o atestam os observadores. (148)
Evidentemente, muitos cépticos pensarão que esses fatos são ainda em mui pequeno número para que deles possa inferir uma teoria segura e conclusões decisivas.
Dir-se-á que convém esperar para isso acumulação mais considerável de provas e de testemunhos; apresentar-nos-ão como objeção muitas experiências com aspecto suspeito, abundando em anacronismos, contradições, fatos apócrifos. Essas narrativas fantasistas produzem a viva impressão de que observadores benévolos tenham sido vitimas de ludíbrio, de mistificação. Qual é, porém, o dano que daí pode advir para as experiências sérias? Os abusos, os erros que, aqui e ali, se praticam não podem atingir os estudos feitos com precisão metódica e rigoroso espírito de exame.
Em resumo, temos para nós que os fatos relatados acima, juntos a muitos outros da mesma natureza, que seria supérfluo enumerar aqui, bastam para estabelecera existência, na base do edifício do "eu", de uma espécie de cripta onde se amontoa uma imensa reserva de conhecimentos e de recordações. O longo passado do ser deixou aí seu rastro indelével que poderá, ele só, dizer-nos o segredo das origens e da evolução, o mistério profundo da natureza humana.
"Há, diz Herbert Spencer, dois processos de construção da consciência: a assimilação e a lembrança"; mas, não se pode deixar de reconhecer que a consciência normal de que ele fala não é mais do que uma consciência precária e restrita, que vacila à borda dos abismos da alma, iluminando, como chama intermitente, um mundo oculto onde dormitam forças e imagens, em que se acumulam as impressões recolhidas desde o ponto inicial do ser.
E tudo isso, oculto durante a vida pelo véu da carne, se manifesta no transe, sai da sombra com tanto mais nitidez quanto mais livre da matéria está a alma e maior é o grau de sua evolução.
*
Quanto às reservas feitas pelo Coronel de Rochas a propósito das inexatidões notadas por ele nas narrações dos hipnotizados no curso de suas investigações, devemos acrescentar uma coisa. Nada há que admirar quanto à possibilidade de se terem dado erros, atendendo ao estado mental dos "sujets" e à quantidade - na hora atual - de elementos conhecidos e desconhecidos que entram em jogo nestes fenômenos tão novos para a Ciência. Poderiam eles ser atribuídos a três causas diferentes - reminiscências diretas dos pacientes, visões, ou também sugestões provenientes do exterior. Quanto ao primeiro caso,notemos que, em todas as experiências que tenham por objetivo pôr em vibração ás forças anímicas, o ser assemelha-se a um foco que se acende e aviva, e que, na sua atividade, projeta vapores e fumo que, de quando em quando, encobrem a chama interior. As vezes, em pacientes pouco desenvolvidos, pouco excitados, as recordações normais e as impressões recentes misturar-se-ão, por isso, com reminiscências afastadas. A habilidade dos experimentadores consistirá em saber separar estes elementos perturbadores, em dissipar as brumas e as sombras para restituírem ao foco central sua importância e seu brilho.
Poder-se-ia também ver nisto o resultado de sugestões exercidas pelos magnetizadores ou por personalidades estranhas. Eis o que, a este respeito, diz o Coronel de Rochas: (149)
"Essas sugestões não vêm certamente de mim, que não somente evitei tudo o que podia pôr o sujet em caminho determinado, mas que procurei muitas vezes, debalde, transviá-lo com sugestões diferentes; o mesmo sucedeu com outros experimentadores que se entregaram a esse estudo.
provirão elas de idéias que, segundo a expressão popular, ,,andam no ar" e que atuam com mais força no espírito do paciente solto dos laços do corpo? Poderia bem ser isso, até certo ponto, porquanto se tem observado que todas as revelações dos extáticos se ressentem mais ou menos do meio em que viveram.
Serão devidas a entidades invisíveis que, querendo espalhar entre os homens a crença nas encarnações sucessivas, procedem como a Morale en action, com o auxílio de historiazinhas assinadas por pseudônimos para evitar as reivindicações entre vivos?
Consultados os invisíveis a tal respeito, por via medianimica, responderam (150) : "Quando o sujet não está suficientemente livre para ler em si mesmo a história do seu passado, podemos então proceder por quadros sucessivos que lhe reproduzem à vista as suas próprias existências. São, nesse caso, realmente visões e é por isso que nem sempre podem ser exatas. Em certos casos, pois, os pacientes não revivem as suas vidas. Comunicamos-lhes do Alto as informações que eles dão aos experimentadores e lhes sugerimos que sofram os efeitos das circunstâncias que descrevem.
Podemos iniciar-vos no vosso passado sem, contudo, precisarmos as datas e os lugares. Não esqueçais que, livres das convenções terrestres, deixa para nós de haver tempo e espaço. Vivendo fora desses limites, cometemos facilmente erros em tudo o que lhes diz respeito. Consideramos tudo isso como coisas mínimas e preferimos falar-vos dos vossos atos bons ou maus e de suas conseqüências. Se algumas datas, se alguns nomes não se encontrarem nos vossos arquivos, a conclusão para vós é que é tudo falso. Erro profundo do vosso julgamento. Grandes são as dificuldades para dar-vos conhecimentos tão exatos como o exigis; mas, crede-nos, não vos fatigueis nas vossas investigações. Não há estudo mais nobre do que este. Não sentis que é belo difundir a luz? No entanto, infelizmente, ainda no vosso planeta há de passar muito tempo, primeiro que as massas compreendam para que aurora se deva dirigir!"
Seria fácil acrescentarmos um grande número de fatos que têm ligação com a mesma ordem de averiguações.
O Príncipe Adam-Wisznievski, rua do Débarcadère 7, em Paris, comunica-nos a relação que se segue, feita pelas próprias testemunhas, algumas das quais vivem ainda e que só consentiram em ser designadas por iniciais
"O Príncipe Galitzin, o Marquês de B. . ., o Conde de R.. . estavam reunidos, no verão de 1862, nas praias de Hamburgo.
Uma noite, depois de terem jantado muito tarde, passeavam no parque do Cassino e ali avistaram uma pobre deitada num banco. Depois de se chegarem a ela e a interrogarem, convidaram-na a vir cear no hotel. O Príncipe Galitzin, que era magnetizador, depois que ela ceou, o que fez com grande apetite, teve a idéia de magnetizá-la. Conseguiu-o à custa de grande número de passes. Qual não foi a admiração das pessoas presentes quando, profundamente adormecida, aquela que, em vigília, exprimia-se num arrevesado dialeto alemão, pôs-se a falar corretamente em francês, contando que reencarnara na pobreza por castigo, em conseqüência de haver cometido um crime na sua vida precedente, no século XVIII. Habitava, então, um castelo na Bretanha, à beira-mar. Por causa de um amante, quis livrar-se do marido e despenhou-o no mar, do alto de um rochedo; indicou o lugar do crime com grande exatidão.
Graças às suas indicações, o Príncipe Galitzin e o Marquês de B... puderam, mais tarde, dirigir-se à Bretanha, às costas do Norte, separadamente, e entregar-se a dois inquéritos, cujos resultados foram idênticos.
Havendo interrogado grande número de pessoas, não puderam, a princípio, colher informação alguma. Afinal encontraram uns camponeses já velhos que se lembravam de ter ouvido os pais contarem a história de uma jovem e bela castelã que assassinara o marido, mandando atirá-lo ao mar. Tudo o que a pobre de Hamburgo havia dito, no estado de sonambulismo, foi reconhecido exato.
O Príncipe Galitzin, regressando da França e passando por Hamburgo, interrogou o comissário de polícia a respeito dessa mulher. Este funcionário declarou-lhe que ela era inteiramente falha de instrução, falava um dialeto vulgar alemão e vivia apenas de mesquinhos recursos, como mulher de soldados."
A doutrina das vidas sucessivas, ensinada pelas grandes escolas filosóficas do passado e, em nossos dias, pelo espiritualismo kardequiano, recebe, é manifesto, por via do trabalhos dos sábios e dos investigadores, umas vezes direta-, outras indiretamente, novos e numerosos subsídios. Graças à experimentação, as profundezas mais recônditas da alma humana entreabrem-se e a nossa própria história parece reconstituir-se, da mesma forma que a Geologia pôde reconstituir a história do Globo, escavando-lhe os possantes suportes.
A questão está pendente ainda, é verdade; é preciso observar extrema reserva quanto às conclusões. Não obstante, apesar das obscuridades que subsistem, havemos considerado como um dever publicar esses fatos e experiências a fim de chamar para eles a atenção dos pensadores e provocar novas investigações. Só por esse modo é que a luz a pouco e pouco se fará completa acerca desse problema, como se fez acerca de tantos outros.
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O esquecimento das existências anteriores é, em princípio, dissemos, uma das conseqüências da reencarnação; entretanto, não é absoluto esse esquecimento. Em muitas pessoas o passado renova-se em forma de impressões, senão de lembranças definidas. Estas impressões, às vezes, influenciam os nossos atos; são as que não vêm da educação, nem do meio, nem da hereditariedade. Nesse número podem classificar-se as simpatias e as antipatias repentinas, as intuições rápidas, as idéias inatas. Basta descermos a nós mesmos, estudarmo-nos com atenção, para tornarmos a encontrar em nossos gostos, em nossas tendências, em traços do nosso caráter, numerosos vestígios desse passado. Infelizmente, mui poucos de nós se entregam a esse exame com método e atenção. Há mais. Pode citar-se, em todas as épocas da História, um certo número de homens que, graças a disposições excepcionais do seu organismo psíquico, conservam recordações das suas vidas passadas. Para eles não era uma teoria a pluralidade das existências; era um fato de percepção direta.
O testemunho desses homens assume importância considerável por terem ocupado na sociedade do seu tempo altas posições; quase todos, espíritos superiores, exerceram, na sua época, grande influência. A faculdade, muito rara, de que gozavam, era, sem dúvida, o fruto de uma evolução imensa. Estando o valor de um testemunho na razão direta da inteligência e inteireza da testemunha, não se podem passar em claro as afirmações desses homens, alguns dos quais trouxeram na cabeça a coroa do gênio.
É um fato bem conhecido que Pitágoras se recordava pelo menos de três das suas existências e dos nomes que, em cada uma delas, usava (151). Declarava ter sido Hermótimo, Eufórbio e um dos Argonautas. Juliano, cognominado o Apóstata, tão caluniado pelos cristãos, mas que foi, na realidade, uma das grandes figuras da História Romana, recordava-se de ter sido Alexandre da Macedônia. Empédocles afirmava que, pelo que lhe dizia respeito, "recordava-se de ter sido rapaz e rapariga". (152)
Na opinião de Herder ("Dialogues sur Ia Métempsycose"), deve ajuntar-se a estes nomes os de Yarcas e de Apolônio de Tiana.
Na Idade Média tornamos a encontrar a mesma faculdade em Gerolamo Cardano.
Entre os modernos, Lamartine declara, no seu livro "Voyage en Orient", ter tido reminiscências muito claras de um passado longínquo. Transcrevamos o seu testemunho
"Na Judéia eu não tinha Bíblia nem livro de viagem; ninguém que me desse o nome dos lugares e o nome antigo dos vales e dos montes. Não obstante, reconheci, sem demora,o vale de Terebinto e o campo de batalha de Saul. Quando estivemos no convento, os padres confirmaram-me a exatidão das minhas descobertas. Os meus companheiros recusavam acreditá-lo. Do mesmo modo, em Séfora, apontara com dedo e designara pelo nome uma colina que tinha no alto guri castelo arruinado, como o lugar provável do nascimento Virgem. No dia seguinte, no sopé de um monte árido, reconheci o túmulo dos Macabeus e falava verdade sem o saber. Excetuando os vales do Líbano, quase não encontrei na Judéia um lugar ou uma coisa que não fosse para mim como uma recordação. Temos então vivido duas ou mil vezes? pois, a nossa memória uma simples imagem embaciada que o sopro de Deus aviva?"
Era em Lamartine tão viva a concepção das múltiplas vidas do ser, que tinha o desígnio de fazer disso uma idéia dominante, a inspiradora por excelência de suas obras. "La Chute d'un Ange" era, no seu pensamento, o primeiro elo, e "Jocelyn" o último de uma série de obras que deviam encadear-se umas às outras e traçar a história de duas almas prosseguindo através dos tempos a sua evolução dolorosa. As agitações da vida política não lhe deixavam vagar para prender umas às outras as contas esparsas desse rosário de obras-primas. (153)
Joseph Méry era pródigo nas mesmas idéias. Ainda em sua vida, dizia a seu respeito o "Journal Littéraire", de 25 de novembro de 1864:
"Há teorias singulares que, para ele, são convicções. Assim, crê firmemente que viveu muitas vezes; lembra-se das menores circunstâncias das suas existências anteriores e descreve-as com tanta minuciosidade e com um tom de certeza tão entusiástico que se impõe como autoridade. Assim, foi um dos amigos de Vergílio e Horácio; conheceu Augusto, conheceu Germânico; fez a guerra nas Gália e na Germânia. Era general e comandava as tropas romanas quando atravessaram o Reno. Reconhece-se nos montes e sítios onde acampou, nos vales e campos de batalha onde outrora combateu. Chamava-se Míni as.
Tem cabimento aqui um episódio que parece estabelecer um bom fundamento de que tais recordações não são simples miragens da sua imaginação. Um dia, em sua vida atual, estava em Roma e de visita ã biblioteca do Vaticano. Foi recebido por jovens noviços, trajando longos hábitos escuros, que se puseram a falar-lhe o latim mais puro. Méry era bom latinista em tudo quanto dizia respeito à teoria e às coisas escritas, mas nunca experimentara conversar familiarmente na língua de Juvenal. Ouvindo esses romanos de hoje, admirando esse magnífico idioma, tão bem harmonizado com os costumes da época em que era utilizado com os monumentos, pareceu-lhe que dos olhos lhe caía um véu; pareceu-lhe que ele mesmo já em outros tempos havia conversado com amigos que se serviam dessa linguagem divina. Frases inteiras e irrepreensíveis saíam-lhe dos lábios; achou imediatamente a elegância e a correção; falou, finalmente, latim como fala francês. Não era possível fazer-se tudo isso sem uma aprendizagem e, se ele não tivesse sido vassalo de Augusto, se não houvesse atravessado esse século de todos os esplendores, não teria improvisado um conhecimento impossível de adquirir-se em algumas horas."
O "Journal Littéraire", sempre a respeito de Méry, continua:
"A sua outra passagem pela Terra deu-se nas Índias; por isso conhece-as tão bem que, quando publicou Ia Gore do Negam, nenhum dos seus leitores duvidou que ele houvesse por muito tempo habitado a Ásia. Suas descrições são tão vivas, seus quadros tão originais, faz de tal modo tocar com o dedo as menores minudencias, que é impossível não tenha visto o que conta; a verdade marcou tudo isso com a sua chancela.
Pretende ter entrado nesse país com a expedição muçulmana, em 1035. Lá viveu cinqüenta anos, lá passou belos dias e lá fixou residência definitiva; lá continuou a ser poeta, mas menos dedicado às letras que em Roma e Paris. Guerreiro nos primeiros tempos, cismador mais tarde, conservou impressas na sua alma as imagens surpreendentes das margens do rio sagrado e dos sítios hindus. Tinha muitas moradas na cidade e no campo, orou no templo dos elefantes, conheceu a civilização adiantada de Java, viu as esplêndidas ruínas que ele assinala e que são ainda tão pouco conhecidas.
É preciso ouvi-lo cantar os seus poemas, porque são verdadeiros poemas essas lembranças à Swedenborg. Não suspeiteis da sua seriedade, que é muito grande. Não há mistificação feita à custa dos seus ouvintes; há uma realidade de que ele consegue convencer-vos."
Paul Stapfer, no seu livro recentemente publicado, "Victor Hugo à Guernesey", conta as suas palestras com o grande poeta. Este lhe expunha a sua crença nas vidas sucessivas; julgava ter sido Esquilo, Juvenal, etc. Forçoso é reconhecer que tais colóquios não primam por excesso de modéstia e carecem um tanto' de provas demonstrativas,
O filósofo sutil e profundo que foi Amiel, escrevia:
"Quando penso nas intuições de toda espécie que tive desde a minha adolescência, parece-me que vivi muitas dúzias e até centenas de vidas. Toda a individualidade caracteriza. este mundo idealmente em mim ou, antes, forma-me momentaneamente à sua imagem. Assim é que fui matemático, músico, frade, filho, mãe, etc. Nesses estados de simpatia universal, fui mesmo animal e planta."
Théophile Gautier, Alexandre Dumas, Ponson do Terrail e muitos outros escritores modernos comungavam nessas convicções. Sucedia o mesmo com Walter Scott, segundo o testemunho de Lockart, seu biógrafo. (154)
O Conde de Résie, na sua "Histoire des Sciences Occultes" (155), diz
Podemos citar o nosso próprio testemunho, assim como as numerosas surpresas que freqüentes vezes nos causou o aspecto de muitos lugares em diferentes partes do mundo, cuja vista nos trazia logo à memória uma antiga recordação, uma, coisa que não nos era desconhecida e que, entretanto, estávamos vendo pela primeira vez."
*
As reminiscências de homens ilustres pela maior Parte deve juntar-se as de grande número de crianças. Aqui, o fenômeno se explica facilmente. A adaptação dos sentidos psíquicos ao organismo material, a começar o nascimento, opera-se morosa e gradualmente; só é completa por volta dos sete anos e mais tarde ainda em certos indivíduos.
Até essa época, o Espírito da criança, flutuando em roda do seu invólucro, vive até certo ponto da vida do Espaço; goza de percepções, de visões que, às vezes, impressionam com fugitivos vislumbres o cérebro físico. Assim é que foi possível recolher de certas bocas juvenis alusões a vidas anteriores, descrições de cenas e personagens sem relação alguma com a vida atual desses jovens.
Estas visões, estas reminiscências esvaem-se, geralmente, próximo da idade adulta, quando a alma da criança entrou na plena posse dos seus órgãos terrestres. Então, debalde é interrogada a respeito dessas lembranças fugazes; cessou de todo a transmissão das vibrações perispirituais, a consciência profunda emudeceu.
Até agora não tem sido prestada a essas revelações toda a atenção que elas merecem. Os pais, a quem manifestações consideradas estranhas e anormais lançam em desassossego, em vez de provocá-las, procuram, pelo contrário, impedi-Ias. A Ciência perde, assim, indicações úteis. Se a criança, quando tenta traduzir, na sua linguagem afanosa e confusa, as vibrações fugitivas do seu cérebro psíquico, fosse animada, interrogada, em vez de ser repelida, ridicularizada, seria possível obter a respeito do passado elucidações de certo interesse, ao passo que atualmente se perdem na maioria dos casos.
No Oriente, onde a doutrina das vidas sucessivas está espalhada por toda parte, dá-se mais importância a essas reminiscências; recolhem-nas, constatam-nas na medida do possível e, muitas vezes, é reconhecida a sua exatidão. Dentre mil, vamos apresentar uma prova:
Uma correspondência de Simla (índias Orientais) ao "Daily Mail" (156) refere que um menino, nascido no distrito, é considerado como a reencarnação do falecido
Sr. Tucker, superintendente da comarca, assassinado, em 1894, por "discoitos". O menino recorda-se dos menores incidentes da sua vida precedente; quis transportar-se a vários lugares familiares ao Sr. Tucker. No local do homicídio pôs-se a tremer e deu todas as demonstrações de terror. "Estes fatos são muito comuns em Burma - acrescenta o jornal -, onde os reencarnados, que se lembram do seu passado, têm o nome de winsas."
C. de Lagrange, cônsul de França, escrevia de Vera Cruz (México) à "ftevue Spirite", em 14 de julho de 1880: (157)
"Há dois anos tínhamos, em Vera Cruz, um menino de sete anos que possuía a faculdade de médium curador. Muitas pessoas foram curadas, quer por imposição das suas mãozinhas, quer por meio de remédios vegetais que ele receitava e afirmava conhecer. Quando lhe perguntavam onde aprendera essas coisas, respondia que, no tempo em que era grande, tinha sido médico. Este menino recorda-se, portanto, de uma existência anterior.
Falava com dificuldade. Chamava-se Jules Alphonse e nascera em Vera Cruz. Essa faculdade surpreendente desenvolveu-se nele aos 4 anos de idade e causou impressão em muitas pessoas que, incrédulas a princípio, estão hoje convencidas. Quando estava só com o pai, repetia-lhe muitas vezes: "Pai, não creias que eu fique muito tempo contigo; estou aqui só por alguns anos, porque é preciso que vá para outra parte." E, se lhe perguntavam: "Mas, para onde queres tu ir?", respondia: "Para longe daqui, para onde se está melhor do que aqui."
Este menino era muito sóbrio, grande em todas as ações, perspicaz e muito obediente. Pouco tempo depois, morreu."
O "Banner of Light", de Boston, 15 de outubro de 1892, publica a narrativa, abaixo transcrita, do honrado Isaac G. Forster, inserta igualmente no "GlobeDemocraV, de S. Luís, 20 de setembro de 1892, no "Brooklyn Eagle" e no "Milwaukee Sentinel", de 25 de setembro de 1892:
"Há doze anos habitava eu o Condado de Effingham (Illinois) e, lá, perdi uma filha, Maria, quando para ela principiava a puberdade. No ano seguinte fui fixar residência no Dakota. Aí, nasceu-me, há nove anos, outra filhinha, a quem demos o nome de Nellie. Assim que chegou à idade de falar, pretendia não se chamar Nellie, mas, sim, Maria, que seu nome verdadeiro era o que em tempo lhe dávamos.
Ultimamente voltei para o Condado de Effingham, para pôr em dia alguns negócios. e levei Nellie comigo. Ela reconheceu a nossa antiga habitação e muitas pessoas que nunca vira, mas que minha primeira filha, Maria, conhecera muito bem.
A uma milha de distância está situada a casa da escola em que Maria andava; Nellie, que nunca a vira, dela fez uma descrição exata e exprimiu-me o desejo de tornar a vé-1a. Levei-a e, quando lá chegou, dirigiu-se diretamente para a carteira que sua irmã ocupava, dizendo-me: "Esta carteira é a minha!"
O "Journal des Débats", de 11 de abril de 1912, em seu folhetim científico cita, sob a assinatura de Henri de Varigny, um caso semelhante colhido na obra do Sr. Fielding Hall, o qual se entregou a longas pesquisas neste assunto:
"Há cerca de meio século, duas crianças, um rapaz e uma menina, nasceram no mesmo dia e na mesma aldeia, na Birmânia.
Casaram-se mais tarde e, depois de haver constituído família e praticado todas as virtudes, morreram no mesmo dia. Maus tempos sobrevieram, e dois jovens, de sexos diferentes, tiveram de fugir da aldeia onde se tinha desenrolado o primeiro episódio.
Foram estabelecer-se em outra parte e tiveram dois filhos gêmeos, que, em vez de se chamarem por seus próprios nomes, se davam entre si os nomes do par virtuoso e defunto de que falamos.
Os pais espantaram-se com isso, mas logo compreenderam o fato. Para eles, o par virtuoso se tinha encarnado em seus filhos. Quiseram tirar a prova. Levaram-nos à aldeia onde anteriormente haviam nascido. Reconheceram tudo: estradas, casas, pessoas e até as vestimentas do casal, conservadas, não se sabe por que razão. Um se lembrou de terem prestado duas rupias a certa pessoa. Esta vivia ainda e confirmou o fato.
O Sr. Fielding Hall, que viu as duas crianças quando elas ainda tinham 6 anos, achava uma com aparência mais feminina; esta albergava a alma da mulher defunta. Antes da reencarnação, diziam eles, viveram algum tempo sem corpo, nos ramos das árvores. Mas, essas lembranças longínquas tornam-se cada vez menos nítidas e vão-se apagando pouco a pouco."
Essa percepção das vidas anteriores encontra-se, também, excepcionalmente, em alguns adultos.
O Dr. Gaston Durville, no "Psychic Magazine", número de janeiro e abril de 1914, conta um caso interessante de renovação das lembranças em estado de vigília.
A Sra. Laura Raynaud, conhecida em Paris por suas curas por meio do magnetismo, afirmava, desde muito, que se recordava de uma vida passada em um lugar que descrevia e que declarava iria encontrar um dia. Afirmava, ainda, ter vivido em condições nitidamente determinadas (sexo, condição social, nacionalidade, etc.), e haver desencarnado, havia certo número de anos, em conseqüência de tal moléstia.
