Este raciocínio provocou uma comunicação de longo alcance, que, entretanto, não parece ter sido mais convincente do que as outras, pois o médium lhe respondeu, como se segue:
“Eu não estava satisfeito. Empreguei o tempo em examinar cuidadosamente o que me tinha sido dito, pois que minhas idéias se opunham a essa maneira de ver... Respondi que semelhante profissão de fé seria reprovada por qualquer adepto da Igreja cristã, que estava em contradição com a letra da Bíblia e que até mesmo estava sujeita ao qualificativo de anticristã.” (pág. 72).
Responderam por uma nova comunicação, à qual o médium deu a réplica seguinte:
“Não posso fazer compreender melhor o embaraço no qual me acho, do que declarando que teus raciocínios subjugam, é certo, meu espírito, mas que a fé cristã, depois de ter subsistido por mais de mil e oitocentos anos, não pode ser derribada por meio de raciocínios, por mais concludentes que eles possam parecer-me, desde que não são enunciados por uma individualidade que eu possa analisar. Podes dizer-me nitidamente que lugar assinalas a Jesus-Cristo? Por que meio podes justificar o poder que te arrogas, quer de derribar, quer de desenvolver os ensinos que são assinalados com o seu nome, de substituir um evangelho novo ao antigo? Podes dar-me uma prova demonstrativa da realidade da missão de que pretendes estar incumbido, uma prova ao alcance dos homens de bom senso? Não posso aceitar uma teoria que me parece tão revolucionária como uma coisa de origem divina, nem lhe reconhecer autoridade sob a simples palavra, nem de quem quer que seja, ainda mesmo um homem ou um anjo. É preferível não exigirem isso de mim.” (pág. 80).
Tendo recebido outras comunicações tendentes a dissipar suas dúvidas, o médium fez as reflexões seguintes:
“Relendo toda essa série de comunicações, eu estava mais do que nunca compenetrado de sua beleza, tanto pela forma, quanto pelo fundo. Quando considero que esses escritos foram executados com prodigiosa rapidez, e sem que conscientemente eu tivesse tomado parte alguma neles; que estão isentos de qualquer defeito, de qualquer imperfeição, de qualquer incorreção gramatical, e que não se descobre neles intercalação alguma, nem acréscimo do princípio ao fim; não podia deixar de admirar essa impecabilidade da forma. Quanto ao conteúdo dessas comunicações, eu ainda tinha hesitações. Uma parte dos argumentos merecia minha simpatia, mas eu estava obcecado pela idéia de que, efetivamente, eles abalavam as bases da fé cristã... Os dogmas fundamentais pareciam-me mais particularmente atacados. Eu considerava o ponto discutido como a própria essência da religião cristã.
Tinha a convicção de que espiritualizando, ou por outra forma, procurando explicar esses pontos, eu vibrava um golpe fatal em minha crença numa revelação divina qualquer. Depois de longas e pacientes reflexões, vi que era impossível chegar logicamente a outra conclusão, e recuei diante dessas asserções, que eu devia aceitar sob a fé de um ser de quem sabia tão pouco.” (pág. 101).
É inútil aprofundar mais e examinar mais longamente as peripécias dessa controvérsia intelectual, de tão palpitante interesse, cujo resultado foi uma revolução nas idéias religiosas do médium, e sabemos, entretanto, que suas crenças eram das mais tenazes, pois que datavam de sua primeira educação. As citações que acabo de fazer são suficientes para o alvo que eu visava. Aqueles que desejarem informações mais minuciosas poderão ler o texto inglês.[19]
Posso também assinalar uma série de experiências feitas com a convicção de que as manifestações espíritas não passavam de fenômenos de ordem física e que deram resultados absolutamente contrários a essa convicção. Tal foi, por exemplo, a experiência feita pelo Sr. E., descrita pelo professor Wagner no Psychische Studien de 1879. O Sr. E., a quem conheço pessoalmente, é químico e engenheiro de minas, empregado em um estabelecimento especial do Estado; recebi de sua própria boca a afirmação de que nem ele, nem membros de sua família se tinham ocupado em qualquer ocasião com o Espiritismo; que suas convicções se tinham oposto completamente às doutrinas espíritas e que a experiência que ele tentou era feita precisamente para demonstrar que esses fenômenos nada têm de místicos, ainda que não desse como demonstrada a existência deles. Eis alguns extratos do artigo do Psychische Studien, onde se encontrará exposto o resultado inesperado da primeira sessão:
“Esse pequeno círculo de pesquisadores cogitou das sessões espíritas na esperança de que conseguiriam demonstrar que os fenômenos mediúnicos não eram mais do que o desenvolvimento de fenômenos físicos conhecidos. Com tal intuito, dispôs-se a mesa em torno da qual as experiências deviam realizar-se, sobre isoladores de vidro, enrolou-se em torno dos pés dela um arame cujas pontas foram presas a um galvanômetro. Sem que nenhuma outra manifestação física se tivesse produzido, a mesa reclamou, desde a primeira sessão, o alfabeto, e por meio de pancadas, dadas por um pé móvel, a conversação seguinte foi soletrada:
– Sofro porque não tens fé!
– A quem se dirige esta frase – perguntaram os assistentes.
– A Catarina L.
– Quem és, pois? – perguntou a pessoa designada.
– Sou tua amiga, Olga N.
A Sra. L. ficou profundamente impressionada e perturbada por esta comunicação; é preciso notar que Olga N., uma de suas amigas mais íntimas, tão atéia quanto ela, tinha falecido havia um ano.”
Outro exemplo, que prova à evidência que a comunicação pode ser contrária à vontade e às convicções do médium, nos é dada pelo seguinte fato, referido pelo professor Robert Hare:
“Certo dia tirei da algibeira um pequeno alfarrábio que o médium nunca tinha visto, e abri-o na página que trazia como título: “Prefácio do editor”. Levei-o assim aberto para perto da mesa, de maneira tal que a médium só pudesse ver a capa do volume. Soletrada a primeira sílaba, a flecha parecia não poder continuar; a médium, uma senhora, voltou-se por um instante para acalmar seu filho e, durante esse tempo, a flecha acabou de soletrar a palavra inglesa editor. A médium declarou-me que em sua idéia a palavra devia ser “edição”, que até ela tinha querido fazer um esforço muscular para ir em auxílio do Espírito-guia, mas que, no momento em que sua atenção foi desviada para seu filho, o correspondente invisível tinha terminado a palavra.” (Hare – Pesquisas experimentais sobre as manifestações espíritas, págs. 61 e 62).
3
Manifestações contrárias ao
caráter e aos sentimentos do médium
Seria difícil falar com alguma precisão acerca desse gênero de fenômenos se não houvesse um símbolo externo e permanente do caráter do homem: a escrita.
A escrita contém de maneira original e segura o cunho de seu autor. É, por assim dizer, a fotografia do caráter do homem. A grafologia, se bem esteja apenas em começo, estabeleceu que a escrita é a expressão fiel dos movimentos inconscientes que caracterizam o indivíduo (Revista Filos., novembro de 1885). No domínio do hipnotismo, experiências recentes permitiram verificar que a sugestão de uma personalidade provoca na escrita do indivíduo mudanças correspondentes ao caráter da personalidade sugerida. Achando-me em Paris, em 1886, tive ensejo, graças à bondade do professor Charles Richet, de assistir a experiências desse gênero; a escrita e a ortografia do indivíduo – conservo seus espécimes [20] – modificavam-se segundo os papéis sugeridos; e, entretanto, é fácil verificar que nada mais era do que uma modificação da escrita normal do indivíduo correspondendo – assim como seus gestos e suas palavras – ao tipo sugerido.
No domínio do Espiritismo, está verificado que os médiuns empregam freqüentemente uma escrita que se distingue da sua escrita normal. Do mesmo modo que, para grande parte das manifestações mediúnicas, admito com o Sr. Hartmann que elas são o produto de nossa atividade inconsciente, assim também, nesse caso, admito de boa vontade que a mudança de escrita mediúnica pode não ser, em muitos casos, mais do que uma alteração inconsciente da escrita normal do médium, segundo as personalidades imaginárias que são evocadas por suas faculdades inconscientes. Como, porém, em todos os fenômenos espiríticos se observa uma gradação, relativamente à complexidade dos fatos e à dificuldade de aplicação das hipóteses, devemos do mesmo modo tomar em consideração as razões pelas quais um médium, escrevendo automaticamente em nome de uma personalidade A, escreve com a sua escrita ordinária, e em nome de B e de C, com uma escrita que lhe é estranha?
No ponto de vista sonambúlico ou hipnótico, as condições favoráveis ou desfavoráveis à mudança de escrita deveriam ser as mesmas em todos os casos e deveriam dar os mesmos resultados.
A dificuldade é ainda maior quando B, C e D conservam sempre sua escrita com uma identidade matemática, pois que, se B, C e D não passam de papéis, criados de momento, de que maneira sua escrita poderia reproduzir-se constantemente com idênticas gradações de caráter, traduzindo-se por idênticas gradações de escrita? Os estados psíquicos, subjetivos e inconscientes não são quantidades invariáveis (considerados como entidades individuais), e seu reaparecimento não poderia ser idêntico; não há sonhos que se repitam exatamente, e os fatos muito raros desse gênero são sempre classificados entre os casos excepcionais que é preciso atribuir a uma intervenção especial oculta.
Também temos casos em que a escrita automática difere completamente da escrita do médium; ora, criar uma escrita original, de improviso, e reproduzi-la identicamente constitui uma ação que se presta dificilmente à explicação por essa mesma teoria.
Finalmente, é preciso mencionar ainda os casos em que se reconhece na escrita automática a de uma pessoa que o médium nunca viu. Nesse caso não se pode apelar nem para a sugestão por parte de um hipnotizador, nem para uma atividade inconsciente!... Voltarei, com maior número de pormenores, a este assunto, no capítulo seguinte.
Mas a própria natureza das manifestações também pode ser contrária ao caráter do médium. Assim, que explicação se deverá dar dos casos em que imprecações, blasfêmias e obscenidades são proferidas pela boca de uma criança ou escritas por sua mão?
Citarei dois fatos característicos: O Sr. Podmore escreve ao Light de 1882 (pág. 238):
“Um pastor batista que morava em Egham, perto de Oxford, recebia pela mão de seus filhos comunicações de sua mulher, por escrito. Essas comunicações continham muitas coisas consoladoras para ele e apresentavam muitas provas de identidade. Durante algum tempo, o pastor teve a convicção de estar em comunicação com sua mulher. Subitamente, sem motivo algum plausível, o caráter das comunicações mudou, os textos bíblicos e as palavras de simpatia e de afeto foram substituídos por imprecações e blasfêmias, e o infeliz marido teve de concluir que durante todo o tempo tinha sido vítima da malevolência de um inimigo invisível.”
O leitor encontrará informações minuciosas, acerca desse caso notável, no Human Nature, de 1875, pág. 176.
Outro fato da mesma natureza me foi contado pela própria pessoa que serviu de agente:
“Pouco tempo depois da morte de sua mulher, uma de suas parentas próximas, de doze anos, começou a aplicar-se à psicografia; as comunicações apresentavam muitos pontos de semelhança com as do exemplo precedente, eram provenientes da pretendida esposa falecida e continham muitas alusões a acontecimentos que sua mulher e ele eram os únicos a conhecer e alusões a conversações que se tinham dado sem testemunhas. Porém, desejando o meu amigo obter provas mais decisivas ainda, apresentou as mais minuciosas perguntas: então, com grande surpresa, apercebeu-se de que a memória e o saber do seu interlocutor não iam além das seis semanas que precederam o falecimento de sua mulher e que ignorava tudo quanto se tinha passado antes daquela época. Quando se queixou a esse interlocutor de ter sido induzido em erro, este lhe respondeu por invectivas e maldições tais que ele ficou aterrado. Não esqueçamos que tudo isso era escrito pela mão de uma menina que não podia ter ouvido pronunciar essas palavras e ainda menos compreender a sua significação.”
Outro correspondente do mesmo jornal refere:
“Notei uma coisa estranha na escrita por intermédio da prancheta: é que o caráter das comunicações está freqüentemente em contradição completa com as convicções do médium. É assim que eu vi escrever as mais terríveis blasfêmias pela mão de pessoas que teriam preferido morrer a empregar semelhante linguagem.” (Light, 1883, pág. 124).
4
Comunicações cuja natureza está
acima do nível intelectual do médium
É só aqui que abordaremos o capítulo especial que o Sr. Hartmann consagra ao valor intelectual das manifestações, e cujo aforismo principal é concebido assim:
“Todas as comunicações têm um valor intelectual correspondente ao nível intelectual e às convicções do médium.”
E mais adiante:
“O valor intelectual das manifestações está geralmente abaixo do nível intelectual do médium e dos assistentes, algumas vezes atinge o mesmo grau, porém nunca está acima.” (pág. 116).
Vimos nas páginas precedentes que as comunicações não correspondem sempre às convicções do médium.
Vamos examinar agora se a primeira parte desse aforismo do Sr. Hartmann é exata.
É preciso reconhecer, antes de tudo que em sua maioria as comunicações espíritas constam efetivamente de trivialidades, de respostas sem importância, de raciocínios cujo valor não está acima das faculdades normais do médium, ou antes ainda de banalidades absolutas. É inútil dizer que seria desarrazoado indagar da causa real dessas manifestações em outra parte que não na atividade psíquica inconsciente do médium.
Esse gênero de comunicações explica e justifica, em parte, essa afirmação, comum aos detratores do Espiritismo, de que suas manifestações não vão nunca além do nível intelectual do médium.
Mas a palavra nunca é demais nesta afirmação. Assim formulada, ela prova mui simplesmente da parte de seu autor um conhecimento insuficiente da literatura especial ou ausência de conhecimentos práticos nesse domínio; pois que a literatura espírita contém bastantes fatos que provam que as comunicações podem estar acima do nível intelectual do médium, e todos os espíritas um pouco experimentados puderam convencer-se disso pessoalmente.
Porém a prova objetiva desse fato é difícil de dar. Como precisar o nível intelectual de um indivíduo? Como precisar o grau de elevação intelectual que o cérebro pode atingir, sob a influência de causas ocasionais e que faz que ele produza um trabalho fora do comum, sem que pudéssemos por isso arrogar-nos o direito de atribuí-los a outros fatores além das faculdades do próprio indivíduo?
Outra dificuldade se encontra ainda na contingência em que nos achamos de apelar quer para o testemunho do médium, quer para o das pessoas que o conhecem, o que equivale a uma opinião pessoal, baseada no conhecimento íntimo da pessoa, mas que não tem valor para os estranhos. Finalmente, para poder julgar ou provar, é preciso ter documentos à vista, é preciso apresentar fatos concretos e palpáveis – o que nem sempre é fácil. A amplitude da instrução e a soma de conhecimentos científicos parece poderem fornecer a medida mais segura para a apreciação séria dos fenômenos em questão.
Se pudéssemos estabelecer que um médium, em suas produções mediúnicas, blasona de um saber positivo que não possui no estado normal, isso provaria suficientemente que a afirmação do Sr. Hartmann é mal fundada!...
Entre os fenômenos desse gênero, temos as produções mediúnicas de Hudson Tuttle e principalmente seu primeiro livro: Arcana of Nature, que ele escreveu na idade de dezoito anos, e cujo primeiro volume foi publicado na Alemanha sob o título História e Leis da Criação, pelo Dr. Acker, em Erlangen, no ano de 1860, e do qual Büchner tirou muitas passagens sem suspeitar que era a obra inconsciente de um jovem abegão, sem educação científica de espécie alguma, que o tinha escrito nas solidões do Condado de Eriè, no Estado de Ohio! (veja-se Psychische Studien, 1874, página 93 – “Entrevista do Dr. Buchner com Hudson Tuttle na América”).
Poder-se-ia objetar que essa manifestação de caráter científico impessoal teve por fonte a clarividência, apoiando-se no exemplo de Andrew Jackson Davis, o qual afirma que seu livro Princípios da Natureza não tem outra origem; antes de tudo, aqui, a afirmação de um médium qualquer não pode considerar-se prova suficiente; mas, eis outro exemplo de produção mediúnica cujo caráter individual impede a possibilidade de explicação pela clarividência: quero falar do romance de Carlos Dickens: Edwin Drood, deixado por terminar pelo ilustre autor e completado pelo médium James, um jovem sem instrução. Diversas testemunhas presenciaram o modo de produção da obra, e juízes competentes apreciaram-lhe o valor literário.
Passo a dar alguns pormenores acerca dessa produção única nos anais da literatura.
Quando se espalhou o boato de que o romance de Dickens ia ser terminado por tão extraordinário e insólito processo, o Springfield Daily Union expediu um de seus colaboradores a Brattleborough (Vermont), onde habitava o médium, para fazer uma investigação, no local, de todos os pormenores dessa estranha empresa literária. Eis alguns trechos do relatório em oito colunas publicado por esse jornal, a 26 de julho de 1873, reproduzido a princípio pelo Banner of Light e depois parcialmente pelo The Spiritualist de 1873, página 322, ao qual os tiramos:
“Ele (o médium) nasceu em Boston; aos catorze anos foi colocado como aprendiz em casa de um mecânico, ofício que até hoje exerce; de maneira que sua instrução escolar terminou na idade de treze anos. Se bem que não fosse nem destituído de inteligência, nem iletrado, não manifestava gosto algum pela literatura e nunca se tinha interessado por ela.
Até então, nunca tinha experimentado publicar, em qualquer jornal, o menor artigo. Tal é o homem de quem Carlos Dickens lançou mão da pena para continuar The Mistery of Edwin Drood e que chegou quase a terminar essa obra.
Fui bastante feliz por ser a primeira pessoa a quem ele próprio participou todos os pormenores, a primeira que examinou o manuscrito e fez extratos.
Eis como se passaram as coisas. Havia dez meses, um jovem, o médium que, para ser breve, designarei pela inicial A (pois que ele não quis ainda divulgar seu nome), tinha sido convidado por seus amigos a sentar-se perto de uma mesa para fazer parte de uma experiência espírita. Até aquele dia, sempre havia zombado dos “milagres espíritas”, considerando-os fraudes, sem suspeitar que ele próprio possuía dons mediúnicos. Apenas começou a sessão, ouviram-se pancadas rápidas e a mesa, depois de movimentos bruscos e desordenados, cai sobre os joelhos do Sr. A. para fazer-lhe ver que é ele o médium. No dia seguinte, à noite, convidaram-no para tomar parte em uma segunda sessão; as manifestações foram ainda mais acentuadas. O Sr. A. caiu subitamente em transe, tomou um lápis e escreveu uma comunicação assinada com o nome do filho de uma das pessoas presentes, de cuja existência o Sr. A. não suspeitava. Mas as particularidades dessas experiências não são de interesse particular neste lugar...
Em fins do mês de outubro de 1872, no decurso de uma sessão, o Sr. A. escreveu uma comunicação dirigida a si mesmo e assinada com o nome de Carlos Dickens, com o pedido de organizar para ele uma sessão especial, a 15 de novembro.
Entre outubro e o meado de novembro, novas comunicações lembraram-lhe aquele pedido por muitas vezes. A sessão de 15 de novembro, que, segundo as indicações recebidas, se realizou às escuras, em presença do Sr. A. somente, deu em resultado uma longa comunicação de Dickens, que externou o desejo de terminar, com o auxílio do médium, seu romance não acabado.
Essa comunicação informava que Dickens tinha procurado por longo tempo o meio de conseguir esse intento, mas que até aquele dia não tinha encontrado médium apto para realizar semelhante incumbência. Ele desejava que o primeiro ditado fosse feito na véspera do Natal, noite que prezava particularmente, e pedia encarecidamente ao médium que consagrasse àquela obra todo o tempo de que pudesse dispor, sem prejudicar as suas ocupações habituais... Em breve tornou-se evidente que era a mão do mestre que escrevia, e o Sr. A. aceitou com a melhor boa vontade essa estranha situação. Esses trabalhos, executados pelo médium, fora de suas ocupações profissionais, que lhe tomavam dez horas por dia, produziram, até julho de 1873, 200 folhas de manuscrito, o que representa um volume in-octavo de 400 páginas.”
Fazendo a crítica dessa nova parte do romance, o correspondente do Springfield Daily Union exprime-se assim:
Achamo-nos aqui em presença de um grupo inteiro de personagens, cada uma dos quais tem seus traços característicos, e os papéis de todas essas personagens devem ser sustentados até o fim, o que constitui um trabalho considerável para quem em sua vida não escreveu três páginas sobre um assunto qualquer; pelo que ficamos surpresos em verificar desde o primeiro capítulo uma semelhança completa com a parte desse romance que estava publicada. A narração é recomeçada no ponto preciso em que a morte do autor a tinha deixado interrompida, e isso com uma concordância tão perfeita que o mais consumado crítico, que não tivesse conhecimento do lugar da interrupção, não poderia dizer em que momento Dickens deixou de escrever o romance por sua própria mão. Cada uma das personagens do livro continua a ser tão viva, tão típica, tão bem caracterizada na segunda parte como na primeira. Não é tudo. Apresentam-se-nos novas personagens (Dickens tinha o hábito de introduzir atores novos até nas últimas cenas de suas obras) que não são absolutamente reproduções dos heróis da primeira parte; não são bonecos, porém caracteres tomados ao vivo, verdadeiras criações. Criadas por quem?...” (pág. 323).
O correspondente prossegue:
“Eis uma multidão de pormenores de incontestável interesse. Examinando o manuscrito, notei que a palavra traveller (viajante) era escrita sempre com dois “l”, como é uso na Inglaterra, ao passo que entre nós, na América, não se usa mais de um “l”, em geral.
A palavra coal (carvão) é escrita invariavelmente coals, com um “s”, como se usa na Inglaterra. É interessante também notar no emprego das minúsculas as mesmas particularidades que se podem observar nos manuscritos de Dickens; por exemplo, quando ele designa o Sr. Grewgious, como an angular man (um homem anguloso). Também é digno de nota o conhecimento topográfico de Londres, de que dá prova o autor misterioso em muitas passagens do livro. Há também muitos torneios de linguagem usados na Inglaterra, porém desconhecidos na América. Mencionarei também a mudança súbita do tempo passado em tempo presente, principalmente em uma narração animada, transição mui freqüente em Dickens, sobretudo em suas últimas obras. Essas particularidades, e outras ainda que poderiam ser citadas, são de importância secundária, porém é com semelhantes bagatelas que se teria feito malograr qualquer tentativa de fraude.”
E eis a conclusão do artigo citado:
“Cheguei a Brattleborough com a convicção de que essa obra póstuma não passaria de uma bolha de sabão, fácil de rebentar. Depois de dois dias de exame atento, parti de novo e, devo confessá-lo, estava indeciso. Neguei em primeiro lugar como coisa impossível – como qualquer um tê-lo-ia feito depois de um exame –, que esse manuscrito tivesse sido escrito pela mão do jovem médium Sr. A.; ele me disse que nunca tinha lido o primeiro volume; particularidade insignificante, a meu ver, pois que estou perfeitamente convencido de que ele não era capaz de escrever uma só página do segundo volume. Isso não é para ofender o médium, pois que não há muitas pessoas no caso de continuar uma obra não acabada de Dickens!
Vejo-me, por conseguinte, colocado nesta alternativa: ou um homem qualquer de gênio se utilizou do Sr. A. como instrumento para apresentar ao público uma obra extraordinária, de maneira igualmente extraordinária; ou, antes, esse livro, como o pretende seu autor invisível, foi escrito, efetivamente, sob o ditado de Dickens. A segunda suposição não é mais maravilhosa do que a primeira. Se existe em Vermont um homem, desconhecido até o presente, capaz de escrever como Dickens, certamente ele não tem motivo algum para ter recorrido a semelhante subterfúgio. Se, por outro lado, é o próprio Dickens “quem fala, se bem que tenha morrido”, para que surpresas não devemos preparar-nos? Atesto, sob palavra de honra, que, tendo tido tempo suficiente de examinar com liberdade todas as coisas, não pude descobrir o mínimo indício de embuste, e se eu tivesse a autorização de publicar o nome do médium-autor, era o suficiente para dissipar todas as suspeitas aos olhos das pessoas que o conhecem, por pouco que seja.” (pág. 326).
Eis ainda algumas informações hauridas da mesma fonte:
“No começo, o médium só escrevia três vezes por semana, e nunca mais de três ou quatro páginas de cada vez; depois, porém, as sessões se tornaram bi-quotidianas e ele escrevia finalmente dez ou doze páginas, às vezes mesmo vinte. Não escrevia com a sua caligrafia normal e, feito o confronto, havia nela alguma semelhança com a de Dickens. No começo de cada sessão, a escrita era bela, elegante, quase feminina, mas, à proporção que o trabalho progredia, a escrita tornava-se cada vez mais grossa, e nas últimas páginas as letras eram cinco vezes maiores, pelo menos, do que no começo. Essas mesmas gradações se reproduziram em cada sessão, permitindo assim classificar por séries as 500 folhas do manuscrito. Algumas das páginas começam por sinais estenográficos, dos quais o médium não tinha o mínimo conhecimento. A escrita é tão rápida, às vezes, que se leva tempo para decifrá-la.
A maneira de proceder nas sessões é muito simples: preparam-se dois lápis bem aparados e grande quantidade de papel cortado em tiras; o Sr. A. retira-se só para seu aposento. A hora habitual era às seis horas da manhã ou às sete e meia da noite, horas em que ainda havia claridade durante aquela estação; entretanto, as sessões da noite prolongavam-se freqüentemente além das oito horas e meia e mesmo mais tarde, e então a escrita continuava, apesar da escuridão, com a mesma nitidez. Durante o inverno todas as sessões se realizaram às escuras.
O “secretário” de Dickens coloca o papel e os lápis ao seu alcance, põe as mãos em cima da mesa, com a palma para baixo, e espera tranqüilamente. Tranqüilidade relativa, entretanto, pois que, não obstante os fenômenos terem perdido sua novidade, e ele já se ter habituado a eles, o médium confessa não poder eximir-se a um sentimento de terror durante essas sessões, no decurso das quais ele evoca, por assim dizer, um fantasma.
Ele espera assim – algumas vezes fumando seu cigarro – durante dois, três, cinco minutos, às vezes dez, mesmo durante uma meia hora; mas, de ordinário, se as “condições são favoráveis”, não mais de dois minutos. As condições dependem principalmente do estado do tempo. Se o dia é claro, sereno, ele trabalha sem interrupção; tal seria uma máquina elétrica que funcionasse melhor com um tempo favorável; um tempo tempestuoso produz perturbação, e quanto mais violenta é a tempestade, tanto mais se acentua a perturbação. Quando o tempo é inteiramente mau, a sessão fica adiada.
Depois de se ter conservado à mesa durante o tempo preciso, segundo as circunstâncias, o Sr. A. perde gradualmente os sentidos, e é nesse estado que escreve durante uma meia hora ou uma hora. Aconteceu-lhe certo dia escrever durante uma hora e meia. O fato único de que o médium se recorda, passado o estado de transe, é a visão de Dickens que volta de cada vez; o escritor – diz ele – está sentado a seu lado, com a cabeça apoiada nas mãos, imerso em profunda meditação, com expressão séria, um pouco melancólica, no rosto; não diz uma palavra, mas lança às vezes sobre o médium um olhar penetrante e sugestivo. “Oh! que olhar!”
Essas recordações ocorrem ao médium da mesma maneira que um sonho que se acaba de ter, como uma coisa real, mas ao mesmo tempo intangível. Para indicar que a sessão está terminada, Dickens pousa de cada vez sua mão fria e pesada sobre a do médium.
Nas primeiras sessões, esse contato provocava na parte do Sr. A. exclamações de terror e, ainda nesse momento, ele não pode falar nisso sem estremecer; esse contato fazia-o sair de seu estado de transe, porém de ordinário lhe era preciso o auxílio de uma terceira pessoa para levantar suas mãos da mesa, à qual elas estavam por assim dizer aderentes por uma força magnética.[21] Readquirindo os sentidos, ele vê, esparsas pelo soalho, as tiras escritas durante essa sessão.
Essas tiras não são numeradas, de maneira que o Sr. A. é obrigado a classificá-las segundo o texto. Durante algum tempo, depois dessas sessões, o médium sentia uma dor mui intensa no peito, mas não era de longa duração, e são as únicas conseqüências desagradáveis que ficavam das sessões. O nervosismo extremo de que ele sofria, antes do desenvolvimento de suas faculdades mediúnicas, deixou-o completamente; jamais foi ele tão robusto.”
Podem-se ler outros pormenores na página 375 do Spiritualist de 1873 e página 26 do de 1874, onde o Sr. Harrison, pessoa mui competente nessas matérias, assim se exprime:
“É difícil admitir que o gênio e o senso artístico com que esse escrito está marcado e que têm tanta semelhança com o gênio e com o senso artístico de Carlos Dickens tenham induzido o seu autor, qualquer que ele seja, a só se apresentar ao mundo como hábil falsificador.”
Em um livro intitulado Essays from the Unseen, delivered trough the mouth of W. Z, a sensitive, and recorded by A. T. T. P. (Londres, 1885) (Ensaios sobre o mundo invisível, proferidos pela boca de W. Z., um sensitivo, e recolhidas por A. T. T. P.), encontrar-se-á igualmente uma série de comunicações atribuídas a diversas personagens históricas, filósofos, teólogos, etc., feitas pela boca de um operário que só conhecia as coisas de seu Estado, só tendo apenas a instrução ordinária das pessoas de sua classe, e que as transmitia em estado sonambúlico, sem pausa nem hesitação, tão rapidamente que o autor da obra tinha dificuldade em escrevê-las em estenografia.
Poder-se-ia objetar que esses diversos casos não apresentam provas suficientes, porque não excluem a possibilidade de um trabalho preparatório ou de uma falsificação sagaz; mais eis outros exemplos, nos quais se trata de comunicações que apresentam o mérito de terem sido recebidas sem delonga e de improviso, em resposta a perguntas inesperadas: o Sr. J. P. Barkas, F. G. S.[22] de Newcastle – a quem tenho o prazer de conhecer pessoalmente, bem como à médium de quem se vai tratar – publicou no Light, 1885, págs. 85 e seguintes, uma série de artigos sob este título: Respostas improvisadas a assuntos científicos, por uma médium, mulher de educação comum, e lemos:
“Em 1875, fui convidado a fazer parte de uma série de sessões que deviam realizar-se no aposento modesto de uma senhora moça, médium não profissional, que mora em Newcastle-on-Tyne. Todas as perguntas eram inscritas em um caderno no mesmo instante de serem enunciadas, e a médium escrevia as respostas ali, imediatamente. Todos esses cadernos estão em meu poder, e ponho-os à disposição das pessoas que desejarem vê-los.
Eis o problema principal que se apresenta neste caso: uma mulher de instrução comum deu respostas a diversos assuntos científicos cuidadosamente elaborados no decurso de trinta e sete noites, prolongando-se a sessão por três horas de cada vez; essas respostas são tais, que provavelmente não se encontra um homem na Inglaterra que pudesse fazer outro tanto, isto é, dar respostas tão precisas, nas mesmas condições, a todos os assuntos que foram apresentados.
Um relatório circunstanciado dessas sessões, uma autobiografia da médium, assim como exemplos dessas perguntas com as respostas, acham-se na Psychological Review de 1878 (t. I, pág. 215).
Não se deve perder de vista que a médium é uma senhora de instrução medíocre, que estava rodeada de pessoas que a observavam com atenção; que as perguntas eram inscritas e lidas em alta voz, durante a sessão; que as respostas eram escritas pela mão da médium nesse mesmo caderno, mui rapidamente; que eram improvisadas, sem a mínima correção ulterior; também não se deve esquecer de que essas perguntas referiam-se a diversos assuntos científicos e outros geralmente pouco familiares às mulheres; que a médium, como ela própria o confessa, é completamente ignorante nessas matérias; que escrevia automaticamente, sem se preocupar se suas respostas eram exatas. As pessoas que a conhecem intimamente garantem que ela nunca teve predileção pelas ciências e que nunca tinha lido livros científicos.”
As perguntas eram em grande parte escritas pelo Sr. Barkas, sem que nenhum dos assistentes as conhecesse.
A médium escrevia em estado de vigília e às escuras. Dentre as perguntas feitas, escolherei algumas que foram traduzidas, a pedido meu, por músicos de profissão.
“Pergunta – De que maneira a percepção do som chega à nossa consciência?
Resposta – É um assunto mui controverso. Sabes sem dúvida que o som, assim como a luz e o calor, é o resultado de um movimento vibratório, e que é devido à vibração das moléculas aéreas. O que chamas amplitude vibratória nada mais é do que a excursão total do movimento de vaivém, ou da oscilação dessas moléculas de ar, donde resulta a formação de uma onda sonora que se propaga sucessivamente; essa onda atinge a concha da orelha, que a conduz à membrana do tímpano, cuja vibração é transmitida às extremidades do nervo auditivo; é assim que a sensação do som chega finalmente ao sensorium.
P. – Por que dois sons idênticos podem fazer silêncio, ao passo que dois sons não idênticos não produzem esse resultado?
R. – Porque duas ondas sonoras idênticas e de sentido posto, encontrando-se, aniquilam reciprocamente seu movimento vibratório. Toma em cada mão um diapasão igual, percute esses diapasões com igual força e apóia seus ramos sobre dois ângulos de uma mesa; verás então as duas ondas, caminhando uma para outra, absorverem-se reciprocamente por seus ápices. Estas experiências merecem muito que as façam.
P. – Que diferença há entre os harmônicos de um tubo aberto de 8 pés e os de um tubo fechado de 4 pés:
R. – Nos tubos abertos, o primeiro nó vibratório acha-se no meio; o primeiro harmônico superior se formará, pois, a igual distância entre esse primeiro nó e a abertura do tubo, os outros achar-se-ão a distâncias correspondentes a 1/4, 1/6, 1/8, 1/10. Nos tubos fechados, a extremidade forma um nó que corresponde ao que se encontra no centro de um tubo aberto; a onda sonora refletida forma um primeiro nó a uma distância da extremidade igual a 1/3; outros nós se seguem em intervalos de 1/5, 1/7, 1/9, etc.” (Light, 1875, pág. 128).
O Sr. Barkas continua:
“Entre as pessoas que assistiram à sessão de 30 de agosto achava-se um professor de Música muito erudito a quem eu tinha rogado que me acompanhasse para apresentar perguntas que dissessem respeito à Música, às quais não pudesse responder, sem ter previamente estudado o assunto, uma pessoa que só tivesse conhecimentos ordinários nesse ramo. O professor apresentou as perguntas na ordem em que elas se seguem; eu as inscrevi no caderno e, depois de ter sido feita a leitura delas em voz alta, a médium começava a dar-lhes a resposta rapidamente. Apresento aqui a reprodução textual das perguntas e respostas. Não sou assaz competente para dizer se essas respostas são ou não exatas, mas certamente estão em relação com as perguntas dificílimas feitas, e não creio que um músico dentre cinco mil pudesse dá-las tão bem, nas mesmas condições. Efetivamente, ainda não encontrei músico que tenha podido responder a essas perguntas tão rapidamente e tão bem; não encontrei dentre eles muitos que as tivessem compreendido bem, segundo o sentido das respostas que lhes foram dadas.”
Dentre as 25 perguntas citadas pelo Sr. Barkas, escolho duas:
“P. – Podes dizer-me como é possível calcular a relação que liga entre si os batimentos específicos do ar tomado sob o volume constante e sob pressão constante segundo a velocidade observada no som e a velocidade determinada por meio da fórmula de Newton?
R. – Essa relação só pode ser calculada da seguinte maneira: suponhamos que se percutem simultaneamente duas cordas ou dois diapasões; se a intensidade do som é a mesma, ou quase a mesma para as duas, os batimentos produzir-se-ão da seguinte maneira: admitindo-se que o número das vibrações seja de uma parte de 228, e de outra parte de 220 por segundo, o número dos movimentos que impressionarão o ouvido será de
228 – 220 = 8 por segundo
Isto fará 8 movimentos por segundo; é o número máximo de movimentos que podem impressionar o ouvido.
P. – Podes explicar-me a origem dos movimentos resultantes das consonâncias imperfeitas?
R. – Esta questão entra, propriamente falando, no domínio da acústica. Todo som, movimento ou pulsação é percebido graças ao movimento vibratório que imprime ao ar; muitos sons produzem muitas ondas, e os sons que se originam em determinado lugar do aposento enchem o ar em sua proximidade imediata, o que faz que as ondas se entrecruzem e por suas interferências dêem lugar a batimentos ou pulsações mais ou menos claras, se os sons diferem muito pouco.” (Light, 1885, pág. 189).
P. – Queres dar uma descrição popular do olho humano, se não conheces as teorias de Helmholtz?
R. – Não conheço esse senhor, nem suas teorias, nem suas obras. O olho humano é um corpo convexo, cuja parte anterior, saliente, constitui a córnea. Ele é recoberto por três membranas, ou antes quatro, o que não é admitido por todos: a esclerótica, a coróide e a retina, que não é uma membrana propriamente dita, porém uma expansão do nervo óptico. No exterior, a esclerótica é recoberta por uma membrana que se estende igualmente sobre a córnea; ela é conhecida pelo nome de membrana adnata ou conjuntiva. A coróide forra a esclerótica pela face interna; é impregnada por uma matéria corante escuro-carregado – o pigmento coroidiano – e serve para absorver todos os raios luminosos inúteis. Falemos em primeiro lugar da córnea – a janela do olho: é uma substância laminosa, transparente, semelhante ao talco, no interior da qual se encontra o humor aquoso contido em um pequeno saco; por trás desta acha-se o íris, que funciona como anteparo, desviando todos os raios luminosos exteriores, que de outra maneira penetrariam através da pupila. O cristalino é um corpo lenticular convexo, ou antes biconvexo, mais recurvado do lado do corpo vítreo, humor que enche a grande cavidade do olho e faz que todos os raios luminosos que entram pela pupila se tornem convergentes; esses raios se reúnem em um foco situado sobre a retina, onde formam uma espécie de fotografia dos objetos donde emanam; a retina, impressionada pelos raios que penetram no olho, reage sobre o nervo óptico, que transmite ao cérebro a impressão recebida. O olho propriamente não vê, como sucede também com um aparelho óptico qualquer, ele apenas reflete e fotografa os objetos. Não sei se esta descrição é suficientemente clara. Poderia dar-te uma descrição melhor da estrutura do órgão.” (Light, 1883, pág. 202).
A conferência que o Sr. Barkas fez em 1876, em Newcastle (publicada no Spiritualist do mesmo ano, II, págs. 146, 188), termina por estas considerações:
“As perguntas e as respostas, das quais lhe fiz a leitura, formam apenas a mínima parte do que a médium obteve durante as sessões. Todos convirão em que essas respostas só podem emanar de uma pessoa mui versada nos diversos ramos difíceis da ciência às quais elas se referem. Não é um montão de trivialidades. Pelo contrário, essas respostas vão ao fim das perguntas, e mesmo adiante. Além dessas respostas sucintas dadas a perguntas formuladas acerca de diversos assuntos, a médium obteve tratados completos sobre o calor, a luz, a fisiologia das plantas, a eletricidade, o magnetismo, a anatomia do corpo humano, e pode-se dizer que cada um desses tratados faria honra a um adepto da Ciência. Todos esses tratados são improvisos, executados sem a mínima hesitação e aparentemente sem estudo preparatório.
Durante todo o tempo das sessões a médium parecia estar em seu estado normal. Essa senhora conversava conosco durante todo o tempo e respondia com ar inteiramente natural quando lhe dirigiam a palavra, em matéria de simples conversa. A influência oculta que a dominava só se traía no movimento automático da mão.
Atesto que concebi e apresentei, eu mesmo, a maior parte das perguntas, que a médium não podia, por conseguinte, ter conhecimento delas previamente: além de mim mesmo, nenhum dos assistentes conhecia o seu conteúdo; essas perguntas foram apresentadas freqüentemente sem premeditação, e as respostas foram escritas pela médium, à nossa vista; ter-lhe-ia sido materialmente impossível munir-se de antemão de informações quaisquer acerca das respostas a dar.
Acrescentarei que ela nunca recebeu um penny de remuneração por todas as horas – cem, pelo menos – que consagrou com tanto desinteresse ao estudo de seus notáveis fenômenos mediúnicos.”
A Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres, a cuja atenção essas experiências foram recomendadas, negou-lhes todo o valor em conseqüência de um certo número de erros que as respostas continham. Os erros são sempre possíveis e o Sr. Barkas não apresentou essas respostas como espécimes de infalibilidade científica. O interesse principal dessas experiências não se baseia nisso.
Admitamos mesmo que 50% dessas respostas não estejam isentas de inexatidões – e a crítica publicada no jornal da Sociedade não menciona mais de uma dúzia delas – ficaria ainda por explicar a origem das outras respostas, não criticadas, cujo número se eleva a mais de cem.
Segundo essa crítica, tudo se explicaria por uma excelente memória para os termos técnicos, pela leitura de um artigo de muitos anos passados, acerca da acústica, e de qualquer manual popular moderno. Está aí mais um exemplo dessa crítica fácil que se sai de embaraços apelando para a fraude; o escritor nem sequer se preocupa em explicar essa escolha estranha de “um tratado antigo”. Seria talvez para melhor pôr em relevo a individualidade invisível que inspirou essas respostas à médium? Porém, nesse caso, uma palavra inconsiderada tirada de um “manual moderno” teria feito trair a fonte facilmente.
Segundo o Sr. Hartmann, é nas misteriosas operações da “leitura cerebral” que é preciso procurar a explicação desses fatos. Esse argumento é mais sério, certamente, que o do crítico inglês; pelo que me apressei em escrever ao Sr. Barkas para pedir-lhe algumas explicações, com a intenção de examinar se a hipótese do Sr. Hartmann pode ser aplicada no caso que se apresenta. Ele me enviou a carta seguinte:
“Newcastle-on-Tyne, 8 de fevereiro de 1888.
O senhor pergunta-me em primeiro lugar se eu mesmo estava no caso de responder de maneira tão precisa, quanto a médium o fez, às perguntas de Física que eu lhe dirigi; em seguida, deseja saber além de que pontos as respostas recebidas por intervenção da médium não poderiam mais ser consideradas um efeito da leitura cerebral. No que diz respeito à Física, devo dizer que eu poderia responder a um certo número das perguntas apresentadas à médium, porém não tão bem como ela o fez; tratando de certas especialidades, eu não teria recorrido, naquela época, a uma fraseologia tão técnica e precisa; isso diz respeito mais particularmente à descrição do cérebro e da estrutura do sistema nervoso, à circulação do sangue, à estrutura e funcionamento dos órgãos da vista e do ouvido. As respostas recebidas pela médium eram, em geral, notavelmente superiores aos meus conhecimentos científicos de então, e são superiores às que eu poderia dar atualmente – isto é, depois de doze anos –, se eu tivesse de escrevê-las sem me preparar de antemão para isso.
Estudei cerca das três quartas partes dessas perguntas antes de as submeter à médium; e entretanto, devo confessar que eu não teria podido redigir minhas respostas com a mesma exatidão e com a mesma elegância de linguagem como que eram as transmitidas pela médium.
Essas respostas contêm muitos termos técnicos que certamente eu não teria tido a lembrança de empregar, por falta de uso. De outro lado, há naquelas respostas expressões que me eram totalmente desconhecidas, por exemplo a expressão “membrana adnata” (adnata), para designar a conjuntiva; aliás, eu só encontrei um único médico aqui que conhecia esse termo.
Compreendo toda a dificuldade que tenho em informá-lo de maneira mui satisfatória sobre os pormenores que lhe interessam, visto que sou obrigado a tratar de minha sinceridade e a fazer alusões a meu apreço individual para ajuizar do que eu sabia e do que não sabia na época em que se fizeram as sessões. Posso, entretanto, afirmar sob palavra que eu não estava no caso de responder, de modo tão minucioso, a grande parte das perguntas de Física que eu apresentara sem tê-las comunicado, desde o princípio, a outras pessoas, e havia ali centenas de perguntas às quais eu não teria podido responder absolutamente.
É exato que eu não teria sabido responder às perguntas sobre Música. Realizaram-se três sessões consagradas às ciências musicais; foi às duas últimas que assistiu o professor de música. Na primeira, fui eu quem apresentou todas as perguntas: dois dias antes, eu tinha pedido encarecidamente a um dentre meus amigos, perito em matéria musical, que mas formulasse, e não tentei compreendê-las sequer; apresentei-as à médium, que escreveu imediatamente, sem a mínima hesitação, as respostas que o senhor leu, e ainda outras. Nem um só músico se achava naquela sessão. A própria médium só tinha noções muito elementares de música.[23]
Nas outras duas sessões, a maioria das perguntas que tratavam de crítica musical foram apresentadas pelo professor de música; fui eu quem apresentou as outras – eu as tinha obtido de alguns músicos dentre meus amigos. Parece-me que, dentre as respostas dadas às perguntas do professor, algumas não combinavam com as suas opiniões. Quanto às que se referem às perguntas apresentadas por mim, eu ignorava então se eram ou não exatas.
Eu ficaria bem satisfeito em conhecer, ao menos um só caso bem averiguado, de um sensitivo iletrado que, sem ser mesmerizado, tivesse respondido por escrito, em estilo correto e científico, a perguntas acerca de música e de ciência, por meio da leitura de pensamentos ou pela ação da vontade exercida por um sábio ou por um músico vivo.
Desejaria que o Sr. Hartmann tentasse a experiência e que submetesse essas mesmas perguntas a um de seus sensitivos, mesmerizados ou não. Seria preciso ainda, para que a experiência fosse leal e valiosa, que o sensitivo lesse não só no espírito do magnetizador, porém ainda no das pessoas estranhas com as quais não estivesse em relação magnética.
Pede-me o senhor que indique as perguntas às quais nem eu nem nenhum dos assistentes teríamos podido responder.
Na primeira das sessões consagradas à música, nenhuma das pessoas presentes era capaz de dar uma resposta coerente. Ninguém do mesmo modo teria podido responder a perguntas de Química, de Anatomia, as que diziam respeito ao olho, ao ouvido, à circulação do sangue, ao cérebro, ao sistema nervoso e a muitas outras relacionadas com as ciências físicas. À exceção do Sr. Bell, que tinha algumas noções de Química prática, mas não se exprimia com facilidade, e de mim, que conhecia rudimentos da Física, as pessoas que assistiam às sessões eram absolutamente alheias a essas matérias.
Aceite, etc.,
P. T. Barkas.”
Eis ainda outro fato que parece triunfar de todas as objeções: ele foi comunicado ao Light (1884, pág. 499) pelo General-major A. W. Drayson e publicado sob este título: The Solution of Scientific Problems by Spirits (Solução de Problemas Científicos pelos Espíritos). Eis aqui a sua tradução:
“Tendo recebido do Sr. Georges Stock uma carta em que me perguntava se eu podia citar, ao menos um exemplo, em que um Espírito, ou um que o pretendesse ser, tivesse resolvido, durante uma sessão, um desses problemas científicos que preocuparam os sábios do século passado, tenho a honra de comunicar-lhe o fato seguinte, do qual fui testemunha ocular.
Em 1781, William Herschel descobriu o planeta Urano e seus satélites. Observou que esses satélites, ao contrário de todos os outros satélites do sistema solar, percorrem suas órbitas de oriente para ocidente. J. F. Herschel diz em seus Esboços Astronômicos: “As órbitas desses satélites apresentam particularidades completamente inesperadas e excepcionais, contrárias às leis gerais que regem os corpos do sistema solar. Os planos de suas órbitas são quase perpendiculares à eclíptica, fazendo um ângulo de 70º58, e eles os percorrem com movimento retrógrado, isto é, sua revolução em torno do centro de seu planeta efetua-se de leste a oeste, ao invés de seguir o sentido inverso.”
Quando Laplace emitiu a teoria de que o Sol e todos os planetas se formaram à custa de uma matéria nebulosa, esses satélites eram um enigma para ele.
O Almirante Smyth menciona em seu Ciclo Celeste que o movimento desses satélites, com surpresa de todos os astrônomos, é retrógrado, ao contrário do movimento de todos os outros corpos observados até então.
Na “Gallery of Nature”, diz-se do mesmo modo que os satélites de Urano descrevem sua órbita de leste a oeste, anomalia estranha que faz exceção no sistema solar.
Todas as obras sobre a Astronomia, publicadas antes de 1860, contêm o mesmo raciocínio a respeito dos satélites de Urano.
Por meu lado, não encontrei explicação alguma a essa particularidade; para mim, era um mistério do mesmo modo que para os escritores que citei.
Em 1858, eu tinha como hóspede, em minha casa, uma senhora que era médium, e organizamos sessões quotidianas. Certa noite ela me disse que via a meu lado uma pessoa que pretendia ter sido astrônomo durante sua vida terrestre. Perguntei a essa personagem se estava mais adiantada presentemente do que durante sua vida terrestre. “Muito mais” – respondeu ela.
Tive a lembrança de apresentar a esse pretendido Espírito uma pergunta a fim de experimentar seus conhecimentos:
– Pode dizer-me – perguntei-lhe – por que os satélites de Urano fazem sua revolução de leste para oeste e não de oeste para leste?
Recebi imediatamente a resposta seguinte:
– Os satélites de Urano não percorrem sua órbita de oriente para ocidente; eles giram em torno de seu planeta de ocidente para oriente, no mesmo sentido em que a Lua gira em torno da Terra. O erro provém de que o pólo sul de Urano estava voltado para a Terra no momento da descoberta desse planeta; do mesmo modo que o Sol, visto do hemisfério austral, parece fazer o seu percurso quotidiano da direita para a esquerda e não da esquerda para a direita, os satélites de Urano moviam-se da esquerda para a direita, o que não quer dizer que eles percorram sua órbita de oriente para ocidente.
Em resposta a outra pergunta que apresentei, meu interlocutor acrescentou:
– Enquanto o pólo sul de Urano estava voltado para a Terra, para um observador terrestre parecia que os satélites se deslocavam da esquerda para a direita e concluiu-se daí, por erro, que eles se dirigiam do oriente para o ocidente; esse estado de coisas durou cerca de 42 anos. Quando o pólo norte de Urano está voltado para a Terra, sue satélites percorrem o trajeto da direita para a esquerda, e sempre do ocidente para o oriente.
Em seguida perguntei como tinha sucedido não se ter reconhecido o erro 42 anos depois da descoberta do planeta Urano por W. Herschel. Responderam-me:
– É porque, em regra, os homens não fazem mais do que repetir o que disseram as autoridades que os precederam; deslumbrados pelos resultados obtidos por seus predecessores, não se dão ao trabalho de refletir.
Guiado por essa informação, comecei a resolver o problema geometricamente e apercebi-me de que a explicação respectiva era exata, e a solução muito simples. Por conseguinte, escrevi sobre essa questão um tratado que foi publicado nas memórias do Ensino Real da Artilharia, em 1859.
Em 1862, dei essa mesma explicação do pretendido enigma em uma pequena obra sobre a Astronomia: Common Sights in the Heavens (Olhar pelos Céus); mas a influência da “opinião autorizada” é tão funesta, que só em nossos dias os escritores que se ocupam de Astronomia começam a reconhecer que o mistério dos satélites de Urano deve ser atribuído à posição do eixo desse planeta.
Na primavera do ano de 1859, tive ainda por uma vez oportunidade de, por intervenção da mesma médium, conversar com a personalidade que se apresentava como o mesmo Espírito; perguntei-lhe se podia esclarecer-me acerca de um outro fato astronômico ainda desconhecido. Naquele tempo eu possuía um telescópio com uma objetiva de 4 polegadas e de uma distância focal de 5 pés. Fui informado de que o planeta Marte tinha dois satélites que ninguém tinha visto ainda e que eu poderia descobrir em condições favoráveis. Aproveitei-me da primeira ocasião que se apresentou para fazer observações nesse sentido, mas não descobri coisa alguma. Participei essa comunicação a três ou quatro amigos com os quais eu fazia experiências espiríticas, e ficou decidido que guardaríamos segredo acerca do que se tinha passado, pois que não possuíamos prova alguma em apoio às alegações de meu interlocutor, e corríamos o risco de expor-nos à risada geral.
Durante minha estada nas Índias, falei nessas revelações ao Sr. Sinnett, não posso dizer com exatidão em que época. Dezoito anos mais tarde, em 1877, esses satélites foram descobertos por um astrônomo, em Washington.”
5
Mediunidade das crianças de
peito e das crianças muito novas
O Sr. Hartmann diz-nos:
“Só um médium que sabe escrever pode obter escrita automática ou escrita a distância (sem o auxílio da mão).” (pág. 49).
É evidente que as crianças de peito não sabem escrever e que, se escrevem, é uma prova concludente de que nos achamos em presença de uma ação inteligente que está acima e fora do organismo da criança. Ora, nos anais do Espiritismo há muitos exemplos desse gênero.
Somente é de lamentar que não se tenha prestado mais atenção a esses fenômenos e que não se tenham feito nesse sentido experiências seguidas e bem organizadas. Não temos que recolher senão observações feitas ocasionalmente, simples menções; porém, por mais breves que elas sejam, não deixam de oferecer-nos um interesse capital.
O primeiro fato desse gênero é citado no livro de Capron, Modern Spiritualism, página. 210; ocorreu em 1850 e Capron conta-o assim:
“Em nosso círculo íntimo, refere o Sr. Leroy Sunderland, nunca qualquer das perguntas apresentadas ficou sem resposta. Essas respostas se obtinham ordinariamente por intermédio de minha filha, a Sra. Margarida Cooper, e algumas vezes por intermédio de sua filha, minha neta, que apenas tinha dois meses. Enquanto eu conservava a criança nos braços, não havendo ao lado nenhuma outra pessoa, obtínhamos respostas (por meio de pancadas) que os nossos correspondentes invisíveis diziam produzirem-se por intervenção desse pequeno médium.”
Tirarei à obra de Mrs. Hardinge, Modern American Spiritualism, o exemplo seguinte:
“Apercebendo-se de que os fenômenos espiríticos tornavam-se cada vez mais freqüentes em Waterford, perto de Nova Iorque, os pastores protestantes do lugar dirigiram-se ao General Bullard, pedindo-lhe que examinasse essa questão em companhia de alguns outros cidadãos, a fim de pôr um termo a esse escândalo. A comissão formada para esse fim dirigiu-se à casa do Sr. Attwood, onde, segundo os boatos, se produziam coisas admiráveis pela mediunidade de seu filho. Os membros da comissão receberam bom acolhimento e foram introduzidos em um aposento onde viram a criança, que se divertia com brinquedos. A chegada dos visitantes não parecia agradar-lhe de qualquer maneira, mas os doces triunfaram finalmente de seu meu humor, e ela se deixou acomodar em uma cadeira alta, perto da mesa. Em breve esse pesado móvel se pôs em movimento, os visitantes foram deslocados com suas cadeiras, pancadas violentas fizeram-se ouvir, e por seu intermédio obtiveram-se diversas comunicações que parecia emanarem de parentes das pessoas presentes. Entre outras, o irmão falecido do General Bullard manifestou o desejo de comunicar-se.
Com o fim de verificar o fenômeno, o general pensou: “Se é verdadeiramente meu irmão, aproxime de mim esta criança com a cadeira.”
Qual não foi sua surpresa e a de todos os assistentes, quando a cadeira na qual estava a criança defronte do general, na outra extremidade da mesa, foi levantada com a criança e, fazendo meia volta, colocou-se suavemente a seu lado. O general era o único a compreender o sentido daquele ato e, com grande confusão dos membros da comissão, ele exclamou, sob o impulso de um sentimento irresistível: “Juro que tudo isso é verdadeiro!”
Um dos exemplos mais bem verificados da mediunidade das crianças nos é fornecido pelo filho da Sra. Jencken (ex-Srta. Kate Fox), em casa de quem se produziram as primeiras manifestações, quando ele apenas tinha dois meses. Encontramos a narração desse fato no Spiritualist de 1873, página 425:
“Certo domingo, a 16 de novembro de 1873, interessantes fenômenos espíritas produziam-se na casa do Sr. Jencken, que nos comunica o que se segue:
– Voltando de uma expedição a Blackheath, para onde me tinha dirigido em companhia de minha mulher, sou informado pela ama de leite que cuidava da criança que durante nossa ausência se tinham dado coisas estranhas: cochichos tinham-se feito ouvir acima do leito da criança, passos tinham ressoado por todo o aposento. A ama mandou buscar a criada de quarto e ambas afirmaram ter ouvido vozes e o roçagar de vestidos.
Esses testemunhos são tanto mais preciosos quanto nem uma nem outra conheciam o poder mediúnico de minha mulher. No mesmo dia de minha chegada, enquanto eu tinha a criança nos braços, na ausência de minha mulher fizeram-se ouvir pancadas – prova evidente das faculdades mediúnicas dessa criança.”
Uma semana depois o Sr. Jencken fazia ao Spiritualist a comunicação seguinte:
“O desenvolvimento das faculdades mediúnicas de meu filho continua sempre. A ama de leite conta ter visto, ontem à noite, muitas mãos fazendo passes sobre a criança.”
Esse caso é particularmente interessante no ponto de vista da teoria do Sr. Hartmann, que deverá explicar-nos como um magnetizador de dois meses, por conseguinte inconsciente, pode sugerir à sua ama de leite a alucinação de mãos fazendo passes em torno de si!...
Aos cinco meses e meio, a criança começou a escrever. Encontramos as informações seguintes a esse respeito no jornal Medium and Daybreak (8 de maio de 1874):
Na primeira página desse número, sob o título Maravilhosas faculdades mediúnicas de uma criança, lemos esse fac-símile:
“Amo essa criança. Deus a abençoe. Aconselho a seu pai que volte sem falta para Londres, na segunda-feira. – Susana.”
Por baixo da assinatura encontra-se a menção seguinte:
“Estas palavras são escritas pela mão do filhinho do Sr. Jencken, quando ele tinha a idade de cinco meses e quinze dias. Estávamos presentes e vimos como o lápis foi colocado na mão da criança pela mesma força invisível que conduziu sua mão.”
Seguem-se as assinaturas: Wason. K. F. Jencken e uma cruz feita pela mão da Sra. Mc Carty, iletrada, a ama de leite que conservava a criança sobre os joelhos.
Citarei ainda o testemunho seguinte do Sr. Wason, publicado no mesmo número:
“Os esposos Jencken tinham vindo de Londres a Brighton por causa da saúde da mãe da criança.
A 6 de março, dia em questão, havia mais de três dias que eles tinham chegado; eu era seu hóspede naquela época, ou, para melhor dizer, ocupávamos um aposento comum. A saúde da Sra. Jencken e de seu filho tinha melhorado visivelmente, mas o Sr. Jencken, pelo contrário, sentia-se indisposto: ele era vítima de dores de cabeça, acompanhadas de nevralgias, e sofria cada vez mais do estômago e dos órgãos digestivos.
Eu atribuía sua moléstia à atividade contínua em que ele vivia entre sua residência de Londres (em Tiple) e Brighton, o que lhe custava quotidianamente um percurso de 105 milhas, e para todo o tempo de sua estada no campo, isto é, no prazo de quatro meses, nunca menos de 8.000 milhas. O Sr. Jencken não partilhava de minha opinião a respeito das causas de sua moléstia e consultou um médico alemão de sua amizade, que lhe deu razão, contra mim; de maneira que tive de abandonar a esperança de convencê-lo de que suas viagens quotidianas em caminho de ferro, em ônibus e em cabriolés lhe eram funestas.
Era, pois, a 6 de março, cerca de 1 hora da tarde; a ama de leite estava sentada, conservando a criança sobre os joelhos, no salão, perto da chaminé; eu estava escrevendo em uma mesa, muito perto da ama, e a Sra. Jencken achava-se no aposento vizinho; a porta estava aberta. De repente a ama exclamou: “A criança tem um lápis na mão!” Ela não disse que esse lápis tinha sido posto na mão da criança por uma força invisível; por conseguinte, não prestei atenção alguma ao que a ama disse, conhecendo por experiência a força com que uma criança nos segura o dedo, e continuei a escrever. Mas a ama exclamou imediatamente, com maior admiração ainda: “A criança está escrevendo!”, o que intrigou a Sra. Jencken, que foi para o quarto.
Levantei-me também e olhei por cima do ombro da Sra. Jencken, e vi, efetivamente, que a criança tinha um lápis na mão e que este assentava sobre a extremidade do papel com a comunicação, da qual tomamos uma fotografia imediatamente. Devo dizer aqui que “Susana” era o nome de minha mulher falecida, a qual, em vida, queria muito às crianças e cujo Espírito (como o supúnhamos) se tinha manifestado por muitas vezes por meio de pancadas e de escrita automática, por intermédio da Sra. Jencken; antes de seu casamento esta última usava o nome, bem conhecido no mundo espírita, de Kate Fox, e foi em sua família que se produziram, nas circunvizinhanças de Nova Iorque, as primeiras manifestações mediúnicas, as pancadas de Rochester, que inauguraram o movimento espiritualista de nosso século.
Quanto ao conselho de Susana, convidando o Sr. Jencken a voltar na segunda-feita para Londres, os leitores lhe darão o seu justo valor quando souberem que depois de ter aceito esse conselho e posto termo à sua atividade contínua, ficou rapidamente curado e tornou-se tão sadio e robusto quanto dantes.
Aceite, etc.
James Wason, Solicitador
Wason’s Buildings – Liverpool.”
Eis aqui outros pormenores acerca do desenvolvimento das faculdades dessa criança, publicados por seu pai no Spiritualist de 20 de março de 1874:
“A faculdade de escrever que tem meu filho parece continuar. A 11 de março, quando minha mulher e eu estávamos à mesa, e a ama sentada com a criança defronte de mim, colocou-se um lápis na mão direita da criança. Minha mulher pôs uma folha de papel em cima dos joelhos da ama, por baixo do lápis. A mão do pequeno escreveu imediatamente esta frase: “Estimo muito este menino. Deus abençoe a sua mãe. Sou feliz. – J. B. F.”
Externei o desejo de que a criança dirigisse algumas palavras a sua avó, que tem mais de noventa anos, e, alguns minutos depois, a força invisível tirou um pedaço de papel de uma mesa e colocou-o sobre os joelhos da ama; ao mesmo tempo um lápis se achou colocado na mão de meu filho e este traçou rapidamente estas palavras: “Estimo minha avó.” O papel e o lápis foram atirados ao chão e pancadas avisaram-me de que o meu desejo tinha sido satisfeito.
Outra manifestação do dom extraordinário de meu filho deu-se nessas poucas semanas passadas. Entrei no quarto da criança para acender a lamparina. Aproximando-me do leito, notei que a sua cabeça estava rodeada por uma auréola que envolveu em pouco tempo todo o seu corpo, lançando reflexos sobre a colcha e o lençol do leito. Soaram pancadas, soletrando: “Vede a auréola.” A Sra. Jencken não se achava no aposento, nem no mesmo andar da casa, de maneira que essa manifestação não pôde ser atribuída à sua ação magnética; além de mim, só estava presente a ama de leite.”
Um estudo acerca do desenvolvimento da mediunidade dessa criança, com circunstanciada narração deste último caso, apareceu no Psychische Studien, 1875, páginas 158-163.
O Sr. Hartmann não fez menção alguma desses fenômenos, sem dúvida porque os explicaria pela ação inconsciente da mediunidade da mãe que estava na casa. Mas, do conjunto dos fenômenos relatados anteriormente e recapitulados nas páginas 159 e 160 do Psychische Studien e que reproduzi aqui em parte, segundo as fontes primitivas dos que se produziram na ausência da mãe e de todos aqueles que vou citar mais adiante, resulta que somente a mediunidade da criança estava em ação. Assim lemos, três meses mais tarde, uma nova comunicação do Sr. Jencken (Spiritualist, 1874, I, pág. 310; veja-se também o Médium, 1874, pág. 408):
“A faculdade de escrever não desaparece na criança. Em uma dessas últimas noites, notei que seus olhos tinham um brilho particular; conforme o movimento de suas mãos, a mãe compreendeu que ela devia escrever. Prepararam-lhe uma grande folha de papel que ela encheu completamente com uma longa comunicação, da qual não lhe dou senão uma parte, em razão de seu caráter privado. Uma outra vez, ela escreveu uma comunicação muito breve, abaixo da qual assinou suas iniciais: F. L. J. Nessa tarde minha mulher estava ausente.
Enquanto eu brincava com meu filho, que se distraía em puxar minha corrente de ouro, ouvi brandamente dar pancadas que soletraram comunicações, testemunhando a presença constante dos mesmos seres que nos rodeiam sempre e agem sobre nós por meios ainda incompreensíveis.
Minha mulher disse-me que lhe é preciso às vezes empregar uma resistência enérgica para impedir seu filho de escrever e que ela preferiria pôr-se em oposição com os seres ocultos do que comprometer a saúde de seu filho.”
Que dirá o Sr. Hartmann do caso seguinte:
“Na noite de 2 de fevereiro de 1874, o Sr. e a Sra. Jencken faziam uma sessão com o Sr. Wason, no salão. A Sra. Jencken teve de repente um desejo invencível de ir ver seu filho. No quadrilátero que separava o salão do aposento da criança, ela avistou uma figura humana que ia ao seu encontro conduzindo a criança nos braços. Trêmula de emoção, recebeu-a, e no mesmo momento o fantasma desapareceu. O Sr. e a Sra. Jencken entraram no quarto da criança, onde encontraram a ama dormindo em sua cama e ignorando completamente o que se tinha passado.” (Médium, 1874, 8 de maio, págs. 167 e 290).
Mais tarde, em 1875, o Sr. Jencken comunica ao Spiritualist (13 de agosto, pág. 75):
“À noite passada, o pequeno Freddy foi retirado do berço, transportado através do quarto e colocado nos braços da mãe com tanta precaução, que as nossas exclamações de surpresa nem sequer perturbaram seu sono.”
A comunicação seguinte nos foi transmitida por pancadas:
“Retiramo-lo para o livrar da influência nociva de forças estranhas.”
O Sr. Hartmann dirá talvez que esse efeito foi produzido pela força nervosa da médium, a mãe? Seria um bizarro capricho da parte de uma mãe!
Do conjunto dos fatos que cito aqui resulta indubitavelmente que o pequeno Jencken era o instrumento de outras forças que não a influência inconsciente de sua própria mãe; para estabelecer este fato, são bastantes as pancadas dadas na ausência desta última. O pai não era médium absolutamente.
De outro lado, por que a “força nervosa” da mãe teria escolhido por instrumento seu próprio filho, um recém-nascido, quando essa força nervosa não deixava de produzir as mesmas manifestações pelo organismo da mãe? Esta suposição é tanto mais fundada quanto a mãe se opunha, com todas as forças, ao desenvolvimento das faculdades mediúnicas de seu filho, com o receio legítimo de que elas podiam prejudicar-lhe a saúde.
Citarei ainda alguns exemplos de crianças médiuns, porque eles são tão raros quão preciosos. A neta do Barão Seymour Kirkup escreveu na idade de nove dias; eis a carta que o barão dirigiu, a esse respeito, ao Sr. J. Jencken:
“Minha filha era médium na idade de dois anos; atualmente ela tem vinte e um anos; sua filha escrevia automaticamente quando tinha nove dias apenas. Conservei as comunicações escritas por ela e enviei-lhe uma fotografia dessa escrita.
Sua mãe deu-a à luz no sétimo mês, e a criança era muito pequena. A mãe segurava-a com a mão, em cima de um travesseiro, tendo na outra mão um livro sobre o qual tinha colocado uma folha de papel; não se sabe por que meio o lápis foi ter à mão da criança. O certo é que Valentina (é seu nome) conserva-o firme em seu pequeno punho.
A princípio ela escreveu as iniciais de seus quatro guias: R. A. D. J., depois do que o lápis caiu. Eu estava persuadido de que ela tinha acabado, mas minha filha Imogenes exclamou: “Ela tem o lápis de novo!” Então a criança traçou as palavras seguintes, com escrita incerta, por cima das letras já escritas: “Non mutare questa, è buona prova, fai cosa ti abbiamo detto; addio.” (Não alteres coisa alguma, é uma boa prova, faze o que te dissemos; adeus.) Verá isso na fotografia.
Redigi igualmente uma minuta que lhe envio. De acordo com o conselho dado pelos guias invisíveis, enviamos a criança com a ama para o campo, logo no dia seguinte; mas pouco tempo depois mandamo-la vir de novo, com o fim de ver se poderíamos obter uma fotografia espírita, pois eu conhecia um fotógrafo médium. Dirigimo-nos à sua casa e tentei fazer fotografar a criança com o lápis na mão; ela, porém, lançou-o fora. Envio-lhe o grupo tal qual pôde ser obtido; nota-se nele o retrato de sua avó Regina, falecida havia vinte anos, na idade de dezenove anos. A fotografia é perfeitamente fiel, assim a dela, como a de minha filha e a da criança.”
O Sr. Jencken acrescenta, por sua vez:
“A carta que recebi de Kirkup era acompanhada por uma fotografia da escrita da criança, por uma ata com sete assinaturas de testemunhas e por um excelente retrato espírita da avó, a célebre Regina.” (Spiritualist, 1875, I, pág. 222).
É de lamentar que não tenham declarado de que gênero era a mediunidade da mãe da criança. Parece que ela não produzia manifestações físicas; nesse caso ela seria completamente estranha às manifestações gráficas de seu filho.
No Médium de 1875, página 647, encontro este artigo: “Outra criança médium”. Trata-se, no caso, do pequeno Artur Omerod, de sete semanas de idade, e cujo rosto se transfigurava e tomava a expressão do rosto de seu avô, no dia da morte; essa criança respondia às perguntas, abrindo e fechando os olhos um número de vezes convencionado, ou, antes, por sorrisos e inclinações de cabeça e apertando as mãos. Não se encontra vestígio algum de mediunidade nos demais membros da família.
No Banner of Light de 1876, lemos a notável narração do fenômeno seguinte:
“Escrita em ardósia por um menino-médium de dois anos de idade. Essa narração foi reproduzida no Spiritualist de 1876, II, página 211.
O Espírito de Essie Mott, filha de J. H. Mott, em Mênfis (Missouri), deixou seu invólucro mortal a 18 de outubro de 1876, na idade de cinco anos e onze meses, depois de longa moléstia. Essie tinha um desenvolvimento intelectual acima de sua idade, e por sua mediunidade deram-se numerosos fatos maravilhosamente convincentes. Com a idade de dois anos apenas, sucedia-lhe, segurando em uma ardósia colocada por baixo da mesa, obter comunicações e respostas escritas, quando ninguém se conservava a seu lado e quando ainda não conhecia a primeira letra do alfabeto.
Durante os dois últimos anos de sua vida, seus pais não consentiam que a utilizassem como médium, persuadidos de que sua saúde, já mui delicada, sofreria muito com isso. Fui convidado por telegrama de Iowa para assistir ao seu enterro. – Warren Chase.”
O testemunho do respeitável Sr. Warren Chase basta para garantir a autenticidade desse fato; ele foi publicado no Psychische Studien de 1877, página 467. O Sr. Hartmann não lhe dá valor algum e, entretanto, que é que falta a esse testemunho?
Mais tarde encontrei, ainda por acaso, o testemunho do Sr. Mc’Call Black, que se converteu à crença dos fatos espiríticos precisamente em conseqüência de comunicações que obteve por intermédio de um seu filho de dois anos (veja-se Religio-Philosophical Journal, 1890, 25 de janeiro).
No Spiritualist de 1880, na página 47, fez-se menção de um menino-médium de dois anos, filho da Sra. Markee, em Búfalo, a qual por sua vez tinha sido médium de nomeada.
Os pormenores contidos nesse artigo não são assaz importantes para que eu os reproduza. Admito de boa vontade que os fatos citados não bastam para estabelecer de maneira absoluta a existência de uma mediunidade independente nas crianças de pequena idade, mas é certo que com o tempo, quando se tiverem estudado esses fenômenos de maneira séria, elas constituirão uma prova indubitável da existência de forças inteligentes, extramediúnicas. Na expectativa, o presente parágrafo deve servir para atrair a atenção para a grande importância desses fatos, cuja existência pode ser considerada como admissível.
Para encerrar esta monografia da mediunidade nas crianças de peito, farei notar que não é raro que as criancinhas vejam aparições; tomemos por exemplo o caso dessa criança de dois anos e meio que brincava com o Espírito de sua irmãzinha falecida (Light, 1882, pág. 337). Posso citar ainda esse exemplo de minha própria experiência, em que uma criança de dois anos, filha de um médium russo muito conhecido, via, ao mesmo tempo que seu pai, o fantasma de uma pessoa a quem conhecia e esfregava as mãos de contentamento, repetindo: “Tia, tia!”
Mencionemos ainda essas crianças – entre as quais havia crianças de peito – que, durante as perseguições dos protestantes de França, eram “possessos de um espírito”, segundo a expressão da época; elas falavam e profetizavam em francês correto e não no dialeto de seu país, as regiões remotas das Cevenas.
Uma testemunha ocular desses acontecimentos, João Vernet, refere que viu uma criança de treze meses falar distintamente o francês e com uma voz muito forte para a sua idade, não podendo ainda andar absolutamente e nunca tendo pronunciado uma única palavra; ela se conservava deitada em seu berço, bem envolta em faixas, e pregava as obras de humildade, em um estado de “arrebatamento”, do mesmo modo que outras crianças, que o Sr. Vernet tinha visto (vede Figuier: História do Maravilhoso, 1860, II, págs. 267, 401, 402, e os Fanáticos de Cevenas, por Eugênio Bonemère).
O Sr. Figuier diz:
“A circunstância de exprimirem-se os inspirados em seu delírio sempre em francês, língua desusada em seus campos, é mui notável. Ela era o resultado dessa exaltação momentânea das faculdades intelectuais que constitui um dos caracteres da moléstia dos convulsionários das Cevenas.”
Como vamos vê-lo, de acordo nesse ponto com os Srs. Hartmann e Ennemoser, a “exaltação das faculdades intelectuais” não pode fornecer explicação a semelhante fenômeno.
6
Médiuns falando línguas
que lhes são desconhecidas
Abordamos uma categoria de fatos que provam de maneira absoluta, em minha opinião, que se dão manifestações de caráter intelectual mais elevado do que o do médium e cuja fonte se acha fora deste último. A definição que o Sr. Hartmann dá desses fenômenos não está de acordo com a realidade.
Ele diz que “o dom das línguas, verificado nas primeiras comunidades cristãs, não é mais do que uma linguagem inconsciente no êxtase religioso” (Espiritismo, pág. 29). É no mesmo sentido que se devem compreender estas palavras: “Certos médiuns manifestam, no decurso de suas transfigurações mímicas, o dom de falar línguas” (pág. 87). Mas apesar de todas as faculdades maravilhosas que o Sr. Hartmann atribui à consciência sonambúlica, ele não lhe concede o dom das línguas senão nos limites da faculdade de “repetir sons, palavras e frases em línguas estrangeiras, ouvidos anteriormente, mas aos quais o médium não prestou atenção alguma” (S., pág. 60).
Em outro lugar diz:
“Os sonâmbulos podem pronunciar e escrever palavras e frases em línguas que não compreendem, se o magnetizador ou outra pessoa qualquer, posta em relação com eles, pronunciam essas palavras e essas frases mentalmente, com o intuito de lhas sugerir; os sonâmbulos chegam até a compreender-lhes o sentido, contanto que a pessoa que lhes transmita a sugestão o compreenda e aposse-se dele enquanto aquele pronuncia a mensagem, quer em voz alta, quer mentalmente. Tem-se a prova disso no fato de os sonâmbulos darem respostas coerentes, em uma língua que lhes é familiar, a perguntas que lhes são apresentadas em língua desconhecida, mas que as respostas só são dadas quando a pergunta é feita em língua desconhecida ao interrogante.” (pág. 66).
Por conseguinte, no fundo, esse fato não passa de uma leitura do pensamento, ou antes – como o diz o Sr. Hartmann –, um caso de transmissão do pensamento espiritualizado (ibidem). Nesse caso o Sr. Hartmann tem toda a razão; nunca um sonâmbulo falou em uma língua que não conhecia. O Sr. Ennemoser verifica-o do mesmo modo em seu livro O Magnetismo (Stuttgard, 1853). E, de acordo com Eschenmayer, ele considera a opinião contrária uma quimera (pág. 27). Eis seu raciocínio:
“Admitindo mesmo que os sonâmbulos possam penetrar em uma língua que lhes é desconhecida, da mesma maneira que podem penetrar nas idéias de outrem, não se poderia, em todos os casos, atribuir a essa faculdade senão a percepção do conteúdo e do sentido dessa língua e não a forma da enunciação, pois que essa última é toda convencional, isto é, estabelecida pelo uso, e necessita um estudo prévio.
O falar é uma arte técnica, da mesma maneira que o tocar um instrumento de música. E aquele que não se adestrou na aplicação de uma língua qualquer, ainda mesmo de maneira rudimentar, não poderá sequer repetir essa linguagem e ainda menos falar essa língua, da mesma maneira que não poderia repetir um trecho de música se não desenvolveu essa faculdade pelo estudo.
Um músico genial criará novas obras, reterá talvez os trechos que tiver ouvido uma só vez, mas não poderá reproduzi-los senão à sua maneira, em seu próprio instrumento. Sucede o mesmo com as línguas; os órgãos do falar são instrumentos que devem ser exercitados para o uso geral e especialmente para cada língua.” (págs. 451 e 452).
Assim, pois, se acharia demonstrada – segundo o Sr. Hartmann – a impossibilidade para um sonâmbulo de falar uma língua que não conhece, ou de fazer música, sem conhecer quer essa língua, quer a música. E entretanto no Espiritismo os fatos dessa natureza são muito conhecidos. Citaremos em primeiro lugar um testemunho indiscutível, o do juiz Edmonds, que observou esse fenômeno em sua própria família, na pessoa de sua filha Laura.[24] No prefácio do segundo volume de sua obra intitulada Espiritualismo, publicada em 1855, encontramos informações interessantes acerca do desenvolvimento das faculdades mediúnicas de sua filha, que ele ainda não mencionava naquela época.
“Era uma jovem que havia recebido uma boa educação, uma católica fervorosa. A Igreja lhe ensinava que não desse crédito algum ao Espiritismo, e ela se recusava a assistir a essas manifestações, se bem que elas se renovassem freqüentemente em sua vizinhança.
A casa em que morava acabou por tornar-se o que se chama “mal-assombrada”. Cerca de seis meses se tinham passado assim: ela ouvia constantemente ruídos estranhos e presenciava fenômenos não menos estranhos que se davam sem intervenção humana, como o tinha verificado, e que, entretanto, parecia serem guiados por uma Inteligência. Sua curiosidade foi despertada e ela começou a freqüentar as sessões. Em pouco tempo viu quanto bastava para ficar convencida da presença de um agente inteligente e tornou-se médium por sua vez. Há cerca de um ano que o fato se deu; depois, sua mediunidade atravessou diversas fases. Eu acompanhava tudo isso com o maior interesse.
No começo, tinha estremecimentos convulsivos; pouco tempo depois, escrevia automaticamente, isto é, independentemente da vontade e sem ter consciência do que escrevia.
Dotada de vontade tenaz, podia a qualquer momento interromper a sessão. Depois, tornou-se médium falante. Não caía em transe como muitas outras, isto é, no estado passivo; pelo contrário, tinha consciência de tudo o que dizia e de tudo o que se passava ao redor de si... Depois começou a falar diferentes línguas. Ela não conhece nenhuma outra língua a não ser a materna e o francês, tanto quanto conseguiu aprender no colégio; e entretanto falou nove ou dez línguas, algumas vezes durante uma hora, com facilidade e bem estar perfeitos.
Estrangeiros puderam conversar por seu intermédio com seus amigos falecidos, na língua deles. Deu-se o fato seguinte: um de meus hóspedes, um grego, tinha tido algumas sessões com ela, no decurso das quais ele conversava em língua grega, durante muitas horas, e obtinha por ela respostas quer em grego, quer em inglês. E entretanto, até àquela ocasião, ela nunca tinha ouvido pronunciar uma única palavra em neogrego.
Na mesma época desenvolveram-se suas faculdades musicais. Sucedia-lhe freqüentemente cantar em diversas línguas –italiana, indiana, alemã, polaca, e na atualidade canta freqüentemente em sua língua materna, improvisando as palavras e a música; é preciso dizer que a melodia é particularmente bela e original e que as palavras são de um sentimento muito elevado.” (pág. 45).
Mais tarde, em 1858, o Sr. Edmonds publicou uma série de tratados: Spiritual Tracts, cujo texto tem por título O falar em línguas desconhecidas, no qual ele dá mais amplos pormenores acerca dessa forma da mediunidade de sua filha; ele não oculta o nome da moça e fala acerca de muitos outros casos análogos.
O Spiritual Tracts, número 10, contém cartas publicadas pelo Sr. Edmonds em 1859, no “New York Tribune”, e cuja oitava é intitulada: O falar em línguas desconhecidas ao médium. Nessa carta ele cita mais de cinqüenta exemplos desse fato. Publiquei todas essas cartas em língua alemã, em 1873, em uma brochura: O Espiritismo Americano – Pesquisas do juiz Edmonds. Encontram-se aí numerosos pormenores dos quais reproduzo aqui os mais notáveis, porque dou grande importância a esse gênero de fenômenos. O Sr. Hartmann passou-os em silêncio, da mesma maneira que a moldagem de formas materializadas. Comecemos pelos fatos observados pelo próprio Sr. Edmonds:
“Certa noite vi chegar a minha casa uma jovem, vinda dos Estados de Este. Tinha vindo a Nova Iorque para tentar fortuna; recebera a educação em uma escola primária. Era médium e servia às manifestações de uma personagem desconhecida que se dizia francesa e que a inquietava continuamente. Ela só podia servir-se da língua francesa. Minha filha conversou mais de uma hora com essa personagem por intermédio da moça, a Srta. Dowd. Ambas só falavam o francês, e tão corretamente como se tivessem nascido em França. O dialeto empregado pela Srta. Dowd era uma espécie de dialeto meridional, ao passo que minha filha se exprimia em “parisiense puro”. Isso se passava em meu gabinete de trabalho, em presença de cinco ou seis pessoas.
De outra vez, foram muitos senhores polacos da boa sociedade que pediram para conversar com Laura, que não os conhecia. No decurso dessa entrevista, ela falou por diversas vezes a língua deles, sem conhecê-la. Esses senhores falavam a sua língua e recebiam as respostas quer em inglês, quer em polaco. Esse caso só pode ser confirmado pela própria Laura, porque seus interlocutores se retiraram sem dizer seus nomes.
Eis em que condições se deu a conversação com o grego: Certa noite em que cerca de doze pessoas estavam reunidas em minha casa, o Sr. Green, artista desta cidade, veio acompanhado por um homem que nos apresentou sob o nome do Sr. Evangelides, da Grécia.
Este último falava mal o inglês, mas exprimia-se corretamente em sua língua materna. Em pouco tempo, manifestou-se uma personagem que lhe dirigiu a palavra em inglês e lhe comunicou grande número de fatos que demonstravam que era um amigo, falecido havia longos anos, em sua casa, mas cuja existência nenhum de nós tinha conhecido.
De tempos a tempos, minha filha pronunciava palavras e frases inteiras em grego, o que permitiu ao Sr. Evangelides perguntar se ele mesmo podia falar em grego. A conversação continuou em grego, por parte do Sr. Evangelides e, alternadamente, em grego e em inglês por parte de minha filha. Esta não compreendia bem o que era dito por ela ou por ele em grego; mas sucedia algumas vezes que ela compreendia o que era dito, se bem que ambos falassem em grego. Em certa ocasião, a emoção do Sr. Evangelides era tão intensa que atraía a atenção dos assistentes; nós lhe perguntamos o motivo, mas ele se esquivava de responder.
Foi só no fim da sessão que ele nos disse que, até então, nunca tinha sido testemunha de manifestações espíritas e que, no decurso da conversação, tinha-se entregado a diversas experiências para apreciar a natureza desse gênero de fenômenos. Essas experiências consistiam em abordar diversos assuntos que certamente minha filha não podia conhecer e em mudar freqüentemente de assunto, passando bruscamente de questões de ordem privada a questões políticas, filosóficas ou fisiológicas, etc.
Em resposta a nossas perguntas, ele nos afirmou que a médium compreendia a língua grega e a falava corretamente.
As pessoas presentes eram os Srs. Green, Evangelides, Allen, presidente do Banco de Boston, dois senhores, empresários de caminhos de ferro em um dos Estados de Oeste, minha filha Laura, minha sobrinha Jennie Keyes, eu e outras pessoas cujos nomes não me ocorrem.
Depois, o Sr. Evangelides fez ainda com minha filha muitas outras experiências, no decurso das quais a conversação foi sustentada em língua grega.
Minha sobrinha – de quem acabo de falar –, que é igualmente médium, cantava freqüentemente em italiano – língua que ela não conhece –, improvisando as palavras e a música. Posso citar grande número de casos semelhantes.
Certo dia, minha filha e minha sobrinha foram ao meu gabinete de trabalho e começaram a falar-me em espanhol: uma delas começava a frase, a outra a terminava. Elas se achavam, conforme fui informado, sob a influência de uma pessoa que eu tinha conhecido viva na América Central. Ela fez alusão a coisas que me tinham sucedido e das quais elas tinham tão pouco conhecimento quanto da língua espanhola. Não passamos de três os que podemos testemunhar esse fato.
Minha filha falava-me também na língua indiana, em dialeto Chippewa e Monomonic, que eu conheço bem, por ter passado dois anos entre os índios.
Assim assinalo vários casos em que minha filha falou em língua indiana, espanhola, francesa, polaca e grega. Também lhe ouvi falar o italiano, o português, o húngaro, o latim e outras línguas que não conheço. Esses casos são muito numerosos para que eu possa recordar-me do nome das pessoas presentes.
Passo à enumeração de experiências feitas por pessoas estranhas em minha presença.
A Srta. Helena Leeds, moradora em Boston, 45, Carver Street, médium muito conhecida nessa cidade, falava mui freqüentemente o chinês, e entretanto ela apenas tinha uma educação mui rudimentar e nunca ouvira falar essa língua. Isso lhe sucedeu tão freqüentemente, em certo período de sua mediunidade, que julgo não enganar-me dizendo que cerca de mil testemunhas a ouviram. Eu mesmo assisti umas cem vezes, pelo menos, às suas sessões.
Da mesma maneira ouvi muito freqüentemente a Sra. Sweet, uma das médiuns de nossa cidade, pessoa não muito instruída, falar o francês e até o italiano e o hebraico.
Também assisti a um fenômeno análogo, dando-se as comunicações por meio de pancadas, em língua estrangeira, ao passo que o médium só conhecia o inglês. Em minha casa ouvi a filha do Senador Tallmadge conversar em língua alemã.
Eis minha experiência pessoal nessa questão; ela, porém, apenas constitui pequena parte do que se produziu nesse gênero.” (Tract, nº 6).
O juiz Edmonds, compenetrado da importância dessas manifestações, fez aparecer no Banner um apelo a todos aqueles que tivessem conhecimento de fatos daquela natureza para lhe comunicar. Em menos de um mês ele recebeu cerca de vinte cartas, que lhe davam informações acerca de casos semelhantes. Essa série de experiências forma o conteúdo do apêndice de seus Tracts, ou cerca de cinqüenta páginas. Tiro desse apêndice alguns dos casos mais bem observados e autenticados.
“Cookville, 9 de abril de 1859.
Senhor Editor:
Tendo lido no Banner o convite que o juiz Edmonds fez para lhe comunicarem os fatos mediúnicos referentes ao uso de línguas desconhecidas, venho dar-lhe parte de um fato que se deu há dois anos. Durante três meses, tivemos sessões todos os domingos à noite. Os médiuns eram dois moços, um dos quais era meu genro e o outro meu amigo. Em uma das sessões à qual assistia um desses dois médiuns, aquele último caiu em transe, e em pouco tempo começou a falar uma língua que nenhum de nós conhecia, mas que meu pai e meu irmão reconheceram ser a língua chinesa. Tendo passado algum tempo na Califórnia, eles tinham estado em relação com grande número de chins, mas não falavam sua língua. Na sessão seguinte, os dois médiuns falaram a mesma língua e, depois de uma conversação de alguns minutos, os interlocutores pareceram ter-se reconhecido, e a manifestação da alegria de se encontrarem de novo tornou-se tão turbulenta que o locatário da outra parte a casa – um não-espírita – foi verificar se havia chins em nossa casa, pois que, tendo comerciado com eles, na Califórnia, conhecia muito seus costumes.
Desde então, os dois médiuns caíam freqüentemente sob a mesma influência. Um deles cantava às vezes em chinês, o outro traduzia o texto dessas canções. Nenhum dos assistentes falava essa língua e o médium nunca tinha visto chim algum. Nosso círculo era acessível a todos e o aposento ficava repleto às vezes. Cada qual era coagido a verificar que se ouvia uma língua estrangeira e reconhecia ao mesmo tempo que os médiuns eram pessoas sérias que não podiam ser suspeitas, de maneira que nenhuma explicação desse fenômeno pôde ser encontrada.
Aceite, etc.
S. B. Hoxie.”
* * *
“Flushing, L. J, perto de Nova Iorque, 16 de abril de 1859.
Senhor:
Li nos jornais que desejava ter informações acerca das pessoas que falaram línguas que não conheciam. Ouvi Susana Hoyt pronunciar um discurso patriótico em língua italiana; esse discurso foi traduzido, à medida que ia sendo pronunciado, durante a sessão, por um americano que compreendia o italiano. Estudei essa língua e posso afirmar que foi realmente a língua empregada.
Citarei ainda um homem que mora perto do lago Hempstead, nos arredores de Newtown: ele tem 35 anos de idade e chama-se, se não me engano, Smith. A família Hoyt poderá informá-lo por conta própria. Por muitas vezes ouvi esse homem fazer discursos declamatórios em língua italiana, o que lhe sucede mui freqüentemente. Ele vai muitas vezes à casa dos Hoyt; à primeira vez que eu o ouvi, perguntei a uma das pessoas presentes se ele sabia falar outra coisa além do italiano. Quando Smith voltou a si, afirmou-me nunca ter conhecido nem lido nenhuma outra língua a não ser o inglês.
Aceite, etc.
Wm. P. Prince.”
* * *
“Braintrie, Vermont, 29 de março de 1859.
Senhor:
Tendo lido o aviso publicado no Banner of Light, tenho a honra de levar ao seu conhecimento os fatos seguintes:
Em fevereiro de 1858, eu morava em Leicester, Vermont, no andar da casa do Sr. John Paine. A Sra. Sara Paine, sua nora, é médium. Naquela época achava-se em nossa cidade um francês, que tinha vindo aqui estudar o Espiritualismo. Católico convicto, não lhe dava crédito e até o combatia. Organizou-se uma sessão e, depois de alguns minutos de espera, a médium caiu em transe e começou a falar com o visitante francês, em sua língua materna, de maneira que este último pudesse compreendê-lo perfeitamente. A conversação durou certo tempo sem que nenhum dos assistentes compreendesse o que diziam os dois interlocutores. O francês pediu que a médium escrevesse seu nome, o que ela realizou sem demora; escreveu também os nomes de seu pai e de sua mãe falecidos. Ele nos afirmou que ninguém nos Estados Unidos conhecia esses nomes.
A Sra. Paine nunca tinha visto esse senhor antes. Não conhecia outra língua além de sua língua materna, o inglês.
Só me recordo de algumas das pessoas presentes naquela sessão: os Srs. Joseph Morse, Dr. S. Smith, Issak Morse, John Paine, Edouard Paine, todos de Leicester, o Sr. e a Sra. Nathaniel Churchill, de Brandon, e seu devotado servo.
Nelson Learned.”
* * *
“Lynn, Mass., 24 de março de 1859.
Srs. editores:
Respondendo ao convite que os senhores publicaram no Banner, posso comunicar-lhes os fatos seguintes: a Sra. John Hardy é uma médium que fala inconscientemente em estado de transe; não conhece nem o francês nem dialeto algum indiano, nunca os tendo estudado. Ela se acha sob a influência de um Espírito indiano, Sachma, que fala pelo seu órgão e que realizou muitas curas por seu intermédio. Ele mesmo traduz suas comunicações para o inglês, bem ou mal. Esse fato é muito comprobatório.
Ela se achava também sob a influência de um outro Espírito, o de uma jovem francesa, Luísa Dupont, que tinha sido atriz, conforme parece. Falou em presença de um professor de línguas, que julgou seu estilo e seu falar muito corretos. Esse professor apresentou à Sra. Hardy uma pergunta inconveniente, segundo confessou mais tarde, e recebeu uma resposta tão enérgica, que tomou o chapéu e retirou-se.
Comunico-lhes os nomes das pessoas presentes a essa sessão, sem poder autorizá-lo a publicá-los.
O Sr. Juiz Edmonds poderá informar-se diretamente dessas pessoas.
Aceitem, etc.
John Alley V.
North Common Street, nº 8, Lynn, Mass.”
* * *
“Milan (Ohio), 4 de abril de 1859.
Sr. Juiz Edmonds:
Em resposta a seu apelo publicado no Banner of Light, tenho a honra de comunicar-lhe o que se segue:
No mês de fevereiro de 1857, dirigi-me, em companhia da Sra. Warner, à casa do Sr. Lewis, em Troy (Ohio).
Certa noite em que a Sra. Warner estava incomodada por ligeiro resfriado, caiu sob a influência do Espírito de um índio que se esmerava em lhe prescrever remédios. Nesse ínterim, entrou no aposento um jovem alemão, que era conhecido na casa sob o nome de Milton. Ele sofria de violenta dor de cabeça, mas não fez alusão alguma em presença da Sra. Warner. Esta última se aproximou dele alguns instantes depois e livrou-o de sua dor de cabeça pela simples aplicação das mãos. Depois disse-lhe em língua inglesa – pronunciando-a mal, à maneira indiana – que via um “Espírito pálido”, que tinha deixado seu invólucro terrestre além das “grandes águas” e que desejava falar-lhe. Depois de pequena pausa, ela começou a falar o alemão e lhe repetiu, entre outras coisas, as últimas palavras pronunciadas por sua mãe no leito de morte.
O jovem, que tinha sido até então um obstinado céptico, desfez-se em lágrimas e deu-se por convencido.
A pedido dos membros da família Lewis, ele repetiu essas palavras, que eram as seguintes: “Meus queridos filhos, não posso mais dar-vos pão.” Warner nunca tinha ouvido falar na família desse moço e não conhecia outra língua além do inglês.
O Sr. Pope, cidadão dos mais respeitáveis de Troy, e os numerosos membros de sua família, entrando nesse número o jovem alemão, confirmarão a exatidão desse conto. Eis seu endereço: Welchfield, Geauga County, Ohio.
Em setembro de 1857, a Sra. Warner foi a Milan para fazer ali uma série de conferências públicas. No fim da última conferência ela pronunciou um pequeno discurso em língua indiana e fez a sua tradução. Era um apelo caloroso em favor das tribos indianas. Um cidadão de Milan, o Sr. Merrill, membro influente da Igreja Presbiteriana, que se achava ali, ficou tão satisfeito da autenticidade da língua indiana que declarou que todas as suas dúvidas estavam dissipadas. Ele tinha vivido até à idade de dezoito anos entre os índios e falara correntemente essa língua. Eis seu testemunho:
“Certifico que os fatos referidos pelo Sr. E. Warnee são exatos e que em conseqüência de minhas relações com a médium adquiri a persuasão de que em seu estado normal ela ignora completamente todos os dialetos indianos; estou ao mesmo tempo convencido de que, sob a influência “de um Espírito”, ela pode, efetivamente, falar indiano. Milan, abril de 1859. – James Merrill.”
Autorizo-o a fazer uso da presente se lhe parecer útil.
Ebenezer Warnee.”
* * *
“Chicago, 5 de abril de 1859.
Em resposta ao seu apelo publicado no Banner of Light, posso levar a seu conhecimento os fatos seguintes:
Há cerca de quatro anos, organizei em minha casa sessões com o intuito de estudar o “Espiritualismo moderno”, e apercebi-me de que minha mulher era médium. Essa descoberta incomodou-a vivamente e ela teria dado muito para que tal não tivesse sucedido. Lutou por muito tempo contra a força oculta que a lançava em estado de transe e que falava por intermédio de seu organismo, mas seus preconceitos acabaram por dissipar-se... Do mesmo modo que muitas outras pessoas pertencentes à classe operária, ela não tinha recebido outra instrução além da que se recebe nas escolas primárias. Eis, entre outras coisas, o fato de que fui testemunha:
Em uma sessão em casa do Dr. Budd, à qual assistiam os Srs. Miller, Kimball, Kilburne e outros, ouvimos um concerto vocal, em língua espanhola, que durou mais de duas horas. Pouco depois de termos dado as mãos, minha mulher, uma jovem (a Srta. Scongrall) e um moço que elas viam pela primeira vez caíram simultaneamente em estado de transe e começaram a conversar correntemente entre si, em espanhol. Depois de cerca de um quarto de hora de conversação, o trio levantou-se e entoou uma ária difícil, com palavras igualmente em língua espanhola; cada um cantava sua parte, e todos estavam de perfeito acordo. Eles nos fizeram ouvir doze trechos diversos, discutindo com animação, nos intervalos, acerca do novo trecho que tinham de cantar em seguida.
Depois da audição, os três médiuns voltaram a si e manifestaram grande surpresa sabendo do que se tinha passado. O moço caiu de novo em transe, mas sob o domínio de outra influência, e deu-nos a explicação do que tínhamos visto: o concerto nos tinha sido oferecido por três espanhóis, irmão e duas irmãs, que tinham exercido a profissão de cantores durante sua existência terrestre, para ganhar a vida. Nessa noite, eles não se tinham manifestado unicamente para satisfazer a nossa curiosidade e nos instruir, mas também para provar que a festa de Pentecostes ainda estava em vigor.
Devo acrescentar que não é difícil estabelecer, da maneira mais absoluta, que nenhum dos três médiuns conhece, em seu estado normal, outra língua além da materna.
Durante algum tempo minha mulher se achou sob a influência de “Espíritos” alemães; ela falou e cantou em alemão muitas noites consecutivas. Ninguém do nosso círculo compreendia essa língua. Desejoso de assegurar-me do fato, convidei um doutor alemão, o Sr. Euler, a ir a minha casa e dar-me sua opinião. Ele foi por duas vezes e conversou com a médium, em alemão, durante mais de uma hora em cada visita. Sua surpresa era grande, porém ainda maior a alegria por poder falar a língua materna.
Além do alemão, minha mulher falou o italiano, língua que lhe é igualmente desconhecida.
John Young.”
* * *
“Toledo, 9 de abril de 1859.
Sr. Juiz Edmonds:
Para dar andamento a seu desejo de conhecer exemplos de médium que fale em diversas línguas, venho informá-lo de que eu próprio sou médium e que me sucedeu estar sob a influência do Espírito de um índio e falar sua língua, que desconheço; não posso, por conseguinte, julgar até que ponto é correta minha pronúncia, mas, nesses últimos dias, fiz relações com um senhor que confessava ser céptico e não acreditar na existência de relações com o mundo dos Espíritos. Meu Espírito-guia lhe falou em língua indiana. No estado de clarividência, fiz-lhe a descrição de um chefe índio que tinha morrido, segundo o que me disse, dois ou três dias antes de sua partida de Jowa. Meu guia reconheceu o Espírito do morto e apresentou muitas provas que estabeleciam sua identidade. O senhor de quem falo é mui versado na língua dessa tribo, que ele designou como a dos Pawnees. Inclusa vai uma carta particular que esse senhor me endereçou na ocasião do seu regresso a Jowa e da qual pode extrair as passagens que julgar úteis.
Aceite, etc.
Sarah M. Thompson.”
Eis as passagens mais interessantes da carta em questão:
“Vinton (Jowa), 17 de fevereiro de 1859.
Senhora:
Como sabe, não acredito nas teorias espíritas; estou persuadido, como dantes, de que isso não é outra coisa mais do que a manifestação da influência que o espírito de um homem exerce sobre o de outro. Não me tendo ocupado muito com essas questões, não poderia dizer a que conclusões chegaria se me desse a pesquisas aprofundadas nesse sentido; mas há um fato que não consigo explicar a mim mesmo: é o seu falar em língua indiana; essa linguagem era tão correta e característica quanto a que se ouve nos bivaques índios.
Jacob Wetz.”
Para os outros fatos do mesmo gênero, dos quais tive conhecimento, limitar-me-ei a breves indicações.
No primeiro jornal espírita, o The Spiritual Telegraph, edição em 8º, publicado em Nova Iorque por Partridge (vol. III, 1854, pág. 62), encontra-se a narração seguinte:
“William Brittingam, cuja visita recebemos em nosso escritório, há alguns dias, comunicou-nos um fato interessante. Um certo Sr. Walden, médium falante, de Ellicotville, dirigiu-se recentemente às Springs (Fontes) pertencentes ao Sr. Chase. Na ocasião de sua chegada, enquanto ele ainda se achava no poial, viu caminhar em sua frente uma jovem criada da casa, sueca, com a qual começou a conversar. Nenhuma das pessoas presentes compreendia a língua que falavam; o médium também não tinha consciência do que dizia. A moça, ouvindo que lhe dirigiam a palavra em sua própria língua, tinha tomado parte na conversação; ela parecia profundamente interessada, e sua emoção se tornou tão intensa que ela se desmanchou em pranto. Quando o Sr. Brittingam lhe perguntou pela causa de sua emoção, respondeu sumariamente: “Este homem conhece tudo quanto diz respeito a meus falecidos pai e mãe; perdi meu pai há seis meses; minha mãe morreu há oito anos. Acabam de dizer-me que eles me falam por intermédio deste homem e que me poderão falar por outros médiuns.”
A moça, que nunca tinha visto coisa alguma semelhante, ficara perplexa; perguntava a si mesma como podia suceder que o Sr. Walden, um americano, que não conhecera sua família e ignorava completamente a língua sueca, lhe falasse de maneira tão misteriosa.”
Em 1873, o Sr. Allen Putnam publicou a Biografia da Sra. J. H. Conant, médium falante, outrora muito conhecida na América, a qual transmitia centenas de comunicações, publicadas depois no Banner of Light.
“A Sra. Conant era a primeira a desconfiar das comunicações que transmitia durante seu estado de transe. Sucedia-lhe freqüentemente estar sob a influência de Espíritos indianos que lhe deram o nome de “Tulular”, isto é, “alguma coisa para ver através”. “Como saber, dizia ela, se os sinais e as palavras empregados por Springflower e por outros são verdadeiros e corretos? Não tenho consciência do que digo, e nenhuma das pessoas presentes poderia decidir se há senso comum no que os Espíritos indianos me fazem dizer.” Desejosa de saber o que havia de verdadeiro nessas manifestações, ela se aproveitava de todas as ocasiões favoráveis para verificá-las...
Certo dia recebeu a visita do Coronel Tappan, membro da Junta de Pacificação dos Índios dos Estados Unidos (U. S. Indian Peace Commission), que era acompanhado por muitos senhores, um dos quais havia exercido, durante perto de quinze anos, as funções de agente, por parte do Governo, dos negócios referentes aos índios, e dizia conhecer a maior parte dos dialetos falados pelos aborígenes. Era para ela uma excelente ocasião de realizar seus projetos de verificação. Springflower manifestou-se imediatamente e pôde conversar livremente com o antigo agente; ela parecia mesmo ter certa vantagem sobre este último, pois que lhe sucedia algumas vezes procurar as palavras, ao passo que sua interlocutora parecia estar inteiramente à vontade. A Sra. Conant perguntou a esse senhor se ele acreditava que ela fosse compreendida pelos índios dessa tribo falando sob a influência de Springflower. Ele respondeu que em sua opinião não podia haver nisso a menor dúvida.”
Passo em silêncio todas as comunicações escritas em línguas desconhecidas pelos médiuns. Os casos desse gênero são muito numerosos, mas, em regra, essas comunicações se reduzem a citações de diversos autores, mesmo algumas palavras destacadas, e pode-se sempre dizer que esses fragmentos foram conhecidos, ouvidos ou copiados, conscientemente ou não. Outras vezes são frases curtas que permitem sempre levantar uma dúvida acerca de sua origem. Deram-se realmente numerosos casos em que a convicção íntima dos assistentes era que o médium ignorava de maneira absoluta a língua que escrevia – e posso citá-los de minha própria experiência –, mas são convicções pessoais, que é impossível fazer partilhar por um terceiro; esse gênero de manifestações não apresenta, por conseguinte, mais do que um valor mui limitado, em comparação com a linguagem falada, da qual acabo de citar exemplos.
É preciso citar na mesma categoria de fatos as comunicações transmitidas pelos sinais telegráficos, ignorados pelo médium, o que equivale a escrever uma língua desconhecida. Podem ler-se pormenores a esse respeito no Startling Facts, páginas 247-255. Um exemplo interessante desse fenômeno encontra-se na Biografia da Sra. Conant, de quem se falou mais acima, e cuja tradução é a seguinte:
“Depois de sua estada em Cummings House, em Boston, a Sra. Conant recebeu a visita de um desconhecido, o qual declarou que estudava os fenômenos espiríticos e desejava muito obter de seu amigo uma prova de identidade que ele ainda não tinha conseguido obter; acabava de ver um médium que morava em arrabalde afastado da cidade e que o tinha recomendado a Sra. Conant, declarando que em uma sessão com ela seu desejo seria satisfeito... Tomaram lugar... Subitamente a mão da Sra. Conant começou a executar movimentos bruscos, levantando-se e abaixando-se de maneira bizarra e irregular, de sorte que o lápis batia em cima do papel pancadas destacadas, repetidas com pressa. A Sra. Conant nada compreendia do que se passava e, desesperada por obter um resultado qualquer e perturbada por tal insucesso, disse a seu hóspede: “É inútil continuar. É claro que nenhum Espírito que possa comunicar convosco se acha aqui por ora. Há realmente alguém, mas não acha o meio de manifestar-se.” Qual não foi sua surpresa quando o visitante lhe declarou que estava muito satisfeito, pelo contrário; que a sessão tinha dado bom resultado e que finalmente ele tinha obtido de seu amigo a prova desejada, que ele próprio a escrevera, sem que ela se apercebesse disso. Dadas as explicações, a médium ficou sabendo que o visitante desconhecido era telegrafista de profissão, do mesmo modo que o amigo de quem ele esperava a comunicação; para provar de sua identidade, ele devia comunicar consigo por meio de sinais telegráficos, e é o que a Sra. Conant acabava de fazer de maneira inteiramente mecânica, pois que ela não tinha a mínima idéia do alfabeto telegráfico, admirando-se da sessão não dar resultado algum. O visitante pôde convencer-se, dessa maneira, que a intermediária da comunicação, isto é, a médium, ignorava absolutamente o seu conteúdo.”
O Sr. Crookes refere um fato mui notável, do mesmo gênero:
“Em uma sessão com Home, a pequena régua aproximou-se de mim, deslizando sobre a mesa, à plena luz, e transmitiu-me uma comunicação, dando-me uma pequena pancada sobre a mão na letra precisa do alfabeto, que eu recitava. A outra ponta da régua repousava sobre a mesa, perto das mãos de Home.
As pancadas foram dadas tão distintamente e tão nitidamente, e a pequena régua parecia estar tão por completo sob o domínio da força oculta que dirigia seus movimentos, que me julguei habilitado a perguntar: “A Inteligência que dirige os movimentos desta régua pode mudar o caráter desses movimentos e me dar uma comunicação telegráfica por meio de pancadas em minha mão, empregando o alfabeto Morse?” (tenho todo o fundamento de acreditar que o alfabeto Morse era desconhecido de todas as outras pessoas presentes; eu mesmo só o conhecia imperfeitamente). Imediatamente o caráter das pancadas mudou e a comunicação prosseguiu pela maneira pedida. As letras me foram ditadas mui rapidamente, e só pude tomar nota de algumas palavras que consegui aqui e ali, de modo que o sentido da comunicação se perdeu para mim, mas o que eu tinha visto me indicou claramente que um bom telegrafista se achava na outra extremidade da linha, onde quer que fosse.” (ver Crookes, Researches in the phenomena of Spiritualism, pág. 95).[25]
Para encerrar esta série de fatos, citarei ainda este caso de uma criança que executou um trecho de música sem que nunca tivesse aprendido aquela arte, como o testemunha o Sr. N. Tallmadge, antigo senador e governador de Wisconsin, pai do médium. No prefácio de um livro que ele editou – The Healing of Nations (Cura das Nações) –, por Linton, Nova Iorque, 1858, diz:
“No mês de junho de 1853, ao meu regresso de Nova Iorque, onde observara diversas manifestações espiríticas, fui à casa de um médium-escrevente que morava em minha vizinhança e recebi uma comunicação na qual me aconselhavam que organizasse um círculo íntimo em minha casa, predizendo-me que um médium, que havia de exceder a todas as minhas previsões, ia formar-se. Externei o desejo de conhecer o nome desse médium, e recebi em resposta que seria minha filha.
– Qual? – perguntei –, pois tenho quatro.
– Emília – responderam-me.
Convidaram-me em seguida para pôr ao piano minha filha Emília, quando as sessões fossem organizadas.
– Ensinar-lhe-eis a tocar? – perguntei.
– Verás – foi a resposta.
Emília era minha filha mais moça, de treze anos. Observarei que ela não conhecia música e nunca tinha tocado uma ária qualquer, pela simples razão de, na época de nossa chegada aqui, termos encontrado o país quase desabitado; era impossível ter um professor de música. Tudo quanto ela sabe aprendeu-o comigo ou com alguém da família. Consegui em pouco tempo organizar um pequeno círculo íntimo. Apresentei a Emília uma folha de papel e um lápis. Sua mão começou a traçar linhas retas que formavam uma série de cinco linhas. Depois ela fez as notas e acrescentou os sinais. Feito isso, deixou cair o lápis e começou a bater sobre a mesa como sobre as teclas de um piano. Lembrei-me então que devia sentá-la diante de um piano; depois de um momento de hesitação, ela aceitou o meu convite e sentou-se ao piano com a firmeza de um artista consumado. Bateu resolutamente no teclado e executou a “Grande Valsa” de Beethoven, em estilo que teria feito honra a um bom músico. Depois tocou muitas árias conhecidas, tais como: “Sweet Home”, “Bonnie Doon”, “The Last Rose of Summer” (Última rosa do estio), “Hail to the Chief” (Glória ao Chefe), “Lilly Dales”, etc. Executou ainda uma ária desconhecida, cantando ao mesmo tempo as palavras improvisadas que se lhe referiam.” (pág. 61).
Que dirá o Sr. Hartmann dos numerosos exemplos que acabo de citar? É evidente que os fenômenos que se produzem contra a vontade e convicções do médium, e principalmente o emprego de uma língua que ele não conhece, nada têm de comum nem com a hiperestesia da memória, nem com a transmissão do pensamento, nem finalmente com a clarividência, que determinam a natureza da consciência sonambúlica. Esta última categoria de fatos tem uma importância capital em vista do veredicto categórico do Sr. Hartmann, proclamando que iguais fenômenos não existem. Está aí, no domínio dos fatos intelectuais, o rubicão que o Sr. Hartmann não poderá transpor e, do mesmo modo que para os fatos físicos da penetração da matéria, desta vez ainda ele deverá depor as armas.
Como esses fenômenos não podem ser explicados por uma ação da consciência normal do médium nem por nenhuma ação da consciência sonambúlica, é preciso necessariamente procurar um terceiro fator. E, como não podemos descobri-lo no médium, somos coagidos a concluir que esse terceiro fator se acha fora do médium.
7
Diversos fenômenos de gênero misto-composto
Antes de ocupar-me com os fenômenos para cuja explicação o Sr. Hartmann julga necessário fazer exceção aos seus princípios metodológicos e recorrer a uma explicação metafísica sobrenatural (pág. 81), isto é, ao Absoluto, devo mencionar aqui fenômenos de caráter complexo que completarão e ilustrarão, por assim dizer, as conclusões que acabo de enunciar.
O Sr. Hartmann nos diz:
“A escrita em questão só é relativamente inconsciente, é consciente para a consciência sonambúlica latente; vemos a prova disso no fato de o médium, posto no estado de sonambulismo aparente, recordar-se do que escreveu em estado inconsciente.” (pág. 58).
E mais adiante:
“Se um médium, achando-se em estado sonambúlico, pode comunicar de viva voz o conteúdo exato de uma comunicação escrita, a distância, e acerca da qual não tinha conhecimento algum em estado de vigília, encontramos aí a prova absoluta de que a consciência sonambúlica do médium não é alheia à sua atividade mediúnica, que participa dela, de certa maneira.” (pág. 113).
Por conseguinte, se um médium escreve em estado sonambúlico, e se não pode reproduzir de maneira exata, precisa, o que ele próprio escreveu, quer em estado sonambúlico, quer quando tiver voltado ao estado normal, ficaremos no direito de pretender que está aí “a prova irrecusável” de que a consciência sonambúlica do médium foi alheia à sua atividade mediúnica e de que não teve naquilo parte alguma.
Encontramos essa prova no fato seguinte:
“Um correspondente que se assina F. E. B., tenente do Exército Real, membro da Sociedade Real Asiática, publicou no Jornal Knowledge de 2 de março de 1883 a narração seguinte referente à escrita por meio da prancheta:
Pus-me a fazer, há algum tempo, experiências com a prancheta; eu estava convencido, então, de que essa escrita era produzida pela atividade inconsciente da pessoa que colocava as mãos em cima do aparelho (sendo excluída toda a possibilidade de fraude). Esta explicação, se é exata, deve fornecer curiosos esclarecimentos acerca da atividade do cérebro. Eu conhecia, por felicidade, uma pessoa com a qual a pequena régua escrevia sempre admiravelmente bem, de maneira que me pude entregar a diversas experiências interessantes. Quando eu colocava a sua mão sobre o pequeno aparelho (que eu mesmo tinha feito, e que constava de uma régua na qual eu tinha feito um orifício para nele fixar o lápis) e apresentava uma pergunta, a resposta era dada com admirável presteza, com maior rapidez do que a que se atingiria ao escrevê-la pelo processo natural; a escrita era mui legível, se bem que o seu caráter mudasse freqüentemente, diferindo sempre absolutamente da escrita do médium; considero esta particularidade como muito significativa. Essa senhora ignorava o que escrevia até à ocasião de fazer a sua leitura. Em muitos casos, a comunicação assim transmitida só era conhecida por mim ou por outra pessoa somente, das que estavam presentes, e não podia ser devida, segundo a teoria da ação inconsciente, senão a um efeito da leitura de pensamentos.
Mas é principalmente a experiência seguinte que eu desejaria assinalar à vossa atenção: magnetizei essa senhora por muitas vezes. Como é o caso habitualmente, ela podia responder a diversas perguntas durante seu estado de sono; mas ao despertar não se recordava mais de coisa alguma (farei notar, de passagem, que, se lhe sucedia perder um objeto qualquer no estado de vigília, ela podia indicar de cada vez, estando adormecida, o lugar em que tinha posto esse objeto). Tive, pois, a lembrança de colocar suas mãos sobre a régua enquanto ela estava imersa em sono magnético. Recebi, como sempre, uma resposta à minha pergunta; antes de a ler, perguntei à médium o que ela tinha escrito; estava persuadido de que mo diria imediatamente. Porém, não pôde fazê-lo.
Não é uma prova de que as palavras escritas por ela não eram produto de seu cérebro, nem em sua atividade normal, nem no estado especial que caracteriza o sono mesmérico? Devemos, por conseguinte, ou admitir um terceiro estado, desconhecido até o presente, ou, pelo contrário, apelar para a idéia de um agente exterior, que não estou muito disposto a aceitar.” (Light, 1883, pág. 124).
O erro do Sr. Hartmann provém de ter querido generalizar sua afirmação; pois, pelo fato de em grande número de casos a escrita ser obra da consciência sonambúlica, não resulta necessariamente que em outros casos ela não obedeça a uma sugestão de fonte estranha. A possibilidade desta última origem é aparente no fenômeno seguinte, exposto pelo Sr. Young, a quem já conhecemos pelas citações que fizemos do “falar em línguas estrangeiras”.
O Sr. Young refere o fato seguinte, que se deu por intermédio de sua mulher:
“Em uma sessão organizada em casa do Dr. Haskel, em presença do Dr. Budd e dos Srs. Kimball, Miller, Kilburne e outros, minha mulher falava em estado de transe, em nome de uma italiana que dizia chamar-se Leonor. Como minha mulher se prestasse freqüentemente a essas experiências magnéticas, um dos assistentes emitiu a suposição de que o “Espírito” que se manifestava não era outro senão o Espírito do próprio magnetizador, que ali estava presente, entre os visitantes; ele propôs, conseguintemente, que o médium fosse subtraído àquela influência; o magnetizador devia mergulhá-la em sono mesmérico e tentar implantar-lhe a mesma personalidade.
A médium foi imediatamente chamada ao estado normal e em seguida magnetizada. Obedecendo à vontade do magnetizador, ela começou a cantar com muito sentimento a ária bem conhecida de “Annie Laurie”. Esse resultado encheu de satisfação as pessoas cépticas, que acreditavam ver aí a demonstração de sua teoria. Mas o triunfo foi de curta duração: quando ela estava na metade do último verso, a força estranha arrancou-a subitamente à influência do magnetizador, que, desde aquele momento, não teve mais poder sobre ela. Todos os esforços que empregou para coagi-la a terminar a canção foram vãos. Então ele desejou, pelo menos, livrá-la daquela influência que a dominava; mas, pela primeira vez, perdeu toda a influência sobre o seu sensitivo. Vendo o caminho inesperado que tomava a experiência, um dos assistentes externou este desejo: desde que a médium se acha sob a influência do “Espírito” de uma italiana, sugiram-lhe que cante uma ária nessa língua. Por mais surpreendente que isso possa parecer, esse desejo foi realizado sem demora, e os assistentes ficaram encantados pela excelente execução do trecho. Não havia italianos entre nós, mas algumas pessoas sabiam essa língua muito bem para poderem julgar dela. Essas experiências foram repetidas por muitas vezes e pudemos ouvir minha mulher falar italiano.”
Neste caso vemos que a sugestão do magnetizador visível teve que ceder à sugestão de um magnetizador mais poderoso, se bem que invisível.
Mas eis outro exemplo, ainda mais curioso: foi o magnetizador invisível que teve que ceder o lugar a outro magnetizador, igualmente invisível; talvez também uma comunicação ditada pela consciência sonambúlica da médium fosse subitamente interrompida por uma comunicação proveniente de outra fonte. Em carta publicada pelo Religio-Philosophical Journal, o Sr. Brittan, escritor espiritualista conhecido, refere assim esse fenômeno:
“Em 1852, em certa manhã, eu assistia a uma sessão, em Greenfield, Mass., com o médium D. D. Home, que se tornou tão célebre mais tarde. Um dos assistentes recitava o alfabeto, e as comunicações faziam-se por meio de pancadas. Em dado momento, essas pancadas se tornaram muito fortes, e o sinal convencionado (cinco pancadas) nos advertiu de que o alfabeto era reclamado. Alguém fez a observação de que esse pedido não tinha sentido algum, visto que o alfabeto já estava sendo recitado. O mesmo sinal foi repetido, ao mesmo tempo em que a mesa dava violentos balanços, o que deu ocasião a que um dentre nós fizesse a reflexão de que a harmonia tinha sido substituída por medonha desordem. Acreditando ter adivinhado do que se tratava, fiz notar que não era necessariamente uma desordem e que talvez outra individualidade tivesse interrompido a comunicação, tendo provavelmente que nos comunicar alguma coisa urgente. Minha suposição foi imediatamente confirmada por pancadas dadas em diversas partes do aposento e por grande estremecimento da mesa. Comecei a recitar o alfabeto e recebi esta confirmação: “Volta para casa, teu filho está doente, parte imediatamente, ou então chegarás tarde.” Tomei a mala de mão e parti. Apenas me achei na rua ouvi o silvo do trem que chegava à estação; era o último trem pelo qual eu podia ir para casa naquela noite. Eu estava distante da estação cerca de um oitavo de milha; comecei a correr o melhor que pude e cheguei no momento em que o trem se punha em movimento. Apenas tive o tempo preciso de saltar para a plataforma de trás do último vagão. Ao chegar em casa, verifiquei a exatidão rigorosa da comunicação espírita.” (Light, 1881, pág. 260).
Qual poderia ser, segundo o Sr. Hartmann, a causa dessa interrupção de comunicação? É evidente que ela não residia no médium. Seria talvez um “despacho telegráfico” da consciência sonambúlica de um dos membros da família Brittan? Mas o Sr. Hartmann não admite as comunicações a grande distância, a não ser sob a forma de alucinação – tese que discutiremos mais tarde –, ao passo que no caso considerado ela se efetuou por meio de pancadas e de movimentos da mesa. Além disso, de que maneira a consciência sonambúlica teria tido conhecimento da aproximação do trem?
Eis ainda um caso semelhante. A causa da interrupção não é determinada; entretanto nada permite acreditar que essa causa deva ser procurada no próprio médium. Tiro a narração do fenômeno de que se trata ao reverendo Adin Ballou, em uma citação do professor Robert Hare (Experimental Investigation of the Spirit Manifestations, § 1602).
“Os agentes ocultos me haviam convidado a fazer, em lugar indicado e em determinada ocasião, um sermão sobre um tema qualquer, com a promessa de manifestar sua aprovação por meio de pancadas, o que foi executado com rigorosa exatidão. Certo dia, no decurso de uma sessão, a pergunta seguinte foi soletrada, sem que a lembrança de tal coisa tivesse ocorrido a quem quer que fosse:
– Escolheste o tema de teu sermão do domingo próximo?
– Sim, um só – respondi –; não me indicarás um tema para meu sermão da noite?
– Sim.
– Qual?
A comunicação começou pela letra “O”, e deteve-se. Eu ainda estava a admirar tal interrupção, quando outra individualidade invisível se manifestou, mas substituindo as pancadas por movimentos da mesa. Ela me informou que seu predecessor, o Espírito batedor, tinha sido chamado a outra parte, por pouco tempo, e que não tardaria em voltar. Efetivamente, um quarto de hora depois, meu primeiro interlocutor recomeçou a comunicação interrompida e terminou-a assim: Segundo capítulo da primeira epístola aos Coríntios, versículos 12 e 13. Nenhum dos assistentes podia recordar-se do texto designado, que se verificou ser muito apropriado a um sermão naquele dia.”
Se essa interrupção fosse obra da consciência sonambúlica, a que razão plausível é preciso atribuir a substituição das pancadas por movimentos da mesa?
Eis outro caso, finalmente, em que nos é forçoso escolher entre a admissão de um terceiro fator e o álibi da consciência sonambúlica:
“A jovem Mary Banning, médium, achando-se em casa do Sr. Moore, em Winchester (Conn.) a 14 de junho de 1852, tinha chamado o Espírito de seu irmão, Josiah Banning; mas, contra seu hábito, ele próprio não se manifestou. O convite foi repetido durante toda a noite, porém em vão. Finalmente, à última hora, na ocasião em que todas as pessoas presentes iam retirar-se para se deitar, a presença de Josiah Banning foi bruscamente anunciada. O Espírito declarou que não atendera aos chamados que lhe dirigiram na primeira parte da noite porque passara todo o dia na companhia de sua irmã Edith. A moça Edith Banning estava em Hartland (Conn.), a 16 milhas dali, como mestra de escola. Pouco tempo depois Mary Banning recebia uma carta de sua irmã Edith, escrita no dia seguinte pela manhã do dia em que se tinha realizado em casa do Sr. Moore a entrevista espírita da qual acabo de falar, e a moça Edith dizia que Josiah tinha passado perto dela todo o dia precedente e que sua visita a tinha impedido de dormir durante toda a noite.” (S. R. Britan e Richmond, Uma discussão sobre os fatos e a filosofia do Espiritualismo antigo e moderno, Nova Iorque, 1853, pág. 289).
Eis duas irmãs médiuns, as moças Mary e Edith Banning, cujas consciências sonambúlicas deveriam estar de perfeito acordo, agir harmonicamente, e às quais o pretendido Espírito de Josiah Banning, seu irmão, deveria ter-se manifestado ao mesmo tempo! Entretanto, da narração que acabamos de citar, resulta que sucederam as coisas de modo diverso.
Ainda posso fazer menção aqui de uma experiência que foi feita em minha presença, em círculo íntimo; esse fato pertence antes à primeira série, mas coloco-o aqui como introdução, ao que se segue, onde figurarão as mesmas personagens.
A 17 de outubro de 1873, terça-feira, eu assistia em Londres a uma sessão dada por uma médium de profissão, a Sra. Olívia; um dos Espíritos que ela invocava, Hambo, que pretendia ter sido um negro da Jamaica, dirigiu-me a palavra e disse-me entre outras coisas que gostava de ocupar-se da formação dos médiuns. Notando a esmeralda do anel que eu tinha no dedo, disse-me que “não apreciava a esmeralda, porque suas emanações são más”; porém acrescentou que essa pedra não me prejudicava, por ser lembrança de um amigo, o que era verdade: esse anel me tinha sido dado por V. J. Dahl. Disse também que ele e os Espíritos em geral preferem o brilhante como símbolo da pureza. “Sua mulher – diz ele – tem um brilhante no anular da mão esquerda” (o que era exato). “Estás vendo-o?”, perguntei-lhe. “Sim, é uma médium notável (o fato também era exato), uma excelente mulher; sua mão esquerda ignora o que dá a direita” (o que era verdade ainda).
Hambo prometeu ir visitar-nos em são Petersburgo a fim de contribuir para o desenvolvimento das faculdades mediúnicas de minha mulher, e combinamos em que sua primeira visita fosse na quinta-feira a contar de 17 de outubro, isto é, a 20 de novembro, às 8 horas da noite, e que ele se comunicaria por pancadas, pois que minha mulher não falava, em estado de transe. Eu tinha escolhido a terça-feira porque era o dia em que tinha o hábito de fazer com ela sessões inteiramente íntimas. Logo depois de meu regresso a São Petersburgo, recomeçamos nossas sessões; a ninguém eu tinha dito coisa alguma acerca da promessa que Hambo me tinha feito e, quando comecei a sessão de 20 de novembro, estava naturalmente preocupado com essa idéia; quando perguntei a mim mesmo se Hambo realizaria ou não a promessa, inclinava-me pela afirmativa. Entretanto, nada sucedeu. Essa falta não era de minha mulher, parecia-me evidente, pois que essa sessão não deixou de dar resultados e porque tivemos uma comunicação proveniente de outra parte. Assim, pois, sua consciência sonambúlica funcionava, e era realmente o momento de ler em nossos pensamentos e de fazer com que Hambo falasse.
As condições eram das mais favoráveis, pois que, como o diz o Sr. Hartmann:
“Um médium tem sempre grande interesse em adivinhar os pensamentos, conscientes e latentes, dos espectadores, pois que seu interesse é fazer comunicações surpreendentes, e nada impressiona mais o “bom senso” dos assistentes do que ver comunicar coisas que eles acreditam ser os únicos a saber, ou que escapam mesmo à sua consciência no estado de vigília. É preciso, pois, supor sempre no médium a vontade de perceber. Se sucede ao médium trabalhar perante pessoas que, de seu lado, têm igualmente interesse em que se dêem fenômenos admiráveis, então o desejo de apoiar o médium e de lhe aplainar tanto quanto possível todas as dificuldades, deve necessariamente desenvolver-se nessas pessoas, o que dará em resultado incitar a vontade inconsciente a transmitir as idéias. Além disso, no decurso das sessões as mãos dos vizinhos se tocam, condição muito favorável à transmissão dos pensamentos.” (pág. 72).
Por que razão, pois, essa transmissão não se deu, pois que as condições requeridas estavam ali reunidas?
Como quer que seja, a experiência não deu resultado; não fiquei surpreso, sabendo quão pouco nos devemos fiar dessas espécies de fiscalização, e não pensei mais em tal coisa. Não tendo que felicitar-me com os resultados de minha tentativa, a ninguém falei nisso. Na terça-feira seguinte, fizemos uma pequena sessão de três pessoas, em companhia do professor Boutlerow. Apaguei a luz, ficando o aposento suficientemente iluminado pelo gás da rua. O alfabeto inglês foi pedido; repeti-o, e escrevi as letras indicadas pelas pancadas do pé da mesa em torno da qual estávamos reunidos. Não podendo acertar com o sentido das palavras traçadas, parei para acender a vela e orientar-me; minha mulher já estava em estado de transe, e no papel li as letras seguintes:
“g a m h e r e a n e w a s l a s t t e m e w t h y o u”
Compreendi que se soletrava alguma coisa que poderíamos compreender mais tarde; por conseguinte, tornei a apagar a luz e comecei a recitar o alfabeto; entretanto, não conseguia descobrir o sentido das sílabas reunidas. Finalmente, quando terminou a comunicação, acendi a vela e examinei o que tinha escrito durante esses últimos instantes, e li o que se segue:
“As I promised, but I cannot yet take entirely control over her. – Hambo.” (como o tinha prometido, mas não posso tomá-la ainda completamente à minha conta. – Hambo).
As letras tinham sido indicadas muitas vezes por pancadas dadas na mesa, e na última palavra esta executou movimentos violentos. Minha mulher, que tinha estado em transe durante toda a sessão, voltou a si placidamente no final da comunicação.
Então comecei a decifrar a primeira frase e, substituindo algumas letras, obtive a frase seguinte: I am here and was last time with you (Estou aqui e estava perto de ti na última vez).
Por que então a consciência sonambúlica da médium descobria em meu cérebro a imagem de Hambo e a personificava, quando essa imagem não mais se achava em meu cérebro, a não ser em estado latente?
Já que acabo de falar de Hambo, posso agora citar uma experiência absolutamente única nos anais do Espiritismo e que encontra o seu lugar neste capítulo:
Na sessão seguinte éramos ainda três e aguardávamos a vinda de Hambo; mas, em vez do alfabeto inglês, pediu-se o alfabeto russo. Depois de algumas frases referentes à mediunidade de minha mulher, todas as quais interpretamos, pedem de novo o alfabeto. Eu tinha apagado a luz, e recitava e inscrevia as letras russas, sem poder lê-las, e fiz observar que eu tinha escrito em letras russas y u h,[26] que provavelmente era a palavra inglesa which e que era preciso recitar o alfabeto inglês (É preciso explicar aqui que as três letras russas pronunciam-se u, i, tsch, ou, juntamente, como a palavra inglesa which). Comecei, por conseguinte, a soletrar em inglês; imediatamente a comunicação parou. Acendi a vela e vi que tinha escrito de maneira absolutamente correta Youh wife, “sua mulher” (na escrita, a letra r é igual ao h russo).
Assim, não eram, como eu o tinha pensado a princípio, as letras russas y u h, porém a palavra inglesa your, e era essa palavra que tinha sido soletrada enquanto eu recitava o alfabeto russo; por conseguinte, aquele que ditava se tinha servido da forma das letras russas que se repetia nas letras, para compor dessa maneira uma palavra inglesa.
Eu já tinha tido oportunidade de ver por muitas vezes darem-se comunicações em língua estrangeira com letras russas, segundo sua semelhança de som com letras estrangeiras, quando era o alfabeto russo que era soletrado – e foi por essa razão que tomei as letras russas y u h pela palavra inglesa which –, mas foi a primeira e única vez em que vi servirem-se da forma das letras russas, correspondendo à forma das letras de outra língua. Repito-o, não encontrei em parte alguma a narração de um fato semelhante e acredito poder acrescentar que não há outro nos anais do Espiritismo.
Pode-se indagar por que motivo a consciência sonambúlica de minha mulher, que dispunha igualmente do alfabeto russo e do alfabeto inglês, não pediu imediatamente o alfabeto inglês, ou, finalmente, por que não soletrou as palavras inglesas servindo-se de letras russas que tivessem a mesma consonância; a palavra your, por exemplo, reproduz-se facilmente e mui exatamente por outras letras russas. Porém, não! O alfabeto russo foi utilizado exatamente da mesma maneira que o teria feito um estrangeiro que não conhecesse tal alfabeto e escolhesse somente letras que se assemelhassem pela forma às letras de sua língua.
Fenômenos desse gênero, que permitem supor a intervenção ativa de um terceiro fator, são numerosos no Espiritismo, mas deram-lhe geralmente pouca importância. Veja-se o que diz o Dr. Wolfe acerca do célebre médium Mansfield, que escrevia com ambas as mãos ao mesmo tempo em que falava:
“Vi o Sr. Mansfield escrevendo na mesma ocasião duas comunicações, uma com a mão direita, a outra com a esquerda, e isso em língua que desconhecia por completo. Enquanto se entregava a essa dupla ocupação, conversava comigo acerca de assuntos diversos ou prosseguia em uma conversação começada antes de seu trabalho gráfico a duas mãos, dessa maneira, enquanto me falava de modo mui sensato, suas mãos também conversavam.
Recordo-me com muita exatidão de que certo dia o Sr. Mansfield, enquanto escrevia com as mãos, em duas línguas, disse-me:
– Wolfe, conhece na Colômbia um homem chamado Jacobs?
Respondi afirmativamente. Ele continuou:
– Ele está aqui e deseja anunciar-lhe que deixou o invólucro mortal hoje de manhã.”
Tive a confirmação dessa notícia. O fato passou-se a uma distância de algumas centenas de milhas. Que explicação se pode dar dessa tríplice manifestação intelectual?” (Wolfe – Startling Facts in Modern Spiritualism, Cincinnati, 1874, pág. 48).
O reverendo J. B. Fergusson, na página 57 de seu livro Supramundane Facts (Londres, 1865), dá testemunho de um fato semelhante. Um caso análogo, dado recentemente, é referido nos Proceedings (Memórias) da Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres, do ano de 1887, pág. 222.
O Sr. Crookes conta um caso semelhante:
Vi a Srta. Kate Fox (mais tarde Sra. Jencken) escrever automaticamente uma comunicação dirigida a uma das pessoas presentes, ao mesmo tempo em que fazia uma comunicação a outra pessoa, sobre assunto inteiramente diverso, por meio do alfabeto interpretado por pancadas, conversando, durante esse tempo, com uma terceira pessoa, acerca de coisas que nada tinham de comum com essas comunicações.” (Crookes, Pesquisas, pág. 95).
Finalmente, eu mesmo me recordo de que certo dia, estando a Sra. Jencken em minha casa, em meu gabinete de trabalho, sentada à mesa, recebeu uma comunicação por escrito e ao mesmo tempo se faziam ouvir pancadas perto dela, à direita e à esquerda, não alternadas, porém simultâneas.
Em fenômenos físicos, há numerosos exemplos em que um trecho de música foi tocado em muitos instrumentos (até seis) ao mesmo tempo, o que permite concluir pela pluralidade de centros agindo conscientemente. Vede, por exemplo, o número 372 de Light.
Vou fechar este capítulo mencionando um fato dos mais extraordinários, que se deu no começo do movimento espírita e cuja narração foi publicada no Rochester Daily Magnet de 26 de fevereiro de 1850, com a assinatura das oito pessoas que tinham estado presentes. Encontrei esta narração no livro do Sr. Capron Espiritualismo Moderno (pág. 82-87); porém só publicarei aqui um breve resumo.
Trata-se de uma comunicação idêntica dada, ao mesmo tempo, por pancadas, em dois aposentos da mesma casa, afastados um do outro.
O Sr. Draper tinha em sua família uma clarividente; dirigiu-se por seu intermédio ao Espírito de Benjamim Franklin, que ela pretendia ver, e apresentou-lhe esta pergunta:
– Podem-se receber comunicações por meio de pancadas, em dois lugares separados?
Depois da resposta afirmativa de Franklin e observando as instruções que ele tinha dado, as duas moças Catarina e Margarida Fox foram convidadas pelo Sr. Draper, assim como por alguns de seus amigos, a reunir-se a 15 de fevereiro seguinte. Uma parte da assistência, com um dos médiuns, ficou no salão, e a outra, com o segundo médium, dirigiu-se a um aposento situado no extremo oposto da casa. Ouviram-se pancadas ao mesmo tempo nos dois grupos.
Mas como se dessem interrupções a cada instante pela entrada de recém-chegados, os assistentes que se conservavam no salão receberam pouco depois esta comunicação: “As coisas não estão organizadas como pedi, eis porque não podem fazer a experiência atualmente. Não devem estar mais de quatro pessoas em cada aposento.”
Quando o primeiro grupo se juntou ao segundo, verificou-se que as comunicações recebidas dos dois lados eram absolutamente idênticas.
Uma segunda sessão foi fixada para 20 de fevereiro, e dessa vez as instruções de Benjamim Franklin foram seguidas à letra. O primeiro grupo recebeu esta comunicação: “Agora estou pronto, meus amigos. Grandes transformações produzir-se-ão no XIX século. As coisas que lhes parecem obscuras e misteriosas tornar-se-ão compreensíveis. O mundo ficará esclarecido. Assino meu nome: Benjamim Franklin. Não entrem no outro aposento.”
O segundo grupo tinha recebido a mesma comunicação; somente a última frase estava modificada assim: “Vão à sala de visitas e confrontem as notas que tomaram.” (pág. 86).
Que explicação natural se pode dar deste fato? É uma transmissão inconsciente de pensamentos entre dois médiuns distanciados um do outro? Devendo os dois médiuns funcionar ao mesmo tempo, as transmissões de impressões deveriam entrecruzar-se e juntar-se confusamente. Supondo-se que uma comunicação seja dada a princípio por um médium e reproduzida imediatamente pelo outro, as dificuldades não seriam menores. É preciso suspeitar que os médiuns tinham preparado as duas comunicações idênticas, antes da sessão? Mas não se deve esquecer que os médiuns eram duas crianças e, além disso, que nunca médium algum produziu pancadas à vontade!
Todas essas tentativas de explicações se desfazem perante o fato preciso de que na primeira reunião os médiuns não sabiam nem sequer que eram convidados para uma experiência especial e que ignoravam em que ela devia consistir – assim como o afirmou formalmente o Sr. Draper. (pág. 84).
8
Comunicação de fatos desconhecidos
do médium e dos assistentes
Vamos estudar agora uma série de fatos para cuja explicação o próprio Sr. Hartmann reconhece que “é preciso recorrer a uma explicação metafísica, transcendente” (pág. 81). Trata-se de “comunicações transmitidas a grande distância, e da clarividência propriamente dita”. Mas não se compreende a relação que o Sr. Hartmann pretende encontrar entre essas manifestações e o Espiritismo.
Falando da transmissão a grande distância, ele diz que o Espiritismo “não apresenta ainda nenhum documento desse gênero” (pág. 73) e, tratando da clarividência, procura explicar – para uma parte dos fatos – por “uma mediação sensorial qualquer”, que “age sobre a percepção dos sentidos” (pág. 74); tais são “os fatos de emanação individual dos homens ou dos animais, por exemplo: a sensação da presença de um gato que ninguém vê; a designação entre muitos copos cheios d’água daquele no qual o magnetizador mergulhou o dedo; a indicação exata da hora na qual se fez parar um relógio ao acaso, estando ele fechado; leitura de divisas ou pensamentos em folhas de papel encerradas em avelãs; leituras de palavras escolhidas ao acaso e que se ocultam com o dedo; escrita direta reproduzindo o texto de uma página qualquer de um livro fechado; designação pelos sonâmbulos da moléstia de uma pessoa que não conhecem e da qual se lhes faz tocar uma mecha de cabelos; visões de multidões de elefantes e de erupção de vulcões, provocadas pelo contato de um fragmento de dente de elefante ou de um bloco de lava, etc.”.
Para um outro grupo de fatos, o Sr. Hartmann pretende que “a relação é estabelecida não por uma percepção sensorial, mas por um ato da vontade (afeição profunda, amizade, patriotismo, nostalgia, etc.); por exemplo: as visões de acontecimentos que se dão em lugar muito distante (guerras, incêndios, tremores de terra); as visões de acontecimentos futuros: previsão de mortes com pormenores insignificantes; as visões de cortejos fúnebres; previsão de um incêndio, de uma fulminação, etc.” (pág. 76-77).
Todos esses fenômenos – à exceção da leitura sem o auxilio dos olhos – e principalmente os da última categoria, que o Sr. Hartmann apresenta como fatos de “simples clarividência” (pág. 79), têm pouca relação com os fenômenos espíritas; pertencem ao domínio da segunda vista e da clarividência magnética.
O Sr. Hartmann não indicou quais são, em sua opinião, as comunicações espíritas que devem ser explicadas pela clarividência, e não se deteve em nenhum dos exemplos citados para entrar em explicações e para aplicar-lhes sua teoria.
Devemos, pois, supor que esses fatos são todos aqueles que não se podem explicar pela hiperestesia da memória. Por conseguinte, é preciso examinar esses fenômenos para ver como a hipótese do Sr. Hartmann lhes pode ser aplicada. Comecemos pelos únicos fatos aos quais o Sr. Hartmann faz alusão e que explica pela clarividência, recorrendo a “uma mediação sensorial qualquer”.
A – A visão às escuras e em lugares fechados
O fenômeno da leitura sem o auxílio dos olhos foi positivamente provado pelas numerosas experiências feitas no domínio do sonambulismo; é certo que é o resultado de uma espécie de clarividência. Mas a teoria da clarividência tal qual é exposta pelo Sr. Hartmann é a única possível e pode aplicar-se indiferentemente a todos os fatos? – eis a questão. Temos sempre necessidade de recorrer à “onisciência do Espírito Absoluto” (pág. 79), o que não passa de um recurso in extremis para a divindade?
Para nos podermos orientar nessa questão, é-nos preciso voltar a certos fenômenos físicos do mediunismo ou, antes, insistir sobre certas particularidades desses fenômenos, por exemplo: eles podem produzir-se em escuridão completa com absoluta precisão. É assim que, para as manifestações físicas, é de uso fazer completa escuridão durante as sessões; é mesmo uma condição essencial para obter-se a produção desses fenômenos. Nessas sessões, como se sabe, instrumentos de música giram acima da cabeça dos assistentes, sem nunca se chocar com eles; grandes caixas de música deslocam-se, vão pousar em uma cabeça, mui suavemente, com perfeita precisão; quando os assistentes são tocados por mãos, o contato se faz sem a menor hesitação, segundo sua própria fantasia ou segundo as indicações dadas pelo assistente indicado. Fica-se convencido imediatamente de que a força produtora das manifestações vê às escuras tão distintamente quanto nós mesmos à luz.
Por muitas vezes verifiquei esse fato em segredo. Assim, no decurso de uma sessão feita às escuras em casa do Sr. Everitt, em Londres, um dos Espíritos-guias, John Watt, tinha o hábito de entreter longas conversações viva voce por meio de um tubo de papelão colocado sobre a mesa, e sua voz saía desse lugar. Achando-nos sentados em torno da mesa, completamente às escuras, e sem fazer a cadeia, levantei o braço direito, desejando que minha mão fosse tocada pelo tubo, tudo isso sem dizer coisa alguma a meus vizinhos. No momento preciso em que estendi o braço, os dedos receberam na extremidade muitas pancadas dadas com o tubo. De outra vez, em uma sessão às escuras com a Srta. Kate Cook, formávamos a cadeia; não podendo mover a mão, apenas levantei o indicador com o desejo de que ele fosse tocado; o resto da mão estava imóvel; imediatamente dois dedos me tomaram a unha e apertaram-na.
Em minhas experiências com Bredif, quando ele estava em transe atrás de uma cortina de tecido, sucedeu-me freqüentemente aproximar a mão da cortina e imediatamente sentia que no espaço sombrio dois dedos vinham através do tecido chocar-me a mão ou apertá-la. O próprio aposento estava meio escuro e teria sido impossível para um olho ordinário ver através da cortina o movimento e o lugar de minha mão. Admitindo-se mesmo que meu desejo tenha sido conhecido pela “leitura do pensamento”, isso não bastaria para explicar como se podia conhecer exatamente o local onde eu colocaria o dedo e a mão. Pode-se fazer interessante experiência do mesmo gênero traçando um esboço em papel que se colocará em cima da mesa, com uma tesoura, durante uma sessão às escuras; ouvir-se-á a tesoura cortar o papel e recortar exatamente a figura desenhada.
No Light de 1886 (pág. 604) encontrar-se-á uma narração interessante de experiências desse gênero, instituídas em Moscou, pelo Sr. Yarkorski, com o médium Eglinton. São bem conhecidas as experiências de escrita direta e de leitura, realizadas no escuro; até mesmo se podem notar casos de leitura de um texto desconhecido de todos os assistentes. Vejam-se também as experiências elétricas às escuras, feitas por Varley (Relatório da Sociedade de Dialética, parte II).
O Sr. Hartmann falou extensamente acerca de todos esses fenômenos; ele explica a sua parte física pela força nervosa do médium e a parte intelectual por sua consciência sonambúlica. O que ele não explica, porém, é a ação e a visão às escuras.