A Sra. Raynaud, em viagem à Itália, em março de 1913, reconheceu o país em que tinha vivido. Percorreu os arredores de Gênova e encontrou uma habitação como tinha descrito. "Graças ao concurso do Sr. Calure, psiquista erudito de Gênova, encontramos, diz o doutor, nos registros da paróquia de S. Francisco de Albaro, um registro de óbito que foi o da Sra. Raynaud n.° 1."
Todas as declarações por ela feitas, muitos anos antes (sexo, condição social, nacionalidade, idade e causa da morte), foram confirmadas.
Um "sujet" do doutor, em estado de sonambulismo lúcido, revelou curiosos pormenores sobre a sepultura da citada senhora.
*
Os testemunhos oriundos do mundo invisível são tão numerosos como variados. Não só Espíritos em grande número afirmam, nas suas mensagens, terem vivido muitas vezes na Terra, mas há os que anunciam antecipadamente a sua reencarnação; designam seu futuro sexo e a época de seu nascimento; ministram indicações sobre as suas aparências físicas ou disposições morais, que permitem reconhecê-los em seu regresso a este mundo; predizem ou expõem particularidades de sua próxima existência, o que se tem podido verificar.
A revista "Filosofia della Scienza", de Palermo, no número de janeiro de 1911, publica, sobre um caso de reencarnação, uma narrativa do mais alto interesse, que resumimos aqui. É o chefe da família, na qual os acontecimentos se passaram, o Dr. Carmelo Samona, de Palermo, quem fala:
"Perdemos, a 15 de março de 1910, uma filhinha que minha mulher e eu adorávamos; em minha companheira o desespero foi tal que receei, um momento, perdesse a razão. Três dias depois da morte de Alexandrina, minha mulher teve um sonho onde acreditou ver a criança a dizer-lhe:
- Mãe, não chores mais, não te abandonarei; não estou afastada de ti: ao contrário, tornarei a ti como filha. Três dias mais tarde houve a repetição do mesmo sonho. A pobre mãe, a quem nada podia atenuar a dor e que não tinha, nessa época, noção alguma das teorias do Espiritismo moderno, só encontrava nesse sonho motivos para o reavivamento de suas penas. Certa manhã, em que se lamentava, como de costume, três pancadas secas fizeram-se ouvir à porta do quarto em que nos achávamos. Crente da chegada de minha irmã, meus filhos, que estavam conosco, foram abrir a porta, dizendo
- Tia Catarina, entre.
A surpresa, porém, de todos, foi grande, verificando que não havia ninguém atrás dessa porta nem na sala que a precedia. Foi então que resolvemos realizar sessões de tiptologia, na esperança de que, por esse meio, talvez tivéssemos esclarecimentos sobre o fato misterioso dos sonhos e das pancadas que tanto nos preocupavam.
Continuamos nossas experiências durante três meses, com grande regularidade. Desde a primeira sessão, duas entidades manifestaram-se: uma dizia ser minha irmã; a outra,a nossa cara desaparecida. Esta última confirmou, pela mesa,sua aparição nos dois sonhos de minha mulher e revelou que as pancadas tinham sido dadas por ela. Repetiu à sua mãe
-- Não te consternes, porque nascerei de novo por ti e antes do Natal.
A predição foi acolhida por nós com tanto mais incredulidade, quanto um acidente, a que se seguiu uma operação (21 de novembro de 1909), tornava inverossímil nova concepção em minha mulher.
Entretanto, a 10 de abril, uma primeira suspeita de gravidez revelou-se nela. A 4 de maio seguinte nossa filha manifestou-se ainda pela mesa e nos deu novo aviso:
- Mãe, há uma outra em ti.
Como não compreendêssemos esta frase, a outra entidade que, parece, acompanhava sempre nossa filha, confirmou-a, comentando-a assim:
- A pequena não se engana: outro ser se desenvolve em ti, minha boa Adélia.
As comunicações que se seguiram ratificaram todas essas declarações e mesmo as precisaram, anunciando que as crianças que deviam nascer seriam meninas; que uma se assemelharia a Alexandrina, sendo, mais bela do que o tinha sido ela, anteriormente.
Apesar da incredulidade persistente de minha mulher, as coisas pareciam tomar o rumo anunciado, porque, no mês de agosto, o Dr. Cordaro, parteiro reputado, prognosticou a gravidez de gêmeos.
E a 22 de novembro de 1910 minha mulher deu à luz duas filhinhas, sem semelhança entre si, reproduzindo uma, entretanto, em todos os seus traços, as particularidades físicas bem especiais que caracterizavam a fisionomia de Alexandrina, isto é, uma, hiperemia do olho esquerdo, uma ligeira seborréia do ouvido direito, enfim, uma dissemetria pouco acentuada da face.
Em apoio de suas declarações, o Dr. Carmelo Samona traz os atestados de sua irmã Samona Gardini, do Professor Wigley, da Sra. Mercantini, do Marquês Natoli, da PrincesaNiscomi, do Conde de Ranchileile, que todos iam ficando a Par, à medida que elas se produziam, das comunicações obtidas na família do Dr. Carmelo Samona.
Depois do nascimento dessas crianças, dois anos e meio são decorridos, o Dr. Samona escreve à Filosofia della Scienza, dizendo que a semelhança de Alexandrina II com Alexandrina I tudo confirma, não só na parte física como na moral: as mesmas atitudes e brincadeiras calmas; as mesmas maneiras de acariciar a mãe; os mesmos terrores infantis expressos nos mesmos termos, a mesma tendência irresistível para servir-se da mão esquerda, o mesmo modo de pronunciar os nomes das pessoas que a rodeavam. Como Alexandrina I, ela abre o armário dos sapatos, no quarto em que esse móvel se encontra, calça um pé e passeia triunfalmente no quarto. Em uma palavra, refaz, de modo absolutamente idêntico, a existência, na idade correspondente a Alexandrina I.
Não se nota nada de semelhante com Maria Face, sua irmã gêmea.
Compreende-se todo o interesse que apresenta uma observação desta ordem, seguida durante tantos anos por um investigador do valor do Dr. Samona." (158)
O Capitão Florindo Batista, cuja honestidade está ao abrigo de qualquer suspeita, conta na revista "Ultra", de Roma, o seguinte
"No mês de agosto de 1905, minha mulher, que estava grávida de três meses, teve, quando já se havia deitado, mas ainda perfeitamente acordada, uma aparição que a impressionou profundamente. Uma filhinha, morta havia 3 anos, apresentara-se-lhe repentinamente, manifestando alegria infantil e lhe disse, com voz muito doce, as seguintes palavras - Mamãe, eu volto!
Antes que minha mulher tornasse a si da surpresa, a visão desapareceu.
Quando entrei, minha mulher, ainda muito comovida, contou-me sua estranha aventura e eu tive a impressão que era de uma alucinação que se tratava. Mas, não quis combatera convicção em que ela estava, de haver recebida um aviso providencial, e acedi a seu desejo de dar à filhinha que esperávamos o nome de Branca, que era o da sua jovem irmã falecida.
Por essa época eu não tinha noção nenhuma daquilo que aprendi mais tarde e teria chamado louco a quem me viesse falar em reencarnação, porque estava intimamente convencido de que os mortos não renasciam mais.
Seis meses depois, em fevereiro de 1906, minha mulher deu à luz, com felicidade, uma filhinha que se assemelhava inteiramente à sua irmã falecida. Tinha seus olhos muito grandes e seus cabelos espessos e frisados.
Essas coincidências não me desviaram do meu cepticismo materialista, mas minha esposa, muito contente com o favor obtido, convenceu-se, de modo absoluto, de que o milagre setinha dado e que havia posto duas vezes no mundo a mesma criatura.
Hoje a menina tem cerca de 6 anos e, como sua falecida irmã, é muito desenvolvida física e intelectualmente.
A fim de que se compreenda o que vou relatar, devo acrescentar que, durante a vida da primeira Branca, tínhamos como criada uma certa Mary, suíça, que só falava o francês.
Tinha ela importado de suas montanhas uma espécie de canção. Quando minha filhinha morreu, Mary voltou para seu pais e a berceuse se havia completamente apagado de nossas lembranças. Um fato verdadeiramente extraordinário veio trazê-la ao nosso espírito.
Há uma semana, estava eu com minha mulher no meu quarto de trabalho, quando ouvimos ambos, como um eco longínquo, a famosa cantilena; a voz vinha do quarto de dormir onde havíamos deixado nossa filhinha adormecida.
A principio, emocionados e estupefatos, não lhe tínhamos reconhecido a voz; mas, aproximando-nos do quarto donde ela partia, achamos a criança sentada na cama e cantando, com acento nitidamente francês, a cantilena que nenhum de nós lhe houvéramos ensinado.
Minha mulher, evitando parecer muito espantada, perguntou-lhe o que cantava, e a criança, com uma prontidão de pasmar, respondeu que cantava uma canção francesa, posto que não conhecesse desse idioma senão algumas palavras que tinha ouvido pronunciar por suas irmãs.
- Quem te ensinou essa bela canção? - perguntei-lhe. - Ninguém; eu a sei de mim mesma - respondeu-me ela, e acabou de cantá-la alegremente, como se nunca tivesse cantado outra em sua vida."
O Sr. Th. Jaffeux, advogado na Corte de Apelação de Paris, comunica-nos o seguinte fato (5 de março de 1911):
"Desde o começo de 1908, tinha como Espirito-guia uma mulher que havia conhecido em minha infância e cujas comunicações apresentavam um caráter de rara precisão: nomes, endereços, cuidados médicos, predições de ordem familiar, etc.
No mês de junho de 1909, transmitia essa entidade, da parte de Père Henri, diretor espiritual do grupo, o conselho de não prolongar indefinidamente a morada estacionária no Espaço.
A entidade respondeu-me por essa ocasião:
- Tenho a intenção de reencarnar; terei, sucessivamente, três reencarnações muito breves.
Para o mês de outubro de 1909, anunciou-me espontaneamente que ia reencarnar em minha família e designou-me o lugar dessa reencarnação; uma aldeia do Departamento do Eure-et-Loir.
F,.,_. tinha, com efeito, uma prima grávida nesse momento, e fiz a seguinte pergunta:
- Por que sinal poderei reconhecê-la?
- Terei uma cicatriz de dois centímetros do lado direito da cabeça.
A 15 de novembro disse a mesma entidade que, no mês de janeiro seguinte, deixaria de vir, sendo substituída por outro Espírito.
Procurei, desde esse instante, dar a essa prova todo o seu alcance e nada me seria mais fácil, depois de ter feito documentar oficialmente a predição e de conseguir um certificado médico do nascimento da criança.
Infelizmente, encontrei-me em presença de uma família que manifestava uma hostilidade agressiva contra o Espiritismo; estava desarmado.
No mês de janeiro de 1910 a criança nascia com uma cicatriz de dois centímetros do lado direito da cabeça. Ela tem. atualmente, 14 meses."
Indicamos neste capítulo as causas físicas do esquecimento das vidas anteriores. Não será conveniente, ao terminá-lo, colocar-nos em outro ponto de vista e inquirir se esse esquecimento não se justifica por uma necessidade de ordem moral? Para a maior parte dos homens, frágeis "canas pensantes" que o vento das paixões agita, não se nos afigura desejável a recordação do passado; pelo contrário, parece indispensável ao seu adiantamento que as vidas anteriores se lhes apaguem momentaneamente da memória.
A persistência das recordações acarretaria a persistência das idéias errôneas, dos preconceitos de casta,tempo e meio, numa palavra, de toda uma herança mental, de um conjunto de vistas e coisas que nos custaria tanto mais a modificar, a transformar, quanto mais vivo estivesse em nós. Deparar-se-iam assim muitos obstáculos à nossa educação, aos nossos progressos; nossa capacidade de julgar achar-se-ia muitas vezes adulterada desde o berço. O esquecimento, ao contrário, permitindo-nos aproveitar mais amplamente dos estados diferentes que uma nova vida nos proporciona, ajuda-nos a reconstruir nossa personalidade num plano melhor; nossas faculdades e nossa experiência aumentam em extensão e profundidade.
Outra consideração, mais grave ainda. O conhecimento de um passado corrupto, conspurcado, como deve suceder com o de muitos de nós, seria um fardo pesado.
Só uma vontade de rija têmpera pode ver, sem vertigem, desenrolar-se uma longa série de faltas, de desfalecimentos, de atos vergonhosos, de crimes talvez, para pesar-lhes as conseqüências e resignar-se a passar por elas. A maior parte dos homens atuais é incapaz de tal esforço. A recordação das vidas anteriores só pode ser proveitosa ao Espírito bastante evolvido, bastante senhor de si para suportar-lhe o peso sem fraquejar, com suficiente desapego das coisas humanas para contemplar com serenidade o espetáculo de sua história, reviver as dores que padeceu, as injustiças que sofreu, as traições dos que amou. É privilégio doloroso conhecer o passado dissipado, passado de sangue e lágrimas, e é também causa de torturas morais, de íntimas lacerações.
As visões que se lhe vinculam, seriam, na maioria dos casos, fonte de cruéis inquietações para a alma fraca presa nas garras do seu destino. Se as nossas vidas precedentes foram felizes, a comparação entre as alegrias que nos davam e as amarguras do presente, tornaria estas últimas insuportáveis. Foram culpadas? A expectativa perpétua dos males que elas implicam paralisaria a nossa ação, tornaria estéril nossa existência. A persistência dos remorsos e a morosidade da nossa evolução far-nos-iam acreditar que a perfeição é irrealizável!
Quantas coisas, que são outros tantos obstáculos à nossa paz interna, outros tantos estorvos para nossa liberdade, não quiséramos delir da nossa vida atual? Que seria, pois, se a perspectiva dos séculos percorridos se desenrolasse sem cessar, com todos os pormenores, diante da nossa vista? O que importa é trazer consigo os frutos úteis do passado, isto é, as capacidades adquiridas; é esse o instrumento de trabalho, o meio de ação do Espírito. O que constitui o caráter é também o conjunto das qualidades e dos defeitos, dos gostos e das aspirações, tudo o que transborda da consciência profunda para a consciência normal.
O conhecimento integral das vidas passadas apresentaria inconvenientes formidáveis, não só para o individuo, mas também para a coletividade; introduziria na vida social elementos de discórdia, fermentos de ódio que agravariam a situação da Humanidade e obstariam a todo progresso moral. Todos os criminosos da História, reencarnados para expiar, seriam desmascarados; as vergonhas, as traições, as perfídias, as iniqüidades de todos os séculos seriam de novo assoalhadas à nossa vista. O passado acusador, conhecido de todos, tornaria a ser causa de profunda divisão e de vivos sofrimentos.
O homem, que vem a este mundo para agir, desenvolver as suas faculdades, conquistar novos méritos, deve olhar para a frente e não para trás. Diante dele abre-se, cheio de esperanças e promessas, o futuro; a Lei Suprema ordena-lhe que avance resolutamente e, para tornar-lhe a marcha mais fácil, para livrá-lo de todas as prisões, de todo peso, estende um véu sobre o seu passado. Agradeçamos à Providência Infinita que, aliviando-nos da carga esmagadora das recordações, nos tornou mais cômoda a ascensão, a reparação menos amarga.
Objetam-nos, às vezes, que seria injusto ser castigado por faltas que foram esquecidas, como se o esquecimento apagasse a falta! Dizem-nos (159), por exemplo.
,,Uma justiça, que é tramada em segredo e que não podemos pessoalmente avaliar, deve ser considerada como uma iniqüidade."
Mas, antes de mais nada, não há para nós em tudo um mistério? O talozinho da erva que rebenta, o vento que sopra, a vida que se agita, o astro que percorre abóbada silenciosa, tudo são mistérios. Se só devemos acreditar no que compreendemos bem, em que é que havemos então de acreditar?
Se um criminoso, condenado pelas leis humanas, cai doente e perde a memória das suas ações (vimos que os casos de amnésia não são raros), segue-se dai que a sua responsabilidade desaparece ao mesmo tempo em que as suas lembranças? Nenhum poder é capaz de fazer que o passado não tenha existido!
Em muitos casos seria mais atroz saber do que ignorar. Quando o Espírito, cujas vidas distantes foram culpadas, deixa a Terra e as más lembranças se avivam outra vez para ele, quando vê levantarem-se sombras vingadoras, acaso o lamenta o tempo do esquecimento? Acusa a Deus por ter-lhe tirado com a memória das suas faltas a perspectiva das provas que elas implicam?
Basta-nos, pois, conhecer qual é o fim da vida, saber que a Justiça Divina governa o mundo. Cada um está no local que para si fez e não sucede nada que não seja merecido. Não temos por guia nossa consciência e não brilham com vivo clarão, na noite de nossa inteligência, os ensinamentos dos gênios celestes?
O espírito humano, porém, flutua agitado por todos os ventos da dúvida e da contradição. As vezes acha que tudo vai bem e pede novas energias vitais; outras, amaldiçoa a existência e clama o aniquilamento. Pode a Justiça Eterna conformar os seus planos com as nossas vistas efêmeras e variáveis? Na própria pergunta está a resposta. A Justiça é eterna porque é imutável. No caso que nos ocupa, é a harmonia perfeita que se estabelece entre a liberdade dos nossos atos e a fatalidade das suas conseqüências. O esquecimento temporário das nossas faltas não evita o seu efeito. É necessária a ignorância do passado para que toda a atividade do homem se consagre ao presente e ao futuro, para que se submeta à lei do esforço e se conforme com as condições do meio em que renasce.
*
Durante o sono, a alma exerce a sua atividade, pensa, vagueia. Ás vezes remonta ao mundo das causas e torna a encontrar a noção das vidas passadas. Do mesmo modo que as estrelas brilham somente durante a noite, também o nosso presente deve acolher-se à sombra para que os clarões do passado se acendam no horizonte da consciência.
A vida na carne é o sono da alma; é o sonho triste ou alegre. Enquanto ele dura, esquecemos os sonhos precedentes, isto é, as encarnações passadas; entretanto, é sempre a mesma personalidade que persiste nas suas duas formas de existência. Em sua evolução atravessa alternadamente períodos de contração e dilatação, de sombra e de luz. A personalidade retrai-se ou se expande nesses dois estados sucessivos, assim como se perde e torna a encontrar através das alternativas do sono e da vigília, até que a alma, chegada ao apogeu intelectual e moral, acabe por uma vez de sonhar.
Há em cada um de nós um livro misterioso onde tudo se inscreve em caracteres indeléveis. Fechado à nossa vista durante a vida terrena, abre-se no Espaço. O Espírito adiantado percorre-lhe à vontade as páginas; encontra nele ensinamentos, impressões e sensações que o homem material a custo compreende.
Esse livro, o subconsciente dos psiquista, é o que nós chamamos o perispírito. Quanto mais se purifica, tanto mais as recordações se definem; nossas vidas, uma uma, emergem da sombra e desfilam em nossa frente para nos acusarem ou glorificarem. Tudo, os fatos, os atos, pensamentos mínimos, reaparece e impõe-se à nossa atenção. Então o Espírito contempla a tremenda realidade; mede o seu grau de elevação; sua consciência julga sem apelação nem agravo. Como são suaves para alma, nessa hora, as boas ações praticadas, as obras de sacrifício! Como, porém, são pesados os desfalecimentos, as obras de egoísmo e iniqüidade!
Durante a reencarnação, é preciso relembrá-lo, a matéria cobre o perispírito com seu manto espesso; comprime, apaga-lhe as radiações. Daí o esquecimento. Livre
Desse laço, o Espírito elevado readquire a plenitude da sua memória; o Espírito inferior mal se lembra da sua última existência; é para ele o essencial, pois que ela é a soma dos progressos adquiridos, a síntese de todo o seu passado; por ela pode avaliar sua situação. Aqueles, cujo pensamento não se penetrou, no nosso mundo, da noção das preexistências, ignoram por muito tempo suas vidas primitivas, as mais afastadas. Daí a afirmação de numerosos Espíritos, em certos países, de que a reencarnação não é uma lei. Esses tais não interrogaram as profundezas do seu ser, não abriram o livro fatídico onde tudo está gravado. Conservam os preconceitos do meio terrestre em que viveram, e estes preconceitos, em vez de incitá-los àquela investigação, dissuadem-nos dela.
Os Espíritos superiores, por sentimento de caridade, conhecendo a fraqueza dessas almas, julgando que o conhecimento do passado não lhes é ainda necessário, evitam atrair-lhes para esse ponto a atenção, a fim de lhes pouparem a vista de quadros penosos. Mas, chega um dia em que, pelas sugestões do Alto, sua vontade desperta e rebusca nos recessos da memória. Então as vidas anteriores lhes aparecem como miragem longínqua. Há de chegar o tempo em que, estando mais disseminado o conhecimento dessas coisas, todos os Espíritos terrestres, iniciados por uma forte educação na lei dos renascimentos, verão o passado desenrolar-se na sua frente logo depois da morte e até, em certos casos, durante esta vida. Terão ganhado a força moral necessária para afrontarem esse espetáculo sem fraquejar.
Para as almas purificadas a recordação é constante. O Espírito elevado tem o poder de reviver à vontade no passado, no presente e no misterioso futuro, cujas profundidades se iluminam, por instantes, para ele, com rápidos clarões, para em seguida mergulharem nas sombras do desconhecido.
XV. - As vidas sucessivas. As crianças prodígio e hereditariedade
Podem-se considerar certas manifestações precoces do gênio como outras tantas provas das preexistências, no sentido de serem uma revelação dos trabalhos realizados pela alma em outros ciclos anteriores.
Os fenômenos deste gênero, de que fala a História, não podem ser fatos desconexos, desligados do passado, produzindo-se ao acaso no vácuo dos tempos e do espaço; demonstram, ao contrário, que o princípio organizador da vida em nós é um ser que chega a este mundo com um passado inteiro de trabalho e evolução, resultado de um plano traçado e de um alvo para o qual ele se dirige através de suas existências sucessivas.
Cada encarnação encontra, na alma que recomeça vida nova, uma cultura particular, aptidões e aquisições mentais que explicam sua facilidade para o trabalho e seu poder de assimilação; por isso dizia Platão: "Aprender é recordar-se!"
A lei da hereditariedade vem muitas vezes obstar, até certo ponto, a essas manifestações da individualidade, porque é com os elementos' que a hereditariedade lhe fornece que o Espírito põe a seu jeito o seu invólucro; contudo, a despeito das dificuldades materiais, vê-se manifestarem-se em certos seres, desde a mais tenra idade, faculdades de tal modo superiores e sem nenhuma relação com as dos seus ascendentes, que não se pode, não obstante todas as sutilezas da casuística materialista, relacioná-las com qualquer causa imediata e conhecida.
Tem-se citado muitas vezes o caso de Mozart, executando tuna sonata no piano aos 4 anos e, aos 8, compondo uma ópera. Paganini e Teresa Milanollo, ainda crianças, tocavam violino de maneira maravilhosa. Liszt,Beethoven e Rubinstein faziam-se aplaudir aos 10 anos. michelangelo e Salvatore Rosa revelaram-se de repente com talentos imprevistos. Pascal, aos 12 anos, descobriu a geometria plana, e Rembrandt, antes de saber ler, desenhava como um grande mestre. (160)
Napoleão fez-se notar por sua aptidão prematura para a guerra. Já na infância, não brincava de soldadinho como as crianças de sua idade, mas com um método extraordinário, que parecia ser invenção sua.
O século dezesseis legou-nos a memória de um poliglota prodigioso, Jacques Chrichton, que Scaliger denominava um "gênio monstruoso". Era escocês e, aos 15 anos, discutia em latim, grego, hebraico ou árabe, sobre qualquer assunto. Havia conquistado o grau de mestre aos 14 anos.
Henrique de Heinecken, nascido em Lübeck, em 1721, falou quase ao nascer; aos 2 anos sabia três línguas; aprendeu a escrever em alguns dias e dentro de pouco tempo exercitava-se em pronunciar pequenos discursos; com 2 anos e meio fez exame de Geografia e História antiga e moderna. Seu único alimento era o leite da ama; quiseram desmamá-lo, depereceu e extinguiu-se em Lübeck, em 27 de junho de 1725, de 5 para 6 anos de idade, afirmando suas esperanças na outra vida. "Era, dizem as "Mémoires de Trévoux", delicado, enfermiço, e muitas vezes estava doente." Esta criança fenomenal teve completo conhecimento de seu próximo fim. Falava disso com serenidade pelo menos tão admirável como sua ciência prematura e quis consolar os pais dirigindo-lhes palavras de alento que ia buscar às crenças comuns.