Ser-se-ia tentado a imaginar que essa faculdade tão característica da visão às escuras é uma das virtudes extraordinárias da consciência sonambúlica; mas é preciso, parece, concluir pela negativa, pois que, se assim fosse, o Sr. Hartmann não teria procurado explicar pela clarividência esse fato: “que um médium pode ler uma palavra que o magnetizador encobre com o dedo” (pág. 75) – experiência feita pelo Sr. Crookes com uma senhora que escrevia por meio da prancheta (Pesquisas acerca dos fenômenos do Espiritualismo, pág. 168) – ou ainda, “casos de cópia de uma página de um livro fechado” (pág. 75). A explicação desses fenômenos não deveria ser mais difícil de encontrar do que a de todos os outros, pois que a força nervosa penetra a matéria sem dificuldade alguma (ver as experiências de Zöllner quanto às impressões e a escrita obtida entre duas ardósias) e porque o médium, em estado de transe, atrás da cortina, vê perfeitamente os assistentes e os objetos que ele faz moverem-se, segundo suas alucinações; por conseguinte, ver através de um dedo ou das páginas de um livro fechado não é mais difícil, e equivale à leitura às escuras sem o auxílio dos olhos.
Como quer que seja, é evidente que a produção desses fenômenos às escuras implica um gênero de clarividência, e toda a questão consiste em saber como explicá-lo.
Temos que escolher dentre duas teorias. Em primeiro lugar a do Sr. Hartmann, que opina por um “saber absoluto” que seria uma das faculdades da “alma individual” e que não é, em última análise, mais do que uma função do “indivíduo absoluto” (pág. 79). Dessa maneira, quando na escuridão completa a força nervosa recorta a figura desenhada em papel e escolhe-se, dentre muitos lápis de cores colocados entre duas ardósias, o indicado para escrever, a clarividência necessária a essa operação é uma função do indivíduo absoluto! Mas, segundo a teoria que reconhece em nós a existência de uma individualidade transcendente, a ação física a distância é produzida pelo desdobramento ou pela projeção de um membro do organismo do indivíduo transcendente, e a visão às escuras nada mais é do que uma de suas funções, pois que suas faculdades de percepção são transcendentes sem que por isso sejam funções do absoluto. Esta teoria refere o fenômeno a uma causa natural, simples e racional, e tem o mérito de não fundar-se no “sobrenatural”, ao qual o Sr. Hartmann se julga coagido a ter recorrido.
Que a faculdade de clarividência não é uma função do absoluto, porém uma função orgânica transcendente – mais ou menos defeituosa, ou mais ou menos perfeita, segundo a qualidade do organismo transcendente –, pode-se verificar por uma série de experiências feitas em certa ordem, isto é, eliminando pouco a pouco as possibilidades de explicação por outras hipóteses.
Nessa ordem de idéias, fiz algumas experiências muito interessantes. Vai para dez anos, assisti a uma série de sessões mediúnicas, organizadas em um círculo rigorosamente íntimo, que constava de minha cunhada, senhora idosa, de meu genro e de mim mesmo. Nosso intuito era obter, não fenômenos físicos, que eu tinha tido freqüentemente ocasião de ver, porém manifestações intelectuais, para estudá-las a fundo. Naquela circunstância, toda suspeita de fraude foi evitada incontestavelmente; empregamos, por conseguinte, um modo de experimentação inteiramente primitivo e que deu resultado em grande número de casos: um alfabeto impresso é colado em um pedaço de papelão; pequena régua, pontuda de um lado, é colocada em cima do papelão e serve de indicadora; os experimentadores colocam as mãos por cima e ela se põe em movimento, indicando as letras.
Meus dois parentes em questão nunca tinham feito experiência acerca de sua mediunidade. Era sua estréia. Instalei-os na mesa, indagando se essa sessão podia dar resultados quaisquer. Verificou-se que eles tinham faculdades mediúnicas notáveis. No começo, houve inclinações da mesa, e foi por esse meio que nos foram indicadas as letras do alfabeto que um de nós recitava. Esse processo nos pareceu muito moroso e tivemos que recorrer a outro meio. Quanto a mim, não possuo a menor mediunidade e meu concurso resumia-se a inscrever, em uma outra mesa, as letras que me ditavam.
Essas sessões deram resultados muito interessantes. Eram organizadas no intuito de estabelecer até que ponto as “comunicações” podiam ser atribuídas à nossa ação pessoal inconsciente e se elas são de natureza a coagir-nos a admitir a existência de um agente exterior, inteligente. Sucedia-nos receber comunicações incoerentes; às vezes nossos esforços eram completamente estéreis; porém, em outras vezes obtínhamos manifestações notáveis. Publiquei algumas dessas comunicações em meu jornal Psychische Studien sob o título: “Enigmas filológicos, por via mediúnica”.
Neste lugar, citarei um fato a que se poderia chamar enigma psicofisiológico. De tempos em tempos chegavam-nos comunicações inteiramente distintas das que recebíamos habitualmente, quer pelo conteúdo, quer pelo estilo e ortografia. Nosso correspondente misterioso começou em pouco tempo a simplificar singularmente a ortografia russa, não prestando atenção às consoantes dobradas, etc. Apesar de todas as nossas instâncias, recusava-se a se dar a conhecer; não dizia o nome e acolhia ironicamente os esforços que eu empregava para procurar definir a individualidade dessa Inteligência que se nos manifestava; entretanto, ele se prestava às experiências que eu propunha.
Eis o diálogo que se estabeleceu entre nós em uma sessão, a 10 de março de 1882:
– Tu nos estás vendo?
– Sim.
– Vês também as letras do alfabeto?
– Sim.
– Com os teus olhos ou com os nossos?
– Com uns e outros.
– E se os médiuns fechassem os olhos, poderias ver as letras?
– Sim, isso pouco importa; é um pouco mais difícil.
– Tens um órgão especial para a vista?...
Nesse momento os médiuns fecham os olhos; a régua faz movimentos que acompanho atentamente, sem tocar na mesa, e indica com correção a resposta seguinte:
– Temo-lo.
– É um órgão corpóreo?...
Os médiuns fecham os olhos de novo; a régua indica uma série de letras com as quais não consegui formar uma palavra qualquer; o alfabeto estava às avessas para mim; coloquei-me do outro lado da mesa e pedi que a palavra fosse repetida; a régua fez exatamente os mesmos movimentos, mas eu não consegui ainda compor uma palavra. Então pedi aos médiuns que abrissem os olhos e a meu interlocutor que soletrasse ainda uma vez a mesma palavra. A régua indicou a palavra:
– Certamente.
A confusão tinha sido causada pelo fato de a régua ter-se detido precedentemente em uma letra vizinha. Sucede freqüentemente, nessas espécies de sessões, a régua não chegar até à letra precisa; fato análogo pode dar-se igualmente quando as letras são indicadas por meio de pancadas pelo pé da mesa.
Numerosas experiências desse gênero foram feitas pelo professor Robert Hare, que trata delas em seu livro; ele tinha construído seus instrumentos de tal maneira que o médium não podia ver o alfabeto. Eu mesmo, em minhas primeiras sessões de Espiritismo, procedi da mesma maneira; no meio de uma comunicação feita com um alfabeto de papelão colocado em cima da mesa, levantei o alfabeto e mantive-o muito elevado, à altura dos olhos, continuando a indicar as letras, de tal maneira que só eu podia vê-las; entretanto, a comunicação continuou. Recentemente encontrei a narração de uma experiência semelhante no volume XI das Memórias da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, pág. 221. Para maior precaução – quando os olhos do médium foram vendados –, tinha-se feito uso de outro alfabeto, que o médium não tinha visto antes e cujas letras estavam dispostas sem ordem alguma. O resultado foi o mesmo.
Em todos esses casos há, entretanto, olhos que vêem – os olhos dos assistentes. Poder-se-ia, pois, supor que o médium opera por transmissão telepática inconsciente as letras que os assistentes vêem; mas essa suposição não é razoável, pois que os assistentes não vêem senão o conjunto do alfabeto, e sua atenção só se fixa em uma letra quando ela já está indicada pelo médium; supondo por um instante que a comunicação emane de maneira inconsciente do cérebro de um dos assistentes, letra por letra, não teria havido por parte do médium mais do que uma leitura de pensamento; ele teria repetido essas letras, mas isso não o teria auxiliado a encontrar e a indicar essas letras sobre o alfabeto impresso; em todo caso, um certo grau de clarividência é, entretanto, necessário; em minha experiência, por exemplo, eu só olhava para o alfabeto quando a régua parava em uma letra.
Continuo a narrar as experiências que fiz, organizando-as de maneira a excluir toda participação possível dos olhos de quem quer que seja. Aproveitei-me da primeira oportunidade que se apresentou para terminar minhas investigações. Em uma sessão que se realizou a 28 de abril, disse a meu interlocutor:
– Diversas questões e dúvidas suscitam-se a respeito de tua faculdade de ver. Disseste que podias ver, que não tens necessidade do órgão visual de quem quer que seja; ora, o primeiro ensaio foi muito satisfatório, porém, na segunda experiência, mesmo quando um dos médiuns conservava os olhos abertos, não conseguiste ler o alfabeto. Desejaria muito verificar tua faculdade de visão independente e proponho-te esta experiência: tomarei ao acaso algumas moedas, sem olhá-las, e as colocarei atrás da cadeira de um dos médiuns. Podes indicar-me o número?
– Venda-lhes os olhos. Tentarei.
– Que experimentarás, precisamente?
– Indicar as letras.
Os olhos dos médiuns são vendados; acompanho as indicações da prancheta e inscrevo as letras. Obtemos algumas frases em língua russa, sempre de ortografia singular, depois do que, digo:
– Deu muito bom resultado, mas é preciso organizar a experiência de maneira tal que ninguém possa ver o objeto da experiência. Volto, pois, à minha proposta com as moedas colocadas atrás de uma cadeira. Poderás vê-las?
– É mais difícil.
Tentamos a experiência, e por três vezes sucessivas ela deu mau resultado.
– É admirável – observei –, vês as letras na mesa, e não podes ver as moedas colocadas atrás da cadeira!
– O espaço que separa os médiuns é o que me é mais favorável; venda-lhes os olhos e coloca tuas moedas sob a mesa.
Vendei os olhos dos médiuns com uma larga faixa que descia até à ponta do nariz; fechando os olhos por minha vez, tirei da carteira muitas moedas e, sem contá-las, coloquei-as no bordo extremo do papelão, onde as letras estavam marcadas; depois cobri os olhos de modo que só visse o alfabeto. A prancheta pôs-se em movimento e, como eu não pudesse dar com a palavra indicada, coloquei um folheto em cima das moedas, e então todos abrimos os olhos.
– Fala agora – disse eu.
– Seis.
Levantei o folheto. “Seis!”, exclamamos todos à uma só voz. Porém, em seguida notamos que havia ali na realidade sete moedas, pois que duas moedas de 10 kopeckes estavam superpostas; eu tinha colocado as moedas com precipitação em cima da mesa, para não contá-las involuntariamente, e foi assim que se deu o erro por causa da própria disposição das moedas.
Repeti a experiência. Dessa vez todas as indicações da prancheta foram exatas.
– Coloca-as de melhor modo.
(Passo a mão por cima das moedas a fim de separá-las.)
– Novamente, seis.
Olhamos, era exato. Desejo recomeçar imediatamente, mas a prancheta dita esta frase:
– Coloca-as sobre uma folha de papel branco.
Vendo os olhos dos médiuns, coloco as moedas em cima de uma folha de papel, sem olhar para elas, e pergunto:
– Coloquei-as bem desta vez?
– Perfeitamente. Há sete.
Nossa curiosidade tinha aumentado. Olhamos; o número era ainda exato.
– Coloca o relógio – disse o nosso interlocutor.
Tirei de cima de minha mesa um pequeno relógio-despertador e coloquei-o na mesa onde estavam os médiuns, porém, voltando-o de maneira tal que ninguém pudesse ver os ponteiros.
– Eu preferia um relógio de algibeira. Coloca-o horizontalmente.
Concluí que era preciso colocar o relógio com os ponteiros para cima; por conseguinte, vendei de novo os olhos dos médiuns e coloquei o relógio horizontalmente, sem olhar para ele, bem entendido. Depois de um quarto de minuto, a prancheta indica:
– Seis horas, menos cinco minutos.
Olhamos; era exato e ao mesmo tempo não era exato, pois que o ponteiro do despertador marcava seis e o dos minutos e o dos segundos estavam superpostos em onze; à primeira vista, parecia que eram seis horas menos cinco minutos.
– Experimentemos agora o relógio de algibeira, como manifestaste o desejo.
– Coloca-o em cima do papel.
Depois de ter procedido com precedentemente, soletrou-se:
– Onze horas e quatro minutos.
Olhamos: eram onze horas e cinco minutos.
– Por conseguinte, quando olhaste para o relógio, eram onze horas e quatro minutos, e um minuto foi empregado para o ditado?
– Sim, agora coloca moedas, farei a contagem; será a última coisa, porque estou fatigado.
Vendei os olhos dos médiuns e coloquei em cima da folha de papel muitas moedas sem olhar para elas; a prancheta indicou:
– Um rublo de prata.
Olhamos. A soma estava certa; havia ali quatro moedas de quinze kopekes, uma de vinte e duas de dez.
O mesmo interlocutor voltou a 5 de maio, e eu lhe disse:
– Tenho de fazer-te duas perguntas relativas às nossas experiências com as moedas: 1º- Disseste-nos que vias por ti mesmo, que tens teu órgão visual; entretanto é preciso concluir de nossas experiências que estás submetido a certas condições dependentes de nós; 2º- Quais são essas condições?
– Em relação à primeira pergunta, eu disse que eu mesmo via; disse também: É coisa diversa ver para mim e ver para transmitir-te o que vejo; nossas percepções, inclusive as da vista, são independentes dos sentidos, e por isso mesmo elas são qualitativamente e quantitativamente diferentes; para comunicá-las a alguém, uma certa assimilação ou comunhão é necessária. Em relação à segunda pergunta, a esfera de minha atividade, em minhas relações contigo, é certamente limitada; se desejo entrar em comunhão externa contigo, o melhor meio é aproveitar-me do médium; em torno dele há por assim dizer sua atmosfera, a parte mais espiritualizada de cada um; é, pois, a própria extensão dessa atmosfera que é a condição de minha atividade, e é ela que determina o seu limite; essa atmosfera deve ser contínua: é uma periferia.
– Assim, tua vista depende das condições mediúnicas?
– De maneira alguma. Que sabes a esse respeito? Quando te vejo à minha maneira e para mim, de nada preciso, de auxílio algum, é evidente; mas desde que desejo não só ver completamente, como vês, à tua maneira, mas ainda dizer-te o que vejo, é outra coisa.
As respostas de nosso interlocutor têm, como se vê, profundo senso filosófico. Se verdadeiramente ele pertence ao mundo dos númenos, donde vê as coisas do nosso mundo, não como se apresentam a nós, mas como são em si mesmas, ele deve, conseqüentemente, vê-las à sua maneira, deve entrar no mundo dos fenômenos e submeter-se às condições de nossa organização; pois que tal é a organização, tal a idéia que formamos do mundo.
– Ainda uma pergunta: Por que pediste que a moeda fosse colocada em cima de uma folha de papel branco?
– Isso é subjetivo; não lhes sucede, também, às vezes, pensar que assim viam melhor? Conosco isso se produz mais freqüentemente.
Relendo esta explicação percebo agora que ela se refere ao momento em que as moedas estavam atrás de uma das pessoas presentes; foi provavelmente pelo mesmo motivo que nos pediram também que colocássemos o relógio horizontalmente, com o mostrador para cima; de outra maneira o corpo do objeto teria encoberto os ponteiros. E entretanto as pálpebras dos médiuns, assim como o lenço que lhes vendava os olhos, encobriam da mesma maneira as moedas, o alfabeto e o relógio; eles formavam uma “periferia”; por que motivo, pois, esses anteparos não apresentavam obstáculo algum? Não tive, na ocasião, a lembrança de pedir o esclarecimento daquele ponto.
Compreendo perfeitamente que uma simples venda sobre os olhos, por mais escrupulosamente que seja colocada, não pode servir de prova absoluta de exclusão de toda a percepção da vista ordinária; as vendas mais complicadas não poderiam fornecer essa prova, porque deixam sempre margem para diversas manobras fraudulentas. Todo o valor das experiências que acabo de referir assenta na convicção moral de sua perfeita autenticidade. Fizemo-las não para tirar delas uma vanglória, mas por estarmos interessados na solução do problema que nós mesmos nos tínhamos imposto; e, se vendávamos os olhos dos médiuns, era unicamente para impedir qualquer abertura involuntária das pálpebras, por menor que fosse; finalmente, para ver com as vendas sobre os olhos, teria sido preciso uma ação voluntária, um estratagema intencional.
Que demonstram esses fatos? Quem é que lia, contava, via a hora?
Essas operações eram o resultado de uma atividade inconsciente emanando de nós mesmos ou eram devidas a uma atividade consciente, e nesse caso qual era? Todo o interesse está aí.
Se aceitarmos a tese de que “o inconsciente não tem necessidade de nenhum dos órgãos que servem para transmitir as coisas à consciência” (foi assim que o nosso interlocutor se exprimiu em uma ocasião), tese que devemos considerar como absolutamente exata no ponto de vista da lógica – o próprio Sr. Hartmann define o inconsciente como “onisciente e infalível” – então ele se torna incompreensível porque esse inconsciente não vê os objetos quando são colocados de maneira a subtraí-los aos olhos abertos das pessoas que assistem à sessão; porque ele está confinado nos limites de certo espaço, de uma periferia; é ainda mais difícil de explicar, nesse caso, porque a visão fica incerta mesmo quando as condições do espaço são observadas, o que se conclui dos erros cometidos ao indicar as letras, erros por assim dizer aceitáveis, pois que o indicador parava então ao lado da letra precisa; ainda mais incompreensíveis são as inexatidões que essa visão cometeu nas experiências com o relógio e com as moedas; ela toma duas moedas superpostas por uma só, o ponteiro do despertador pelo das horas e os dois ponteiros do mostrador, superpostos, pelo ponteiro dos minutos. Isso quer dizer que ela apresenta todos os defeitos de função de um órgão visual ordinário. Tudo isso permite, acredito, concluir que se trata não de uma faculdade inconsciente de nosso cérebro – que deveria manifestar-se independentemente de qualquer órgão –, mas de uma faculdade consciente, dependente de um órgão visual. Mas nossa atividade consciente assim como o funcionamento de nossos órgãos visuais, supressos no presente caso, enquanto que o fato da visão é inegável, há fundamento para admitir que temos aqui a manifestação de uma atividade consciente estranha proveniente de outro organismo, isto é, de nosso ser transcendente.
Vamos adiante, e encontraremos outros casos em que a periferia não será mais um obstáculo à penetração da vista. É assim que o próprio professor Hare imaginou apresentar atrás do médium algumas cartas tomadas ao acaso em um baralho e cuja ordem ninguém podia conhecer. Em certos casos, as cartas foram adivinhadas; em outros, com mudança da influência oculta, essa experiência não dava resultado. (Hare – Experimental Investigation, § 112, pág. 33).
O Sr. Capron, autor do Modern Spiritualism, narra assim uma de suas experiências de Espiritismo:
“Achando-me, em outra ocasião, em companhia do Sr. Isaac Post, de Rochester, tentei fazer a seguinte experiência: tomei um punhado de conchas em um cesto e pedi que me indicassem o número delas por meio de pancadas. O número obtido era exato. Mas, como eu já sabia o número exato de conchas que tinha na mão, desejei repetir essa experiência evitando toda a possibilidade de uma co-participação qualquer por parte de minha consciência. Tomava grandes punhados de conchas, sem contá-las; as respostas eram sempre exatas. Pedi então ao Sr. Post, que estava a meu lado, que tomasse muitas conchas, sem contá-las, e que as pusesse em minha mão, que eu fechei imediatamente, de maneira que ninguém tinha podido conhecer o conteúdo. A quantidade de conchas era ainda indicada com a mesma exatidão. Entregamo-nos por muitas vezes a essas experiências e invariavelmente com o mesmo resultado.” (pág. 75).
Segundo a teoria do Sr. Hartmann, haveria aí a princípio transmissão de pensamento, depois, um instante depois, um salto ao absoluto.
Eis a experiência do Sr. Crookes:
“Uma senhora escrevia automaticamente por intermédio da prancheta. Tentei descobrir o meio de provar que o que ela escrevia não era devido à ação inconsciente do cérebro. A prancheta, como costuma sempre, afirmava que, se bem que posta em movimento pela mão e braço dessa senhora, a Inteligência que a dirigia era a de um ser invisível, que se servia do cérebro da senhora como de um instrumento de música, e fazia assim mover seus músculos.
Digo então a essa Inteligência:
– Vês o que está neste quarto?
– Sim – escreve a prancheta.
– Vês este jornal e podes lê-lo? – acrescentei, colocando o dedo em cima de um número do Times que estava sobre a mesa, atrás de mim.
– Sim – respondeu a prancheta.
– Bem – digo –, se podes vê-lo, escreve a palavra que está agora coberta por meu dedo e acreditarei em ti.
A prancheta começou a mover-se lentamente, e com muita dificuldade escreveu a palavra however. Voltei-me e vi que a palavra however estava coberta pela ponta de meu dedo.
Propositadamente eu tinha evitado olhar para o jornal, e era impossível à senhora, ainda que tivesse tentado, ver uma só das palavras impressas, pois que estava sentada em uma mesa, o jornal estava em cima de outra mesa e meu corpo lho ocultava à vista.” (William Crookes, Força Psíquica, Paris, Livraria das Ciências Psicológicas).
São conhecidas as experiências de Eglinton sobre a escrita direta reproduzindo uma linha qualquer, indicada, de um livro fechado.
As primeiras experiências desse gênero foram feitas em 1873 pela mediunidade do Sr. A. (Oxon), que tivemos freqüentemente ocasião de citar nesta obra. Essas experiências têm a vantagem de terem sido organizadas em um círculo íntimo, de família, para instrução especial dos pesquisadores. Lemos a esse respeito no Spiritualist de 1873, na página 293 (ver também: Spirit Identity, pelo Sr. A. Oxon, pág. 79):
“Na sessão de 22 de maio de 1873, o próprio médium escrevia as perguntas; as respostas eram dadas por meio de um processo que o Dr. Carpenter teria designado como “funcionamento inconsciente do cérebro que dirige os movimentos da mão”. O diálogo seguinte começou:
– Podes ler?
– Não, meu amigo, não posso, mas Zacarias Gray e R. o podem. Não tenho a faculdade de materializar-me e de dominar os elementos.
– Um desses Espíritos acha-se aí?
– Vou conduzir um para aqui. R. está presente.
– Disseram-me que podias ler. É verdade? Podes ler um livro?
(Nesse momento a escrita muda.)
– Sim, porém com dificuldade.
– Queres escrever-me o último verso do primeiro livro da Eneida?
– Espera... Omnibus errantem terris et fluctibus œstas.
Estava exato. Mas era possível que eu conhecesse esses versos.
– Podes escolher na estante o penúltimo volume, na segunda prateleira, e ler-me o último parágrafo da página 94? Não vi esse livro e nem sequer conheço o seu título.
– Demonstrarei por uma narração histórica que o papado é uma inovação que surgiu e desenvolveu-se gradualmente desde a época do Cristianismo puro...
Feita a verificação, vi que era uma obra mui curiosa, tendo por título: Antipopepriestian by Rogers (o Antipapal e o Anticlerical, do escritor Rogers).
A citação era exata, à exceção de uma palavra: “recit” (narrativa), que tinha sido substituída por “account” (relatório).
– Como é possível que eu tenha acertado em uma passagem tão a propósito?
– A esse respeito nada sei, é uma coincidência. Foi por descuido que substituí uma palavra; apercebi-me disso imediatamente, mas não quis retificar.
– Como procedes para ler? Escrevias muito mais lentamente, parando com freqüência.
– Eu escrevia à proporção que me lembrava do que tinha lido. Essa leitura exige um esforço extraordinário e só pode servir para demonstração. Teu amigo tinha razão ontem, ao dizer que podemos ler, mas somente em condições favoráveis. Vamos ainda ler e escrever, e te diremos em seguida em que livros se acham as respectivas passagens.
A mão do médium escreve: “Pope é o escritor mais em evidência, pertencente a essa escola de poesia da inteligência, ou antes da “inteligência unida à fantasia”. A citação é exata. Olha o undécimo livro na mesma prateleira; ele se abrirá na página precisa. Lê e admira o nosso poder e a bondade de Deus que nos permite demonstrar nosso poder sobre a matéria. Glória a Ele. Amém.”
Procurei o livro indicado; era intitulado: A Poesia, o Romantismo e a Retórica. Ele se abriu na página 45, que continha, com efeito, a passagem citada, textualmente. Até então eu nunca tinha visto esse livro e não tinha a menor idéia do que ele podia conter.”
Nos últimos casos que acabamos de examinar, a visão sem o auxílio dos olhos produz-se em condições muito absolutas; mas a faculdade dessa visão, não obstante ser produzida pelo próprio médium, na mesma sessão, não é sempre a mesma: suas variações correspondem às mudanças das forças inteligentes que se manifestam, umas das quais declaram possuir essa faculdade e o provam, e as outras confessam não possuí-la, o que tende a fazer acreditar que essa faculdade não deve ser atribuída sempre ao indivíduo transcendente cujas condições de manifestação não se modificaram no momento dado.
Essa faculdade de visão através da matéria e dos corpos opacos parece, segundo os casos que conhecemos, pertencer mais particularmente aos médiuns chamados universais, isto é, àqueles cuja mediunidade não fica restrita às manifestações intelectuais, mas compreende também as manifestações físicas; a penetração da matéria pertence a esse gênero de mediunidade, e a relação entre esse fenômeno e a visão é evidente. Minhas experiências não chegaram até tal ponto, porque eram feitas com o concurso de pessoas cujas faculdades mediúnicas eram inteiramente elementares.
Atribuí essa faculdade de visão ao indivíduo transcendente, porque é por ele que é preciso começar; mas, como o veremos mais tarde, essa entidade psíquica pode manifestar-se quer em estado de encarnação passageira, quer fora desse estado; é apenas questão de particularidades e de circunstâncias.
B – Fatos conhecidos independentemente dos órgãos que servem habitualmente à percepção
Sob essa categoria, devo mencionar em primeiro lugar um caso dos mais notáveis que se deu em uma de minhas sessões íntimas, no mesmo grupo de três pessoas (minha cunhada, meu genro, um moço de vinte anos, e eu), no qual se tinha feito a experiência de visão sem intervenção da vista, dos quais acabo de falar. Foi nesse mesmo grupo que recebi as comunicações publicadas no Psychische Studien, sob o título: Minhas experiências pessoais. Problemas filológicos apresentados por via mediúnica (1883, pág. 547; 1884, págs. 1, 49, 153, 564; e 1885, pág. 49). O Sr. Hartmann citou por duas vezes essas experiências, e é uma razão a mais para que eu fale delas; porém só me ocuparei da última, que apresenta particularidades excepcionais. Sendo essa experiência a única no gênero feita por mim, e como lhe dou grande importância, vou reproduzir aqui sua narração completa, tal qual foi feita em meu jornal.
Deu-se o fato a 10/22 de fevereiro de 1882. Era a quinquagésima sessão. A mesa pôs-se em movimento imediatamente. O alfabeto russo foi pedido. Observarei que nessa sessão recorremos a um processo que podia simplificar nossas relações com o nosso interlocutor invisível e por isso mesmo ampliar a esfera de tais relações; em vez de nomear todas as letras, na ordem alfabética, até à letra precisa, propus que se fizesse uso de uma folha de papelão, sobre a metade da qual fossem coladas as letras do alfabeto russo, e sobre a outra as letras francesas; a pequena régua ou prancheta serviria de indicador. De acordo com tais disposições, colocamos o papelão em cima de uma mesa pequena, e os dois médiuns, sentados um defronte do outro, colocaram a mão direita sobre a prancheta, que devia pôr-se em movimento e indicar as letras. Antes de começar a experiência com o papelão, tínhamos o hábito de colocar-nos à mesa para nos assegurarmos da presença da força oculta, e só recorremos ao papelão a um pedido nitidamente formulado.
Ora, foi o alfabeto russo o reclamado nesse dia. Depois de algumas frases ditadas por nosso correspondente, reconhecemos nele o recém-vindo que se tinha manifestado na sessão precedente sem ter acedido em dizer o nome. Teria sido impossível não reconhecê-lo por seus ditos espirituosos e pelo estilo que lhe era peculiar. Depois de ter soletrado algumas frases em língua russa, a prancheta começou a indicar letras do alfabeto francês. Nessa ocasião, como habitualmente, eu não tomava parte alguma na sessão, no ponto de vista da mediunidade: estava sentado perto de outra mesa e apenas me ocupava em tomar nota das letras que as outras pessoas me ditavam; entretanto, era eu quem dirigia a conversação. As letras seguintes me foram nomeadas:
e m e k h a b a c c h a
– Mas isso não tem senso comum.
– Acreditas?
– Em francês não existe palavra alguma semelhante.
– Quem te disse que é francês?
– Dize, então, que língua é?
– Não sabes, tanto melhor. Devias, entretanto, sabê-lo; em russo, isso quer dizer “Vale de lágrimas”. É o teu domínio.
– E ainda uma nova mistificação.
– Quem conhecer o hebraico poderá verificar minhas palavras.
– Por conseguinte, é hebraico?
– Sim.
– Soletra-me a mesma palavra em letras russas.
(Devo dizer que os médiuns, nomeando-me uma série de letras que não tinham para eles nenhum sentido, naturalmente não teriam podido repeti-las; quanto às notas que eu tomava, eles não as viam; e, da mesma maneira, a mesma palavra me foi ditada em letras russas.)
– Dize-nos a primeira dessas palavras?
– e m e k.
– De que proveniência é esta frase?
– É a sentença de um doutor judeu português.
– Seu nome?
– Creio que se chamava Sardovy.
– Nunca ouvi falar nele.
– Lamento-o.
Em seguida começou uma longa discussão filosófica que é inútil reproduzir aqui. A sessão foi interrompida pelo chá da noite, e aproveitei-me dessa interrupção para consultar um dicionário hebraico acerca da significação das palavras que eu tinha inscrito. Trinta anos antes, tinha-me ocupado um pouco com essa língua e sabia a tal respeito o suficiente para fazer as pesquisas em questão. No radical (bacha) – ele chorou –, encontrei a locução (emek habbaca) – vale de lágrimas. Li nesse dicionário que esta expressão só se encontra uma vez no Antigo Testamento: no 83º salmo, versículo 7. Eu conhecia essa passagem tanto menos quanto meus estudos sobre a língua hebraica só tinham compreendido a Gênesis e os dez primeiros salmos. A citação era, pois, exata, salvo a ortografia latina, segundo a qual se deve escrever habbaca e não habaccha.
No que diz respeito ao nome “Sardovy”, não o encontrei em meus dicionários de biografia.
Comuniquei o resultado de minhas pesquisas à minha pequena sociedade, e depois do chá recomeçamos a sessão. Os médiuns sentaram-se à mesa de experiência antes de minha chegada e, logo que puseram as mãos sobre a prancheta, receberam esta comunicação em língua russa:
– Procura no dicionário o nome de B. Cardósio.
(O nome foi ditado em letras latinas.)
Nesse momento entrei e soube do que se tinha passado. Sentei-me e disse:
– Acabo de consultar o dicionário; a citação é exata.
– Bem sei que ela é exata e que a procuraste; lembrei-me que o nome não é “Sardovy”, porém “Cardovy”..., não; ainda não é isso... “Cardosiob”.
– Que significa o b?
– Seu sobrenome: B. Cardósio. Um sábio doutor. Muito célebre em seu tempo.
– Porém que relação tem ele com as palavras hebraicas?
– É um adágio célebre.
Depois disso a conversação tomou de novo uma feição filosófica. Para dar uma idéia da dialética de nosso interlocutor, citarei algumas de suas respostas às minhas perguntas.
– Podes dizer-nos sob que forma existes?
– A compreensão da essência da forma é precisamente vossa parte fraca.
– Não falo da essência, quero falar da forma.
– Que vem a ser a forma segundo o vosso modo de entender? Para mim a questão de saber se alguma coisa existe ou se acha sob qualquer forma nem sequer pode propor-se, pois que a forma é uma representação indispensável quando se trata de uma existência.
– Não pergunto se revestes uma forma; estou perguntando “que forma” revestes?
– Queres, por conseguinte, falar da essência da forma; acabo de dizer que a forma não passa de uma idéia e estavas de acordo comigo.
Uma discussão animada travou-se então entre mim e o professor Boutleroff, que estava presente a essa sessão. Eu acusava o nosso interlocutor de procurar furtar-se a uma resposta direta. A prancheta pôs-se em movimento, compondo esta frase:
– Compreendi bem: afirmo antes de tudo que a forma é uma idéia. Digo ainda que a forma, como idéia, nos é necessária sempre que se trata de uma coisa que existe; finalmente, tudo o que existe corresponde a idéias que estão em relação com a sua existência, e por conseguinte à idéia da forma, ou melhor, para exprimir-me como filósofo, à idéia do fenômeno.
Esse pensador esquisito exprimia-se sempre em tom irônico, um pouco desdenhoso mesmo. Zombava dos esforços que empregávamos procurando encontrar provas da identidade de um Espírito; afirmava que tal prova não existia. Em nossas discussões, ele levava sempre vantagem sobre nós e ficávamos maravilhados pelo vigor de sua dialética cheia de senso filosófico e ao mesmo tempo impregnada de sarcasmo.
Ele conversou conosco cerca de doze vezes, externando em cada sessão a esperança de nos tornarmos mais inteligentes; mas deixou de manifestar-se com o pretexto de que não sabíamos conversar com ele – no que tinha razão.
No final da sessão de que se trata, apressei-me em fazer novas pesquisas em diversos dicionários, e eis o que encontrei na Nova Biografia Universal de Didot:
“Cardoso (Fernando), médico português, nascido em princípios do XVII século, falecido na segunda metade. Celorico é a verdadeira pátria dessa personagem singular, que tinha granjeado muita nomeada em sua profissão e distinguiu-se nela. Ele foi à Espanha e obteve em Madrid o título de Físico Maior (médico-chefe). O que houve verdadeiramente notável na vida desse sábio é que ele abandonou a religião cristã, na qual tinha sido educado, para entrar no seio do Judaísmo, do qual se tornou um fervoroso apóstolo, etc.”
Por conseguinte, o nosso informante tinha dado prova de boa memória, desta vez. O nome e os traços característicos eram exatos. Apenas o sobrenome não começa por um B, pormenor, aliás, sem importância. Quanto ao que diz respeito à divisa, não pude verificar se provinha realmente de Cardoso; para isso eu teria sido coagido a procurar em suas obras que não devem encontrar-se em nenhuma das nossas bibliotecas. Como quer que seja, o caso é mui notável, mesmo independentemente desse pormenor.
Para fenômenos desse gênero, o Sr. Hartmann propõe a explicação seguinte:
“Na consciência sonambúlica latente de um dos assistentes – se o intento deste último é dirigido a determinado assunto –, ele pode despertar a recordação de frases em língua estrangeira, lidas ou ouvidas em época anterior. O médium pode adivinhar a representação dessas recordações e comunicá-la pela escrita involuntária ou por intermédio de pancadas, sem que a consciência em estado de vigília da pessoa em questão reconheça suas próprias recordações nas frases assim transmitidas.” (págs. 70-71).
Publicando essa narração no Psychische Studien (em 1885) e depois na edição alemã dessa obra em fins de 1888, eu podia afirmar peremptoriamente que as explicações do Sr. Hartmann não lhe podiam ser aplicadas, pois que é certo que nenhum de nós tinha lido nem ouvido recitar aquela epígrafe hebraica.
Inesperadamente, em dezembro de 1888, meu secretário e tradutor em Lípsia, o Sr. Wittig, me escreveu que o enigma Cardoso explicava-se, pois que tinha lido no Salon de 1885 (nº 6) um artigo acerca da Poesia das divisas e provérbios, onde a epígrafe Emek habbacha era mencionada e atribuída a Cardoso, “médico português muito conhecido”, com uma referência à obra de Wichmann, A poesia dos provérbios e divisas (Dusseldorf, 1882). Obtive esse livro o mais rápido que pude e no fim do volume, na parte inferior da página 312, li as linhas seguintes:
“Porém voltemos à terra e terminemos pela única epígrafe hebraica do sábio médico israelita português, B. Cardosio:
“Emek habbacha.” “O vale de lágrimas.”
É claro que a epígrafe que nos tinha sido ditada foi tirada desse livro; todas as particularidades se encontram ali; o erro cometido no nome é comprobatório mais do que tudo; encontra-se ali Cardosio em lugar do verdadeiro nome: F. Cardoso.
É fácil admitir que a epígrafe tenha sido lida por um de nós nesse livro e reproduzida na sessão por uma operação da consciência sonambúlica. É difícil demonstrar que não leste tal coisa, ainda quando a fonte fica desconhecida; isso se torna ainda mais difícil quando te colocam sob os olhos um livro no qual pudeste tirar a citação. E, entretanto, sustentar o contrário não é também tão fácil como poderia parecer a princípio: nossa sessão realizou-se a 10/22 de fevereiro de 1882; o livro tem a data de 1882; suponhamos que, aparecido no fim de 1881, tenha sido importado em S. Petersburgo imediatamente com os livros novos do dia de Ano Bom. Por conseguinte, foi no espaço de dois meses, quando muito, que um de nós teria tido ensejo de ver o livro e de folheá-lo. Mas esse livro tem aspecto muito particular: linda encadernação, dourado nos bordos das folhas, cada página encaixilhada, o texto enfeitado com citações curtas no meio da página em diversos caracteres, etc.; desde que o abrimos, é difícil esquecê-lo completamente, sobretudo em menos de dois meses, e esquecê-lo a ponto tal que nenhum de nós se tenha lembrado de ter visto um livro com epígrafes e não tenha pensado em ir procurar ali o que nos tinha intrigado tanto. Eu próprio, que sou bibliômano, nunca tinha suspeitado da existência de semelhantes coleções de divisas. Logo que recebi o volume, fui mostrá-lo àqueles que tinham tomado parte em nossas sessões; eles me afirmaram nunca tê-lo visto; e o Sr. Boutleroff, que estava presente à sessão, não teria deixado certamente de mencionar essa fonte se tivesse visto naqueles dois meses um livro daquele gênero. Foi só alguns anos mais tarde, quando vi anunciar o livro de Buchmann: Palavras aladas. Repertório de citações alemãs, 1882, que pensei imediatamente em procurar ali as citações latinas, gregas e italianas que obtínhamos em nossas sessões. Porém, nada encontrei acolá. O acaso tinha permitido do mesmo modo que eu não conhecesse coisa alguma até então do livro de Wichmann.
Mas o livro aí está. É preciso, pois, admitir que ele foi visto, aberto maquinalmente nas páginas 312 e 313, depois esquecido completamente; mas, um olhar maquinal não bastaria para reter as palavras emek habbacha, que não são das que se impõem à memória; elas nada nos dizem; é preciso lê-las e relê-las, para conservá-las de memória; depois, ler a sua significação e procurar, na página seguinte, sua proveniência histórica com pormenores precisos. Um olhar descuidoso não bastaria; seria preciso uma leitura atenta, por conseguinte novo argumento contra a hipótese da transmissão inconsciente.
Mas eis o que é mais curioso ainda: de posse do livro, desejei naturalmente verificar se ele não continha outras epígrafes ou provérbios comunicados em nossas sessões. Não tendo o livro tabela nem índice, folheei-o página por página. Meu trabalho foi em breve recompensado; na página 62, descobri ainda duas sentenças que – lembrei-me delas imediatamente – tinham sido empregadas por nosso interlocutor misterioso. Eis as passagens do livro:
“Mais tarde, o nome desse papa (Gregório XIII) serviu de base à divisa:
Gregórei
(Eu velo)
(Não passa de um jogo de palavras baseado na diferença entre as palavras Grhgorei e Grhgórei .)
A Academia della Crusca, criada em Florença em 1584, com o fim de depurar a língua italiana, tinha tomado por divisa:
Il piu bel fior ne coglie
(Assim fica o mais puro)”
E eis o que encontro em meu canhenho de notas:
Na sessão de 3 de março de 1882, a primeira da qual o mesmo interlocutor se manifestou, aproveitei-me da ocasião que se apresentava para lhe perguntar qual era o motivo para fazer a citação em hebraico. Ele respondeu:
– Há para isso uma razão direta. Foi intencionalmente que fiz a pergunta relativamente ao incêndio (uma mistificação de sua parte, pela qual tivemos de passar no decurso de nossas sessões); pensei que era uma questão fútil; mas vendo que procuráveis nela a solução de um problema, eu disse comigo mesmo: Deplorável vida a vossa! A que pobres meios de convicção estais reduzidos! Eu desejava bater-vos em vosso próprio terreno.
Às perguntas que lhe fizemos sobre o sentido desses raciocínios, respondeu-nos:
– Podemos ver o que está oculto para vós. Il piu bel flor ne coglie.
– Que significa essa frase italiana?
– “O maus puro sobrevive”.
– É o complemento da frase italiana?
– Deveis contentar-vos com a vossa prisão corpórea; nós somos a flor fina.
– Muito bem. Passemos agora à filosofia.
Então nos foi ditado em letras russas: “gregoreï”.
– Isto em que língua? – perguntei.
– Em grego.
– Que significa esta palavra?
– É um conselho para todos vós, pois não sabeis nem o dia nem a hora; mas é preciso preparar-se.
– É esta a significação da palavra “gregoreï”?
– Sim, custodite.
Encetamos então as questões filosóficas. Nem minha cunhada, nem meu genro conheciam o italiano; a frase foi indicada pelo alfabeto francês, sem o menor erro; ela significava “colhe-se a flor fina”. A palavra grega era desconhecida de meu genro, que tinha estudado o grego no colégio; no dicionário das “concordâncias” gregas só encontrei, repetida por muitas vezes, a palavra “gregoreite” traduzida nas versões latinas por “vigilate”.
Na sessão seguinte, a 10 de março, manifestando-se o mesmo interlocutor, aproveitei-me da oportunidade para lhe perguntar:
– Podes dizer-me a forma gramatical da palavra grega da última sessão?
– Segunda pessoa do imperativo, no singular.
– E da palavra latina?
– No plural.
– Por que essa diferença?
– Não é a mesma coisa.
– Admiro-me disso, porque no Novo Testamento todos os imperativos desse verbo estão no plural!
– Li isso em brasões.
– Conheces o grego?
– Mal.
– Entretanto fazes a análise gramatical.
– Muito pouco.
– E o latim, conheces bem?
– Sim.
– E o italiano?
– Não.
– De quem é tirada a citação?
– Do Tasso, creio.
– Conheces o hebraico?
– Não.
– Entretanto o citas?
– Há coisas de que nos recordamos; não conheço, porém, o hebraico.
Mais tarde meu genro confirmou-me que “gregoreï” era realmente a segunda pessoa do singular do imperativo e que o verbo significava velar, e que por conseguinte a palavra ditada significava “vela”.
Agora é mais certo ainda que foi o livro de Wichmann que forneceu as três epígrafes; esta conclusão é inevitável. Mas por outro lado se torna mais difícil ainda admitir que um de nós três [27] tivesse tido entre as mãos o livro de Wichmann e tivesse lido nele maquinalmente essas três epígrafes para reproduzi-las em nossa seção, alguns dias ou algumas semanas mais tarde, sem lembrar-se de ter visto esse livro. Não se trata de uma palavra, de uma linha em língua conhecida que se tivesse gravado subitamente e inconscientemente em nosso cérebro. Três epígrafes, escolhidas em três páginas diferentes, em três línguas estrangeiras, desconhecidas dos dois médiuns, com a tradução de seu sentido respectivo, não se retêm maquinalmente e momentaneamente a ponto de não deixar a menor recordação na consciência normal durante o curto espaço de algumas semanas no máximo. Não é permitido pretender que a memória inconsciente pudesse realizar um esforço tão extraordinário, ao mesmo tempo em que a memória consciente nem sequer tivesse conservado uma recordação vaga da existência do livro do qual a memória inconsciente tinha tão bem “tomado conhecimento”. Empregando as palavras “tomado conhecimento”, desejei insistir sobre esta verificação: não se pode razoavelmente admitir que o livro só tenha sido aberto nas três páginas e que os olhos só tenham visto essas três epígrafes!
Ainda há outras dificuldades, porém. Resulta das considerações seguintes que, em minhas experiências, não há mais de uma impressão inconsciente. O primeiro nome obtido foi: “Sardovy”; depois a sessão foi interrompida para tomar-se o chá e procurar o nome em um dicionário; logo que a sessão foi recomeçada, o nome de “V. Cardosio”, o nome exato segundo Wichmann, foi dado; e, alguns minutos depois, o mesmo erro e a mesma retificação. Perguntamos a nós mesmos a que ponto de reparo tinha recorrido a memória inconsciente para escolher as variantes do nome? E mais tarde a palavra “gregoreï” não é traduzida por “eu velo” como em Wichmann – o que é gramaticalmente incorreto –, porém por custodite, o que tem sentido muito diferente e que é de uma forma gramatical mais correta. Quando insisti sobre a origem de “gregoreï”, nosso interlocutor não nos disse que era uma divisa do Papa Gregório XIII, porém respondeu por uma paráfrase: “Li isso em brasões”, o que quer dizer a mesma coisa. Por conseguinte, não se pode ver em tudo isso uma reprodução inconsciente de impressões inconscientes.
Outra consideração: por que motivo, ao invés de dar a resposta evasiva: “Li isso em brasões”, não dizer ao menos: “Li isso em uma coleção de divisas”? Por que motivo, à minha pergunta acerca da origem da citação italiana, responder por: “Tasso”, em vez de indicar a verdadeira fonte? E por que motivo, finalmente, quando insisti sobre a epígrafe hebraica, pretender que era uma questão de memória e não nomear a verdadeira fonte? Há todo o fundamento de supor que o fator (a memória inconsciente do médium ou outra coisa qualquer) que nos ditava essas epígrafes sabia muito bem a que fonte ele as tirava, mas que, para mistificar-nos ou para induzir-nos em erro, não queria que a conhecêssemos.
Mas por que meio o cérebro do médium se tinha posto em relação com o conteúdo do livro? Eis o mistério. Recuso-me a admitir que isso se tenha dado por meio natural, pela leitura direta. Acredito em um processo oculto. Parece-me que o caso se aproxima muito da leitura de livros fechados, que citei mais atrás. O fato teria podido ser explicado por um acesso de sonambulismo, se o livro se achasse na casa e se o acesso de sonambulismo tivesse sido verificado; mas isso não se tinha dado. É um caso de leitura ou de transmissão do pensamento? Essa questão ficará, acredito-o, sem resposta.
Em minha opinião, o problema não está resolvido, e este caso, por mais edificante que seja, parece-me infinitamente misterioso. As provas absolutas são sempre difíceis de encontrar e, desde o momento em que o livro existe, ficar-se-ia tentado a dar a preferência às soluções que se apresentam como mais simples; mas, quanto a nós, que tomamos parte nessa sessão, temos a convicção profunda de que a fonte da comunicação recebida achava-se em outra parte que não era o conteúdo de nossa inteligência naquela época.
Outro fato análogo produziu-se no decurso da mesma série de sessões. Desta vez o nosso correspondente invisível declarou-se consumado conhecedor das línguas latina e grega. Depois de ter recebido diversas comunicações em latim, pedi-lhe que me dissesse alguma coisa em grego. Ele reclamou o alfabeto grego, e meu genro, que tinha estudado esta língua no colégio, começou a recitá-lo. Por esse meio obtivemos a frase:
Não conheço o grego, minha cunhada também não; quanto a meu genro, não consegue encontrar o verdadeiro sentido dessas palavras. As duas primeiras palavras significam “os corpos dos homens” e as duas outras “são justos”. Isso não significa coisa alguma: os corpos dos homens são justos. Por mais que eu me dirigisse a conhecedores da língua grega, ninguém me pôde dar a explicação dessa frase. Só depois que fiz pesquisas nos grandes dicionários gregos consegui encontrar a chave desse enigma: essa frase verifica-se ser uma locução familiar a Hipócrates, e significar: os corpos dos homens são simétricos. Pergunto a mim mesmo como pôde suceder que os nossos cérebros tivessem entrado no conhecimento dessa expressão.
C – Comunicação de fatos desconhecidos das pessoas que tomam parte na sessão, e que não podem ser explicados pela transmissão de pensamentos, em razão das condições especiais nas quais essas comunicações são dadas
Os fatos que entram nesta categoria são, às mais das vezes, parece-me, avisos de morte. Eis um caso que possuo de primeira mão. Em 1887, a 7 de janeiro, recebi a visita do Coronel Kaigorodoff, que mora em Vilna. Ele me disse que a professora de seus filhos, a jovem Emma Stramm, natural de Neufchâtel, na Suíça, tinha manifestado faculdades para a escrita automática. Em uma sessão organizada a 3/15 de janeiro, depois das 9 horas da noite, em casa do coronel, em Vilna, recebeu-se em sua própria presença uma comunicação em língua francesa que cito textualmente. O médium, em estado normal, perguntou:
– Lídia está aí? (uma personagem que se tinha manifestado nas sessões precedentes).
– Não; Luís [28] está aqui e deseja dar uma notícia à sua irmã.
– Que é?
– Uma pessoa de seu conhecimento partiu hoje às 3 horas.
– Como se deve entender isso?
– Que ela morreu.
– Quem foi?
– Augusto Duvanel.
– De que moléstia?
– De uma congestão. Ora pela libertação de sua alma.
Duas semanas depois, estando o Sr. Kaigorodoff, de novo, em São Petersburgo, mostrou-me a carta do pai da médium, David Stramm, datada de Neufchâtel a 18 de janeiro (nov. est.) 1887 e recebida em Vilna a 11/23 de janeiro; ela era, por conseguinte, escrita três dias depois da morte de Duvanel; nessa carta ele participou o falecimento de Duvanel nos termos seguintes, palavra por palavra:
“Minha caríssima filha:
Agora quero dar-te uma grande novidade: Augusto Duvanel morreu a 15 de janeiro às 3 horas da tarde. Foi, por assim dizer, uma morte súbita, porque ele só esteve doente durante algumas horas; teve uma congestão na ocasião em que estava no banco. Falou muito pouco e tudo quanto disse era a teu respeito... Ele se recomenda às tuas orações; foram suas últimas palavras.”
O tempo de Vilna é adiantado uma hora ao de Neufchâtel: eram, pois, 4 horas p.m. em Vilna quando Duvanel morreu na Suíça, e cinco horas depois essa notícia foi transmitida a Vilna por meio da escrita automática.
Porém, quem vinha a ser Duvanel? Por que sua morte era “uma grande novidade” para a jovem Stramm? Acerca das perguntas que lhe dirigi, o Coronel Kaigorodoff enviou-me as explicações seguintes: quando a jovem Emma Stramm morava em Neufchâtel, em casa de seus pais, Duvanel a pedira em casamento; porém, a moça lhe tinha respondido com uma recusa categórica. Seus pais, pelo contrário, impeliam-na a esse casamento, o que a levou a tomar a decisão de deixar seu país e a empregar-se como professora. A última entrevista que ela teve com Duvanel precedeu de alguns dias sua partida, em 1881. Ela não tinha entretido correspondência alguma com Duvanel e só vira a família deste último por duas ou três vezes. Um ano depois de sua partida, Duvanel retirou-se também de Neufchâtel e fixou sua residência no cantão de Zurique, onde ficou até à morte.
Tentemos explicar esse fato pela teoria do Sr. Hartmann. Não podia ser uma transmissão de pensamentos do próprio Duvanel, porque o transmissor, segundo a expressão do Sr. Hartmann, não existia no momento da sessão. Poder-se-ia admitir que fosse uma transmissão involuntária, inconsciente, da parte dos amigos do falecido? Ora, esses amigos só podiam ser os pais da jovem Stramm, porque a “relação anímica” necessária não teria podido ser estabelecida, nesse caso, senão entre eles e sua filha. Porém o Sr. Hartmann não diz: “O que é de lamentar é que, segundo mo demonstrou a experiência, as palavras e os pensamentos não podem ser transmitidos a grande distância; só podem ser transmitidas alucinações muito intensas e muito precisas.” (pág. 115).
A transmissão de pensamentos não pode, pois, servir para explicar o fato considerado.
Fica ainda um recurso: a clarividência. Lemos, a esse propósito, as linhas seguintes na página 78 do livro do Sr. Hartmann:
“Desde o momento em que todos os indivíduos, assim os de ordem superior como os de ordem inferior, tiram sua origem do Absoluto, ficam ligados uns aos outros por meio de reações recíprocas nesse mesmo Absoluto, e é bastante a relação ou a comunicação telefônica entre dois indivíduos ser estabelecida no Absoluto, para que a troca intelectual entre eles se possa efetuar, mesmo sem o funcionamento dos sentidos.” (págs. 78 e 79).
Essa explicação não tem valor aqui, pela simples razão de que não existia laço algum de simpatia entre Duvanel e Emma; se nos decidíssemos a admitir que a “relação” se teria podido estabelecer pelo interesse intenso da vontade de Duvanel somente, essa relação teria que ser criada, pelo menos alguns instantes antes de sua morte e se teria traduzido nesse caso no mesmo instante por um efeito qualquer de segunda vista na médium, o que não tem fundamento.
Eis ainda uma definição da clarividência, segundo a qual essa faculdade abrange nada menos do que a eternidade inteira:
“A onisciência do espírito absoluto abrange, com o estado presente do mundo, o passado e o futuro implicitamente; por conseguinte, o indivíduo pode, pelo efeito de intenso esforço da vontade, tirar inconscientemente no saber inconsciente do espírito absoluto para haurir dele fatos isolados referentes a acontecimentos futuros, tão bem quanto lhe pode tirar pormenores referentes ao tempo presente, e cujo teatro se acha em lugar afastado.” (Sp., pág. 79).
Esta explicação não é mais admissível do que a precedente, para o caso que nos ocupa, porque “o intenso esforço da vontade”, que é seu móvel principal, não existiu, por parte do indivíduo sobrevivente. No começo da sessão, o interesse do médium não estava mais excitado do que de ordinário; não havia razão alguma para que ele fosse “intenso”; sabemos, além disso, que a jovem Stramm não só não nutria sentimento algum de simpatia a respeito de Duvanel, mas que lhe votava, pelo contrário, uma espécie de antipatia; seu espírito não devia, pois, de maneira alguma ser atraído para aquele objetivo. Finalmente, segundo o Sr. Hartmann, “a dificuldade consiste” no fato de “a clarividência pura manifestar-se sempre sob a forma de uma alucinação” (pág. 78), da qual não há vestígio no caso presente: o médium acha-se no estado normal, e o simbolismo falta completamente. Eis como, por conseguinte, as coisas deveram passar-se, segundo a teoria do Sr. Hartmann: quando a médium recebe comunicações de seu irmão Luís e este fala acerca dessa ou daquela coisa, é a consciência sonambúlica da médium que está em jogo; mas desde que Luís a informa acerca da morte súbita de Duvanel, a médium entra imediatamente em relação direta com o Absoluto, com a divindade, com o passado, o presente e o futuro do Universo! Tendo de escolher entre essas duas hipóteses – uma relação metafísica verdadeiramente sobrenatural com o Absoluto, e uma relação com Luís –, esta última hipótese me parece mais natural, mais simples e mais racional.
Comuniquei este caso à Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres, com muitos pormenores suplementares; ele foi impresso nas memórias dessa sociedade (vol. XVI, pág. 343). Dou aqui o resumo desses incidentes, muito curiosos, de natureza complicadíssima, e que obtive pouco a pouco.
Comparando a comunicação de Luís, relativa à morte de Duvanel, com a carta do pai de Emma Stramm, fiquei impressionado com esta expressão congestão que se encontra também na carta e na comunicação, assim como o diagnóstico vago da moléstia. Por conseguinte, pedi ao Sr. Kaigorodoff, em nossa entrevista seguinte, que se deu no mês de janeiro de 1887, em são Petersburgo, que me fornecesse as explicações que se apresentassem.
Nesse ínterim fui informado de que a jovem Stramm, no intuito de verificar o fato, tinha escrito à sua irmã, que estava na Suíça, no dia seguinte ao da sessão de 3 (15) de janeiro; ela lhe pedia notícias de Duvanel. Ignorando que o Sr. Stramm já tinha escrito para anunciar a morte de Duvanel, e não querendo, por diversos motivos, dizer a verdade a Emma, sua irmã respondeu-lhe que ele estava muito sadio, mas tinha partido para a América.
Quando, depois de uma ausência de seis semanas, Kaigorodoff voltou a Vilna e teve conhecimento dessa carta, ficou maravilhado ao verificar que as duas missivas estavam em flagrante contradição e aproveitou-se da primeira oportunidade para pedir a sua explicação a Luís. Nessa sessão, a médium caiu em transe e transmitiu da parte de Luís a comunicação seguinte, que o Sr. Kaigorodoff inscreveu palavra por palavra:
– Ele morreu, porém sua irmã não quis que ela tivesse essa notícia, porque ele não morreu de uma “congestão”, como eu tinha escrito. Não lhe podia dizer a verdade, com receio de prejudicar a saúde dela.
– Então quando e onde morreu ele?
– Morreu no cantão de Zurique; suicidou-se. Ela não deve sabê-lo, porque essa notícia lhe prejudicará a saúde. Não digas nada; ela já pressente a verdade.
– Como é possível que a mesma expressão congestão seja empregada em tua comunicação e na carta do Sr. Stramm?
– Fui eu quem lha sugeriu.
Alguns dias depois da comunicação recebida a 3/15 de janeiro, a jovem Stramm viu Duvanel em sonho, coberto de sangue, e efetivamente, em vista das informações contraditórias que lhe tinham sido dadas por sua irmã e por seu pai, ela começava a pressentir a verdade; só a conheceu apesar disso no outono de 1887, no decurso da viagem que ela fez à suíça, para visitar sua família.
Segundo outras informações muito precisas que obtive depois, o próprio Sr. Stramm só soube da morte de Duvanel a 5/17 de janeiro, isto é, dois dias depois da sessão, e isso mesmo por ter encontrado casualmente o irmão do morto que ia para Hirté, povoação do cantão de Zurique, no qual Duvanel tinha passado os dois últimos anos de sua vida, como solitário, e onde devia realizar-se a inumação. Segue-se daí que a notícia de seu falecimento não podia, de maneira alguma, ser o resultado de uma transmissão telegráfica proveniente dos pais de Emma Stramm ou de Duvanel.
Fica um último recurso: é explicar esse fato por uma relação que tivesse existido entre a médium e o falecido Duvanel. Essa relação limitava-se ao fato de a médium conhecer a pessoa em questão. Se uma teoria qualquer pode contentar-se com semelhante relação, nada tenho a dizer, e passo a outros fatos, para os quais não existe mesmo essa relação.
Encontramos um caso desse gênero nos pormenores de um fato já citado por mim. O leitor lembra-se provavelmente de que a filha do juiz Edmonds, a jovem Laura, que se tornou médium, tinha falado por muitas vezes com um grego, o Sr. Evangelides, na língua materna deste último, que ela nunca tinha estudado. No artigo citado por essa ocasião, o juiz Edmonds não explica por que motivo Evangelides tinha ficado tão perturbado por sua conversa com a Srta. Laura. Encontrei essa explicação em uma carta reservada do Sr. Edmonds, publicada pelo Dr. Gully, em Londres, no Spiritual Magazine de 1871, página 239, e reproduzo in extenso esse documento precioso, perdido nos arquivos dos jornais espíritas, substituindo somente o traço (–) pelo verdadeiro nome da pessoa de quem evidentemente se trata nessa carta: a jovem Laura.
“Senhor:
Depois da conversa que tivemos na semana passada, estou ansioso para lhe expor, com maior número de pormenores, um ato que considero de muita importância para que se lhe consagre mais algum tempo.
Eu tinha dito que Laura falava diversas línguas, cujo número atinge a catorze; permita-me que lhe refira hoje o fato seguinte:
Certa noite, recebi a visita de um senhor de nacionalidade grega que logo depois começou a conversar com Laura nesta língua; no decurso dessa conversação, ele parecia estar muito impressionado e chegou mesmo a chorar. Estavam presentes seis ou sete pessoas, e uma delas perguntou qual o motivo daquela comoção. O interpelado esquivou-se de uma resposta direta, dizendo que se tratava de negócios de família.
No dia seguinte, ele renovou a conversação com Laura e, não havendo em casa pessoa alguma estranha, deu-nos a explicação desejada: a personalidade invisível com a qual conversava por intermédio de Laura era um seu amigo íntimo, falecido na Grécia, irmão do patriota grego Marco Bozarris; esse amigo lhe dava informações acerca da morte de um de seus filhos (Evangelides), que tinha ficado na Grécia e passava admiravelmente bem na ocasião em que seu pai partiu para a América.
Este último veio visitar-me por muitas vezes ainda, e dez dias depois de sua primeira visita nos informou que tinha recebido naquele mesmo dia uma carta de sua família, informando-o do falecimento de seu filho; aquela carta devia estar em caminho na ocasião em que se realizava sua primeira conversação com Laura.
Desejaria que me dissessem de que maneira devo encarar este fato. Negá-lo é impossível; ele é por demais evidente. Eu poderia com igual fundamento negar que o Sol nos ilumina.
Considerá-lo uma ilusão, eu também não poderia fazê-lo, pois que ele em nada se distingue de qualquer outra realidade, verificada em qualquer momento de nossa existência.
Isso se passou na presença de oito a dez pessoas, todas instruídas, inteligentes, bem equilibradas e tão aptas quanto quaisquer outras para fazer a distinção entre uma ilusão e um fato real.
Seria ocioso pretender que o fato era o reflexo de nossos pensamentos; nunca tínhamos visto esse homem, que nos tinha sido apresentado por um amigo naquela mesma noite; além disso, admitindo mesmo que os nossos pensamentos tivessem podido dar-lhe conhecimento da morte de seu filho, como podiam eles proceder de maneira que Laura compreendesse e falasse o grego, língua que ela dantes nunca tinha ouvido falar?
Pergunto-lhe ainda uma vez: como devo considerar este fato e muitos outros análogos?
Seu dedicado,
J. W. Edmonds.”
Este fato é verdadeiramente esmagador. Seria o caso, ou nunca mais ele se apresentaria, de apelar para o auxílio da clarividência. Infelizmente essa explicação não poderia ficar de pé: a médium via o Sr. Evangelides pela primeira vez; ela nada sabia absolutamente acerca da família de Evangelides, que residia na Grécia, e menos ainda de seu amigo falecido, o irmão de Bozzaris. Onde, pois, se encontraria o intenso interesse, o motivo poderoso, capaz de tornar a médium clarividente? E depois, por mais perfeita que tenha podido ser a clarividência da jovem Laura naquela ocasião, não lhe pôde dar certamente a faculdade de falar o grego. Também não seria lógico atribuir o dom de falar o grego, que a médium apresentava, e seu conhecimento da morte do menino, a duas causas distintas. Evidentemente as duas manifestações foram produzidas por uma única e mesma causa.
Eis dois outros exemplos de comunicação de mortes, tirados igualmente ao Sr. Edmonds, que reproduz o testemunho do Sr. Young, já citado:
“Em uma das sessões que fazíamos à noite, minha mulher dava comunicações por conta de uma personalidade que se dizia ser Maria Dabiel, de Glasgow, Escócia, e que nos anunciava, por esse meio, sua entrada no mundo dos Espíritos. Eu tinha conhecido essa senhora, ainda moça, por ocasião de minha estada em Glasgow; quando deixei aquela cidade, há cerca de cinco anos, ela residia em uma casa de saúde e eu não tinha ouvido falar nela desde esse tempo. Para verificar a comunicação transmitida por minha mulher, escrevi em Nova Iorque, a um de meus amigos cujo filho residia em Glasgow, pedindo-lhe que tomasse informações acerca da moça em questão. Três meses depois, recebi uma carta de meu amigo, na qual ele confirmava tudo o que minha mulher nos tinha dito. Nenhum de nós soubera da morte de Maria Dabiel. É preciso acrescentar que o conjunto da comunicação apresentava uma grande afinidade com o caráter da defunta.
Em outro dia, minha mulher achava-se sob a direção de uma individualidade que falava o mais puro dialeto escocês e tomava o nome de Sra. N., de Paisley, Escócia; essa pessoa nos anunciava a sua morte, que tinha ocorrido na mesma cidade, alguns dias antes. Soubemos que era a avó de um dos membros de nosso círculo, que tinha ido à América havia cerca de um ano. Três ou quatro dias depois, a mesma individualidade se manifestava por intermédio de uma rapariga, a jovem Scongall, de Rokfort, Illinois, que não conhece absolutamente o escocês; ela anunciava ainda uma vez sua morte, empregando o mesmo dialeto que lhe era familiar, e comunicava diversos pormenores acerca da casa em que habitava, a respeito do jardim, das árvores, etc. A jovem Scongall não tinha estado presente à primeira manifestação dessa senhora e nem tinha conhecimento de suas primeiras palavras. O moço diretamente interessado naquela comunicação fez diversas perguntas no intuito de verificar a identidade da individualidade que se manifestava; ele se informou, dentre outras, das pessoas que tinha conhecido na Escócia e recebeu respostas satisfatórias acerca de todos os pontos. O mesmo Espírito se manifestou em muitas sessões consecutivas e deu provas inegáveis de sua identidade.
A convicção do senhor em questão foi tal que ele escreveu imediatamente a seus amigos da Escócia para lhes dar parte da morte de sua avó, com a cautela de indicar a fonte de sua informação. As cartas que recebeu confirmaram completamente a triste notícia.” (Edmonds – Cartas acerca do Espiritualismo, Nova Iorque, 1860, págs. 118-120).
Aqui, achamo-nos em presença sempre de um mesmo fato dando-se nas mesmas condições, isto é, a morte de uma pessoa completamente desconhecida do médium, anunciada em língua que o médium desconhece igualmente, porém familiar à pessoa morta.
Os casos de morte anunciados por via mediúnica, quer sob a forma de comunicações verbais em estado de transe, quer por escrita direta, são muito numerosos. Vou mencionar em seguida um outro, de gênero diferente do precedente, e em que o médium vê a pessoa que anuncia sua morte e repete suas palavras. Em uma conferência feita pelo Spiritual Alliance, de Londres, acerca d’A Ciência e os fenômenos chamados espiríticos, o Major-general Drayson referiu o fato seguinte, e serve-se dele para refutar a teria segundo a qual “nada pode manifestar-se pelo médium que não tenha sido conhecido pelas pessoas presentes”:
“Faz muitos anos que recebi certa manhã um telegrama informando-me da morte de um dos meus amigos íntimos, um clérigo, que morava no norte da Inglaterra. No mesmo dia fui visitar uma senhora de meu conhecimento que pretendia estar em relação com os Espíritos e falar com eles. Quando entrei em casa dela, meus pensamentos estavam absorvidos pela morte de meu amigo.
No decurso da conversação que tive com essa senhora, perguntei-lhe se via perto de mim alguém que acabava de deixar este mundo. Respondeu-me que via uma pessoa que apenas acabava de entrar no outro mundo. Eu via, em pensamento, a imagem do meu amigo falecido, o sacerdote. A senhora disse-me que via um homem fardado que lhe dizia que acabava de morrer de morte violenta. Disse-me em seguida seus nomes e sobrenomes, assim como a alcunha que seus camaradas lhe tinham dado. Em resposta às minhas perguntas relativamente aos incidentes de sua morte, informou-me que lhe tinham decepado a cabeça, que seu corpo tinha sido lançado em um fosso, que isso tinha ocorrido no Oriente, mas não nas Índias. Havia já três anos que eu não via esse oficial; segundo as últimas notícias que recebi a seu respeito, ele devia achar-se nas Índias.
A investigação que fiz depois, em Woolwich, fez-me saber que esse oficial deveria achar-se nas Índias, mas que provavelmente se tinha dirigido à China.
Algumas semanas depois, recebeu-se a notícia de que tinha sido feito prisioneiro pelos chineses. Um resgate considerável tinha sido oferecido pela sua liberdade, porém ele havia desaparecido sem deixar vestígio.
Depois de muitos anos, durante minha estada nas Índias, encontrei-me com o irmão desse oficial e perguntei-lhe se nada sabia acerca da morte de seu irmão na China. Disse-me que seu pai tinha ido à China, onde soube de fonte certa que o comandante das tropas mongólicas, furioso por ter perdido um de seus amigos, tinha mandado decapitar o prisioneiro sobre o dique de pequeno canal, no fundo do qual atiraram o cadáver.
Eis um caso tirado de muitas dezenas de exemplos análogos; eu teria muita curiosidade em saber como ele se pode harmonizar com a teoria em questão ou com uma lei conhecida qualquer.
Fatos iguais existem, e toda teoria que os não levasse em consideração ou fosse incapaz de dar a sua explicação não pode ter valor algum. É sempre o erro antigo: construir teorias sobre dados incompletos.” (Light, 1884, pág. 448).
Da mesma maneira, aqui não se apresenta pretexto algum para admitir-se um acesso súbito de clarividência.
Também há exemplos em que a comunicação anunciadora do falecimento de uma pessoa revela ao mesmo tempo diversos pormenores concernentes aos negócios privados do falecido e que se tinham conservado desconhecidos das demais pessoas. O Light (1885, pág. 315) refere um fato interessante desse gênero, sob o título: “Um caso misterioso”.[29] Eis esse artigo na íntegra:
“O Dr. Davey, estabelecido perto de Bristol, tinha um filho, também médico, que morava no estrangeiro. Este último, desejoso de ir à Inglaterra, embarcou em um navio inglês, que se dirigia a Londres; em substituição ao pagamento da passagem, ofereceu seus serviços como médico. No decurso do trajeto, o jovem médico faleceu. Chegando a Londres, o capitão comunicou o ocorrido ao pai e restituiu-lhe a soma de 22 libras esterlinas que dizia ter encontrado com o morto. Entregou-lhe igualmente um extrato do diário de bordo, onde todas aquelas particularidades estavam escritas. O Dr. Davey considerou tão louvável o procedimento do capitão que lhe fez presente de uma bolsa de ouro.
Meses depois, o doutor e sua mulher assistiam a uma sessão espírita em Londres. Deram-se diversas manifestações desordenadas, tais como movimento de móveis, pancadas, etc. O médium, uma senhora, explicou esses fenômenos declarando que os Espíritos tinham uma comunicação a fazer a uma das pessoas presentes. Desejou-se saber a quem. Logo que esse desejo foi externado, grande mesa, na qual ninguém tocava, e que estava no extremo oposto do aposento, começou a ser arrastada e parou muito perto do Dr. Davey. Como sempre, pediu-se ao Espírito que se manifestava que se desse a conhecer. O nome soletrado era o do filho do Dr. Davey; ele declarou, com horror das pessoas presentes, que tinha morrido envenenado.
O doutor, desejoso de assegurar-se da identidade dessa personalidade, pediu-lhe que desse uma prova disso. Então seu interlocutor oculto lhe disse qual o presente que ele tinha feito ao capitão, coisa que nenhum dos assistentes podia saber. Depois, o doutor perguntou se o veneno tinha sido aplicado propositadamente ou por equívoco. A resposta foi: “Uma e outra coisa são possíveis.” Foi ainda comunicado que a soma de dinheiro deixada pelo falecido era de 70 e não 22 libras esterlinas. Ficaram-se conhecendo ainda diversos outros pormenores.
Em conseqüência dessas comunicações, o Dr. Davey obteve, por intermédio do armador do navio, cópia do diário de bordo, a qual não combinava com a que lhe tinha sido entregue pelo capitão. Descobriram-se ainda outros pormenores misteriosos que não temos a permissão de divulgar. Fomos informados de que o Dr. Davey tem a intenção de proceder contra o capitão perante os Tribunais.”
Em outubro de 1884, por ocasião de reproduzir essa narração, escrevemos ao Dr. Davey e eis sua resposta:
“Redland-road, 4, Bristol, 31 de outubro de 1884.
Senhor,
Foi em 1863, se não me engano, que meu filho morreu vítima de veneno, a bordo, ao regressar da África. Os incidentes de sua morte me foram referidos pelo capitão do navio, e eu os considerava exatos. No decurso do ano, tive o ensejo de ocupar-me um pouco de Espiritismo; soube em certo dia, numa sessão feita em Londres, na qual meu filho se manifestou, que os pormenores acerca de sua morte, comunicados pelo capitão, não eram exatos; que sua morte era devida à imprudência do despenseiro, que administrara essência de amêndoas amargas ao óleo de rícino, em vez de hortelã, conforme meu filho tinha prescrito.