A História dos últimos séculos assinala grande número dessas crianças-prodígio.
O jovem Van der Kerkhove, de Bruges, morreu aos 10 anos e 11 meses, em 12 de agosto de 1873, deixando 350 pequenos quadros magistrais, alguns dos quais, diz adolphe Siret, membro da Academia Real de Ciências, Letras e Belas-Artes, da Bélgica, poderiam ser assinados por Diaz, Salvatore Rosa, Corot, Van Goyen, etc.
Outro menino, William Hamilton, estudava o hebraico aos 3 anos, e aos 7 possuía conhecimentos mais extensos do que a maior parte dos candidatos ao magistério. "Estou vendo-o ainda, dizia um de seus parentes, responder a uma pergunta difícil de Matemática, afastar-se depois, correndo aos pulinhos e puxando o carrinho com que andava a brincar." Aos 13 anos conhecia doze línguas, aos 18 pasmava toda a gente da vizinhança, a tal ponto que um astrônomo irlandês dizia dele: "Eu não digo que ele será, mas que já é o primeiro matemático do seu tempo."
Neste momento a Itália se honra de possuir um lingüista fenomenal, o Sr. Trombetti, que excede muito aos seus antigos compatriotas, o célebre Pico de Mirandola o prodigioso Mezzofanti, o cardeal que discursava em setenta línguas.
Trombetti nasceu de uma família de bolonheses pobres e completamente ignorantes. Aprendeu sozinho, na escola primária, francês e alemão e, no fim de dois meses, lia Voltaire e Geethe ; o árabe aprendeu-o com a simples leitura da vida de Abd-el-Kader, escrita na mesma língua. Um persa, de passagem por Bolonha, ensinou-lhe a sua língua em algumas semanas. Aos doze anos aprendeu, por si só e simultaneamente, latim, grego, e hebraico, depois estudou quase todas as línguas vivas ou mortas. Seus amigos asseveram que ele conhece hoje cerca de trezentos dialetos orientais; o Rei da Itália nomeou-o professor de Filologia na Universidade de Bolonha.
No Congresso Internacional de Psicologia de Paris, em 1900, o Sr. Ch. Richet, da Academia de Medicina, apresentou em assembléia geral, reunidas todas as seções, um menino espanhol de 3 anos e meio de idade, chamado Pepito Arriola, que toca e improvisa ao piano árias variadas, muito ricas de sonoridade. Reproduzimos a comunicação feita pelo Sr. Ch. Richet aos congressistas na sessão de 21 de agosto de 1900, a respeito desse menino, antes da sua audição musical (161)
"Vou transcrever fielmente o que diz sua mãe do modo por que descobriu os extraordinários dons musicais do jovem Pepito.
- "Tinha o menino 2 anos e meio, pouco mais ou menos, quando, pela primeira vez, se me depararam casualmente as suas aptidões musicais. Nessa época recebi de um amigo meu, músico, uma composição de sua lavra e pus-me a tocá-la ao piano com bastante freqüência. 19 provável que o menino a ouvisse com atenção, mas não reparei nisso. Ora, certa manhã ouço tocar numa sala contígua a mesma ária, com tanta mestria e justeza, que quis saber quem era que assim tomava a liberdade de tocar piano em minha casa. Entrei na sala e vi o meu pequeno, que estava só, a tocar a ária; estava sentado num assento alto para onde subira sozinho e, ao ver-me, pôs-se a rir e disse-me: "Que me diz, mamãe?" Acreditei que se realizava um verdadeiro milagre."
A partir desse momento o pequeno Pepito continuou a tocar, sem que sua mãe lhe tenha dado lições, às vezes as árias que ela própria tocava diante dele ao piano, outras vezes, árias que ele inventava.
Não tardou que tivesse capacidade suficiente, sem se poder, contudo, dizer que se trate de verdadeiros progressos, para permitir-lhe, no dia 4 de dezembro de 1899, isto é, com3 anos incompletos, tocar diante de um auditório bastante numeroso de críticos e músicos; em 26 de dezembro, isto é, com 3 anos e 12 dias, tocou no Palácio Real de Madrid diante do Rei e da Rainha Mãe. Nessa ocasião tocou seis composições musicais de sua lavra, que foram notadas.
Não sabe ler, quer se trate de música, quer do alfabeto; não tem talento especial para o desenho, mas se entretém às vezes a escrever árias musicais, escrita que não tem, entenda-se bem, nenhum sentido. É, entretanto, engraçado vê-lo pegar num papelzinho, pôr-lhe como cabeçalho umas garatujas (que significam, parece, a natureza do trecho, sonata, habanera ou valsa, etc.) ; depois, por baixo, figurar linhas que serão a pauta, com uma borradela que quer dizer clave de sol e linhas pretas que, afirma ele, são notas. Olha, então, para esse papel, com satisfação, põe-no no piano e diz: "Vou tocar isto" e, com efeito, tendo diante da vista esse papel informe, improvisa de maneira admirável.
Para metodicamente estudar a maneira como ele toca piano, separarei a execução da invenção.
Execução - A execução é infantil; vê-se que ele imaginou a dedilhação em todas as suas partes sem nenhuma lição. Tem, não obstante, dedilhação bastante desembaraçada, tanto quanto lho permite a pequenez da mão, que não abrange a oitava. Para resolver a dificuldade imaginou, o que é curioso, substituir a oitava por arpejos habilmente executados e muito rápidos. Toca com as duas mãos, que muitas vezes cruza para obter certos efeitos ou certas harmonias. As vezes também, como os pianistas de nomeada, levanta a mão a grande altura, com a maior seriedade, para deixá-la cair exatamente na nota que quer. Não é provável que isso lhe tenha sido ensinado, porque, na maneira de tocar de sua mãe, que aliás tem boa execução, nada há de análogo. Pode tocar árias de bravura com agilidade por vezes admirável e vigor surpreendente numa criança de sua idade; mas, apesar dessas qualidades, força é reconhecer que a execução é desigual. De repente, depois -de alguns momentos de prelúdio, põe-se a tocar, como se estivesse inspirado, com agilidade e precisão.
Ouvi-o tocar trechos de muita dificuldade, uma habanera galiciana e a Marcha turca de Mozart, com habilidade em certas passagens.
A harmonia, ainda mais do que a dedilhação, é extraordinária. Acha, quase sempre, o acorde justo e, se hesita, como lhe sucede no princípio de um trecho, tateia alguns segundos; depois, continuando, acha a verdadeira harmonia. Não se trata de uma harmonia muito complicada; quase sempre consiste em acordes de muita simplicidade; mas por vezes inventa alguns que causam grande surpresa.
Para falar com rigor, o que mais assombra não é a dedilhação, nem a harmonia, nem a agilidade, mas a expressão; tem uma riqueza de expressão admirável. Seja triste, alegre, marcial ou enérgico o trecho musical, a expressão é arrebatadora. Uma vez fiz tocar à mãe a mesma música que a ele. Sem dúvida, ela tocava-a muito melhor, sem notas erradas, nem hesitações, nem tateios, nem repetições, mas o bebezinho tinha muito mais expressão.
Muitas vezes mesmo é tão forte essa expressão, tão trágica até em certas árias melancólicas ou fúnebres, que a sensação de que Pepito não pode, com a sua dedilhação imperfeita, exprimir todas as idéias musicais que nele fremem, "de maneira que quase me atreveria a dizer que ele é muito maior músico do que parece..."
Não somente executa as músicas que acaba de ouvir tocar no piano, mas pode também, posto que com mais dificuldade, executar ao piano as árias que ouviu cantar. Causa pasmo vê-lo então achar, imaginar, reconstituir os acordes do contraponto e da harmonia, como o poderia fazer um músico perito." Numa experiência feita há pouco tempo, um amigo meu cantou-lhe uma melodia muito complexa. Depois de tê-la ouvido cinco ou seis vezes, sentou-se ao piano, dizendo que se tratava de uma habanera, o que era verdade, e repetiu-a, senão no todo, pelo menos nas partes essenciais.
Invenção - muitas vezes bem difícil, quando se ouve um improvisador, distinguir o que é invenção do que é reprodução, pela memória, de árias e trechos musicais já ouvidos.
E certo, entretanto, que, quando Pepito se põe a improvisar, raras vezes lhe falha a inspiração e acha, muitas vezes, melodias extremamente interessantes, que pareceram mais ou menos originais a todos os assistentes. Há uma introdução, um meio, um fim; há, ao mesmo tempo, uma variedade e uma riqueza de sons que talvez admirassem, se tratasse de um músico de profissão, mas que, numa criança de três anos e meio, causam verdadeira estupefação."
Desde essa época prosseguiu o jovem artista o curso dos seus triunfos cada vez maiores. Tendo-se feito violinista incomparável, causa a admiração do mundo musical com o seu talento prematuro.
Deu também muitos concertos em Leipzig e representações musicais em S. Petersburgo. (162) Assinalavam de Rennes, a 28 de novembro de 1911, ao "Le Matin", o caso de outra criança musicista:
"Nossa cidade possui um novo Mozart. Esse pequeno prodígio, filho de um empregado da Posta, nasceu em Rennes a 8 de outubro de 1904; tem, pois, 7 anos e dois meses. O jovem Renê Guillon, tal é o nome dessa criança extraordinária, compõe, não obstante sua idade, e executa ao piano sinfonias, sonatas, melodias, fugas, duos para piano e violão, duos para violões. Ainda bebe já parecia com disposições para o desenho; sentiu inclinação muito viva para a música, em seguida à audição da Marcha fúnebre de Chopin, executada pela banda do 419 de Linha. Posto que nunca tivesse tocado um único instrumento, assim que entrou em casa dos pais, pôs ao piano e executou a célebre peça.
Desde esse momento, começou a compor, ao correr da inspiração, pedaços de música que fazem a admiração dos professores do Conservatório."
Ajuntemos a essa lista dos meninos músicos o nome de Willy Ferreros que, com a idade de 4 anos e meio, dirigia com maestria a orquestra do "Folies-Bergère", de Paris, depois a do Cassino de Lyon. Eis o que a seu respeito nos diz, no número de 17 de fevereiro de 1911, a revista "Comédia"
"E um homenzinho que traz já garbosamente o traje negro, as calças de cetim, o colete branco e as botinas de verniz. Tendo na mão a batuta, dirige com desembaraço, segurança e precisão incomparáveis uma orquestra de 80 músicos, sempre atento às menores particularidades, escrupuloso observador do ritmo...
Há dias, ao acaso de uma viagem ao Meio-dia (Sul da França), o Sr. Clément Baunel descobriu esse pequeno prodígio; entusiasmou-se com tal instinto musical e trouxe o menino para Paris, que conquistou desde ontem à tarde. Ao correr da revista do Folies-Bergère, Willy Ferreros regeu, com os Cadets de Souza, a Sylvia, de Léo Delibes. Foi um extraordinário acontecimento."
O "Intransigeant", de 22 de junho de 1911, acrescenta que ele é igualmente admirável na direção das "Sinfonias" de Haydn, na marcha do "Tannhauser" e na "Dança de Anitra", de Grieg.
Citemos também "Le Soir", de Bruxelas (163), na enumeração que faz de algumas crianças notáveis de além-mar:
"Entre os rapazes prodígios do Novo Mundo, devemos citar um, o engenheiro George Steuber, que conta 13 primaveras, e Harry Dugan, que ainda não completou nove anos.
Harry Dugan acaba de fazer uma excursão de 1.000 milhas (cerca de 1.600 quilômetros) através da República estrelada, onde realizou negócios colossais para a casa que representa.
Por mais incrível que pareça, a Universidade de Nova Orleans acaba de passar diploma de médico a um estudante com 5 anos de idade, chamado Willie Gwin. Os examinadores declararam depois, em sessão pública, que o novel Esculápio era o mais sábio osteólogo a que haviam passado diploma. Willie Gwin é filho de um médico conhecido.
A este propósito, os jornais transatlânticos publicam uma lista de meninos-prodígio. Um deles, mal contando onze anos de idade, fundou recentemente um jornal intitulado The Sanny Home, cuja tiragem, no terceiro número, era já de 20.000 exemplares. Pierre Loti e Sully Prudhomme são colaboradores do Chatterton americano.
Entre os pregadores célebres dos Estados Unidos, cita-se o jovem Dennis Mahan, de Montana, que, desde 6 anos, causava pasmo aos fiéis pelo seu profundo conhecimento das Escrituras e pela eloqüência da sua palavra."
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Juntemos a esta lista o nome do famoso engenheiro sueco Ericson, que, aos 12 anos, era inspetor no grande canal marítimo de Suez e tinha às suas ordens 600 operários. (164)
Voltemos ao problema das crianças-prodígio e examinemo-lo nos seus diferentes aspectos. Duas hipóteses foram aventadas para explicá-lo: a hereditariedade e a mediunidade.
A hereditariedade é, ninguém o ignora, a transmissão das propriedades de um indivíduo aos seus descendentes; as influências hereditárias são consideráveis nos dois pontos de vista, físico e psíquico. A transmissão do temperamento, dos traços do caráter e da inteligência de pais a filhos, é muito sensível em certas pessoas. Por diferentes títulos, encontramos em nós não somente as particularidades orgânicas dos nossos progenitores diretos ou dos nossos antepassados, mas também suas qualidades ou seus defeitos.
No homem atual, revive a misteriosa linhagem inteira de seres, de cujos esforços seculares para uma vida mais elevada e completa ele é o resumo; mas, a par das analogias, há divergências mais consideráveis. Os membros de uma mesma família, posto que apresentando semelhanças, traços comuns, oferecem também, às vezes, diferenças que se destacam bem. O fato pode ser verificado por toda parte, ao redor de nós, em cada família, em irmãos e irmãs e até em gêmeos. Muitos destes, de semelhança física nos primeiros anos, a ponto de custar a diferençá-los um do outro, apresentam no decurso do seu desenvolvimento diferenças sensíveis de feições, caráter e inteligência.
Para explicar essas dessemelhanças será, pois, necessário fazer intervir um novo fator na solução do problema; serão os antecedentes do ser, que lhe permitiram aumentar suas faculdades, sua experiência, de vidas em vidas e constituir-se uma individualidade, trazendo um cunho próprio de originalidade e as próprias aptidões.
Só a lei dos renascimentos poderá fazer-nos compreender como certos Espíritos, encarnados, mostram, desde os primeiros anos, a facilidade de trabalho e a assimilação que caracterizam as crianças-prodígio. São os resultados de imensos labores que familiarizaram esses Espíritos com as artes ou as ciências em que primam. Longas investigações, estudos, exercícios seculares deixaram impressas no seu invólucro perispiritual marcas profundas que geram uma espécie de automatismo psicológico. Nos músicos, notadamente, essa faculdade cedo se manifesta, por processos de execução que espantam os mais indiferentes e deixam perplexos sábios como o Prof. Ch. Richet.
Existem, nesses jovens, reservas consideráveis de conhecimentos armazenados na consciência profunda e que, daí, transbordam para a consciência física, de modo que produzem as manifestações precoces do talento e do gênio. Posto que parecendo anormais, não são, entretanto, mais do que conseqüência do labor e dos esforços continuados através dos tempos. É: a essa reserva, a esse capital indestrutível do ser, que F. Myers chama consciência subliminal e que se encontra em cada um de nós; revela-se não só no senso artístico, científico ou literário, mas também por todas as aquisições do Espírito, tanto na ordem moral, quanto na ordem intelectual.
A concepção do bem, do justo, a noção do dever, são muito mais vivas em certos indivíduos e em certas raças do que noutros; não resultam somente da educação atual, como se pode reconhecer por uma observação atenta dos indivíduos nas suas impulsões espontâneas, mas também do cabedal próprio que trazem ao nascer. A educação desenvolve esses germens nativos, faz se expandam e produzam todos os seus frutos; mas, por si só, seria incapaz de incubar tão profundamente aos recém-vindos as noções superiores que lhes dominam toda a existência, o que cotidianamente é verificado nas raças inferiores, refratárias a certas idéias morais e sobre quem a educação pouca influência tem.
Os antecedentes explicam, igualmente, as anomalias estranhas de seres com caráter selvagem, indisciplinado, malfazejo, que aparecem de repente em centros honestos civilizados. Têm-se visto filhos de boa família cometerem roubos, atearem incêndios, praticarem crimes com audácia e habilidade consumadas, sofrerem condenações e desonrarem o nome que usavam; em certas crianças citam-se atos de ferocidade sanguinária que não encontram explicação nem nos seus próximos parentes, nem na sua ascendência. Adolescentes, por exemplo, matam os animais domésticos que lhes caem nas mãos, depois de os terem torturado com rematada crueldade.
Em sentido oposto podem registrar-se casos de dedicação, extraordinários pela idade dos que os praticam; salvamentos são efetuados com reflexão e decisão por crianças de dez anos e de menos idade. Tais indivíduos,como os precedentes, parecem trazer para este mundo disposições particulares que não se encontram nos seus parentes. Assim como se vêem anjos de pureza e doçura nascerem e crescerem em meios grosseiros e depravados, assim também se encontram ladrões e assassinos em famílias virtuosas, num e noutro caso em condições tais que nenhum precedente atávico pode dar a chave do enigma.
Todos estes fenômenos, na sua variedade infinita, têm sua origem no passado da alma, nas numerosas vidas humanas que ela percorreu; cada um traz ao nascer os frutos da sua evolução, a intuição do que aprendeu, as aptidões adquiridas nos diversos domínios do pensamento e da obra social, na Ciência, no comércio, na indústria, na navegação, na guerra, etc. ; traz habilidade para tal coisa de preferência a tal outra, segundo a sua atividade se exercitou num ou noutro sentido.
O Espírito tem capacidade para os estudos mais diversos; mas, no curso limitado da vida terrestre, por efeito das condições ambientes, por causa das exigências materiais e sociais, geralmente só se aplica ao estudo de um número restrito de questões e, desde que sua vontade se encaminhou para qualquer dos vastos domínios do saber, em razão das suas tendências e das noções em si acumuladas, sua superioridade neste sentido declara-se e define cada vez mais; repercute de existência em existência, revelando-se, em cada vinda à arena terrestre, por manifestações cada vez mais precoces e mais acentuadas. Daí, as crianças-prodígio e, em forma menos distinta, as vocações, as predisposições nativas; daí, o talento, o gênio, que são o resultado de esforços perseverantes e contínuos para um objetivo determinado.
Que a alma é chamada, todavia, a entrar na posse de todas as formas do saber e não a restringir-se a algumas necessidades de estágios sucessivos, demonstra-se pelo simples fato da lei de um desenvolvimento sem limites. Do mesmo modo que a prova das vidas anteriores é estabelecida pelas aquisições realizadas antes do nasci mento, a necessidade das vidas futuras impõe-se como conseqüência dos nossos atos atuais, conseqüência que, para campo de ação, exige condições e meios em harmonia com o estado das almas. Atrás de nós temos um infinito de promessas e esperanças; mas, de todo esse esplendor de vida, a maior parte dos homens só vê e só quer ver o mesquinho fragmento da existência atual, existência de um dia, que eles crêem sem véspera e sem amanhã. Daí a fraqueza do pensamento filosófico e da ação moral na nossa época.
O trabalho anterior que cada Espírito efetua pode ser facilmente calculado, medido pela rapidez com que ele executa de novo um trabalho semelhante, sobre um mesmo assunto, ou também pela prontidão com que assimila os elementos de uma ciência qualquer. Deste ponto de vista, é de tal modo considerável a diferença entre os indivíduos, que seria incompreensível sem a noção das existências anteriores.
Duas pessoas igualmente inteligentes, estudando determinada matéria, não a assimilarão da mesma forma; uma alcançar-lhe-á à primeira vista os menores elementos, a outra só à custa de um trabalho lento e de uma aplicação porfiada conseguirá penetrá-la. É que uma já tem conhecimento dessa matéria e só precisa recordá-la, ao passo que a outra se encontra pela primeira vez dentro de tais questões. O mesmo se dá com certas pessoas que facilmente aceitam tal verdade, tal princípio, tal ponto de uma doutrina política ou religiosa, ao passo que outras só com o tempo e à força de argumentos se convencem ou deixam de convencer-se. Para umas é coisa familiar ao seu espírito, e estranha para outras. Vimos que as mesmas considerações são aplicáveis à variedade tão grande de caracteres e das disposições morais. Sem a noção das preexistências, a diversidade sem limites das inteligências e das consciências ficaria sendo um problema insolúvel e a ligação dos diferentes elementos do "eu", num todo harmonioso, tornar-se-ia fenômeno sem causa.
O gênio, dizíamos, não se explica pela hereditariedade nem pelas condições do meio. Se a hereditariedade pudesse produzir o gênio, ele seria muito mais freqüente. A maior parte dos homens célebres teve ascendentes de inteligência medíocre e sua descendência foi-lhes notoriamente inferior. Sócrates e Joana d'Arc. nasceram de famílias obscuras. Sábios ilustres saíram dos centros mais vulgares, por exemplo: Bacon, Copérnico, Galvani, Kepler, Hume, Kant, Locke, Malebranche, Réaumur, Spinoza, Laplace, etc. J.-J. Rousseau, filho de um relojoeiro, apaixona-se pela Filosofia e pelas Letras na loja do seu pai; D'Alembert, enjeitado, foi encontrado na soleira da porta de uma igreja e criado pela mulher de um vidreiro. Nem a ascendência nem o meio explicam as concepções geniais de Shakespeare.
Os fatos não são menos significativos, quando consideramos a descendência dos homens de gênio. Seu poder intelectual desaparece com eles, não se encontra em seus filhos. A prole conhecida de tal ou tal grande poeta ou matemático é incapaz das obras mais elementares nestas duas espécies de trabalhos; a maior parte dos homens ilustres teve filhos estúpidos ou indignos. Péricles gerou dois patetas, que foram Parallas e Xântipo. Dessemelhanças de outra natureza, mas igualmente acentuadas, encontram-se em Aristipo e seu filho Lisímaco, em Tucídides e Milésias. Sófocles, Aristarco e Temístocles não foram mais felizes com os filhos. Que contraste entre Germânico e Calígula, entre Cícero e seu filho, Vespasiano e Domiciano, Marco Aurélio e Cômodo!
E que dizer dos filhos de Carlos Magno, de Henrique IV, de Pedro, o Grande, de Gaethe, de Napoleão?
Há, contudo, casos em que o talento, a memória, a imaginação, as mais altas faculdades do espírito parecem hereditárias. Essas semelhanças psíquicas entre pais e filhos explicam-se pela atração e simpatia; são Espíritos similares atraídos uns para os outros por inclinações análogas e que antigas relações uniram. Generans generat sibi svmile. Tal fato pode, no que diz respeito às aptidões musicais, ser verificado nos casos de Mozart e do jovem pepito, os quais são, no entanto, muito superiores aos seus ascendentes. Mozart brilha entre os seus como um sol entre planetas obscuros. As capacidades musicais da sua família não bastam para fazer-nos compreender que aos quatro anos tenha podido revelar conhecimentos que ninguém lhe havia ensinado e mostrar ciência profunda das leis da Harmonia. De todos os Mozart, foi o único que* se tornou célebre. Evidentemente as altas Inteligências, a fim de manifestarem com mais liberdade suas faculdades, escolhem, para reencarnar, um meio em que haja comunhão de gostos e em que os organismos materiais se vão, de geração em geração, acomodando às aptidões, cuja aquisição elas prosseguem. Dá-se isso particularmente com os grandes músicos, para quem condições especiais de sensação e percepção são indispensáveis; mas, na maior parte dos casos, o gênio aparece no seio de uma família, sem antecessor nem sucessor no encadeamento das gerações. Os grandes gênios moralizadores, os fundadores de religiões, Lao-Tse, Buda, Zaratustra, Cristo e Maomé pertencem a esta classe de Espíritos, à mesma classe pertencem também poderosas Inteligências que tiveram neste mundo os nomes imortais de Platão, Dante, Newton, G. Bruno, etc.