Eu de nada sabia absolutamente acerca do dinheiro ao qual ele fazia alusão. Entre a bagagem que me foi restituída depois da morte de meu filho, encontravam-se muitas moedas de cobre apenas, mas tenho toda a razão em supor que no momento de sua morte ele possuía cerca de 70 libras esterlinas. O Espiritismo é um fato de grande importância. Desde 1865, tenho recebido de meu filho muitas comunicações, com caráter todo pessoal. Os fatos que ele revelou em 1863 foram confirmados, com descontentamento evidente do capitão; esse me evitava visivelmente e apressou-se em empreender uma nova viagem, receando, parece-me, que eu o citasse para comparecer em juízo.
Seu afeiçoado,
J. G. Davey.”
O Sr Hartmann poderia encontrar um excelente exemplo análogo no relatório da Comissão da Sociedade Dialética. Esse fato ocorreu em um círculo íntimo composto de membros de uma subcomissão, na ausência de qualquer médium profissional. O cunhado da dona da casa, onde se realizavam as sessões, falecido havia catorze anos, fez esta comunicação:
“– Estimo muito a minha querida M. (sobrenome da senhora), se bem que a seu respeito me tenha pouco...
Nesse ponto a Sra. M., lembrando-se de que seu cunhado tinha sido um correspondente preguiçoso, exclamou, julgando completar o seu pensamento:
– Lembrado!
– Não – foi a resposta.
Continuou-se, por conseguinte, a recitar o alfabeto, e as palavras seguintes foram soletradas:
– ... preocupado quando eu estava...
– Vivo! – interrompeu um dos assistentes.
– Não.
– Em meu corpo terrestre!
– Não.
Uma série de pancadas parecia indicar descontentamento a propósito dessas freqüentes interrupções. A pedido dos assistentes, seu interlocutor invisível continuou a frase:
– ... nesta terra; ela devia receber...
– Uma carta – interrompeu novamente a Sra. M., pensando sempre na raridade de suas missivas.
– Não – foi ainda a resposta.
De novo lançou-se mão do alfabeto e, relendo o que já tinha sido ditado, obteve-se a frase seguinte:
“Estimo muito a minha querida M., se bem que a seu respeito me tenha pouco preocupado quando eu estava nesta Terra; ela devia receber toda a minha fortuna, que consiste em uma soma de dinheiro que está em poder de meu testamenteiro, o Sr. X.”
À pergunta “Qual é o objetivo desta comunicação?”, recebemos esta resposta:
– É provar a existência da vida espiritual e testemunhar minha amizade para com M.
Esses fatos, absolutamente desconhecidos das pessoas presentes, eram rigorosamente exatos. (Vede o relatório da Sociedade de Dialética, 1873, pág. 33).
De minha experiência pessoal, conheço o fato seguinte: meu amigo e colega de liceu, o Barão Constantino Korff, conselheiro íntimo de S. M., me comunicou, há cerca de vinte anos, que por ocasião da morte de seu tio, o Barão Korff, falecido em Varsóvia, todas as pesquisas feitas para encontrar-se o seu testamento foram infrutíferas; então, por indicação recebida por via mediúnica pelo Príncipe Emílio Wittgenstein, conseguiu-se descobrir esse documento em uma gaveta secreta de um móvel (falarei mais detidamente deste caso no capítulo IV).
Em outros casos as comunicações de acontecimentos desconhecidos referem-se a acidentes, a desgraças que tinham atingido ou ameaçavam parentes próximos; estas comunicações são geralmente transmitidas sob a forma de um grito de socorro ou de uma advertência, que se pode receber mesmo fora de toda a sessão, até sem o intermediário de um médium confirmado.
É assim que citei, no item 7, a narração que o Sr. Brittan fez de uma sessão com Home, na qual a comunicação que prosseguia tinha sido interrompida para ceder o lugar à mensagem seguinte: “Reclamam a tua presença em casa; teu filho está muito mal; parte imediatamente, do contrário chegarás tarde.” Pode-se indagar qual era o motivo razoável ou o intenso interesse para com o filho do Sr. Brittan, que teria podido interromper o funcionamento da consciência sonambúlica do médium e lhe substituir um acesso de clarividência, dizendo respeito à saúde desse menino.
Um caso análogo me foi comunicado pelo falecido General Melnikoff (antigo Ministro dos Caminhos e Comunicações). Pela mão de um médium particular, a Sra. J., recebeu-se o nome e o endereço de um homem infeliz que se achava em profunda miséria, e do qual nem o médium nem o general tinham tido o menor conhecimento.
O juiz Edmonds conta um fato análogo, que lhe foi referido pela Sra. French, médium muito conhecida em seu tempo:
“Achando-se em estado de transe, sob a direção do Espírito de uma italiana, ela foi conduzida a um bairro afastado da cidade, onde encontrou reunidos em um cubículo pobre catorze italianos indigentes, completamente exaustos, e com os quais começou a falar desembaraçadamente a sua língua.” (Vede Edmonds – Spiritual Tracts).
Lemos no Light de 1886, na página 147:
“De outra vez, recebeu-se uma comunicação proveniente de uma mulher que tinha sido muito pobre em sua vida terrestre e a quem nenhum dos assistentes tinha conhecido; desejava que se desse notícias dela à sua filha, cujo nome e endereço indicava exatamente. Todos os pormenores eram precisos, à exceção da residência da filha, que tinha mudado de domicílio depois da morte de sua mãe.”
Dão-se igualmente fatos desse gênero sem a assistência de um médium confirmado. O Capitão C. P. Drisko refere, por exemplo, de que maneira o navio “Harry Booth”, que ele comandava, foi salvo do naufrágio durante a travessia entre Nova Iorque e Dry Tortugas, em 1865. Eis as passagens essenciais de seu relatório:
“Notando que tudo estava em ordem na coberta, deixei em meu lugar o Sr. Peterson, meu imediato, oficial digno de toda a confiança, e desci ao camarote para descansar um pouco.
Às onze horas menos dez minutos, ouvi distintamente uma voz que me dizia: “Sobe à coberta e manda lançar a âncora.”
– Quem és tu? – perguntei, correndo para a coberta.
Eu estava surpreso por ter recebido uma ordem. Em cima, encontrei tudo em regra. Perguntei a Peterson se tinha visto alguém descer a meu camarote. Quer ele, quer o homem do leme nada tinham visto nem ouvido.
Persuadido de que eu tinha sido o joguete de uma alucinação, desci de novo. À meia-noite menos dez minutos, vi entrar em meu camarote um homem vestido com um longo sobretudo pardo, tendo na cabeça um chapéu de abas grandes; fixando-me os olhos, ordenou-me que subisse e mandasse lançar a âncora. Em seguida, afastou-se devagar e eu ouvi distintamente seus passos pesados quando ele passou diante de mim. Subi ainda uma vez à coberta e nada notei de extraordinário. Tudo ia bem. Absolutamente seguro de minha derrota, não tinha motivo algum para dar cumprimento à advertência, viesse de quem quer que fosse. Voltei, pois, ao camarote, porém não era para dormir; não me despi e conservei-me pronto a subir se houvesse necessidade.
À uma hora menos dez minutos, o mesmo homem entrou e intimou-me, com um tom ainda mais autoritário, que “eu subisse à coberta e mandasse lançar âncora”. Reconheci então no intruso meu antigo amigo o Capitão John Barton, com o qual eu tinha feito viagens quando era grumete e que me tinha testemunhado grande benevolência. De um salto cheguei à coberta e dei a ordem de arriar o pano e fundear. Estávamos com um fundo de 50 toesas. É assim que o navio evitou encalhar nos recifes de Bahama.” (Vede os pormenores no Light de 1882, pág. 303).
Eis, efetivamente, o que o Sr. Hartmann chama um caso de clarividência, pois que a clarividência pura se manifesta sempre sob a forma alucinatória; mas como na maior parte dos casos precedentes, nada há de alucinatório, e como a condição sine qua non, “o intenso interesse da vontade” faltava neste caso – quer por uma comunicação telefônica com outros indivíduos no Absoluto, quer para a descoberta de acontecimentos futuros no saber inconsciente do Ser absoluto –, não temos razões para reconhecer aí casos de clarividência. E está aí o que nos dá o direito de não apelar também para a clarividência no caso que nos ocupa.
Encontra-se aí, é verdade, a forma alucinatória, mas “o intenso interesse da vontade” por parte do indivíduo que deve ser clarividente está ausente; esse “interesse” só pode ser admitido por parte do amigo falecido, e a explicação espirítica leva vantagem à explicação metafísica.
O exame íntimo desse fenômeno não entra nos limites do assunto de que trato; a questão de saber se se trata de um fenômeno subjetivo ou objetivo deve resolver-se, segundo todas as probabilidades, no sentido da primeira suposição. O que afirmo é que a causa determinante, a causa efficiens, isto é, a sugestão, produziu-se fora do médium; o modo de manifestação pode variar (pela escrita, comunicações verbais ou visões), segundo as condições do momento e do organismo sobre o qual ela opera.
Se nos casos precedentes – fatos comunicados por intermédio de um médium que não conhecia as pessoas das quais emanavam – não julgamos necessário procurar uma explicação no “sobrenatural”, no recurso ao Absoluto, é justo que prefiramos também uma explicação mais simples, para outros fatos, menos completos, igualmente desconhecidos do médium, embora seja conhecida por ele a pessoa à qual os ditos fatos se referem.
Tomo para exemplo um caso do qual posso dar testemunho pessoalmente. Faz alguns anos, duas senhoras de meu conhecimento, as jovens Maria Pal...ow e Bárbara Pr...ow, duas amigas, residentes em Moscou, faziam freqüentemente experiências espíritas com a prancheta. Nos primeiros tempos a jovem Maria P. recebia numerosas comunicações boas em nome de seu irmão Nicolau; mas, subitamente, elas cessaram e o seu caráter mudou completamente: dirigiam-lhe de cada vez ditos muito desagradáveis, exprobravam-lhe com grosseria os seus defeitos, prenunciavam-lhe inúmeras desgraças, o que a vexava e irritava muito.
Cedendo aos conselhos da jovem Bárbara P., a jovem Maria P. prometeu nunca mais tomar parte nas sessões. Pouco depois, ela partiu parar são Petersburgo. As duas jovens, que não escreviam uma à outra, ignoravam, cada uma, o que se passava com a outra. A jovem P., que escrevia algumas vezes mediunicamente, recebeu certo dia, em uma sessão, sem que tivesse pensado em sua amiga, sem ter feito pergunta alguma a seu respeito, e depois de uma série de comunicações acerca de assuntos religiosos, a comunicação seguinte:
“Escreve a Maria [dizendo-lhe] que deixe de fazer experiências com a prancheta; seu irmão Nicolau lhe pede isso, ela está sob uma influência má e é perigoso para ela continuar.”
A jovem P. respondeu que Maria desde muito tempo tinha deixado essa ocupação e que lhe tinha prometido nunca mais assistir as sessões.
“Nesses últimos tempos persuadiram-na de novo que tomasse parte nas experiências, e ela o faz” – respondeu o interlocutor.
Em resposta à carta que lhe foi imediatamente enviada de Moscou, Maria confessou que efetivamente não cumprira a promessa e que, a pedido de uma amiga, havia já duas semanas que tomava parte de novo nas sessões, as quais recomeçavam a levá-la a um verdadeiro estado de superexcitação. Possuo o testemunho, por escrito, das jovens P. e Bárbara P.
Este fato é exatamente da mesma categoria a que pertence a notícia da morte de Duvanel. Já tive ocasião de dizer por que motivo a explicação por transmissão de pensamento e clarividência não se harmoniza com ele. No caso que acabo de expor, a simpatia entre as duas amigas é a base única sobre a qual se teria podido estabelecer a clarividência; porém, nós presenciamos fenômenos idênticos onde não havia simpatia, pelo simples fato de o médium não conhecer absolutamente a pessoa de quem se tratava; não temos, por conseguinte, razão suficiente para recorrer, nesse fato muito simples, à clarividência. A jovem Bárbara P. nunca foi sonâmbula, nunca lhe sucedeu cair em transe; escrevia sempre em estado de vigília; na sessão em questão, suas idéias estavam dirigidas para assuntos abstratos, ela não pensava de maneira alguma no que sua amiga estaria fazendo, e subitamente ei-la em relação com o Absoluto!
É também a razão pela qual não compreendemos a necessidade de atribuir à clarividência toda a série de fatos análogos, quando se produzem por via mediúnica. Tais são, por exemplo, os fatos referidos pelo juiz Edmonds:
“Durante a viagem que fiz no ano passado à América Central, meus amigos receberam durante todo o tempo notícias muito exatas a meu respeito. Quando, pela primeira vez, tomaram informações minhas, eu estava a bordo havia quatro dias, isto é, a 800 milhas mais ou menos, no 73º de longitude e perto das costas da Flórida. Desde a nossa partida não nos tínhamos comunicado com qualquer navio, de maneira que meus amigos de Nova Iorque não tinham meio algum direto de ter notícias minhas nem de saber o que eu fazia. Nesse dia, o círculo reuniu-se às 9 horas e meia da noite e fez-se a pergunta seguinte:
– Nossos correspondentes invisíveis podem dar-nos notícias da saúde do juiz Edmonds?
A resposta foi:
“Vosso amigo está com saúde; sua travessia foi boa até o presente. Ele está de bom humor. Pensa neste momento em vosso círculo e fala a vosso respeito. Vejo-o rir-se e conversar com os passageiros, etc.”
Eu ignorei tudo isso até à ocasião de meu regresso, quatro meses depois. Quando me fizeram a narração desses incidentes, consultei minhas notas de viagem e verifiquei que os pormenores de lugar e tempo eram absolutamente exatos.
Depois de quatro dias de navegação – eu estava sempre em alto mar –, a comunicação seguinte foi recebida, sempre por intervenção do mesmo médium:
“Vosso amigo, o juiz, passa menos bem, tem nostalgia. Ele escreveu muito, o que lhe despertou sua antiga tristeza.”
Três dias depois os membros do círculo receberam ainda uma comunicação, dizendo que minha viagem tocava a seu termo, que eu estava em terra e descansava. Ora, a nossa viagem tinha terminado na véspera e eu havia caminhado naquela região até à distância de 90 milhas.
Vinte dias depois, soube-se do seguinte:
“Ele anda coxeando por não estar habituado com as viagens; sofre de dor de cabeça.”
Relendo minhas notas diárias, verifiquei ter caminhado 4 milhas na véspera e 8 naquele dia de que se tratava, e que na ocasião em que esta comunicação tinha chegado a Nova Iorque eu estava de cama, a mais de 2.000 milhas, com uma enxaqueca violenta.” (Ver Edmonds – Spiritualism, vol. I, pág. 30).
Entre os fenômenos desse gênero que notei, quero citar dois ainda:
Sr. John Cowie, de Dumbarton, na Escócia, alarmado pela demora do navio “Brechin Castle”, a bordo do qual se achava seu irmão que regressava da Austrália, organizou uma sessão de família e recebeu a comunicação seguinte: “O ‘Brechin Castle’ chegou a Trinidad. Tudo vai bem. Tereis notícias suas de sexta-feira a oito dias.” E o telegrama do “Glasgow Herald”, na sexta-feira seguinte, dia da chegada do correio, confirmou essas notícias. (Light, 1881, pág. 407).
Pelo mesmo motivo, o Sr. J. H. M., inquieto pela sorte de seu filho Herbert, que tinha deixado a Inglaterra para dirigir-se a Adelaide, na Austrália, no intuito de obter fortuna, recebeu a 16 de agosto de 1885, por intermédio de sua mulher, em nome da irmã desta, a comunicação seguinte: “Fui a Adelaide para ver Herbert. Ele passa perfeitamente bem e conseguiu obter um emprego.” E a esta pergunta: “Em casa de quem?”, a interlocutora respondeu: “Na Companhia das Usinas de Adelaide.” A 30 de agosto, uma carta do filho confirmou essas informações. (Light, 1887, pág. 248).
O objetivo principal deste capítulo era demonstrar que se podem obter comunicações de fatos ignorados por todos aqueles que assistem à sessão, e mesmo fatos a respeito de pessoas a quem o médium não conhece, e que essas manifestações não são explicáveis pela transmissão de pensamento ou pela clarividência. Mas talvez ainda se encontre um meio de contentar-nos com esta explicação, pretendendo que o fato desconhecido diz respeito a uma pessoa a quem o médium não conhece, é certo, mas a quem um dos assistentes conhece. É, por conseguinte, essa pessoa quem deve operar a “transmissão sensorial”, provocando em primeiro lugar “percepções sensitivas, que em seguida são transformadas, pela consciência sonambúlica, em representações visuais, auditivas ou intelectuais” (pág. 74). Eis o traço de união – entre o médium e as pessoas e fatos desconhecidos – que deve ligar os fenômenos dessa categoria à clarividência!
Não obstante faltarem aí as outras condições características da clarividência – a forma alucinatória, o interesse intenso da vontade, etc. – e apesar de essa transmissão sensorial só figurar aqui como uma palavra que nada explica, não deixa de ser um expediente in extremis para o recurso ao Absoluto, que, parece, é mais próximo, mais “natural” do que qualquer ser humano.
9
Comunicações provenientes de pessoas completamente desconhecidas, quer dos médiuns, quer dos assistentes
O protótipo das comunicações desta categoria, e o primeiro caso, se não me engano, acerca do qual se possuem testemunhos sérios, deu-se em uma sessão relatada no Spiritual Telegraph, dirigido pelo Dr. Brittan. Tiro essa narração ao livro do Sr. Capron: Modern Spiritualism, 1855 (págs. 284-287):
Waterford, Nova Iorque, 27 de março de 1853.
Ao Sr. Brittan.
Senhor: Em uma sessão realizada aqui, em fins de fevereiro, deram-se manifestações referentes, de maneira tão direta, às discussões provocadas atualmente por certos fatos extraordinários, que a minha notícia não deixará por certo de interessar os seus leitores.
Muitos médiuns, em diferentes graus de mediunidade, achavam-se presentes à sessão, e viu-se produzir-se uma multidão de manifestações, pertencentes principalmente à categoria das “possessões”.[30] No decurso da reunião noturna, um Sr. John Prosser, residente em Waterford, que era sujeito a cair nesse estado sob a forma mais característica, ficou sob a direção de um Espírito que declarou não ser conhecido de nenhum dos assistentes, mas sentia-se fortemente atraído para o nosso círculo. Assegurou-nos que tinha deixado seu despojo mortal na idade de mais de cem anos, que havia sido soldado no tempo da revolução e que tinha visto Washington, pelo qual sentia profundo respeito. Deu-nos o conselho – como fruto de sua experiência pessoal – de viver de acordo com a nossa própria inteligência e de seguir os preceitos do grande livro da natureza... Cito suas últimas palavras textualmente: “Tudo quanto lhe digo é exato. Se quiser dar-se ao incômodo, verificará que tudo é exatamente como lhe digo. Eu morava em Point Pleasant, New Jersey, e só depende de o senhor assegurar-se se o tio John Chamberlain lhe disse a verdade.”
Em seguida ele se deteve e verificamos os indícios precursores de uma mudança de direção; um dos assistentes fez esta observação: “É uma pena que ele não tenha dado mais amplas informações a seu próprio respeito, porque nas condições que se oferecem teríamos então uma excelente prova de identidade.”
O médium caiu imediatamente sob a influência de seu avô, que passava por ser o seu guia. Depois de ter dirigido sobre todos sua vista benevolente, declarou que bem sabia que o desejo geral era ouvir ainda o velho que acabava de falar e que, por conseguinte, voltaria por alguns instantes. Depois de pequena pausa, o Sr. Prosser (o médium) incorporava de novo a personalidade que se tinha manifestado antes, e que disse por seu intermédio:
“Meus amigos, não esperava conversar ainda uma vez com os senhores, mas não desejo mais do que lhes fornecer uma prova. Faleci na sexta-feira 15 de janeiro de 1847, pai de onze filhos. Se quiserem dar-se ao incômodo, poderão assegurar-se da exatidão do que digo. Minha linguagem não é igual à sua, mas se tiverem prazer em ouvir um velho falar, voltarei. Adeus, preciso ir-me embora.”
No dia seguinte à noite, fez-se uma sessão em outra casa, mas muitas pessoas do círculo precedente assistiam também a esta última. O Sr. Prosser era o único médium presente. O tio John Chamberlain manifestou-se de novo e repetiu as datas contidas em sua comunicação precedente; verificou-se também que na véspera se tinha escrito, por engano, Pleasant Point, em vez de Point Pleasant. Depois de termos feito indagações para nos assegurarmos de que uma estação deste nome existia realmente no Estado de New Jersey, e que o dia 15 de janeiro de 1847 coincide efetivamente com uma sexta-feira, escrevemos ao diretor do Correio pedindo-lhe informações. Em resposta nos informou de que o “velho tio” nos tinha fornecido pormenores exatos. Nós lhe mandamos extratos das cartas que recebemos e que confirmam a exatidão sobre a vida terrestre de John Chamberlain.
Nós abaixo assinados assistimos à primeira das sessões supra mencionadas e damos testemunho da exatidão da narração que precede. Declaramos também que até àquela ocasião nunca tínhamos ouvido falar de John Chamberlain nem de fatos de qualquer natureza referentes à sua vida ou à sua morte. Também não sabíamos que existe em New Jersey um lugar chamado Point Pleasant.
John Prosser, Sarah S. Prosser, Juliet E. Perkins,
A. A. Thurber, Letty A. Boyce, Albert Kendrick,
J. H. Rainey, Mrs. J. H. Rainey, N. D. Ross,
E. Waters, N. F. White, Mrs. N. D. Ross.”
1. Carta dirigida ao Diretor do Correio de Point Pleasant:
“Troy, 28 de fevereiro de 1853.
Senhor:
Seria muito amável informando-me se um velho chamado Chamberlain faleceu, há alguns anos, na cidade em que o senhor habita. Em caso afirmativo, ficar-lhe-ia muito grato se me desse pormenores precisos quanto à data de seu falecimento, idade, etc. Indique-me também o nome de um de seus parentes com o qual eu possa corresponder-me.
Seu afeiçoado,
E. Waters.
2. Resposta do Sr. Tomás Cook:
“Point Pleasant, 7 de março de 1853.
Ao Sr. E. Waters.
Amigo,[31] recebi a tua carta de 28 do passado, com o pedido de comunicar informações acerca de Chamberlain. Posso fornecer-lhas muito precisas, pois que o conheci durante 15 anos e morei em sua vizinhança. Ele morreu a 15 de janeiro de 1847, na idade de 104 anos. Teve sete filhos, que atingiram a idade de casar; três dentre eles morreram deixando filhos. Teve quatro filhas que ainda estão vivas; três delas são minhas vizinhas; a filha mais velha, viúva, tem 72 anos; três são casadas; uma delas mora a 20 milhas. Sendo iletradas, desejam corresponder contigo por meu intermédio. É com prazer que lhe comunico tudo quanto sei.
Teu afeiçoado,
Tomás Cook.
P. S. – Ele era soldado durante a Revolução; fez parte das campanhas e recebia uma pequena pensão.”
3. Correspondência do Sr. Watters ao Sr. Brittan:
“Meu caro Brittan:
Ao receber esta carta, escrevi de novo a Cook, informando-me do número dos filhos de Chamberlain. Ele me respondeu que esse último tinha tido onze filhos ao todo, dois dos quais morreram pequenos, chegando os outros nove à idade avançada.
Seu afeiçoado,
E. Watters.”
O Banner of Light, jornal hebdomadário publicado em Boston desde 1857, granjeou uma especialidade nesse gênero de comunicações. Em cada número dessa revista encontra-se uma página com o título: Message Department (Comunicações); sob esta categoria o jornal publica as mais variadas comunicações, recebidas publicamente nas sessões organizadas pela Redação, por intervenção da médium Sra. Conant, em estado de transe. Com poucas exceções, essas comunicações provêm de personagens absolutamente desconhecidas dos membros do círculo e da médium; mas, como eles têm os nomes, sobrenomes e antigos endereços dessas pessoas falecidas, assim como outros pormenores concernentes à sua vida privada, a verificação dessas informações é geralmente fácil, e não se deixa de fazê-la.
Encontramos também no Banner um capítulo intitulado “Verificação das comunicações espiríticas”, com cartas escritas por parentes ou amigos das pessoas em nome das quais as comunicações são feitas, e que têm por objetivo confirmar os pormenores comunicados nessas mensagens. Recentemente, o Light levantou uma polêmica a respeito da autenticidade desses testemunhos: o espiritualista inglês muito conhecido, o Sr. C. C. Massey, reconhecendo em absoluto a importância dessas cartas para provar que essas comunicações provêm de uma Inteligência independente das pessoas presentes, compreendendo nesse número a médium, é de opinião que elas não preenchem as condições requeridas, pois que não consta, segundo o jornal, que se tenham feito tentativas sérias, sistemáticas, para verificar esses testemunhos. (Light, 1886, págs. 63, 172, 184).
Eis a resposta que o diretor do Banner publica no número de 27 de fevereiro de 1886:
“Durante o primeiro ano da publicação do Banner, todas as comunicações recebidas por intermédio da Sra. Conant eram cuidadosamente verificadas antes de serem impressas; por conseguinte, fazia-se exatamente o que diz o Sr. Massey. Escrevíamos às pessoas mencionadas nas comunicações, que moram em Estados afastados e que a nossa médium não conhecia de maneira alguma, como o sabemos convenientemente. Nove vezes em dez recebíamos respostas das mais satisfatórias. Julgamo-nos então animados a prosseguir em nossa obra. Nos anos seguintes, só raramente pudemos, à falta de tempo, empreender investigações pessoais e fomos coagidos a supri-las por um apelo público com o intuito de obtermos testemunhos e provas; recebemos milhares delas, vindas de todos os lados do país, e às vezes do estrangeiro.”
O editor refere, ali, como o professor Gunning, o geólogo, incrédulo até então acerca desse gênero de comunicações, apresentou-se à redação, pedindo provas, e como, recebendo-as, resolveu verificá-las pessoalmente. Tendo encontrado em um dos números do jornal a comunicação que um escocês dirigia à sua mulher, em Glasgow, ele declarou que se dirigiria à Inglaterra, e que iria de propósito a Glasgow para assegurar-se da exatidão dos fatos alegados, ameaçando, dado o caso, desmascarar a fraude. Depois de alguns meses, apresentou-se de novo à redação e fez a narração de sua entrevista com a viúva em questão, que tinha confirmado inteiramente tudo quanto a comunicação continha.
Na biografia da Sra. Conant, por Allen Putnam (Boston, 1873), encontra-se, acerca do início da publicação dessas mensagens no Banner, informações interessantes que confirmam o que se acaba de ler, do diretor desse jornal (págs. 115 e seguintes). Surgiram dificuldades do lado donde menos as esperavam: dos parentes, das pessoas citadas no capítulo das comunicações; elas julgavam que aquela publicação constituía um ultraje à memória de seu parente próximo já falecido. Um pai indignado chegou a proceder judicialmente contra o Banner perante um tribunal de Justiça por difamação (págs. 108-109). No fim do volume, há alguns exemplos muito notáveis de verificação, principalmente o da comunicação de Harriet Sheldon, que foi confirmado por seu próprio marido, dez anos depois da publicação (págs. 238 e 239).
A fabricação de falsas cartas demonstrativas teria sido descoberta em breve, pois que os inimigos da causa espírita não dormem. A autenticidade das cartas é fácil de demonstrar: seus autores dão nome e endereço, por conseguinte nada mais fácil do que assegurar-se de sua existência, quer pessoalmente, seguindo a direção indicada, quer lhes escrevendo.
Numerosos casos desse gênero estão esparsos em toda a literatura espírita; já citei o primeiro no parágrafo precedente, mui resumidamente, e sem fornecer muitos pormenores; terminarei citando in extenso um caso cuja prova teve de ser feita na América e que se deu na Inglaterra, pela mediunidade do Sr. M. A., pessoa cuja respeitabilidade é reconhecida no mundo espírita. Lemos no Spiritualist de 11 de dezembro de 1874, pág. 284, a carta seguinte, dirigida pelo Sr. M. A. ao diretor desse jornal:
“Pede-se uma informação na América
Senhor:
Ficar-lhe-ei muito agradecido se publicar a carta inclusa, na esperança de que alguns de seus leitores americanos possam auxiliar-me a firmar a exatidão dos fatos.
No mês de agosto passado (1874), achava-me com o Dr. Speer, em Shanklin, na ilha de White. Em uma das nossas sessões recebemos uma comunicação em nome de um Abraão Florentino, que declarava ter tomado parte na guerra de 1812, na América, dizendo que acabava de falecer em Brooklin, Estados Unidos da América, a 5 de agosto, na idade de 83 anos, 1 mês e 17 dias. Esta comunicação foi transmitida de maneira muito notável. Éramos três em torno de uma mesa tão pesada que duas pessoas tinham dificuldade em movê-la. Não se ouviram pancadas, mas, em vez disso, a mesa começou a inclinar-se. A impaciência do interlocutor invisível era tão grande que a mesa se inclinava antes mesmo que a vez da letra seguinte tivesse chegado; ela tremia como em agitação extrema e caía com violência na letra precisa. E assim sucedeu até o final da comunicação...
Do grande número de fatos desse gênero que se deram em nossas sessões, não conheço um só que se não tenha confirmado; tenho por conseguinte toda a razão de acreditar que o fato de que se trata o será igualmente. Ficarei, pois, muito grato aos jornais americanos se reproduzirem esta carta e se por esse meio me fornecerem ensejo de verificar a exatidão dos fatos de que recebi a comunicação. Se posso avançar uma suposição, direi que acredito que Abraão Florentino foi um bom soldado, um verdadeiro batalhador, e que se torna a encontrar exatamente seu arrebatamento natural na alegria que manifesta por ficar afinal desembaraçado de seu despojo mortal, depois de dolorosa moléstia.”
O Sr. M. A. dirigiu-se com o mesmo pedido ao Sr. Epes Sargent, célebre espiritualista americano, que mandou publicar o fato no Banner of Light de 12 de dezembro de 1874. Já no número de 13 de fevereiro de 1875, pode-se ler esta inserção:
“Washington, 13 de dezembro de 1874.
Senhor diretor:
No último número do Banner, o senhor pergunta se alguém conhecera Abraão Florentino, soldado em 1812. Desempenhando há catorze anos as funções de agente incumbido de receber as petições apresentadas pelos soldados de 1812, no Estado de Nova Iorque, tenho em meu poder a lista de todos aqueles que requereram indenizações pelos serviços que prestaram nessa guerra. Na dita lista encontro o nome de Abraão Florentino, de Brooklin; quanto às informações circunstanciadas de seu serviço, o senhor poderá obtê-las na Chancelaria do General Ajudante de Campo do Estado de Nova Iorque, referindo-se à petição nº 11.518, relativa à guerra de 1812.
Wilson Millar
Recebedor das petições.”
No mesmo número do Banner encontra-se a informação obtida do general ajudante de campo:
“Chancelaria do General Ajudante de Campo do Estado de Nova Iorque, em Albany, 25 de janeiro de 1875.
Senhor,
Em resposta à sua carta de 22 de janeiro, posso comunicar-lhe os pormenores seguintes, copiados dos registros de nossa chancelaria: Abraão Florentino, soldado de linha, da Companhia do Capitão Nicole, 1º Regimento da Milícia de Nova Iorque, a 2 de setembro de 1812, prestou um serviço de três meses e obteve isenção com o direito de receber 40 acres, conforme o recibo nº 63.365.
Aceite, etc.
Franklin Townsend
General Ajudante de Campo.”
No número seguinte do Banner (20 de fevereiro), lemos:
“Brooklin, 15 de fevereiro de 1875.
Senhor diretor:
Depois de ter lido no último número de seu jornal o artigo relativo à verificação da mensagem enviada por Abraão Florentino, procurei no livro de endereços de Brooklin e encontrei ali o dito nome com o endereço: rua Kosciuszko, nº 119. Dirigi-me para ali e fui recebido por uma mulher idosa, a quem perguntei se Abraão Florentino morava naquela casa. Ela respondeu-me:
– Morou aqui, porém já morreu.
– Não serás sua viúva?
– Perfeitamente.
– Podes dizer-me a época de sua morte?
– No mês de agosto passado.
– Em que data?
– A cinco.
– Que idade tinha?
– Oitenta e três anos.
– Feitos?
– Sim; completou oitenta e três anos a 8 de junho.
– Ele tomou parte na guerra?
– Sim; na guerra de 1812.
– Tinha gênio violento, independente, ou de qualquer outra natureza?
– Era muito violento e teimoso.
– Esteve doente por muito tempo?
– Ficou de cama durante mais de um ano e sofreu muito.
Cito textualmente as perguntas e as respostas, por mim escritas durante a entrevista. Depois dessa última resposta, a viúva Florentino – mulher de cerca de 65 anos – perguntou-me por que motivo eu a interrogava; então lhe fiz a leitura do artigo do Banner, onde se tratava de seu marido, o que a tornou perplexa e interessou-a vivamente; tive que lhe dar diversas explicações que a surpreenderam até o mais alto grau. Ela confirmou a mensagem do princípio ao fim e pediu-me que lhe mandasse um exemplar desse número do Banner.
Eugênio Crowell, Doutor Med.”
Reproduzindo esses documentos em seu livro Spirit Identity (Londres, 1879), o Sr. A. acrescenta:
“É necessário dizer que nenhum dentre nós conhecia o nome de Florentino e as particularidades que lhe diziam respeito? Ninguém, além disso, teria tido a lembrança de comunicar-nos, da América, fatos que não nos diziam respeito de maneira alguma.”
Eis um fato que se passou na Rússia, em 1887, em casa do Sr. Nartzeff, no governo de Tambow. Quando tive conhecimento dele, escrevi ao Sr. Nartzeff, a quem eu não conhecia pessoalmente, para pedir-lhe que me comunicasse todos os pormenores. Ele correspondeu ao meu desejo com a mais amável presteza. Os membros do círculo organizado pelo Sr. Nartzeff tinham tido a boa lembrança de lavrar atas em cada sessão, de maneira que não era difícil reconstituir esses acontecimentos, com o auxílio de algumas cartas trocadas. Sucedeu entretanto aparecer o resumo desse fato em primeiro lugar nas Memórias da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, de Londres (parte XVI, pág. 355), pois que a minha resposta ao Sr. Hartmann, em língua alemã, já estava impressa, e o Sr. Myers estava precisamente preocupado naquela ocasião em recolher os fatos desse gênero. Foi por conseguinte para ele que eu dirigi esta notícia. Atualmente ela apareceu em língua russa, composta dos documentos autênticos seguintes:
I – Manifestação de Anastácia Perelyguine no dia seguinte ao de sua morte
“Cópia da ata da sessão de 18 de novembro de 1887, realizada na casa do Sr. Nartzeff, em Tambow, rua dos Inválidos.
Estavam presentes: a Sra. A. S. Sleptzoff,[32] N. P. Touloucheff,[33] a Sra. A. P. Ivanoff,[34] A. N. Nartzeff.[35]
A sessão começou às 10 horas da noite, em torno de uma mesa redonda, preta, colocada no centro do aposento, à claridade de uma lamparina posta em cima da chaminé. As portas estavam fechadas. A cadeia era formada da maneira seguinte: cada um tinha a mão esquerda colocada sobre a mão direita de seu vizinho; os pés dos vizinhos também se tocavam, de maneira que as mãos e os pés estavam submetidos a uma fiscalização recíproca, durante todo o tempo da sessão. No começo fizeram ouvir-se pancadas violentas, dadas no soalho; mais tarde elas retumbaram na parede e no forro. Depois, subitamente, ouvimos pancadas que partiam do centro da mesa, de cima, como se alguém batesse com o punho; essas pancadas eram tão fortes e sucediam-se tão rapidamente, que a mesa tremia durante todo o tempo. Então o Sr. Nartzeff encetou o seguinte diálogo:
– Podes dar respostas inteligentes? Se podes, bate três vezes; se não, uma vez.
– Sim (três pancadas).
– Desejas dar as respostas por meio do alfabeto?
– Sim.
– Soletra o teu nome.
(Recita-se o alfabeto; as letras são indicadas por pancadas.)
– Anastácia Perelyguine.
– Dize-nos, se é de teu agrado, por que vieste e que desejas.
– Sou uma desgraçada. Orai por mim. Ontem de dia, faleci no hospital. Envenenei-me com fósforos há três dias.
– Dize-nos outra coisa referente à tua pessoa. Que idade tinhas? Dá tantas pancadas quantos anos tinhas.
(Ouvem-se 17 pancadas.)
– Quem eras?
– Camareira. Envenenei-me com fósforos.
– Por que te envenenaste?
– Não o direi. Não direi mais nada.
Nesse momento uma pesada mesa colocada de encontro à parede, fora da cadeia que formávamos, dirigiu-se rapidamente por três vezes, na direção das pessoas que formavam a cadeia, e de cada vez foi repelida por força invisível. Sete pancadas retumbaram na parede (sinal convencionado para dizer que a sessão estava terminada), e levantamos a sessão: eram 11 horas e 20 minutos.
A. S. Sleptzoff, N. P. Touloucheff,
A. N. Nartzeff, A. P. Ivanoff.
Por estar conforme com a ata original, assino.
Alexis Nartzeff.”
II – Declaração
“Nós abaixo assinados, tendo assistido à sessão de 18 de novembro de 1887, na casa do Sr. A. N. Nartzeff, testemunhamos pela presente que nada sabíamos quer acerca da existência, quer acerca do falecimento de Anastácia Perelyguine, e afirmamos que ouvimos esse nome pela primeira vez na sessão supramencionada.
Em 6 de abril de 1890. Tambow.
N. P. Touloucheff, A. Sleptzoff,
Alexis Nartzeff, A. Ivanoff.”
III – Carta do Dr. N. Touloucheff ao Sr. Aksakof
“Senhor:
Na sessão realizada a 18 de novembro de 1887, em casa do Sr. Nartzeff, recebeu-se uma comunicação feita em nome de Anastácia Perelyguine, que pedia que orassem por ela, declarando que se tinha envenenado com fósforos e que tinha falecido a 17 de novembro. A princípio não dei crédito algum ao caso, pois que, na qualidade de médico da cidade de Tambow, sou avisado imediatamente pela polícia, todas as vezes que se dá um suicídio. Mas, como dizia ela ter morrido no hospital, e como o hospital de Tambow, pertencente inteiramente à administração da Beneficência, está isento também da municipalidade e da administração do Governo e acha-se, assim, colocado fora de minha atribuição, a tal ponto que em casos semelhantes requisita por autorização própria a Polícia e o Juiz de Instrução, escrevi ao colega Dr. Sundblatt, médico-chefe do hospital. Nada lhe expliquei do que se tinha passado e pedi-lhe que me informasse se tinha ocorrido nesses últimos dias um caso de suicídio no hospital e, eventualmente, por quem e em que circunstâncias. A cópia da resposta que me deu por escrito (o original está em poder do Sr. Nartzeff), certificada pelo próprio Sr. Sundblatt, já lhe foi transmitida.
Aceite, etc.
Em 15 de abril de 1890, Tambow, rua do Seminário, casa do Sr. Touloucheff.
N. Touloucheff.”
IV – Cópia da carta do Dr. Sundblatt ao Dr. Touloucheff
“Caro colega, Nicolau Petrovich:
A 16 do corrente, eu estava de serviço e, efetivamente, nesse dia trouxeram dois doentes que estavam envenenados com fósforo: A primeira, Vera Kossovitch, de 38 anos de idade (mulher de funcionário, creio), moradora à rua Teplaïa, casa Bogoslovski, foi recebida às 8 horas da noite, com guia da 3ª Circunscrição de Polícia; a segunda, servente no Asilo de Alienados, Anastácia Perelyguine, 17 anos, entrou às 10 horas da noite. Esta última tinha ingerido, além de uma infusão de fósforos (cerca de dez caixas), a metade de um copo de petróleo. Ela estava muito mal desde o começo e faleceu a 17, à 1 hora da tarde. Foi hoje que se procedeu à autópsia regulamentar. A Sra. Kossovitch declarou-nos que tinha tomado o veneno em um acesso de tristeza. Quanto a Perelyguine, nada declarou acerca do motivo que a tinha levado ao suicídio. Eis tudo o que posso comunicar-lhe acerca desse caso.
Cordial aperto de mão.
F. Sundblatt.
Esta cópia está conforme com o original, palavra por palavra, em fé do que assinamos.
Alexis Nartzeff, Dr. F. J. Sundblatt.”
V – Carta do Sr. A. N. Nartzeff ao Sr. Aksakof
em data de 4 de maio de 1890
Desejando assegurar-me se a Sra. Ivanoff, despenseira da Sra. Sleptzoff, se dirigiu casualmente ao hospital e soube ali do falecimento da jovem Perelyguine, ou, antes, se ela não ouviu falar a tal respeito em outra parte, pedi ao Sr. Nartzeff que fizesse uma investigação nesse sentido e me dissesse ao mesmo tempo a que distância de sua casa se acha o hospital e se Perelyguine tinha instrução; parecia-me curioso verificar se a jovem servente teria estado em condições de ditar essa comunicação por meio do alfabeto.
Recebi do Sr. Nartzeff a carta seguinte:
“Em resposta à sua carta, apresso-me em lhe participar que a despenseira de minha tia não é uma simples ecônoma, no rigoroso sentido do termo, porém antes uma amiga da casa, que mora em nossa companhia há mais de 15 anos e em quem depositamos a mais completa confiança. É impossível que ela tenha tido conhecimento do suicídio da jovem Perelyguine, pois que não tem amigos nem parentes em Tambow e nunca sai de casa.
O hospital onde a jovem Perelyguine morreu fica no extremo da cidade, a 5 quilômetros de nossa casa. O Dr. Sundblatt verifica, segundo a ata da investigação, que a jovem em questão sabia ler e escrever.”
Para completar as informações que precedem, falta dizer que Anastácia Perelyguine era incumbida, em seu serviço, da seção dos alienados do próprio hospital para onde foi transferida na véspera de sua morte.
Que explicação razoável se pode dar desses fatos, baseando-se nas teorias do Sr. Hartmann? É inútil, creio, recomeçar a mesma série de argumentos para demonstrar que não se pode tratar de uma transmissão de pensamentos, pois que a condição essencial – o laço psíquico – não pode existir entre pessoas que se não conhecem. Entretanto, ainda fica a clarividência. Mas o único ponto de reparo para uma “mediação sensorial”, que deveria servir para perceber a sensação, isto é, a presença, na sessão, de uma pessoa que conhecesse o morto, também não existe. Por conseguinte, não fica, em último recurso, mais do que a clarividência pura.
Mas, não se deve esquecer também de que todo acesso de clarividência deve ter sua razão de ser e que, nos casos enumerados, a condição essencial, “o intenso interesse da vontade”, falta da mesma maneira; por conseguinte, nada de relação telefônica possível no Absoluto, entre o médium e os vivos (isto é, os amigos do morto, pois que este último não se conta), nem laço algum entre o médium e o “saber absoluto do Espírito Absoluto”. Com efeito, é possível admitir por um instante que o médium – no caso da Sra. Conant, por exemplo – vá em dia e hora fixados da semana ocupar seu lugar na redação do Banner para, alguns instantes depois, entrar em relação com o Absoluto e servir de porta-palavra, em estado inconsciente, acerca de dez mortos, um após outro?
Não seria uma verdadeira comédia representada pelo Absoluto? Pois que o “Saber Absoluto” deveria certamente saber, conforme esta teoria, que esses mortos não mais existem, o papel que ele faria o médium representar nada mais seria do que uma ridícula mentira, incompatível com a idéia do Absoluto!
O próprio Sr. Hartmann incumbiu-se, aliás, de nos demonstrar quão pouco sustentável é semelhante hipótese:
“A verdadeira clarividência não se encontra nos médiuns de profissão, provavelmente pelo motivo de serem as pessoas presentes em geral estranhas umas às outras, sem nenhum laço profundo de simpatia, e porque falta, conseguintemente, o interesse da vontade – necessário para estabelecer uma comunicação retroativa. Para a transmissão de representações, a respeito das quais os médiuns experimentam interesse, basta haver indução produzida pelas vibrações cerebrais, de maneira que não há absolutamente necessidade de uma comunicação telefônica retroativa no Absoluto; quanto ao passado e aos destinos futuros das pessoas, que participam da sessão, e quanto a seus parentes e amigos, é ainda mais difícil admitir que os desenvolva um interesse bastante intenso para que a vontade inconsciente seja levada a hauri-los no saber absoluto de sua origem absoluta. O que os espíritas chamam “clarividência”, em seus médiuns, não o é de maneira alguma; a verdadeira clarividência, essa flor mais fina, se bem que doentia, da vida psíquica do homem, os espíritas não a encontram entre seus médiuns, porque estes últimos se servem de suas faculdades como pessoas de ofício.” (pág. 82-83).
Assim, pois, é claro que nem a transmissão dos pensamentos a distância, nem a clarividência, encaradas no ponto de vista do Sr. Hartmann, podem explicar os fenômenos dessa categoria. Entretanto esses fatos existem; por conseguinte devem ser explicados. E, em verdade, eles se explicam precisamente por essas duas hipóteses, quando examinadas, não no ponto de vista metafísico ou sobrenatural, mas sob o ponto de vista natural, humano.
Que é, com efeito, uma transmissão de pensamento a distância? É uma troca de impressões, conscientes ou inconscientes, entre dois centros de atividade psíquica. Nas experiências ordinárias de transmissão de pensamento, por via magnética hipnótica ou outra, sabemos de que centro de ação psíquica emana a sugestão. Nas experiências mediúnicas, quando recebemos a comunicação de um fato que conhecemos pessoalmente, ou que é conhecido por um dos assistentes, temos o direito de atribuí-lo a uma troca inconsciente de impressões entre as atividades psíquicas das pessoas presentes. Mas, quando se trata da comunicação de um fato desconhecido das pessoas presentes, devemos atribuí-lo evidentemente a um ser ausente, que conhece o dito fato; nesse caso, uma relação simpática é necessária; se ele se dá, não entre sobreviventes, porém entre um sobrevivente e um morto, e se esse morto está interessado em comunicar o fato em questão ao sobrevivente – principalmente se se trata de um fato que só ele pode conhecer –, não é natural, lógico, atribuir essa comunicação à individualidade que se anuncia como tal? Nesse caso o processo de transmissão de pensamento faz-se diretamente, de modo natural, sem que se tenha necessidade de recorrer ao sobrenatural, a uma “relação telefônica com o Absoluto”.
A clarividência confirma ainda mais a nossa explicação. Que é a clarividência, segundo o Sr. Hartmann? É “a percepção dos fenômenos reais objetivos, como tais, sem o auxílio dos órgãos dos sentidos” (pág. 74). Assim, um clarividente vê a grande distância um incêndio, uma morte, etc. São “fenômenos objetivos” que se aceitam como tais; mas, quando esse mesmo clarividente vê “um Espírito”, o fato não passa de um “fenômeno subjetivo”; por conseguinte, não é mais clarividência! Mas então por que dizer que “a clarividência propriamente dita” faz parte do “conteúdo da consciência sonambúlica”? (pág. 60). Teria sido preferível não falar nela!... E ainda: “A alma individual possui o dom do saber absoluto...” – “não há mais necessidade de auxílio vindo de fora, nem de intermediário algum, e menos que tudo do auxílio dos mortos.” (pág. 78). Eis um médium em transe, pela boca do qual o morto estabelece sua identidade, ignorada de todos os assistentes, porém conhecida por todos aqueles que o próprio morto designa e que atestam a exatidão de todas as informações que ele forneceu acerca de si próprio e acerca de sua vida pública e privada. É ainda clarividência: seu nome, seus sobrenomes, todas as informações foram hauridas no “saber absoluto do Espírito Absoluto...” (pág. 79). Só o fato de sua existência supraterrestre é falso! Aqui o saber absoluto não mais é digno de fé, não mais é absoluto. Tanto vale dizer que essa faculdade de clarividência absoluta só funciona quando nos apraz admiti-la!
Não seria mais racional admitir para esses casos excepcionais um centro de ação psíquica fora do médium? Sendo admitido o fato misterioso da individuação, a percepção, por intermédio de um sensitivo, de uma impressão vinda de um indivíduo vivo, mas que está distante, não é menos maravilhosa do que a percepção de uma impressão vinda de um indivíduo pretendido morto e provando o contrário pelo próprio fato dessa impressão sugerida.
Um sensitivo pode mesmo ver e sentir a presença de uma individualidade desse gênero, sem ser clarividente, pelo poder do Absoluto: uma vez admitido o centro de ação extraterrestre, o sensitivo experimentará todas as suas influências, como experimenta as que dimanam dos centros de ação terrestres, como o notamos nas experiências do magnetismo e do hipnotismo; isso não será mais do que uma extensão dos modos e dos graus de reação psíquica entre dados centros de consciência, sem apelo para a metafísica ou para o Absoluto. Que semelhantes centros de atividade não são imaginários, estabelece-se não só pelas provas fotográficas, mas ainda pela própria natureza das manifestações, que não podem chamar-se psíquicas e que não têm relação com a clarividência. Vede o caso de Abraão Florentino: o médium, durante a manifestação, estava em transe; não é nem por sua boca, nem por sua mão que o ser inteligente se manifesta, porém por deslocamentos de mesas extraordinariamente pesadas – gênero de manifestação inteiramente desusado pelo médium; é pela mesa, por movimentos e pancadas, que esse pretendido acesso de clarividência se teria revelado! Haveria aí uma relação de causas e de efeitos inteiramente inexplicável, sob o ponto de vista da lógica. Ele ainda é menos explicável por uma teoria que só admite a clarividência sob a forma alucinatória!
Vamos passar agora ao exame de uma série de fenômenos que servem de traço de união entre as manifestações psíquicas e as manifestações físicas de uma mesma causa em atividade – manifestações em que a necessidade de admitir que essas causas são centros independentes de uma ação extramediúnica (a que o Sr. Hartmann chama causas transcendentes), torna-se claramente manifesta.
10
Transmissão de comunicações a grande distância
Lemos no livro do Sr. Hartmann:
“Até o presente as sessões espiríticas não oferecem matéria alguma que possa estabelecer o fato da transmissão de representações a grande distância, porque o médium representou geralmente um papel ativo, em vez de achar-se no estado passivo, em relação a um outro médium, afastado, como exigem as experiências dessa natureza.” (pág. 73).
Os fatos estão aí para refutar essa afirmação e a própria teoria. Se bem que raros, os casos de transmissão de comunicações a grandes distâncias existem. Entre as pessoas que estabeleceram esses fatos, é preciso citar, em primeiro lugar, o professor Hare, que lhes atribui, com razão, uma grande importância, e os considera como uma prova absoluta da manifestação de uma força extramediúnica.
Em seu livro Pesquisas Experimentais sobre os Fenômenos Espiríticos ele cita o caso seguinte:
“Achando-me em Cape May (Islândia), a 3 de julho de 1855, incumbi meu Espírito-guia de dirigir-se a Filadélfia, à casa de um de meus amigos, a Sra. Gourlay (North Tenth Street, nº 178) e de lhe dizer que eu pedia a seu marido, o Dr. Gourlay, que se informasse, no Banco de Filadélfia, acerca do vencimento de uma letra de câmbio; incumbi-o também de prevenir a Sra. Gourlay de que às 3 horas e meia eu permaneceria, nesse mesmo dia, perto do espiritoscópio, à espera da resposta. Era então 1 hora da tarde. À hora indicada, meu amigo invisível estava de volta, trazendo-me o resultado da indagação.
Em meu regresso à Filadélfia, a Sra. Gourlay contou-me que meu mensageiro tinha interrompido a comunicação mediúnica que ela estava prestes a transmitir por meio do espiritoscópio, para lhe dar parte da minha comissão, recebida a qual, seu marido e seu irmão dirigiram-se ao Banco para obter essa mesma informação que me tinha sido comunicada no mesmo dia, às 3 horas e meia.
O empregado do Banco, a quem esses senhores se tinham dirigido, lembrava-se perfeitamente bem que lhe tinham pedido essas informações, mas não se dera ao trabalho de consultar o registro, que não estava à mão, o que concorreu para que ele desse uma informação inexata, que estava conforme ao que me tinha comunicado o meu Guia, porém contrária ao que eu esperava – por conseguinte, essas datas não podiam ser o resultado de meus pensamentos. Não falei a ninguém acerca desses incidentes antes de ter visto a Sra. Gourlay e de lhe ter perguntado se durante a minha viagem ela tinha recebido de mim uma comunicação qualquer. Fui informado de que para transmitir minha comissão, meu mensageiro tinha interrompido a comunicação que seu irmão recebia nesse momento, por seu intermédio, de sua mãe falecida.”
Eis um fato que não poderia ser explicado por nenhuma teoria psíquica (transmissão de pensamentos, clarividência, etc.). Efetivamente, a distância, nesse caso, é considerável (perto de 100 milhas); não há “relação psíquica” alguma nem também “intenso interesse da vontade” (amor ou amizade) que tivessem podido estabelecer “uma comunicação telefônica no Absoluto, entre duas pessoas (o professor Hare e a Sra. Gourlay); também não se poderia tratar de “imagens alucinatórias”, de manifestações anímicas provocadas por alucinações sugeridas” (pág. 65); pelo contrário, trata-se de um “pensamento abstrato”, de uma operação comercial; e depois, o segundo médium não se achava em um “estado de passividade em relação ao primeiro médium”, assim como o exige o Sr. Hartmann (pág. 73); muito pelo contrário, ele deu prova de uma plena atividade psíquica; ele estava ocupado em receber uma comunicação que foi interrompida violentamente de maneira inesperada, pela comunicação em questão; demais, os dois médiuns estavam em estado completamente normal. Acrescentemos a isso que o despacho foi transmitido não por intermédio de seus cérebros, mas por meio de um instrumento. Que explicação o Sr. Hartmann nos dará desse caso? Ele dirá talvez que houve, nesse caso, “ação a distância da força nervosa, porque a troca das comunicações se efetuou por via física, com a intervenção de um espiritoscópio”.
Responderei a isso que tal explicação só consegue confundir a questão, visto que o espiritoscópio não passa de um meio mecânico para transmitir o pensamento; está aí precisamente o que não se pode compreender: donde provém esse funcionamento do espiritoscópio, se é preciso admitir que houve somente transmissão de pensamentos? E, desde o momento em que tal transmissão se deu, a dificuldade subsiste sempre, mesmo com complicações, porque seria preciso então admitir que a força nervosa é clarividente e pode ver a distância o espiritoscópio, as letras que aí são marcadas, etc. Só resta ao Sr. Hartmann modificar as condições de seu recurso ao Absoluto, esse Alah que ele invoca in extremis.
Eis outro caso semelhante, que tiro do mesmo modo do livro do professor Hare, que publica (§§ 1485-1492) a carta seguinte:
“Filadélfia, em 6 de setembro de 1855.
Senhor:
No decurso de nossa última entrevista, emitiste o desejo de conhecer alguns fatos tirados de minha experiência pessoal. Há cerca de três anos, eu fazia nesta cidade conferências que tinham por objetivo combater a teoria espiritualista aplicada aos fatos chamados espiríticos e defender a hipótese da corrente nervosa, como instrumento passivo da vontade. Nessa época eu possuía a faculdade de suspender os movimentos psíquicos que se produziam; mais tarde, os agentes ocultos que produziam esses deslocamentos recusaram-se obedecer-me. Eles me explicaram depois que não me tinham concedido esse poder senão temporariamente, a fim de convencer-me, privando-me dessa faculdade.
A leitura de sua narração relativa à comunicação transmitida de Cape May, na cidade em que o senhor mora, no mês de junho passado, por via mediúnica, sugeriu-me a idéia de lhe comunicar um fato análogo, a respeito de uma comunicação que fiz chegar, da mesma maneira, ao círculo espírita daquela cidade.
A 22 de junho de 1855, eu assistia a uma sessão da noite, em casa da Sra. Long (médium escrevente, que morava em Nova Iorque, Thompson Street, 9), e recebia comunicações de seu esposo falecido. Eu estava então incumbido da direção das sessões, que se realizavam em todas as quartas-feiras, em casa do Sr. H. C. Gordon, 113, North Fifth Street, em Filadélfia. Perguntei à minha mulher se ela podia dar-me uma comunicação por intermédio desse círculo, que estava em sessão nesse momento, em Filadélfia. Ela me prometeu experimentar. Pedi-lhe então que transmitisse aos membros desse círculo uma saudação de minha parte e que lhe dissesse que minhas experiências davam um êxito maravilhoso, que eu me compenetrava cada vez mais da gloriosa realidade da comunicação com os Espíritos. Dezessete minutos depois, minha mulher anunciou de novo sua presença e declarou-me que se tinha desempenhado de minha comissão. Na quarta-feira seguinte, achando-me em Filadélfia, à noite, dirigi-me ao círculo e soube que a minha comunicação tinha chegado ali pontualmente; no momento de sua chegada, ocupavam-se em receber uma comunicação proveniente de outra pessoa, a qual foi interrompida por minha mulher, que informou o seu nome e desempenhou sua missão pela mão do Sr. Gordon.
Cerca de doze pessoas estavam presentes, todas dignas de fé, dentre as quais o Sr. e a Sra. Howell, o Sr. e a Sra. Laird, o Sr. Aarão Comfort, o Sr. William Knapp e outras. Sucedendo que eu mesmo não seja médium, não se poderia tratar de simpatia entre os médiuns.
W. West (George Street, 4).”
Tirarei outro exemplo análogo a uma fonte inteiramente segura, ao livro do Sr. Brittan: A discussion on the facts and philosophy of ancient and modern Spiritualism (Exame racional dos fatos e filosofia do Espiritualismo antigo e moderno), por S. B. Brittan e o Dr. Richmond, Nova Iorque, 1853. Na página 289 lemos:
“O Sr. B. Mc. Farland, de Lowell, Mass., tem uma filha, chamada Susana, que tem faculdades mediúnicas. Ela passou o inverno de 1851-1852 no Estado de Geórgia, e ali se deu o fato interessante que se segue. Eu cito-o tal qual é referido na carta que o Sr. Farland me dirigiu:
“Ao Sr. S. B. Brittan.
Senhor:
Na noite de 2 de fevereiro de 1852, no decurso de uma sessão organizada em minha casa, em Lowell, minha mulher perguntou se Luísa (nossa filha falecida) estava presente. A resposta foi afirmativa. À pergunta: “Estás freqüentemente com Susana?” (era nossa única filha sobrevivente, e que se achava nesse momento na Geórgia, com alguns amigos), a resposta foi igualmente afirmativa. Minha mulher formulou então o desejo de que o Espírito se dirigisse para perto de Susana a fim de lhe fazer companhia e preservá-la de qualquer mal durante sua ausência. Luísa respondeu, por meio de pancadas, que iria ter com sua irmã.
Não se deve esquecer de que isso se passava a 2 de fevereiro, à noite. Oito dias depois, recebíamos uma carta de Susana, datada de Atalanta, Geórgia, de 3 de fevereiro de 1852, na qual nos escrevia:
“Ontem à noite, fizemos uma sessão; Luísa apresentou-se-nos dizendo por meio de pancadas: Mamãe quer que eu venha para perto de ti preservar-te contra qualquer mal durante tua ausência de casa. – Luísa.”
Vês, por conseguinte, que um agente invisível, intitulando-se minha filha, tinha recebido nossa comunicação em Lowell, Mass., e a transmitira, palavra por palavra, à Atalanta, Geórgia (à distância de 1.000 milhas), em menos de uma hora.
Seu afeiçoado,
B. Mc Farland.”
Fecho este capítulo com a narração de um fato que tem isso de particular: a comunicação foi feita sem designação do destinatário, cuja escolha incumbia ao agente oculto que se manifestava. Esse fato é referido como se segue, em uma carta do Sr. Teathersnaugh, reproduzida no Light de 18 de dezembro de 1886 (pág. 603):
“Respondendo ao desejo que externaste por intermédio da imprensa, venho comunicar-te a exposição de algumas experiências que fiz com a Sra. Maud Lord.
Possuo uma miniatura, pintada há oitenta anos; como tivesse ficado por muito tempo em um invólucro fechado, tive a lembrança de servir-me dele para uma série de experiências às escuras, com diversos médium. Como eu não soubesse o endereço de nenhum médium desse gênero, formulei mentalmente o desejo de que a personalidade que se manifestava em minhas sessões com o nome de S. e que afirmava poder sempre adivinhar meus pensamentos, se dirigisse para perto de um médium e lhe sugerisse a idéia de enviar-me seu endereço. Alguns dias depois recebi uma carta da Sra. Lord, que morava a 200 milhas de mim, a qual me escrevia, entre outras coisas: “S. apareceu em uma de minhas sessões e pediu-me que te mandasse meu endereço, assim como o desejas, o que me apresso em fazê-lo.”
11
Transporte de objetos a grandes distâncias
Acabamos de ver: que a força que produz os fenômenos espiríticos não fica limitada à pessoa só do médium nem contida nos limites do aposento onde se realizam as sessões; que pode, pelo contrário, transportar-se a grandes distâncias para comunicar mensagens; que uma manifestação dessa espécie não é a transmissão de pensamento de um cérebro a outro, nem efeito de clarividência. Fomos levados a estas conclusões porque faltam as condições nas quais, segundo o Sr. Hartmann, esses fenômenos psíquicos se devem produzir, e também porque a força em questão se manifesta a distância fisicamente, por meio de pancadas e de movimentos da mesa.
Veremos agora que tal ação física a distância não é simples repercussão ou metamorfose da impressão psíquica recebida pelo médium que se acha a distância, porém que emana de um centro de força independente, a qual não é uma simples força física produzindo sons e deslocando corpos inertes, porém alguma coisa muito mais substancial e complicada, pois que pode não só transmitir uma comunicação, como mesmo transportar um objeto material, e isso não transpondo unicamente o espaço (coisa que pode ser efetuada por meios de que os homens dispõem, e que não estão em contradição com a noção que temos acerca das leis físicas e, por conseguinte, nada oferecem de “sobrenatural”), porém agindo ainda em condições que importam na passagem através da matéria sólida, anulando, por conseguinte, as leis conhecidas da Física e caindo no domínio de que se convencionou chamar “sobrenatural”.
Conseguintemente chegamos, por gradações, a uma categoria de fenômenos que caem, segundo a definição do próprio Sr. Hartmann, sob a designação de “sobrenaturais” ou transcendentes. Como ele não poderia atribuí-los a uma causa natural, e nem sequer a uma ação pessoal do médium, concluiremos daí que é preciso, parar explicá-los, admitir uma força qualquer, de outra ordem, independente do médium. Tomemos um exemplo:
Transporte de uma fotografia de Londres a
Lowestoft, à distância de 175 quilômetros
Eis um caso muito comprobatório e que recebemos de boa fonte. O professor W. F. Barret garante a sua autenticidade e refere-o como se segue:
“Não estou autorizado a publicar o nome nem mesmo as iniciais de quem me comunicou este fato notável. Conheço-o, porém, pessoalmente e certifico que nunca ouvi falar a seu respeito de outra maneira a não ser em termos mui lisonjeiros e com consideração por todos quantos o conhecem, e mais particularmente por um eclesiástico de elevada reputação. Resulta de minha pesquisa, de minhas observações e investigações mais variadas, que não há a menor dúvida a suscitar acerca de sua perfeita boa fé. Dito isso, nada mais farei do que reproduzir a carta que recebi dele em fim do ano de 1876:
“No decurso do ano de 1868, organizei algumas sessões em minha casa, com muitos de meus amigos. Obtínhamos os resultados ordinários: pancadas, deslocamentos e elevação da mesa, etc. Desejoso de estudar esses fenômenos de maneira mais aprofundada, resolvi então organizar uma série de sessões nas quais tomavam parte os meus amigos, bem como médiuns profissionais. Essas experiências realizavam-se em diversos aposentos e em condições variadas. Eu estava intimamente convencido de que os resultados obtidos eram independentes de toda intervenção direta por parte do médium, que não conseguiu exercer influência alguma, quer sobre o gênero das manifestações, quer sobre as condições, elétricas ou outras, necessárias para sua produção; entretanto, eu não tinha uma fé absoluta em seu caráter sobrenatural e compreendia que me seria impossível admitir uma idéia definitiva quanto à participação do médium enquanto não tivesse obtido resultados idênticos sem o concurso de um médium profissional, em condições que excluem toda possibilidade de fraude. Uma ocasião favorável se apresentou dois anos depois, em 1870.
Eu estava então à beira-mar, em Lowestoft, com minha mulher, uma jovem senhora nossa amiga e um senhor de idade, nosso amigo íntimo. Todas essas pessoas, e mais particularmente minha mulher, eram incrédulas e lançavam o ridículo sobre o Espiritismo. Decidimos entretanto tentar a experiência, por curiosidade.
Estávamos instalados no salão, no primeiro andar; eu tinha guardado a chave na algibeira. Apagamos o gás, porém a Lua, que era cheia, lançava através da janela uma luz suficientemente intensa para permitir-nos ver tudo quanto se achava no aposento. A mesa, de nogueira, era de forma retangular, alongada e de peso considerável. Para ser breve, designarei meu amigo com a inicial F. e a jovem senhora sob a inicial A.”
Segue-se a descrição de muitas sessões no decurso das quais se produziram diversos fenômenos de ordem física, tais como: deslocamento de objetos, toques, aparição de luzes e de fantasmas, transporte de flores; o êxito deste último fenômeno nos sugeriu a idéia de tentar obter o transporte de um objeto determinado, que tivesse sido deixado em nosso domicílio.
F. pede que lhe seja trazida uma coisa qualquer de sua casa. Imediatamente sente-se sacudido em todos os sentidos, cai em transe, e então, em cima da mesa, diante dele, descobre-se uma fotografia. Minha mulher apanhou-a e lha mostrou, cerca de quinze minutos depois, quando ele voltou a si. Tendo divisado a imagem, ele a apertou no bolso e disse, com lágrimas nos olhos: “Nunca em minha vida o teria desejado!”
Essa fotografia era a única prova do retrato de uma jovem da qual ele tinha sido noivo outrora. Achava-se em um álbum que estava encerrado em uma caixa, com uma fechadura dupla, em seu aposento, em Londres. De volta à cidade, verificamos o seu desaparecimento, e a mulher do Sr. F., que não sabia que fazíamos sessões de Espiritismo, nos referiu que durante nossa ausência se tinha dado um estalido terrível, em conseqüência do qual todas as pessoas tinham acudido para saber a causa.” (Light, 1883, pág. 30).
Esse mesmo caso é reproduzido no Jornal da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, de Londres, completo, com muitos pormenores interessantes (1891, t. XIX, pág. 191).
Eis outro caso mui curioso: agulhas de madeira transportadas à distância de 20 milhas. Tiro-o igualmente do Light (1883, pág. 117):
“Não há muito tempo, fui testemunha do transporte de um objeto à distância de mais de 20 milhas inglesas, por meios desconhecidos dos homens. Serei breve, tanto quanto possível, mas é preciso que diga, previamente, algumas palavras acerca do nosso círculo. Ele se compunha de seis pessoas ao todo, cinco das quais eram antigos espíritas experimentados e o sexto um prosélito de data recente, antigo adepto da escola wesleyana e que tinha propagado ardentemente os princípios dos metodistas e combatido o Espiritismo. Ele tinha abandonado aquela seita e tornara-se pouco a pouco, com surpresa própria, um excelente médium de transe.
Quinze dias antes dessa notável sessão, um de meus amigos, a quem designarei com a inicial H. tinha ido a Iorque para passar as férias conosco (ele era mestre escola). Fazia parte de nosso círculo. Na última sessão, o Sr. H. teve a lembrança de propor aos nossos interlocutores invisíveis que nos levassem a Iorque, depois do seu regresso a casa, um objeto qualquer que se achasse em seu aposento. A resposta foi “Experimentaremos”. Nas duas sessões seguintes, que se realizaram na ausência do Sr. H., não se deu manifestação alguma, coisa inteiramente insólita; porém, na terceira sessão, depois de uma espera que durou de 8 horas a 8 horas e meia, duas agulhas de fazer tricô, do comprimento de um pé, caíram no chão precisamente atrás de mim. Durante essa sessão, a luz era um pouco fraca.
O médium, por cuja intervenção esse fenômeno se produziu, é uma senhora de reputação irrepreensível, acima de toda suspeita e completamente desinteressada, não recebendo um “penny” de gratificação pelas sessões que dava. Durante a experiência em questão, ela caiu em transe, achando-se exatamente defronte de mim. Quando as agulhas caíram, ela pronunciou as palavras seguintes, ou mais ou menos: “As agulhas que trouxemos foram tiradas da caixa que está no vestíbulo do Sr. H. Em cima da tampa havia muitos púcaros de doces; tiramos as agulhas com alguma dificuldade. Durante o dia, o Sr. H. passeou pela encosta das colinas, colhendo bagas, etc.”
Escrevi imediatamente a meu amigo para lhe dar parte do que se tinha passado, e ele me respondeu imediatamente, confirmando todos os pormenores acima relatados. Às 8 horas e meia, no momento em que as agulhas nos tinham sido trazidas, ele e sua mulher estavam prestes a deitar-se. Logo que entraram no quarto de dormir, a Sra. H. ouviu ruído no vestíbulo, mas não lhe deu maior importância, porque esse ruído não se repetiu. Foi provavelmente naquele momento que as agulhas foram tiradas da caixa; elas caíram atrás de minhas costas, justamente na hora correspondente. Aceite, etc.
A. R. Wilson,
20, Orchard Street, Iorque, a 27 de fevereiro de 1883.
“P. S. – O Sr. H. foi a Iorque e reconheceu as agulhas como suas.”
Transporte de uma madeixa de cabelos, por uma
força desconhecida, de Portsmouth a Londres
Um eclesiástico, habitante de Portsmouth, comunicou à redação daquele jornal o fato seguinte:
“Cerca de 10 horas da noite, uma jovem senhora, dotada de faculdades mediúnicas, caiu em transe, em uma sessão organizada em um círculo íntimo, e falou em nome de “Samuel”, a mesma personalidade que se manifestava ordinariamente por seu intermédio, assim como por intervenção de outro médium, o Dr. Monck, que nessa época era hóspede do Sr. F., em Londres. Depois de ter conversado por alguns instantes com os membros do círculo, Samuel pediu tesoura, para cortar uma madeixa dos cabelos da médium, desejando levá-las a seu outro médium, o Sr. Monck. A essas palavras, ele nos deixou, mas a sessão continuou, e com êxito.
No final da sessão, Samuel apareceu de novo, alegre e com ar satisfeito; a menina indiana Daisy, que falava então pela médium, disse-nos que Samuel era notavelmente destro e que com efeito havia desempenhado sua incumbência, que não tínhamos querido levar a sério.
No dia seguinte, cerca de 2 horas da tarde, recebíamos uma carta do Sr. F., que nos escrevia, com grande surpresa nossa:
“Nessa noite, enquanto eu conversava com Monck acerca de diversos assuntos, Samuel apresentou-se subitamente e disse-me: “É a ocasião em que devo dirigir-me a Portsmouth.” Duas horas depois, à vista de todos os assistentes, uma força invisível apoderou-se da mão do médium e, enquanto ele continuava a conversar conosco, sem ao menos olhar para o papel, escreveu: “Boa noite. Venho diretamente da casa da Sra. X., em Portsmouth. Como prova, eis uma madeixa de seus cabelos que cortei e que dou a meu médium aqui presente. Participa-o a seu pai e manda-lhe estes cabelos. Vede-os. – Samuel.” Olhamos para Monck e divisamos, no ângulo sudeste do aposento, uma madeixa de cabelos que se dirigiu para sua cabeça e caiu no chão, donde a levantei. Devo acrescentar que tudo isso se passou não em uma sessão regular, porém de maneira inteiramente inesperada, à plena luz do gás.”
Finalmente, para o objetivo que viso neste capítulo, é indiferente que o objeto seja trazido de um lugar mais ou menos distante; o essencial é provar que o fenômeno conhecido no Espiritismo sob o nome de penetração da matéria é real e que desafia toda explicação “natural”.