Se as exceções fulgurantes ou funestas, criadas numa família pelo aparecimento de um homem de gênio ou de um criminoso fossem simples casos de atavismo, dever-se-ia encontrar na genealogia respectiva o avoengo que serviu de modelo, de tipo primitivo a essa manifestação; ora, quase nunca isso se dá, quer num, quer noutro sentido. Poderiam perguntar-nos como conciliaremos estas dessemelhanças com a lei das atrações e das semelhanças, que parece presidir à aproximação das almas? A penetração em certas famílias de seres sensivelmente superiores ou inferiores, que vêm dar ou receber ensinamento, exercer ou sofrer novas influências, é facilmente explicável; pode resultar do encadeamento dos ensinos comuns que, em certos pontos, se tornam a unir e se enlaçam como conseqüência de afeições ou ódios mútuos do passado, forças igualmente atrativas que reúnem as almas em planos sucessivos na vasta espiral de sua evolução.
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Seria possível explicar pela mediunidade os fenômenos acima apontados? Alguns o tentaram. Nós mesmos, numa obra precedente (165), reconhecemos que o gênio deve muito à inspiração e que esta é uma das formas da mediunidade. Mas, acrescentávamos que, mesmo nos casos em que esta faculdade especial nitidamente se desenha, não se pode considerar o homem de gênio como um simples instrumento, assim como o é, antes de tudo, o médium propriamente dito. O gênio, dissemos nós, é principalmente aquisição do passado, o resultado de pacientes estudos seculares, de lenta e dolorosa iniciação. Estes antecedentes desenvolveram no ser uma profunda sensibilidade que o torna acessível às influências elevadas.
Há diferenças apreciáveis entre as manifestações intelectuais das crianças-prodígio e a mediunidade tomada no seu sentido geral. Esta tem um caráter intermitente, passageiro, anormal. O médium não pode exercer sua faculdade a cada momento, são precisas condições especiais, difíceis, às vezes, de reunir, ao passo que as crianças-prodígio podem utilizar seus talentos a cada passo, constantemente, como nós mesmos o podemos fazer com as nossas próprias aquisições mentais.
Se analisarmos com cuidado os casos apontados, reconheceremos que o gênio dos jovens prodígios lhes é muito pessoal; a aplicação dele é regulada por sua própria vontade. Suas obras, por mais originais e admiráveis que pareçam, ressentem-se sempre da idade de seus autores e não têm o cunho que apresentariam se emanassem de uma alta Inteligência estranha. Há em sua maneira de trabalhar e proceder ensaios, perplexidades, tateamentos, que não se produziriam se eles fossem os instrumentos passivos de uma vontade superior e oculta; foi o que verificamos nomeadamente em Pepito, de cujo caso nos ocupamos mais largamente.
Seria também admissível, sem daí advir enfraquecimento para a doutrina da reencarnação, que em certos indivíduos estas duas coisas: a aquisição pessoal e a inspiração exterior se combinem e completem uma pela outra.
E sempre a esta doutrina que se deve ir buscar armas quando se trata de atacar, por qualquer lado que seja, o problema das desigualdades. As almas humanas estão mais ou menos desenvolvidas segundo suas idades e, principalmente, segundo o emprego que fizeram do tempo que têm vivido; não fomos todos lançados no mesmo instante ao turbilhão da vida; não temos caminhado todos a passo igual, não temos desfiado todos do mesmo modo o rosário de nossas existências. Percorremos uma estrada infinita. Daí procede a razão por que tão diferentes nos parecem as nossas situações e os nossos valores respectivos; mas, para todos o alvo é o mesmo. Sob o açoite das provas, o aguilhão da dor, sobem todos, todos se elevam. A alma não é feita de uma vez só; a si mesma se faz, se constrói através dos tempos. Suas faculdades, suas qualidades, seus haveres intelectuais e morais, em vez de se perderem, capitalizam-se, aumentam, de século para século. Pela reencarnação cada qual vem para prosseguir nesse trabalho, para continuar a tarefa de ontem, a tarefa de aperfeiçoamento que a morte interrompeu. Daí a brilhante superioridade de certas almas que têm vivido muito, granjeado muito, trabalhado muito. Daí os seres extraordinários que aparecem aqui e ali na História e projetam vivos clarões no caminho que a Humanidade percorre. Sua superioridade vem somente da experiência e dos labores acumulados.
Considerada a esta luz, a marcha da Humanidade reveste aspecto grandioso. A Humanidade vai, vagarosamente, saindo da escuridão das idades, emerge das trevas da ignorância e da barbaria e avança pausadamente no meio dos obstáculos e das tempestades; sobe pela via áspera e, a cada volta do caminho, lobriga melhor os altos cimos: as cumeadas luminosas onde imperam a sabedoria, a espiritualidade, o amor.
Esta marcha coletiva é também a marcha individual, a de cada um de nós, porque essa humanidade somos nós mesmos, são os mesmos seres que, depois de certo tempo
de descanso no Espaço, voltam, de século a século, até que estejam preparados para uma sociedade melhor, para um mundo mais belo. Fizemos parte das gerações extintas e havemos de pertencer às gerações futuras. Formamos, na realidade, uma imensa família humana em marcha para realizar o plano divino nela escrito, o plano dos seus magníficos destinos.
Para quem quer prestar atenção, um passado inteiro vive e freme em nós. Se a História, se todas as coisas antigas têm tantos atrativos a nossos olhos, se avivam em nossas almas tantas impressões profundas, às vezes dolorosas, se nos sentimos viver a vida dos homens de outrora, sofrer os seus males, é porque essa história é a nossa. A solicitude com que estudamos, com que agasalhamos a obra de nossos antepassados, as impulsões súbitas que nos levam para tal causa ou tal crença, não têm outra razão de ser. Quando percorremos os anais dos séculos, apaixonando-nos por certas épocas, quando todo o nosso ser se anima e vibra às recordações heróicas da Grécia ou da Gália, da Idade Média, das Cruzadas, da Revolução, é o passado que sai da sombra, que se anima e revive. Através da teia urdida pelos séculos, tornamos a encontrar as próprias angústias, as aspirações, os dilaceramentos de nosso ser. Momentaneamente esta recordação está em nós coberta por um véu; mas, se interrogássemos nossa subconsciência, ouviríamos sair das suas profundezas vozes, às vezes vagas e confusas, outras vezes estridentes. Estas vozes falar-nos-iam de grandes epopéias, de migrações de homens, de cavalgadas furiosas que passam como furacões, arrebatando tudo para a escuridão e para a morte, entreter-nos-iam também com as vidas humildes, despercebidas, com as lágrimas silenciosas, com os sofrimentos esquecidos, com as horas pesadas e monótonas passadas a meditar, a produzir, a orar no silêncio dos claustros ou com a vulgaridade das existências pobres e desgraçadas.
A certas horas, um mundo inteiro obscuro, confuso, misterioso, acorda e vibra em nós, um mundo, cujos murmúrios, cujos rumores nos comovem e nos inebriam. É, a voz do passado. No transe do sonambulismo é ela que nos fala e nos conta as vicissitudes da nossa pobre alma, errante através do mundo; diz-nos que o nosso "eu" atual é feito de numerosas personalidades, que nele se vão juntar como os afluentes num rio; que o nosso princípio de vida animou muitas formas, cuja poeira repousa entre os destroços dos impérios, sob os restos das civilizações extintas. Todas essas existências deixaram, no mais profundo de nós mesmos, vestígios, lembranças, impressões indeléveis.
O homem que se estuda e observa, sente que tem vivido e que há de viver; herda de si mesmo, colhendo no presente o que semeou no passado e semeando para o futuro.
Assim se afirmam a beleza e a grandeza da concepção das vidas sucessivas, que vêm completar a lei de evolução entrevista pela Ciência. Exercendo sua ação simultaneamente em todos os domínios, ela distribui a cada um, segundo suas obras, e mostra-nos, acima de tudo, essa majestosa lei do progresso, que rege o Universo e dirige a Vida para estados cada vez mais belos, cada vez melhores.
XVI. - As vidas sucessivas. - Objeções e críticas
Já respondemos às objeções que, logo à primeira vista, o esquecimento das vidas anteriores traz ao pensamento; resta-nos refutar outras de caráter já filosófico, já religioso, que os representantes das igrejas opõem, de boamente, à doutrina das reencarnações.
Em primeiro lugar, dizem, essa doutrina é insuficiente sob o ponto de vista moral. Abrindo ao homem tão vastas perspectivas para o futuro, deixando-lhe a possibilidade de reparar tudo nas suas existências vindouras, acoroçoa-o ao vício e à indolência; não oferece estimulo de bastante poder e eficácia para a prática do bem, e, por todas essas razões, é menos enérgico que o temor de um castigo eterno depois da morte.
A teoria das penas eternas não é, como vimos (166), no próprio pensamento da Igreja, mais do que um espantalho destinado a amedrontar os maus; mas, a ameaça do inferno, o temor dos suplícios, eficaz nos tempos de fé cega, já hoje não reprime a ninguém. No fundo, é uma impiedade para com Deus, de quem se faz um ser cruel, castigando sem necessidade e sem ser para corrigir.
Em seu lugar, a doutrina das reencarnações mostra-nos a verdadeira lei dos nossos destinos e, com ela, a realização do progresso e da justiça no Universo; fazendo-nos conhecer as causas anteriores dos nossos males, põe termo à concepção iníqua do pecado original, segundo a qual toda a descendência de Adão, isto é, a Humanidade inteira, sofreria o castigo das fraquezas do primeiro homem. É por isso que sua influência moral será mais profunda que a das fábulas infantis do inferno e do paraíso; oporá freio às paixões, mostrando-nos as conseqüências dos nossos atos, recaindo sobre a nossa vida presente e as nossas vidas futuras, semeando nelas germens de dor ou de felicidade. Ensinando-nos que a alma é tanto mais desgraçada quanto mais imperfeita e culpada, estimulará os nossos esforços para o bem. É verdade que é inflexível esta doutrina; mas, pelo menos, proporciona o castigo à culpa e, depois da reparação, fala-nos de reabilitação e esperança. Ao passo que o crente ortodoxo, imbuído da idéia de que a confissão e a absolvição lhe apagam os pecados, afaga uma esperança vã e prepara para si próprio decepções na outra vida, o homem, cuja mente foi iluminada pela nova luz, aprende a retificar o seu proceder, a precatar-se, a preparar com cuidado o futuro.
Há outra objeção que consiste em dizer-se: Se estamos convencidos de que os nossos males são merecidos, de que são conseqüência da lei de justiça, tal crença terá por efeito extinguir em nós toda a piedade, toda a compaixão pelos sofrimentos alheios; sentir-nos-emos menos inclinados a socorrer, a consolar nossos semelhantes; deixaremos livre curso às suas provações, pois que devem ser para eles uma expiação necessária e um meio de adiantamento (167). Essa objeção é especiosa; emana de fonte interessada.
Consideremos, primeiramente, a questão sob o ponto de vista social, examiná-la-emos, depois, no sentido individual. O moderno Espiritualismo ensina-nos que os homens são solidários uns com os outros, unidos por uma sorte comum. As imperfeições sociais, de que todos mais ou menos sofremos, são o resultado de nossos erros coletivos no passado. Cada um de nós traz a sua parte de responsabilidade e tem o dever de trabalhar para o melhoramento do destino geral.
A educação das almas humanas obriga-as a ocupar situações diversas. Todas têm de passar alternadamente pela prova da riqueza e pela da pobreza, do infortúnio, da doença, da dor.
A todas as misérias deste mundo que não o atingem o egoísta fica alheio e diz: "Depois de mim, o dilúvio'"
Crê que a morte o subtrai à ação das leis terrestres e às convulsões da sociedade. Com a reencarnação, muda o ponto de vista. Será forçoso voltar e sofrer os males que contávamos legar aos outros. Todas as paixões, todas as iniqüidades que tivermos tolerado, animado, sustentado, seja por fraqueza, seja por interesse, voltar-se-ão contra nós. O meio social em prol do qual nada tivermos feito constranger-nos-á com toda a força dos seus braços. Quem esmagou, quem explorou os outros será, por sua vez, explorado, esmagado; quem semeou a divisão, o ódio, sofrer-lhes-á os efeitos: o orgulhoso será desprezado e o espoliador espoliado; aquele que fez sofrer sofrerá. Se quiserdes assentar em bases firmes o vosso próprio futuro, trabalhai, pois, desde já, em aperfeiçoar, em melhorar o meio em que haveis de renascer; pensai na vossa própria reforma: é o que é indispensável fazer-se para que as misérias coletivas sejam vencidas pelo esforço de todos. Aquele que, podendo ajudar os seus semelhantes, deixa de fazê-lo, falta à lei de solidariedade.
Quanto aos males individuais, diremos, colocando-nos em outro ponto de vista: "Não somos juízes das medidas exatas onde começa e onde acaba a expiação." Sabemos, porventura, quais são os casos em que há expiação? Muitas almas, sem serem culpadas, mas ávidas de progresso, pedem uma vida de provas para mais rapidamente efetuarem sua evolução. O auxílio que devemos a estas almas pode ser uma das condições de seu destino, como do nosso, e é possível que estejamos adrede colocados em seu caminho para aliviá-las, esclarecer, confortar. Sempre que se nos ofereça o mínimo ensejo de nos tornarmos úteis e prestativos e deixamos de o ser, há de nossa parte mau cálculo, porquanto todo bem, todo mal feito remontam à sua origem com os seus efeitos.
"Fora da caridade não há salvação", disse Allan Kardec. Tal é o preceito por excelência da moral espírita. O sofrimento, onde quer que se manifeste, deve encontrar corações compassivos prontos a socorrer e consolar. A caridade é a mais bela das virtudes; só ela dá acesso aos mundos felizes.
Muitas pessoas para quem a vida foi rude e difícil aterram-se com a perspectiva de a renovarem indefinidamente. Esta longa e penosa ascensão através dos tempos e dos mundos enche de pavor aqueles que, tomados de fadiga, contam com um descanso imediato e uma felicidade sem fim. É certo que se precisa ter têmpera nalma para contemplar sem vertigem essas perspectivas imensas. A concepção católica era mais sedutora para as almas tímidas, para os espíritos indolentes, que, segundo ela, poucos esforços tinham a fazer para alcançar a salvação. A visão do destino é formidável. Só espíritos vigorosos podem considerá-lo sem fraquejar, encontrar na noção do destino o incentivo necessário, a compensação dos pequenos hábitos confessionais, a calma e a serenidade do pensamento.
Uma felicidade, que é preciso conquistar à custa de tantos esforços, amedronta mais do que atrai as almas humanas, fracas ainda em grande parte e inconscientes do seu magnífico futuro. A verdade, porém, está acima de tudo! Aqui, portanto, não estão em jogo as nossas conveniências pessoais. A Lei, agrade ou não, é lei! É dever nosso subordinar-lhe os nossos desígnios e atos e não lhe pertence a ela dobrar-se às nossas exigências.
. A morte não pode transformar um Espírito inferior em Espírito elevado. Somos, nesta como na outra vida, o que nos fizemos, intelectual e moralmente. Isto é demonstrado por todas as manifestações espíritas. Há quem diga, entretanto, que só as almas perfeitas penetrarão nos reinos celestes, e, por outro lado, restringem os meios de aperfeiçoamento ao círculo de uma vida efêmera. Pode alguém vencer suas paixões, modificar seu caráter durante uma única existência? Se alguns o têm conseguido, que pensar da multidão dos seres ignorantes e viciosos que povoam nosso planeta? É admissível que sua evolução se restrinja a essa curta passagem pela Terra? Onde encontrarão também, os que se tornaram culpados de grandes crimes, as condições necessárias à reparação? Se não fosse nas reencarnações ulteriores, tornaríamos forçosamente a cair no labirinto do inferno; mas, um inferno perpétuo é tão impossível como um paraíso eterno, porque não há ato, por mais louvável, nem crime, por mais horrendo, que produza uma eternidade de recompensas ou de castigos!
Basta considerarmos a obra da Natureza, desde a origem dos tempos, para verificarmos por toda a parte a lenta e tranqüila evolução dos seres e das coisas, que tanto se ajusta ao Poder Eterno e que todas as vozes do Universo proclamam. A alma humana não escapa a esta regra soberana. Ela é a síntese, o remate deste esforço prodigioso, o último anel da cadeia que se desenrola desde as mais profundas camadas da vida e cobre o Globo inteiro. Não é no homem que se resume toda a evolução dos reinos inferiores e que aparece fulgente o princípio sagrado da perfectibilidade? Não é este princípio a sua própria essência e como que o selo divino impresso em sua natureza? E, se assim é, como admitir que a inteligência humana possa estar colocada fora das leis imponentes, emanadas da Causa Primária das Inteligências ?
A onda de vida que rola suas águas através das idades para chegar ao ser humano, e que, em seu curso, é dirigida pela lei grandiosa da evolução, pode ir terminar na imobilidade? Por toda a parte - na Natureza e na História - está escrito o princípio do progresso. Todo movimento que ele imprime às forças em ação no nosso mundo vai ter ao homem. Pode, pois, pretender-se que a parte essencial do homem, o seu "eu", a sua consciência, escape à lei de continuidade e progressão? Não! A lógica. sem falar dos fatos, demonstra que a nossa existência não pode ser única. O drama da vida não pode constar de um só ato; é-lhe indispensável uma continuação, um prolongamento, pelos quais se explicam e esclarecem as incoerências aparentes e as obscuridades do presente; requer um encadeamento de existências solidárias umas das outras, realçando o plano e a economia que presidem aos destinos dos seres humanos.
Resultará daí estarmos condenados a um labor ímprobo e incessante? A lei de ascensão recua indefinida mente o período de paz e descanso? De modo nenhum. A saída de cada vida terrestre a alma colhe o fruto das experiências adquiridas; aplica as suas forças e faculdades ao exame da vida íntima e subjetiva; procede ao inventário da sua obra terrestre, assimila as partes úteis e rejeita o elemento estéril. É a primeira ocupação na outra vida, o trabalho por excelência de recapitulação e análise. O recolhimento entre os períodos de atividade terrestre é necessário, e todo ser que segue a vida normal dele recebe, a seu turno, os benefícios.
Dizemos recolhimento porque, na realidade, o Espírito, no estado livre, ignora o descanso; a atividade é sua própria natureza. Essa atividade não é visível no sono? Só os órgãos materiais de transmissão sentem fadiga e pouco a pouco periclitam. Na vida do Espaço são desconhecidos esses obstáculos; o Espírito pode consagrar-se, sem incômodo e sem coação, até à hora da reencarnação, às missões que lhe cabem.
O regresso à vida terrestre é para ele como que um rejuvenescimento. Em cada renascimento a alma reconstitui para si uma espécie de virgindade. O esquecimento do passado, qual Letes benfazejo e reparador, torna a fazer dela um ser novo, que repete a ascensão vital com mais ardor. Cada vida realiza um progresso, cada progresso aumenta o poder da alma e aproxima-a do estado de plenitude. Esta lei mostra-nos a vida eterna em sua amplitude. Todos nós temos um ideal a realizar - a beleza suprema e a suprema felicidade. Encaminhamo-nos para este ideal com mais ou menos rapidez segundo a impulsão dos nossos ímpetos e a intensidade dos nossos desejos. Não existe nenhuma predestinação; nossa vontade e nossa consciência, reflexo vivo da norma universal, são nossos árbitros. Cada existência humana estabelece as condições do que se há de seguir. Seu conjunto constitui a plenitude do destino, isto é, a comunhão com o Infinito.
Perguntam-nos muitas vezes: "Como podem a expiação e o resgate das faltas passadas ser meritórios e fecundos para o Espírito reencarnado, se este, esquecido e inconsciente das causas que o oprimem, ignora atualmente o fim e a razão de ser de suas provações?"
Vimos que o sofrimento não é forçosamente uma expiação. Toda a Natureza sofre; tudo o que vive, a planta, o animal e o homem, está sujeito à dor. O sofrimento é, principalmente, um meio de evolução, de educação; mas, no caso em questão, é preciso lembrar que se deve estabelecer distinção entre a inconsciência atual e a consciência virtual do destino no Espírito reencarnado.
Quando o Espírito compreende, à luz intensa do Além, que lhe é absolutamente necessária uma vida de provações para apagar os lamentáveis resultados de suas existências anteriores, esse mesmo Espírito, num movimento de plena inteligência e plena liberdade, escolhe ou aceita espontaneamente a reencarnação futura com todas as conseqüências que ela acarreta, aí compreendido o esquecimento do passado, que se segue ao ato da reencarnação. Esta vista inicial, clara e completa, do seu destino no momento preciso em que o Espírito aceita o renascimento, basta amplamente para estabelecer a consciência, a responsabilidade e o mérito dessa nova vida. Dela o conserva neste mundo a intuição velada, o instinto adormecido, que a menor reminiscência, o menor sonho, bastam para acordar e fazer reviver.
É por esse laço invisível, mas real e possante, que a vida atual se liga à vida anterior do mesmo ser e constitui a unidade moral e a lógica implacável de seu destino. Se, já o demonstramos, não nos lembramos do passado, é porque, as mais das vezes, nada fazemos para despertar as recordações adormecidas; mas, a ordem das coisas não deixa por isso de subsistir, nenhum elo da cadeia magnética do destino se obliterou e, ainda menos, se quebrou.
O homem de idade madura não se lembra do que fez na meninice. Deixa por isso de ser a criancinha de outrora e de lhe realizar as promessas? O grande artista que, ao entardecer de um dia de labor, cede ao cansaço e adormece, não retém durante o sono o plano virtual, a visão íntima da obra que vai prosseguir, que vai continuar, assim que acordar? Acontece o mesmo com o nosso destino, que é uma lide constante entrecortada, muitas vezes, em seu curso, por sonos, que são, na realidade, atividades de formas diferentes, abrilhantadas por sonhos de luz e beleza!
A vida do homem é um drama lógico e harmônico, cujas cenas e decorações mudam, variam ao infinito, mas não se apartam nunca, um só instante, da unidade do objetivo nem da harmonia do conjunto. Só quando voltarmos para o mundo invisível é que compreenderemos o valor de cada cena, o encadeamento dos atos, a incomparável harmonia do todo em suas ligações com a Vida e a Unidade universais.
Sigamos, pois, com fé e confiança, a linha traçada pela Mão Infalível. Dirijamo-nos aos nossos fins, como os rios se dirigem para o mar - fecundando a terra e refletindo o céu.
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Há mais duas objeções que reclamam a nossa atenção: "Se a teoria da reencarnação fosse verdadeira, diz Jacques Brieu no "Moniteur des Études Psychiques"_ o progresso moral deveria ser sensível desde o começo dos tempos históricos. Ora, sucede coisa muito diferente; os homens de hoje são tão egoístas, tão violentos, tão cruéis e tão ferozes como o eram há 2.000 anos." (168)
É uma apreciação exagerada. Ainda que a consideremos como exata, nada prova contra a reencarnação. Sabemos que os melhores homens, aqueles que depois de uma série de existências alcançaram certo grau de perfeição, prosseguem a sua evolução em mundos mais adiantados e só voltam à Terra, excepcionalmente, na qualidade de missionários; por outro lado, contingentes de Espíritos, vindos de planos inferiores, cotidianamente se vão juntando à população do Globo.
Como estranhar, nestas condições, que o nível moral se eleve muito pouco?
Segunda objeção. A doutrina das vidas sucessivas, espalhando-se na Humanidade, produz abusos inevitáveis. Não sucede o mesmo com todas as coisas no seio de um mundo pouco adiantado, cuja tendência é corromper, desnaturar os ensinamentos mais sublimes, acomodá-los a seus gostos, paixões e vis interesses?
O orgulho humano pode encontrar aí fartas satisfações e, com a ajuda dos Espíritos zombeteiros ou da sugestão automática, assiste-se, por vezes, às revelações mais burlescas. Assim como muita gente tem a pretensão =3c descender de ilustre estirpe, assim também, entre os teósofos e os espíritas, encontra-se muito crente vaidoso convencido de ter sido tal ou qual personagem célebre do passado.
"Em nossos dias, diz Myers (169), Anna Kingsford e Edward Maitland pretendiam ser nada menos do que a Virgem Maria e São João Batista."
Pelo que pessoalmente me diz respeito, conheço por esse mundo a fora umas dez pessoas que afirmam ter sido Joana d'Arc. Seria um nunca acabar se fosse preciso enumerar todos os casos deste gênero. Não obstante, é possível encontrar neste terreno alguma parcela de verdade.
Como havemos, porém, de joeirá-lo dos erros? Em tais matérias, precisamos entregar-nos a uma análise atenta e passar tais revelações pelo crivo de uma crítica rigorosa; investigar primeiramente se a nossa individualidade apresenta traços salientes da pessoa designada, reclamar depois, da parte dos Espíritos reveladores, provas de identidade no tocante a tais personalidades do passado e a indicação de particularidades e de fatos desconhecidos, cuja verificação seja possível fazer ulteriormente.
Convém observar que esses abusos, como tantos outros, não derivam da natureza da causa incriminada, mas da inferioridade do meio em que ela exerce sua ação. Tais abusos, frutos da ignorância e de uma falsa apreciação, hão de diminuir de importância e desaparecer com o tempo, graças a uma educação mais sólida e mais prática.
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Continua a subsistir uma última dificuldade. É a que resulta da contradição aparente dos ensinamentos espíritas a respeito da reencarnação. Por muito tempo, nos países anglo-saxônios, as mensagens dos Espíritos não falavam dela; muitas até a negaram e isto serviu de argumento capital para os adversários do Espiritismo.
Já, em parte, respondemos a esta objeção. Dissemos então que essa anomalia se explicava pela necessidade em que se achavam os Espíritos de contemporizar, a princípio, com preconceitos religiosos muito inveterados em certos pontos. Nos países protestantes, hostis à reencarnação, foram deixados voluntariamente na penumbra, para serem divulgados com o tempo, quando fosse julgado oportuno, vários pontos da Doutrina. Com efeito, passado esse período de silêncio, vemos as afirmações espíritas em favor das vidas sucessivas produzirem-se hoje nos países de além-mar com a mesma intensidade que nos países latinos. Houve graduação em alguns pontos do ensino; não houve contradição.
As negações derivam quase sempre de Espíritos muito pouco adiantados, para saberem e poderem ler em si mesmos e discernir o futuro que os espera. Sabemos que estas almas passam pela reencarnação sem a preverem e, chegada a hora, são imersas na vida material como num sonho anestésico.
Os preconceitos de raça e de religião, que, na Terra, exerceram influência considerável nesses Espíritos, continuam a exercê-la na outra vida. Enquanto a entidade elevada sabe facilmente libertar-se deles com a morte, as menos adiantadas ficam por muito tempo dominadas por eles.
A lei dos renascimentos foi, no Novo Continente, considerada, por causa dos preconceitos de cor, debaixo de aspecto muito diferente daquele por que o foi no antigo mundo, onde velhas tradições orientais e célticas haviam depositado seu gérmen no fundo de muitas almas. Produziu logo a princípio tal choque, levantou tanta repulsão, que os Espíritos dirigentes do movimento julgaram mais prudente contemporizar.
Deixaram, primeiramente, disseminar-se a idéia em meios mais bem preparados, para, daí, ir lavrando até aos centros refratários por diferentes caminhos, visíveis e ocultos, e, sob a ação simultânea dos agentes dos dois mundos, infiltrar-se neles paulatinamente, como está sucedendo no momento presente.
A educação protestante não deixa no pensamento dos crentes ortodoxos lugar algum para a noção das vidas sucessivas. No seu modo de pensar, a alma, por ocasião da morte, é julgada e fixada definitivamente ou no paraíso ou no inferno. Para os católicos existe um termo médio: é o purgatório, lugar indefinido, não circunscrito, onde a alma tem de expiar suas faltas e purificar-se por meios incertos. Esta concepção é um encaminhamento para a idéia dos renascimentos terrestres. O católico pode assim relacionar as crenças antigas com as novas, ao passo que o protestante ortodoxo se vê na necessidade de fazer tábua rasa e de edificar no seu entendimento doutrinas absolutamente diferentes das que lhe foram sugeridas por sua religião. Daí, a hostilidade que o principio das vidas múltiplas encontrou logo de princípio nos países anglo-saxônicos adesos ao Protestantismo; daí, os preconceitos que persistem, mesmo depois da morte, numa certa categoria de Espíritos.
Vimos que, na atualidade, pouco a pouco se vai produzindo uma reação, a crença nas vidas sucessivas vai ganhando todos os dias mais algum terreno nos países protestantes, à medida que a idéia do inferno se lhes vai tornando estranha. Conta já, na Inglaterra e na América, numerosos partidários; os principais órgãos espíritas desses países adotaram-na, ou pelo menos a discutem com uma imparcialidade. de bom quilate. Os testemunhos dos Espíritos em seu favor, tão raros ao princípio, multiplicam-se hoje. Demos alguns exemplos.
Em Nova Iorque foi publicada, em 1905, uma obra importante com o título "The Widow's Mite", na qual se fala da reencarnação. O autor, Sr. Funck, é, diz J. Colville, na "Light", "homem muito conhecido e altamente respeitado nos centros literários americanos como o mais antigo sócio da firma comercial Funck and Wagnalls, editora do famoso "Standard Dictionary", cuja autoridade é reconhecida em toda parte onde se fala inglês".
"E um homem prudente, que, passo a passo e com as maiores precauções, chegou à conclusão de que a Telepatia e a comunicação com os Espíritos estão, de ora em diante, demonstradas. Tomou como princípio pesar toda aparência de prova que se apresente e, graças a isso, chegou, após vinte e cinco anos de observações conscienciosas, a editar uma obra que provocará, com certeza, em muitos espíritos, convicção mais profunda do que provocaria se ele tivesse ligado atenção menos escrupulosa às minúcias. Esse livro contém uma grande variedade de fenômenos psíquicos observados nas condições mais variadas e relatados com o maior cuidado por uma testemunha céptica a princípio, e merece lugar elevado na literatura especial."
Na obra de que se trata, o Autor expõe, primeiramente, as condições de experimentação
"O leitor deve considerar que a médium é uma senhora de idade, sem instrução, e a quem, tendo-a encontrado já nuns quarenta círculos, tivemos todo o vagar de estudar sob o ponto de vista moral. Na presente ocasião estou absolutamente convencido de que ela não tinha nenhum cúmplice. A primeira comunicação, de natureza muito elevada, dizia respeito às leis da Natureza; deixamo-la de parte, apesar do seu interesse, e chegamos à segunda, que tratava da reencarnação. A voz do Espirito-guia do grupo, Amos, fazendo-se ouvir, disse:
- Está aqui um Espírito luminoso que hoje vos apresento; vem dar-vos esclarecimentos a respeito da reencarnação, que foi o objeto de uma de vossas perguntas; é um Espírito muito elevado que consideramos como instrutor para nós mesmos, e vem a instâncias nossas. Estais lembrados de que as perguntas que haveis feito, em várias reuniões, não receberam resposta satisfatória; por isso recorremos a ele, que consentiu em vir. Sinto vivamente que o Prof. Hyslop esteja ausente, já que fez várias perguntas a este respeito, em outra ocasião.
Uma voz, muito mais forte que a precedente e absolutamente diversa, toma assim a palavra
- Meus amigos, a reencarnação é a lei do desenvolvimento do Espírito na via do seu progresso (e todos devemos progredir, lentamente, é verdade, com pausas mais ou me)aos prolongadas, desenvolvimento que demanda longos séculos). Vem um momento em que o Espírito torna a nascer, entrando em outra esfera mais elevada da sua existência. Não falo somente da reencarnação na Terra. Não é freqüente que um Espírito elevado, que tenha vivido na Terra; torne a nascer nela Algumas vezes, no entanto, os Espíritos são afeiçoados à Terra e aos seus atrativos, e tornam a tomar corpos humanos e a viver outra vez na Terra; mas, isso não é necessário para os Espíritos elevados. Os progressos são mais rápidos no corpo espiritual e nas regiões onde nos achamos do que nas condições da vida terrena. O que acabamos de dizer é aplicável a cada uma das Esferas que sucessivamente percorremos.
Diz, depois, que Jesus desceu de uma Esfera superior para desempenhar missão junto aos homens e trazer-lhes a Verdade."
Frederico Myers, na sua obra magistral "La Personnalité Hummaine; sa Survivance" (edição inglesa) cap. X, 1.011, exprime opinião análoga
"Nosso novo conhecimento, "em Psiquismo", confirmando o pensamento antigo, confirma também, em relação ao Cristianismo, as narrativas das aparições do Cristo depois da morte e faz-nos entrever a possibilidade da reencarnação benfazeja de Espíritos que atingiram um nível mais elevado que o homem."
"Das três hipóteses que têm por objetivo explicar o mistério das variações individuais, do aparecimento de qualidades e propriedades novas, a teoria das reminiscências de Platão parece-nos a mais verossímil, com a condição de assentar a base nos dados científicos estabelecidos em nossos dias."
E à pág. 329:
"A doutrina da reencarnação nada encerra que seja contrário à melhor razão e aos instintos elevados do homem. Não é, decerto, fácil estabelecer uma teoria firmando a criação direta de Espíritos em fases de adiantamento tão diversas como aquelas em que tais Espíritos entram na vida terrena, com a forma de homens mortais; deve existir certa continuidade, certa forma de passado espiritual. Por enquanto, nenhuma prova possuímos em favor da reencarnação."
Myers não conhecia as experiências recentes de que falamos no capítulo XIV; no entanto (pág. 407), afirma novamente: " a evolução gradual (das almas) tem estádios numerosos, aos quais é impossível assinalar um limite".
Mais recentemente, as "Cartas do Mundo dos Espíritos", de Lord Carlingford, publicadas na Inglaterra, admitem as reencarnações como conseqüência necessária da lei de evolução.
A doutrina das vidas sucessivas vai-se insinuando mansamente, na atualidade, por toda a parte, do outro lado da Mancha. Aí vemos um filósofo como o Professor Taggart adotá-la de preferência às outras doutrinas espiritualistas e declarar, como o fizera Hume antes dele, que "ela é a única que apresenta vistas razoáveis acerca da imortalidade".
No último congresso da Igreja Anglicana, em Weymouth, o venerável arcediago Colley, reitor de Stockton (Warwickshire), fez uma conferência sobre a reencarnação, em sentido favorável. Este fato indica-nos que as novas idéias abrem brecha até no seio das igrejas da Inglaterra ("Light of Truth").
Enfim, em seu discurso de abertura, como presidente da "Society for Psychical Research", o Rev. W. Boyd-Carpenter, bispo de Ripon, a 23 de maio de 1912, diante de seleto e distinto auditório, fez ressaltar a utilidade das pesquisas psíquicas, a fim de se obter um conhecimento mais completo do "eu" humano e precisar as condições de sua evolução. "O interesse desse discurso, dizem
Os "Annales des Sciences Psychiques", de maio de 1912, reside especialmente nisto: o ver-se aí um alto dignitário da Igreja Anglicana afirmar, como certos padres da Igreja, a preexistência da alma e aderir à teoria da evolução e das existências múltiplas."
XVII. - As vidas sucessivas. Provas históricas
Seria incompleto nosso estudo, se não volvêssemos rápida vista para o papel que representou na História a crença nas vidas sucessivas. Esta doutrina domina toda a antiguidade. Vamos encontrá-la no âmago das grandes religiões do Oriente e nas obras filosóficas mais puras e elevadas. Guiou na sua marcha as civilizações do passado e perpetuou-se de idade em idade. Apesar das perseguições e dos eclipses temporários, reaparece e persiste através dos séculos em todos os países.
Oriunda da India, espalhou-se pelo mundo. Muito antes de terem aparecido os grandes reveladores dos tempos históricos, era ela formulada nos Vedas e notadamente no "Bhagavad-Gitâ". O Bramanismo e o Budismo nela se inspiraram e, hoje ainda, seiscentos milhões de asiáticos - o dobro do que representam todas as agremiações cristãs reunidas - crêem na pluralidade das existências.
O Japão mostrou-nos, há pouco, o poder de tais crenças num povo. A coragem magnífica, o espírito de sacrifício que os japoneses mostram em frente da morte, a sua impassibilidade em presença da dor, todas estas qualidades dominadoras, que fizeram a admiração do mundo em circunstâncias memoráveis, não tiveram outra causa.
Depois da batalha de Tsushima, diz-nos o "Journal", numa cena de melancolia grandiosa, diante do Exército reunido no cemitério de Aoyama, em Tóquio, o Almirante Togo falou, em nome da Nação, e dirigiu-se aos mortos em termos patéticos. Pediu às almas desses heróis que "protegessem a Marinha japonesa, freqüentassem os navios e rcancarnassem em novas equipagens". (170)
Se, com o Prof. Izoulet, comentando no Colégio de França a obra do autor americano Alf. Mahan sobre o Extremo Oriente, admitirmos que a verdadeira civilização está no ideal espiritual e que, sem ele, os povos caem na corrupção e na decadência, o Japão, força será reconhecê-lo, está destinado a um grande futuro.
Voltemos à antiguidade. O Egito e a Grécia adotaram a mesma doutrina. A sombra de um simbolismo mais ou menos obscuro, esconde-se por toda a parte a universal palingenesia.
A antiga crença dos egípcios é-nos revelada pelas inscrições dos monumentos e pelos livros de Hermes
"Tomada na origem, diz-nos o Sr. de Vogue, a doutrina egípcia apresenta-nos a viagem às terras divinas como uma série de provas, ao sair das quais se opera a ascensão na luz"; mas, o conhecimento das leis profundas do destino estava reservado só para os adeptos. (171)
No seu recente livro, "La Vie et la Mort", A. Dastre exprime-se assim (172):
"No Egito a doutrina das transmigrações era representada por imagens hieráticas surpreendentes. Cada ser tinha o seu duplo. Ao nascer, o egípcio é representado por duas figuras. Durante a vigília as duas individualidades se confundem numa só; mas, durante o sono, ao passo que uma descansa e restaura os órgãos, a outra se lança no pais dos sonhos. Não é, entretanto, completa essa separação; só o será pela morte ou, antes, a separação completa é que será a própria morte. Mais tarde este duplo ativo poderá vir vivificar outro corpo terrestre e ter, assim, uma nova existência semelhante."
Na Grécia vai-se encontrar a doutrina das vidas sucessivas nos poemas órficos; era a crença de Pitágoras, de Sócrates, de Platão, de Apolônio e de Empédocles. Com o nome de metempsicose (173) falam dela muitas vezes nas suas obras em termos velados, porque, em grande parte, estavam ligados pelo juramento iniciático; contudo, ela é afirmada com clareza no último livro da "República", em "Fedra", em "Timeu" e em "Fédon".
"E certo que os vivos nascem dos mortos e que as almas dos mortos tornam a nascer." (Fedra.)
"A alma é mais velha que o corpo. As almas renascem incessantemente do Hades para tornarem à vida atual." (Fédon. )
A reencarnação era festejada pelos egípcios nos mistérios de Isis, e, pelos gregos, nos de Elêusis, com o nome de mistérios de Perséfone, em cujas cerimônias só os iniciados tomavam parte.
O mito de Perséfone era a representação dramática dos renascimentos, a história da alma humana passada, presente e futura, sua descida à matéria, seu cativeiro em corpos de empréstimo, sua reascensão por graus sucessivos. As festas eleusianas duravam três dias e traduziam, em comovente trilogia, as alternações da vida dupla, terrestre e celeste. Ao cabo dessas iniciações solenes, os adeptos eram sagrados. (174)
Quase todos os grandes homens da Grécia foram iniciados, adoradores fervorosos da grande deusa; foi em seus ensinamentos secretos que eles beberam a inspiração do gênio, as formas sublimes da arte e os preceitos da sabedoria divina. Quanto ao povo, eram-lhe apenas apresentados símbolos; mas, por baixo da transparência dos mitos, aparecia a verdade iniciática do mesmo modo que a seiva da vida transuda da casca da árvore.
A grande doutrina era conhecida do mundo romano. Ovidio, Vergílio, Cícero, em suas obras imorredouras, a ela fazem alusões freqüentes. Vergilio, na "Eneida" (175), assevera que a alma, mergulhando no Letes, perde a lembrança das suas existências passadas.
A escola de Alexandria deu-lhe brilho vivíssimo com as obras de Filo, Plotino, Amônio denominado Sakas, Porfírio, Jâmblico, etc. Plotino, falando dos deuses, diz "A cada um eles proporcionam o corpo que lhe convém e -que está em harmonia com seus antecedentes, conforme suas existências sucessivas."
Os livros sagrados dos hebreus, o "Zohar", a "Cabala", o "Talmude", afirmam igualmente a preexistência e, com o nome de ressurreição, a reencarnação era a crença dos fariseus e dos essênios. (176)
Da mesma crença encontram-se também vestígios numerosos no Antigo e no Novo Testamentos, por entre textos obscuros ou alterados, por exemplo, em certas passagens de Jeremias e de Job, depois no caso de João Batista, que foi Elias, no do cego de nascença e na conversação particular de Jesus com Nicodemos.
Lê-se em Mateus (177) : "Em verdade vos digo que, dentre os filhos das mulheres, nenhum há maior que João Batista, e se quiserdes ouvir, é ele mesmo que é Elias que há de vir. Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça." De outra vez interrogaram ao Cristo os seus discípulos, dizendo (178) : "Por que dizem então os escribas que é necessário que volte Elias primeiro?" Jesus respondeu-lhes: "P, verdade que Elias há de vir primeiro e restabelecer todas as coisas; mas digo-vos que Elias já veio, mas eles não o reconheceram e fizeram-lhe o que quiseram." Então os discípulos compreenderam que era de João Batista que ele falara.
Um dia Jesus pergunta aos seus discípulos o que diz dele o povo. Eles respondem (179) : "Uns dizem que és João Batista, outros Elias, outros Jeremias, ou algum dos antigos profetas que voltou ao mundo." Jesus, em vez de dissuadi-los, como se eles tivessem falado de coisas imaginárias, contenta-se com acrescentar: "E vós quem credes que sou eu?" Quando encontra o cego de nascença, os discípulos perguntam-lhe se esse homem nasceu cego por causa dos pecados dos pais ou dos pecados que cometeu antes de nascer. Acreditavam, pois, na possibilidade da reencarnação e na preexistência possível da alma. Sua linguagem fazia até acreditar que esta idéia estava divulgada e Jesus parece autorizá-la, em vez de combatê-la fala das numerosas moradas de que se compõe a casa do Pai, e Orígenes, comentando estas palavras, acrescenta: "O Senhor alude às diferentes estações que as almas devem ocupar depois de terem sido privadas dos seus corpos atuais e de terem sido revestidas de outros."
Lemos no Evangelho de João (180) : "Havia entre os fariseus um homem chamado Nicodemos, um dos principais dentre os judeus. Este homem veio de noite ter com Jesus e disse-lhe: "Mestre, sabemos que és um doutor vindo da parte de Deus, porque ninguém poderia fazer os milagres que fazes, se Deus não estivesse com ele." Jesus respondeu-lhe: "Em verdade te digo que, se um homem não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus." Nicodemos disse-lhe: "Como pode um homem nascer quando é velho? Pode tornar a entrar no ventre de sua mãe e nascer segunda vez?" Jesus responde: "Em verdade te digo que, se um homem não nascer de água e de espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne, é carne; o que é nascido do espírito, é espírito. Não te admires do que te disse: é necessário que nasças de novo. O vento sopra onde quer e tu lhe ouves o ruído, mas não sabes donde vem nem para onde vai. Sucede o mesmo com todo homem que é nascido do espírito."
A água representava entre os hebreus a essência da matéria, e quando Jesus afirma que o homem tem de renascer de água e de espírito, não é como se dissesse que tem de renascer de matéria e de espírito, isto é, em corpo e alma?
Jesus acrescenta estas palavras: "Tu és mestre em Israel e ignoras estas coisas?" Não se tratava, pois, do batismo, que todos os judeus conheciam. As palavras de Jesus tinham um sentido mais profundo e sua admiração devia traduzir-se assim: "Tenho para a multidão ensinamentos ao seu alcance, e não lhe dou a verdade senão na medida em que ela a pode compreender. Mas contigo, que és mestre em Israel e que, nessa qualidade, deves ser iniciado em mistérios mais elevados, entendi poder ir mais além."
Esta interpretação parece tanto mais exata quanto mais está em relação com o "Zohar", que, repetimos, ensina a pluralidade dos mundos e das existências.
O Cristianismo primitivo possuía, pois, o verdadeiro sentido do destino. Mas, com as sutilezas da teologia bizantina, o sentido oculto desapareceu pouco a pouco; a virtude secreta dos ritos iniciáticos desvaneceu-se como um perfume sutil. A escolástica abafou a primeira revelação com o peso dos silogismos ou arruinou-a com sua argumentação especiosa.
Entretanto, os primeiros padres da Igreja e, entre todos, Origenes e S. Clemente de Alexandria, pronunciaram-se em favor da transmigração das almas. S. Jerônimo e Ruffinus ("Carta a Anastácio") afirmam que ela era ensinada como verdade tradicional a um certo número de iniciados.
Em sua obra capital, "Dos Princípios", livro I, Orígenes passa em revista os numerosos argumentos que mostram, na preexistência e sobrevivência das almas em outros corpos, o corretivo necessário à desigualdade das condições humanas. De si mesmo inquire qual é a totalidade dos ciclos percorridos por sua alma em suas peregrinações através do Infinito, quais os progressos feitos em cada uma de suas estações, as circunstâncias da imensa viagem e a natureza particular de suas residências.
S. Gregório de Nysse diz "que há necessidade natural para a alma imortal de ser curada e purificada e que, se ela não o foi em sua vida terrestre, a cura se opera pelas vidas futuras e subseqüentes".
Todavia, esta alta doutrina não podia conciliar-se com certos dogmas e artigos de fé, armas poderosas para a Igreja, tais como a predestinação, as penas eternas e o juízo final. Com ela, o Catolicismo teria dado lugar mais largo à liberdade do espírito humano, chamado em suas vidas sucessivas a elevar-se por seus próprios esforços e não somente por graça do Alto.
Por isso, foi um ato fecundo em conseqüência funesta a condenação das opiniões de Orígenes e das teorias gnósticas pelo Concílio de Constantinopla em 553. Ela trouxe consigo o descrédito e a repulsa do princípio das reencarnações. Então, em vez de uma concepção simples e clara do destino, compreensível para as mais humildes inteligências, conciliando a Justiça Divina com a desigualdade das condições e do sofrimento humanos, vimos edificar-se todo um conjunto de dogmas, que lançaram a obscuridade no problema da vida, revoltaram a razão e, finalmente, afastaram o homem de Deus.
A doutrina das vidas sucessivas reaparece novamente em épocas diferentes no mundo cristão, sob a forma das grandes heresias e das escolas secretas, mas foi muitas vezes afogada no sangue ou abafada debaixo das cinzas das fogueiras.
Na Idade Média eclipsa-se quase de todo e deixa de influenciar o desenvolvimento do pensamento ocidental, causando-lhe dano por esta forma. Daí os erros e a confusão daquela época sombria, o mesquinho fanatismo, a perseguição cruel, o ergástulo do espírito humano. Uma espécie de noite intelectual estendeu-se sobre a Europa.
No entanto, de longe em longe, como um relâmpago, o grande pensamento ilumina ainda, por inspiração do Alto, algumas belas almas intuitivas; continua a ser para os pensadores de escol a única explicação possível do que, para a massa, se tornara o profundo mistério da vida.
Não somente os trovadores, nos seus poemas e cantos, lhe faziam discretas alusões, mas até espíritos poderosos, como Boaventura e Dante Alighieri, a mencionam de maneira formal. Ozanam, escritor católico, reconhece que o plano da "Divina Comédia" segue muito de perto as grandes linhas da iniciação antiga, baseada, como vimos, sobre a pluralidade das existências.
O Cardeal Nicolau de Cusa sustenta, em pleno Vaticano, a pluralidade das vidas e dos mundos habitados, com o assentimento do Papa Eugênio IV.
Thomas Moore, Paracelso, Jacob Bcehme, Giordano Bruno e Campanella afirmaram ou ensinaram a grande síntese, muitas vezes com o próprio sacrifício. Van Helmont, em "De Revolutione Animarum", expõe, em duzentos problemas, todos os argumentos em prol da reencarnação das almas.
Não são estas altas inteligências comparáveis aos cumes dos montes, aos cimos gelados dos Alpes, que são os primeiros a receber os alvores do dia, a refletir os raios do Sol, e que ainda são iluminados por ele quando já 0 resto da Terra está imerso nas trevas?
O próprio Islamismo, principalmente no novo Alcorão, dá lugar importante às idéias palingenésicas. (181) Finalmente, a Filosofia, nos últimos séculos, enriqueceu-se com elas. Cudworth e Hume consideram-nas como a teoria mais racional da imortalidade. Em Lessing, Herder, Hegel, Schelling, Fichte, o moço, elas são discutidas com elevação.