É inútil insistir mais em provar que fenômenos tais como a produção de nós em um cordão sem fim, o desaparecimento e o reaparecimento de uma mesa de centro – como é descrito pelo professor Zöllner – não são fenômenos “naturais”, no sentido que o Sr. Hartmann empresta a esta palavra; é preciso supor que o Sr. Zöllner tem razões muito fortes para julgar-se coagido a admitir, para explicar esses fatos, não só a hipótese de uma quarta dimensão, mas ainda a da existência de seres que reinam nesse espaço.
Entre os fatos mais bem averiguados desse gênero, mencionarei o seguinte, verificado pelo Sr. Crookes:
“A Srta. Fox tinha prometido fazer uma sessão em minha casa, em uma noite da primavera do ano passado. Enquanto eu a esperava, meus dois filhos mais velhos achavam-se, em companhia de uma de nossas parentas, na sala de jantar, onde sempre se realizavam as sessões; quanto a mim, achava-me em meu gabinete de trabalho, ocupado em escrever. Ouvindo o rodar de um cabriolé que parou defronte da casa, depois um toque de campainha, fui abrir a porta e imediatamente conduzi a Srta. Fox à sala de jantar, porque ela me disse que não se demoraria por muito tempo e preferiria não subir; colocou o chapéu e o xale em cima de uma cadeira. Ordenei a meus filhos que fossem estudar suas lições em meu gabinete de trabalho, fechei a porta e guardei a chave na algibeira, como costumava fazer durante as sessões.
Sentamo-nos; a Srta. Fox tomou lugar à minha direita e a outra senhora à minha esquerda. Imediatamente recebemos a ordem, por meio do alfabeto, de apagar o gás, e ficamos em completa escuridão, durante a qual conservei as mãos da Srta. Fox em uma das minhas. Em pouco tempo recebemos a comunicação seguinte: “Vamos produzir uma manifestação que te fará conhecer o nosso poder.” Quase ao mesmo tempo todos ouvimos o tilintar de uma campainha, não em um só lugar, mas em diversos pontos do aposento, ora perto da parede, ora em um canto afastado; umas vezes a campainha vinha bater em minha cabeça; outras vezes batia de encontro ao soalho. Depois de ter soado durante mais de cinco minutos, ela caiu em cima da mesa, perto de minhas mãos.
Durante todo esse tempo, ninguém se moveu e as mãos da jovem Fox ficaram perfeitamente imóveis. Fiz notar que não podia ser minha pequena campainha, pois que eu a tinha deixado na biblioteca (pouco tempo antes da chegada da jovem Fox, eu tinha necessitado de um livro que estava em um canto da estante; a campainha estava em cima do livro e, para tirá-lo, eu a pusera de lado. Graças a essa pequena circunstância, estava seguro de que a campainha se achava realmente na biblioteca). O gás ardia à plena chama no quarto contíguo e teria sido impossível abrir a porta sem iluminar o aposento em que estávamos – admitindo-se que a médium tivesse um compadre que possuísse outra chave, que certamente não havia.
Acendi uma vela e vi, diante de mim, em cima da mesa, a minha campainha. Fui diretamente à biblioteca e vi logo que ela não estava no lugar em que eu a deixara. Perguntei a meu filho mais velho:
– Sabes onde está minha campainha?
– Sim, papá, ela está ali – respondeu ele, indicando o lugar onde ela deveria achar-se.
Depois de ter olhado, ele acrescentou:
– Não, não está mais ali, mas há pouco estava.
– Por conseguinte, entrou alguém no quarto?
– Não, ninguém entrou aqui; mas estou certo de que a campainha estava ali: quando nos disseste que saíssemos da sala de jantar para vir aqui, J. (o mais moço de meus filhos) começou a tocá-la com tal força, que eu não pude trabalhar e pedi-lhe que deixasse de tocar.
J. confirmou o que seu irmão dizia e acrescentou que, depois de ter tocado a campainha, colocara-a no mesmo lugar.” (Crookes – Pesquisas, pág. 171, edição francesa).
Para outros casos, verificados pelo Prof. Crookes, vejam-se suas experiências com a Srta. Fay, publicadas no Spiritualist, 1875, tomo I, página 126.
Em todos os casos mencionados, o transporte do objeto foi mais ou menos inesperado; citarei dois deles em que a experiência foi preparada previamente.
A Sra. Thayer, médium muito conhecida na América, tinha por especialidade provocar o fenômeno do transporte de flores ou de outros objetos. O Coronel Olcott ocupou-se do assunto mui particularmente, submetendo-a às provas mais variadas e tomando a cautela de rodear-se de todas as precauções possíveis. Escolho a experiência seguinte, relatada no Light de 1881, na página 416.
Achando-se em certa tarde no cemitério de Forest Hill, teve a lembrança de fazer uma experiência que ele relata nesses termos:
“Passando por defronte da estufa, notei uma planta rara, de folhas longas, estreitas, brancas ou de cor verde desmaiada. Era a Dracaena Regina. Tracei em uma das folhas, com lápis azul, um sinal cabalístico: dois triângulos entrelaçados, e pedi aos agentes ocultos que me levassem aquela folha no dia seguinte, de noite, à sessão. Coloquei-me propositadamente à direita da Sra. Thayer; tomei suas mãos e segurei-as com força. Subitamente, senti um objeto frio e úmido sobre as mãos. Acendeu-se a vela e vi que era a folha que eu tinha marcado. Fui à estufa e verifiquei que a folha em questão tinha sido efetivamente arrancada.” (Comunicação do Coronel Olcott no New York Sun, 18 de agosto de 1875).
A experiência seguinte, feita pelo Sr. Robert Cooper – muito conhecido dos espíritas por suas pesquisas e observações conscienciosas –, pode ser considerada como prova absoluta do fenômeno:
“Eu assistia freqüentemente às sessões da Sra. Thayer e estava no caso de assegurar-me da autenticidade dos fenômenos que ali se davam. Certo dia me veio a lembrança de que se os agentes invisíveis podiam levar flores a um aposento fechado, poderiam, do mesmo modo, fazê-las penetrar em um cofre fechado; falei nisso à Sra. Thayer. Ela me respondeu que não podia garantir o êxito de semelhante experiência, mas que se prestaria a fazê-la com prazer.
Conseguintemente, fiz aquisição de uma simples caixa de enfardamento, solidamente fabricada, medindo 1 pé em todos os sentidos. Com o fim de ver o interior da caixa, sem abri-la, encaixei na tampa um pedaço de vidro quadrado, preso na parede interna, de maneira que, fechada a caixa, não havia possibilidade alguma de retirá-lo. Cerca de doze pessoas deviam assistir a essa sessão, a primeira que foi feita nesse gênero, se não me engano. Quando os assistentes acabaram de examinar o cofre, fechei-o por meio de um cadeado privilegiado, que obtivera para essa ocasião e cuja chave guardei durante todo o tempo. Além disso, colei uma tira de papel em torno da caixa e lacrei suas duas pontas. Na ocasião de apagar a luz, a Sra. Thayer disse-nos que tinha deixado em casa o lenço com o qual se habituara a cobrir a cabeça durante as sessões, para premunir-se contra a ação das influências elétricas, como dizia. Um dos assistentes tirou da bolsa de viagem um maço de guardanapos chineses de papel e ofereceu-lhe um deles. A Sra. Thayer respondeu que não poderia servir-se dele, porque não era de seda, e o guardanapo ficou em cima da mesa.
Em seguida, apagou-se a luz e entoamos canções. Pouco depois, foi-nos dada a ordem de olhar para a caixa, e distinguimos, através do vidro, alguma coisa que nos parecia serem flores; abriu-se a caixa; ali estava o guardanapo que tínhamos deixado em cima da mesa; foi o desenho que havíamos julgado flores.
Esse êxito nos animou a tentar uma nova experiência. Oito dias depois, reunimo-nos em número de oito. Entre os assistentes achava-se o General Robert, diretor do jornal Mind and Matter (Espírito e Matéria). A caixa foi fechada da mesma maneira que na sessão precedente e todos os assistentes puderam assegurar-se de que ela não continha mais do que o guardanapo chinês que ali fora introduzido na última experiência. Depois de ter apagado a luz, pusemo-nos a cantar, e dez minutos depois pancadas precipitadas e violentas soaram na caixa. Perguntei: “É preciso continuar a cantar?” Em resposta, três pancadas soaram. Por conseguinte, prosseguimos em nossas canções. Em breve sentimos percorrer o aposento um sopro de frescor, que era tanto mais sensível, por isso que a noite era muito quente. Um violento estalido retumbou, como se a caixa tivesse sido quebrada em pedaços. Fez-se luz e pudemos verificar que a caixa estava em perfeito estado e que os selos tinham ficado intactos; na caixa, podíamos ver com perfeição muitas flores e alguns outros objetos, quais sejam: quatro lírios rajados, três rosas – branca, amarela e pálida –, uma espadana, uma fronde de samambaia, muitas outras flores miúdas, um número do Banner of Light e do Voice of Angels e, finalmente, uma fotografia do Sr. Colby.
As flores estavam tão frescas como se tivessem sido colhidas naquela região, e os jornais estavam dobrados como se fosse para serem vendidos. Depois da experiência com a caixa, ainda foi transportada uma quantidade de rosas papoula, a maior das quais prendemos nos cabelos da médium. Lavrou-se uma ata das duas sessões e todos os assistentes a assinaram. Não se poderia exigir testemunho mais comprobatório. O Coronel Olcott, achando-se naquela ocasião em Boston, externou o desejo de tomar parte em uma experiência com a caixa. Lacrou a tampa de um lado, com seu próprio selo. Depois de alguns minutos, a caixa estava cheia de flores até o meio, entre as quais se achava um retalho de fazenda de cerca de 1 jarda de comprimento. O coronel ficou completamente convencido.
Eastburne, 14 de novembro de 1881.
Robert Cooper.”
Há nessa experiência uma particularidade muito característica: o “estalido” que se fez ouvir no momento do transporte das flores, lembrando o que acompanhava a obtenção da fotografia de uma caixa fechada à chave (veja-se mais acima).
12
Materializações
Os fatos que vamos expor aqui constituem o complemento natural dos fenômenos expostos acima; esta categoria se impõe, por conseguinte, se bem que não quadre, na aparência, com os fenômenos de ordem intelectual. Dos casos citados mais acima, conclui-se evidentemente que a transmissão das comunicações e o transporte de objetos a distância devem ser atribuídos a uma mesma causa; que a força inteligente e a força que produz efeitos físicos não fazem mais do que uma, e que constituem um ser indivisível, independente, existindo fora do médium. Vamos demonstrar que essa dedução é inteiramente justificada pelo testemunho direto dos sentidos. O portador dessa força, que é ao mesmo tempo o agente que transporta o objeto material, aparece diante de nós sob a forma de um ser humano.
Sabe-se que toda materialização de uma forma humana importa em transporte de um objeto material – da roupa com que ele está vestido.
Se o transporte dessa roupa é um fato incontestável, convém chegar, logicamente, à conclusão de que o ato do transporte foi efetuado pela forma humana misteriosa que ele envolve e é igualmente lógico admitir-se que análoga relação existe entre tal transporte e essa individualidade, nos casos em que o agente fica invisível. A afirmação positiva desse agente, de que o fenômeno deve, em um e outro caso, lhe ser atribuído, adquire a autoridade de uma demonstração ad oculos. À medida que subimos a escala dos fenômenos classificados sob essas doze categorias, as declarações do agente invisível, que afirma sua individualidade independente, adquirem mais força e nos coagem cada vez mais a pronunciar-nos em favor de uma hipótese que parece tão simples quão racional.
Quanto ao fato em si, da aparição inexplicável de roupas nas sessões de materialização, ele foi escrupulosamente verificado e certificado pelos mais seguros testemunhos. Em muitos casos o médium foi completamente despido, tiravam-se-lhe até os sapatos e faziam-no vestir roupa fornecida pelos experimentadores, roupa branca e outras. Para pormenores precisos, envio o leitor às publicações seguintes: o resumo do Sr. Barkas no Médium (1875, pág. 266) e no Spiritualist (1868, tomo I, pág. 192); o do Sr. Adshead no Médium de 1877 (pág. 186), e mui particularmente a narração das experiências do Sr. Massey com um médium privado, no Spiritualist de 1878, tomo II, página 294.
Mas voltemos ao Sr. Hartmann, que não encontra, nos fenômenos de materialização, motivo algum para admitir a existência de um agente extramediúnico. Examinemos seus argumentos. Foi-lhe bastante, para cortar a dificuldade, fazer correrem os fenômenos de materialização, e tudo quanto a ela se refere, por conta de alucinações. Mas, semelhante teoria não deixa de ser atacável; a questão das materializações não pode ser separada da questão da vestimenta. No caso em que a forma aparece e desaparece com as vestimentas, a hipótese da alucinação parece triunfar. Mas, por infelicidade, deram-se casos em que fragmentos da roupa ficaram em mãos dos assistentes; o Sr. Hartmann não pôde desconhecer isso. É um “transporte”, diz ele. Mas que vem a ser um transporte? É o que ele não explica. Uma metade do fenômeno fica, por conseguinte, sempre sem explicação. Por esse silêncio, o Sr. Hartmann reconhece que uma parte do fenômeno, pelo menos, não se presta às suas explicações, que ele qualifica de “naturais”. Quod erat demonstrandum. Assim, sendo a sua teoria alucinatória impotente para explicar o conjunto do fenômeno, fica provado que é insuficiente, e é inútil voltar a ela.
Mas o Sr. Hartmann reservou-se uma réplica para a eventualidade em que sua teoria da alucinação fosse reconhecida insustentável. Ele diz:
“Admitindo-se mesmo que os espíritas tenham razão quando pretendem que o médium pode desprender uma parte de sua matéria orgânica para formar com ela um fantasma, de materialidade tênue a princípio, mas aumentando gradualmente de densidade, não seria menos verdade que não só a matéria total dessa aparição real, objetiva, teria sido tomada ao organismo do médium, mas ainda que a forma dessa aparição teria sido concebida na fantasia sonambúlica do médium e que os efeitos dinâmicos que ela produz teriam sua origem na força nervosa do médium; o fantasma não seria mais, e mais não faria do que o que lhe tivesse ditado a fantasia sonambúlica do médium, que realizaria tudo isso por meio das forças e da matéria tomadas ao organismo do médium.” (Espiritismo, pág. 105).
Não há lugar, como se acaba de ver, para o sobrenatural, nem mesmo motivo algum para aceitá-lo. Quanto à questão da vestimenta, oferece sempre a mesma dificuldade e encontra o mesmo silêncio; por conseguinte, o nosso argumento fica de pé.
Mas, desde o momento em que o Sr. Hartmann não se opõe à hipótese segundo a qual a forma materializada é um corpo real, objetivo, importa examinar se esse fenômeno pode ser qualificado de natural, desde que o encaremos da mesma maneira que o faz o Sr. Hartmann.
Quais são em primeiro lugar os atributos desse fenômeno, tomando-o tal qual é conhecido pelos observadores, mas do qual os leitores do Sr. Hartmann só devem ter noções muito vagas? Uma forma materializada apresenta, para a vista, um corpo humano completo, com todas as particularidades de sua estrutura anatômica; assemelha-se, às vezes, mais ou menos, ao médium; outras vezes lhe é completamente dessemelhante, mesmo quanto ao sexo e idade; é um corpo animado, dotado de uma inteligência e de uma vontade, senhor de seus movimentos, um corpo que vê e fala como um homem vivo, que é de certa densidade, de certo peso. Esse corpo se forma, quando as condições são favoráveis, no espaço de alguns minutos; está sempre vestido com uma roupa que é, como o declara o próprio fantasma, de proveniência terrestre, quer “transportado” de maneira inexplicável, quer materializado durante a sessão (e o fantasma prova-o, materializando-se com a vestimenta perante os assistentes); esse fantasma, assim vestido, tem a faculdade de desaparecer instantaneamente, à vista mesmo das pessoas presentes, como se passasse através do soalho ou desaparecesse no espaço, e de fazer seu reaparecimento no decurso da sessão. Uma parte desse corpo materializado pode mesmo adquirir uma existência permanente: sucedeu, por exemplo, que madeixas de cabelos cortadas desses fantasmas tivessem sido conservadas, como o provam as experiências do Sr. Crookes, que cortou uma trança da cabeça de Katie King, depois de ter passado a mão até à epiderme para assegurar-se de que os cabelos estavam realmente implantados ali.
São maravilhas muito difíceis de aceitar! É nem mais nem menos do que a criação temporária de um corpo humano, de modo contrário a todas as leis fisiológicas. É uma manifestação morfológica da vida individual consciente, tão misteriosa quão manifesta! E o Sr. Hartmann é de opinião que tal fenômeno nada apresenta que não seja muito natural: seria simplesmente a obra da “fantasia sonambúlica” do médium! Mas, poder-se-ia perguntar, e nos casos em que a materialização se produz, mesmo sem que o médium esteja em estado de transe, há pois nesse caso duas consciências, duas vontades, dois corpos que agem simultaneamente? É sempre a “fantasia sonambúlica” que continua a produzir esses efeitos maravilhosos? E quando duas ou três formas materializadas aparecem ao mesmo tempo, convém atribuí-las sempre a essa fantasia sonambúlica, atribuindo-lhe a faculdade de multiplicar os corpos e as consciências? Há ainda, porém, outra particularidade que não é inútil pôr em evidência: é que o Sr. Hartmann não reconhece em nós a existência de uma entidade psíquica independente, de um agente transcendente, como princípio individual organizador; ele não vê necessidade alguma de admitir um “metaorganismo”, um corpo astral ou psíquico, como substratum do corpo físico. Nada de tudo isso; a consciência sonambúlica que opera, segundo o Sr. Hartmann, todos os prodígios do mediunismo nada mais é do que função das partes médias do cérebro, dos centros subcorticais. Os fenômenos de materialização não passam, por conseguinte, de um efeito da atividade inconsciente do cérebro do médium, e principalmente da parte onde se assenta a consciência sonambúlica!
É aceitar ou deixar. Nesse ponto de vista a referência que o Sr. Hartmann faz ao artigo do Dr. Janisch, publicado no Psychische Studien (1880), adquire um interesse todo particular. Ele continua assim o argumento citado mais acima, no qual parte da suposição de que o médium desprende, efetivamente, uma parte de sua matéria orgânica:
Mesmo nesse caso, não haveria motivo algum para procurar uma causa qualquer fora do médium, como foi peremptoriamente e longamente demonstrado pelo Sr. Janisch em seu artigo Pensamentos sobre a Materialização dos Espíritos, publicado no Psychische Studien de 1880.”
Poder-se-ia acreditar que o Sr. Hartmann e o Sr. Janisch estão perfeitamente de acordo. Com grande surpresa nossa, notamos que o Sr. Janisch admite a existência individual, independente, da alma, sua preexistência, que ele considera nosso corpo como sua primeira encarnação ou “materialização”. Diz ele:
“A alma pode, entretanto, em razão de uma necessidade que lhe é própria, ou mesmo fora dessa necessidade, por uma aberração de seus apetites naturais, ser levada a continuar a materializar-se mesmo durante sua existência terrestre... E aí está precisamente o que constitui o fenômeno mediúnico da materialização... E também o motivo pelo qual a forma materializada se assemelha ao médium.[36] O grau seguinte, na ordem do desenvolvimento, seria aquele em que a alma criasse para si um segundo corpo que só apresentasse os vestígios gerais do seu protótipo, o homem, mas lhe fosse completamente dessemelhante pelas particularidades.” (Psychische Studien, 1880, pág. 209).
“As diversas formas materializadas podem bem ser puras imagens da fantasia, isto é, de origem subjetiva; mas a impulsão produtora pode provir de fonte objetiva, pois que a possibilidade de comunicar com o mundo dos Espíritos é um fato demonstrado. Por conseguinte, pode suceder que, por intermédio de uma das pessoas presentes, o médium entre em relação com um morto que teve relações com aquela pessoa e, por uma sugestão por parte desse morto, poderá representar a si mesmo a forma que esse morto revestia na Terra, e materializar-se sob essa forma. Tais são os casos em que um dos assistentes reconhece uma pessoa que tinha conhecido.” (Ibidem, pág. 211).
Podemos aceitar, depois dessas citações, que o Sr. Janisch tivesse “peremptoriamente e longamente demonstrado que não há motivo algum para se procurar uma causa qualquer fora do médium”?
A que conclusão chegamos, por conseguinte, no fim deste capítulo?
Parece-me que após haver eu reconhecido todas as regras metodológicas indicadas pelo Sr. Hartmann em seu livro O Espiritismo e recapituladas nos sete parágrafos de seu Epílogo, depois de haver, por assim dizer, passado grande parte dos fenômenos mediúnicos através dos sete crivos que representam os graus da escala metodológica, ficam sempre ainda grãos volumosos que não passaram. Esses grãos foram por mim reunidos no presente capítulo; eles constituem, parece-me, uma série de fatos tais, que é permitido, apoiando-se neles, falar nos limites além dos quais todas essas explicações se detêm, impotentes, e coagem-nos a recorrer a outras hipóteses.
Se o Espiritismo só oferecesse fenômenos físicos e materializações sem conteúdo intelectual, logicamente teríamos que atribuí-los a “um desenvolvimento especial das faculdades do organismo humano”; e até o fenômeno mais difícil de classificar – a penetração da matéria – seríamos coagidos a referi-lo, em virtude desse mesmo raciocínio, ao poder mágico que nossa vontade, em estado de superexcitação excepcional, exerce sobre a matéria.
Mas dando-se o caso de os fenômenos físicos do mediunismo serem inseparáveis de seus fenômenos intelectuais, e de nos obrigarem estes últimos, pela força dessa mesma lógica, a reconhecermos, para certos casos, a existência de um terceiro agente, fora do médium, é natural, lógico, procurar igualmente nesse terceiro agente a causa de certos fenômenos físicos de ordem excepcional. Existindo esse terceiro fato, é evidente que se acha fora das condições de tempo e de espaço que nos são conhecidas, que pertence a uma esfera de existência supraterrestre; podemos por conseguinte supor, sem pecar contra a lógica, que esse terceiro fator possui sobre a matéria um poder de que o homem não dispõe.
Eis pois a resposta que pode ser dada à pergunta feita no começo deste capítulo: No ápice da imensa pirâmide que os fatos mediúnicos de qualquer categoria apresentam, aparece um fator misterioso, que devemos procurar fora do médium. Qual é? Segundo seus atributos, devemos concluir que esse agente é um ser individual, humano.
Esta conclusão nos coloca diante de três alternativas: esse ser humano pode representar:
1º – um ser humano que vive na Terra; ou
2º – um ser humano que viveu na Terra; ou, antes,
3º – um ser humano extraterrestre, de uma espécie que desconhecemos.
Essas três suposições, às quais a nossa escolha fica adstrita, preenchem todas as soluções possíveis que imaginássemos; elas farão o objeto do capítulo seguinte e último.
A conclusão a que chegamos tem pelo menos essa vantagem: nos evita de recorrer à metafísica, ao “sobrenatural”, ao “Absoluto”; permanecendo nesta conclusão, julgamos ter-nos conservado mais fiéis às leis metodológicas impostas pelo Sr. Hartmann, do que o fez o próprio Sr. Hartmann, que se julgou coagido a infringi-las.
Capítulo IV
A hipótese dos Espíritos
1
Animismo – Ação extracorpórea do homem vivo,
como que formando a transição ao Espiritismo
Os fatos expostos no capítulo precedente parecem autorizar-nos a admitir para a explicação de certos fenômenos mediúnicos a intervenção de um agente extramediúnico. Podem imaginar-se três hipóteses para definir a natureza desse agente; deixamos de lado a terceira, que só tem valor no ponto de vista da possibilidade lógica, mas que não poderia ter cabimento aqui. Por conseguinte, só tomaremos em consideração as duas primeiras.
Examinando a primeira dessas hipóteses, não levaremos em conta fatos que podem testemunhar em favor da segunda; ensaiaremos prescindir deles, a fim de ver que conclusões seremos levados inevitavelmente a tirar de todos os fatos que precedem, observando, bem entendido, os princípios metodológicos indicados pelo Sr. Hartmann (isto é, não nos afastando das condições a que ele chama “naturais”).
Não apresentaremos definição alguma da própria natureza dos fenômenos, definição alguma pressupondo uma teoria, uma doutrina ou uma explicação qualquer; limitar-nos-emos a tirar dela conclusões gerais, que se imporiam a qualquer pesquisador de boa vontade que quisesse aceitar os fatos em questão como base de sua argumentação, como o fez o Sr. Hartmann.
O primeiro capítulo, que trata das materializações, nos forneceu todos os argumentos necessários para concluir-se que os fenômenos desse gênero não são alucinações, mas sim fatos reais, objetivos. Devemos, por conseguinte, admitir que o organismo do homem possui a faculdade, em certas condições, de criar à sua custa, e inconscientemente, formas plásticas, com maior ou menor semelhança com o corpo desse homem ou, de uma maneira geral, com uma forma humana qualquer e com diversos atributos de corporeidade (e o Sr. Hartmann também está pronto a admiti-lo, por pouco, que o fato da materialização seja demonstrado de uma maneira indiscutível) (pág. 105).
O segundo capítulo, no qual examinamos os efeitos físicos, obriga-nos a admitir – de acordo com o Sr. Hartmann – que o organismo humano tem a faculdade de produzir, em determinadas condições, efeitos físicos (principalmente o deslocamento de corpos inertes), fora dos limites de seu corpo (isto é, sem contato e independentemente do uso natural de seus membros), efeitos que não estão submetidos à sua vontade e a seu pensamento conscientes, mas que obedecem a uma vontade e a uma razão de que ele não tem consciência. O Sr. Hartmann atribui essa faculdade a uma força física, nervosa – questão que deixaremos por decidir.
O terceiro capítulo, que trata dos fenômenos intelectuais, conduz-nos a admitir, sempre de acordo com o Sr. Hartmann, que no organismo humano há uma consciência interior, que é dotada de uma vontade e de uma razão individuais, agindo independentemente da consciência exterior que conhecemos; que a ação dessa consciência interior não é adstrita aos limites de nosso corpo, que ela possui a faculdade de entrar em comunhão intelectual, passiva e ativa, com os seres humanos, quero dizer: que ela pode não somente receber (ou arrogar-se) as impressões que emanam da atividade inteligente de uma consciência estranha (quer interior, quer exterior), como ainda transmitir a essa última as suas próprias impressões, sem o auxílio dos sentidos corpóreos (transmissão de pensamentos); ainda mais, somos coagidos a admitir que essa consciência interior é dotada da faculdade de perceber as coisas presentes e passadas, no mundo físico como no mundo intelectual, e que esse dom de percepção não é limitado pelo tempo nem pelo espaço, e não depende de qualquer das fontes conhecidas de informações (clarividência). Eu já tinha formulado essas mesmas conclusões em minha crítica ao livro do Sr. d’Assier, publicada em 1884, no jornal Rebus, por conseguinte antes da publicação da obra do Sr. Hartmann sobre o Espiritismo. Em resumo, o estudo dos fenômenos mediúnicos nos força a aceitar as duas verdades seguintes, fazendo abstração de qualquer hipótese espírita:
1ª) Existe no homem uma consciência interior, na aparência independente da consciência exterior, e que é dotada de uma vontade e de uma inteligência que lhe são próprias, assim como de uma faculdade de percepção extraordinária; essa consciência interior não é conhecida da consciência exterior nem influenciada por ela; não é uma simples manifestação desta última, pois que essas duas consciências não agem sempre simultaneamente (segundo o Sr. Hartmann, é uma função das partes médias do cérebro; segundo a opinião de outras pessoas, é uma individualidade, um ser transcendente; deixaremos de lado essas definições; basta-nos dizer que a atividade psíquica do homem apresenta-se como dupla: atividade consciente e atividade inconsciente – exterior e interior – e que as faculdades desta última excedem muito às da primeira).
2ª) O organismo humano pode agir a distância, produzindo um efeito não somente intelectual ou físico, como ainda plástico, dependente, segundo todas as aparências, de uma função especial da consciência interior. Essa atividade extracorpórea é independente, conforme parece, da consciência exterior, pois essa última não tem conhecimento de tal atividade, não a dirige.
Quanto à hipótese de uma ação extracorpórea intelectual da consciência exterior, ela pode igualmente achar sua justificação nos fenômenos mediúnicos – incidentemente, diremos, pois que, desde muito tempo, ela se apóia em fatos que não os do Espiritismo: nas experiências de sonambulismo e nos fenômenos mais recentemente estudados da telepatia.
Já é um progresso muito apreciável e o devemos ao Espiritismo. O Sr. Hartmann acredita poder e dever admitir esses dois fatos, na convicção de que não deixa o terreno científico e de que permanece fiel a seus próprios princípios metodológicos. Conseguintemente, a própria Ciência, segundo tais princípios, deverá um dia reconhecer e proclamar essas grandes verdades! E a Ciência prossegue já nesse caminho, pois desde agora tende a reabilitar grande número de fatos proclamados, há cem anos, pelos magnetizadores; ocupa-se, já em atraso, do sonambulismo, da dupla consciência, da ação extracorpórea ou supra-sensorial do pensamento, etc. Ainda há bem poucos anos, tudo isso era apenas, aos olhos da Ciência, uma vergonhosa heresia. Agora chega a vez da clarividência, e ela bate já às portas do santuário...
Para maior brevidade, proponho designar pela palavra animismo todos os fenômenos intelectuais e físicos que deixam supor uma atividade extracorpórea ou a distância do organismo humano, e mais especialmente todos os fenômenos mediúnicos que podem ser explicados por uma ação que o homem vivo exerce além dos limites do corpo.[37]
Quanto ao que diz respeito à palavra espiritismo, ela será aplicada somente aos fenômenos que, após exame, não podem ser explicados por nenhuma das teorias precedentes e oferecem bases sérias para a admissão da hipótese de uma comunicação com os mortos. Se as asserções contidas nessa hipótese acham sua justificação, então o termo animismo será aplicado a uma categoria especial de fenômenos, produzidos pelo princípio anímico (considerado como ser independente, razoável e organizador) enquanto está ligado ao corpo; e neste caso a palavra espiritismo compreenderá todos os fenômenos que podem ser considerados como manifestação desse mesmo princípio, porém desprendido do corpo. Por mediunismo entenderemos todos os fenômenos compreendidos no animismo e no espiritismo, independentemente de uma ou de outra dessas hipóteses.
Nossa tese estabelece-se, pois, da maneira seguinte:
Há fundamento para recorrer à hipótese espírita com o fim de explicar os fenômenos mediúnicos?
Não poderão encontrar-se todos os elementos necessários para esta explicação na atividade inconsciente – intra e extracorpórea – do homem vivo?
Antes de responder a essa questão, cumpre-nos examinar com cuidado particular os efeitos da ação extracorpórea do homem vivo, pois que eles representam papel muito importante na questão que nos interessa. Este assunto é tão novo para as pessoas que não se ocuparam com questões espíritas, e foi tão desprezado pelos próprios espíritas, que eu julgo útil dar dele um resumo sucinto, classificando os fatos que a ele se referem em muitos grupos, e aí compreendendo mesmo fatos colhidos fora do domínio próprio do Espiritismo. É indispensável podermos orientar-nos sem dificuldade nessa ordem de fenômenos se quisermos adquirir uma idéia clara do assunto e chegar às conclusões que se impõem logicamente como resposta à pergunta que acabamos de estabelecer.
A divisão seguinte dos fenômenos do animismo, em quatro categorias, parece-me suficiente para o objetivo que me proponho. Estes quatro grupos são:
a) ação extracorpórea do homem vivo, comportando efeitos psíquicos (fenômenos da telepatia – impressões transmitidas a distância);
b) ação extracorpórea do homem vivo, comportando efeitos físicos (fenômenos telecinéticos – transmissão de movimento a distância);
c) ação extracorpórea do homem vivo, sob forma de aparecimento de sua imagem (fenômenos telefânicos – aparecimento de duplos);
d) ação extracorpórea do homem vivo, manifestando-se sob forma de aparecimento de sua imagem com certos atributos de corporeidade (fenômenos teleplásticos – formação de corpos materializados).
Sendo o assunto que abordamos muito vasto, limitar-me-ei a citar alguns exemplos referentes a cada um desses quatro grupos, e a dar algumas indicações quanto às fontes, sem deter-me nas particularidades, com receio de dar dimensões exageradas a esta obra.
A – Ação extracorpórea do homem vivo, comportando efeitos psíquicos (fenômenos da telepatia – transmissão de impressões a distância)
Como exemplo típico das manifestações deste gênero, citarei o caso seguinte, que tenho de primeira mão, de uma amiga minha, a jovem Barbe Pribitkoff. Reproduzo o seu testemunho tal qual ela o escreveu:
“Em 1860, eu passava o verão na aldeia de Belaya-Kolp (perto de Moscou), que é propriedade do Príncipe Schahovskoy. A sua sogra, a Princesa Sofia Schahovskoy, tinha adquirido o hábito de tratar pela homeopatia os doentes dos arredores.
Certo dia, levaram-lhe uma menina doente. Indecisa quanto ao remédio que lhe devia administrar, a princesa teve a idéia de pedir, por meio da mesa, um conselho ao Dr. Hahnemann. Eu protestei energicamente contra a idéia de tratar um doente segundo as indicações de um ser que não se poderia identificar. Insistiu-se e, apesar de minha oposição, conseguiram instalar-me diante da mesa, com a jovem Kovaleff, pupila da Princesa Schahovskoy.[38]
A despeito dessa oposição interior – pois que eu me abstinha de estendê-la até à atividade das mãos –, o pé da mesa soletrou, por meio de pancadas, o nome de Hahnemann, o que me contrariou muito, e fiz votos íntimos para que ele recusasse formular um conselho. E justamente a frase ditada foi que ele não podia dar conselho. A princesa contrariou-se por sua vez; atribuiu essa recusa à minha oposição e afastou-me da mesa. Não posso dizer se quem me substituiu foi a própria princesa ou outra pessoa. Sentei-me perto da janela, a alguns passos da mesa, e esforcei-me, por uma concentração de toda a minha vontade, em fazer reproduzir pela mesa uma frase que formulei mentalmente. Então a princesa perguntou:
– Por que motivo Hahnemann não podia dar conselho?
A resposta foi (em francês):
– Porque eu me tornei um insensato em questões de Medicina, desde o dia em que inventei a homeopatia.
Ditei esta frase fazendo apelo a toda a minha força de vontade e concentrando o pensamento sucessivamente sobre cada uma das letras que deviam vir. Estou bem lembrada de que nenhum erro foi cometido durante a transmissão desta frase. Apenas terminado o ditado, eu senti uma violenta dor de cabeça.”
Aqui temos a prova positiva de que uma das formas mais freqüentes das manifestações intelectuais do Espiritismo – por meio da mesa – pode ser resultado do esforço intelectual (isto é: a distância) de uma pessoa viva; o efeito produzido emana da consciência exterior, agindo livremente e nas condições normais, ao passo que, como regra, as manifestações desse gênero são devidas à ação da consciência interior e não chegam ao conhecimento da consciência exterior.
Citarei agora muitos casos de comunicações feitas por pessoas vivas durante o sono. Para começar, eis um fato que tenho igualmente de primeira mão: do nosso escritor bem conhecido Wsevolod Solovioff, que mo deu por escrito:
“Era no começo do ano de 1882. Eu me ocupava, nessa época, com experiências de Espiritismo e de magnetismo, e desde algum tempo experimentava um estranho impulso que me levava a tomar um lápis com a mão esquerda e a escrever; e, invariavelmente, a escrita fazia-se mui rapidamente e com muita clareza, em sentido inverso: da direita para a esquerda, de maneira que só se podia lê-la colocando-a diante de um espelho ou contra a luz.
Certa noite em que eu me tinha demorado em uma conversação com amigos, senti de novo, às 2 horas da manhã, esse desejo irresistível de escrever. Tomei o lápis e pedi a uma pessoa de minha amizade, a Sra. P., que o segurasse ao mesmo tempo; pusemo-nos assim a escrever simultaneamente. A primeira palavra foi: Vera. A nossa pergunta: “Que Vera?”, obtivemos por escrito o nome de família de uma jovem minha parenta, com cuja família eu tinha reatado relações recentemente, depois de uma interrupção muito prolongada. Surpreendemo-nos, e para ficarmos bem certos de que não nos enganamos, perguntamos: “É realmente Vera M.?” Recebemos esta resposta: “Sim. Durmo, mas estou aqui, e vim para dizer-vos que nos veremos amanhã no Passeio de Verão.” Então deixei o lápis e em seguida nos separamos.
No dia seguinte, cerca de 1 hora, recebi a visita do poeta Maïkoff; às 2 horas e meia ele se despediu; ofereci-me para acompanhá-lo e saímos juntos, recomeçando a conversação interrompida. Eu o seguia maquinalmente. Morava naquela ocasião na esquina das ruas Spasskaïa e Znamenskaïa. Ao passar pela rua Pantelemonskaïa, nas proximidades da ponte das Prisões, meu companheiro notou a hora e observou que não tinha tempo a perder e que seria obrigado a tomar um carro de aluguel. Separamo-nos, e entrei sem a mínima demora pelas portas do Passeio de Verão (ao lado da ponte das Prisões). Nunca, durante o inverno, tinha passeado nesse parque. Convém dizer, também, que eu não pensava mais no que se tinha passado na véspera, em nossa sessão espírita. Julgai de minha surpresa, quando, apenas transposto em alguns passos a grade do Passeio de Verão, eu me achei face a face com a jovem Vera M., que passeava com a sua dama de companhia. Ao ver-me, a jovem Vera M. perturbou-se visivelmente, tanto quanto eu mesmo, aliás, pois que a nossa sessão da véspera me voltou subitamente ao espírito. Trocamos um aperto de mão e nos deixamos sem dizer palavra.
Na noite desse mesmo dia, fui visitar a sua família, e a mãe de Vera, depois das primeiras palavras de felicitações, começou a queixar-se da imaginação fantástica da filha; contou-me que esta, ao voltar de seu giro do Passeio de Verão, naquele mesmo dia, havia manifestado um estado extraordinário de excitação, que tinha falado muito de seu encontro comigo, como de um milagre; que ela tinha contado ter vindo a minha casa em sonho e ter-me anunciado que nos encontraríamos no Passeio de Verão, às 3 horas.
Alguns dias depois, deu-se um fato semelhante e nas mesmas condições: na sessão, minha mão escreveu o nome de Vera, e em seguida nos foi anunciado que ela passaria por nossa casa no dia seguinte às 2 horas. Efetivamente, à hora indicada, ela se apresentava em nossa casa, com a sua mãe, para fazer-nos uma visita. Esses fatos não se renovaram mais.”
Casos análogos são muito abundantes na literatura espírita; assim lemos em um artigo de Max Perty, sob o título Novas experiências no domínio dos fatos místicos:
“A 20 de julho de 1858, uma moça. Sofia Swoboda, achava-se com a sua família à mesa, tomando um ponche, para festejar uma solenidade de família; ela estava de humor calmo e contente, se bem que um pouco fatigada dos trabalhos do dia. Bruscamente se lembrou de não ter desempenhado a sua tarefa, a tradução de um texto francês para o alemão, e que deveria estar pronto para o dia seguinte pela manhã. Que fazer? Era mito tarde para entregar-se ao trabalho: cerca de 11 horas; ela estava, além disso, muito fatigada.
Nessa preocupação, a jovem Swoboda deixou os companheiros e isolou-se no quarto vizinho, pensando em sua incômoda distração, que ela lamentava tanto mais quanto era certo que votava estima particular à sua mestra. Mas eis que, sem aperceber-se, e até sem experimentar surpresa alguma, Sofia persuade-se achar-se em presença da Sra. W., a mestra em questão; dirige-lhe a palavra, dá-lhe parte, em tom jovial, da causa de seu pesar. Subitamente a visão desaparece e Sofia, de ânimo calmo, volta à reunião e conta aos convivas o que lhe sucedeu.
No dia seguinte, a Sra. W. chega à hora precisa e previne Sofia, imediatamente, de estar ciente de que o seu tema não está pronto e faz a narração seguinte em presença da mãe de Sofia: na véspera, às 10 horas da noite, ela tinha lançado mão do lápis, para comunicar-se com o finado seu marido, por meio da escrita automática, como tinha por hábito fazer; mas dessa vez, em lugar de traçar o nome desejado e esperado, o lápis tinha começado a formular palavras em alemão, em uma escrita que reconhecera ser a de Sofia; eram termos graciosos, exprimindo descontentamento a respeito do tema que não tinha sido feito, por esquecimento. A Sra. W. mostrou o papel e Sofia pôde convencer-se de que não somente a escrita era a sua, mas ainda que as expressões eram as que ela tinha empregado em sua fictícia conversação com a mestra. A jovem Sofia Swoboda atesta que a Sra. W. é pessoa de grande sinceridade, incapaz de proferir a menor mentira.” (Psychische Studien, 1879).
No mesmo artigo de Perty encontramos outro exemplo de escrita mediúnica executada pelo espírito de Sofia Swoboda, em uma sessão que se realizou em Mœdling, enquanto ela dormia em Viena. Reproduzo essa narração in extenso, segundo Perty:
“O caso seguinte é edificante, particularmente graças a um concurso de circunstâncias mui interessantes: o espírito transporta-se a um lugar distante, a um meio absolutamente estranho, e age por intervenção de um médium que ali se encontrava. Evidentemente este fato só tem valor com a condição de sua autenticidade ser garantida, como tenho todo o fundamento de admiti-lo, sob a fé dos documentos que me foram fornecidos.
A 21 de maio de 1866, dia de Pentecostes, Sofia (ela morava em Viena nessa época) tinha passado toda a manhã no Prater, na Exposição de Agricultura; voltou para casa muito fatigada e sofrendo de dor de cabeça. Depois de ter tomado uma refeição à pressa, retirou-se para seu quarto a fim de repousar. Quando se deitou eram quase 3 horas da tarde. Antes de adormecer, sentiu-se particularmente disposta a desdobrar-se, isto é, “deixar o corpo e agir independentemente dele”. As suas pálpebras entorpecidas fecharam-se e ela se achou transportada imediatamente a um quarto que lhe era bem conhecido, pertencente a uma pessoa que ela conhecia muito bem. Viu ali essa pessoa e tentou inutilmente fazer-se ver por ela; Sofia voltou então ao seu quarto, e sentindo-se ainda com bastante força, teve a idéia de dirigir-se à casa do Sr. Stratil, sogro de seu irmão Antônio, com a intenção de fazer-lhe uma surpresa agradável. Com a rapidez do pensamento, sentindo-se com liberdade de movimentos, transpôs o espaço, lançando apenas um olhar fugitivo sobre Viena e o Wienerberg, e achou-se transportada ao belo país que circunda a cidade de Mœdling; ali, viu-se no gabinete do Sr. Stratil, defronte dele próprio, e do Sr. Gustavo B., a quem muito estimava e ao qual desejava vivamente dar uma prova palpável da atividade independente do espírito, pois que ele sempre manifestara uma atitude céptica a tal respeito.
Toda entregue à impressão de seu deslocamento vertiginoso, e de humor prazenteiro, Sofia sentia-se admiravelmente bem, não experimentando inquietação nem abatimento.[39]
Ela se dirigiu diretamente ao Sr. B. e lhe falou em tom ameno e alegre, quando subitamente despertou (em Viena), em conseqüência de um grito que retumbou no quarto vizinho ao seu, onde dormiam seus sobrinhos e sobrinhas. Abriu os olhos, profundamente contrariada, e pouco lhe ficou da conversação que entretivera em Mœdling, que tinha sido interrompida de maneira tão brusca.
Por felicidade, o Sr. B. tinha escrito cuidadosamente o diálogo inteiro. Essa ata foi anexada pelo Sr. Stratil à sua coleção de comunicações espíritas. A conversação com Sofia, por conseguinte, tinha apresentado os caracteres de uma comunicação espírita, dada por um médium. O relatório seguinte faz parte da ata do Sr. Stratil:
No dia seguinte, isto é, a 22 de maio, a jovem Carolina, filha do Sr. Stratil, recebeu uma carta que lhe enviava (a Viena) seu pai, que estava em Mœdling. Entre outras, essa carta continha as perguntas seguintes:
“Como passou Sofia o dia 21 de maio?
Que fez ela?
Não dormiu nesse dia entre 3 e 4 horas da tarde?
Se dormiu, que viu em sonho?”
A família de Sofia tinha certeza de que ela havia estado deitada durante esse tempo, sofrendo de violenta dor de cabeça, mas ninguém tinha tido conhecimento do que ela vira em sonho. Antônio interrogou sua irmã a tal respeito, sem nada lhe dizer, entretanto, sobre a carta que tinha recebido de seu sogro. Contudo, a narração desse sonho colocava Sofia em um embaraço evidente: sem perceber onde seu irmão queria chegar com suas perguntas, ela hesitava em dar-lhe resposta. Respondeu-lhe que se recordava apenas do incidente principal, a saber: que tinha deixado o corpo e visitado outros lugares; que não se recordava mais quais fossem. E, entretanto, Sofia recordava-se perfeitamente bem de todas as particularidades de sua primeira visita, mas lhe era desagradável divulgá-las. Quanto à sua segunda visita, ela tinha perdido a lembrança precisa, por causa de seu brusco despertar, e apesar do desejo de dar parte dela a seu irmão, não o pôde.
Em conseqüência das instâncias deste último, ela chegou enfim a recordar-se de que se tinha achado em companhia de dois senhores, um velho, o outro moço, e que tinha tido com eles uma conversação animada; recordava-se de ter experimentado uma impressão desagradável em certo momento, por ter-se achado em desacordo com esses senhores.
Antônio comunicou todas essas particularidades para Mœdling e, em resposta, recebeu do Sr. Stratil uma carta com um embrulho lacrado. O Sr. Stratil manifestava o desejo de que esse embrulho só fosse aberto quando a própria Sofia falasse em uma carta que devia receber do Sr. B. Guardou-se segredo absoluto sobre essa correspondência e ninguém conhecia as intenções do Sr. Stratil; Antônio, assim como Rosa e Carolina, estavam reduzidos a formar conjecturas sobre as missivas estranhas do Sr. Stratil. Mas o desejo deste último de guardar intacto o pacote fechado foi respeitado rigorosamente. Passaram-se alguns dias e o embrulho lacrado ficou completamente esquecido no meio das preocupações quotidianas.
A 30 de maio, Sofia recebeu pelo Correio uma carta galante, acompanhada de uma fotografia do Sr. B. A carta dizia:
“Senhora: Eis-me aqui. Reconheceis-me? Neste caso, peço-vos que me deis um lugar modesto no bordo do teto, ou na abóbada. Ficar-vos-ei muito grato não me suspendendo, se isso for possível; será preferível lançar-me em um álbum, ou antes em vosso livro de rezas, onde poderei facilmente passar por um santo, cujo aniversário se festeja a 28 de dezembro (dia dos Inocentes). Mas se não me reconhecerdes, meu retrato nenhum valor poderá ter para vós, e neste caso eu vos ficarei muito obrigado se mo devolverdes. Aceitai, etc. – N. N.”
Os termos e torneios de frases empregados nessa carta eram bem familiares a Sofia. Parecia-lhe que as frases eram em grande parte as suas; porém ela só conservava das ditas frases uma vaga reminiscência. Mostrou a carta misteriosa a Antônio e às suas duas cunhadas; então Antônio abriu, em presença de todos, o pacote enviado pelo Sr. Stratil. Ele continha a ata de uma conversação psicografada com uma personagem invisível, em uma sessão em que as questões tinham sido apresentadas pelo próprio Sr. Stratil, funcionando o Sr. B. como médium.
Pela mão deste último é que as comunicações seguintes tinham sido escritas:
ATA
“Mœdling, 21 de maio de 1866, às 3:15 p.m.
Stratil – Eis-nos a sós, e desejaríamos comunicar com a mesma personagem feminina que se manifestou a 5 deste mês. Luísa T. nos tinha prometido voltar hoje, dia de Pentecostes. Estamos prontos, etc.
– Meu caro Gustavo, eu durmo e te vejo em sonho, e sou feliz. Sabes quem sou?
Gustavo B. – Não tenho disso a menor idéia e preferira que te fizesses conhecer.
– Não o posso nem o quero. É preciso que adivinhes.
Gustavo B. – Começo a acreditar, coisa estupefaciente... que estou em presença de...
– Erro. Sei o que queres dizer, sou uma mulher a quem tinhas igualmente prometido o teu retrato, e eu venho para lembrar-te a tua promessa. Sinto-me feliz em sonho, mas não é pelo fato de sonhar contigo, homem presunçoso... Isso não passa de uma coincidência fortuita.
Gustavo B. – Não sou bastante vaidoso para supor que a posse de meu retrato ou o meu aparecimento em sonho possa fazer a felicidade de quem quer que seja. Mas dize-me, minha desconhecida, por que motivo vens para recordar-me uma promessa tão fútil, que efetivamente eu já fiz a muitas pessoas?
– É que hoje se te depara uma excelente oportunidade de cumprir com a palavra, sem constrangimento algum e sem despender coisa alguma. Qual a utilidade de encomendar três fotografias e destruir duas delas? Por que não obterei um dos exemplares condenados a perecer?
Gustavo B. – Seja; desde que estás tão bem informada, terás o meu retrato, ainda que eu tivesse para isso de mandar reproduzi-lo. Mas explica-me antes de tudo por que escreves em caracteres latinos e não em alemães, e dize-me em seguida, cara desconhecida, quem és tu, do contrário eu correria o risco de enviar o meu representante com um endereço falso, o que me comprometeria.
– Os caracteres latinos são de minha parte um simples capricho de criança. Quem sou? Eis o meu endereço, é para ali que enviarás a carta que vou ditar-te, pois desejo saber se me lembrarei, quando despertar, do que vejo em sonho. Escreverás...
Gustavo B. – Compõe a carta tu mesma, a fim de termos o confronto do teu sonho.
– Senhora, eis-me aqui, vós me reconheceis? Nesse caso, etc. – (Segue-se textualmente a carta anônima que Sofia tinha recebido.) – Endereço: À Sra. S. S. M. G. Alservorstadt, casa número 19.
Gustavo B. – É preciso dizer a rua, do contrário o endereço não fica completo.
– És perverso, bem o sabes. Lembras-te perfeitamente da promessa que me tinhas feito de enviar-me tua imagem encantada em um pedaço de papel. Tudo o mais é sem importância; envia-me o mais cedo possível o teu retrato. Dar-me-ás prazer.
Gustavo B. – Então, adivinhei realmente a rua: é “Marianengasse”?
– Sim. E também adivinhaste da mesma forma os dois S.
Stratil – Efetivamente, mas o terceiro S pede permissão para te saudar na qualidade de sua cara prima.
(Segue-se uma observação jocosa por parte do senhor idoso e uma réplica de Sofia.)
Stratil – Apesar da pequena altercação que tivemos, espero que não terás má vontade ao terceiro S e aceitas o seu cumprimento?
– Como poderia eu ter má vontade a um amigo tão paternal? Mas é tempo de terminar o nosso colóquio. Começo a ouvir, como em meio sonho, as crianças gritarem e fazerem barulho no quarto vizinho ao meu, e sinto as idéias confundirem-se. Adeus. Envia-me uma carta e o teu retrato.
Gustavo B. – Obrigado por tua visita. Pedimos-lhe que aceites os nossos cumprimentos e esperamos que te lembrarás de nós depois do despertar. A carta e a fotografia lhe serão enviadas nesses poucos dias. Adeus e boa noite!
– Adeus, eu desp...
(Fim da sessão às 4 horas.)”
À leitura dessa ata, as recordações de Sofia tornavam-se cada vez mais precisas e ela exclamava a cada instante: “Oh! sim, é realmente isso!” Antes de terminada a leitura, Sofia tinha recuperado a memória e recordava-se de todas as particularidades que lhe tinham escapado em conseqüência de seu brusco despertar. Antônio tinha notado que a escrita em questão assemelhava-se muito à de Sofia, em seus temas de francês. Quanto a Sofia, a mesma opinião era aceita.
As atas das comunicações espíritas, escritas pela mão do Sr. Gustavo B., distinguem-se pela particularidade de não ser a escrita igual do princípio ao fim: quando ele escreve as perguntas apresentadas, a escrita é geralmente a sua própria, mas as respostas que ele deu na qualidade de médium são escritas por uma outra mão. Antônio relatou minuciosamente ao Sr. Stratil a atitude de Sofia depois do recebimento da carta e durante a leitura da ata. Esta narração está junto à sua rica coleção de comunicações psicográficas, ao lado da ata que acaba de ser lida.”
No livro da Baronesa Adelma von Vay Studien über die Geisterwelt (Ensaio sobre o mundo dos Espíritos), encontramos um capítulo intitulado Manifestações medianímicas do Espírito de um homem vivo, e enviamos o leitor à página 327 e seguintes, nas quais se trata de comunicações feitas pelo primo da baronesa, o Conde Wurmbrand, que se achava nesse momento em campanha e tomava parte na batalha de Königgraetz. No dia seguinte à batalha ele lhe tinha comunicado, pela mão dela (a baronesa escrevia mediunicamente), que não tinha sido morto. Verificou-se que essa notícia era exata, se bem que seu nome figurasse na lista dos mortos.
O Sr. Tomás Everitt, cuja reputação é bem firmada entre os espiritualistas e cuja mulher é excelente médium, conta um fato interessante em uma memória apresentada à Associação Britânica dos Espiritualistas (mês de novembro de 1875), sob o título Demonstração da natureza dupla do homem. Ei-lo:
“Não é coisa rara para os espiritualistas receber comunicações de pessoas que afirmam serem ainda deste mundo. Freqüentemente fizemos essa experiência, principalmente no começo. Essas comunicações, transmitidas por pancadas ou pela escrita, apresentavam realmente o cunho característico das pessoas que afirmavam ser os seus autores, quer pelo estilo, quer pela escrita. Assim, por exemplo, um dentre nossos amigos, dotado de faculdades mediúnicas, conversava freqüentemente conosco por intermédio de minha mulher e nos transmitia comunicações que correspondiam de maneira absoluta a seu caráter. Em suas cartas, ele procurava freqüentemente saber se eram exatas as comunicações que por sua vez recebia do Sr. Everitt e sucedia freqüentemente serem exatas as comunicações transmitidas de ambos os lados, por meio da palavra, de pancadas ou da escrita.
Em seguida o Sr. Everitt relata os pormenores de uma sessão, no decurso da qual recebeu uma comunicação escrita pela mão de sua mulher e vinda de parte de seu amigo o Sr. Mëers (também médium), um mês depois da partida deste último para a Nova Zelândia (veja-se o Spiritualist, 1875, II, págs. 244-245).
A escritora inglesa muito conhecida, Sra. Florence Marryat, refere, de seu lado, que recebeu, por sua própria mão, uma comunicação de pessoa que dormia na ocasião de transmiti-la:
“Há alguns anos já, eu entretinha relações de amizade com um senhor que havia perdido uma irmã muito estimada, antes de nossas relações. Freqüentemente ele me falava a seu respeito e eu fiquei conhecendo assim todos os pormenores de sua vida e de sua morte. As contingências da vida separaram-nos, e durante 11 anos não entretive relações com esse amigo.
Ora, certo dia em que eu recebia pela mesa uma comunicação provinda de uma senhora de meu conhecimento, a mesa ditou-me de maneira inteiramente inesperada o nome da irmã do amigo que eu tinha perdido de vista. Foi a primeira tentativa que ela fez para entrar em comunicação comigo. O seguinte diálogo travou-se entre nós:
– Que desejas de mim, Emília?
– Venho dizer-te que meu irmão está na Inglaterra presentemente e desejaria muito ver-te. Escreve-lhe com o endereço do clube da cidade de C... e dize-lhe onde ele poderá ver-te.
– Penso que não posso fazê-lo, Emília; há muito tempo já que não nos vemos, e talvez ele não quisesse renovar suas relações comigo.
– Ele deseja-o; não há dúvida. Pensa constantemente em ti; escreve-lhe, por conseguinte.
– Antes de fazê-lo, desejaria ter uma prova do que me dizes.
– Ele próprio vo-lo dirá, pelo mesmo meio. Recomeça a sessão à meia-noite. Então ele estará dormindo e eu vos trarei sua alma.
Conformei-me com esta prescrição e retomei meu lugar, diante da mesa, à meia-noite precisa. Emília anuncia-se de novo e diz-me:
– Trouxe-vos meu irmão. Ele está aqui. Interroga-o tu mesmo.
Perguntei:
– É verdade, como mo garante Emília, que desejar ver-me?
– Sim. Dá-me um lápis e papel.
Quando fiz o que ele me pedia, continuou:
– Escreve o que vou ditar-te. (E inscrevi o que se segue): Longos anos, é verdade, passaram-se desde que nos vimos pela última vez. Todavia, por mais longos que sejam esses anos, não podem apagar a recordação do passado. Nunca deixei de pensar em ti e de orar por ti.
Alguns instantes depois ele acrescentou:
– Conserva esta folha de papel e envia-me uma carta, com endereço do Clube de C...
Desconfiando de minhas faculdades mediúnicas, foi só dez dias depois que resolvi escrever a meu amigo, de cuja presença na Inglaterra eu não suspeitava, não conhecendo com maior razão o seu endereço. Na volta do Correio recebi sua resposta, na qual ele reproduzia exatamente as palavras que eu tinha inscrito dez dias antes.
A Ciência tem o poder de explicar como as palavras obtidas por intermédio da mesa em Londres, a 5 de dezembro, puderam ser transmitidas por uma via natural qualquer, ao cérebro de um homem vivo, que se achava à distância de 400 milhas inglesas, e que a 15 do mesmo mês ele repetiu em sua carta? Os fatos que me tinham sido comunicados não só me eram desconhecidos, mas também inverossímeis. Muito mais, eram fatos ainda não consumados, mas que deviam realizar-se dez dias depois. Não é o único caso desse gênero que observei. Sucedeu-me por muitas vezes receber comunicações de pessoas vivas, por intermédio de médiuns falando no estado de transe.” (Light, 1886, pág. 98).
A Srta. Blackwell, escritora espírita muito séria, relata um fato ainda mais notável: a evocação do Espírito de um homem vivo, durante o sono, e que confessa, pela mão do médium, um roubo que ele tinha cometido. (Human Nature, 1877, pág. 348).
Também há exemplos de comunicações provenientes de pessoas vivas, transmitidas pela boca de um médium em transe. O juiz Edmonds nos dá o testemunho positivo de um fenômeno desse gênero, em seu livro: Spiritual Tracts, no capítulo intitulado: “Comunicações mediúnicas com os vivos”. Eis sua narração:
“Certo dia em que me achava em West Roxbury, pus-me em relação, por intermédio de minha filha Laura, com o Espírito de uma pessoa a quem eu muito tinha conhecido outrora, mas a quem não via desde anos. Era um homem de caráter inteiramente estranho; assemelhava-se tão pouco a todos aqueles a quem eu tinha conhecido, e era tão original, que não havia meio de confundi-lo com outro qualquer. Eu estava longe de pensar nele. Quanto à médium, esta lhe era completamente desconhecida. Ele manifestou-se não só com todas as particularidades que o caracterizavam, mas ainda me falou acerca de coisas que ele e eu éramos os únicos a conhecer.
Depois dessa sessão, concluí que ele tinha morrido; e qual não foi minha surpresa ao saber que ele estava vivo (e ainda o está). Não posso entrar aqui em todos os pormenores de nossa conversação, que se prolongou por mais de uma hora. Eu estava muito persuadido de que não tinha sido vítima de uma ilusão; que era uma manifestação espírita semelhante a muitas outras que eu mesmo tinha observado ou que me tinham contado. Mas como podia dar-se isto? É uma questão que me inquietou por muito tempo. Daí em diante, fui freqüentemente testemunha de fatos análogos que não mais me permitiram duvidar de podermos obter comunicações de pessoas vivas da mesma maneira que mensagens de pessoas mortas.”
Na biografia da célebre médium Sra. Conant, lemos que lhe sucedeu transmitir comunicações de parte de pessoas vivas, ou antes manifestar-se ela própria em diversas sessões por intermédio de outros médiuns (páginas 91-107).
Outra médium, ao mesmo tempo autora muito conhecida, a Sra. Hardinge Britten, relata em seu artigo Sobre os Duplos, publicado no Banner of Light (números de 6 de novembro e 11 de dezembro de 1875) que, no ano de 1861, achando-se em estado de transe, falou em nome de uma pessoa que estava viva, como foi verificado mais tarde.
Nesse mesmo artigo, ela cita um caso interessante que ocorreu em 1858: em um círculo espírita em Cleveland, em casa do Sr. Cutler, uma médium começou a falar o alemão, apesar de que essa língua lhe fosse completamente desconhecida.
“A individualidade que se manifestava por seu intermédio dizia-se mãe da Srta. Maria Brant, uma jovem alemã que se achava presente.
A Srta. Brant afirmava que sua mãe, até onde podia sabê-lo, estava viva e de boa saúde.”
Algum tempo depois, um amigo da família, chegado da Alemanha, levou a notícia de que a mãe da Srta. Brant, depois de ter atravessado uma moléstia séria, em conseqüência da qual tinha caído em longo sono letárgico, declarou ao despertar ter visto sua filha, que estava na América. Ela disse que a tinha visto em um quarto espaçoso, em companhia de muitas pessoas, e que lhe falara.[40]
O Sr. Damiani informa, por seu lado, que nas sessões da Baronesa Cerrápica, em Nápoles, receberam-se freqüentemente comunicações provenientes de pessoas vivas. Diz ele, entre outras coisas:
“Há cerca de seis semanas, nosso amigo comum, o Dr. Nehrer, que mora na Hungria, seu país natal, comunicou-se conosco pela boca da nossa médium, a baronesa. Sua personificação não podia ser mais completa: seus gestos, sua voz, sua pronúncia, a médium no-los transmitia com absoluta fidelidade; estávamos persuadidos de que nos achávamos em presença do próprio Dr. Nehrer, que nos declarou fazer uma sesta naquela ocasião, descansando das fadigas do dia, e nos deu parte de diversos pormenores de ordem privada, e que todos os assistentes desconheciam completamente. No dia seguinte escrevi ao doutor. Em sua resposta ele confirmou serem exatos em todos os pontos os pormenores comunicados.” (Human Nature, 1875, pág. 555).
Dentre os exemplos verificados na Rússia, acerca de comunicações feitas pelas pessoas vivas, por intervenção de médiuns, citarei o seguinte, publicado no Rebus de 1884:
“Em uma das sessões, nosso interlocutor declarou ser filho de uma proprietária de nossa vizinhança, que habitava à distância de 8 “verstas”. Esse moço é incumbido de um serviço em um dos governos do centro da Rússia. Na própria manhã do dia da sessão, um de nós tinha visto sua mãe. Não se tinha falado acerca de sua chegada e, entretanto, falando conosco, ele declarou que tinha chegado à sua propriedade duas horas antes. À nossa pergunta indagando como sucedia que ele tivesse falado conosco, respondeu: “Estou dormindo.”
Preocupado e acreditando ser o joguete de uma alucinação, dois dentre nós se dirigiram no dia seguinte de manhã à casa do nosso vizinho. Encontraram o moço em questão ainda deitado e souberam por ele que, por dever de serviço, dirigia-se a São Petersburgo e que se tinha detido, no decurso da viagem, em casa de sua mãe, por um dia apenas. Na véspera, à noite, fatigado da viagem, ele se tinha deitado imediatamente. – Samoïloff, Trifonoff, Meretzki, Slavoutinskoy. Aldeia Krasnya Gorki (Governo de Kostroma), 19 de janeiro de 1884.”
Se um bom médium escritor se tivesse achado nessa sessão, e se a comunicação transmitida em nome da pessoa que dormia tivesse sido escrita com sua letra, esse fato teria sido uma prova preciosa em apoio da teoria que nos ocupa. Que me conste, um só fato desse gênero foi devidamente verificado na Rússia: um de nossos médiuns, a Sra. K., referiu-me que em uma sessão realizada em um círculo privado, à qual assistiam somente sua mãe e sua irmã, o lápis de que ela tinha o hábito de servir-se para essas experiências parou de repente, e depois de uma pausa de alguns instantes, começou a traçar palavras em uma escrita desigual e muito fina. Contudo, a assinatura que se seguiu, composta de duas letras vigorosamente traçadas, foi imediatamente reconhecida e excitou a admiração de todas as pessoas. Era a assinatura do irmão da médium, o qual se achava em Tachkent.
O primeiro pensamento foi que ele tinha morrido e que viera dar parte disso. Começaram a decifrar a escrita e eis as palavras que foram lidas: “Chegarei em breve”. Todos ficaram vivamente surpresos com tal comunicação, tanto mais quanto pouco tempo antes se tinha recebido uma carta dele, na qual dizia que viria na qualidade de correio, porém não já, por estar inscrito na lista em décimo quinto lugar e que, por conseguinte, sua viagem não poderia realizar-se antes de um ano. Tomou-se nota da hora e data dessa comunicação – era a 11 de maio de 1882, às 7 horas da noite – e ela foi mostrada a muitas pessoas da intimidade da família K.
No começo de junho, o irmão da médium chegou efetivamente. Mostraram-lhe a curiosa comunicação. Ele reconheceu a sua assinatura, sem mostrar hesitação, e disse-nos que era nessa mesma data que se tinha posto a caminho. Segundo o cálculo do tempo que se fez, verificou-se que no momento em que a comunicação era transmitida ele estava imerso em profundo sono no “tarantass” (carro de viagem) e que antes de adormecer tinha pensado nos seus, na surpresa que lhes causaria sua chegada.
Tive sob os olhos a comunicação em questão e pude verificar a semelhança completa da assinatura que havia ali com a do Sr. K.
No que diz respeito à verificação e ao estudo desse gênero de fenômenos por via experimental, só posso citar esta passagem tirada do tratado do juiz Edmonds, de quem se acaba de falar:
“Há cerca de dois anos, fui testemunha de um exemplo admirável desse gênero. Tinham-se organizado dois círculos, um em Boston, outro nesta cidade (Nova Iorque). Os membros desses círculos reuniam-se simultaneamente nas duas cidades e comunicavam entre si por seus médiuns. O círculo de Boston recebia, por seu médium, comunicações emanantes do espírito do médium de Nova Iorque e vice-versa. As coisas perduraram assim por muitos meses, no decurso dos quais os dois grupos inscreviam cuidadosamente as atas. Tenho a intenção de publicar brevemente a narração dessas experiências, que constituem uma tentativa interessante de telegrafia intelectual, cuja possibilidade é assim demonstrada.”
É muito lamentável que o Sr. Edmonds não tenha realizado esse projeto.
Lembro-me de um fato desse gênero, ocorrido na Rússia: a filha do Sr. Boltine, um de nossos espíritas mais zelosos na propaganda, era médium escrevente. Ela morava em são Petersburgo e comunicava-se com sua irmã casada, a Sra. Saltykoff, que morava na província; a relação mediúnica estabelecia-se à noite, quando se julgava que uma das irmãs estava dormindo, recebendo a outra, no estado de vigília, as comunicações que sua irmã adormecida lhe transmitia. As cartas que escreviam uma à outra confirmavam singularmente as comunicações feitas durante o sono. Soube desse fato pela Sra. P., que freqüentava a família Boltine. Infelizmente, perdi-a de vista e não posso, por conseguinte, obter os pormenores necessários.
Muito antes de tratar-se de Espiritismo, os fenômenos do magnetismo animal tinham demonstrado que uma relação extracorpórea, de ordem intelectual, pode ser estabelecida entre os homens. Quando eu estava em Paris, em 1878, tive o ensejo, graças ao Sr. Donato e ao seu excelente sensitivo, de fazer uma bela experiência de transmissão do pensamento a distância, como não acredito que tenha havido outra igual. Obtive um êxito maravilhoso. A narração respectiva foi publicada na Revista Magnética de 16 de fevereiro de 1879. O Sr. Ochorowicz fez-me a honra de citar essa experiência circunstanciadamente em sua importante obra A Sugestão Mental (Paris, 1887). Em 1883, a Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres começou seus estudos sobre a transmissão do pensamento e estabeleceu-as de maneira incontestável.
As experiências do professor Charles Richet e de outros sábios franceses confirmaram esses resultados por outros métodos (veja-se a Revista Filosófica).
Os fatos que acabamos de citar nada mais fazem, por conseguinte, do que apresentar um aspecto diferente de um mesmo fenômeno: a ação intelectual recíproca, proclamada pelo Espiritismo. Eles nos provam que certos fenômenos muito comuns, tais como as comunicações transmitidas pela mesa, pela escrita ou pela palavra, podem, efetivamente, ser atribuídas a uma causa que se acha fora do médium; que se pode pesquisar essa causa na atividade consciente ou inconsciente de um homem vivo que se acha fora do recinto onde o círculo está reunido.
Esses fatos têm grande valor, porque graças a eles podemos estabelecer, pela observação direta, o laço que une a causa ao efeito.
B – Ação extracorpórea do homem vivo, sob forma de efeitos físicos (fenômenos telecinéticos – deslocamento de objetos a distância)
Desde que se reconheçam os fenômenos mediúnicos físicos (dentre os quais os mais concludentes são os fenômenos de deslocamento de objetos sem contato), somos obrigados a admitir no homem a faculdade de exercer uma ação física a distância.
Sendo a ação física, em si, impessoal, é impossível afirmar que tal manifestação física – por exemplo o deslocamento de um objeto sem que se tenha tocado nele – se tenha produzido pela ação de A ou de B. Atribuem-se geralmente esses fenômenos à ação especial de um dos assistentes, o médium, e importa-nos antes de tudo assegurar-nos de que assim é. O resto nada mais será do que uma questão de quantidade e de qualidade. O que é possível a A pode da mesma maneira, em um grau qualquer, ser possível a B, quer este último esteja ausente ou presente à sessão; e o que A pode realizar a pequena distância, B poderá estar no caso de realizá-lo a considerável distância. Assim, B poderia manifestar-se, quer em virtude de sua própria mediunidade, quer pela mediunidade de A; neste último caso, teríamos uma manifestação física não só extracorpórea, como ainda extramediúnica, pois que o efeito terá sido produzido não pelo próprio médium, mas pela ação que outra pessoa viva tiver exercido sobre ele. Uma vez estabelecido o fato de uma ação intelectual a distância, o efeito físico produzido a distância não seria mais do que o seu corolário ou vice-versa.
Enquanto não tratamos senão de um efeito físico, atribuímo-lo sem hesitar à ação do médium, mas esta conclusão é baseada unicamente na probabilidade lógica. É no grupo “D”, adiante, que encontraremos a prova disso; veremos ali que o efeito físico é produzido pelo duplo do médium que se tem sob os olhos no próprio instante em que a ação se realiza.
As experiências instituídas independentemente do Espiritismo, com o intuito de demonstrar a possibilidade de uma ação extracorpórea manifestando-se a distância por um efeito físico, são pouco numerosas.
O Sr. H. Wedgwood dá testemunho, como se segue, de uma experiência desse gênero feita pela Sra. Morgan, mulher do falecido professor de Morgan, autora do livro From Matter to Spirit (Da Matéria ao Espírito):
“Um exemplo, que a Sra. de Morgan me referiu por muitas vezes, fará compreender melhor o poder que possui o Espírito extracorpóreo de produzir, em certas condições, efeitos físicos. Ela tivera a oportunidade de tratar pelo magnetismo uma jovem clarividente, e por diversas vezes pôs à prova sua faculdade de clarividência para fazê-la ir em espírito a diferentes lugares com o fim de observar o que se passava lá. Certo dia teve o desejo de que a sensitiva se dirigisse à casa em que ela própria habitava. “Bem, disse a moça, eis-me aqui, bati na porta com força.” No dia seguinte a Sra. De Morgan informou-se do que se tinha passado em sua casa naquela mesma ocasião: “Muitas crianças mal educadas, responderam-lhe, tinham ido bater na porta, fugindo em seguida.” (Light, 1883, pág. 458).
Encontrar-se-á o símile de experiências iguais no grupo “D”: tratava-se do duplo de um sensitivo mesmerizado, que tinha sido visto na ocasião precisa em que produzia um efeito físico.
Eis o que lemos em Perty, acerca da célebre visionária de Prevorst:
“A Sra. Haufe tinha o poder de manifestar-se em casa dos amigos, produzindo, durante a noite, pancadas surdas, porém muito distintas, e como que aéreas. Certo dia ela bateu assim em casa de Kerner (um médico que se interessava particularmente por ela e que publicou a sua biografia) e este último não lhe participou o que tinha acontecido. No dia seguinte ela lhe perguntou se devia bater novamente.” (Perty – Fenômenos Místicos, 1872, tomo II, pág. 124).