Mazzini, apostrofando os bispos, na sua obra "Dal Concilio a Dio", diz:
"Cremos numa série indefinida de reencarnações da alma, de vida em vida, de mundo em mundo, cada uma das quais constitui um progresso em relação à vida precedente. Podemos recomeçar o estádio percorrido quando não merecemos passar a um grau superior; mas, não podemos retrogradar nem perecer espiritualmente."
*
Reportemo-nos agora às origens dos franceses e veremos a idéia das vidas sucessivas pairar sobre a terra das Gálias. Esta idéia vibra nos cantos dos bardos, sussurra na grande voz das florestas: "Debati-me em cem mundos; em cem círculos vivi." (Canto bárdico; Barridas cari Goddeu. )
É a tradição nacional por excelência; inspirava aos pais dos franceses o desprezo da morte, o heroismo nos combates; deve ser amada por todos aqueles que se sentem vinculados pelo coração ou pelo sangue à raça céltiea, móbil, entusiasta, generosa, apaixonada pela justiça, pronta sempre a lutar em prol das grandes causas.
Nos combates contra os romanos, diz d'Arbois de Jubainville, professor do Colégio de França, os druidas ficavam imóveis como estátuas, recebendo feridas sem fugir e sem se defenderem. Sabiam que eram imortais e contavam achar em outra parte do mundo um corpo novo e sempre jovem. (182)
Os druidas não eram somente homens valentes, eram também sábios profundos (183). Seu culto era o da Natureza, celebrado sob a abóbada sombria dos carvalhos ou sobre as penedias batidas pelas tempestades. As Tríades proclamam a evolução das almas partidas de amoufn, o abismo, subindo vagarosamente a longa espiral das existências (abred) para chegarem, depois de muitas mortes e renascimentos, a gwynfyd, o círculo da felicidade.
As Tríades são o mais maravilhoso monumento que nos resta da antiga sabedoria dos bardos e dos druidas; abrem perspectivas sem limites à vista admirada do investigador.
Citaremos três, as que se referem mais diretamente ao nosso assunto, as Tríades, 19, 21 e 36: (184)
19. "Três condições indispensáveis para chegar à plenitude (ciência e virtude) : transmigrar em abred, transmigrar em gwynfyd e recordar-se de todas as coisas passadas até anoufn."
21. "Três meios eficazes de Deus em abred (círculo dos mundos planetários) para dominar o mal e vencer a sua oposição em relação ao círculo de gtvynfyd (círculo dos mundos felizes) : a necessidade, a perda da memória e a morte."
36. "Os três poderes (fundamentos) da ciência e da sabedoria: a transmigração completa por todos os estados dos seres; a lembrança de cada transmigração e dos seus incidentes; o poder de passar de novo, à vontade, por um estado qualquer em vista da experiência e do julgamento. Será isso obtido no círculo de gwynfyd."
Certos autores entenderam, conforme a interpretação que deram aos textos bárdicos, que as vidas ulteriores da alma continuavam exclusivamente nos outros mundos.
Apresentamos dois casos que demonstram que os gauleses admitiam também a reencarnação na Terra. Extratam.o-los do "Cours de Littérature Celtique" do Sr. d'Arbois de Jubainville (185):
Find Mãe Cumail, o célebre herói irlandês, renasce em Morgan, filho de Fiachna, rainha de Ulster, em 603, e sucede-lhe mais tarde.
Os "Annales de Tigernach" fixam a morte de Find no ano 273 da nossa era, na batalha de Atbrea. "TJm segundo nascimento, diz d'Arbois de Jubainville, dá-lhe nova vida e um trono na Irlanda."
Os celtas praticavam também a evocação dos mortos. Levantara-se uma controvérsia entre Mongan e Forgoll a respeito da morte do rei Folhad, da qual ele fora testemunha ocular e do lugar onde este rei perdera a vida. "Ele evocou, diz o mesmo autor, do reino dos mortos, Cailté, seu companheiro nos combates. No momento em que o terceiro dia ia expirar, o testemunho de Cailté fornece a prova de que Mongan falara verdade."
O outro fato de reencarnação remonta a época muito mais antiga. Algum tempo antes da nossa era, Aeochaid Airem, rei absoluto da Irlanda, desposara Etâin, filha de Etar. Etâin, já alguns séculos antes, havia nascido em país céltico. Nessa vida anterior foi filha de Aillil e esposa de Mider, deificado depois de morto por causa de suas façanhas.
É provável que na história dos tempos célticos se encontrassem numerosos casos de reencarnação; mas, como se sabe, os druidas nada confiavam à escrita e contentavam-se com o ensino oral. Os documentos referentes à sua ciência e filosofia são raros e de data relativamente recente.
A doutrina céltica, decorridos séculos de esquecimento, reapareceu na França moderna e foi reconstituída ou sustentada por toda uma plêiade de escritores conspícuos: C. Bonnet, Dupont de Nemours, Ballanche, Jean Reynaud, Henri Martin, Pierre Leroux, Fourier, Esquiros, Michelet, Victor Hugo, Flammarion, Pezzani, Fauvety, Strada, etc.
"Nascer, morrer, renascer e progredir sempre, tal é a lei", disse Allan Kardec. Graças a ele, graças à escola espírita de que ele é o fundador, a crença nas vidas sucessivas da alma vulgarizou-se, espalhou-se por todo o Ocidente, onde conta hoje milhões de partidários. O testemunho dos Espíritos veio dar-lhe sanção definitiva. A exceção de algumas almas em grau atrasado de evolução, para quem o passado está ainda envolto em trevas, todos, nas mensagens recolhidas em França, afirmam a pluralidade das existências e o progresso indefinido dos seres.
A vida terrestre, dizem eles, em essência, não é mais do que um exercício, uma preparação para a vida eterna. Limitada a uma única existência, não poderia, em sua efêmera duração, corresponder a tão vasto plano. As reencarnações são os degraus da subida que todas as almas percorrem em sua ascensão; é a escada misteriosa que, das regiões obscuras, por todos os mundos da forma, nos leva ao reino da luz. Nossas existências desenrolam-se através dos séculos; passam, sucedem-se e renovam-se. Em cada uma delas largamos um pouco do mal que há em nós. Lentamente, avançamos, penetramos mais na via sagrada, até que tenhamos adquirido os méritos que nos hão de dar entrada nos círculos superiores donde eternamente irradiam a Beleza, a Sabedoria, a Verdade, o Amor!
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O estudo atento da história dos povos não nos mostra somente o caráter universal da doutrina palingenésica. Permite-nos, talvez, seguir o encadeamento grandioso das causas e dos efeitos que repercutem através dos tempos, na ordem social. Nela vemos, principalmente, que estes efeitos renascem de si mesmos e volvem à sua causa, encerrando os indivíduos e as nações na rede de uma lei inelutável.
Sob este ponto de vista, as lições do passado são surpreendentes. Há um cunho de majestade, gravado no testemunho dos séculos, que impressiona o mais indiferente homem, o que nos demonstra a irresistível força do Direito. Todo mal feito, o sangue vertido e as lágrimas derramadas recaem cedo ou tarde fatalmente sobre seus autores - indivíduos ou coletividades. Os mesmos fatos criminosos, os mesmos erros produzem as mesmas conseqüências nefastas. Enquanto os homens persistem em se hostilizarem uns aos outros, em se oprimirem, em se dilacerarem, as obras de sangue e luto prosseguem, e a Humanidade sofre até ao mais profundo das suas entranhas. Há expiações coletivas como há reparações individuais. Através dos tempos exerce-se uma justiça imanente, que faz desabrochar os elementos de decadência e destruição, os germens de morte, que as nações semeiam no seu próprio seio, cada vez que transgridem as leis superiores.
Se lançarmos as vistas para a história do mundo, veremos que a adolescência da Humanidade, como a do indivíduo, tem seus períodos de perturbações, de desvarios, de experiências dolorosas. Através de suas páginas desenrola-se o cortejo de misérias conseqüentes; as quedas profundas alternam com as elevações, os triunfos com as derrotas.
Civilizações precárias assinalam as primeiras idades; os maiores impérios esboroam-se uns após outros na refrega das paixões. O Egito, Nínive, Babilônia e o império dos persas caíram. Roma e Bizâncio, roídas pela corrupção, baqueiam ao embate da invasão dos bárbaros. Depois da Guerra dos Cem Anos e do suplício de Joana d'Arc., a Inglaterra é açoitada por terrível guerra civil, a das Duas Rosas, York e Lencastre, que a conduz a dois passos de sua perda.
Que é feito da Espanha, responsável por tantos suplícios e degolações, da Espanha com seus "conquistadores" e seu Santo Ofício? Onde está hoje esse vasto império no qual o Sol jamais se punha?
Vede os Habsburg, herdeiros do Santo Império e, talvez, reencarnações dos algozes dos Hussitas? A Casa de Áustria é ferida em todos os seus membros: Maximiliano é fuzilado; Rodolfo cai no meio de uma orgia; a Imperatriz é assassinada. Chega a vez de François-Ferdinand e o velho imperador, com a cabeça encanecida, fica sozinho, em pé, no meio dos destroços de sua família e de seus Estados ameaçados de desagregação completa.
Onde estão os impérios fundados pelo ferro e pelo sangue, o dos Califas, o dos Mongóis, o dos Carlovíngios, o de Carlos V ? Napoleão disse: "Tudo se paga!" E ele mesmo pagou e a França pagou com ele. O império de Napoleão passou como um meteoro!
Detenhamo-nos um instante nesse prodigioso destino, que, depois de haver lançado, em sua trajetória através do mundo, um clarão fulgurante, vai extinguir-se miseravelmente num rochedo do Atlântico. É bem conhecida de todos esta vida e, por conseguinte, melhor do que qualquer outra deve servir de exemplo; nela, como disse Maurice Maëterlinck, pode observar-se uma coisa, que as três causas principais da queda de Napoleão foram as três maiores iniqüidades que ele cometeu:
"Foi, primeiro que tudo, o assassínio do Duque de Enghien, condenado por sua ordem, sem julgamento e sem provas, e executado nos fossos de Vincennes, assassínio que fez redor do ditador ódios daí em diante implacáveis e um desejo de vingança que nunca abrandou; foi, depois, a odiosa emboscada de Bayonne, a que ele atrai, por baixas intrigas, para despojá-los de sua coroa hereditária, os bonacheirões e excessivamente confiados Bourbons de Espanha; a horrível guerra que se seguiu, que tragou trezentos mil homens, toda a energia, toda a moralidade, a maior parte do prestígio, quase todas as garantias, quase todas as dedicações e todos os destinos felizes do Império; foi, finalmente, a horrorosa e índesculpável campanha da Rússia que terminou pelo desastre definitivo da sua fortuna nos gelos de Berezína, ou nas neves da Polônia." (186)
A história da diplomacia européia nos últimos cinqüenta anos não escapa a estas regras. Os autores de faltas contra a Eqüidade têm sido castigados como que por mão invisível.
A Rússia, depois de dilacerada a Polônia, prestou seu apoio à Prússia para a invasão dos ducados dinamarqueses, "o maior crime de pirataria, diz um historiador, cometido nos tempos modernos". Foi por causa disso punida, primeiro pela própria Prússia que, em 1877, no Congresso de Berlim, desapossava-a de todas as vantagens obtidas sobre a Turquia; depois, mais cruelmente ainda, pelos reveses da Guerra da Mandchúria e sua terrível repercussão em todo o império dos czares.
A Inglaterra, depois de ter arrastado a França à longa campanha da Criméia, que foi toda em seu favor, não deixou de continuar, mais ou menos por toda a parte, uma política fria, egoísta e homicida. Depois da Guerra do Transvaal, vê-se mais enfraquecida, aproximando-se talvez dos tempos que Sír Robert predisse em termos que causam admiração: "A habilidade de nossos homens de Estado os imortalizará, se, para nós, suavizarem esta descida, de modo a evitar que se transforme numa queda; se a dirigirem de modo a fazê-la parecer-se com a Holanda e não com Cartago e Veneza."
Tal será a sorte de todas as nações que foram grandes por seus filósofos e pensadores, e que tiveram a fraqueza de pôr seus destinos nas mãos de políticos ávidos e desonestos.
Napoleão III, no exílio, Bismarck, em desvalimento e doloroso retiro, começaram a expiar o seu pouco respeito às leis morais. Quanto à Alemanha, quem sabe o que lhe reserva o futuro?
Sim, a História é um grande ensino, podemos ler em suas profundezas a ação de uma lei poderosa. Através da sucessão dos acontecimentos, sentimos, por vezes, perpassar como que um sopro sobre-humano; no meio da noite dos séculos vemos luzirem, por um instante, como relâmpagos, as radiações de um pensamento eterno.
Para os povos, como para os indivíduos, há uma justiça; no que respeita aos povos, podemos seguir-lhe a marcha silenciosa. Vemo-la muitas vezes manifestar-se através do encadeamento dos fatos. Não sucede o mesmo com relação ao indivíduo. Nem sempre ela é visível como na vida de Napoleão. Não se lhe pode seguir a marcha quando sua ação, em vez de ser imediata, se exerce a longo prazo.
A reencarnação, o regresso à carne, o escuro invólucro da matéria que cai sobre a alma e produz o esquecimento, encobrem-nos a sucessão dos efeitos e das causas; mas, como vimos, particularmente nos fenômenos do transe, desde que podemos erguer o véu estendido sobre o passado e ler o que está gravado no fundo do ser humano, então, na adversidade que o fere, nas grandes dores, nos reveses, nas aflições pungentes, somos obrigados a reconhecer a ação de uma causa anterior, de uma causa moral, e a nos inclinarmos ante a majestade das leis que presidem aos destinos das almas, das sociedades e dos mundos!
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O plano da História desenrola-se em suas linhas formidáveis. Deus envia à Humanidade seus Messias, seus reveladores, visíveis e invisíveis, os guias, os educadores de todas as ordens; mas o homem, na liberdade de seus pensamentos, de sua consciência, escuta-os ou desatende-os. O homem é livre; as incoerências sociais são obra sua. Ele lança a sua nota confusa no comércio universal, mas, essa nota discordante nem sempre consegue dominar a harmonia dos séculos.
Os gênios, enviados do Alto, brilham como faróis na escuridão da noite. Sem remontarmos à mais alta antiguidade, sem falarmos dos Hermes, dos Zoroastros, dos Kríshnas, desde a aurora dos tempos cristãos vimos erguer-se a estatura enorme dos profetas, gigantes que avultam também na História. Foram eles, com efeito, que prepararam as vias do Cristianismo, a religião dominadora, da qual mais tarde há de nascer, no evolver dos tempos, a fraternidade universal. Depois vemos o Cristo, o homem de dor, o homem de amor, cujo pensamento irradia, como beleza imperecível, o drama do Gólgota, a raína de Jerusalém, a dispersão dos judeus.
Aquém do mar azul, o desabrochar do gênio grego, foco de educação, esplendor de arte e ciência, há de iluminar a Humanidade. Finalmente, o poder romano, que ensinará ao mundo o direito, a disciplina, a vida social.
Voltam, depois, os tempos de torva ignorância, mil anos de barbárie, a grande vaga e a revessa das invasões, a emergência dos elementos ferozes na civilização, o abaixamento do nível intelectual, a noite do pensamento; mas aparecem Gutenberg, Cristóvão Colombo, Lutero. Erguem-se as catedrais góticas, revelam-se continentes desconhecidos, a Religião entra na disciplina. Graças à Imprensa, o novo pensamento espalhar-se-á por todos os pontos do mundo. Depois da Reforma virá a Renascença, em seguida virão as Revoluções'.
E eis que, após muitas vicissitudes, lutas e dilacerações, a despeito das perseguições religiosas, das tiranias civis e das inquisições, o pensamento se emancipa.
O problema da vida que, com as concepções de uma igreja que se tornara fanática e cega, continuava impenetrável, vai esclarecer-se de novo. Qual estrela sobre o mar brumoso, reaparece a grande lei. O mundo vai renascer para a vida do espírito. A existência humana deixará de ser um escuro beco sem saída para se transformar em estrada largamente aberta para o futuro.
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As leis da Natureza e da História completam-se e afirmam na sua unidade imponente. Uma lei circular preside à evolução dos seres e das coisas, rege a marcha dos séculos e das Humanidades. Cada destino gravita num círculo imenso, cada vida descreve uma órbita. Toda a ascensão humana divide-se em ciclos, em espirais que se vão amplificando, de modo a tomar um sentido cada vez mais universal.
Assim como a Natureza se renova sem cessar em suas ressurreições, desde as metamorfoses dos insetos até o nascimento e a morte dos mundos, assim também as coletividades humanas nascem, desenvolvem-se e morrem nas suas formas sucessivas; mas, não morrem senão para renascer e crescer em perfeições, em instituições, artes e ciências, cultos e doutrinas.
Nas horas de crise e desvario, surgem enviados que vêm restabelecer as verdades obscurecidas e encaminhar a Humanidade. E, não obstante a emigração das melhores almas humanas para as esferas superiores, as civilizações terrestres vão-se regenerando e as sociedades evolvem. A despeito dos males inerentes ao nosso Planeta, a despeito das múltiplas necessidades que nos oprimem, o testemunho dos séculos diz-nos que, em sua ascensão secular, as inteligências apuram-se, os corações tornam-se mais sensíveis, a Humanidade, no seu conjunto, sobe devagar; a contar de hoje ela aspira à paz na solidariedade.
Em cada renascimento volve o indivíduo à massa; a alma, reencarnando, toma nova máscara; as respectivas personalidades anteriores apagam-se temporariamente.
Reconhecem-se, entretanto, através dos séculos, certas grandes figuras do passado; torna-se a encontrar Krishna no Cristo e, em ordem menos elevada, Vergílio em Lamartine, Vercingetorix em Desaix, César em Napoleão.
Em certa mendiga, de feições altivas, de olhar imperioso, . acocorada sobre uma esterqueira às portas de Roma, coberta de úlceras e estendendo a mão aos transeuntes, poder-se-ia, segundo as indicações dos Espíritos, no século passado, reconhecer Messalina.
Quantas outras almas culpadas vivem em roda de nós escondidas em corpos disformes, expostas a males que elas, por si mesmas, prepararam, e, de alguma sorte, moldaram com seus pensamentos, com seus atos de outrora? O Dr. Pascal exprime-se assim a este respeito:
"O estudo das vidas anteriores de certos homens, particularmente feridos, revelou estranhos segredos. Aqui, uma traição, que causa uma carnificina, é punida, passados séculos, com uma vida dolorosa desde a infância e com uma enfermidade que traz a marca da sua origem - a mudez: os lábios que traíram já não podem falar; ali, um inquisidor torna à encarnação, com um corpo doente desde a meninice, para um meio familiar eminentemente hostil e com intuições nítidas da crueldade passada; os sofrimentos físicos e morais mais agudos acossam-no sem afrouxar." (187)
Estes casos são mais numerosos do que se supõe; cumpre ver neles a aplicação de uma regra inflexível. Todos os nossos atos, consoante sua natureza, traduzem-se por um acréscimo ou diminuição de liberdade; daí, para os culpados, o renascimento em invólucros miseráveis, prisões da alma, imagens e repercussão de seu passado.
Nem os problemas da vida individual, nem os da vida social se explicam sem a lei dos renascimentos; todo o mistério do ser se resume nela'. É dela que nosso passado recebe sua luz e o futuro sua grandeza; nossa personalidade amplifica-se inesperadamente. Compreendemos que não é de ontem que data. o nosso aparecimento no Universo, como ainda é crença de muitos; mas, ao inverso, nosso ponto de origem, nosso primeiro nascimento afunda-se na escuridão dos tempos. Sentimos que mil laços, tecidos lentamente através dos séculos, prendem-nos à Humanidade. 1J nossa a sua história; havemos viajado com ela no oceano das idades, afrontando os mesmos perigos, sofrendo os mesmos reveses. O esquecimento dessas coisas é apenas temporário; dia virá em que um mundo completo de recordações reavivar-se-á em nós. O passado, o futuro e toda a História tomarão a nossos olhos um novo aspecto, um interesse profundo. Aumentará nossa admiração à vista de tão magníficos destinos. As leis divinas parecer-nos-ão maiores, mais sublimes, e a própria vida tornar-se-á bela e desejável apesar de suas provas, de seus males!
XVIII. Justiça e Responsabilidade O Problema do Mal
A lei dos renascimentos, dissemos, rege a vida universal. Com alguma atenção, poderíamos ler em toda a Natureza, como num livro, o mistério da morte e da ressurreição.
As estações sucedem-se no seu ritmo imponente. O inverno é o sono das coisas; a primavera é o acordar; o dia alterna com a noite; ao descanso segue-se a atividade; o Espírito ascende às regiões superiores para tornar a descer e continuar com forças novas a tarefa interrompida.
As transformações da planta e do animal não são menos significativas. A planta morre para renascer, cada vez que volta a seiva; tudo murcha para reflorir. A larva, a crisálida e a borboleta são outros tantos exemplos que reproduzem, com mais ou menos fidelidade, as fases alternadas da vida imortal.
Como seria, pois, possível que só o homem ficasse fora do alcance desta lei? Quando tudo está ligado por laços numerosos e fortes, como admitir que nossa vida seja como um ponto atirado, sem ligação, para os turbilhões do tempo e do espaço? Nada antes, nada depois! Não. O homem, como todas as coisas, está sujeito à lei eterna. Tudo o que tem vivido reviverá em outras formas para evoluir e aperfeiçoar-se. A Natureza não nos dá a morte senão para dar-nos a vida. Já, em conseqüência da renovação periódica das moléculas do nosso corpo, que as correntes vitais trazem e dispersam, pela assimilação e desassimilação cotidianas, habitamos um sem-número de invólucros diferentes numa única vida. Não é lógico admitir que continuaremos a habitar outros no futuro?
A sucessão das existências apresenta-se-nos, pois, como uma obra de capitalização e aperfeiçoamento. Depois de cada vida terrestre, a alma ceifa e recolhe, em seu corpo fluídico, as experiências e os frutos da existência decorrida. Todos os seus progressos refletem-se na forma sutil de que ela é inseparável, no corpo etéreo, lúcido, transparente, que, purificando-se com ela, se transforma no instrumento maravilhoso, na harpa que vibra a todos os sopros do Infinito.
Assim, o ser psíquico, em todas as fases de sua ascensão, encontra-se tal qual a si mesmo se fez. Nenhuma aspiração nobre é estéril, nenhum sacrifício baldado. E na obra imensa todos são colaboradores, desde a alma mais obscura até o gênio mais radioso. Uma cadeia sem fim liga os seres na majestosa unidade do Cosmo. É uma efusão de luz e amor que, das cumiadas divinas, jorra e se derrama sobre todos, para regenerá-los e fecundá-los.
Reúne todas as almas em comunhão universal e eterna, em virtude de um. princípio que é a mais esplêndida revelação dos tempos modernos.
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A alma deve conquistar, um por um, todos os elementos, todos os atributos de sua grandeza, de seu poder, de sua felicidade, e, para isso, precisa do obstáculo, da natureza resistente, hostil mesmo, da matéria adversa, cujas exigências e rudes lições provocam seus esforços e formam sua experiência. Daí, também, nos estádios inferiores da vida, a necessidade das provações e da dor, a fim de que se inicie sua sensibilidade e, ao mesmo tempo, se exerça sua livre escolha e cresçam sua vontade e sua consciência. É indispensável a luta para tornar possível o triunfo e fazer surgir o herói. Sem a iniqüidade, a arbitrariedade, a traição, seria possível sofrer e morrer por amor da Justiça?
Cumpre que haja o sofrimento físico e a angústia moral para que o espírito seja depurado, limpe-se das partículas grosseiras, para que a débil centelha, que se está elaborando nas profundezas da inconsciência, se converta em chama pura e ardente, em consciência radiosa, centro de vontade, energia e virtude.
Verdadeiramente só se conhecem, saboreiam e apreciam os bens que se adquirem à própria custa, lentamente, penosamente. A alma, criada perfeita, como o querem certos pensadores, seria incapaz de aquilatar e até de compreender sua perfeição, sua felicidade. Sem termos de comparação, sem permutas possíveis com seus semelhantes, perfeitos quanto ela, sem objetivo para sua atividade, seria condenada à inação, à inércia, o que seria o. pior dos estados; porque viver, para o espírito, é agir, é crescer, é conquistar sempre novos títulos, novos méritos, um lugar cada vez mais elevado na hierarquia luminosa e infinita. E, para merecer, é necessário ter penado, lutado, sofrido. Para gozar da abundância, é preciso ter conhecido as privações. Para apreciar a claridade dos dias é mister haver atravessado a escuridão das noites. A dor é a condição da alegria e o preço da virtude, e a virtude é o bem mais precioso que há no Universo.