Encontramos fatos análogos fora do Espiritismo e do mesmerismo. Eis o que se lê a esse respeito em Perty:
“Um estudante suíço, na Basiléia, fazia freqüentes visitas a uma família que o conhecia já pela maneira de tocar a campainha. Tempos depois, atacado de sarampão, em Berlim, foi acometido de uma espécie de nostalgia de seus amigos da Basiléia. No momento em que seu pensamento se dirigia com tanta intensidade a esse meio de amigos, a campainha foi puxada exatamente da maneira pela qual ele tinha o hábito de fazê-lo, e todos se surpreenderam com o seu regresso, mas quando abriram a porta ninguém estava nem tinha sido visto ali. Em conseqüência desse incidente, mandaram pedir notícias dele em Berlim.” (Magicon, tomo V, pág. 495; Perty, ibidem, pág. 123).
Perty cita ainda outros exemplos de telecinesia.
Eis um exemplo de pancadas dadas a distância por uma pessoa doente, adormecida, e sonhando que bateu. O Sr. Harrison tirou este caso do livro de Henry Spicer, Sights and Sounds (Fatos de visão e audição):
“A Sra. Lauriston (o nome está ligeiramente modificado), residente em Londres, tem uma irmã que mora em Southampton. Certa noite em que esta última trabalhava em seu aposento, ouviu três pancadas na porta. “Entre”, disse essa senhora. Ninguém entrou; mas, repetindo-se o eco, ela se levantou e abriu a porta. Ninguém estava ali. No momento preciso em que o eco se tinha feito ouvir, a moléstia da Sra. Lauriston tinha chegado a seu momento crítico. Ela caiu em uma espécie de transe, e quando saiu dele referiu que, tomada de ardente desejo de ver sua irmã antes de morrer, sonhara que tinha ido a Southampton e batera na porta de seu aposento; em seguida, depois de ter batido uma segunda vez, sua irmã se tinha mostrado na porta, mas a impossibilidade em que se achava de lhe falar a tinha impressionado de maneira tal que voltou a si.” (Harrison – Spirits before our eyes (Os Espíritos diante de nossos olhos), pág. 146).
Aqui vêm colocar-se os numerosos testemunhos de pancadas dadas para ser ouvidas por parentes ou amigos afastados, por pessoas moribundas, pois que essas pancadas foram sempre universalmente reconhecidas como se tendo produzido nos últimos momentos de vida.
Assim, por exemplo, o Sr. Roswell, de Edimburgo, despertou por três vezes ouvindo pancadas violentas de encontro à porta de entrada. Levantou-se para ver quem estava ali, mas não viu ninguém.
Mais tarde recebeu a notícia da morte de seu irmão em Calcutá e verificou que a hora em que ouvira as pancadas correspondia exatamente com aquela em que seu irmão tinha recebido grave ferimento. (Vede, para maiores particularidades, Light, 1884, pág. 505).
O professor Perty cita numerosos casos desse gênero no capítulo de seu livro Ação a distância dos moribundos, páginas 125 e seguintes.
Em sua obra O Espiritualismo Moderno, ele menciona, segundo o professor Daumer, “o caso de um avô moribundo que pede à filha, próxima a seu travesseiro (ela não morava na mesma casa), que procurasse seu neto, a fim de que viesse orar por ele, pois que não lhe restavam mais forças para fazê-lo – e que no mesmo instante se manifesta como espírito em casa de seu filho, batendo com violência no corrimão da escada, chamando-o por seu nome e pedindo-lhe com insistência que fosse para perto de si; imediatamente o filho se veste, sai e encontra no patamar sua mãe, que ia procurá-lo. Ambos se dirigem para perto do avô, que recebe seu neto com um sorriso, convida-o imediatamente a orar e morre pacificamente duas horas depois (pág. 209).
Estes últimos fatos têm realmente um caráter anedótico, mas hoje, que os fenômenos mediúnicos estabelecem de maneira indiscutível a possibilidade de uma ação física extracorpórea, não há inconveniente algum em incluir-se na presente categoria a relação de casos desse gênero, que se produzem desde há muitos séculos.
Poder-se-ia objetar que os fatos dessa natureza não passam de alucinações do ouvido e dos sentidos em geral. Seja, mas em todos os casos são alucinações telepáticas reais, isto é, provocadas pela ação psíquica extracorpórea de um agente afastado, e está aí o essencial; mas quando se trata de fenômenos mediúnicos, não se poderia negar de maneira positiva a concomitância de efeitos físicos.
Há razões para admitir que a parte dos fenômenos que se produzem em casas “mal-assombradas” deva ser classificada nesta categoria. Seria um estudo muito interessante a ser feito; não me recordo de que tenha sido empreendido em qualquer tempo sob esse ponto de vista.
Assim, leio em Gorres (A Mística, tradução francesa, tomo III, pág. 325), no capítulo consagrado ao “Espírito batedor de Tedworth”, que, segundo declaração do próprio mendigo preso, era ele quem produzia em Tedworth, na casa Monpesson, todo o ruído e desordem de que Glanvil nos deu a narração circunstanciada em seu Sadducismus triumphatus, o que fez dele um caso clássico. Eu tive, porém, ocasião de ter à mão esse livro para verificar a exatidão dessa passagem de Gorres. Perty faz menção desse caso em seus Fenômenos Místicos, tomo II, página 96.
Antes de passar ao grupo seguinte, é preciso responder a uma questão que se apresenta aqui muito naturalmente: se as manifestações mediúnicas não são em muitos casos mais do que efeitos da ação extracorpórea do homem vivo, por que, pois, essas manifestações não se anunciam como tais, já que dão testemunho de uma inteligência própria? Esses casos existem, mas creio que foram geralmente desprezados, como se pode ver pela observação seguinte do Sr. Harrison, antigo editor do Spiritualist:
“No sábado, 12 de setembro de 1868, dirigi-me sozinho a uma sessão privada em casa do Sr. e da Sra. Marshall, para ter uma longa conversação com John King. No começo, estávamos em plena luz e disseram-nos por meio de pancadas:
– Sou o vosso bom Espírito familiar.
– Então tenha a bondade de dizer-me quem és.
– Sim, sou tu mesmo.
Voltei-me para a Sra. Marshall e perguntei-lhe o sentido dessa comunicação. Respondeu-me que nada sabia a tal respeito; dantes, ela nunca tinha ouvido dizer coisa alguma semelhante. Era talvez teu duplo, acrescentou ela, pois que, diz-se, certas pessoas têm seus duplos no mundo dos Espíritos.
Era a primeira vez que eu ouvia falar da existência de duplos, e era para mim uma hipótese muito ousada para que me submetesse tão depressa a ela. Concluí daí, imediatamente, que a comunicação era uma brincadeira à maneira de John King. Eu perguntei:
– Dir-mo-ás ainda em um aposento escuro?
A resposta foi:
– Sim.
Entramos no aposento escuro e, no fim de pouco tempo, vimos produzirem-se corpos luminosos semelhantes a cometas, do comprimento de cerca de 30 centímetros, alargados em uma das extremidades e afilando-se em delgada ponta na outra; esses corpos luminosos flutuavam no ar, aqui e ali, seguindo uma trajetória curvilínea. Um momento depois, uma voz me disse, muito perto de mim:
– Sou teu próprio “eu” espiritual; falei contigo no aposento vizinho.
Pensei ainda que era uma brincadeira de John King e não continuei a conversação.
Sempre lamentei essa circunstância, agora que sabemos que papel importante representam em grande número de manifestações espiríticas o duplo e outros agentes semelhantes.” (Spiritualist, 1875, t. I, pág, 129).
Um fato análogo é referido por Hornung em seu livro Novos Mistérios, mas não me recordo onde está esse livro.
C – Ação extracorpórea do homem vivo, traduzindo-se pela aparição de sua própria imagem (fenômenos telepáticos – aparições a distância)
Sob esta categoria vêm juntar-se numerosos fatos observados em todos os tempos e conhecidos sob o nome de aparições de duplos. A Ciência nunca os considerou de outra maneira a não ser como alucinações puramente subjetivas; mas graças aos trabalhos da sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres, que erigiu para si um monumento eterno com a publicação de sua obra capital: The Phantasms of the Living (edição francesa abreviada, sob o título Alucinações Telepáticas, Paris, 1891, em 8º, Alcan), essa explicação superficial não é mais admissível.
Centenas de fatos novos recolhidos de primeira mão pela Sociedade e verificados por ela com todo o cuidado possível provam de maneira incontestável que existe uma relação íntima entre a aparição do duplo e a pessoa viva que ele representa; desde então, se é uma alucinação, é, segundo a expressão dos autores da obra, uma alucinação verídica, isto é, o efeito de uma ação psíquica, emanante de uma pessoa que está longe da que vê a aparição. É, pois, perfeitamente inútil deter-me aqui para dar exemplos desse gênero de fenômenos, tanto mais quanto, na categoria seguinte, se encontrarão fatos que correspondem melhor ainda ao dito fim. Entretanto, devo acrescentar aqui algumas reflexões: agora que conhecemos os fenômenos da materialização, devemos admitir que a aparição do duplo pode não ser um fenômeno puramente subjetivo, mas que pode apresentar certa objetividade, possuir certo grau de materialidade, o que faria dele um gênero especial de duplos, uma espécie de transição entre os fatos classificados sob esta categoria e os classificados sob a categoria seguinte. Conhecemos alguns fatos que tendem a provar que esta suposição não é sem fundamento.
O fato mais precioso e mais instrutivo desse gênero é, certamente, o do desdobramento habitual de Emília Sagée, que foi observado durante meses por um colégio inteiro, e que se produzia ainda quando a própria Emília era visível para todos.
Somos devedores deste fato a Robert Dale Owen, que o recebera de primeira mão da Baronesa Júlia de Güldenstubbe, e deu dele, em seu Footfalls on the Boundary of Another World (Passos na Fronteira de Outro Mundo), uma breve narração que Perty mencionou em sua brochura Realidade das Forças Mágicas (pág. 367); todavia, mais tarde, informações mais circunstanciadas, fornecidas pela própria Baronesa Güldenstubbe foram publicadas em Light de 1883, página 366, e como o caso é extremamente notável e pouco conhecido, cito-o na íntegra.
Aparição do duplo da jovem Emília Sagée
“Em 1845 existia na Livônia (e ainda existe), cerca de 36 milhas inglesas de Riga e a 1 légua e meia da pequena cidade de Volmar, uma instituição para moças nobres, designada sob o nome de “Colégio de Neuwelcke”. O diretor naquela época era o Sr. Buch.
O número das colegiais, quase todas de famílias livonesas nobres, levava-se a quarenta e duas; entre elas se achava a segunda filha do Barão de Güldenstubbe, da idade de 13 anos.
No número das professoras havia uma francesa, a jovem Emília Sagée, nascida em Dijon. Tinha o tipo do Norte; era loura, de belíssima aparência, de olhos azuis claros, cabelos castanhos; era esbelta e de estatura pouco acima da mediana; tinha gênio amável, dócil e alegre, porém um pouco tímida e de temperamento nervoso, um pouco excitável. Sua saúde era ordinariamente boa e durante o tempo (um ano e meio) em que esteve em Neuwelck não teve mais do que uma ou duas indisposições passageiras. Era inteligente e de esmerada educação, e os diretores mostraram-se completamente satisfeitos com o seu ensino e com as suas aptidões durante todo o tempo de sua permanência. Ela estava com a idade de 32 anos.
Poucas semanas depois de sua entrada na casa, singulares boatos começaram a correr a seu respeito entre as alunas. Quando uma dizia tê-la visto em tal parte do estabelecimento, freqüentemente outra assegurava tê-la encontrado em outra parte, na mesma ocasião, dizendo: “Isso não; não é possível, pois acabo de passar por ela na escada”, ou antes, garantia tê-la visto em algum corredor afastado. Acreditou-se a princípio em algum equívoco; mas como o fato não cessava de reproduzir-se, as meninas começaram a julgá-lo muito estranho e finalmente falaram sobre ele às outras professoras. Os professores, postos ao corrente, declararam, por ignorância ou intencionalmente, que tudo isso não tinha senso algum e que não havia motivo para dar-lhe qualquer importância.
Mas as coisas não tardaram a complicar-se e tomaram um caráter que excluía toda a possibilidade de fantasia ou de erro. Certo dia em que Emília Sagée dava uma lição a treze dessas meninas, entre as quais a jovem Güldenstubbe e que, para melhor fazer compreender a sua demonstração, escrevia a passagem a explicar no quadro-negro, as alunas viram de repente, com grande terror, duas jovens Sagée, uma ao lado da outra! Elas se assemelhavam exatamente e faziam os mesmos gestos. Somente a pessoa verdadeira tinha um pedaço de giz na mão e escrevia efetivamente, ao passo que seu duplo não o tinha e contentava-se em imitar os movimentos que ela fazia para escrever.
Daí, grande sensação no estabelecimento, tanto mais porque as meninas, sem exceção, tinham visto a segunda forma e estavam de perfeito acordo na descrição que faziam do fenômeno.
Pouco depois, uma das alunas, a menina Antonieta de Wrangel obteve permissão de ir, com algumas colegas, a uma festa local da vizinhança. Estava ocupada em terminar sua toalete, e a jovem Sagée, com a bonomia e obsequiosidade habituais, tinha ido ajudá-la e abotoava seu vestido por trás. Ao voltar-se casualmente, a menina viu no espelho duas Emílias Sagée que se ocupavam consigo. Ficou tão aterrada com essa brusca aparição, que perdeu os sentidos.
Passaram-se meses e fenômenos semelhantes continuaram a produzir-se. Via-se de tempos em tempos, ao jantar, o duplo da professora de pé, por trás de sua cadeira, imitando seus movimentos, enquanto ela jantava, porém sem faca, garfo ou comida nas mãos. Alunas e criadas de servir à mesa testemunharam o fato da mesma maneira.
Entretanto, nem sempre sucedia que o duplo imitasse os movimentos da pessoa verdadeira. Às vezes, quando esta se levantava da cadeira, via-se seu duplo ficar sentado ali. Em certa ocasião, estando de cama por causa de um defluxo, a menina de quem se tratou, a menina de Wrangel, que lhe fazia uma leitura para distraí-la, viu-a empalidecer de repente e contorcer-se como se fosse perder os sentidos; em seguida, a menina, atemorizada, perguntou-lhe se se sentia pior. Ela respondeu que não, mas com voz muito fraca e desfalecida. A menina de Wrangel, voltando-se casualmente alguns instantes depois, divisou mui distintamente o duplo da doente passeando a passos largos no aposento. Desta vez a menina tinha tido bastante domínio sobre si mesma para conservar-se calma e não fazer a mínima observação à doente, mas pouco depois desceu a escada, muito pálida, e contou o fato de que tinha sido testemunha.
O caso mais notável, porém, dessa atividade, na aparência independente, das duas formas é certamente o seguinte:
Certo dia todas as alunas, em número de quarenta e duas, estavam reunidas em um mesmo aposento e ocupadas em trabalhos de bordado. Era um salão do andar térreo do edifício principal, com quatro grandes janelas, ou antes, quatro portas envidraçadas que se abriam diretamente para o patamar da escada e conduziam ao jardim muito extenso pertencente ao estabelecimento. No centro da sala havia uma grande mesa diante da qual se reuniam habitualmente as diversas classes para se entregarem a trabalhos de agulha ou outros análogos.
Naquele dia as jovens colegiais estavam todas sentadas diante da mesa e podiam ver perfeitamente o que se passava no jardim; ao mesmo tempo em que trabalhavam, viam a jovem Sagée, ocupada em colher flores, nas proximidades da casa; era uma das suas distrações prediletas. No extremo da mesa, em posição elevada, conservava-se uma outra professora, incumbida da vigilância e sentada numa poltrona de marroquim verde. Em dado momento, essa senhora desapareceu e a poltrona ficou desocupada. Mas foi apenas por pouco tempo, pois que as meninas viram ali de repente a forma da jovem Sagée. Imediatamente elas dirigiram a vista para o jardim e viram-na sempre ocupada em colher flores; apenas seus movimentos eram mais lentos e pesados, semelhantes aos de uma pessoa sonolenta ou exausta de fadiga. De novo dirigiram os olhos para a poltrona em que o duplo estava sentado, silencioso e imóvel, mas com tal aparência de realidade que, se não tivessem visto a jovem Sagée e não soubessem que ela tinha aparecido na poltrona sem ter entrado na sala, acreditariam que era ela em pessoa. Convictas, no entanto, de que não se tratava de uma pessoa real, e pouco habituadas com essas manifestações extraordinárias, duas das mais ousadas alunas se aproximaram da poltrona e, tocando na aparição, acreditaram sentir uma certa resistência, comparável à que teria oferecido um leve tecido de musselina ou de crepe. Uma delas chegou mesmo a passar defronte da poltrona e a atravessar na realidade uma parte da forma. Apesar disso, esta durou ainda por certo tempo; depois desfez-se gradualmente. Imediatamente notou-se que a jovem Sagée tinha recomeçado a colheita de suas flores com a vivacidade habitual. As quarenta e duas colegiais verificaram o fenômeno da mesma maneira.
Algumas dentre elas perguntaram em seguida à jovem Sagée se, naquela ocasião, ela tinha experimentado alguma coisa de particular; esta respondeu que apenas se recordava de ter pensado, diante da poltrona desocupada: “Eu preferiria que a professora não se tivesse ido embora; certamente, essas meninas vão perder o tempo e cometer alguma travessura.”
Esses curiosos fenômenos duraram, com diversas variantes, cerca de dezoito meses, isto é, por todo o tempo em que a jovem Sagée conservou seu emprego em Neuwelcke (durante uma parte dos anos 1845-1846); entretanto, houve intervalos de calma de uma a muitas semanas. Essas manifestações se davam principalmente em ocasiões em que ela estava muito preocupada ou muito aplicada aos seus serviços. Notou-se que à medida que o duplo se tornava mais nítido e adquiria maior consistência, a própria pessoa ficava mais rígida e enfraquecida, e reciprocamente, que, à medida que o duplo se desfazia, o ser corpóreo readquiria suas forças. Ela própria era inconsciente do que se passava e só ficava sabendo do ocorrido quando lho diziam; ordinariamente os olhares das pessoas presentes avisavam-na; nunca teve ocasião de ver a aparição de seu duplo e, do mesmo modo, parecia não aperceber-se da rigidez e inércia que se apoderavam dela, quando seu duplo era visto por outras pessoas.
Durante os dezoito meses em que a Baronesa Júlia de Güldenstubbe teve a oportunidade de ser testemunha desses fenômenos e de ouvir falar a tal respeito, nunca se apresentou o caso da aparição do duplo a grande distância; por exemplo: a muitas léguas da pessoa corpórea; algumas vezes, entretanto, o duplo aparecia durante seus passeios na vizinhança, quando a distância não era muito grande. As mais das vezes, era no interior do estabelecimento. Todo o pessoal da casa o tinha visto. O duplo parecia ser visível para todas as pessoas, sem distinção de idade nem de sexo.
Pode-se facilmente imaginar que um fenômeno tão extraordinário não pudesse apresentar-se com essa insistência durante mais de um ano em uma instituição desse gênero, sem lhe dar prejuízo. Desde que ficou bem estabelecido que a aparição do duplo da jovem Sagée, verificada a princípio na classe que ela dirigia, depois em toda a escola, não era um simples fato de imaginação, a coisa chegou aos ouvidos dos pais. Algumas das mais tímidas dentre as colegiais testemunhavam uma viva excitação e desfaziam-se em recriminações todas as vezes que o acaso as tornava testemunhas de uma coisa tão estranha e tão inexplicável. Naturalmente, os pais começaram a experimentar escrúpulo em deixar suas filhas por mais tempo sob semelhante influência, e muitas alunas, que tinham saído em férias, não mais voltaram. No fim de dezoito meses, havia apenas doze alunas das quarenta e duas que eram. Por maior que fosse a repugnância que tivessem com isso, foi preciso que os diretores sacrificassem Emília Sagée.
Ao ser despedida, a jovem, desesperada, exclamou, em presença da jovem Júlia de Güldenstubbe: “Oh, já pela décima nona vez; é duro, muito duro de suportar!”
Quando lhe perguntaram o que queria dizer com isso, ela respondeu que por toda parte por onde tinha passado – e desde o começo de sua carreira de professora, na idade de dezesseis anos, tinha estado em dezoito casas antes de ir a Neuwelcke –, os mesmos fenômenos se tinham produzido, motivando sua destituição. Como os diretores desses estabelecimentos estavam satisfeitos com ela em todos os outros pontos de vista, davam-lhe, de cada vez, excelentes certificados. Em razão dessas circunstâncias, ela se via na necessidade de procurar de cada vez uma nova colocação em lugar tão distanciado do precedente quanto possível.
Depois de ter deixado Neuwelcke, retirou-se durante algum tempo para perto dali, para a companhia de uma cunhada que tinha muitos filhos ainda pequenos. A jovem de Güldenstubbe foi visitá-la ali e soube que esses meninos, de idade de três a quatro anos, conheciam as particularidades de seu desdobramento; eles tinham o hábito de dizer que viam duas tias Emília.
Mais tarde, se dirigiu ao interior da Rússia, e a jovem de Güldenstubbe não mais ouviu falar a seu respeito.
Eu soube de todos esses pormenores por intermédio da própria jovem de Güldenstubbe, que espontaneamente me dá autorização de publicá-los com a indicação de nomes, de lugar e de data; ela se conservou no pensionato de Neuwelcke durante todo o tempo em que a jovem Sagée lecionou ali; por conseguinte, ninguém teria podido dar um relatório tão exato dos fatos, com todos os seus pormenores.”
No caso que precede, devemos excluir toda a possibilidade de ilusão ou de alucinação; parece-nos difícil admitir que as numerosas alunas, professores, professoras e diretores de dezenove estabelecimentos tenham experimentado por sua vez, a respeito da mesma pessoa, a mesma influência alucinatória. Por conseguinte, não há dúvida de que se trata neste caso de uma aparição, no rigoroso sentido da palavra, de um desdobramento real do ser corpóreo, tanto mais quanto o duplo se entregava, em muitos casos, a uma ocupação diversa da que tinha a própria pessoa.
Notemos, além disso, que no dizer das alunas que tiveram a ousadia de tocar no duplo de Emília Sagée, este apresentava uma certa consistência. Há todo o fundamento para supor-se que a fotografia teria demonstrado a realidade objetiva desse desdobramento.
Eu já mencionei, em meu primeiro capítulo, muitos casos de fotografias transcendentes de duplos. O último dos três casos que citei, e que foi comunicado pelo Sr. Glendinning, encontra sua explicação de maneira inesperada no da jovem Sagée. Eis como se exprime o Sr. Glendinning:
“Em uma de nossas experiências, obtivemos o retrato de nosso médium na atitude em que ele então se achava, à meia distância entre o fundo e o aparelho, dez a quinze minutos antes da exposição da chapa.”
Tinha-se consultado a prancheta acerca desse mistério e recebera-se esta resposta:
“O médium deixou sua influência no lugar que tinha ocupado, e, se uma pessoa dotada de clarividência se tivesse achado no aposento, tê-lo-ia visto nesse lugar.”
Ora, que lemos no caso de Emília Sagée? “Às vezes, quando ela deixava a cadeira, via-se seu duplo ficar sentado.” A analogia é frisante.
Essas duas linhas dão ainda a chave de outro caso de fotografia de duplo, referido por Pierrart, na Revista Espiritualista, 1864, pág. 84: O Sr. Cúrcio Paulucci, fotógrafo em Chiavari, perto de Gênova, tirava o retrato de um grupo de três pessoas; depois da revelação, o retrato de uma quarta pessoa apareceu atrás do grupo; era o do duplo de um ajudante que se tinha conservado por alguns instantes, antes da exposição da chapa, por trás do grupo, para colocar na posição desejada as pessoas que o compunham. O Sr. Guido, engenheiro, amigo do Sr. Paulucci, o próprio que comunicou o fato ao Sr. Pierrart, descreveu todas as manipulações químicas por meio das quais se assegurou de que a imagem se achava realmente sobre o colódio e não, por qualquer inadvertência, sobre a placa de vidro.
Como apêndice à primeira rubrica, posso citar o caso seguinte, no qual a comunicação feita por um vivo é ainda acompanhada pela aparição de seu duplo. Eis o caso, tal qual foi comunicado ao jornal Human Nature, 1867, página 510, pelo Sr. Baldwin, de Birmingham; trata-se da aparição de seu próprio duplo:
“Há cerca de quinze dias, estando a Srta. Taylor à mesa, em sua casa, a tomar o chá em companhia de sua tia e de seu primo, ela lhes contou que via mui distintamente o Sr. Baldwin, que se conservava no canto da mesa em que estavam sentados. Naquele momento a aparição não se manifestou por comunicação alguma inteligente, a não ser por um sorriso. Porém, alguns dias depois, achando-se as mesmas pessoas reunidas em uma sessão espírita, A Srta. Taylor repetiu que via o Sr. Baldwin; em seguida, a Srta. Kross, sua prima, pediu uma prova de sua identidade. Imediatamente ele se aproximou da mesa, pegou no braço da Srta. Taylor, que era médium escrevente, e escreveu seu nome por inteiro. A Srta. Kross exigiu ainda outra prova e disse que, se era realmente ele, escrevesse o pedido que ele lha tinha dirigido recentemente, repetisse as últimas palavras que ele proferira na noite precedente. Imediatamente tudo foi escrito na íntegra.”
Para os pormenores complementares, veja-se o artigo do Sr. Baldwin no Human Nature, 1868, página 151.
Os fatos de experimentação nesse sentido não são numerosos, porém existem. Assim o Sr. Colman atesta que a filha do juiz Edmonds, a Srta. Laura, “podia, às vezes, à vontade, desviar para fora (exteriorizar) seu espírito e fazê-lo aparecer, sob sua própria forma, e fazer por tal meio comunicações às pessoas que lhe eram simpáticas”.
A Srta. Mapes, filha do professor Mapes, garantiu por sua vez ao Sr. Colman que “sua amiga a Srta. Edmonds lhe tinha aparecido, fazendo-lhe comunicações, se bem que estivessem separadas uma da outra por uma distância de 20 milhas inglesas”. O Sr. Colman cita ainda um caso desse gênero (veja-se Spiritualism in America, pág. 4, e Spiritualist, 1873, pág. 470).
Encontra-se a relação de experiências mais recentes nos Phantasms of the Living, tomo I, págs. 103-109, e tomo II, págs. 671-676. Vede também o capítulo “Majavi Rupa” na obra de Carl Du Prel A Doutrina Monística da Alma, 1888, aliás, em geral, todos os capítulos desse livro são consagrados à apreciação filosófica do fenômeno de desdobramento.
Nas biografias dos médiuns encontra-se grande número de casos de aparições de seus duplos (por exemplo, na biografia da Sra. Conant, pág. 112), e chegamos naturalmente à categoria seguinte.
D – Ação extracorpórea do homem vivo manifestando-se sob a forma da aparição de sua imagem com certos atributos de corporeidade (fenômenos teleplásticos – formação de corpos materializados)
É aqui que a ação extracorpórea do homem adquire seu mais alto grau de objetividade, pois que se produz por efeitos intelectuais, físicos e plásticos. E é somente no Espiritismo que encontramos a prova absoluta desse fato. Uma vez admitido o fenômeno da materialização, ele deve ser naturalmente e logicamente reconhecido como produto do organismo humano; se, além disso, se estabelece como regra geral que a forma materializada tem grande semelhança com o médium, deve-se concluir, com a mesma naturalidade, que se está em presença de um fenômeno de desdobramento corpóreo. O fato dessa semelhança foi por muitas vezes verificado nas sessões em que se observaram materializações – completas ou parciais.
Cronologicamente falando, creio que a primeira observação desse gênero remonta aproximadamente ao ano de 1855, e produziu-se por acaso, em uma das sessões às escuras feitas pelos irmãos Davenport, com o intuito de obter efeitos físicos. Mesmo no meio da sessão, “um agente de polícia abriu sua lanterna de furta-fogo e iluminou o aposento. Então se passou uma cena extraordinária: Davenport pai levantou-se em sobressalto e declarou, acometido de intensa excitação, que tinha visto seu filho Ira perto da mesa, em posição de tocar em um dos tamboris, exatamente na ocasião em que o aposento acabava de ser iluminado, e que o tinha visto voltar à sua cadeira”. O Sr. Davenport estava exasperado; mas qual não foi sua surpresa quando, “uma vez restabelecida a calma, cerca de vinte assistentes afirmaram por sua honra terem visto distintamente, além da forma humana perto da mesa – o duplo ou fantasma de Ira Davenport – ao mesmo tempo, ou o próprio rapaz em carne e osso, sentado na cadeira, entre duas outras pessoas. O fantasma se tinha dirigido para o rapaz, mas provavelmente não chegara até onde este estava, visto como desaparecera a cerca de seis pés do lugar em que o rapaz estava sentado”. (Veja-se The Davenport Brothers, a biography par Randolph, Boston, 1869, págs. 198-199; citado no Spiritualist, 1873, págs. 154-470).
Nesse mesmo livro, somos informados de como se houve o professor Mapes para certificar-se de que os fenômenos físicos eram produzidos pelos duplos dos irmãos Davenport:
“Quando – diz ele – a guitarra chegou perto de mim, apalpei cuidadosamente a pessoa que eu suspeitava ser o moço Ira Davenport. Procurei assegurar-me de sua presença, passando a mão por sua forma inteira, mas não pude retê-lo porque ele deslizava entre minhas mãos, desaparecia, por assim dizer, com a maior facilidade possível.”
Foi principalmente pela roupa do moço Davenport que o Sr. Mapes se certificou de tê-lo reconhecido na escuridão; feita a luz, porém, que foi imediatamente pedida, pôde-se verificar que o moço Ira estava sempre amarrado em sua cadeira, como o tinha deixado o professor. Em uma sessão que se realizou em casa do Sr. Mapes, este último, bem como sua filha, puderam ainda uma vez verificar o desdobramento dos braços e das mangas da roupa do médium. (Ibidem, 185-186).
O reverendo J. B. Fergusson, que acompanhou os irmãos Davenport em sua viagem à Inglaterra e os tinha tomado sob sua proteção, não deixando de observá-los com todo o cuidado, exprime-se nestes termos:
“Vi, com os meus próprios olhos, os braços, o tronco e, por duas vezes, o corpo inteiro de Ira Davenport, à distância de 2 a 5 pés do lugar em que se achava em pessoa, como todos puderam presenciá-lo, amarrado com segurança à sua cadeira.” E mais adiante: “Em certas condições, ainda pouco determinadas, as mãos, os braços e a roupa dos irmãos Davenport desdobram-se, quer para a vista quer para o tato.” (Supramundane Facts in the Life of Rev. J. B. Fergusson (Fatos supraterrestres na vida do reverendo J. B. Fergusson), 1865, pág. 109).
As mesmas observações foram feitas por freqüentes vezes na Inglaterra com outros médiuns, e essa questão provocou por muitas vezes controvérsias entre os jornais espíritas. Consultar, entre outros, os artigos do Sr. Harrison no Spiritualist (1876, I, pág. 205; 1879, I, pág. 133); o artigo do Sr. A. Oxon em Light de 1884, pág. 351; o do Sr. Keulemans em Light, de 1884, pág. 351, e de 1885, pág. 509. Na presente obra trata-se deste assunto. Visto que a experiência de que fiz menção naquele ponto, a do Sr. Crookes com a Sra. Fay, foi feita nas condições mais rigorosas de fiscalização que a Ciência pode exigir, e como um caso de desdobramento se produziu ali, devemos considerar essa experiência como uma das provas mais sérias da realidade desse fenômeno. O Sr. Cox, que tomou parte nessa sessão, refere-a assim:
“Em sua excelente descrição da sessão de que se trata, o Sr. Crookes diz que “uma forma humana inteira foi vista por mim bem como por outras pessoas. É a verdade. Quando me entregavam meu livro, a cortina afastava-se suficientemente para permitir-me ver a pessoa que mo dava. Era a forma da Sra. Fay, em sua inteireza: a cabeleira, o rosto, o vestido de seda azul, os braços nus até o cotovelo, e usando pulseiras ornadas de pérolas finas. Nesse momento a corrente galvânica não registrou a mínima interrupção, o que se teria dado inevitavelmente se a Sra. Fay tivesse desprendido as mãos dos fios condutores. O fantasma apareceu ao lado da cortina que ficava oposto àquele em que se achava a Sra. Fay, à distância mínima de 8 pés de sua cadeira, de maneira que lhe teria sido impossível, de qualquer maneira, alcançar o livro na prateleira, sem ser coagida a desprender-se dos fios condutores. E, entretanto, repito-o, a corrente não sofreu a mínima interrupção”.
Há outra testemunha que viu o vestido azul e as pulseiras. Nenhum de nós participou aos outros o que tinha visto, enquanto a sessão não terminou; por conseguinte, nossas impressões são absolutamente pessoais e independentes de qualquer influência.” (Spiritualist, 1875, I, pág. 151).
As experiências de fotografia também aí estão para estabelecer o fato do desdobramento. Sabe-se que Katie King assemelhava-se de maneira notável à sua médium Florence Cook; os retratos que o Sr. Crookes obteve de Katie atestam o fato até à evidência.
As impressões feitas em papel enegrecido vêm corroborar da mesma maneira o fenômeno em questão, mas a demonstração mais importante de desdobramento nos é fornecida pelas experiências de moldagem por meio de formas de parafina.
Citei mais acima a experiência feita com o Sr. Eglinton, no decurso da qual se obteve, por meio desse processo, a forma de seu pé, enquanto o verdadeiro pé ficava visível aos olhos dos membros da comissão incumbida de vigiar a experiência.
O Sr. Harrison faz conhecer um resultado análogo, mencionando outra experiência, na qual se obteve a moldagem das mãos dos médiuns. (Spiritualist, 1876, I, pág. 298).
O doutor espanhol Otero Assevedo relata uma experiência muito curiosa, que ele teve oportunidade de fazer. Em 1889, dirigiu-se a Nápoles, no intuito de verificar a autenticidade das manifestações que se davam nas sessões da médium Eusápia Paladino. O Sr. Assevedo desejava obter uma impressão em terra argilosa, em condições absolutamente inatacáveis. Para isso encheu um prato de terra argilosa fresca. No fim da sessão regulamentar, após as manifestações habituais, Eusápia Paladino propôs, muito por seu gosto, tentar a experiência imaginada pelo sábio espanhol. Pediu ao Sr. Assevedo que colocasse o prato que continha a terra argilosa em uma cadeira, diante dela, à distância de cerca de 2 metros, assegurando-se, previamente, de que a superfície da massa estava completamente lisa. Em seguida, cobriu-a com um lenço. Isso se dava à plena luz.
Todas as pessoas tinham os olhos fixos em Eusápia. Ela dirigiu a mão para o lugar onde se achava o prato, fez alguns movimentos convulsivos e exclamou: “Está pronto!”
Quando se retirou o lenço, verificou-se que na terra argilosa havia a impressão, perfeitamente executada, de três dedos (veja-se a Revista Espírita, 1889, pág. 587). Nas cartas que me escreveu, o Sr. Assevedo garantiu-me que, para ele, não havia a menor dúvida quanto à realidade desses fatos, se bem que tivesse assistido a essas sessões com as idéias preconcebidas de um “materialista intransigente”, segundo sua expressão.
Esse fato extraordinário do desdobramento do organismo humano – fato que deduzimos logicamente do fenômeno da materialização – nos dá o direito de acreditar nas narrações que nos chegam, de outro lado, acerca de aparições de duplos que produzem efeitos físicos, sem que sejamos por isso coagidos a recorrer à hipótese das alucinações visuais, auditivas e táteis. Se é verdade que o fenômeno essencial existe, essa última espécie de duplos reduzir-se-ia a uma variedade caracterizada por um grau diferente de corporeidade, e dependente do espaço que separa o fantasma de seu protótipo vivo. Essa inconstância no grau de materialidade das aparições foi observada por muitas vezes e, dentre outras, pelo Sr. Crookes, que refere a tal respeito o fato seguinte:
“Ao declinar do dia, durante uma sessão do Sr. Home em minha casa, vi moverem-se as cortinas de uma janela, que estava cerca de 8 pés de distância do Sr. Home. Uma forma sombria, opaca, semelhante a uma forma humana, foi divisada por todos os assistentes, de pé, próxima à vidraça, sacudindo a cortina com a mão. Enquanto a olhávamos, desapareceu, e as cortinas deixaram de mover-se.
O caso seguinte é ainda mais extraordinário. Como no precedente, era o Sr. Home quem servia de médium. Um fantasma, saindo de um canto do aposento, lançou mão de um acordeão, e em seguida deslizou através do aposento, tocando esse instrumento. Aquela forma foi visível durante muitos minutos por todas as pessoas presentes, e ao mesmo tempo se via também o Sr. Home. O fantasma aproximou-se de uma senhora que estava sentada a certa distância dos demais assistentes; essa senhora deu um pequeno grito, após o qual a sombra desapareceu.” (Crookes, Pesquisas, edição francesa, pág. 165).
Um fato análogo se deu na Rússia; foi comunicado ao Rebus pelo Dr. Kousnetzoff, que assim o relata:
“Na penumbra, vimos flutuar uma forma de criança, que parecia ter cinco anos: era bela de perfil, tinha os cabelos anelados e segurava uma caixa de fósforos, fluorescente, que pendurou em uma haste de filodendro que se achava no aposento; nesse momento, as folhas do arbusto fizeram ouvir um frêmito característico.”
Não havia crianças naquela sessão; os experimentadores eram em número de três: o Sr. Kousnetzoff e o Sr. e Sra. M. (1892, pág. 97).
Consultando meu índex, encontro um exemplo de materialização transparente, observada pelo Sr. Morse, a quem conheço perfeitamente. Ele publicou a notícia no jornal Facts, de Boston (1886, pág. 205).
É permitido supor, com todo o fundamento, que o grau de densidade de um duplo diminui em razão do seu afastamento do organismo que ele representa. Como símile a um fato de que falei na categoria B – sensitivo mesmerizado agindo a distância e sem ser visto pelos experimentadores –, citarei aqui o seguinte caso e no qual o efeito visual se acha combinado com a ação física. O Sr. Desmond Fitzgerald, engenheiro, escreveu a esse propósito no Spiritualist, sob o título: “Efeito físico produzido pelo espírito de um sensitivo”:
“O magnetizador mais poderoso que tenho conhecido até hoje é um certo H. E. Lewis, um negro, com o concurso do qual lorde Lytton (Bulwer) fez grande parte de suas experiências semi-espiríticas. Fiz relações com ele, há vinte anos, por intermédio do Sr. Thompson, que era da mesma maneira um magnetizador e muito poderoso. Naquela época eu me ocupava assiduamente com o estudo dos fenômenos do mesmerismo, e as experiências que fiz então foram o ponto de partida de minhas convicções espiríticas atuais. Decidido a formar uma idéia clara acerca da autenticidade de certos fenômenos, aluguei um aposento na casa de Lewis, em Baker Street, e organizei, com o seu concurso, muitas conferências sobre o mesmerismo, nas circunvizinhanças, escolhendo localidades que lhe eram desconhecidas.
Em fevereiro de 1856 fomos a Blackheath: produziu-se ali um incidente muito curioso. Tínhamo-nos hospedado em um hotel, e à meia-noite, no salão comum, Lewis magnetizou muitas pessoas e fez algumas experiências notáveis de eletro-biologia, que interessaram vivamente os assistentes.
Ficou convencionado que se poria uma sala à disposição de Lewis e no dia seguinte realizou-se a conferência. Depois das experiências habituais de magnetismo, que tiveram êxito maravilhoso, Lewis procedeu à demonstração de alguns dos fenômenos de clarividência e de sonambulismo, na pessoa de uma moça, a quem ele nunca tinha visto dantes e que, com outras pessoas, tinha deixado as filas do público para subir ao estrado. Depois de tê-la mergulhado em profundo sono, convidou-a a ir à sua casa (dela) e descrever o que visse ali. Ela começou então a contar que via a cozinha, que duas pessoas estavam lá, ocupadas nos afazeres domésticos.
– Poderás tocar uma dessas pessoas, a que está mais perto de ti? – perguntou Lewis.
Ele só obteve como resposta um murmúrio ininteligível. Em seguida colocou uma das mãos sobre a cabeça do sensitivo e a outra sobre o plexo solar, e disse-lhe:
– Quero que lhe toques no ombro; deves fazê-lo e fá-lo-ás.
A moça começou a rir e disse:
– Eu lhe toquei; como estão amedrontadas!
Dirigindo-se ao público, Lewis perguntou se alguém conhecia a moça. Tendo recebido uma resposta afirmativa, propôs que um grupo se dirigisse ao domicílio da moça, a fim de certificar-se da exatidão de sua narração. Muitas pessoas se dirigiram para ali, e quando voltaram confirmaram em todos os pontos o que a jovem adormecida tinha referido: todas as pessoas da casa estavam efetivamente descontroladas e em profunda excitação porque uma das pessoas que se achava na cozinha declarava ter visto um fantasma e que esse lhe tocara no ombro.
A moça que tinha sido submetida à experiência como “sensitiva” era empregada na qualidade de criada em casa do Sr. Taylor, sapateiro em Blackheath. Em meu canhenho encontro, entre outros, o nome de um Sr. Bishop, dentista, residente em Blackheath, que se ofereceu para certificar a exatidão do incidente.” (Spiritualist, 1875, I, pág. 97).
O professor Daumer cita em seu livro Das Geisterreich (O Reino dos Espíritos) (Dresda, 1867), no capítulo intitulado “Aparições de vivos sob a forma de fantasmas”, essa passagem do Magicon de Justino Kerner, onde se trata do auto-sonâmbulo Suzette B., cujo duplo tinha aparecido ao Dr. Ruffi e apagara a luz de sua vela (T. I, pág. 167).
Eis um exemplo de data mais recente, referido por uma testemunha das mais fidedignas, o finado H. Wedgwood, membro da Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres:
O fantasma de um homem vivo batendo na porta
“Em fins de setembro, eu era hóspede da Sra. T., uma de minhas amigas, que possuía faculdades mediúnicas. Seu marido dirige-se todos os dias a Birmingham, por causa de negócios; a distância é de cerca de 20 milhas.
Quinze dias antes de minha chegada, em um sábado, e precisamente alguns instantes antes da hora em que seu marido devia entrar em casa, a Sra. T. estava na janela de seu quarto de dormir, que dava para a rua, e divisou o marido que abria a porta gradeada do jardim e depois caminhava pela vereda; ele tinha nas mãos muitos embrulhos, o que excitou a curiosidade da Sra. T.
Ela se apressou em ir abrir-lhe a porta; no caminho encontrou seu cunhado e lhe deu parte de que acabava de ver seu marido, que tinha entrado pela porta reservada, conduzindo muitos embrulhos. Enquanto ela falava com seu cunhado, ouviu bater na porta principal a série de pancadas adotada por seu marido. As pancadas eram tão distintas que ela não teve dúvida de que seu cunhado as tivesse ouvido também, o que entretanto não se tinha verificado: mas a criada, na cozinha, que ficava vizinha ao vestíbulo, as tinha ouvido perfeitamente e estava persuadida de que era o dono da casa; ela correu para abrir a porta; mas a Sra. T., que se tinha adiantado, abriu-a. Não vendo ninguém, a Sra. T. mandou a criada de quarto à entrada particular e foi pessoalmente à sala de jantar, na outra extremidade da casa, persuadida de que seu marido tinha entrado pela porta do jardim; ali também não encontrou pessoa alguma. Enquanto ela ficava tão perplexa, a criada de quarto foi avisá-la de que o Sr. T. tinha chegado e acabava de entrar nesse mesmo instante pela porta principal. Ela foi ao encontro do marido e perguntou-lhe por que ele tinha voltado depois de ter entrado uma primeira vez pela porta do jardim. Este lhe respondeu que nada disso tinha feito; que vinha diretamente da estação.
– Vamos lá, ouvi-te perfeitamente bater e vi chegares, com dois embrulhos embaixo do braço! – disse ela, com acento de uma pessoa que está convencida de ter sido o alvo de uma brincadeira.
O Sr. T. não compreendia nada de tudo isso. Ele tinha, efetivamente, dois embrulhos debaixo do braço, como sua mulher tinha julgado vê-lo.
O cunhado afirma, de seu lado, que, estando perto da janela, tinha ouvido perfeitamente as palavras da criada de quarto, dizendo que o amo acabava de bater, e isso precisamente no momento em que a Sra. T. acreditava vê-lo na vereda do jardim. Eu tive a confirmação disso depois, por intermédio da própria criada de quarto. Sua afirmação é, aliás, amplamente corroborada pelo fato de ter ido até à porta para abri-la. É certo que as pancadas tinham tal realidade objetiva que foram ouvidas simultaneamente por duas pessoas que estavam em pontos distantes da casa e que não se comunicavam entre si.
Soube desse fato pelas próprias testemunhas do incidente e transcrevi-o segundo suas próprias palavras durante o acontecimento, quinze dias depois de sucedido.” (Light, 1883, pág. 458).
O Sr. Wedgwood fez acompanhar a narração que precede por outra que teria seu lugar, antes, sob a categoria B, mas reproduzo-o aqui a título de apêndice. As personagens são as mesmas.
“Antes do incidente que acabo de referir, o Sr. T. parece que já tinha avisado de sua volta as pessoas da família, provocando efeitos que cada qual podia verificar, mas sem que seu duplo tivesse sido notado por quem quer que fosse.
Para chegar em casa antes da hora do jantar, o Sr. T. podia tomar, quer o trem de 5 horas e meia, quer o de 6 horas e meia. A 12 de junho ele preveniu sua mulher, ao partir, que provavelmente só voltaria pelo último trem. Perto das 6 horas e meia a Sra. T. teve a idéia de ir à estação ao encontro de seu marido; na ocasião em que se preparava para pôr o chapéu, ouviu subitamente o som de muitos acordes tocados no piano, na sala do andar inferior; esses acordes foram seguidos de uma passagem rápida, em oitavas, e em seguida ouviu tocar uma melodia, com um dedo, como o fazia ordinariamente o Sr. T. Persuadida de que seu marido havia chegado pelo primeiro trem, tirou o chapéu e desceu a toda pressa; mas encontrou a sala vazia e o piano fechado. Ninguém estava em casa, pois que a criada se achava na lavanderia, na outra extremidade da casa.” (Ibidem).
Outro caso, mais concludente ainda, é-nos comunicado pelo Sr. Georges Wyld, doutor em Medicina:
“Eu tinha excelentes relações de amizade, havia 15 anos, com a Srta. J. e sua mãe. Essas duas senhoras receberam uma instrução das mais aprimoradas e são absolutamente dignas de fé. A narração que me fizeram foi confirmada por uma das criadas. Quanto à outra, não pude encontrá-la.
Foi alguns anos antes de nosso conhecimento; a Srta. J. era muito assídua em visitar os pobres. Ora, certo dia em que voltava para casa, depois de um passeio de caridade, sentiu-se fatigada e indisposta por causa do frio e teve o desejo de ir em sua volta aquecer-se perto do fogão, na cozinha. No instante preciso que correspondia àquele em que essa idéia lhe tinha passado pelo espírito, duas criadas que estavam ocupadas na cozinha sentiram dar volta no ferrolho da porta, esta abrir-se e dar passagem à Srta. J., que se aproximou do fogo e aqueceu as mãos. A atenção das criadas fixava-se nas luvas de pele de cabrito envernizadas de cor verde que J. tinha nas mãos. Subitamente, diante de seus olhos, ela desapareceu. Atemorizadas, elas subiram rapidamente até onde estava a mãe da Srta. J. e comunicaram a sua aventura, sem esquecer a particularidade das luvas verdes.
A mãe foi assaltada por alguma apreensão de mau presságio, mas tentou tranqüilizar as criadas, dizendo-lhes que J. só usava luvas pretas, que nunca as tivera de cor verde e que, por conseguinte, sua visão não podia ser considerada como o fantasma de sua filha.
Cerca de meia hora depois, a Srta. J. em pessoa entrava; foi diretamente à cozinha e aqueceu-se diante do fogo. Ela estava de luvas verdes, por não haver encontrado as pretas.” (Light, 1882, pág. 26).
Em notícia explicativa, o Sr. Wyld acrescenta:
“Não faltam notícias, arranjadas levianamente, de fenômenos psíquicos; quanto a mim, tive sempre o cuidado de ser o mais preciso possível. Por exemplo, no caso de que trato, compreendo muito bem o que havia de importante em ficar adstrito aos fatos; entreguei-me às investigações mais minuciosas, descendo aos mínimos pormenores; assim, pedi que me repetissem por muitas vezes o fato de só uma das duas criadas que estavam na cozinha ter visto o movimento do ferrolho da porta, ao passo que ambas tinham visto a porta abrir-se.” (Light, 1882, pág. 50).
No Spiritualist de 1857, tomo II, página 283, o Dr. Wyld expõe, de maneira circunstanciada, sua teoria, que poderia ser resumida no próprio título de seu artigo: “O homem como espírito, e os fenômenos espiríticos conforme são produzidos pela ação do homem vivo”.
A Sra. Hardinge Britten relata um fato curioso em sua memória sobre as aparições de duplos, publicada no Banner of Light de 1875 (6 de novembro e 11 de dezembro); esse fato é reproduzido pelo Sr. A. (Oxon) em seu artigo “Da ação extracorpórea do espírito do homem” (Human Nature, 1876, pág. 118). Ei-lo:
“Era na época em que se realizavam as sessões do célebre círculo de Nova Iorque, nas quais tomava parte freqüentemente o reverendo Tomás Benning, recentemente falecido. Ele tinha recebido o convite de fazer em certo sábado uma conferência em Troy, Nova Iorque; porém, na véspera do dia marcado, teve uma dor de cabeça violenta que não lhe teria permitido aceder ao convite que tinha aceitado. Escreveu à pressa uma carta de desculpas ao presidente da Sociedade de Troy. Entretanto, à noite ele melhorou e pôde ir ao círculo de sua cidade. Durante a sessão, sua preocupação obcecante era saber se a carta chegaria a tempo para permitir à Sociedade de Troy encontrar outro conferencista. Ponderando bem, parecia-lhe impossível que a sua carta chegasse a tempo, e tal idéia afligia-o tanto mais porque ele não descobria meio algum de remediar a situação. Atormentado por esses pensamentos, não prestou quase atenção alguma ao que se passava na sessão. Convém declarar que nesse círculo de Troy a aparição de duplos não era coisa rara. O Sr. Benning teve a lembrança de tentar a experiência, isto é, prevenir por esse meio a seus amigos em Troy do incômodo que sentia. Essa tentativa não se traiu nele por sinal algum determinado, a não ser por uma vaga absorção da qual não conseguiu desfazer-se durante grande parte da noite. Essa sensação desapareceu subitamente e ele pôde então tomar parte nas ocupações do círculo tão conscienciosamente quanto tinha por hábito fazê-lo e com a lucidez de espírito que lhe era peculiar.
Transportemo-nos, porém, a Troy e vejamos o que lá se passava durante esse mesmo tempo. Naquela cidade, do mesmo modo que em Nova Iorque, havia um círculo do qual o reverendo Sr. T. Benning era membro. Esse círculo continha ao todo dezoito integrantes. Como o Sr. Benning fosse freqüentemente àquela cidade para fazer o sermão do domingo, tinha-se decidido escolher o sábado para a sessão. Naquele sábado, dezessete dos membros reuniram-se para a sessão, mas o Sr. Benning, com o qual contavam com toda a certeza, não chegava.
Mais de trinta minutos tinham decorrido desde a hora fixada para a sessão, quando se ouviu bater na porta da casa o sinal convencionado para anunciar a chegada de um dos membros. O aposento alugado para as sessões era situado no segundo andar e os membros deviam bater de modo particular, para evitar que uma pessoa estranha pudesse introduzir-se. Logo que o sinal convencionado se fez ouvir, o Sr. A., a quem cabia a vez de receber os que chegavam, desceu a escada, abriu a porta e divisou o Sr. Benning, que estava no limiar, à plena luz do luar. Ele fez admoestações ao retardatário e instou para que subisse, para juntar-se aos consócios que o esperavam com impaciência. Com grande surpresa sua, o Sr. Benning não manifestou desejo algum de entrar: conservava-se defronte da porta, irresoluto e murmurando algumas palavras para participar que não poderia fazer o sermão do dia seguinte. Impaciente com essa falta de pressa, o Sr. A. tomou o Sr. Benning pelo ombro, puxou-o para dentro, queixando-se de penetrar o frio no interior da casa; depois, tendo-o convidado a subir, fechou a porta e guardou a chave na algibeira, como costumava fazer, quando o círculo estava completo.
Os consócios, reunidos em cima, começavam a achar o tempo muito longo e incumbiram dois dentre eles para ir saber o que se passava. Estes encontraram o Sr. Benning na escada e lhe fizeram exprobrações acerca de sua demora. Este murmurou, com a mesma voz surda, algumas palavras de desculpa que não se referiam precisamente à sua demora; falava da impossibilidade em que ficaria de fazer o seu sermão, no dia seguinte. “Está bem, está bem! – responde-lhe o Sr. B. –, apressa-te, porém, um pouco, nós te temos esperado bastante. Em seguida tentou levar o Sr. Benning pelo braço; porém, com grande surpresa, este último o repeliu com força e, desviando os outros dois consócios, desceu a escada com precipitação e atirou-se na rua, fechando a porta violentamente atrás de si.
Os membros do círculo ficaram consternados perante tal conduta de seu respeitável consócio, e no decurso da reunião falou-se muito desse incidente bizarro. Ele foi inserido na ata da sessão com todos os pormenores, se bem que pessoa alguma tivesse podido encontrar a explicação do enigma. Foi só depois de terminada a sessão, quando todos desceram e se acharam defronte da porta fechada à chave, que vaga suspeita atravessou o espírito desses senhores e eles começaram a desconfiar que o incidente de que tinham sido testemunhas apresentava um caráter misterioso, oculto.
No dia seguinte, muitos membros do círculo foram ao sermão, na esperança de obter uma explicação do próprio Sr. Benning. A ausência do pregador não podia dissipar suas apreensões. Eles souberam que em conseqüência de uma demora do correio, a carta do Sr. Benning tinha chegado somente na véspera, às 10 horas, e, trazendo a nota de “urgente”, o recebedor do Correio, por delicadeza, a tinha feito chegar a seu destino no dia seguinte, domingo, de manhã. Essa carta também ainda não estava entregue doze horas depois que o estranho visitante da véspera comunicara o seu conteúdo aos membros do círculo de Troy.
O autor destas linhas está informado dessa narração pelo Sr. Benning e por duas pessoas que viram, reconheceram e tocaram o fantasma na escada. Elas lhe afirmaram que, apesar do caráter que o visitante pudesse ter, por mais imaterial que ele fosse, seu braço deu prova de um vigor muito considerável para poder desviar um dentre eles e impelir o outro com tanta força que esteve prestes a rolar pela escada.”
O Dr. Brittan menciona em seu livro Man and his Relations (O homem e suas Afinidades) (Nova Iorque, 1864), o caso seguinte, extraído de uma carta do Sr. E. V. Wilson. A Sra. Hardinge Britten reproduz essa carta in extenso. Eis a sua tradução:
“Na sexta-feira, 19 de maio de 1854, eu estava sentada diante de minha secretária; adormeci nessa posição, com a cabeça apoiada na mão. Meu sono durou de trinta a quarenta minutos. Sonhei que estava na cidade de Hamilton, a 40 milhas inglesas a oeste de Toronto, e que visitava diversas pessoas para receber dinheiro. Depois de terminado meu passeio de cobranças, desejei ir visitar uma senhora de meu conhecimento, que se interessava muito pela causa espírita. Sonhei que tinha chegado à sua casa e que tocava a campainha da porta. Uma criada veio abri-la e informou-me que a Sra. D. tinha saído e que não estaria de volta antes de 1 hora. Pedi um copo d’água, o que ela me trouxe, e fui embora, incumbindo-a de transmitir meus cumprimentos à sua ama. Pareceu-me que eu voltava a Toronto. Nesse ponto, despertei e não mais pensei em meu sonho.
Alguns dias depois, uma senhora que morava em Toronto, em minha casa, a Sra. J., recebia uma carta da Sra. D., originada de Hamilton; essa carta continha a passagem seguinte:
“Dize ao Sr. Wilson que ele tem um procedimento esquisito; que eu lhe peço que, em sua próxima visita, me deixe o seu endereço para evitar que eu vá a todos os hotéis de Hamilton, e apesar disso em pura perda. Na sexta-feira passada ele veio a minha casa; pediu que lhe dessem um copo d’água, disse como se chamava e transmitiu-me seus cumprimentos. Sabendo o interesse que tomo pelas manifestações espiríticas, parece-me que ele teria podido dispor as coisas de maneira a passar a noite conosco. Foi uma decepção para todos os nossos amigos. Não me esquecerei de dizer-lhe minha maneira de pensar, em nossa próxima entrevista.”
À leitura dessa passagem, comecei a rir-me, convicto de que a Sra. D. e seus amigos foram induzidos a erro ou, antes, que estavam desequilibrados, pois que eu não ia a Hamilton havia um mês e na hora designada eu dormia sentado diante de minha secretária, em meu estabelecimento.
A Sra. J. limitou-se a observar que evidentemente havia erro de uma ou de outra parte, porque a Sra. D. era uma pessoa sisuda, merecedora de toda a fé. Um raio de luz atravessou subitamente meu espírito: recordei-me do sonho que tinha tido e disse, em ar de brincadeira, que o visitante de quem se tratava não era provavelmente mais do que o meu fantasma. Incumbi a Sra. J. de escrever à Sra. D. para dizer-lhe que dentro em pouco tempo eu estaria em Hamilton, em companhia de muitos amigos, e que todos iríamos visitá-la; que eu pedia à Sra. D. que não prevenisse seus criados de nossa ida, com o único fim de verificar se qualquer deles reconhecia, a pedido seu, entre os que chegavam, o Sr. Wilson que se tinha apresentado a 19 de maio.
A 29 de maio fui a Hamilton com alguns companheiros, e todos fizemos uma invasão em casa da Sra. D. Esta senhora veio abrir-nos a porta e nos introduziu na sala. Pedi-lhe então que chamasse suas criadas e perguntasse-lhes se reconheciam um dentre nós. Duas das criadas me reconheceram como o senhor que tinha ido a casa no dia 19 e dissera chamar-se Wilson. As duas criadas me eram completamente desconhecidas, eu nunca tinha visto nem uma, nem outra. Elas estão prontas, assim como a Sra. D., a confirmar todos os pormenores da narração que lhe mando.
Aceite, etc.
E. V. Wildon
(Human Nature, 1876, págs. 112-113).”
O caso seguinte ainda é mais extraordinário; trata-se de um duplo produzindo efeitos físicos. Tiro-o do Spiritual Magazine (1862, pág. 535), que o reproduziu segundo o Herald of Progress, de Boston:
“Venho comunicar-vos um incidente que me foi referido por uma senhora dentre minhas amigas, habitante desta cidade e cuja probidade e respeitabilidade estão acima de toda suspeita. No inverno passado, essa senhora contratou para o seu serviço uma moça alemã, cujos pais habitam a Alemanha, com os seus demais filhos. Para corresponder-se com seus parentes, essa moça tinha recorrido à bondade da ama, que escrevia suas cartas. No inverno passado, Bárbara (é o nome da moça) adoeceu de febres intermitentes e teve que ir para a cama. Tendo delirado um pouco, sua ama ia freqüentemente vê-la à noite. Uma criada moça dormia também no quarto. Isso durou duas semanas, nas quais a doente dizia freqüentemente à sua ama: “Oh, senhora, todas as noites estou na Alemanha, perto dos meus!” Seu delírio atingiu o máximo durante duas noites. Em uma das ocasiões ela deixou precipitadamente o leito e levou consigo lençóis e cobertor para o aposento vizinho; em outra ocasião tentou puxar para fora do leito a jovem criada.
Entretanto, restabeleceu-se e já não se pensava mais em sua moléstia, quando chegou uma carta da Alemanha, de seus pais, que mandavam dizer que sua mãe estava muito incomodada, porque durante quinze noites consecutivas sua filha tinha batido na porta da casa paterna, deixaram-na entrar, todos os membros da família tinham-na visto e reconhecido, sem excetuar sua mãe, que não deixava de exclamar: “Oh, minha pobre Bárbara deve ter morrido!” Em uma das ocasiões, tinham-na visto retirar o cobertor de uma cama e conduzi-lo a outro aposento; na noite seguinte ela se agarrou com sua irmã e tentou fazê-la sair da cama.
Essa carta lançou a moça em grande consternação. Ela pretendia que na Alemanha tê-la-iam tratado de feiticeira e ainda hoje evita fazer a menor alusão a esse incidente.
Posso acrescentar que eu apenas transmito os fatos, tais quais os soube por essa senhora, que continua a morar em Dayton, com a criada de quem se trata.
Aceitai, etc.
Laura Cuppy
Dayton, Ohio, 12 de setembro de 1862.”
O livro de Robert Dale Owen: Footfalls (pág. 242) contém uma narração absolutamente notável: a tripulação de um navio é salva de uma perda iminente graças à ação extracorpórea (aparição de sua forma e comunicação escrita) de uma pessoa que estava a bordo, dormindo. Reproduzo o seu resumo, segundo o Dr. Perty (Mystische Erscheinungen, – Aparições Místicas –, tomo II, pág. 142):
“Um tal Roberto Bruce, escocês, era, em 1828, na idade de cerca de trinta anos, imediato de um navio mercante que fazia o trajeto entre Liverpool e São João do Novo Brunswich. Certo dia – estava-se em águas da Terra Nova –, Roberto Bruce, sentado em seu camarote, vizinho do camarote do comandante, achava-se absorto em cálculos de longitude; tendo dúvidas acerca da exatidão dos resultados que tinha obtido, interpelou o comandante, a quem supunha no seu camarote: “A que resultado chegaste?”. Não obtendo resposta, voltou a cabeça e julgou ver o comandante em seu camarote, ocupado em escrever.
Ele se levantou e aproximou-se do homem que escrevia na mesa do comandante. O tal homem levantou a cabeça e Roberto Bruce viu que era uma personagem absolutamente desconhecida, que o olhava fixamente. Bruce subiu à pressa à coberta e participou ao comandante o que tinha presenciado. Eles desceram juntos: não encontraram pessoa alguma; porém, na ardósia, que estava em cima da mesa do comandante, puderam ler estas palavras, escritas por mão estranha: “Navega para noroeste.” Confrontou-se essa escrita com a de todos os outros passageiros; chegaram a fazer pesquisas, porém sem resultado algum. O comandante, dizendo consigo mesmo que apenas arriscava algumas horas de atraso, ordenou que se aproasse para noroeste.
Depois de algumas horas de navegação, eles divisaram os destroços de um navio encalhado no gelo, tendo a bordo a tripulação e alguns passageiros em perigo. Era um navio saído de Quebec com destino a Liverpool, encalhado no gelo havia algumas semanas. A situação dos passageiros era desesperada. Depois que eles foram recolhidos a bordo do navio salvador, Bruce, com grande surpresa, reconheceu em um deles o homem a quem tinha visto no camarote do comandante. Este último pediu ao desconhecido que escrevesse do outro lado da ardósia estas mesmas palavras: “Navega para noroeste”. A escrita era idêntica! Soube-se que naquele mesmo dia, perto do meio-dia, esse viajante tinha dormido profundamente e que, despertando, meia hora depois, dissera: “Hoje seremos salvos.” Ele tinha visto em sonho que estava em outro navio, que vinha em seu socorro; chegou mesmo a fazer a descrição desse navio e, quando ele se aproximava, os passageiros não tiveram dificuldade em reconhecê-lo. Quanto ao homem que tinha tido esse sonho profético, parecia-lhe conhecer tudo o que via na embarcação nova; mas, a maneira pela qual isso sucedia ele ignorava completamente.”
O Sr. Dale Owen acrescenta que esta narração lhe foi feita pelo Sr. J. S. Clarke, comandante da escuna “Júlia Hallock”, que o tinha ouvido por sua vez do próprio Roberto Bruce.
O Sr. Hartmann propõe seis explicações diversas para este caso e deixa completamente de lado a que é mais plausível! (O Espiritismo, pág. 101).
Certamente, é lamentável que um fato tão importante não possa ser apoiado por um documento qualquer, redigido imediatamente depois e assinado por todas as testemunhas; mas, tal qual nos é apresentado, ele é, entretanto, precioso por causa da clareza das minudências, que são, de mais, tão extraordinárias, que se teria dificuldade em supor que a narração foi inventada por completo. Além disso, esta narração está de perfeito acordo com as que precedem.
* * *
Os exemplos que grupei sob essas categorias – sem poder dar-lhes o desenvolvimento que eles comportam, pois que para isso ter-me-ia sido preciso mais de um volume – parecem-me bastante para o fim que me propus, isto é, para demonstrar, a toda a evidência, as duas conclusões importantes às quais chegamos necessariamente em nossa tentativa de estudar os fenômenos mediúnicos em um ponto de vista “natural”.
Como bem se vê, todos os fatos que enumerei formam uma cadeia ininterrupta; só se distinguem uns dos outros pelo caráter da manifestação e pelo grau de atividade de uma só e mesma faculdade do organismo humano. Nós sabemos agora que a ação da inteligência humana pode exercer-se fora dos limites corpóreos; que um homem pode reagir sobre a atividade psíquica de outro homem e produzir neste impressões que correspondam às que ele próprio experimenta, transmitir-lhe seus pensamentos, suas sensações, evocar nele a visão de sua imagem; que ele pode até operar a distância efeitos físicos sobre a matéria inerte; e essa atividade extracorpórea pode ir até o desdobramento do organismo, ostentando um simulacro de si mesmo, o qual se torna ativo durante certo tempo, independentemente de seu protótipo, e apresenta atributos incontestáveis de corporeidade.
Em outros termos, vemos desenrolar-se diante de nós um fato prodigioso, que não se ousou olhar de frente até hoje, mas que é chamado a tornar-se uma das mais brilhantes aquisições das ciências antropológicas, e do qual seremos devedores ao Espiritismo, a saber: a ação física e psíquica do homem não fica limitada à periferia de seu corpo.
Dito isso, há oportunidade para voltar à questão que serviu de ponto de partida às nossas investigações no domínio dos fenômenos do animismo: haverá necessidade, para a explicação dos fenômenos mediúnicos, de procurar um refúgio na hipótese espirítica?
Partindo da tese de que certos fenômenos devem ser atribuídos a uma causa extramediúnica (isto é, fora do médium), vimos que essa causa poderia ser fornecida pela atividade extracorpórea – psíquica e física – de um homem vivo. Haveria meio, por conseguinte, de dar dos mistérios do Espiritismo uma explicação “natural”, excluindo a intervenção dos “Espíritos”. Se há “Espírito” seria o “Espírito” de um homem vivo, e nada mais.
Mas esse argumento viria chocar-se com as considerações seguintes:
Se é verdade que o homem possui duas espécies de consciências – uma exterior, sua consciência normal, outra interior, que é desconhecida pelo homem normal, mas que, por esse fato, não deixa de ser dotada de uma vontade e de uma inteligência, que lhe são próprias; – se é verdade que esta última consciência pode agir, manifestar-se, ainda quando a consciência normal está em plena atividade, de maneira que as duas consciências exerçam suas funções simultaneamente e sem que uma dependa da outra; se é verdade que a atividade extracorpórea do homem é determinada principalmente pela consciência interior (não ficando, em suma, sujeita à consciência normal), e que ela pode manifestar-se – à semelhança de sua causa determinante, a consciência interior – ao mesmo tempo que a atividade normal do corpo e independentemente deste último; se é verdade, enfim, que essa consciência interior tem o dom de perceber as coisas do exterior, sem o auxílio dos órgãos dos sentidos – não devemos concluir daí que a natureza do homem é dupla, que há nele dois seres distintos, e ambos conscientes: o indivíduo exterior, que obedece às condições impostas por nosso organismo, e o ser interior, que não depende dele e que pode querer, agir e perceber por seus próprios meios? Não devemos deduzir daí que o nosso corpo não é uma condição indispensável para que esse ser interior possa dar testemunho de vida; em outras palavras, que esse é por sua essência independente do outro? Admitindo-se mesmo que haja um laço entre os dois, esse laço não será fortuito, antes uma aparência, ou uma simples concomitância temporária?
Se assim é, o ser interior deve conservar sua existência independente, esmo na ausência do corpo.
Seria um belo argumento em favor da “sobrevivência” da alma, e esse argumento nos é fornecido pelos fatos do sonambulismo e do animismo.
Apoiando-nos em tais fatos, poderíamos admitir que a existência independente do ser interior pode ser “pré-natal”, ou “pós-natal” (anterior ou posterior ao nascimento).
Se é o ser interior quem forma e desenvolve o corpo humano, ele é evidentemente o seu precursor e pode sobreviver-lhe.
Pelo contrário, se ele não passa de um resultado do organismo humano, podemos considerá-lo como uma fase da evolução geral e admitir que pode sobreviver ao corpo, como centro de forças individualizadas.
Mas tudo isso não passa de especulação, pois que formulamos claramente a nossa tese, no começo deste capítulo, dizendo que a atividade da consciência interior do homem, assim como suas ações extracorpóreas, nos parecem independentes da consciência interior. Essa independência pode não ser mais do que aparente.
Efetivamente, a influência da consciência exterior faz-se sentir mui freqüentemente na atividade da consciência interior; demais, existe uma relação íntima, incontestavelmente, entre a consciência exterior e o corpo; por conseguinte somos coagidos, salvo prova em contrário, a considerar o corpo humano como a fonte – mais afastada e mais misteriosa ainda – da atividade da consciência interior e devemos, por conseguinte, concluir pela existência de um laço indissolúvel entre essa consciência interior e o corpo do homem. Finalmente, o corpo fica sendo a condição sine qua non.
Como a teoria espírita assenta, em definitivo, sobre essa questão de independência, segue-se daí que, enquanto essa independência não for provada de maneira positiva, os fenômenos mediúnicos deverão ser atribuídos à ação inconsciente – psíquica, física e plástica – do médium ou de outras pessoas vivas, quer estejam presentes, quer ausentes, segundo o caso.
É sobre esta base natural que o estudo científico dos fatos mediúnicos deve começar e deverá conservar-se até prova em contrário.
2
Espiritismo – Manifestação de um homem morto,
como fase ulterior do animismo.
“A proporção das manifestações verdadeiramente espiríticas é muito medíocre, mesmo presentemente.”
A. J. Davis
Fountain, págs. 187, 219.
Trata-se, aqui, de encontrar a prova de que a desagregação do corpo não atinge a independência nem a individualidade do que chamamos consciência interior ou o ser interior do homem. Creio poder afirmar que esta prova pode ser fornecida por certos fenômenos de ordem mediúnica, que serão então, na verdadeira acepção da palavra, fatos espiríticos.
Por conseguinte, de que fatos se trata?
Colocando-nos em um ponto de vista geral, não se trata evidentemente dos fenômenos físicos, compreendendo nesse número as materializações, ou, pelo menos, não é por estas últimas que devemos começar. Eis o que eu disse a esse respeito, há dez anos:
“Entre a verificação de um fato e sua explicação, pode-se passar um intervalo de muitos séculos. O assunto de que nos ocupamos é imenso e complexo ao infinito; seu estudo apresenta dificuldades como não se encontram iguais em nenhuma outra ordem de estudos. Assim, por exemplo, esse fenômeno notável entre todos no domínio dos fatos mediúnicos objetivos, qual seja: a formação temporária de uma forma humana, é um fato demonstrado; mas concluir daí que temos diante de nós a aparição do Espírito de um homem morto – conclusão à primeira vista das mais simples e das mais evidentes, e que apresentaria, por conseguinte, uma prova da imortalidade da alma – seria fazer uma dedução que não é justificada nem no ponto de vista da crítica, nem no ponto de vista de um estudo aprofundado dos próprios fatos. Muito pelo contrário: quanto maior número de materializações vemos, tanto mais precária se torna essa hipótese; pelo menos em minha opinião.
Ora, se não podemos chegar a solução alguma desse problema, mesmo depois de ter tido ensejo de observar esse fenômeno em seu desenvolvimento extremo, que devia, parece, poder explicar tudo, com mais forte razão não temos o direito de atribuir as manifestações mediúnicas de ordem secundária à intervenção das almas dos mortos. É por este motivo que nunca me pronunciei em meu jornal acerca da teoria das manifestações físicas. Eu nunca formulei doutrina, expunha apenas fatos, levando em conta, de maneira imparcial, toda a tentativa de explicação, toda hipótese e toda crítica que tinham por alvo a pesquisa da verdade. Mas, não esqueçamos, esses fenômenos físicos só constituem uma parte, não são mais do que as partes inferiores de uma ordem de fenômenos mediúnicos inteiramente diferentes, que se poderiam designar – por oposição – como fenômenos menos intelectuais. São estes últimos que constituem a verdadeira potência, a própria essência desse grande movimento social e religioso que se chama Espiritualismo moderno.” (Psychische Studien, 1878, págs. 7 e 8).
Eis por que eu adoto completamente a opinião do Sr. Hartmann, quando ele diz:
“Quanto à cooperação ou à não cooperação dos Espíritos, a questão só pode ser resolvida, pelo menos aproximadamente, sobre a base do conteúdo intelectual das manifestações e, pelo contrário, todos os fenômenos físicos e as materializações, produzidos diretamente pelo organismo do médium, são pouco aptas para servir à solução dessa questão.” (Apêndice, Psychische Studien, 1885, pág. 506).
Ora, esta maneira de ver, publicada em Apêndice pelo Sr. Hartmann, está absolutamente em contradição com a conclusão de sua obra sobre o Espiritismo, onde ele diz:
“Desde que admitimos essas três fontes de conhecimento (hiperestesia sonambúlica da memória, da leitura dos pensamentos e clarividência) ao lado da percepção sensorial, não se pode, em geral, imaginar nenhum conteúdo intelectual que não possa por sua natureza haurir-se daí.” (Espiritismo, págs. 116, 117).
É preciso, por conseguinte, considerar estas palavras do Apêndice como uma retificação, como uma última opinião, que me satisfaz tanto mais quanto corresponde diretamente à questão que me propunha apresentar ao Sr. Hartmann e que teria formulado da maneira seguinte: suponhamos que o Espírito do homem sobrevive ao corpo: quais são as provas que nos permitirão estabelecer esse fato, observando todos os princípios do método indicado pelo Sr. Hartmann? Ou deve-se admitir, apesar de tudo, que qualquer tentativa de descobrir semelhante prova deve malograr-se perante o “caráter natural” das “três fontes de conhecimento” que este método nos indica? Finalmente, convém reconhecer que essa prova é impossível?
Presentemente, porém, estamos de acordo neste ponto: Se essa prova é possível, como princípio, só pode ser fornecida pelo conteúdo intelectual dos fenômenos mediúnicos. E demonstrarei, mais tarde, por que até o fenômeno da materialização, sem um conteúdo intelectual suficiente, não pode bastar à prova pedida.
Eu já disse, repeti e repito ainda, que o estudo da parte intelectual dos fenômenos mediúnicos nos coage a reconhecer, antes de tudo, que grande número desses fenômenos, dos mais freqüentes, devem ser atribuídos à atividade inconsciente do próprio médium.
Acabo de demonstrar mais acima que outra parte desses fatos pode ser, é verdade, referida a uma causa extramediúnica, mas, apesar de tudo, “natural”, terrestre, proveniente da ação extracorpórea de outros indivíduos vivos (fenômenos anímicos).
No capítulo III reuni elevado número de exemplos que nos obrigam também a admitir uma causa extramediúnica. Mas qual é esta causa?
Poder-se-ia ser tentado a atribuir um certo número de fatos a causas anímicas e, antes de tudo, certamente, os fenômenos físicos de que se trata; mas a dificuldade é que na maior parte desses fenômenos há também um lado intelectual que se presta dificilmente à hipótese anímica. Assim, por exemplo, ampliando até um grau ilimitado o poder físico extracorpóreo do homem vivo, poder-se-ia dizer que “as perseguições pelos fenômenos físicos”, de que falei no item 1 do capítulo III, foram causados por ações extracorpóreas, conscientes ou inconscientes, de certos homens vivos.
A explicação não é impossível logicamente, porém não tem razão de ser suficiente.
Assim, não se poderia admitir razoavelmente que as manifestações sob forma de perseguições, às quais estiveram sujeitos os membros da família Fox – perseguições com o objetivo de provocar o estudo público dos fenômenos mediúnicos –, tenham sido o resultado de uma mistificação anímica, isto é, de uma mistificação inconsciente por parte de um homem vivo. Além disso, não convém esquecer que os fenômenos se produziam de maneira constante e a qualquer hora do dia, muitas vezes a pedido de tal ou qual pessoa; como explicar essa concordância da ação a distância, exercida por um homem vivo, com todas as exigências do momento e da vizinhança do meio em que essa manifestação anímica devia produzir-se? Por que, em muitos outros casos, esse pedido de preces, seguido pela cessação das manifestações, etc.? Isso não quer dizer que não se possa admitir hipoteticamente, para certos casos de encantamento ou de molestações, que eles tinham sido produzidos por causas anímicas; vimos que os fenômenos anímicos têm sempre sua razão de ser em uma certa relação entre as partes interessadas; essa mesma relação deveria existir também para os casos de encantamento, se eles dependessem da mesma causa, e sua fonte verdadeira não tardaria a ser descoberta.
No item 11 do mesmo capítulo, citei muitos casos de ordem física, principalmente de transportes a grande distância. Admitindo-se que a ação física extracorpórea do homem é ilimitada, não só quanto ao espaço, mas também quanto à matéria – e está realmente aí o desenvolvimento que o Sr. Hartmann será coagido a dar à sua teoria –, poder-se-ia classificar esses casos físicos sob a rubrica do animismo, pois que eles não apresentam dificuldade alguma no ponto de vista do conteúdo intelectual. Mencionei esses casos no capítulo III, a propósito da teoria atual do Sr. Hartmann e principalmente por causa da sua conexão com os fatos de transmissão de mensagens a grande distância, citados no item 10.
Se se pretendesse explicar estes últimos pela hipótese anímica, as dificuldades tornar-se-iam maiores. Tomemos, por exemplo, o caso de Hare, transmitindo uma comunicação de Cape May (perto de Nova Iorque) a Filadélfia pelo espiritoscópio. A experiência durou duas horas e meia; se durante esse tempo o professor Hare se tivesse achado em transe, como o sensitivo do item 11, por ocasião do transporte de uma fotografia a grande distância, ter-se-ia podido supor que a experiência toda tinha sido uma transmissão anímica, operada pelo próprio professor Hare. Mas as faculdades mediúnicas do professor Hare eram insignificantes; nenhum fenômeno anímico se produzia por seu intermédio, não caía em transe, etc.
À 1 hora da tarde ele se achava em comunicação com sua irmã, por intermédio do espiritoscópio; dá-lhe uma incumbência para o Dr. Gourlay em Filadélfia, com a recomendação de dar-lhe a resposta às 3 horas e meia. Feita a incumbência, ele só volta ao espiritoscópio à hora indicada, para receber a resposta. Que, pois, agia em Filadélfia durante esse tempo? Era preciso não só transmitir a comunicação ao Dr. Gourlay, mas ainda receber sua resposta, para transmiti-la ao professor Hare. Dessa maneira, o Espírito do professor Hare tinha que manifestar-se duas vezes em Filadélfia, pelo espiritoscópio, enquanto ele se achava em Cape May, em estado normal. Não conhecemos casos análogos que justificassem semelhante explicação. Assim, pois, não era o Espírito do próprio professor Hare que, sob o nome de sua irmã, tinha atuado, e menos ainda uma das faculdades das partes médias de seu cérebro, como o pretende o Sr. Hartmann.
Por conseguinte, detenhamo-nos por um pouco nessa afirmação negativa e vejamos de mais perto de que maneira essa operação teria podido realizar-se segundo a hipótese do Sr. Hartmann. Eis o professor Hare sentado ao espiritoscópio; sua consciência sonambúlica representa o papel de sua irmã falecida e ele entra em comunicação com ela por meio do espiritoscópio. Ocorre-lhe a lembrança de tentar uma experiência, de mandar por sua irmã um recado a Filadélfia, dirigido à Sra. Gourlay, com uma recomendação referente a seus negócios bancários. De que maneira ele se houve para mandar aquele recado? Deu-o de viva voz, como se falasse à sua irmã. Ela lhe respondeu “sim”, pelo espiritoscópio, e foi tudo. É muito conforme à prática em Espiritismo.
E o que se passou em Filadélfia? A Sra. Gourlay também se achava ao espiritoscópio, e sua consciência sonambúlica lhe dava uma comunicação em nome de sua mãe. Essa comunicação é subitamente interrompida, e o espiritoscópio começa a transmitir, letra por letra, o recado do Sr. Hare. Quem dirigia, letra por letra, o ponteiro do espiritoscópio, depois que o professor transmitiu o recado? Quem o pusera em movimento? Eis a grande e insuperável dificuldade para a teoria do Sr. Hartmann! Se o professor Hare tivesse enunciado sua comunicação letra por letra, por meio do espiritoscópio, a explicação seria mais fácil: poder-se-ia admitir uma operação telepática, não uma transmissão de idéias, mas uma transmissão letra por letra de uma consciência sonambúlica a uma outra. Porém, assim não sucedeu. Recebem-se as comunicações dos pretendidos “Espíritos” pelo espiritoscópio, mas, de uma parte, a conversação se faz de viva voz. A mesma operação, porém em sentido inverso, se deu em Filadélfia, quando a Sra. Gourlay respondia de viva voz ao mensageiro invisível do professor Hare, o qual, por sua vez, recebeu essa comunicação pelo espiritoscópio. Que, pois, movia o ponteiro, enquanto a Sra. Gourlay se ocupava já então em outra coisa? Além disso, por que gênero de clarividência se produzia a visão das letras do espiritoscópio de uma e de outra parte?
Será ainda por uma relação com o Absoluto? (Só repetirei para lembrança que, segundo o Sr. Hartmann, a transmissão de pensamento a grande distância só se pode dar sob a forma alucinatória). (Veja-se o item 10 do capítulo III).
Quanto ao recurso, para a explicação “natural” desse fato, à intervenção inconsciente de qualquer outro ser vivo, é evidentemente muito absurdo para que nos detenhamos nesse ponto.
Mas é verdade, por outro lado, que nada prova que o operador invisível era incontestavelmente a irmã do professor Hare. Tudo o que podemos admitir, razoavelmente, é que nesse caso houve um fator inteligente e independente, um portador consciente do recado, que desempenhou a incumbência, e que esse fator não pode ser nem o próprio médium, nem outro ser vivo.
As mesmas dificuldades e as mesmas conclusões para o caso de Luísa Mac Farland (capítulo III, item 10), caso em que a comunicação foi transmitida a 1.000 milhas, por pancadas. Além disso, quem operou a metamorfose da personalidade e a da construção gramatical da comunicação? As comunicações anímicas não oferecem esta particularidade; não se transmitem em nome do expedidor, porém por ele próprio.
Para certos fatos dentre outros mencionados no capítulo III, podemos prevalecer-nos da hipótese anímica levada a seus limites extremos e sustentar que alguém, em qualquer parte e de maneira sempre inconsciente, produziu essa manifestação. Tomemos, por exemplo, o caso de Cardoso; é permitido sempre pretender que um cérebro humano, achando-se em relação inconsciente com os cérebros dos meus médiuns, tenha sido a fonte ativa ou passiva do saber que não pertencia a seus cérebros. Ou antes, quando o médium escreve discursos inteiros ou nos fala em língua que não conhece, poder-se-ia ainda supor que a causa dessa manifestação é terrestre e não supraterrestre; que presenciamos o resultado do jogo inconsciente de qualquer consciência sonambúlica que se acha fora do círculo onde se faz a experiência. Isso é muito difícil, muito surpreendente; o fio que deve estabelecer a relação nos escapa, mas não é logicamente impossível. Somente a prova nos falta: não podemos descobrir o vivente que foi a causa da manifestação.
E é precisamente a mesma dificuldade que se apresenta para provar que essa causa não pertence a um vivo. Como guiar-nos então na pesquisa dessa prova? A resposta é simples: quando a manifestação é impessoal não temos motivo para lhe atribuir uma causa supraterrestre. Mas, se a comunicação é pessoal, é diferente e podemos ir além.
É aqui que os fatos intelectuais do animismo nos vêm em auxílio e nos fornecem base para nossas conclusões ulteriores. Eis por que o estudo do animismo deve preceder o do Espiritismo. Sendo os fenômenos anímicos bem estabelecidos, o exame da hipótese espirítica não oferecerá mais dificuldades insuperáveis quando se nos depararem fatos que o animismo já não pode explicar; ele nos permite preparar o caminho e afastar todas as objeções que geralmente se opõem ao Espiritismo. É ele que nos conduz passo a passo à convicção de que o que é possível a um homem vivo é igualmente a um homem morto.
Vimos mais acima que a Sra. W. (a professora) tinha o hábito de receber por sua mão comunicações do seu falecido marido, mas subitamente, a 20 de julho de 1858, “o lápis não mais escreveu o nome esperado, porém traçou com escrita desconhecida, na qual ela reconheceu imediatamente a mão de Sofia Swoboda, algumas expressões queixosas que exprimiam seu despeito relativamente a um dever não cumprido”. Quando, no dia seguinte, a Sra. W. se dirigiu à casa de Sofia Swoboda e lhe mostrou a comunicação, Sofia reconheceu imediatamente sua escrita e expressões.
Mais adiante cito também um caso de escrita mediúnica produzida durante uma sessão em Mœdling, pela ação extracorpórea de Sofia Swoboda, quando seu corpo dormia em Viena; e a identidade da personalidade de Sofia foi verificada pela semelhança da escrita e por todas as particularidades da comunicação.
Vimos também casos em que as comunicações foram feitas de viva voz pela boca de médiuns em estado de transe, e essas comunicações foram sem hesitação atribuídas a homens vivos, pois que traziam em si o cunho de sua personalidade. É assim, por exemplo, que a Srta. Brant, assistindo a uma sessão em Cleveland (América), recebeu uma comunicação de sua mãe, que se achava na Alemanha, pela boca de uma senhora médium, inteiramente desconhecida dessas pessoas e não conhecendo o alemão, e esse fato coincidiu com o que a mãe da Srta. Mary Brant tinha experimentado de seu lado, durante um acesso de letargia, etc.
Apoiando-nos nesses fatos, temos o direito de fazer a seguinte pergunta: Se recebemos por via mediúnica uma comunicação que traz em si todos os indícios que caracterizam uma pessoa viva conhecida por nós, e se julgamos lógico e natural referir essa comunicação a essa pessoa viva e concluir que é essa pessoa que é a causa eficiente de tal manifestação, não seria igualmente natural, lógico, no caso de uma comunicação apresentando todos os traços característicos de uma pessoa que tínhamos conhecido entre os vivos, mas que já não existe, referir essa comunicação igualmente àquela pessoa e concluir que ela é, dessa ou daquela maneira, a causa eficiente de tal comunicação?
É evidente que a analogia é perfeita e que a lógica exige essa conclusão. Eis, em minha opinião, a única prova intelectual, o “conteúdo intelectual”, único que pode decidir a questão. Um fato igual teria imensa significação, porque nesse fato encontraríamos a prova positiva da plena independência, quer de nosso ser interior, quer de nosso corpo, e, por conseguinte, a prova da existência independente desse ser – da alma, em uma palavra –, sobrevivendo ao corpo. Um fato semelhante seria um fato espirítico no sentido verdadeiro dessa palavra. Levemos mais longe a pesquisa da analogia que os fatos anímicos apresentam.
Quando vemos o duplo de uma pessoa viva, é natural, lógico, procurar a causa dessa “alucinação” ou visão na própria pessoa que esse duplo representa. Importa pouco que seja um efeito telepático ou outro qualquer: quando se fala da aparição de A vivo a B vivo, ninguém pensa em atribuí-la ao vivente B ou a outros viventes, C ou D, e por pesquisas ulteriores descobre-se que, efetivamente, no momento da aparição do duplo ou fantasma de A a B, tinha-se produzido alguma coisa no espírito de A que pôde servir de justificativa para ver no próprio A a causa primitiva e eficiente de sua aparição a B. É certamente surpreendente que no estudo especial desse assunto (Phantasms of the Living – Fantasmas dos Vivos),[41] onde centenas de casos são expostos, apenas encontremos um deles em que a aparição de A a B pode ser considerada como simples alucinação subjetiva, sem traço algum de telepatia.
O caráter não puramente alucinatório, na maioria dos fatos, da aparição dos vivos, uma vez estabelecido, perguntamos a nós mesmos, com toda a naturalidade, o que convém concluir quando se vê, em vez de um vivo, a aparição de um morto? A resposta é simples: a possibilidade de atribuir a aparição a um efeito telepático, proveniente de A falecido, é justificada. Não é mais do que uma questão de fato, e chegará o tempo em que teremos a esse respeito um trabalho tão comprobatório quanto o que foi publicado sobre os Fantasmas dos Vivos.
Daí às materializações só há um passo. Se o duplo de um homem vivo pode aparecer não somente como uma “alucinação verídica”, mas ainda pode revestir uma forma plástica, e se então atribuímos essa aparição a certas atividades misteriosas das forças orgânicas e psíquicas do indivíduo vivo que está diante de nós, não poderemos concluir com a mesma lógica que, quando uma forma materializada apresenta indubitavelmente todos os traços característicos de uma pessoa morta, a causa eficiente dessa aparição, temporariamente revestida de atributos corpóreos, deve também pertencer a essa pessoa?
Como se acaba de ver, a cadeia das analogias é completa. Porém, o que era comparativamente simples e desde logo evidente para os fatos do animismo torna-se mui complicado e duvidoso para os fatos do Espiritismo; porquanto, para os primeiros é fácil ligarmos a causa ao efeito; as duas pontas do fio desse telégrafo psíquico são acessíveis ao nosso exame; o agente e o percipiente podem ser rapidamente descobertos, e verificamos que certo estado em A corresponde a um certo efeito em B. E aceitamos essa teoria de causalidades sem recorrer a todas as espécies de hipóteses para refutá-la. Tal não é o estado das coisas para verificar um fenômeno espirítico. Os meios de verificação nos faltam. Temos um efeito e a causa não é mais do que uma probabilidade lógica. A prova positiva nos escapa. É, entretanto, o estudo desse problema que surge diante de nós, em sua incomensurável profundeza, a misteriosa questão da personalidade.
Graças aos trabalhos filosóficos do Barão L. von Hellenbach e do Dr. Carl Du Prel, a noção da personalidade adquiriu um desenvolvimento inteiramente novo e as dificuldades que o problema espirítico nos apresenta são já muito aplainadas.
Sabemos presentemente que a nossa consciência interior (individual) e a nossa consciência exterior (sensorial) são duas coisas distintas; que a nossa personalidade, que é o resultado da consciência exterior, não pode ser identificada com o eu, que pertence à consciência interior; ou, em outros termos, o que chamamos a nossa consciência não é o igual do nosso eu. É preciso, pois, distinguir entre a personalidade e a individualidade. A pessoa é o resultado do organismo, e o organismo é o resultado temporário do princípio individual transcendente. A experimentação, no domínio do sonambulismo e do hipnotismo, confirma essa grande verdade: desde que a personalidade, ou a consciência exterior, fica entorpecida, surge outra coisa, uma coisa que pensa e que quer, e que não se identifica com a personalidade adormecida e manifesta-se por seus próprios traços característicos; para nós é uma individualidade que não conhecemos; porém ela conhece a pessoa que dorme e recorda-se de suas ações e pensamentos.
Se desejamos aceitar a hipótese espirítica, é claro que é só esse núcleo interior, esse princípio individual que pode sobreviver ao corpo, e tudo quanto pertenceu à sua personalidade terrestre não será para ele mais do que um trabalho de memória.
Eis a chave para a compreensão dos fenômenos espiríticos.
Se o indivíduo transcendente esteve unido ao corpo durante sua manifestação fenomenal, não é ilógico admitir que depois da desagregação do corpo essa manifestação se possa renovar de uma ou de outra maneira no mundo fenomênico por intermédio de qualquer outro organismo humano, mais ou menos acessível às impressões de ordem transcendente.
Admitindo isso, é claro que uma manifestação desse gênero, se tiver por objetivo o reconhecimento de sua fenomenalidade ou personalidade terrestre, não é realizável senão por um esforço da memória que reconstitui os traços da personalidade terrestre. Esse esforço deve naturalmente tornar-se cada vez mais difícil, pois que a lembrança da personalidade terrestre deve desaparecer cada vez mais com o tempo. Em outros termos, a individualidade fica, a personalidade desaparece.
Eis por que a questão da “identidade dos Espíritos” é o ponto difícil do Espiritismo; eis por que, também, os casos comprobatórios desse gênero são raríssimos; eis por que, enfim, eles são mais ou menos defeituosos, ou só contém alguns traços salientes, característicos, que a memória evoca com o fim único da identificação da personalidade; eis o que explica por que os casos desse gênero se referem a uma época mais ou menos aproximada da morte. É também nisso que se deve encontrar a razão pela qual as comunicações mediúnicas não nos podem dar noção alguma razoável acerca do mundo espiritual e de seus habitantes; esse mundo transcendente é uma noção tão incomensurável para o mundo fenomênico quanto a idéia da quarta dimensão: não podemos – é preciso nos compenetrarmos dessa verdade – formar idéia alguma a seu respeito.
Falta-nos verificar agora, por via experimental, se há realmente desses casos de personalidades que se anunciam como pertencentes à outra vida. Analisemos antes de tudo o que devemos considerar como um criterium da personalidade. O conteúdo intelectual cristaliza na memória, que é o reservatório fiel dos acontecimentos e do conjunto das relações de uma vida humana inteira, os quais não podem em caso algum ser semelhantes aos de uma outra existência; ela também é a depositária fiel das aquisições intelectuais e das crenças e convicções que são o resultado de uma vida inteira, diferente das outras. Quanto ao lado moral, é a vontade, o caráter, que é a sua expressão e que também tem seus traços distintivos, a tal ponto distintivos, que chegam a imprimir um cunho individual aos modos externos das manifestações do caráter, que aderem, por assim dizer, em certas expressões exteriores do organismo; essas expressões são a linguagem, a escrita, a ortografia e, em geral, todo o habitus corpóreo.
Por conseguinte, se recebemos por via mediúnica uma comunicação que traz em si os traços indubitáveis de personalidade que acabo de assinalar, não temos o direito – depois de haver eliminado todas as causas de erro possíveis, depois de haver submetido o caso a uma crítica que justifique as três fontes de percepção que o Sr. Hartmann nos assinalou e os sete princípios explicativos que ele especificou em seu apêndice –, não temos o direito, digo, de concluir pela possibilidade de atribuir essa comunicação à causa que se afirma por si mesma?
Vejamos se podemos produzir fatos que correspondam a essas exigências múltiplas. Casos que dêem testemunho da identidade da personalidade que se manifesta de maneira mais ou menos satisfatória estão disseminados em toda a literatura espírita. Cada um desses casos deve defender-se por si mesmo, subsistir ou cair segundo o grau de evidência que contenha. A maioria desses fatos não são convincentes senão para a pessoa interessada, que, geralmente, é a única no caso de julgar da identidade da pessoa que comunica consigo; e está aí, no ponto de vista da crítica, o lado vulnerável dessas comunicações, pois que a pessoa presente pode sempre ser suposta de fonte inconsciente da manifestação. Por conseguinte, para que essa manifestação tenha valor objetivo satisfatório, é preciso que ela se produza na ausência da pessoa interessada, que se caracterize por traços interiores ou exteriores, traços que a presença dessa pessoa não pode afetar; a prova será absoluta quando as duas condições estiverem reunidas. A língua nacional e a escrita são os atributos inseparáveis, essenciais e indubitáveis de cada personalidade, oferecendo ao mesmo tempo a fórmula demonstrativa da equação pessoal, como se exprime o Sr. d’Assier. A linguagem e a escrita, eis as formas exteriores, as provas materiais, por assim dizer, pelas quais a personalidade se afirma em todas as relações sociais; nos fenômenos espiríticos, da mesma maneira, elas são independentes das influências de qualquer pessoa presente.
Começarei pelos fatos dessa categoria antes de ocupar-me dos que apresentam traços interiores ou intrínsecos, dando testemunho da identidade da personalidade. O capítulo III já nos forneceu um certo número de fenômenos que respondem a tudo quanto podemos exigir como prova desse gênero, e isso abreviará na mesma proporção este último capítulo.
Para facilitar o estudo sistemático do conjunto dos fatos que se produzem nas condições que acabo de mencionar e que devem, por conseguinte, servir para justificar a hipótese espirítica, vou classificá-los sob muitas categorias gerais, e para cada uma delas escolherei alguns exemplos típicos.
A – Identidade da personalidade de um morto verificada por comunicações em sua língua materna, desconhecida do médium
Eu já disse no item 6 do capítulo III, especialmente consagrado aos fenômenos desse gênero, que os considero como prova absoluta de uma ação extramediúnica, e dei os motivos disso. É perfeitamente claro que tal ação extramediúnica não pode ser senão uma ação pertencente a um ser humano, vivo ou morto. No capítulo sobre o Animismo, citei o exemplo de uma mãe moribunda, na Alemanha, falando alemão com sua filha, na América, por um médium americano que não conhecia o alemão. Se essa mesma mãe se tivesse manifestado à sua filha pelo mesmo meio e de maneira igualmente convincente depois de sua morte falando-lhe, como em vida, com pormenores e particularidades que somente sua filha podia conhecer, haveria as mesmas razões suficientes para reconhecer a sua personalidade.
Há no tópico mencionado muitos casos que apresentam essas mesmas “razões suficientes”, e dentre eles o primeiro lugar compete ao fato referido pelo juiz Edmonds e observado por ele próprio em sua filha Laura, que falou grego com um grego, o Sr. Evangelides. O interlocutor invisível, falando pela Srta. Edmonds, diz ao Sr. Evangelides tantas coisas que este “reconheceu nele um amigo íntimo, falecido alguns anos antes, na Grécia, e que não era outro senão o irmão do patriota grego Marco Bozzaris”. Essas conversações se repetiram por muitas vezes durante horas inteiras, e o Sr. Evangelides interrogou escrupulosamente seu interlocutor a respeito de diversas questões de família e de negócios políticos. Porém, o que dá a este caso um valor duplo é que “esse mesmo interlocutor anunciou ao Sr. Evangelides, em sua primeira entrevista, a morte de um de seus filhos, que ele tinha deixado vivo e de boa saúde em sua partida da Grécia para a América” (vejam-se os pormenores no capítulo III, item 8). Não encontro nenhum meio razoável de explicar esse fenômeno a não ser pela hipótese espirítica; a clarividência não explicará o uso da língua grega e a língua grega não explicará a clarividência; quanto à hipótese anímica, torna-se neste caso um absurdo.
Falamos em um caso semelhante no mesmo tópico citado acima: a Sra. X., de Paisley, na Escócia, anunciou a sua morte em dialeto escocês, pela boca da Srta. Scongall, que não conhecia esse dialeto. Seu neto, ao qual ela se dirigiu, fez-lhe também um grande número de perguntas para convencer-se de sua personalidade, e as respostas, dadas sempre no mesmo dialeto, foram perfeitamente satisfatórias (vejam-se os pormenores no item citado).
Baseando-nos nesses fatos, estamos no direito de concluir que os outros casos de comunicações em línguas desconhecidas pelo médium e que são mencionados no item 6 do capítulo III são não só casos de ação extramediúnica, mas ainda casos espiríticos, pois que não há razão alguma plausível para atribuí-los a causas anímicas; a condição essencial para justificar essa causa – a relação entre essa causa e seu efeito, a relação entre os vivos conhecidos e desconhecidos, visíveis e invisíveis – falta totalmente. Pode-se objetar que também não há razão para concluir a favor de uma relação entre um vivo e um morto desconhecido. Isso é verdade, mas, quando nos referimos aos fatos precedentes, é muito natural supor que um morto dispõe de meios muito mais simples para estabelecer essa relação, do que um vivo – sendo o fim dessa manifestação, aliás, provar o fato de sua existência póstuma.
Alguns fatos dessa categoria têm um valor ainda mais significativo quando o uso de uma língua desconhecida se faz na ausência de qualquer pessoa que compreenda essa língua e quando, para a interpretação da conversa, se teve que convidar pessoas que podem compreender a dita língua. Um caso desse gênero inteiramente explícito foi mencionado por mim no mesmo item 6, e ultimamente o caso me fez descobrir uma experiência da mesma natureza, porém mais notável ainda e que é referida no jornal Facts (Boston), fascículo de fevereiro de 1885. A Sra. Elisa L. Turner, de Montpellier (Vermont), aí refere com valiosos pormenores de que modo seu marido, o Sr. Curtis Turner, foi agente de curioso fenômeno. Ele adoeceu em 1860; depois de dois anos de moléstia, conservou-se de cama, e os médicos julgaram-no incurável. O Sr. e a Sra. Turner eram um pouco médiuns, e em último recurso organizaram uma sessão espirítica. O Sr. Turner caiu em transe e o agente, que fiscalizava a sessão, em breve se exprimiu em mau inglês, como se segue: “Desejo conversar com um francês.”
Transcrevo a narrativa da Sra. Turner:
“O Dr. Prevo, francês, foi chamado; aquele conversou com ele tão corretamente quanto se tivesse o hábito de exprimir-se em francês e como se tivesse sabido examinar doentes. Isso surpreendeu o Dr. Prevo, que resolveu pôr à prova os Espíritos. Quando voltou, trouxe estampas anatômicas, mas o Espírito, que se pretendia médico, foi capaz de lhe responder, pois que lhe designava e nomeava todos os diversos músculos em latim e em francês, tão perfeitamente quanto o próprio Dr. Prevo, que é um sábio médico.”
O resultado foi que em dez dias o doente ficou restabelecido, segundo a promessa que o doutor invisível tinha feito. A Sra. Turner termina assim sua narração:
“Meu marido não conhecia mais a língua francesa do que... sabia tocar violão, e entretanto, em breve, sob a fiscalização do Dr. Aníbal (assim o interlocutor se chamava a si mesmo), pôde falar francês e tocar violão.”
E o editor do jornal acrescenta:
“No congresso de Waterbury, Vermont, reunido em outubro de 1884, em um dos “meetings” de experimentação, o Dr. Prevo relatou esse fenômeno com maior número de pormenores do que é fornecido aqui.”
É também sob esta categoria que se devem classificar casos em que o médium se exprime não em uma língua estrangeira, mas por um alfabeto convencional que lhe é desconhecido, como, por exemplo, o alfabeto dos surdos-mudos. Vai-se ver um caso em que a comunicação foi feita por esse alfabeto, pois que o falecido, em vida, era surdo e mudo. Tiro este exemplo do jornal mensal editado por Hardinge Britten, em Boston, em 1872, sob o título A Estrada de Oeste, onde, na página 261, ela cita a narração do Sr. H. B. Storer, reproduzida na Época Espiritual, como se segue:
“No sábado, 2 de agosto de 1872, eu fazia uma conferência em Siracusa (Nova Iorque), e entre a sessão da manhã e a da tarde assisti a uma reunião em casa do Sr. Bears. Entre os assistentes, que eram cerca de vinte, achavam-se duas senhoras e dois senhores vindos de uma cidade vizinha para assistir às minhas conferências. No decurso da reunião, um médium, a Sra. Corwin, caiu em transe e designou com a mão um dos assistentes; ele se levantou e, atravessando a sala, foi sentar-se ao lado da médium. Então o Espírito pareceu fazer tentativas reiteradas para falar, impotente, conforme parecia, para submeter à sua vontade os órgãos da médium, o que produziu um efeito penoso na maior parte dos assistentes.
Notou-se, entretanto, que a mão esquerda da médium se levantava por momentos e que seus dedos faziam diversos movimentos. Alguns instantes depois, o senhor em questão declarou que o Espírito lhe tinha dado uma prova de sua identidade, e isso “de maneira indubitável”. Supondo que era um sinal qualquer convencionado, esperava-se sempre ouvir pronunciar palavras pelo Espírito, propondo tal ou qual meio para facilitar a manifestação. Subitamente a médium caiu sob a influência de outro Espírito, que declarou, de maneira perfeitamente calma, que, se ficassem tranqüilos, a mulher do senhor que estava perto da médium tentaria ainda uma vez manifestar-se; que ela tinha sido surda-muda na Terra e comunicar-se-ia por meio do alfabeto dos surdos-mudos. Guardaram silêncio, e em breve a individualidade anunciada voltou e falou durante vinte minutos com seu marido; os dedos da médium formavam a resposta e as frases por meio dos sinais empregados pelos surdos-mudos.
A cena era enternecedora: o marido estava defronte da médium em transe e fazia à sua mulher diversas perguntas, por sinais, e sua mulher respondia a seus pensamentos da mesma maneira, por intermédio de um organismo estranho, de uma pessoa que nunca tinha praticado esse modo de conversação. O Espírito dava igualmente respostas a perguntas mentais, escrevendo-as pela mão da médium. Essas respostas eram sempre exatas e satisfatórias.
Digamos ainda que a médium e o senhor de quem se trata não se conheciam absolutamente e que a médium até àquela ocasião nunca tinha visto empregar os sinais do alfabeto dos surdos-mudos.”
B – Verificação da personalidade de um morto por comunicações dadas no estilo característico do morto, ou por expressões particulares, que lhe eram familiares, recebidas na ausência de pessoas que conheciam o morto
Esta categoria é o corolário da precedente, cujos casos, se bem que mui preciosos, são raros e, além disso, apresentam caráter fugitivo, apenas tangível, e não deixam provas objetivas e duradouras, a menos que as palavras em língua desconhecida do médium tenham sido estenografadas imediatamente.
A maior parte das comunicações recebem-se naturalmente em língua conhecida do médium, o que não impede que apresentem algumas vezes particularidades tão características que o cunho da personalidade não pode ser desprezado. No item 4 do capítulo III citei um caso extraordinário dessa natureza no fato da conclusão do romance de Charles Dickens, deixado por acabar, e completado depois de sua morte pela mão de um jovem médium iletrado; o romance completo está impresso e quem quiser pode julgar se a segunda parte não é digna da primeira. Não só todo o enredo do romance é seguido e a ação é levada ao êxito com mão de mestre, de maneira tal que a crítica mais severa não poderia dizer onde termina o manuscrito original e onde começa a parte mediúnica, e, ainda mais, muitas particularidades de estilo e de ortografia dão testemunho da identidade do autor.
Eis ainda um caso de natureza inteiramente privada que possuo de primeira fonte. Ele me foi referido por minha amiga, a jovem B. Pribitkow, da qual já tive ocasião de falar por muitas vezes. Ela se achava certa noite em casa da Princesa Sofia Schahofskoy (sogra de meu amigo e colega de liceu, o Príncipe Alexandre Schahofskoy); era em São Petersburgo, em 1874. A jovem B. Pribitkow é um pouco médium, e a princesa organizava com ela, de tempos em tempos, pequenas sessões por meio da prancheta. Uma pessoa a quem ela conhecia, o Sr. Foustow (a quem conheço também), foi visitá-la naquela noite. O Sr. Foustow era gerente dos negócios do Príncipe Georges Sch., do Cáucaso, a quem não conheciam nem a princesa, nem a jovem de Pribitkow. Sabendo que essas senhoras se ocupavam com Espiritismo, ocorreu-lhe a lembrança de perguntar-lhes se elas podiam fazê-lo entrar em comunicação com o pai falecido do Príncipe Georges, ao qual ele tinha que pedir uma informação importante. Fez-se a experiência e, quando o pai do príncipe Georges se fez nomear, o Sr. Foustow perguntou-lhe que destino tivera uma grande soma de dinheiro que tinha desaparecido depois de sua morte. Sua resposta foi a seguinte: “O Que está perdido, está perdido; não me incomodo com isso: não é conveniente que Georges possua tão grande “tesouro”. A palavra russa empregada por tesouro (ou dinheiro) era kazna, o que significa, propriamente falando, “o tesouro da Coroa”; esta expressão surpreendeu muito aos assistentes, que nunca tinham ouvido dizer que ela fosse empregada em outro sentido.
Quando o Sr. Foustow comunicou essa resposta ao Príncipe Georges, este respondeu que o emprego da palavra kazna não o surpreendia, pois que seu pai era um homem do tempo antigo, um velho original, e que não designava o dinheiro de outra maneira a não ser por esta palavra.[42]
É inútil acrescentar aqui que tanto a médium quanto qualquer dos assistentes, e mesmo o Sr. Foustow, nunca tinham visto o morto, que tinha passado a vida e morrido na Geórgia. Fez-se ainda uma pergunta a respeito dos negócios privados do príncipe e recebeu-se uma resposta muito apropriada, e à qual os acontecimentos ulteriores corresponderam; mas como tais pormenores não se referem a esta categoria, julgo que é inútil reproduzi-los aqui.
Há pouco tempo pedi à jovem Pribitkow que fizesse certificar ainda uma vez esse fato pelo testemunho do Sr. Foustow, e ele próprio mo confirmou por escrito.
Algumas vezes uma palavra é bastante para estabelecer a identidade de uma pessoa, para uma outra que é a única que pode compreender o valor dessa palavra. Eis um fenômeno tão simples quão eloqüente, que ocorreu na ausência daquele a quem a experiência interessava. O respeitável literato S. C. Hall refere-nos o que se segue:
“Recebi pelo médium D. D. Home uma comunicação, da parte da filha de Robert Chambers, dizendo respeito a um negócio de família, de ordem muito íntima; quando ela me pediu que desse conhecimento dela a meu respeitável amigo o Sr. Chambers, recusei-me a fazê-lo, a menos que obtivesse alguma prova que pudesse convencê-lo de que era realmente o Espírito de sua filha quem me tinha falado. O Espírito respondeu-me: “Dize-lhe: papá, meu amor!” Perguntei ao Sr. R. Chambers que significava aquela expressão. Ele me respondeu que eram as últimas palavras de sua filha no momento de morrer, enquanto ele lhe levantava a cabeça acima do travesseiro. Considerei-me desde então autorizado a lhe dar parte da comunicação que me tinha sido transmitida para lhe ser dada.” (Light, 1883, pág. 437).
Por um acaso feliz, este fato se acha confirmado, de maneira inteiramente independente, pelo testemunho de outra pessoa que assistia àquela sessão; a testemunha é o Sr. H. F. Humphreys, que publicou sobre esse assunto um artigo intitulado Experiências de Espiritualismo no mesmo volume de Light (pág. 563).
Não posso deixar de mencionar aqui, ao menos a título de referência, uma comunicação recebida pelo juiz Edmonds da parte de um moço, vendedor de jornais, pela boca de sua filha em transe, e que constitui o assunto do Spiritual Tracts, número 3, intitulado: “O jovem vendedor de jornais”. A comunicação foi estenografada pelo juiz durante seu recebimento e é preciso lê-la para apreciar-se a habilidade característica dessa narração, de um garoto percorrendo as ruas de Nova Iorque.
C – Identidade da personalidade de um morto desconhecido do médium, verificada por comunicações dadas em escrita idêntica à que era conhecida durante a sua vida
Sou coagido a dizer que esta prova de personalidade excede a todas as da categoria “A”; a prova escrita é tão característica quanto a que é fornecida pela linguagem; mas, para o fim que nos propomos, a língua empregada nesta comunicação deve ser ignorada do médium. Além disso, se ela não foi dada por escrito, a prova documental nos falta; e, geralmente, essas comunicações em uma língua desconhecida do médium são transmitidas de viva voz, em linguagem corrente, o que constitui precisamente o seu valor. Aqui temos uma prova de personalidade igualmente comprobatória, mas com a vantagem de poder ela ser dada na língua materna do médium e de apresentar, além disso, um documento material, permanente, sempre ao alcance da crítica; e ainda mais, ela tem a vantagem de poder ser dada na presença da pessoa interessada.
Efetivamente, eu nego com resolução que a escrita de um morto desconhecido do médium possa ser reproduzida de maneira absolutamente idêntica por uma operação da consciência sonambúlica do médium, graças unicamente à presença de uma pessoa que tinha conhecido esse morto. Afirmo-o por duas razões: primeiramente, podemos reconhecer a escrita de uma pessoa a quem conhecemos, mas não poderíamos reproduzi-la de memória, mesmo por um esforço da nossa vontade; em segundo lugar, se a comunicação reproduzisse uma frase em que tivéssemos pensado, representando-nos a escrita que nos é familiar – o que teria podido ser tentado a título de experiência –, ter-se-ia podido ainda pretender que a frase foi reproduzida mecanicamente, ao mesmo tempo que a escrita, por transmissão de pensamento; porém, como se sabe, as comunicações recebidas têm seu próprio conteúdo e sua fraseologia própria. Não falo certamente de algumas palavras destacadas ou de assinaturas apresentando um fac-símile da escrita de seu autor – o que pode sempre prestar-se a contestação –, porém me refiro às comunicações mais ou menos longas ou freqüentes, provenientes da mesma pessoa morta, em sua escrita original. E esta prova deve, segundo penso, ser considerada como absolutamente concludente, pois que a escrita foi sempre considerada como um documento irrefutável da personalidade e como sua expressão fiel e constante.
A escrita é verdadeiramente uma espécie de fotografia da personalidade (veja-se o que eu disse mais acima sobre a grafologia e variações da escrita nas personificações hipnóticas, cap. III, item 3).
Quanto à possibilidade de escrever em escrita estrangeira, convém aplicar-lhe o mesmo argumento que para a faculdade de falar uma língua que não se conhece. As comunicações recebidas na escrita do morto são mencionadas aqui e ali na fenomenologia mediúnica, mas são raras. As referências que se fazem a esse respeito carecem de pormenores, e devemos contentar-nos com a opinião daqueles a quem elas eram dirigidas; sendo sempre de ordem reservada, é natural que não sejam dadas à publicidade; além disso, para servir de prova documental de identidade da escrita, elas deveriam ser publicadas com fac-símile da escrita da pessoa antes e depois da morte; porém, raramente se preocupam em dar tal prova, que aliás é bastante dispendiosa. Algumas vezes, entretanto, essas provas ou esses pormenores foram fornecidos e é dessas experiências completas que falarei.
As mais importantes dentre essas comunicações são certamente as que foram recebidas pelo Sr. Livermore, da parte de sua finada mulher, Estela, no decurso das numerosas sessões que fez com Kate Fox, durante muitos anos, de 1861 a 1866. Mais adiante o leitor encontrará (no item 8) todas as informações publicadas acerca dessas notáveis sessões, das quais só menciono aqui as que se referem às comunicações. Elas foram, ao todo, em número de cem, mais ou menos, traçadas em papel que o próprio Sr. Livermore marcava e trazia, e foram todas escritas não pelo médium (cujas mãos o Sr. Livermore segurava durante toda a sessão), porém diretamente pela mão de Estela e algumas vezes mesmo sob os olhos do Sr. Livermore, à luz espirítica criada ad hoc, luz que lhe permitia reconhecer perfeitamente a mão e até toda a forma daquela que escrevia. A escrita dessas comunicações é uma perfeita reprodução da escrita da Sra. Livermore quando viva.
Em uma carta do Sr. Livermore ao Sr. B. Coleman, de Londres, com quem ele fizera conhecimento na América, lemos:
“Finalmente acabamos de obter cartas datadas. A primeira desse gênero, datada de sexta-feira, 3 de maio de 1861, era escrita mui cuidadosamente e mui corretamente, e a identidade da escrita de minha mulher pôde ser estabelecida de maneira categórica por meio de comparações minuciosas; o estilo e a escrita do “Espírito” são para mim provas positivas da identidade do autor, ainda quando se deixem de lado as outras provas ainda mais concludentes, que eu obtive.”
Mais tarde, em outra carta, o Sr. Livermore acrescenta:
“Sua identidade foi estabelecida de maneira a não deixar subsistir a sombra de uma dúvida: a princípio por sua parecença, depois por sua escrita e finalmente por sua individualidade mental, sem falar de numerosas outras provas que seriam concludentes em casos ordinários, das quais não fiz menção, salvo como prova em apoio.”
O Sr. Livermore, enviando algumas dessas comunicações originais ao Sr. Coleman, tinha-lhe mandado também espécimes da escrita de Estela, quando viva, para compará-los, e o Sr. Coleman julga os primeiros “absolutamente semelhantes à escrita natural”. (B. Coleman – O Espiritualismo na América, Londres, 1861, págs. 30, 33, 35). Os que possuem cartas de Kate Fox podem convencer-se de que sua escrita nada tem de comum com a das comunicações da Sra. Livermore.
Além desta prova intelectual e material, encontramos ainda outra em muitas comunicações escritas por Estela em francês, língua completamente desconhecida da médium. Eis a esse respeito o testemunho decisivo do Sr. Livermore:
“Uma folha de papel que eu próprio tinha trazido foi retirada de minha mão e, depois de alguns instantes, me foi visivelmente restituída. Eu li nela uma comunicação admiravelmente escrita em francês correto, de que a Sra. Fox não conhecia uma palavra.” (Owen, The Debatable Land, Londres, 1871, pág. 390).
E em uma carta do Sr. livermore ao Sr. Coleman, leio ainda:
“Recebi também, não há muito tempo, muitas outras cartas escritas em francês. Minha mulher conhecia perfeitamente o francês; escrevia-o e falava-o corretamente, ao passo que a jovem Fox não tinha a menor noção da dita língua.” (O Espiritualismo na América, pág. 34).
Encontramos aqui uma dupla prova de identidade: ela é verificada não só pela escrita em todos os pontos semelhante à da pessoa morta, mas ainda pelo fato de ser feita em língua desconhecida da médium. O caso é extremamente importante e apresenta aos nossos olhos uma prova de identidade absoluta.
Os fac-símiles desse gênero que foram publicados são pouco numerosos. Entretanto, existe um livro intitulado Doze mensagens do Espírito de John Quincy Adams a seu amigo Josiah Brigham, por Joseph D. Stiles, médium, impresso em 1859. Ao prefácio são anexados fac-símiles dos escritos de Adams e de sua mãe, antes e depois de sua morte, que apresentam notável semelhança; o fac-símile da escrita normal do médium encontra-se do mesmo modo na dita obra. Encontramos no Spiritualist de 1881, II, página 111, uma notícia sobre essa obra, devida ao Sr. Emmette Coleman, que não é conhecido como crítico indulgente e que externa a conclusão seguinte:
“Este livro é único na literatura espírita, e a meu ver contém provas concludentes da identidade da Inteligência que é autora dessas comunicações, tendo as provas interiores e materiais um valor igual sob esse ponto de vista.”
No Spiritual Record de 1884, páginas 554 e 555, encontro os fac-símiles de uma comunicação recebida pelo Dr. F. L. Nichols, da parte da sua finada filha Willie, pela escrita direta entre duas ardósias. Ela é perfeitamente idêntica ao espécime da escrita de Willie, quando viva, e não tem semelhança alguma com a escrita do médium Eglinton, espécime do qual é anexo. Outro fac-símile de uma comunicação de Willie encontra-se no mesmo jornal do ano de 1883, página 131. Eis aí tudo quanto encontro, por ora, em meu registro, a respeito de semelhantes fac-símiles.
Desde que o processo da escrita direta foi simplificado e facilitado pelo emprego das ardósias, esse fenômeno, batizado com o nome de psicografia, tornou-se muito constante, e os casos de identidade de escrita foram referidos com mais freqüência; faltam somente os fac-símiles justificativos. Como exemplo, citarei uma experiência que traz em si, além da prova exterior da escrita, uma prova interior característica. Eis o fato que o Sr. J. J. Owen publicou no Religio Philosophical Journal de 26 de julho de 1884, e que tiro de Light de 1885 (pág. 35), onde foi reproduzido. Abrevio essa narração, dando completamente a palavra ao próprio Sr. Owen:
“Há cerca de doze anos eu contava no número de meus amigos íntimos um senador da Califórnia, muito conhecido e que era diretor de um banco próspero em São José. O Dr. Knox – é seu nome – era um pensador profundo e partidário resoluto das teorias materialistas. Ele estava acometido de uma afecção pulmonar progressiva e, sentindo aproximar-se seu fim, falava freqüentemente do sono eterno que o esperava, e com ele o esquecimento eterno. Ele não temia a morte.
Certo dia eu lhe disse: “Façamos um pacto, doutor: se, lá em cima, vos sentirdes viver, fareis a diligência possível de comunicar-me as palavras seguintes: Eu vivo ainda.” Ele me fez esta promessa solenemente... Depois de sua morte, eu esperava impacientemente que me desse notícias suas. Esse desejo se acentuou mais com a chegada à nossa cidade de um médium de materializações, vindo do oriente da América. Eu tinha absoluta confiança no caráter sério desse médium; ele declarou que podia às vezes obter provas de identidade por meio da escrita direta, sobre uma ardósia, e propôs-me tentar a experiência, pois que se oferecia ocasião... Limpei uma ardósia, coloquei em cima um lápis, de ardósia também, e conservei a dita ardósia de encontro à face inferior da mesa.[43] O médium colocou uma das mãos em cima de uma das minhas, por baixo da mesa, e a outra em cima do móvel. Ouvimos o ranger do lápis atritando a ardósia e, retirando-a, nela encontramos as linhas seguintes:
“Amigo Owen:
Os fenômenos que a Natureza nos oferece são irresistíveis, e o pretendido filósofo, que luta freqüentemente com um fato que se opõe diretamente às suas teorias favoritas, acaba por ser lançado em um oceano de dúvida e de incerteza. Não é precisamente o caso que se dá comigo, se bem que minhas antigas idéias acerca da vida futura estejam presentemente transformadas por completo; entretanto, confesso-o, minha desilusão foi agradável e eu sou feliz, meu amigo, por poder dizer-te: Vivo ainda.
Sempre teu amigo
Wm. Knox.”
Convém notar que o médium de quem se trata foi a Califórnia três anos depois da morte de meu amigo, que nunca o tinha conhecido e que a escrita da comunicação era a tal ponto igual à de meu amigo morto, que foi reconhecida como sua pelo pessoal do Banco a que ele presidira.”
Se não tivesse havido identidade de escrita, teríamos podido explicar esse caso, como tantos outros, pela transmissão de pensamentos; mas, nessas condições, a manifestação torna-se pessoal.
Relativamente a comunicações transmitidas pelo mesmo processo, porém em grande quantidade, da parte de uma só e mesma pessoa, apenas conheço o caso notável da Srta. Mary Burchett, que ela mesma refere em Light de 1884 (pág. 471) e 1886 (págs. 322, 425). No decurso de dois anos ela recebeu cerca de cinqüenta comunicações com a escrita de um amigo íntimo, falecido em 1883. Em vida ele não acreditava mais do que o Sr. Knox “na possibilidade de uma vida depois da morte”; e é por isso que diz em sua segunda comunicação: “É uma revelação, quer para mim, quer para ti; não ignoras quão refratário eu era a qualquer fé em uma existência futura.”
Anteriormente à minha viagem a Londres, em 1886, escrevi à Srta. Burchett e fiz-lhe diversas perguntas, às quais respondeu bondosamente pela carta seguinte, que contém numerosos pormenores inéditos:
“The Hall, Bushey, Herts (Inglaterra), 20 de maio de 1886.
Senhor:
Lamento não poder fazer jus ao desejo que externaste de possuir alguns espécimes da escrita póstuma e natural de meu amigo falecido, visto que as mensagens que me dirigiu, sendo de ordem puramente pessoal, são sagradas para mim. Além disso, ele me pediu por muitas vezes que não as mostrasse a ninguém. Quanto às perguntas que me fazes, responderei a elas com a maior boa vontade.
1) Relativamente à escrita de meu amigo: até hoje recebi dele trinta e quatro cartas, pela mediunidade do Sr. Eglinton; as duas primeiras eram escritas em ardósias, todas as outras em papel. Uma dessas cartas é escrita em uma folha de papel de carta que eu tinha colado pelos ângulos, com um pouco de goma, em uma das ardósias, de maneira que pudesse ser retirada sem dificuldade (veja-se Light, 1884, pág. 472). Quanto ao que diz respeito a algumas das primeiras cartas, se bem que a sua escrita se assemelhasse muito à de meu amigo e que sejam concebidas em estilo e linguagem que lhe eram próprios, descobri nelas ao mesmo tempo certa semelhança com a escrita de Ernesto, um dos Espíritos-guias do médium, o que me desorientou um pouco. Mas essa vaga semelhança não tardou a diminuir gradualmente e acabou por desaparecer inteiramente: e então a escrita das comunicações se tornou igual à de meu amigo, em vida, tanto quanto uma escrita a lápis pode assemelhar-se a que é feita com uma pena. Meu amigo era austríaco de nascimento e sua escrita, notavelmente bela e fina, tinha o cunho de sua origem alemã.
2) Todas as comunicações, à exceção de uma, são escritas em inglês, com muitas frases em língua alemã. Durante sua vida, ele tinha igualmente o hábito de escrever-me em inglês. Em vésperas do Natal, em 1884, recebi, com grande surpresa, uma carta em alemão, escrita com caracteres góticos muito belos e de estilo impecável.[44] Experimentando alguma dificuldade em compreender o alemão, pois que naquela época eu só conhecia essa língua imperfeitamente, externei o meu pesar pelo fato de ser a carta em alemão, acrescentando que teria desejado muito receber algumas linhas em minha língua materna. O Sr. Eglinton propôs bondosamente fazer a experiência. A folha só estava escrita de um lado; ele a voltou do lado oposto sobre a ardósia, que seguramos da maneira habitual, e pouco tempo depois ouvi o ranger do lápis e encontrei algumas palavras apenas, em inglês, no estilo habitual.[45]
3) Essas comunicações contêm alusões tão numerosas à sua vida na Terra, que bastaram para convencer-me de sua identidade, sem que eu tivesse tido necessidade de outras provas que, entretanto, não faltavam. Talvez o senhor tenha lido no livro de J. Farmer: Between two Worlds (Entre dois Mundos; a vida e os atos de W. Eglinton) (Londres, 1886, pág. 167), a história de uma materialização notável. Foi eu quem a comunicou.[46] Em uma de suas primeiras cartas encontrei uma prova notável: ele me nomeou, incidentemente, um lugar na Alemanha, e lembro-me então de que ele me dissera tê-lo visitado. É um nome muito esquisito e eu nunca o ouvi citar, nem antes nem depois. Certo dia em que eu estava sentada, só, em uma sessão de escrita automática – desde o último outono, desenvolvi em mim essa faculdade, em grau ainda fraco –, fiz alusão a esse fato e perguntei a meu amigo se queria escrever, por minha mão, o nome do país em que se achava esse lugar. Esforcei-me por tornar minha mão tão passiva quanto possível, a fim de não exercer influência alguma sobre a resposta, contudo eu esperava ler “Áustria” ou “Hungria”. Com grande surpresa, minha mão escreveu lentamente o nome de uma cidade, e então me lembrei de que no decurso da conversação mantida com ele, quando lhe fiz observar a consonância extravagante dessa palavra, ele me dissera que esse lugar se achava perto da cidade de D. Eu sempre considerei esse incidente como muito curioso, se bem que na espécie não apresentasse muita importância.[47]
Aceite, etc.,
Mary Burchett.”
Falta-me acrescentar que, depois de minha estada em Londres, em 1886, aproveitei-me da ocasião que se me apresentava de fazer conhecimento com a Srta. Burchett. Como se pode pensar, ela me confirmou o que precede e mostrou-me espécimes da escrita de seu amigo, antes e depois de sua morte; mas não me foi permitido ler o seu conteúdo, de maneira que não pude examinar e comparar as duas escritas tão cuidadosamente quanto teria desejado; pude comparar somente a maneira pela qual estava escrito o artigo the, e julguei-a idêntica; quanto ao restante, verifiquei uma semelhança no aspecto geral das duas escritas; mas semelhança não é identidade e, demais, a escrita a lápis difere sempre um pouco da escrita à tinta.
Eis outro exemplo em que a falta de fac-símile é compensada até certo ponto por alguns pormenores precisos que nos são fornecidos acerca da forma de algumas letras, circunstância que nos prova que a comparação das escritas foi feita com cuidado.
Esta experiência é publicada in extenso em Light de 1884 (pág. 397). Só darei aqui o resumo: O Sr. A. J. Smart (autor do artigo) morava, desde sua estada em Melbourne (Austrália), em casa do Sr. Spriggs, médium bastante conhecido. Eles ocupavam o mesmo quarto.
A 27 de março daquele ano (1884), acabando ambos de deitar-se, o Sr. Smart notou que seu amigo tinha caído em transe subitamente. Depois de ter trocado algumas frases com os invisíveis, por meio de pancadas, aqueles anunciaram que “se estava em condições de escrever” e que era preciso “verificar dentro de dez minutos”. Pouco depois o médium voltou a seu estado normal, e acendeu-se a vela. Em cima de uma mesa, colocada a alguma distância do leito, o Sr. Smart encontrou uma comunicação, em nome de sua mãe, falecida no mês de fevereiro passado, escrita à tinta, em uma folha de papel, e concebida nos seguintes termos:
“Caso Alfredo:
Harriet acaba de escrever-lhe para lhe anunciar que eu deixei a Terra. Eu estava satisfeita por partir. Sou feliz. Falar-lhe-ei em breve. Dize a Harriet que eu vim. Deus te abençoe. – Tua mãe sempre afeiçoada.”
Eis as observações que o Sr. Smart fez em relação à escrita:
“Comparei minuciosamente a escrita dessas comunicações com as cartas escritas por minha mãe, enquanto viva, letra por letra, palavra por palavra. Efetivamente, verifiquei que além da semelhança perfeita do aspecto geral da escrita, que salta aos olhos de qualquer pessoa, à primeira vista, havia identidade completa no talho das letras das palavras, assim como na composição das frases. Ali, como aqui, se encontra a maneira antiga de escrever a letra r, o hábito (pouco comum) de começar a palavra “afeiçoado” por uma maiúscula, de voltar à esquerda e não à direita a perna do primeiro f dessa palavra e, coisa particularmente notável, as duas escritas denotam o hábito de escrever todas as letras separadas, em vez de ligá-las, e hábito que minha mãe tinha contraído em conseqüência de uma fraqueza no braço direito, ocasionada por uma entorse. E omito muitos outros pontos de semelhança, evidentes para a vista, mas difíceis de definir. Quanto ao estilo, no qual a comunicação é redigida, é caracterizado pela mesma concisão que lhe era própria durante a vida.”
O diretor do Harbinger of Light (Mensageiro da Luz), jornal de Melbourne onde apareceu o artigo do Sr. Smart, acrescenta por sua vez:
“Vimos a comunicação em questão e comparamo-la com muitas outras cartas autênticas da Sra. Smart. Achamo-las idênticas e todas as particularidades da composição ali se reproduzem.”
O lado fraco dessa narração, no ponto de vista da hipótese de uma fraude, é que o Sr. Smart e o médium estavam intimamente ligados por amizade e que este último pôde ter entre mãos as cartas da Sra. Smart.
A identidade de uma escrita ante mortem e post mortem só poderia ser estabelecida de maneira absoluta se a comunicação se tivesse dado na ausência de qualquer pessoa que conhecesse a escrita do morto. Em meu Índex ou Registro, não encontro um só exemplo de uma comunicação inteira desse gênero que corresponda a essas condições, do princípio ao fim; mas posso citar casos em que a escrita obtida foi absolutamente idêntica à do morto, pela forma de certas letras do alfabeto. Submeto ao leitor um fato tirado de minha experiência pessoal.
Durante um período de dois ou três anos, organizei habitualmente sessões de escrita automática com minha mulher, que era médium; ninguém era admitido a essas experiências, à exceção do professor Boutlerow, que nelas tomava parte, de vez em quando. Delas falei mais acima. No começo, empregávamos a prancheta, porém deixamo-la em pouco tempo, notando que me bastava colocar a mão em cima da mão direita da de minha mulher, que segurava no lápis, para que ela adormecesse, no fim de 10 a 15 minutos, e pouco tempo depois sua mão começava a escrever. Eu nunca fazia evocação de espécie alguma, nem formulava qualquer pedido: esperava simplesmente e, quando aparecia uma escrita, eu fazia perguntas em relação com a mensagem, de viva voz; o lápis traçava as respostas e o diálogo continuava assim até o momento em que o lápis caía da mão de minha mulher.
Ora, o outono do ano de 1872 foi extremamente penoso para mim; voltando a São Petersburgo, da cidade de Oufa, corri o risco de afogar-me no rio Cama, em conseqüência de um abalroamento de vapores. Era noite, e quinze minutos depois do choque o navio a bordo do qual eu me achava ia-se afundando. Por felicidade, eu viajava sozinho. Chegando em são Petersburgo, soube que a casa em que vivia meu velho pai, em sua propriedade, Governo de Penza, tinha sido presa das chamas e que a mobília fora destruída pelo incêndio, inclusive os arquivos da família e uma bela coleção de livros que meu pai e eu tínhamos levado cinqüenta anos a organizar. Diante de tal notícia, resolvi partir de novo dentro de poucos dias, para ir ter com meu pai e auxiliá-lo a sair-se de embaraços.
Na véspera de minha saída de São Petersburgo, tive a lembrança de fazer uma sessão de escrita mediúnica, curioso de saber se haveria uma comunicação que se referisse à minha viagem projetada. Assim não sucedeu: logo que minha mulher adormeceu, obtive a comunicação seguinte, de mão firme e desembaraçada, que não era a escrita habitual de minha mulher:
“Estou aflito por causa de meu rebanho, sofro por ele, com meu filho Dieu-donné, que procurava os caminhos do Senhor.
Nicolau, sacerdote.”
Eu não pude penetrar no sentido de tais palavras e pedi esclarecimento. Em resposta obtive as linhas seguintes:
“É em vão, senhor, que pensas em uma advertência; a coisa era impossível, porque ela teria podido fazer evitar o que aconteceu; ora, isso era inevitável; estava predeterminado pela Providência misericordiosa para o bem da alma... que tem necessidade de preces a todo custo!...”
À pergunta que fiz em relação à minha viagem, recebi a resposta seguinte:
“Teu sacrifício é grande, mas é indispensável.”
Quando minha mulher voltou a si, pusemo-nos a decifrar a mensagem, fazendo conjecturas quanto à sua proveniência. Concluímos, finalmente, que o sacerdote Nicolau não poderia ser outro senão o finado sogro do cura da paróquia de Repiovka, na propriedade de meu pai, e onde este morava permanentemente. E eis por que a mulher do sacerdote atual da nossa paróquia rural tem o nome de Olga Nicolaïevna (filha de Nicolau); sabíamos, além disso, que seu pai tinha sido sacerdote da mesma paróquia, que ele a tinha cedido a seu genro, segundo o uso adotado na Rússia. Além disso, o sacerdote Nicolau tinha sido o confessor de meu pai. Havia, pois, todo o fundamento para acreditar-se que era ele o autor da comunicação que nos tinha sido transmitida. Desde então tivemos a explicação de ter ele designado seu sucessor como “filho Dieu-donné”. Quanto às palavras “Estou aflito, etc.” e restante da comunicação, têm significação inteiramente íntima, que não posso divulgar, mas que no-las tornava perfeitamente compreensíveis. As palavras: “É em vão que pensas em uma advertência” referiam-se provavelmente a um pensamento que eu tinha externado certo dia, noutra ocasião, dizendo que no caso de não ser o fogo proveniente de um acidente, mas obra de um incendiário, os agentes invisíveis bem teriam podido prevenir os interessados.
A comunicação acima apresenta duas singularidades: em primeiro lugar, seu estilo antigo, que tem curso nos seminários e que ninguém mais emprega atualmente; nunca nos teria ocorrido a lembrança, a mim ou à minha mulher, de fazer uso dessas expressões e circunlóquios (que são absolutamente intraduzíveis); em segundo lugar, o próprio caráter da escrita, por certos traços particulares, que me impressionaram: é uma espécie de miscelânea da escrita de minha mulher e da escrita de uma pessoa estranha; certas letras tinham forma inteiramente diversa da que minha mulher usava.
Desejei ardentemente comparar essa escrita com a do sacerdote Nicolau, a quem eu conhecera ainda muito moço, quando eu ia passar as férias em nossa propriedade. Ele faleceu em 1862, mas, desde 1851, tendo encontrado um substituto, na pessoa de seu genro, não mais tinha morado em Repiovka. Eu nunca vira escrito algum de sua mão; quanto à minha mulher, nunca o conhecera. Pedi, pois, a seu “filho Dieu-donné” que me mostrasse algumas de suas cartas ou outros papéis autógrafos; ele, porém, não conseguiu encontrar outra coisa além de uma página de antigo almanaque na qual seu sogro tinha feito alguns apontamentos. Ele arrancou a folha e enviou-ma. Essa simples folha me fornecia elementos preciosos para a comparação das duas escritas. Muitos anos depois, em 1881, eu mesmo fiz pesquisas nos arquivos da igreja, e consegui encontrar páginas inteiramente escritas pela mão do reverendo padre Nicolau. Comparei esses manuscritos com a comunicação que tínhamos recebido e verifiquei os pormenores seguintes:
Na comunicação, a letra russa correspondente ao “l” latino é sempre escrita com a letra grega lambda.
No manuscrito do padre Nicolau, essa letra tem, ora a forma adotada pelo alfabeto russo, ora a forma grega. Em uma folha do registro dos óbitos, a assinatura do “padre Nicolau” é repetida 35 vezes; em 8 casos a letra “l” é feita à maneira russa e em outros 27 como um lambda.
Minha mulher nunca a escreveu com essa última forma.
A letra “d” (correspondente à mesma letra do alfabeto latino) é escrita na mensagem, invariavelmente, como um “g” latino, como faziam outrora.
Nos manuscritos, encontrei essa letra também escrita de duas maneiras: mas a forma “g” predomina, só raramente se encontrando a outra. Tenho sob os olhos uma página de manuscrito in-fólio, onde a letra “d” é repetida 44 vezes, 3 vezes das quais sob a forma de um “g”.
Minha mulher nunca escreveu o “d” como um “g” latino.
Deixo de lado outras particularidades menos acentuadas; por exemplo: a maneira de escrever a letra russa correspondente ao “b” latino: minha mulher traçava a curva superior sempre para cima, ao passo que na comunicação, bem como nos autógrafos do padre Nicolau, ela é sempre dirigida para baixo, como na letra grega delta.
A que atribuir essa concordância singular na maneira de escrever essas letras? Importa encontrar-lhe uma explicação plausível. Seria muito fácil pretender que a consciência sonambúlica da médium, penetrando na vida íntima de um velho sacerdote, tenha empregado uma caligrafia antiquada; o emprego do gama não caiu completamente em desuso, e o “d” antigo escrevia-se quase sempre como um “2” com a curva inferior por baixo da linha, e só raramente o encontramos sob a forma “g”.
Não se trata, por conseguinte, da imitação de um gênero de escrita; a questão que se apresenta é saber por que razão a forma dessas letras concorda com a que o padre Nicolau tinha adotado.
Em Light (1887) há um artigo intitulado “Self-proving Messages” (Mensagens que contêm sua prova em si mesmas), no qual encontramos, à página 107, um exemplo análogo ao que precede, isto é, em que a escrita da mensagem se assemelha à escrita ante mortem da personalidade em nome da qual a mensagem é transmitida, pela forma de algumas letras apenas (o autor dá a descrição das ditas letras); o médium nunca tinha visto essa escrita. O artigo não menciona se a experiência foi feita na ausência da pessoa que conhecia o morto.
D – Identidade da personalidade de um morto verificada por uma comunicação proveniente dele, com um conjunto de pormenores relativos à sua vida, e recebida na ausência de qualquer pessoa que conhecera o morto
No capítulo III, item 9, apresentei muitos casos que correspondem com esta condição de maneira inteiramente satisfatória.
Assim, por exemplo, o caso do velho Chamberlain, que transmite uma comunicação, pelo órgão do médium, a um grupo de doze pessoas, que não o conheciam. Essa personalidade se manifesta imediatamente uma segunda vez, para acrescentar certos pormenores que lhe diziam respeito, depois que os membros do grupo externaram seu pesar por não os ter pedido por ocasião de sua primeira manifestação, a fim de obter uma prova completa de sua identidade. Sabe-se que, feita a verificação, reconheceu-se ser exato tudo quanto ele tinha dito.
Conhecemos outro caso análogo, o de Abraão Florentino, que, falecido na América, manifestou-se na Inglaterra, por pancadas, em um círculo espírita, onde nem sequer se suspeitava de sua existência, e que dava a seu próprio respeito indicações que foram reconhecidas exatas após informações tomadas na América.
No capítulo em questão, eu indicava a fonte em que se encontram milhares de exemplos semelhantes que poderiam fornecer matéria para um estudo especial feito no lugar, em condições de fiscalização das mais rigorosas; quero falar do Message Department do Banner of Light. Os documentos que devem servir, quer para desvendar as imposturas, quer para estabelecer a verdade, estão ao alcance de quem quer que deseje dar-se ao trabalho de analisá-los. Seria muito interessante tomar umas cem mensagens na ordem em que estão impressas e estabelecer a proporção do falso, do exato e do duvidoso.
Entre essas comunicações, encontram-se algumas que contêm alusões a questões de família, inteiramente íntimas. Em o número de 15 de março de 1884, há, por exemplo, uma comunicação dada em nome de Monroe Morill, que narra o que lhe tinha sucedido no Extremo Oeste americano; o número de 5 de abril publica uma carta de Hermann Morill, irmão do morto, que confirma a exatidão da mensagem e diz entre outras coisas: “Compreendo muito bem a alusão que ele faz ao Far-West: trata-se de um incidente que ele, nosso irmão o Dr. Morill, em Sandusky (Ohio) – onde Monroe morreu – e eu éramos os únicos a conhecer.”
Outro exemplo: em o número de 9 de fevereiro de 1889, encontra-se uma mensagem de Emma Romage, de Sacramento (Califórnia), que refere a visão que teve de seu amigo Jenny em seu leito de morte. Em o número de 30 de março do mesmo ano, o Sr. Eben Owen, de Sacramento, publica uma carta na qual diz que ele mostrou essa mensagem à irmã de Emma Romage e que esta confirmou o fato da visão da qual Emma lhe havia falado em seu leito de morte.
Independentemente dos elementos que nos fornece o Banner of Light, eu poderia indicar numerosos casos desse gênero, mas avalio que os que citei bastam de sobra. Para fechar esta categoria, citarei ainda este exemplo que merece toda a minha confiança, porque é tirado da experiência pessoal de Robert Dale Owen, e que é exposto de maneira circunstanciada em sua obra The Debatable Land, sob o título: “Provas de identidade fornecidas por uma pessoa estranha que se achava a 500 milhas de distância”. Não podendo essa narração ser exposta em resumo, reproduzo seu texto na íntegra, com as poucas páginas que lhe servem de introdução:
“Mais de quarenta anos decorreram desde a morte de uma jovem senhora inglesa a quem eu conhecia muito bem. Ela gozava de todas as vantagens que uma instrução perfeita pode dar; falava corretamente o francês e o italiano; tinha viajado muito pela Europa e conhecera numerosas personagens de sua época, que estavam em evidência. A Natureza favorecera-a tão generosamente quanto a sorte; era tão formosa quanto instruída, acessível aos sentimentos generosos, de grande simplicidade; inteligência refinada, com tendências espiritualistas. Chamá-la-ei Violeta.[48]
Vinte e cinco anos depois de sua morte, tendo recomeçado minhas pesquisas espíritas, ocorreu-me esta lembrança: se é possível às pessoas que se interessaram por nós, durante a vida, continuarem a comunicar-se conosco, após sua passagem a uma outra vida, o Espírito de Violeta poderia mais facilmente do que qualquer outro manifestar-se a mim. Entretanto, eu nunca tinha acedido em evocar tal ou qual Espírito, julgando mais razoável esperar sua manifestação espontânea. E, entretanto, passavam-se os meses e eu não obtinha o menor sinal de reconhecimento por parte de Violeta; acabei por não contar mais com isso e duvidei que semelhante coisa pudesse acontecer.
O leitor compreenderá minha surpresa, quando em uma sessão, a 13 de outubro de 1856, em Nápoles (em presença da Sra. Owen e de outra senhora, médium profissional), fui testemunha das coisas seguintes:
O nome de Violeta foi soletrado inesperadamente. Dissipada em parte a minha surpresa, perguntei mentalmente com que fim tinha sido ditado esse nome que me era tão familiar.
Resposta – Fiz pro... (gave pro...)
Nesse ponto terminaram as letras. As súplicas reiteradas, de continuar-se a comunicação, não foram atendidas; não pudemos obter uma letra sequer. Finalmente, lembrei-me de perguntar:
– As letras p, r e o são exatas?
Resposta – Não.
– Fiz (gave), está certo?
Resposta – Sim.
Pedi então:
– Soletra ainda uma vez a palavra que se segue a gave.