Construir o próprio "eu", sua individualidade através de milhares de vidas, passadas em centenárias de mundos e sob a direção de nossos irmãos mais velhos, de nossos amigos do Espaço, escalar os caminhos do Céu, arrojarmo-nos cada vez mais para cima, abrir um campo de ação cada vez mais largo, proporcionado à obra feita ou sonhada, tornarmo-nos um dos atores do drama divino, um dos agentes de Deus na Obra Eterna; trabalhar para o Universo, como o Universo trabalha para nós, tal é o segredo do destino!
Assim, a alma sobe de esfera em esfera, de círculos em círculos, unida aos seres que tem amado; vai, continuando as suas peregrinações, em procura das perfeições divinas. Chegada às regiões superiores, está livre da lei dos renascimentos; a reencarnação deixa de ser para ela obrigação para ficar somente ato de sua vontade, o cumprimento de uma missão, obra de sacrifício.
Depois que atingiu as alturas supremas, o Espírito diz, às vezes, de si para si: "Sou livre; quebrei para sempre os ferros que me acorrentavam aos mundos materiais.
Conquistei a ciência, a energia, o amor. Mas, o que granjeei, quero reparti-lo com meus irmãos, os homens, e, Para isso, irei de novo viver entre eles, irei oferecer-lhes o que de melhor há em mim, retomarei um corpo de carne, descerei outra vez para junto daqueles que penam, que sofrem, que ignoram, para ajudá-los, consolar, esclarecer." E, então, temos Lao-Tse, Buda, Sócrates, Cristo, numa palavra, todas as grandes almas que têm dado sua vida pela Humanidade!
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Resumamos. Havemos demonstrado, no decurso deste estudo, a importância da doutrina das reencarnações; vimos nela uma das bases essenciais em que assenta o Novo Espiritualismo; seu alcance é imenso. Ela explica a desigualdade das condições humanas, a variedade infinita das aptidões, das faculdades, dos caracteres, dissipa os mistérios perturbadores e as contradições da vida; resolve o problema do mal. 'É ela que faz suceder a ordem à desordem, estabelecer-se a luz no seio das trevas, desaparecer as injustiças, desvanecer-se as iniqüidades aparentes da sorte para serem substituídas pela lei máscula e majestosa da repercussão dos atos e de suas conseqüências. E esta Lei de justiça imanente que governa os mundos, inscreveu-a Deus no âmago das coisas e na consciência humana.
A doutrina das reencarnações aproxima os homens mais que qualquer outra crença, ensinando-lhes a comunidade de origens e fins, mostrando-lhes a solidariedade que os liga a todos no passado, no presente, no futuro. Diz-lhes que não há, entre eles, deserdados nem favorecidos, que cada um é filho de suas obras, senhor de seu destino. Nossos sofrimentos, ocultos ou aparentes, são conseqüências do passado ou também a escola austera onde se aprendem as altas virtudes e os grandes deveres.
Percorreremos todos os estádios da via imensa; passaremos alternadamente por todas as condições sociais para conquistar as qualidades inerentes a esses meios. Assim, a solidariedade que nos liga compensa, numa harmonia final, a variedade infinita dos seres, resultante da desigualdade de seus esforços e também das necessidades de sua evolução. Com ela, para longe vão a inveja, o desprezo e o ódio! Os menores de nós talvez já tenham sido grandes, e os maiores tornarão a nascer pequenos, se abusarem de sua superioridade. A cada um, por sua vez, a alegria como a dor! Daí a verdadeira confraternidade das almas; sentimo-nos todos perenemente unidos nos degraus da nossa ascensão coletiva; aprendemos a ajudar-nos e a sustentar-nos, a estender a mão uns aos outros!
Através dos ciclos do tempo, todos se aperfeiçoam e se elevam; os criminosos do passado virão a ser os sábios do futuro. Chegará a hora em que nossos defeitos serão eliminados, em que nossos vícios e nossas chagas morais serão curadas. As almas frívolas tornar-se-ão sisudas, as inteligências obscuras iluminar-se-ão. Todas as forças do mal que em nós vibram ter-se-ão transformado em forças do bem. Do ser fraco, indiferente, fechado a todos os grandes pensamentos, sairá, com o perpassar dos tempos, um Espírito poderoso, que reunirá todos os conhecimentos, todas as virtudes, e se tornará capaz de realizar as coisas mais sublimes.
Será esta a obra das existências acumuladas; será sem dúvida indispensável um grandíssimo número delas para operar tal mudança, para nos expurgar de nossas imperfeições, fazer desaparecer as asperezas de nossos caracteres, transformar as almas de trevas em almas de luz! Mas, só é poderoso e durável aquilo que teve o tempo necessário para germinar, sair da sombra, subir para o céu. A árvore, a floresta, a Natureza, os mundos no-lo dizem em sua linguagem profunda. Não se perde nenhuma semente, nenhum esforço é inútil. A planta dá suas flores e seus frutos somente na estação própria; a vida só desabrocha nas terras do Espaço após imensos períodos geológicos.
Vede os diamantes esplêndidos que fazem mais formosas as mulheres e faíscam mil cores. Quantas metamorfoses não tiveram de passar para adquirir essa pureza incomparável, seu brilho fulgurante? Que lenta incubação no seio da matéria obscura!
É neste trabalho de aperfeiçoamento que aparece a utilidade, a importância das vidas de provas, das vidas modestas e despercebidas, das existências de labor dever para vencer as paixões ferozes, o orgulho e o egoísmo, para curar as chagas morais. Deste ponto de vista, o papel dos humildes, dos pequenos neste mundo, as tarefas desprezadas patenteiam-se em toda a sua grandeza à nossa vista; compreendemos melhor a necessidade do regresso à carne para resgate e purificação.
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Resolvendo o problema do mal, o Novo Espiritualismo mostra, mais uma vez, sua superioridade sobre as outras doutrinas.
Para os materialistas evolucionistas, o mal e a dor são constantes, universais. Em toda a parte, dizem Taine, Soury, Nietzsche, Haeckel, vemos espraiar-se o mal, e o mal sempre há de reinar na Humanidade; todavia, acrescentam, com o progresso o mal decrescerá; mas, será mais doloroso, porque nossa sensibilidade física e moral irá aumentando e será necessário sofrermos e chorarmos sem esperança, sem consolação, por exemplo, no caso de uma catástrofe, irreparável a seus olhos, como a morte de um ser querido. Por conseguinte, o mal sobrepujará sempre o bem.
Certas doutrinas religiosas não são muito mais consoladoras. Segundo o Catolicismo, o mal parece predominar também no Universo e Satanás parece muito mais poderoso do que Deus. O inferno, segundo a palavra fatídica, povoa-se constantemente de multidões inumeráveis, ao passo que o paraíso é partilhado de raros eleitos. Para o crente ortodoxo, a perda, a separação dos seres que amou, são quase tão definitivas como para o materialista. Não há nunca para ele certeza completa de tornar a encontrá-los, de se lhes reunir um dia.
Com o Novo Espiritualismo a questão toma aspecto muito diferente. O mal é apenas o estado transitório do ser em via de evolução para o bem; o mal é a medida
da inferioridade dos mundos e dos indivíduos, é também, como vimos, a sanção do passado. Toda a escala comporta graus; nossas vidas terrestres representam os graus inferiores de nossa ascensão eterna.
Tudo, ao redor de nós, demonstra a inferioridade do planeta em que habitamos. Muito inclinado sobre o eixo, sua posição astronômica é a causa de perturbações freqüentes e de bruscas mudanças de temperatura: tempestades, inundações, convulsões sísmicas, calores tórridos, frios rigorosos. A Humanidade terrestre, para subsistir, está condenada a um labor penoso. Milhões de homens, jungidos ao trabalho, não sabem o que é o descanso nem o bem-estar. Ora, existem relações intimas entre a ordem física dos mundos e o estado moral das sociedades que os povoam. Os mundos imperfeitos, como a Terra, são reservados, em geral, às almas ainda em baixo grau de evolução.
Entretanto, nossa estada neste meio é simplesmente temporária e subordinada às exigências de nossa educação psíquica; outros mundos, melhor aquinhoados sob todos os pontos de vista, nos aguardam. O mal, a dor, o sofrimento, atributos da vida terrestre, têm forçosa razão de ser; são o chicote, a espora que nos estimulam e nos fazem andar para a frente.
O mal, sob este ponto de vista, tem um caráter relativo e passageiro; é a condição da alma ainda criança que se ensaia para a vida. Pelo simples fato dos progressos feitos, vai pouco a pouco diminuindo, desaparece, dissipa-se, à medida que a alma sobe os degraus que conduzem ao poder, à virtude, à sabedoria!
Então a Justiça patenteia-se no Universo; deixa de haver eleitos e réprobos; sofrem todos as conseqüências de seus atos, mas todos reparam, resgatam e, cedo ou tarde, se regeneram para evolverem desde os mundos obscuros e materiais até a Luz Divina; todas as almas amantes tornam a encontrar-se, reúnem-se em sua ascensão para cooperarem juntas na grande Obra, para tomarem parte na comunhão universal.
O mal não tem, pois, existência real, não há mal absoluto no Universo, mas em toda a parte a realização vagarosa e progressiva de um ideal superior; em toda a parte se exerce a ação de uma força, de um poder, de uma coisa que, conquanto nos deixe livres, nos atrai e arrasta para um estado melhor. Por toda a parte, a grande lida dos seres trabalhando para desenvolver em si, à custa de imensos esforços, a sensibilidade, o sentimento, a vontade, o amor!
Insistamos na noção de justiça, que é essencial; porque há precisão, necessidade imperiosa, para todas, de saber que a Justiça não é uma palavra vã, que há uma sanção para todos os deveres e compensações para todas as dores. Nenhum sistema pode satisfazer nossa razão, nossa consciência, se não realizar a noção de justiça em toda a sua plenitude. Esta noção está gravada em nós, é a Lei da alma e do Universo. Pela ter desconhecido é que tantas doutrinas se enfraquecem e se extinguem na presente hora, em redor de nós. Ora, a doutrina das vidas sucessivas é um resplendor da idéia de justiça; dá-lhe realce e brilho incomparáveis. Todas as nossas vidas são solidárias umas com as outras e se encadeiam rigorosamente. As conseqüências dos nossos atos constituem uma sucessão de elementos que se ligam uns aos outros pela estreita relação de causa e efeito; constantemente, em nós mesmos, em nosso ser interior, como nas condições exteriores de nossa vida, sofremos-lhes os resultados inevitáveis. Nossa vontade ativa é uma causa geradora de efeitos mais ou menos longínquos, bons ou maus, que recaem sobre nós e formam a trama de nossos destinos.
O Cristianismo, renunciando a este mundo, procrastinava a felicidade e a justiça para o outro, e, se seus ensinamentos podiam bastar aos simples e aos crentes, tornavam fácil aos hábeis cépticos dispensar-se da justiça, pretextando que seu reino não era da Terra; mas, com a prova das vidas sucessivas, o caso muda completamente de figura. A Justiça deixa de ser transferida para um domínio quimérico e desconhecido. É aqui mesmo, é em nós e em roda de nós, que ela exerce o seu império. O homem tem de reparar, no plano físico, o mal que fez no mesmo plano; torna a descer ao cadinho da vida, ao próprio meio onde se tornou culpado, para, junto daqueles que enganou, despojou, espoliou, sofrer as conseqüências do modo por que anteriormente procedeu.
Com o princípio dos renascimentos, a idéia de justiça define-se e verifica-se; a lei moral, a lei do Bem se patenteia em toda a sua harmonia. Esta vida não é mais do que um anel da grande cadeia das suas existências, eis o que o homem afinal compreende; tudo o que semeia, colhe-o mais cedo ou mais tarde. Deixa, portanto, de ser possível desconhecermos as nossas obrigações e esquivarmo-nos às nossas responsabilidades. Nisto, como em tudo o mais, o dia seguinte vem a ser o produto da véspera; por baixo da aparente confusão dos fatos descobrimos as relações que os ligam. Em vez de estarmos escravizados a um destino inflexível, cuja causa está fora de si, tornamo-nos senhores e autores desse destino. Em vez de ser dominado pela sorte, o homem, muito ao contrário, domina-a e cria, independentemente dela, por sua vontade e seus atos. O ideal de justiça deixa de ser afastado para um mundo transcendental; podemos definir-lhe os termos em cada vida humana, renovada em sua relação com as leis universais, no domínio das causas reais e tangíveis.
Esta grande luz faz-se precisamente na hora em que as velhas crenças desabam sob o peso do tempo, em que todos os sistemas apresentam sinais de próxima ruína, em que os deuses do passado se cobrem e se afastam, os deuses de nossa infância, os que os nossos pais adoraram. Há muito tempo que o pensamento humano, ansioso, tateia nas trevas à procura do novo edifício moral que há de abriga-lo. E, precisamente, vem agora a doutrina dos renascimentos oferecer-lhe o ideal necessário a toda a sociedade em marcha e, ao mesmo tempo, o corretivo indispensável aos apetites violentos, às ambições desmedidas, à avidez das riquezas, das posições, das honras: um dique aos desmandos do sensualismo que ameaça submergir-nos.
Com ela, o homem aprende a suportar, sem amargura e sem revolta, as existências dolorosas, indispensáveis à sua purificação; aprende a submeter-se às desigualdades naturais e passageiras que são o resultado da lei de evolução, a postergar as divisões fictícias e malsãs, provenientes dos preconceitos de castas, de religiões ou de raças. Estes preconceitos desvanecem-se inteiramente desde que se saiba que todo Espírito, nas suas vidas ascendentes, tem de passar pelos mais diversos meios.
Graças à noção das vidas sucessivas, as responsabilidades individuais, ao mesmo tempo em que as das coletividades, aparecem-nos mais distintas. Há em nossos contemporâneos uma tendência para atirar com o peso das dificuldades presentes sobre os ombros das gerações futuras. Persuadidos de que não tornarão à Terra, deixam a nossos sucessores o cuidado de resolverem os problemas espinhosos da vida política e social.
Com a lei dos destinos, a questão muda logo de face; não somente o mal que tivermos feito recairá sobre nós e teremos de pagar as nossas dívidas até ao último ceitil, como o estado social que tivermos contribuído para perpetuar com seus vícios, com as suas iniqüidades, apanhar-nos-á na sua férrea engrenagem, quando voltarmos à Terra, e sofreremos por todas as suas imperfeições. Esta sociedade, à qual teremos pedido muito e dado pouco, virá a ser outra vez "nossa" sociedade, sociedade madrasta para seus filhos, egoístas e ingratos.
No decurso de nossas estações terrestres, às vezes como poderosos, outras como fracos, diretores ou dirigidos, sentiremos muitas vezes recair sobre nós o peso das injustiças que deixamos se perpetuassem.
E não esqueçamos uma coisa. As existências obscuras, as vidas humildes e despercebidas serão em muito maior número para cada um de nós, ao passo que os homens que possuírem a abastança, a educação e a instrução representarão a minoria na totalidade das populações do Globo.
Mas, quando a grande Doutrina se tiver tornado a base da educação humana e a partilha de todos, quando a prova das vidas sucessivas aparecer a todas as vistas, então, os mais instruídos, os mais refletidos, desenvolvendo em si as intuições do passado, compreenderão que têm vivido em todos os meios sociais e terão mais tolerância e benevolência para com os pequenos, sentirão que há menos maldade e acrimônia do que sofrimento revoltado na alma dos deserdados. Que partido admirável não podem então tirar de sua própria experiência, difundindo em torno de si a luz, a esperança, a consolação?
Então o interesse, o bem pessoal, tornar-se-á- o bem de todos. Cada um se sentirá inclinado a cooperar mais ativamente para o melhoramento desta sociedade em cujo seio terá de renascer para progredir com ela e avançar para o futuro.
A hora presente é ainda uma hora de lutas; luta das nações para a conquista do Globo, luta das classes para a conquista do bem-estar e do poder. Em redor de nós agitam-se forças cegas e profundas, forças que, ontem, não se conheciam e que, hoje, se organizam e entram em ação. Uma sociedade agoniza; outra nasce. O ideal do passado vem à Terra. Qual será o de amanhã?
Abriu-se um período de transição; uma fase diferente de evolução humana, fase obscura, cheia, ao mesmo tempo, de promessas e ameaças, começou. Na alma das gerações que sobem, jazem os germens de novas florescências. Flores do mal ou flores do bem?
Muitos se alarmam, muitos se espantam. Não duvidamos do futuro da Humanidade, de sua ascensão para a luz e derramamos em volta de nós, com a coragem e perseverança incansáveis, as verdades que asseguram o dia de amanhã e fazem as sociedades fortes e felizes. Os defeitos de nossa organização social provêm principalmente de que nossos legisladores, em suas acanhadas concepções, abrangem somente o horizonte de uma vida material. Não compreendendo o fim evolutivo da existência e o encadeamento de nossas vidas terrenas, estabeleceram um estado de coisas incompatível com os fins reais do homem e da sociedade.
A conquista do poder pelo maior número não é própria para ampliar este ponto de vista. O povo segue o instinto surdo que o impele. Incapaz de aquilatar o mérito e o valor de seus representantes, leva muitas vezes ao poder os que desposam suas paixões e participam de sua cegueira. A educação popular precisa ser completamente reformada; porque só o homem ilustrado pode colaborar com inteligência, coragem e consciência na renovação social.
Nas reivindicações atuais, a noção de direito é objeto de excessivas especulações, sobreexcitam-se os apetites, exaltam-se os espíritos. Esquece-se de que o direito é inseparável do dever e até que é simplesmente sua resultante. Daí, uma ruptura de equilíbrio, uma inversão das relações de causa para efeito, isto é, do dever para o direito na repartição das vantagens sociais, o que constitui uma causa permanente de divisão e ódio entre os homens. O indivíduo que encara somente seu interesse próprio e seu direito pessoal, ocupa lugar inferior, ainda, na escala da evolução.
O direito, como disse Godin, fundador do familistério de Guise, é feito do dever cumprido. Sendo os serviços prestados à Humanidade a causa, o direito vem a ser o efeito. Numa sociedade bem organizada, cada cidadão classificar-se-á de acordo com seu valor pessoal e grau de sua evolução e em proporção com sua cota social.
O indivíduo só deve ocupar a situação merecida; seu direito está, em proporção equivalente à sua capacidade para o bem. Tal é a regra, tal é a base da ordem universal, e a ordem social, enquanto não for sua contraprova, sua imagem fiel, será precária e instável.
Cada membro de uma coletividade deve, por força desta regra, em vez de reivindicar direitos fictícios, tornar-se digno deles, aumentando o próprio valor e sua participação na obra comum. O ideal social transforma-se, o sentido da harmonia desenvolve-se, o campo do altruísmo dilata-se; mas, no estado atual das coisas, no seio de uma sociedade onde fermentam tantas paixões, onde se agitam tantas forças brutais, no meio de uma civilização feita de egoísmo e cobiça, de incoerência e má-vontade, de sensualidade e sofrimentos, são de temer muitas convulsões.
As vezes ouve-se o bramido da onda que sobe. O queixume dos que sofrem transforma-se em brados de cólera. As multidões contam-se; interesses seculares são ameaçados. Levanta-se, porém, uma nova fé, iluminada por um raio do Alto e assente em fatos, em provas sensíveis. Diz a todos: "Sede unidos, porque sois irmãos, irmãos neste mundo, irmãos na imortalidade. Trabalhai em comum para tornardes mais suaves as condições da vida social, mais fácil o desempenho de vossas tarefas futuras. Trabalhai para aumentar os tesouros de saber, de sabedoria, de poder, que são a herança da Humanidade. A felicidade não está na luta, na vingança; está na união dos corações e das vontades!"
XIX. - A Lei dos Destinos
Dada, como está, a prova das vidas sucessivas, o caminho da existência acha-se desimpedido e traçado com firmeza e segurança. A alma vê claramente seu destino, que é a ascensão para a mais alta sabedoria, para a luz mais viva. A eqüidade governa o mundo; nossa felicidade está em nossas mãos; deixa de haver falhas no Universo, sendo seu alvo a Beleza, seus meios a Justiça e o Amor. Dissipa-se, portanto, todo o temor quimérico, todo o terror do Além. Em vez de recear o futuro, o homem saboreia a alegria das certezas eternas. Confiado no dia seguinte, multiplicam-se-lhe as forças; seu esforço para o bem será centuplicado.
Entretanto, levanta-se outra pergunta: Quais são as molas secretas por cuja via se exerce a ação da justiça no encadeamento de nossas existências?
Notemos, primeiro que tudo, que o funcionamento da justiça humana nada nos oferece que se possa comparar com a lei divina dos destinos. Esta se executa por si mesma, sem intervenção alheia, tanto para os indivíduos como para as coletividades. O que chamamos mal, ofensa, traição. homicídio, determinam nos culpados um estado de alma que os entrega aos golpes da sorte na medida proporcionada à gravidade de seus atos.
Esta lei imutável é, antes de mais nada, uma lei de equilíbrio. Estabelece a ordem no mundo moral, da mesma forma que as leis de gravitação e da gravidade asseguram a ordem e o equilíbrio no mundo físico. Seu mecanismo é, ao mesmo tempo, simples e grande. Todo mal se resgata pela dor. O que o homem faz de acordo com a lei do bem lhe proporciona tranqüilidade e contribui para sua elevação; toda violação provoca sofrimento. Este prossegue a sua obra interior; cava as profundidades do ser; traz para a luz os tesouros de sabedoria e beleza que ele contém e, ao mesmo tempo, elimina os germens malsãos. Prolongará sua ação e voltará à carga por tanto tempo quanto for necessário até que ele se expanda no bem e vibre uníssono com as forças divinas; mas, na persecução dessa ordem grandiosa, compensações estarão reservadas à alma. Alegrias, afeições, períodos de descanso e felicidade alternarão, no rosário das vidas, com as existências de luta, resgate e reparação. Assim, tudo é regulado, disposto com uma arte, uma ciência, uma bondade infinitas na Obra Providencial.
No princípio de sua carreira, em sua ignorância e fraqueza, o homem desconhece e transgride muitas vezes a Lei. Daí as provações, as enfermidades, as servidões materiais, mas, desde que se instrui, desde que aprende a pôr os atos de sua vida em harmonia com a Regra Universal, "expo faceto" é cada vez menos presa da adversidade.
Os nossos atos e pensamentos traduzem-se em movimentos vibratórios, e seu foco de emissão, pela repetição freqüente dos mesmos atos e pensamentos, transforma-se, pouco a pouco, em poderoso gerador do bem ou do mal.
O ser classifica-se assim a si mesmo pela natureza das energias de que se torna o centro irradiador, mas, ao passo que as forças do bem se multiplicam por si mesmas e aumentam incessantemente, as forças do mal se destroem por seus próprios efeitos, porque esses efeitos voltam para sua causa, para seu centro de emissão e traduzem-se sempre em conseqüências dolorosas. Estando o mau, como todos os seres, sujeito a impulsão evolutiva, vê por isso aumentar-se forçosamente sua sensibilidade.
As vibrações de seus atos, de seus pensamentos maus, depois de haverem efetuado sua trajetória, volvem a ele, mais cedo ou mais tarde, e o oprimem, o apertam na necessidade de reformar-se.
Este fenômeno pode explicar-se cientificamente pela correlação das forças, pela espécie de sincronismo vibratório que faz voltar sempre o efeito à sua causa. Temos demonstração disso no fato bem conhecido de, em tempo de epidemia, de contágio, serem principalmente as pessoas, cujas forças vitais se harmonizam com as causas mórbidas em ação, as atacadas, ao passo que os indivíduos dotados de vontade firme e isentos de receio ficam geralmente indenes.
Sucede o mesmo na ordem moral. Os pensamentos de ódio e vingança, os desejos de prejudicar, provenientes do exterior, só podem agir sobre nós e influenciar-nos desde que encontrem elementos que vibrem uníssonos com eles. Se nada existir em nós de similar, estas forças ruins resvalam sem nos penetrarem, volvem para aquele que as projetou para, por sua vez, o ferirem, quer no presente quer no futuro, quando circunstâncias particulares as fizerem entrar na corrente do seu destino.
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Há, pois, na lei de repercussão dos atos, alguma coisa mecânica, automática na aparência. Entretanto, quando implica acerbas expiações, reparações dolorosas, grandes. Espíritos intervêm para regular-lhe o exercício e acelerar a marcha das almas em via de evolução. Sua influência faz-se principalmente sentir na hora da reencarnação, a fim de guiar estas almas em suas escolhas, determinando as condições e os meios favoráveis à cura de suas enfermidades morais e ao resgate das faltas anteriores.
Sabemos que não há educação completa sem a dor. Colocando-nos neste ponto de vista, é necessário livrarmo-nos de ver, nas provações e dores da Humanidade, a conseqüência exclusiva de faltas passadas. Todos aqueles que sofrem não são forçosamente culpados em via de expiação. Muitos são simplesmente Espíritos ávidos de progresso, que escolheram vidas penosas e de labor para colherem o benefício moral que anda ligado a toda pena sofrida.
Contudo, em tese geral, é do choque, é do conflito do ser inferior, que não se conhece ainda, com a lei da Harmonia, que nasce o mal, o sofrimento. É pelo regresso gradual e voluntário do mesmo ser a esta Harmonia que se restabelece o bem, isto é, o equilíbrio moral. Em todo pensamento, em toda obra há ação e reação e esta é sempre proporcional em intensidade à ação realizada. Por isso podemos dizer: o ser colhe exatamente o que semeou.
Colhe-o efetivamente, pois que, por sua ação contínua, modifica sua própria natureza, depura ou materializa o seu invólucro fluídico, o veículo da alma, o instrumento que serve para todas as suas manifestações e no qual é calcado, modelado o corpo físico em cada renascimento.
Nossa situação no Além resulta, como vimos precedentemente, das ações repetidas que nossos pensamentos e nossa vontade exercem constantemente sobre o perispírito. Segundo sua natureza e objetivo, vão-no transformando pouco a pouco num organismo sutil e radiante, aberto às mais altas percepções, às sensações mais delicadas da vida do Espaço, capaz de vibrar harmonicamente com Espíritos elevados e de participar das alegrias e impressões do Infinito. No sentido inverso, farão dele uma forma grosseira, opaca, acorrentada à Terra por sua própria materialidade e condenada a ficar encerrada nas baixas regiões.
Esta ação contínua do pensamento e da vontade, exercida no decorrer dos séculos e das existências sobre o perispírito, faz-nos compreender como se criam e desenvolvem nossas aptidões físicas, assim como as faculdades intelectuais e as qualidades morais.
Nossas aptidões para cada gênero de trabalho, a habilidade, a destreza em todas as coisas são o resultado e inumeráveis ações mecânicas acumuladas e registradas pelo corpo sutil, do mesmo modo que todas as recordações e aquisições mentais estão gravadas na consciência profunda. Ao renascer, estas aptidões são transmitidas, por uma nova educação, da consciência externa aos órgãos materiais. Assim se explica a habilidade consumada e quase nativa de certos músicos e, em geral, de todos aqueles que mostram, em um domínio qualquer; uma superioridade de execução que surpreende à primeira vista.
Sucede o mesmo com as faculdades e virtudes, com todas as riquezas da alma adquiridas no decurso dos tempos. O gênio é um longo e imenso esforço na ordem intelectual e a santidade foi conquistada à custa de uma luta secular contra as paixões e as atrações inferiores. Com alguma atenção poderíamos estudar e seguir em nós o processo da evolução moral. De cada vez que praticamos uma boa ação, um ato generoso, uma obra de caridade, de dedicação, a cada sacrifício do "eu", não sentimos uma espécie de dilatação interior? Alguma coisa parece expandir-se em nós; uma chama acende-se ou aviva-se nas profundezas do ser.
Esta sensação não é ilusória. O Espírito ilumina-se a cada pensamento altruísta, a cada impulso de solidariedade e de amor puro. Se estes pensamentos e atos se repetem, se multiplicam, se acumulam, o homem acha-se como que transformado ao sair de sua existência terrestre; a alma e seu invólucro fluídico terão adquirido um poder de radiação mais intenso.
No sentido contrário, todo pensamento ruim, todo ato criminoso, todo hábito pernicioso provoca um estreitamento, uma contração do ser psíquico, cujos elementos se condensam, entenebrecem, carregam de fluidos grosseiros.
Os atos violentos, a crueldade, o homicídio e o suicídio produzem no culpado um abalo prolongado, que se repercute, de renascimento em renascimento, no corpo material, e traduz-se em doenças nervosas, tiques, convulsões e até deformidades, enfermidades ou casos de loucura, consoante a gravidade das causas e o poder das forças em ação. Toda transgressão da lei implica diminuição, mal-estar, privação de liberdade.
As vidas impuras, a luxúria, a embriaguez e a devassidão conduzem-nos a corpos débeis, sem vigor, sem saúde, sem beleza. O ser humano que abusa de suas forças vitais, por si mesmo se condena a um futuro miserável, a enfermidades mais ou menos cruéis.
Às vezes a reparação se efetua numa longa vida de sofrimentos, necessária para destruir em nós as causas do mal, ou, então, numa existência curta e difícil, terminada por morte trágica. Uma atração misteriosa reúne às vezes os criminosos de lugares muito afastados num dado ponto para feri-los em comum. Daí as catástrofes célebres, os naufrágios, os grandes sinistros, as mortes coletivas, tais como o desastre de Saint-Gervais, o incêndio do Bazar de Caridade, a explosão de Courrières, a do "lena", o naufrágio do "Titanic", do "lreland", etc.
Explicam-se assim as existências curtas; são o completamento de vidas precedentes, terminadas muito cedo, abreviadas prematuramente por excessos, abusos ou por qualquer outra causa moral, e que, normalmente, deveriam ter durado mais.
Não devem ser incluídas em tais casos as mortes de crianças em tenra idade. A vida curta de uma criança pode ser uma provação para os pais, assim como para o Espírito que quer encarnar. Em geral, é simplesmente uma entrada falsa no teatro da vida, quer por causas físicas, quer por falta de adaptação dos fluidos. Em tal caso, a tentativa de encarnação renova-se, pouco depois, no mesmo meio; reproduz-se até completo êxito, ou, então, se as dificuldades são insuperáveis, se efetua num meio mais favorável.
*
As considerações que acabamos de fazer demonstram que, para assegurar a depuração fluídica e o bom estado moral do ser, tem-se de estabelecer uma disciplina do pensamento, de se seguir uma higiene da alma, assim como é preciso observar uma higiene física para manter a saúde do corpo.
Em virtude da ação constante do pensamento e da vontade sobre o perispírito, vê-se que a retribuição é absolutamente perfeita. Cada um colhe o fruto imperecivel de suas obras passadas e presentes; colhe-o, não por efeito de uma causa exterior, mas por um encadeamento que liga em nós mesmos o pesar à alegria, o esforço ao êxito, a culpa ao castigo. É, pois, na intimidade secreta de nossos pensamentos e na viva luz de nossos atos que devemos procurar a causa eficiente da nossa situação presente e futura.
Colocamo-nos segundo nossos méritos e no meio para que nos chamam nossos antecedentes. Se somos infelizes, é porque não temos suficiente perfeição para gozar de melhor sorte; mas, nosso destino irá melhorando na medida que soubermos fazer nascer em nós mais desinteresse, justiça e amor. O ser deve aperfeiçoar, embelezar incessantemente sua natureza íntima, aumentar o valor próprio, construir o edifício da consciência - tal é o fim de sua elevação.
Cada um de nós possui a disposição particular a que os druidas chamavam "awen", isto é, a aptidão primordial de todo ser para realizar uma das formas especiais do pensamento divino. Deus depositou no íntimo da alma os germens de faculdades poderosas e variadas; todavia, há uma das formas de seu gênio que, acima de todas as outras, ela é chamada a desenvolver com trabalho continuo até que a tenha levado a seu ponto de excelência. Estas formas são inumeráveis. São os aspectos múltiplos da inteligência, da sabedoria e da beleza eternas: - a música, a poesia, a eloqüência, o dom da invenção, a previsão do futuro e das coisas ocultas, a ciência ou a força, a bondade, o dom de educação, o poder de curar, etc.
Ao projetar a entidade humana, o pensamento divino Impregna-a mais particularmente de uma destas forças e assina-lhe, por isso mesmo, um papel especial no vasto concerto universal.
As missões do ser, seu destino e sua ação na evolução geral ir-se-ão definindo cada vez mais no sentido de suas próprias aptidões, a princípio latentes e confusas no começo de sua carreira, mas que vão despertar, crescer, acentuar-se à medida que ele for percorrendo a imensa espiral. As intuições e as inspirações que ele receber do Alto corresponderão a esse lado especial de seu caráter. Consoante suas necessidades e apelos, será sob esta forma que ele perceberá, em seu íntimo, a melodia divina.
Assim, Deus, da variedade infinita dos contrastes, sabe fazer brotar a harmonia tanto na Natureza como no seio das Humanidades.
E se a alma abusar destes dons, se os aplicar às obras do mal, se, por causa deles, conceber vaidade ou orgulho, ser-lhe-á preciso, como expiação, renascer em organismos impotentes para sua manifestação. Viverá, gênio desconhecido, humilhado entre os homens, por tanto tempo quanto seja necessário a que a dor triunfe dos excessos da personalidade e lhe permita continuar o vôo sublime, a carreira, um momento interrompida, para o Ideal.
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Almas humanas que percorreis estas páginas, elevai os vossos pensamentos e resoluções à altura das tarefas que vos tocam. As vias para o Infinito abrem-se, semea das de maravilhas inexauríveis, diante de vós. A qualquer ponto que o vôo vos leve, aí vos aguardam objetos de estudo com mananciais inesgotáveis de alegrias e deslumbramentos de luz e beleza. Por toda a parte e sempre, horizontes inimagináveis suceder-se-ão aos horizontes percorridos.
Tudo é beleza na Obra Divina. Reservado vos está., em vossa ascensão, apreciar os inumeráveis aspectos, risonhos ou terríveis, desde a flor delicada até os astros rutilantes, assistir às eclosões dos mundos e das humanidades; sentireis, ao mesmo tempo, desenvolver-se vossa compreensão das coisas celestiais e aumentar vosso desejo ardente de penetrar em Deus, de vos mergulhardes nele, em sua luz, em seu amor; em Deus, nossa origem, nossa essência, nossa vida!
A inteligência humana não pode descrever os futuros que pressente, as ascensões que entrevê. Nosso Espírito, encarcerado num corpo de argila, nos laços de um organismo perecível, não pode encontrar nele os recursos necessários para exprimir estes esplendores; a expressão ficará sempre aquém das realidades. A alma, em suas intuições profundas, tem a sensação das coisas infinitas, de que ela participa e às quais aspira. Seu destino é vivê-Ias e goza-las cada vez mais. Mas, em vão procuraria exprimi-Ias com o balbuciar da fraca linguagem humana, debalde se esforçaria por traduzir as coisas eternas na linguagem da Terra. A palavra é impotente, mas a consciência evolvida percebe as radiações sutis da vida superior.
Dia virá em que a alma engrandecida dominará o tempo e o espaço. Um século não será para ela mais do que um instante na duração e, num lampejo do seu pensamento, transporá os abismos do céu. Seu organismo sutil, apurado em milhares de vidas, há de vibrar a todos os sopros, a todas as vozes, a todos os apelos da imensidade. Sua memória mergulhará nas idades extintas. Poderá reviver à vontade tudo o que tiver vivido, chamar a si as almas queridas que compartilharam de suas alegrias e de suas dores, e juntar-se a elas.
Porque todas as afeições do passado se encontram e se ligam na vida do Espaço, contraem-se novas amizades e, de camada em camada, uma comunhão mais forte reúne os seres numa unidade de vida, de sentimento e de ação.
Crê, ama, espera, homem, meu irmão, depois... exerce tua atividade! Aplica-te a fazer passar para tua obra os reflexos e as esperanças de teu pensamento, as aspirações de teu coração, as alegrias e as certezas de tua alma imortal. Comunica tua fé às Inteligências que te cercam e participam de tua vida, a fim de que te secundem na tua tarefa e de que, por toda a Terra, um esforço poderoso erga o fardo das opressões materiais, triunfe das paixões grosseiras, abra larga saída aos vôos do Espírito.
Uma ciência nova e restaurada, não já a ciência dos preconceitos, das práticas rotineiras, dos métodos acanhados e envelhecidos, mas uma ciência aberta a todas as pesquisas, a todas as investigações, a Ciência do Invisível e do Além não tardará a vir fecundar o ensino, esclarecer o destino, fortificar a consciência. A fé na sobrevivência edificar-se-á sob mais belas formas, assentes na rocha da experiência e desafiando toda crítica.
Uma arte mais idealista e pura, iluminada por luzes que não se apagam, imagem da vida radiosa, reflexo do Céu entrevisto, virá regozijar e vivificar o espírito e os sentidos. Sucederá o mesmo com as religiões, com as crenças, com os sistemas.
No vôo do pensamento para elevar-se das verdades de ordem relativa às verdades de ordem superior, elas chegam a aproximar-se, a juntar-se, a fundir-se para fazer das múltiplas crenças do passado, hostis ou mortais, uma fé viva que há de reunir a Humanidade num mesmo impulso de adoração e prece.
Trabalha com todas as potências de teu ser por preparar esta evolução. É mister que a atividade humana se dirija com mais intensidade para os caminhos do espírito. Depois da humanidade física, é indispensável criar a humanidade moral; depois dos corpos, as almas! O que se conquistou em energias materiais, em forças externas, perdeu-se em conhecimentos profundos, em revelações do sentido íntimo. O homem está vitorioso do mundo visível; as aberturas praticadas no Universo físico são imensas; resta-lhe conquistar no mundo interior, conhecer sua própria natureza e o segredo de seu esplêndido porvir.
Não discutas, pois, mas trabalha. A discussão é vã, estéril é a crítica. Mas a obra pode ser grande, se consistir em te engrandeceres a ti mesmo, engrandecendo os outros, em fazeres o teu ser melhor e mais belo. Porque não deves esquecer que para ti trabalhas, trabalhando para todos, associando-te à tarefa comum. 0 Universo,como tua alma, renova-se, perpetua-se, embeleza-se sem cessar pelo trabalho e pela reciprocidade. Deus, aperfeiçoando sua obra, goza dela como tu gozas da tua, embelezando-a. Tua obra mais bela é tu mesmo. Com teus esforços constantes podes fazer de tua inteligência, de tua consciência, uma obra admirável, de que gozarás indefinidamente. Cada uma de tuas vidas é um cadinho fecundo do qual deves sair apto para tarefas, para missões cada vez mais altas, apropriadas às tuas forças e cada uma das quais será tua recompensa e tua alegria.
Assim, com tuas mãos irás, dia a dia, moldando teu destino. Renascerás nas formas que teus desejos constroem, que tuas obras geram, até que teus desejos apelos te tenham preparado formas e organismos superiores aos da Terra. Renascerás nos meios que preferes, junto dos seres queridos, que já estiveram associados a teus trabalhos, a tuas vidas, e que viverão contigo e para ti, como tu reviverás com eles e para eles.
Terminada que seja tua evolução terrestre, quando tiveres exaltado tuas faculdades e tuas forças a um grau de suficiente capacidade, quando tiveres esvaziado a taça sofrimentos, das amarguras e das felicidades que nos oferece este mundo, quando lhe houveres sondado as ciências e crenças, comungado com todos os aspectos do gênio humano, subirás então com teus amados para outros mundos mais belos, mundos de paz e harmonia.
Volvidos ao pó, teus últimos despojos terrestres, chegada às regiões espirituais tua essência purificada, tua memória e tua obra hão de amparar ainda os homens,teus irmãos, em suas lutas, em suas provações, e poderás dizer com a alegria de uma consciência tranqüila: "Minha passagem na Terra não foi estéril; não foram vãos meus esforços!"
NOTAS DE RODAPÉ
(124) Os livros teoséticos, diz Annie Besant, são concordes em reconhecer que "as encarnações são separadas umas das outras por um período médio de quinze séculos". (La Reincarnation, pág. 97.)
(125) Doutores Bourru e Burot - Lés Changements de Ia Personnalité. BIbIiothèque scientifique contemporaine, 1887.
(126) Ver Lancet, de Londres, número de 12 de junho de 1902.
(127) F. Myers - Ls Personnalité Humaine, pág. 333.
(128) F. Myers, pág. 103.
(129) ver acima, cap. XI, pág. 201.
(130) Extratado de Le Spiritiame et l'Anarchie, por J. Bouvery, pág. 405.
(131) Ver No Invisível, cap. XX.
(132) Ver A. de Rochas - L'Extériorisation de Ia Sensibilité.
(133) P. Janet - L'Automatisme Psychologigae, pág. 160.
(134) Ver Compte rendu du Congrès Spirite et Spiritualiste de 1900, Leyrnarie, editor, págs. 349 e 350.
(135) Th. Flournoy - Des Indes à Ia Pianète Mars, páginas 271 e 272.
(136) Revue Spirlte, janeiro de 1907, pág. 41. Artigo do Coronel de Rochas sobre as Vidas Sucessivas, Chacornac, ed. 1911. (137) Idem.
(138) A. de Rochas - Les Vies Sucoessives, pág. 497.
(139) Memória lida à Academia Delfinal, em 19 de novembro de 1904, por Albert de Rochas.
(140) Ver A. de Rochas - 1.es Vies Successives, Chacornac, págs. 68 e 75.
(141) Ver também seu livro Les Viés Sucoessives, páginas 123-162.
(142) Annales dos Sciences Psychiques, julho de 1905, página 391.
(143) Não lhe será naturalmente revelado este Incidente, ao despertar.
(144) Atualmente, Racine é o seu autor predileto. Quando esta acordada, nenhuma lembrança tem de haver alguma vez ouvido falar de Mlle. de Ia Vallière.
(145) Outro experimentador, A. Bouvler, diz (Paix Universelle de Lião, 15 de setembro de 1906): "De cada vez que o paciente torna a passar por uma mesma vida, sejam quais forem precauções que se tomem para enganá-lo ou fazê-lo enganar, sempre a ser a mesma individualidade, com o seu caráter pessoal, corrigindo, quando é preciso, os erros daqueles que o interrompem."
(146) Devo dizer que vi experiências igualmente em moços
(147) Esta opinião foi emitida na minha presença, quando passei em Alre, pelos Srs. Lacoste e Dr. Bertrand.
(148) Ver sobre o assunto A. de Rochas - Les Vies Successives, pág. 501.
(149) Annales des Seiences Psychiques, janeiro de 190(;, pág. 22.
(150) Comunicação obtida num grupo, em junho de 1907, no Havre.
(151) Herodoto, Hist., T. II, cap. CXXIII; Diogenes Laerce, Vida de Pitágoras, § 4 e 23.
(152) Fragmento, vv. 11-12, Diogenes Laerce,
(153) Ver Petit de Julleville - Histoire de Ia Littérature Française, tomo VII.
(154) Ver Lockart - Vie de W. Scott, VII, pág. 114.
(155) T. II, pág. 292.
(156) Reproduzida por Le Matin e Paris-Nouvelles, de 8 de julho de 1903, com o titulo: "Uma reencarnação% correspondência de Londres, 7 de julho.
(157) Revue Spirite, 1880, pág. 361.
(158) Annales des Sciences Psychiques, julho de 1913, na 7, págs. 196 e seguintes.
(159) Journal de Charleroi, 18 de fevereiro de 1899. Isso mesmo era o que, já no quarto século, objetava Enéias de Gaza no, seu Théophraste.
(160) Ver C. Lombroso - L'horame de Génie, tradução francesa.
(161) Ver Revue Seientifique de 6 de outubro de 1900, página 432 e Compte rendu officiel du Congrès de Psychologie, 1900, F. Alcan, pág. 93.
(162) Prof. Ch. Ríchet - Annales des Sciences Psychiques, abril, 1908, pãg. 98.
(163) Número de 25 de julho de 1900.
(164) Dr. Wahu - Le Spiritisme dans le Monde.
(165) Ver No Invisível, "A mediunidade gloriosa".
(166) Cristianismo e Espiritismo, cap. X.
(167) Foi, igualmente, o que Taine exprimiu nos seus Nouveaux Essais de Critique et d'Histoire por estes termos:
"Se acreditar que os desgraçados só o são em castigo das suas faltas, de que servirão, nesse caso, a caridade e a fraternidade? Poder-se-á ter compaixão de um doente que está sofrendo e que desespera; mas, não haverá propensão para ter-se menos pena de um culpado? Ainda mais, a comiseração deixa de ter razão de ser, seria uma falta, em virtude de ser a justiça de Deus afirmando-se e exercendo-se nos sofrimentos dos homens. Com que direito havíamos, pois, de contrariar e pôr obstáculos à Justiça Divina? A própria escravidão é legitima e quanto mais castigados, mais humilhados são os homens pelo destino, tanto mais se deve crer na sua decadência e punição."
E de admirar que um espírito tão penetrante como o de H. Taine se tenha colocado em ponto de vista tão acanhado para enfrentar tão grave problema.
(168) Número de 5 de maio de 1901, pág. 298.
(169) La Personnalité Humaine, pág. 331.
(170) Ver o Journal de 12 de dezembro, artigo do Sr. Ludovic Nandeau, testemunha da cerimônia. Ver, principalmente, Ianmato Damaehi, ou a alma japonesa, e o livro do professor americano Hearn, matriculado em uma universidade japonesa: Hakoro, ou a idéia da preexistência.
(171) Ver Depois da Morte - A doutrina secreta, o Egito, caps. I e III.
(172) Citação de P. C. Revel, Le Hasard, sa Loi et ses ConMiuenoes, pág. 193.
(173) O vulgo não quer ver hoje na metempsicose mais do que a passagem da alma humana para o corpo de seres inferiores. Na índia, no Egito e na Grécia era ela considerada, de um modo mais geral, como a transmigração das almas para outros corpos humanos. Tendemos a crer que a descida da alma à humanidade num corpo inferior não era, como a idéia do inferno no Catolicismo, mais do que um espantalho destinado, no pensamento dos antigos, a apavorar os maus. Qualquer retrogradação desta espécie seria contrária à justiça, à verdade; além de que o desenvolvimento do organismo ou perispirito, vedando ao ser humano continuar a adaptar-se às condições da vida animal, torná-la-la, aliás, impossível.
(174) Ver Ed. Schuré, Sanctuaires d'Orient, págs. 254 e seguintes.
(175) Eneida, VI, 713 e seg.
(176) Lê-se no Zohar, II, foi. 99: "Todas as almas estão sujeitas à revolução (metempsicose, aleen b'gilgulah), mas os homens não conhecem as vias de Deus, o que é bom." José (Antiq. XVIII, I, $ 3) diz que o virtuoso terá o poder de ressuscitar e viver de novo.
(177) Mateus, XI, 9, 14, 15.
(178) Mateus, XVII, 10 a 15.
(179) Mateus, XVI, 13, 14; Marcos, VIII, 28.
(180) João, III, 3 a 8.
(181) Ver Surate, II, v. 26 do Alcorão; Surate, VII, v. 55; Surate, XVII, v. 52; Surate, XIV, v. 25.
(182) Ver Tácito, Ab excessu Augusti, liv. XIV, c. 30.
(183) E o que afirmava César nos seus Commentaires de Ia guerre des Gaules, liv. VI, cap. XIX, edição Lemerre, 1919. Ver também: Alex. Poly. Histor., fragmento 138, na coleção dos fragmentos dos historiadores gregos, edit. Didot, 1849; Strabão, Geogr., liv. IV, cap. IV, Diodoro di Sicilia. Bibl. hist., liv. V, cap. XXVIII; Clemente de Alexandria, Strornates, IV, cap. XXV.
(184) As Tríades, publicadas por Ed. Williams, conforme o original gaulês e a tradução de Edward Darydd. Ver Gatien Arnoult, Philosophie Gauloise, t. I.
(185) T. L, págs. 266, 267. Ver também: H. d'Arbois de Jubainville, Les Druides et les Dieux Celtiques, págs. 137 a 140; Livre de Leinster, pág. 41; Annales de Tigernach, publicação de Whitley Stokes; Revue Celtique, t. XVII, pág. 21; Annales des Quatre Maltres, edição O. Donovan, t. I, 118, 119.
(186) Maëterlinck - Le Temple Enseveli, pág. 35.
(187) Dr. Th. Pascal - Les Lois de Ia Destinée, pág. 208.
FIM
DA
SEGUNDA
PARTE