Obtivemos a frase seguinte, na qual foi preciso aqui e ali corrigir uma letra: “Fiz por escrito a promessa (em inglês: gave a written promise) de lembrar-me de ti, mesmo depois da morte.”
O sentimento que se apoderou de mim, ao ver esta frase compor-se, letra por letra, só poderá ser compreendido por uma pessoa que já se encontrou em uma situação igual à minha. Se uma recordação de infância qualquer conservou-se viva para mim, mais nitidamente do que tudo o mais, foi sem dúvida a carta que Violeta me escrevera, prevendo a sua morte, carta que continha palavra por palavra a promessa que acabava de trazer-me à memória no mesmo instante um ser de além-túmulo, e isso quando a metade de minha vida tinha decorrido. Essa circunstância nunca terá, para outra pessoa, a mesma significação que tem para mim. A carta está sempre em meu poder; só eu conheço sua existência, porque ninguém a vira. Poderia eu prever, lendo-a pela primeira vez, que um quarto de século mais tarde, em um país longínquo, a autora dessa carta estaria em estado de dizer-me que tinha cumprido com a sua promessa?
Alguns dias depois, a 18 de outubro, em uma sessão espírita, o mesmo Espírito se anunciou e eu obtive, às diversas perguntas mentais que fiz, respostas igualmente precisas e exatas, se bem que essas perguntas se referissem a coisas de ordem íntima, que eu era a única pessoa que conhecia. Não havia ali a menor inexatidão e, além disso, as respostas continham alusões a circunstâncias que ninguém neste mundo – estou absolutamente convicto disso – podia conhecer, à exceção de mim.
Os resultados que obtive não podem, de maneira alguma, ser atribuídos ao que se designa algumas vezes sob o termo de “atenção expectante”, causa presumida de fenômenos análogos. Naquela época procurávamos provocar diversas manifestações físicas que outras pessoas afirmavam ter obtido, tais como: deslocamentos de objetos sem contato, escrita direta, aparição de mãos, etc. Mas ninguém podia esperar o que sucedeu, nem eu, nem, com mais razão, os outros assistentes. Se associações de idéias, desde há muito adormecidas, foram subitamente evocadas pela composição inopinada de um nome, é certo que esse resultado não era devido nem ao meu pensamento, nem a um desejo ou esperança que me fosse pessoal, se é certo que a nossa consciência é uma garantia suficiente da presença de um pensamento ou de um sentimento. Se a origem dessas idéias não residia em mim mesma, muito menos podia ser atribuída a qualquer outra pessoa entre os assistentes. Estes ignoravam até a existência da carta em questão e não conheciam a pergunta que eu fizera mentalmente: a hipótese de uma influência terrestre deve, pois, ficar limitada à minha pessoa.
Outra circunstância ainda vem provar que uma expectativa acentuada da minha parte não representou papel algum no que se passou. Desde o primeiro esforço que foi feito para responder à minha pergunta, ao ler as poucas letras que começavam a frase “gave pro”, eu tive realmente a lembrança de que a palavra não acabada devia ser promessa e que se referia ao juramento solene que violeta tinha formulado tantos anos antes. Mas, que sucedeu? Nosso interlocutor declarou que essas letras não estavam certas. Recordo-me ainda perfeitamente com que surpresa, com que desapontamento restaurei essas letras. E foi com o sentimento de uma surpresa ainda maior que percebi que a correção tinha sido empreendida com o intuito único de tornar a frase mais completa e mais precisa! – tão precisa que o documento em questão não teria podido ser designado mais claramente, ainda que fosse reproduzido na íntegra. Em tais condições seria impossível admitir que meu pensamento, que uma impulsão vinda de mim tivesse podido exercer uma influência, qualquer que fosse, sobre os efeitos de que fomos testemunhas.
E este incidente não foi mais do que o precursor de uma série completa de manifestações que se deram durante numerosos anos e que deram em resultado convencer-me da existência póstuma de um Espírito amigo e de sua identidade. Esses fatos se produziram, na maior parte, depois de meu regresso de Nápoles aos Estados Unidos, em 1859.
Cinco ou seis semanas depois da publicação de meu livro Footfalls on the Boundary of another World, em fevereiro de 1860, meu editor apresentou-me um senhor que acabava de chegar de Ohio e que me declarou que meu livro tinha muita aceitação naquela província. Acrescentou que eu poderia fomentar ainda a sua procura se enviasse um exemplar à Sra. B., que morava em Cleveland naquela época, senhora que possuía uma livraria e era incumbida da publicação de um dos jornais da localidade. “Ela se interessa muito por essas coisas – disse-me ele –, e creio que ela própria é médium.”
Até então eu nunca ouvira falar nessa senhora; apesar disso mandei-lhe um exemplar de meu livro com um breve oferecimento de polidez, e pouco tempo depois recebi dela uma carta, datada de 14 de fevereiro.
Nessa carta a Sra. B., depois de me ter falado de algumas particularidades de negócios, manifestava-me toda a satisfação que tinha experimentado por ocasião da leitura do capítulo intitulado “Mudança depois da morte”. “Eu sou médium vidente – me escrevia ela entre outras coisas – e, enquanto lia o capítulo em questão, o Espírito de uma mulher, a quem eu nunca tinha visto, conservava-se perto de mim, como para escutar, e dizia-me: Eu o inspirava quando ele escrevia isto; ajudei-o a acreditar em uma vida eterna.”
A Sra. B. fazia em seguida a descrição da pessoa que lhe tinha aparecido, especificando a cor dos cabelos e dos olhos, a tez, etc., e esse retrato correspondia exatamente ao de Violeta. Ela acrescentava que um comerciante de Cleveland, que é médium “impressionável” (ele deseja ficar incógnito), tinha entrado naquele momento em sua casa e lhe dissera: “Terás a visita de um novo Espírito hoje, o de uma mulher. Ela disse que tinha conhecido uma Sra. D.” e nomeou uma senhora inglesa, falecida, a quem a Sra. B. conhecia de nome – como escritora –, mas de quem o comerciante em questão nunca ouvira falar.
Essa senhora D. não era outra mais do que a irmã de Violeta; mas em minha resposta à Sra. B., resposta que mais era uma carta de negócios, não lhe falei nem da pessoa cuja aparência ela me pintara nem da Sra. D. Com o objetivo de submeter a Sra. B. a uma prova tão completa quanto possível, evitei até fazer qualquer alusão que pudesse levar a supor que eu tinha reconhecido a mulher que lhe aparecera. Além dos assuntos de negócios, só acrescentei algumas palavras, para lhe dizer que lhe ficaria muito agradecido se ela pudesse obter alguns pormenores a respeito do Espírito: seu nome e outras indicações que pudessem servir para estabelecer-lhe a identidade.
Recebi duas cartas, datadas de 27 de fevereiro e de 5 de abril. Continham as informações seguintes: 1º- o nome próprio; 2º- o Espírito declarara que a Sra. D. era sua irmã; 3º- alguns pormenores a respeito de Violeta. Todas estas informações eram rigorosamente exatas. A Sra. B. escrevia em seguida que tinha sabido ainda de outros pormenores, mas eram de natureza absolutamente privada e a tal ponto confidenciais, que ela julgava só mos poder confiar de viva voz, se eu passasse por Cleveland, em meu regresso a Oeste.
Como eu tinha necessidade de partir para a Europa dentro de quinze dias, escrevi à Sra. B., pedindo-lhe que me mandasse essas informações por escrito, o que ela fez em sua quarta carta, com data de 20 de abril. As informações que me mandou eram obtidas em parte por si mesma, em parte pela mediunidade do comerciante de quem se tratou.
Dizendo mais acima que as provas obtidas por mim nunca poderão ter para os outros a mesma significação que têm para mim, só dei uma fraca idéia da importância desse testemunho. Mas o leitor poderá sempre apreciar uma parte das maravilhas que a mim se revelaram. Por exemplo: eu tinha escrito uma simples e breve carta de negócios a uma pessoa totalmente estranha, que morava a quinhentas milhas, em uma cidade que Violeta nunca tinha visto e onde eu nunca estive, se tenho boa memória. Sendo dadas tais condições, é preciso excluir toda idéia de uma sugestão qualquer, de uma leitura de pensamentos ou de uma relação magnética. Seria igualmente inadmissível supor que um editor ou um comerciante de Cleveland tivesse possuído informações acerca de uma pessoa cujo nome é obscuro e que morreu no outro hemisfério, a 1.000 milhas daquele lugar. E era desses estrangeiros, de tão longe, que me tinham chegado, espontaneamente, sem que eu o tivesse pedido, e como de um mundo superior, a princípio a descrição do exterior de uma pessoa, correspondendo exatamente ao de Violeta, depois um nome que deixava firmemente supor que era realmente ela mesma quem se manifestava a eles – em seguida seu nome próprio, e finalmente a designação de seu parentesco com a Sra. D., e tudo isso sem a mínima indicação de minha parte.
Os meus leitores estão no caso de apreciar o valor desses fatos, que constituem por si sós provas de identidade maravilhosas; para mim, têm uma significação ainda mais elevada, porquanto se trata aí de pormenores íntimos referindo-se à minha juventude e à de Violeta, pormenores que nenhum ser, aquém da Grande Fronteira, podia conhecer, e que apenas foram tocados de leve nesta narração, de maneira que a pessoa que os recolhia apenas compreendia sua significação, pormenores, enfim, não só sepultados no passado, mas também ocultos nas profundezas dos corações para os quais eles eram recordações sagradas; para mim, pois, o sobrevivente, quando me achei em presença dessas revelações – dentre outras das que eram contidas na última carta da Sra. B. –, vi ali a prova íntima de que as recordações, pensamentos e afeições do homem continuam a existir além da morte, prova de que se não pode impor a uma terceira pessoa e que, por sua própria natureza, só pode produzir uma convicção pessoal.”
E – Identidade da personalidade de um morto verificada pela comunicação de fatos que só puderam ser conhecidos pelo próprio morto e que somente ele podia comunicar
Por certas particularidades, o caso de Violeta teria podido ser classificado sob esta categoria, do mesmo modo que certos casos citados no item 8 do capítulo III, como por exemplo o caso certificado pela junta da Sociedade de Dialética, relativo ao irmão da dona da casa onde se davam as sessões, o qual, falecido quatorze anos antes, se lhe manifestou para informá-la de que ela não tinha herdado absolutamente o bem que lhe tocava, e que seus executores testamentários tinham-na privado de uma parte dessa herança; esse fato foi reconhecido como exato.
O caso do Dr. Davey refere-se à mesma categoria: o leitor deve recordar-se que seu filho, falecido a bordo, manifestou-se-lhe no decurso de uma sessão, para dizer-lhe que tinha falecido não de moléstia, como dizia o relatório do comandante, mas que fora envenenado e que o comandante não restituíra todo o dinheiro que se achava em seu poder – fato igualmente reconhecido como exato.
Sob a mesma categoria mencionei um fato que se deu à minha vista e do qual darei aqui a narração completa, conforme foi publicado nas Memórias da Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres (1890, tomo XVI, páginas 353-355); trata-se da descoberta do testamento do Barão Korff.
Desejando expor este fato com o maior número possível de pormenores, dirigi-me ao Barão C. N. Korff, meu colega, o qual me respondeu que eu podia obter as informações mais exatas do Barão Paulo Korff, filho do falecido, que habitava em Petersburgo. Eis o que este último me referiu:
Seu pai, o General Paulo Ivanovitch Korff, faleceu em Varsóvia a 7 de abril de 1867; sabia-se que tinha feito um testamento, mas não foi possível encontrá-lo por ocasião de seu falecimento, a despeito das mais minuciosas pesquisas. Em julho de 1867, a irmã do Barão Korff filho, a Baronesa Carlota Wrangel, morava com a irmã de seu marido, a Sra. Oboukhof, em Plotzk, perto de Varsóvia. Sua mãe, a viúva do General Korff, achava-se nessa ocasião no estrangeiro; ela tinha o hábito de mandar a filha abrir sua correspondência. Dentre essas cartas havia uma do Príncipe Emílio Wittgenstein, que também estava no estrangeiro. Ele lhe participava, nessa carta, ter recebido em nome do marido dela, falecido, uma comunicação espirítica indicando o lugar onde se achava o testamento.
A Sra. Wrangel bem sabia que a ausência desse testamento era a causa de muitos dissabores para seu irmão mais velho, o Barão José Korff (falecido depois), o qual tinha sido incumbido de dirigir a liquidação da herança e achava-se naquela ocasião em Varsóvia; por conseguinte, ela se dirigiu imediatamente para onde ele se achava, levando em companhia sua cunhada para lhe dar parte do conteúdo, tão importante, da carta do Príncipe Wittgenstein. As primeiras palavras de seu irmão foram que ele acabava de encontrar o testamento e, pela leitura da carta do Príncipe Wittgenstein, verificou-se, com surpresa geral, que o lugar indicado na comunicação mediúnica era realmente o mesmo em que o barão o tinha encontrado.
O Barão P. Korff filho prometeu-me procurar essa carta do Príncipe Wittgenstein que ele tinha tido entre mãos dois anos antes, quando classificava papéis de família; até hoje não tornou a encontrá-la e receia tê-la destruído juntamente com papéis inúteis.
Quanto à data da dita carta, obtive as informações seguintes: o casamento da Baronesa Carlota Korff com o Barão Wrangel foi celebrado em Varsóvia a 5/17 de junho de 1867; uma semana depois, a Baronesa Wrangel dirigiu-se a Plotzk, acompanhada por seu marido e por sua cunhada, a Sra. Oboukhof, e sua mãe partiu para o estrangeiro. Nessa ocasião o testamento ainda não tinha sido encontrado. Ora, desde que a carta, reproduzida abaixo, dirigida pelo Príncipe Wittgenstein a seus parentes, e na qual ele lhes dá parte da descoberta do testamento por via espirítica, é datada de 5 de julho de 1867, segue-se daí que a carta do Príncipe W. à viúva Sra. Baronesa Korff, fazendo menção da comunicação espirítica, e, por conseguinte, a própria comunicação, foram recebidas entre 5 de junho e 5 de julho de 1867.
No que diz respeito ao lugar em que o testamento foi encontrado, interroguei o Barão P. Korff filho para saber se era com efeito no armário, assim como a comunicação o tinha anunciado. Ele respondeu: “Ambos, minha irmã e eu, o entendemos assim.”
Documentos em apoio
I – Enquanto eu me ocupava com esse caso, as Memórias e Correspondência do Príncipe de Sayn-Wittgenstein Berlesbourg (livro que acabava de ser editado em Paris, em 1889) me caíram sob os olhos e eu encontrei na página 365, tomo II, a carta seguinte:
“Varsóvia, em 5/17 de julho de 1867.
Há séculos, meus caros pais, que não tenho notícias suas; a última carta de mamãe era datada de 5 de junho.
Ocupei-me muito com o Espiritismo nestes últimos tempos e minhas faculdades mediúnicas desenvolveram-se de maneira admirável. Escrevi por muitas vezes com bastante facilidade em diferentes espécies de escrita; tive diretamente comunicações do Espírito que aparece em Berlesbourg, uma mulher de nossa casa que se suicidou há cento e dois anos. Obtive ainda um resultado muito curioso. Um de meus amigos, o Tenente-General Barão de Korff, falecido há poucos meses, manifestou-se a mim (sem que eu pensasse nele absolutamente), para pedir-me que indicasse à sua família o lugar em que, por malevolência, tinham escondido o seu testamento, isto é, em um armário da casa em que ele faleceu. Eu não sabia se procuravam seu testamento e que não o tinham encontrado. Ora, descobriram-no no próprio lugar que o Espírito me tinha indicado. É um documento extremamente importante para a gestão de suas terras e para as questões a resolver por ocasião da maioridade de seus filhos. Eis aí fatos que desafiam qualquer crítica...
Até logo, meus caros pais; eu os abraço.
Emílio Wittgenstein.”
II – Carta do Barão Paulo Korff filho e de sua irmã à Baronesa Carlota Wrangel, dirigida ao Sr. Alexandre Aksakof, para confirmar a narração que precede, e cujos originais foram enviados ao Sr. Myers, secretário da Sociedade de Pesquisas psíquicas, em Londres, a 27 de fevereiro de 1890.
“Senhor:
Li com grande interesse sua comunicação publicada no Psychische Studien de 1889, na página 568, e relativa ao testamento do finado meu pai. Os fatos que o senhor cita são absolutamente exatos, mas receio ter queimado a carta do Príncipe Wittgenstein quando há dois anos classifiquei os papéis de meu pai.
Aceite, etc.
São Petersburgo, 29 de janeiro de 1890.
Barão Paulo Korff.”
“Junto minha assinatura à de meu irmão, para confirmar o que ele disse.
Baronesa C. Wrangel, Korff de nascimento.”
Os casos em que os mortos vêm auxiliar, por suas indicações, a regularização de seus negócios terrestres são muito freqüentes. Eis outro desse gênero, tão simples quanto concludente, e que eu tiro, do mesmo modo, de Dale Owen, que o possui de primeira mão e cuja narração ele publicou em seu livro The Debatable Land, sob o título: “Um morto que vem pôr em ordem seus negócios terrestres”. Esse artigo não pode ser abreviado, pois que seu valor principal está nos pormenores. Reproduzo-o, por conseguinte, na íntegra:
“A Sra. G., mulher de um capitão das tropas regulares dos Estados Unidos, morava, em 1861, na cidade de Cincinnati, com seu marido. Naturalmente, ela tinha ouvido falar por mais de uma vez de fenômenos espíritas; porém até então evitara sempre fazer experiências por si mesma, convicta como estava de que procurar comunicar-se com o outro mundo era um pecado. Ela nunca se tinha achado em presença de um médium profissional.
Sucedeu que naquele ano uma de suas amigas, a Sra. S., descobrira possuir a faculdade de provocar comunicações por meio de pancadas, e de vez em quando organizava sessões espiríticas com alguns amigos, nas quais a Sra. G. também tomava parte. Essas sessões duraram até o fim do ano de 1862 e deram em resultado vencer, até certo ponto, a aversão que a Sra. G. experimentava pelo Espiritismo. Elas despertaram sua curiosidade, sem que, entretanto, a convencessem.
Em dezembro de 1863, o irmão de seu marido, “Jack” (como lhe chamavam em família), morreu subitamente.
Em março de 1864, a Sra. G., que vivia retirada em uma casa de campo, nos arredores de Cincinnati, recebeu a visita de uma amiga, a Srta. L. B. Esta moça era dotada de certo poder mediúnico e a Sra. G. organizou uma sessão com ela. No fim de certo tempo, a moça deixou a mesa e a Sra. G. ficou só, continuando a experiência. Então a mesa, tocada de leve por suas mãos, começou a mover-se e dirigiu-se, pela porta aberta, ao aposento vizinho. Mais tarde deslocou-se em presença da Sra. G., mesmo sem o mínimo contato. Foi assim que a Sra. G. teve conhecimento de suas próprias faculdades mediúnicas.
Quando de novo se colocou diante da mesa, com a Srta. B., com o fim de obter frases por meio do alfabeto, as pancadas soletraram, de maneira inteiramente inesperada, o nome de “Jack”.
À pergunta da Sra. G.: “Desejas incumbir-me de alguma missão?”, obteve a resposta seguinte: “Dá este anel a Ana.”
Ana M. era o nome de uma jovem da qual o irmão da Sra. G. tinha sido noivo algum tempo antes de sua morte e a Sra. G. nada sabia a respeito daquele anel, mas recordou-se de que seu marido, depois da morte de seu irmão, tinha dado uma aliança de ouro, a única que o falecido usou, ao Sr. G., um amigo deste último. Ela perguntou se era realmente desse anel que se tratava, e a resposta foi afirmativa.
Alguns dias depois, a mãe de Jack foi visitá-los. Não lhe falaram da comunicação recebida. No decurso da conversação, essa senhora lhes disse que a jovem Ana M. tinha ido visitá-la e lhe referira que, depois de seus esponsais com Jack, ela lhe havia dado uma aliança de ouro e que desejaria muito vê-la outra vez. Nem a Sra. G. nem seu marido sabiam que o anel em questão era um presente da Srta. M., pois que Jack nunca falara nisso. Combinaram-se de maneira a poderem restituir o anel.
Depois da morte de Jack, três pessoas, G., C. e S., apresentaram-se separadamente em casa do Capitão G. e lhe declararam que seu irmão falecido lhes tinha ficado a dever dinheiro. O Capitão G. pediu-lhes que lhe dessem provas por escrito.
Entretanto, o Capitão G., não sabendo que quantias podiam ser devidas por seu irmão, pediu à sua mulher que fizesse uma sessão, na esperança de obter algumas informações a esse respeito.
Quando Jack se manifestou, seu irmão lhe perguntou:
– Ficaste devendo alguma coisa ao Sr. G.?
– Sim.
– Quanto?
– Trinta e cinco dólares.
– Deves alguma coisa ao Sr. C.?
– Sim.
– Quanto?
– Cinqüenta dólares.
– E ao Sr. S.?
– Nada.
– Entretanto, S. pretende que lhe deves dinheiro!
– Não é exato. Eu lhe tomei emprestado 40 dólares e pouco depois lhe dei 50. Ele me pagou 7 dólares somente e me deve 3 dólares, por conseguinte.
O recibo apresentado pelo Sr. G. era do valor de 35 dólares, com efeito; o de C. de 50. Quanto a S., ele mostrou uma cautela de 40 dólares. Observando-lhe o capitão que Jack já tinha pago 50 dólares, o Sr. S. manifestou um mau estar evidente e respondeu que não tinha tomado em consideração aquela quantia, supondo que era um presente para sua irmã.
Em outra ocasião, o capitão perguntou, por meio da mesa:
– Jack, tens ainda outras dívidas?
– Sim; devo a John Gr. 10 dólares por um par de calçados. (Nem o capitão, nem sua mulher tinham ouvido falar nessa dívida.)
– E alguém te deve?
– Sim; C. G. me deve 50 dólares.
O capitão indagou do Sr. G. se devia a seu irmão.
– Sim – foi a resposta –, eu lhe devo 15 dólares.
– Porém meu irmão lhe emprestou 50!
– É verdade, mas eu lhe restituí o dinheiro por prestações e lhe sou devedor ainda de 15 dólares.
– O senhor não tem os recibos?
O Sr. C. G. prometeu procurá-los; mas finalmente se apresentou e pagou 50 dólares.
Enfim, o Capitão G. dirigiu-se à casa de John Gr., sapateiro, o qual ainda não tinha apresentado conta. Desejando tornar o mais completo possível a prova, fez a pergunta nos seguintes termos:
– Ainda tenho uma conta a saldar, Sr. Gr.?
– Não; o senhor me pagou tudo.
O capitão fez gesto de partir; então o sapateiro replicou:
– Mas há uma pequena dívida por conta de seu irmão, o Sr. Jack.
– De quê?
– De um par de sapatos.
– Quanto é isso?
– Dez dólares.
– Eis aqui seu dinheiro, Sr. Gr.
Todos esses pormenores me foram fornecidos pelos próprios Sr. e Sra. G., durante uma visita que lhes fiz, em sua casa de campo, a 9 de abril de 1865. Inscrevi tudo conforme suas palavras e reconstituí a narração com as notas que tomara no lugar; em seguida fiz a sua leitura ao Capitão G., que a verificou e deu a sua aprovação. Ele inseria em seu jornal todas as comunicações que obtinha e tudo quanto se lhes referia de qualquer maneira, o que o colocava em condições de fornecer-me dados absolutamente exatos. Os nomes de todas as pessoas, que designei por iniciais, me são conhecidos; se não estou autorizado a publicá-los, esta falta se explica pelos preconceitos da nossa sociedade.”
Em todos os casos que acabo de citar, trata-se apenas de uma simplificação de método para um gênero de manifestação de além-túmulo que se produziu em todos os tempos e cuja comparação se impõe aqui involuntariamente pela força da analogia; quero falar das mensagens por meio de revelação ou aparição, em sonho, ou de outra maneira, de fatos conhecidos unicamente pelo morto, começando pela revelação de uma dívida de três xelins e dez pence (veja-se Owen, Footfalls, página 294) para chegar à denúncia de um assassínio.[49] Um fato semelhante ao que se deu com o testamento não encontrado do Barão Korff é o célebre caso do recibo do Sr. de Harteville que não se tinha encontrado, descoberto pelas indicações recebidas por Swedenborg, em conseqüência das informações dadas pelo morto. J. H. von Fichte, falando deste caso em suas Memorabilia, considera-o com razão um fenômeno eminentemente espirítico e dá as razões disso.
Volto, porém, ao meu assunto; quero terminar esta categoria pela narração de um fato que possuo de primeira fonte. Ele não pertence à categoria dos fatos que só são conhecidos pelo morto, mas aos que só podiam ser comunicados pelo morto, pois que se trata de um segredo político a respeito de um vivo, revelado pela amiga falecida desse vivo, no intuito de salvá-lo. Exporei esse caso com todos os pormenores que conheço, pois que o considero não só como um dos mais concludentes em favor da hipótese espirítica, mas ainda como uma prova de identidade absoluta, tão absoluta quanto pode sê-lo uma prova desse gênero.
Meus leitores já conhecem minha parenta, a Sra. A. de W., que tomava parte em minhas sessões íntimas, durante os anos de 1880-1883. A Sra. W. tem uma filha, a jovem Sofia, a qual, na época em que se faziam essas primeiras sessões, ainda estava no colégio; ela nunca assistira nem a essas nem a outras sessões, e nunca tinha lido coisa alguma referente ao Espiritismo; era tão ignorante nesse assunto quanto sua própria mãe, que, além das nossas sessões, nunca se tinha ocupado com o assunto.
Em uma noite de outubro de 1884, por ocasião da visita de um de seus parentes, a conversação veio cair sobre o Espiritismo e, para agradar a seu hóspede, essas senhoras tentaram uma experiência com a mesa. A tentativa foi pouco satisfatória: provou unicamente que as Sras. W. podiam obter um resultado.
No dia 1º de janeiro de 1885, uma terça-feira, à noite, a Sra. W., achando-se só com sua filha, e desejando distraí-la das preocupações que a tornavam um pouco nervosa, propôs-lhe renovar a sua tentativa. Improvisou-se um alfabeto sobre uma folha de papel; um prato de pé com um risco preto como indicador serviu de prancheta e, logo após o começo da experiência, o nome “André” foi soletrado. Era muito natural, André era o nome próprio do marido falecido da Sra. W., pai da jovem Sofia.
A comunicação não foi além das banalidades, mas as Sras. W. decidiram, apesar disso, repetir as sessões uma vez por semana, todas as terças-feiras. Durante três semanas, o caráter das comunicações não se modificou; era sempre em nome de André que elas eram recebidas.
Na quarta terça-feira, a 22 de janeiro, em vez do nome André, o nome Schoura é que foi soletrado, com grande surpresa da Sra. W. Depois, por movimentos rápidos e precisos do indicador, a comunicação continuou assim:
– Estás no caso de salvar Nicolau!
– Que quer isso dizer? – perguntaram as duas senhoras admiradas.
– Ele está comprometido com Miguel e morrerá como este! Um bando de vagabundos arrasta-o!
– E que é preciso fazer?
– Irás ao Instituto Tecnológico antes das 3 horas, mandarás chamar Nicolau e conferenciarás com ele no gabinete de sua casa.
Como todas essas instruções pareciam dirigir-se diretamente à jovem Sofia, ela respondeu que lhe seria difícil proceder de acordo com essas indicações, em vista das relações de simples polidez que tinham sua mãe e ela com a família de Nicolau. Mas a esta observação Schoura respondeu desdenhosamente:
– Absurdas idéias de conveniências!
– Mas de que maneira poderia eu influir sobre ele? – perguntou a jovem Sofia.
– Pela força da palavra; tu lhe falarás em meu nome.
– Quais são esses que te merecem o epíteto de “vagabundos”? – perguntaram as Sras. W.
– O bando a que Nicolau está filiado.
– Não tens mais as mesmas convicções?
– Erro revoltante!...
Antes de continuar, devo explicar o sentido desta misteriosa comunicação. “Schoura” é o diminutivo russo de Alexandrina; é o nome de uma jovem prima de Nicolau e Miguel. Este último, muito moço, teve a desgraça de se deixar arrastar por nossos anarquistas ou niilistas na corrente revolucionária; ele foi preso, julgado e condenado à prisão em uma cidade afastada; tendo tentado evadir-se, foi morto. Schoura, que o estimava muito, partilhava de suas convicções e tendências e proclamava-o francamente. Depois da morte de Miguel, em setembro de 1884, ela se sentiu muito desiludida em suas esperanças revolucionárias e envenenou-se, na idade de 17 anos, a 15 de janeiro de 1884, apenas uma semana antes da sessão de que se está tratando. Nicolau, o irmão mais moço de Miguel, era nessa ocasião estudante no Instituto Tecnológico.
A Sra. W. e sua filha conheciam todas as circunstâncias do drama que acabo de referir resumidamente, pois que tinham relações que datavam de muito tempo com os pais de Schoura e com os de seus primos, que pertencem, todos, à melhor sociedade de São Petersburgo. (Compreender-se-á a que escrúpulos obedeço não dando os nomes dessas famílias, e o motivo pelo qual modifiquei os nomes próprios dos jovens.)
As relações entre as Sras. W. e as duas famílias estavam longe de ser íntimas; essas pessoas encontravam-se, às vezes, raramente. Mais tarde me alongarei sobre outros pormenores, mas por ora continuo em minha narração.
Nem a Sra. W. nem sua filha sabiam coisa alguma, naturalmente, acerca das opiniões secretas e a conduta de Nicolau. Por conseguinte, a comunicação era para elas tão inesperada quanto importante: tal comunicação lhes impunha grande responsabilidade, e a posição da jovem Sofia era muito difícil. Executar à letra as instruções de Schoura, em sua situação de moça solteira, era simplesmente impossível, primeiro que tudo no ponto de vista das conveniências mundanas; e, depois, com que direito se teria ela envolvido, não estando intimamente ligada a essa família, em assuntos tão delicados? Além disso, tudo podia não ser exato, ou, ainda que o fosse, o fato seria muito simplesmente e muito provavelmente negado por Nicolau. Em que posição ficaria ela então? A Sra. W. sabia perfeitamente, pelas sessões nas quais tomara parte em minha casa, quão pouco se deve confiar nas comunicações espiríticas. Assim, tomou a resolução de aconselhar à filha que se certificasse antes de tudo da identidade de Schoura, o que foi aceito imediatamente, como um meio de resolver a dificuldade.
Na terça-feira seguinte, Schoura manifestou-se imediatamente, e a jovem Sofia pediu-lhe uma prova de sua personalidade. Schoura respondeu incontinenti:
– Convida Nicolau, prepara uma sessão e eu irei.
Vê-se, por esta resposta, que Schoura, desprezando enquanto vivia todas as conveniências da sociedade, como é de uso entre os niilistas, exigia de novo uma coisa inadmissível; Nicolau nunca teria ido à casa da Sra. W. À frente dessa nova dificuldade, a jovem Sofia pediu à sua interlocutora uma outra prova de sua personalidade, sem a intervenção de Nicolau e que esta prova fosse concludente.
– Eu te aparecerei! – respondeu Schoura.
– Como?
– Vê-lo-ás!
Alguns dias depois, a jovem Sofia, ao ir deitar-se – eram cerca de 4 horas da manhã, de volta de uma reunião dançante –, achava-se na porta que comunicava seu quarto de dormir com a sala de jantar, onde não havia mais luz, quando divisou na parede deste último aposento, defronte da porta, à entrada da qual ela se achava, um globo luminoso que parecia descansar em cima de ombros e que se conservou durante dois ou três segundos, e desapareceu em seguida, subindo para o teto. Aquilo não era decerto o reflexo de uma luz qualquer proveniente da rua; e a jovem Sofia convenceu-se disto imediatamente.
Na sessão seguinte, pediu-se a explicação daquela aparição, e Schoura respondeu:
– Eram os contornos de uma cabeça com ombros. Não pude aparecer mais distintamente, ainda estou fraca.
Se bem que muitos outros pormenores, que devo omitir aqui, tendessem a robustecer a convicção da jovem Sofia quanto à identidade de Schoura, ela não podia, entretanto, decidir-se a proceder de acordo com a opinião desta última, e propôs-lhe – como meio mais conveniente – dar parte de tudo isso aos pais de Nicolau.
Esta proposta provocou por parte de Schoura um descontentamento muito pronunciado que se traduziu por movimentos bruscos do prato de pé (que servia como prancheta) e, depois, por esta declaração:
– Isso não dará resultado algum!...
Esta frase foi seguida por epítetos desdenhosos que é impossível traduzir aqui, aplicando-se todos a pessoas de um caráter fraco e indeciso, e que Schoura – dotada de caráter enérgico e decidido – não podia suportar; todos esses qualificativos, que não se encontram nos dicionários, eram com efeito as expressões características da linguagem de Schoura quando viva, como se verificou depois.
A uma pergunta relativa a seu pai, Schoura respondeu com impaciência:
– Não fales nele, não fales nele...
Como quer que seja, a jovem Sofia hesitava sempre e, por sua vez, em cada uma das sessões seguintes, Schoura insistia cada vez mais, exigindo que a jovem Sofia agisse imediatamente. Aquela insistência tinha uma significação particular, como se soube mais tarde. A indecisão da jovem Sofia era atribuída por Schoura à influência da Sra. W., para com a qual a interlocutora se mostrava, desde o começo das comunicações, de uma evidente má vontade; ela havia declarado, desde a primeira sessão, que só queria entender-se com a jovem Sofia, não permitindo à Sra. W. nenhuma pergunta, e desde que esta última tentava intervir, ela a repreendia asperamente, dizendo-lhe:
– Cale-se! Cale-se!
Ela se dirigia à jovem Sofia em termos que revelavam uma viva ternura, cuja razão e origem saberemos mais adiante, e essas expressões eram ainda as que Schoura tinha o hábito de empregar.
Quais não foram a surpresa e a consternação destas senhoras, quando, na sessão de 26 de fevereiro, a comunicação começou assim:
– É muito tarde; tu te arrependerás disso amargamente, e os remorsos de tua consciência te perseguirão. Conta com o seu juízo.
Foram as últimas palavras de Schoura; em seguida, ela se calou completamente. Tentaram ainda uma sessão na terça-feira seguinte, porém sem resultado. Desde então as sessões da Sra. W. e de sua filha foram definitivamente abandonadas.
Enquanto duravam essas sessões, a Sra. W. me ia tornando ciente de tudo quanto se passava, consultando-me acerca do que era preciso fazer em presença das exigências extraordinárias de Schoura. Algum tempo depois de cessarem as comunicações e para tranqüilizar sua filha, a Sra. W. resolveu dar parte desse episódio aos pais de Nicolau.
Estes não tomaram precaução a tal respeito: sendo a conduta do moço irrepreensível, a família estava absolutamente tranqüila nesse ponto. (É importante consignar que essas revelações espiríticas foram levadas ao conhecimento dos pais muito antes do desenlace fatal desta história.)
Quanto à jovem Sofia, como durante todo o ano tudo se passasse regularmente, convenceu-se de que as comunicações de Schoura não tinha passado de mentiras e prometeu a si mesma nunca mais se ocupar de Espiritismo.
Um ano ainda decorreu sem incidente; mas, a 9 de março de 1887, a polícia secreta fez subitamente uma busca em casa de Nicolau; ele foi preso em seu domicílio e conduzido em 24 horas para longe de São Petersburgo. Conforme se soube mais tarde, seu crime tinha sido ter tomado parte em reuniões niilistas que se tinham feito nos meses de janeiro e fevereiro de 1885, isto é, precisamente durante os dois meses em que Schoura tinha insistido tanto para que se dessem imediatamente as passadas que deviam impedir a co-participação de Nicolau naquelas reuniões.
Foi então que as comunicações de Schoura foram apreciadas em seu justo valor; as notas tomadas pela Sra. W. foram lidas e relidas pelos pais de Schoura e de Nicolau; a identidade de sua personalidade em toda esta manifestação foi reconhecida como incontestável, tanto pelo fato capital que se referia a Nicolau e por outras particularidades da vida íntima, quanto por todo o conjunto dos traços particulares que a caracterizavam. Esse triste acontecimento caiu sobre a família de Nicolau como um raio, e ela agradeceu a Deus, porque as loucuras do moço não tiveram conseqüências mais funestas ainda.
Para a apreciação crítica deste caso é extremamente importante precisar as relações que existiam entre a jovem Sofia e Schoura. Pedi às Sras. W. o obséquio de me darem a esse respeito, por escrito (do mesmo modo que para tudo o que precede), uma memória tão completa quanto possível, e eis o que soube:
Em 1880, no mês de dezembro, perto do Natal, a Sra. W. e sua filha tinham ido visitar o avô de Schoura; foi então que a jovem Sofia a viu pela primeira vez; Schoura era mais moça que a jovem W., que tinha então treze anos. A jovem Sofia ficou muito admirada vendo a mesa de Schoura cheia de livros; eram, conforme dizia esta última, seus melhores amigos; ela apreciava apaixonadamente os livros de História e maravilhou a jovem Sofia por sua memória, pois que lhe citava sem dificuldade passagens inteiras e seus autores favoritos. Naturalmente a jovem Sofia não pôde recordar-se de todos os pormenores de sua conversação no decurso daquela entrevista, que foi – insisto neste ponto – a primeira e única, no verdadeiro sentido desta palavra. A jovem Sofia recorda-se somente da impressão favorável que lhe produziram o desenvolvimento precoce e os gostos sérios de sua jovem amiga; mas, apesar desse desenvolvimento prematuro, Schoura não manifestava então a menor tendência a ocupar-se da política ou do movimento niilista: tinha, pelo contrário, caráter alegre e descuidado. Foi só muito mais tarde, depois do episódio de 9 de março, que a jovem Sofia soube que Schoura lhe tinha votado a mais viva simpatia – sentimento desperto provavelmente pelas disposições afetuosas que lhe tinha testemunhado. Daí, essa expressão de carícia empregada nas comunicações.
As duas meninas, freqüentando o mesmo colégio, viram-se no decurso daquele inverno algumas vezes, de longe, na sala de recreio; mas, em breve Schoura foi para outro colégio, de maneira que mesmo esses encontros fugitivos não mais se reproduziram. Dois anos depois, durante o estio de 1882, elas se encontraram uma vez em uma casa amiga, no campo, mas não se falaram. E ainda dois anos depois, em outubro de 1884, elas se reviram de longe, no teatro; foi três meses antes da morte de Schoura.
As relações dessas duas meninas resumem-se, pois, propriamente falando, em uma só e única entrevista, de duração de uma ou duas horas talvez, na idade respectiva de doze e de treze anos, e isso, quatro anos antes da morte de Schoura. Quanto à Sra. W., ela não teve sequer o proveito de semelhante entrevista com Schoura, pois que as duas meninas se tinham retirado para o aposento de Schoura, enquanto ela tinha ficado com os pais, e, além daquela ocasião, ela não a viu mais freqüentemente do que sua filha. Vê-se, pelo que fica exposto, que as relações destas senhoras com Schoura tinham sido muito espaçadas e que, por conseguinte, elas nada podiam saber de seus segredos políticos; foi só depois de sua morte que elas souberam o que eu referi no começo desta narração.
Em minha opinião, o caso que acabo de expor reúne todos os dados necessários para fazer que se destruam todas as hipótese, a não ser a hipótese espirítica.
Examinemo-lo de mais perto, no ponto de vista das hipóteses naturais e do método indicado pelo Sr. Hartmann.
Este caso, por sua simplicidade, oferece à crítica facilidades excepcionais. Temos que examinar o jogo das forças inconscientes em três agentes somente, cujo principal – objeto especial da comunicação – está ausente, nunca assistiu às sessões das Sras. W., nunca entrou em sua casa e até ignora, como toda a família dele, a existência daquelas sessões.
A primeira fonte do saber mediúnico, segundo o Sr. Hartmann, é a hipótese da memória. Ela é aqui absolutamente inadmissível, pois que os segredos políticos são bem guardados: o silêncio dos agentes revolucionários é proverbial. Não só as Sras. W., cujas relações com a família de Nicolau não passaram de relações de civilidade, como também os próprios pais de Nicolau não suspeitavam de maneira alguma das relações do moço com os chefes niilistas. E entretanto vigiaram-no atentamente, como se pode imaginar, depois da perda dolorosa do primeiro filho, Miguel.
Passemos, pois, à segunda fonte: a transmissão de pensamentos. Dos quatro casos possíveis, mencionados pelo Sr. Hartmann, é claro que é preciso pôr fora de questão os três primeiros:
1º – percepção voluntária com transmissão igualmente voluntária;
2º – percepção voluntária de um lado, sem o desejo de transmiti-la do outro lado;
3º – percepção espontânea com transmissão desejada.
De uma parte, as Sras. W. não tinham desejo algum de perceber; da outra, Nicolau não podia ter o desejo de operar a transmissão. Fica, pois, logicamente possível somente a quarta suposição, a mais difícil de admitir:
4º – percepção espontânea, fora de uma vontade que determinasse a sua transmissão (Spiritismus, pág. 61).
É preciso observar antes de tudo que as quatro explicações possíveis, propostas pelo Sr. Hartmann, aplicam-se somente a comunicações mediúnicas obtidas na presença das pessoas às quais essas comunicações se dirigem e que, por conseguinte, estas quatro possibilidades não são, como princípio, aplicáveis ao caso que nos ocupa; aqui essa transmissão de pensamento só se teria podido efetuar a distância; porém, nós sabemos: 1º- que “os pensamentos abstratos não podem, como tais, ser transmitidos a distância” e 2º- que “todas as transmissões a distância consistem em imagens alucinatórias”, o que não tem nada de comum com o nosso caso. Por conseguinte, mesmo fazendo todas as concessões sobre a questão de distância, o caso considerado não pode ser explicado por nenhuma dessas quatro suposições.
O Sr. Hartmann não pôde citar um único exemplo de transmissão de pensamento abstrato a grande distância, mesmo quando há desejo de obtê-lo; para que a coisa seja em geral possível, é preciso, diz ele, antes de tudo, que haja uma relação simpática entre o agente e o percipiente, como entre um magnetizador e um sonâmbulo. Ele diz categoricamente: “As pessoas entre as quais não existe relação alguma psíquica não podem conseguir a transmissão de pensamentos a grande distância.” E da mesma maneira, para as transmissões de pensamentos a grande distância, que se produzem fora de toda a vontade consciente (por exemplo, quando um homem adormecido transmite seus sonhos a uma pessoa afastada, quer adormecida, quer no estado de vigília), é sempre a “relação psíquica” que serve de base ao fenômeno. “Com o desaparecimento do sentimento determinante (nostalgia, amor), há geralmente desaparecimento da inconsciente vontade de transmitir pensamentos.” Aqui, porém, nós o sabemos, não houve relação psíquica: muito pelo contrário, o motivo determinante agiria antes no sentido oposto, isto é, levaria o agente a ocultar suas ações e convicções políticas a todas as pessoas. Não se pode nem compreender nem admitir que as partes médias do cérebro, onde reside a consciência sonambúlica, se tornem repentinamente denunciantes inconscientes dos segredos da consciência em estado de vigília.
Então, admitindo-se mesmo que as “idéias abstratas”, que formam o fundo das comunicações de Schoura, tenham podido ser implantadas “mesmo a distância”, “ainda mesmo sem o desejo de transmiti-las”, a base essencial, a relação psíquica e o motivo determinante faltam completamente de uma e de outra parte.
As hipóteses de transmissão de pensamentos são, pois, insuficientes.
Mas os fatos do animismo vão mais longe do que as hipóteses do Sr. Hartmann. Eles nos provam que a transmissão de pensamentos pode efetuar-se a grande distância, sem revestir o caráter alucinatório, porém conservando todas as formas da linguagem. Entretanto, para as manifestações deste gênero, a relação e o motivo determinante são necessários; por conseguinte, a dificuldade subsiste. Além disso, o caráter distintivo das transmissões a distância, operadas pelos vivos, é que elas conservam plenamente seu caráter pessoal: fazem-se sempre em nome daquele que fala, nunca emanam de uma pessoa estranha nem personificam esse estranho.
Por conseguinte, o caso de Schoura não pode ser classificado entre as manifestações anímicas, nem pela forma, nem, ainda menos, pelo conteúdo. Determo-nos por mais tempo nesta hipótese equivaleria em cair no absurdo.
Resta, como supremo recurso, a clarividência. O primeiro grau de clarividência “produzido por uma percepção sensorial qualquer” ou por “uma percepção sensitiva de gênero especial” (Spiritualismus, pág. 74-76), não pode, evidentemente, aplicar-se ao nosso caso. Só resta, por conseguinte, admitir a clarividência pura, que, segundo o Sr. Hartmann, é “a faculdade do saber absoluto”, isto é, do saber independente do espaço e do tempo. E, uma vez admitido esse fato, “qualquer auxílio vindo do exterior, da parte de um intermediário qualquer, torna-se supérfluo e, com mais razão, o que se atribui às almas dos mortos”. E ainda esta faculdade transcendente da alma deve ter, como tudo na Natureza, suas condições e modos de manifestação. O Sr. Hartmann no-los indica: é sempre “o interesse intenso da vontade” e “a imagem alucinatória”. (Spiritualismus, págs. 78-79). Eis aí os dois atributos essenciais da clarividência – nada há de igual em nosso caso.
Efetivamente, o clarividente vê; é este o traço especial, característico dessa faculdade transcendente, a qual tem, além disso, diversos graus de lucidez e está subordinada ao entorpecimento mais ou menos completo dos sentidos exteriores. Não se pode, pois, racionalmente, apelar para esse gênero de explicação quando o médium nada vê absolutamente, quando não há imagem alguma alucinatória, quando ele se acha às vezes em seu estado normal completo, ocupado em escrever, em indicar as letras do alfabeto, quando é ele próprio quem dirige a conversação; na verdade não se poderia razoavelmente sustentar que é uma conversação com o Absoluto, ou seja, com Deus!!! Quando “André” se manifestava, seria uma operação inconsciente da consciência sonambúlica; quando, na terça-feira seguinte, era Schoura quem se manifestava e fazia suas revelações, seria um acesso de clarividência, de “saber absoluto”, uma “relação telefônica no Absoluto”, entre a jovem Sofia e Nicolau, estabelecida no intuito de tornar possível “a relação psíquica inconsciente entre eles, sem o auxílio direto dos sentidos” (Spiritualismus, pág. 79), se bem que, de uma e de outra parte, não houvesse o mínimo desejo de uma “comunhão psíquica”.
E isto em cada terça-feira, durante muitas semanas; depois, cessação completa, apesar do desejo de continuar as sessões. Por que isso? É preciso aqui uma razão adequada.
Enfim, essa incrível contradição interior: uma mentira flagrante proferida pelo saber absoluto! O Sr. Hartmann disse-nos que “a clarividência distingue-se da leitura dos pensamentos pelo fato de não ser mais o conteúdo de uma consciência estranha que é percebido, mas fenômenos reais objetivos, como tais, sem o auxílio normal dos órgãos dos sentidos”.
Eis, pois, a jovem Sofia tornada subitamente clarividente, percebendo os segredos políticos de Nicolau e os perigos que o ameaçam, porém não tendo percebido que Schoura não existe e que, por conseguinte, suas afirmações de personalidade não passam de uma mentira, uma usurpação, uma comédia inteiramente fora de tempo. O saber absoluto não tinha necessidade alguma, para atingir seu alvo, de recorrer à fraude, de disfarçar-se em uma personalidade que era para ele uma não existência absoluta. Esse disfarce era, pois, para ele uma impossibilidade metafísica. Conforme o disse, perfeitamente bem, o próprio Sr. Hartmann, “o saber absoluto não tem necessidade de um auxílio proveniente de um intermediário qualquer e, com muito mais razão, da parte das almas dos mortos.
Os fenômenos que examinamos não podem, pois, ser atribuídos a um efeito de clarividência.
Assim, eu o disse, as hipóteses “naturais” são, pois, impotentes para explicar as comunicações de Schoura. Ao contrário, a hipótese espirítica pode, aqui, fazer face a todas as dificuldades; ela é tão simples quanto racional.
Que coisa mais natural, com efeito, que Schoura – tendo reconhecido, depois da morte, o erro de que tinha sido vítima, do mesmo modo que Miguel e muitos outros, e sabendo que Nicolau se deixava seduzir, talvez por suas próprias instigações, para o mesmo caminho (o que ninguém em sua família, à exceção dela que era a depositária dos planos e dos segredos de Miguel, podia saber) –, se tenha aproveitado da primeira ocasião que se oferecia de salvar seu amigo de uma sedução que lhe devia ser fatal. Aqui “interesse intenso da vontade” e o “sentimento determinante” são evidentes.
A simpatia que ela havia sentido pela jovem Sofia, desde sua primeira e única entrevista, eis a “relação psíquica” que a tinha atraído para ela para torná-la um instrumento de comunicação. Tudo neste caso corresponde ao critério de personalidade que estabelecemos mais acima (comunicação de fatos que somente o morto podia fazer; traços distintivos do caráter, tais como desprezo das conveniências sociais, simpatias individuais, expressões particulares da linguagem, etc.). É por isso que, até à prova do contrário, considero este fato como verdadeiro caso espirítico, estabelecido sobre a base do “conteúdo intelectual das manifestações”, como o exige o Sr. Hartmann.
F – Identidade da personalidade verificada por comunicações que não são espontâneas, como as que precedem, mas provocadas por apelos diretos ao morto e recebidas na ausência de pessoas que conheciam este último
A existência dos fenômenos desta categoria é uma necessidade lógica derivada do que procede. Sendo admitido que se produzem casos de comunicações espontâneas, é preciso admitir que as comunicações provocadas são igualmente possíveis e deveriam ser tanto mais concludentes. Mas, para que a resposta obtida adquira esse caráter comprobatório, é preciso que se tenha produzido na ausência das pessoas que conheceram o morto e que o evocam, a fim de que a hipótese da transmissão e da leitura dos pensamentos seja completamente banida.
Para chegar a esse resultado, é indispensável que a pergunta seja formulada por uma pessoa que não conheceu o morto, ou antes, escrita por uma pessoa ausente, dentro de um sobrescrito cuidadosamente fechado, que tornasse a sua leitura impossível pelos meios ordinários. Preencher a primeira dessas condições é coisa muito menos simples e menos fácil do que parece à primeira vista, pela razão de que – como o veremos mais tarde – a mensagem desejada não pode ser obtida em qualquer momento desejado e também porque essa pessoa estranha não ofereceria espécie alguma de laço entre o vivo e o morto, quando é certo que é necessário existir uma relação entre eles.
O único meio prático que nos resta é, por conseguinte, recorrer à carta lacrada; por isso esta experiência foi posta em prática desde muito tempo. Mas os médiuns capazes de provocar essas manifestações são raríssimos. Mais atrás, no capítulo I, citei o exemplo de uma resposta dada a uma carta fechada, dirigida ao médium, o Sr. Flint. Outro médium, o Sr. Mansfield, adquiriu nomeada especial para esta categoria de fenômenos; porém, a despeito de todas as precauções imagináveis tomadas no intuito de se certificarem de que as cartas não podiam ser lidas pelo médium, a dúvida, sempre possível, subsistiu apesar disso. Que coisa mais simples, dizia comigo mesmo, do que reduzir a nada todas as suspeitas, estabelecendo uma observação direta? E dizer que ninguém se tinha preocupado com isso! Ainda mesmo que só se tratasse de um simples (!) fenômeno de clarividência, não valeria a pena estudar-se o fato de maneira mais séria? Pode-se encontrar, para estabelecer a realidade desse fenômeno, um meio mais simples, um método mais objetivo?
Estou muito satisfeito por ter descoberto esse observador e poder, por conseguinte, falar desta categoria de comunicações. De outro modo eu não teria criado esta rubrica.
Quando o digno Sr. N. B. Wolfe começou a estudar os fenômenos espiríticos, dedicou uma atenção toda especial ao Sr. Mansfield e, com o fim de certificar-se melhor de suas faculdades mediúnicas particulares, instalou-se na casa deste último e observou-o de perto durante muitos meses. Eis o que lemos, a esse respeito, em sua obra Startling Facts in Modern Spiritualism (Fatos admiráveis no domínio do Espiritualismo moderno):
“Essa faculdade desconhecida de responder a uma carta, sem saber uma única palavra do que ela contém, tinha para mim o atrativo de uma coisa nova. Sucedia que o Sr. Mansfield e eu íamos juntos ao correio procurar o carteiro. Ele levava as minhas cartas, eu as suas. Dessa maneira eu era o primeiro a ter em mãos as cartas dirigidas ao “fator espírita”. As cartas que eu ia levar quase nunca as perdia de vista, até o momento em que eram depositadas no Correio para serem reconduzidas aos expedidores, com as respostas respectivas. As pessoas que se dirigiam ao Sr. Mansfield, com esses pedidos, tomavam evidentemente todas as precauções contra qualquer fraude e tomavam cautelas para que suas cartas não pudessem ser abertas e lidas pelo destinatário (como o prova o emprego da cola, da pintura, do verniz e do lacre, até das costuras à máquina). Não pude descobrir nada que justificasse, nem de leve, a suposição de uma fraude; é certo, entretanto, que eu estava bem colocado para isso.
Seria, suponho, de interesse geral saber como o Sr. Mansfield se havia para responder às cartas lacradas:
Enquanto ele está sentado diante de sua mesa de escrever, coloco abaixo de seus olhos uma meia dúzia de cartas, vindas, a julgar pelos selos do Correio, de diversas partes dos Estados Unidos. Os invólucros exteriores são rasgados e lançados na cesta; ele tem diante de si todas essas cartas bem lacradas, sem menção alguma nem qualquer sinal que lhe possa dar a chave quanto aos seus autores ou quanto ao morto ao qual são dirigidas. Ele passa a extremidade dos dedos, geralmente da mão esquerda, sobre essas cartas, e em seguida as toca ligeiramente, e com tanto cuidado quanto teria se reunisse pó de ouro, grão a grão. Passa assim em revista todas as cartas, uma após outra. Se não há resposta, ele as tranca em uma gaveta. Meia hora depois ou mais, renova suas tentativas para obter uma resposta. As cartas são colocadas de novo diante dele; toca-as ainda uma vez com a extremidade dos dedos, passando de uma a outra como uma abelha que vai de flor em flor, recolhendo mel. Vira-as e revira-as, apalpando os invólucros. A cola, a pintura ou o lacre destruíram geralmente toda a virtude magnética da carta, mas o médium acaba por descobri-la, e sua mão esquerda contrai-se convulsivamente. É um sinal de bom êxito: isso quer dizer que a personalidade evocada na carta, e que produziu essa sensação estranha na mão do médium, está aí presente, prestes a ditar sua resposta. As outras cartas são postas de lado e esta fica só, diante do médium, que colocou em cima dela o indicador da mão esquerda. Ao alcance da mão, ele preparou longas tiras de papel branco e um lápis. Toma o lápis na mão direita e fica à espera. O interesse principal é dirigido sobre o indicador de sua mão esquerda, que toca na carta e começa por dar-lhe pequenas pancadas, semelhantes às que dá a chave de um aparelho telegráfico. Ao mesmo tempo, a mão direita começa a escrever, continuando assim, sem interrupção, até o fim da comunicação. Vi-o encher assim até doze tiras de papel, com escrita miúda, no decurso de uma só sessão; porém, na média, o número de tiras empregadas em uma sessão elevava-se a três ou quatro. A escrita é feita rapidamente e o estilo das comunicações é tão variado quanto na vida ordinária.
Desde que está terminada a escrita, a mão esquerda, que se conservou convulsivamente fechada até então, abre-se, e a força deixa de agir, mas por alguns instantes somente, pois que ela volta imediatamente para pôr o endereço do destinatário sobre o invólucro. Introduz-se sem demora a carta, assim como a resposta, no invólucro, e tudo é prontamente expedido pelo Correio. Observei esse modo de proceder cerca de mil vezes, do princípio ao fim.” (págs. 43-45).
No ponto de vista do Sr. Hartmann, este fato não passaria de um efeito da clarividência. A carta lacrada seria, pois, o “intermediário sensorial” que estabelece a relação entre o médium clarividente e o autor, vivo, da carta. E certamente não seria fácil nos prevalecermos deste argumento enquanto não soubermos, até suas particularidades mínimas, qual foi o modo de operação e quais seus resultados. É desnecessário dizer que uma certa “relação” devia ter existido, mas será ela semelhante à que se estabelece nos fenômenos da clarividência? Eis o ponto a resolver. Se, no caso que precede, tivesse havido clarividência, o Sr. Mansfield deveria ter-se achado nesse estado antes da experiência, ou antes, deveria ter esperado que sobreviesse esse estado, pois que o fato não se dá por ordem de alguém; somente então teria podido achar-se em condições de dar respostas sucessivamente a todas as cartas. No entanto, não verificamos alteração alguma manifesta no estado psíquico do Sr. Mansfield: sua mão está sempre pronta para escrever, como um instrumento dócil; mas ele deve esperar que ela caia sob a influência de tal ou qual carta. Pudemos verificar que não responde sempre, nem a todas as cartas, em sua ordem sucessiva, porém somente às que dão um sinal anunciando a presença da personalidade reclamada. Por conseguinte, esta faculdade especial de receptividade é constante nele, somente não é ele quem a dirige à vontade, é uma influência estranha que dispõe dela e a domina, e esta influência pode faltar, segundo a ocorrência.
Protesto contra o abuso que as teorias antiespiríticas fazem da faculdade de clarividência, desde que se lhes depara uma dificuldade que não podem superar. A clarividência é a quintessência das faculdades psíquicas do homem; só mui raramente ela se manifesta e está subordinada a causas e a condições determinadas; tem seus modos próprios de manifestar-se e, antes de tudo – assim como o afirma o próprio Sr. Hartmann –, ela deve ter o caráter da alucinação visual; demais, a clarividência manifesta-se geralmente enquanto os sentidos exteriores do médium estão entorpecidos e seus acessos são de curta duração. No presente caso, pelo contrário, o médium escreve todos os dias, acha-se em perfeito estado de vigília. Por que motivo pretenderíamos que ele se acharia em estado permanente de clarividência, sem que tivesse havido para isso motivo psíquico? Seria uma licença filosófica absolutamente injustificável.
Vamos fazer o exame do fenômeno que nos ocupa, partindo do ponto de vista do Sr. Hartmann.
Eis como as coisas deveriam então se passar:
O Sr. Mansfield apalpa com os dedos uma carta lacrada, a qual reage sobre sua “emotividade sensitiva” (sensitives gefühl).
A “consciência sonambúlica latente” deve, antes de tudo, tornar-se clarividente, a fim de poder conhecer o conteúdo da carta. Se a resposta, escrita pela mão do Sr. Mansfield, não fosse mais do que uma perífrase da carta lacrada, ainda que fosse munida com a assinatura do morto ao qual é dirigida, a explicação não apresentaria dificuldade alguma e a hipótese da clarividência seria perfeitamente aplicável, pois que nada mais haveria a fazer do que atribuir os diversos efeitos produzidos a tal carta ou a tal outra. Seria a “razão suficiente”.
Mas desde que a carta contém questões precisas, referentes ao morto, por que meio as respostas podem ser obtidas? Aqui as coisas se complicam consideravelmente, porque o médium deve pôr-se em relação com o autor da carta, a fim de tirar em sua consciência normal e latente os pormenores necessários a respeito do morto, pois que este só existe na memória dos vivos.
O problema apresenta, desde então, uma experiência de clarividência combinada com uma leitura de pensamentos a distância. Como se passaria isso? É preciso admitir que a carta que o Sr. Mansfield segura na mão lhe servirá de “intermediário sensorial” para estabelecer uma relação entre ele e o autor da carta. Mas que resultado essa relação poderia dar? Suponhamos que o Sr. Mansfield está em estado de sonambulismo completo. Sucederia isto, como a experiência no-lo ensina e assim como o Sr. Hartmann o diz textualmente:
“Quando um sonâmbulo é posto em relação com uma pessoa que lhe é totalmente estranha, quer por meio de contato direto com ela, quer por intermédio de um magnetizador, quer pelo contato de um objeto que está impregnado pela atmosfera (aura) individual dessa pessoa, ele forma desta última uma idéia geral, e uma imagem mais ou menos imperfeita, vaga e inexata, porém não completamente dessemelhante, de seu caráter, de seus sentimentos e de seu humor, naquele momento preciso, e às vezes mesmo pensamentos (representações) que existem nele nesse mesmo momento.” (Der Spiritismus, pág. 96).
Por conseguinte, a carta que o Sr. Mansfield guarda na mão não pode servir para outra coisa mais do que pô-lo em relação com os sentimentos e pensamentos que existem no autor da carta, no mesmo momento em que esse contato se produz. Esses sentimentos e pensamentos podem nada ter de comum com o texto da carta, escrita muitos dias antes.
Perguntamos a nós mesmos: de que maneira a consciência sonambúlica do Sr. Mansfield conseguiu isolar, no labirinto das idéias que passam pela consciência sonambúlica do autor da carta, as informações de que precisa? Nessa multidão de idéias ou de imagens que estão acomodadas ali, e que se referem às pessoas mortas e vivas que o escritor conheceu ou conhece ainda, como procederia o médium para reconhecer as que se referem precisamente ao morto a quem diz respeito a carta? Não há nada que possa guiá-lo nesse esforço. Essas relações não existem mesmo para ele.
Admitamos mesmo, com o Sr. Du Prel, que “a leitura dos pensamentos não fica limitada às imagens que atualmente estão na presença da consciência sonambúlica, porém se estende igualmente ao conteúdo da memória latente; poderemos responder, com o Sr. Hartmann, que se apresenta aí uma grave dificuldade, a de saber por que processo “se poderia fazer a seleção das recordações que têm um certo valor e um certo encadeamento, nessa miscelânea confusa de imagens conservadas na consciência sonambúlica, e aí coexistindo, umas importantes, outras sem valor.” (Der Spiritismus, pág. 74).
Essa dificuldade refere-se especialmente às recordações referentes a uma pessoa viva. A mesma dificuldade de seleção subsistiria para o caso em que as recordações tivessem relação com a vida de um morto.
Admitamos que essas dificuldades tenham sido superadas e que a leitura dos pensamentos, com o auxílio da clarividência, tenha finalmente encontrado na memória normal ou latente do vivo – se bem que este esteja longe do médium – todos os elementos necessários para formular, em nome do morto interrogado, a resposta desejada, compreendendo todos os pormenores pedidos, pormenores que a pessoa viva reconhece como exatos. Mas, eis uma nova complicação: encontramos na resposta das particularidades que o interrogador vivo não tinha perguntado, que não se conclui do conteúdo de suas cartas, e cuja exatidão ele não pode atestar pela simples razão de que não as conhece. Somos levados a verificar essas particularidades dirigindo-nos a terceiras pessoas, que tinham conhecido o morto. Qual é o processo psíquico que teria permitido ao médium obter tal resposta? É preciso ainda uma vez recorrer à clarividência, esse Deus ex machina do Psiquismo, que teria posto o médium em relação com o Absoluto, com “a onisciência do Espírito absoluto”?
Não esqueçamos, entretanto, que a clarividência obedece a certas leis e que essa comunicação com o Absoluto não pode efetuar-se de outra maneira a não ser sobre o terreno das relações, que existe, exclusivamente, entre duas pessoas vivas, que se conhecem, ao passo que aqui o médium não conhece nem a pessoa viva que evoca o morto nem seus amigos; quanto à personagem principal, o morto, não existe: é igual a zero. Por conseguinte, o terreno que deve servir de base à clarividência lhe falta inteiramente.
Além disso, se quisermos levar em conta as leis formuladas pelo Sr. Hartmann, a saber, que “as idéias abstratas não podem transmitir-se, como tais, a distância”, que “a clarividência pura só se manifesta sob uma forma alucinatória”, que o motivo de toda a clarividência reside “em um intenso interesse da vontade”; se levarmos em consideração que a operação psíquica em questão se produz enquanto “a consciência sonambúlica percipiente do médium é dominada pelo estado de vigília da consciência normal” – condição sob a qual a leitura dos pensamentos e a clarividência se efetuam mais dificilmente – então seremos coagidos a concluir que essas hipóteses não podem explicar todos os fatos expostos sob esta categoria.
Para não ampliar aqui o número de exemplos – eles abundam no Banner of Light de Boston –, envio o leitor a esse mesmo livro do Dr. Wolfe, que ali cita, de maneira circunstanciada, experiências verdadeiramente notáveis, nas quais ele obtinha respostas a suas cartas. O valor dessas experiências é atenuado, sem dúvida, sob certo ponto de vista, pelo fato de sua presença. Não obstante, as respostas às cartas se fizeram esperar, até o momento em que a influência invocada pôde manifestar-se. De um outro lado, essas experiências merecem uma atenção tanto maior, por isso que foram feitas em condições que excluíam toda a possibilidade de fraude, como se poderá julgar conforme o extrato seguinte que fazemos da obra do Sr. Wolfe, onde ele se refere às experiências que fez com o Sr. Mansfield:
“Em dado momento, eu tinha entre mãos cerca de 25 cartas, todas prontas para serem submetidas às manifestações do Sr. Mansfield. Eu as levava comigo; estavam encerradas em invólucros de couro, que não continham inscrição alguma. Sendo esses invólucros absolutamente semelhantes quanto ao formato e à cor e não sendo marcados com sinal algum, eu não podia distingui-las uma das outras. Quando a ocasião era favorável, isto é, quando o médium não estava muito esgotado pelas fadigas do dia e quando podia dispor livremente de seu tempo, eu colocava defronte dele todo o maço de cartas, com o fim de verificar se uma das 25 personalidades às quais as cartas eram dirigidas se acharia presente e poderia efetuar a escrita mediúnica. Nessas condições era muito raro que os esforços feitos para provocar pelo menos a resposta de uma ou de outra personalidade não fossem seguidos de resultado algum. O Sr. Mansfield passava a mão sobre as cartas, tomava uma delas, como já ficou dito, e procedia às manobras necessárias para obter a resposta. Acentuo este fato: nunca, em minhas experiências, o médium deixou de obter o nome exato da personalidade a quem se dirigia e, em seguida, uma comunicação da dita pessoa, ou a exposição do motivo pelo qual a resposta pedida não podia ser comunicada. A mensagem dava testemunho sempre de um perfeito conhecimento de causa e provava que seu autor era muito familiar com todas as circunstâncias, pessoas e datas. As respostas eram às vezes surpreendentes; não eram somente precisas e exatas, mas continham também novos pensamentos, novos fatos, novos nomes acompanhados de pormenores e de datas novas. Dizendo novos, quero dizer que as informações recebidas não poderiam, de maneira alguma, ser tiradas do conteúdo da carta, ainda mesmo que ela tivesse sido submetida aberta ao exame do escrutador mais meticuloso.”
O reverendo Samuel Watson cita em seu livro The Clock struck one (O relógio deu 1 hora) (nova Iorque, 1872) grande número de comunicações que recebeu em resposta a suas cartas, por intermédio do Sr. Mansfield. Elas foram escritas também em sua presença, mas este inconveniente – no ponto de vista de nossa crítica – é compensado pelo fato de as respostas conterem freqüentemente pormenores biográficos que o Sr. Watson desconhecia; sucedia também serem dadas essas respostas, não por aqueles aos quais as perguntas eram dirigidas, mas por outras pessoas que o Sr. Watson tinha conhecido e mesmo por pessoas que lhe eram desconhecidas, mas que o morto conhecera (veja-se a continuação dessa mesma obra: The Clock struck three (O relógio deu 3 horas), Chicago, 1874, págs. 79-85).
Estou longe de afirmar, bem entendido, que todas as respostas dadas pelo Sr. Mansfield às cartas lacradas sejam de origem espirítica. É preciso saber atender a todas as explicações – compreendendo nesse número o processo fraudulento – propostas para tal ou qual caso, segundo as circunstâncias. Quero dizer somente que certos fatos apresentam, em minha opinião, todas as condições requeridas para que se lhes procure a causa eficiente fora do animismo.
Como corolário desta categoria de fenômenos, há as respostas a perguntas que não são submetidas à percepção sensorial do médium, com a complicação de serem as respostas obtidas por via de escrita direta. Nesses exemplos encontramos sempre a mesma particularidade: o médium não responde, indiferentemente, a todas as perguntas, porém apenas àquelas cuja influência ele experimenta; e, além disso, verificamos esta particularidade importante: o médium nem sequer toca no papel onde a pergunta está escrita.
O Sr. Colby, diretor do Banner of Light, relata, como se segue, uma sessão com o Sr. Watkins (número de 9 de março de 1889):
“Muito recentemente tivemos uma segunda sessão com o Sr. Watkins; levamos para o local das sessões as nossas ardósias, que se fechavam por meio de charneiras. Éramos três. Quando nos colocamos à mesa, o Sr. Watkins pediu-nos que escrevêssemos em tiras de papel os nomes de alguns de nossos amigos mortos. Escrevemos cerca de vinte nomes, cada um sobre uma tira de papel separada que enrolamos em seguida em forma de tubo, de maneira que não pudessem distinguir-se umas das outras por sua aparência. Em uma das tiras, tínhamos escrito o seguinte: “G. W. Morill, queres comunicar alguma coisa a teu amigo o Capitão Wilson, em Cleveland?”
Enquanto eu designava os diversos rolos com um lápis, foi-me pedido pelo médium que tomasse um e o conservasse bem seguro na minha mão esquerda. O médium pediu-nos então que colocássemos nossas ardósias em cima da mesa. Em seguida, disse-nos que puséssemos as mãos em cima, enquanto que ele próprio apoiava os dedos sobre a outra extremidade da ardósia. No mesmo instante ouvimos o ranger do lápis, no espaço compreendido entre as duas ardósias, como se alguém escrevesse. Quando cessou o rangido, fomos convidados a abrir as ardósias. Na face interna da que estava em cima da mesa, havia a comunicação seguinte, escrita e assinada por mão vigorosa e ágil:
“Meu caro amigo, Capitão Wilson, em Cleveland:
Desejaria que ficasses convicto, ao ler estas linhas, de que a força que guiou o lápis foi realmente a minha, a de teu velho amigo; ao mesmo tempo, peço-te o obséquio de dizer a meu genro Wasson que sua mulher deseja comunicar-se com ele, que a menina há de adoecer muito gravemente, mas que não se deixe dominar pela tristeza se ela morrer, pois que minha filha guardá-la-á melhor do que ele pode fazê-lo. Desta vez não te disse lá grande coisa, meu amigo, pelo motivo de minha filha estar tão impaciente por entrar em comunicação com seu marido e com Franck!
Geo. W. Morill”
De acordo com esse pedido, demos parte da comunicação à Sra. Morill, a qual nos declarou que, para ela, não havia a menor dúvida de que a comunicação fora escrita por seu marido: a escrita assemelhava-se muito à dele e, ao demais, ele sempre tinha assinado “Geo. W. Morill”. Quanto à criança de que se trata, estava doente efetivamente, em sua casa, em Amesbury, e receava-se um desenlace fatal.”
Não pretendo fazer do exemplo que precede uma prova de identidade, pois que o Sr. Colby devia evidentemente ter conhecido o Sr. Morill e o Capitão Wilson, e desde que ele estava presente à experiência, a comunicação transmitida poderia encontrar sua explicação, parte na clarividência, parte na leitura dos pensamentos; mas não percebo de que maneira, no meu modo de entender, a clarividência poderia explicar a primeira fase desta manifestação psíquica: a escolha e a leitura de um rolo determinado, tomado dentre os vinte, sem qualquer “mediação sensorial”, pois que o médium não tocava nos rolos.
Cito este exemplo, primeiro que tudo, por causa do método de experimentação que aí é aplicado, método que é suscetível de conduzir à prova absoluta, se se tiver a cautela de rodear-se de precauções necessárias para ficar-se certo de que nenhuma relação pôde estabelecer-se e de que nenhuma sugestão inconsciente foi exercida. É preciso para isso que os rolos sejam preparados de antemão, e não por aquele que os apresentar na sessão, mas por outra pessoa ausente; convém igualmente que a pessoa incumbida de levá-los à sessão ignore completamente o seu conteúdo. Duvido, porém, que nessas condições a experiência possa dar bom êxito, visto que toda relação com o morto ficará destruída. Ora, é indispensável que uma relação de qualquer natureza sirva de base à manifestação; e, no caso suposto, o laço único seria a presença, no aposento, da carta na qual o médium não deve mesmo tocar.
Posso entretanto indicar um fato que está perto de preencher essas condições, visto que a carta foi enviada por uma terceira pessoa – coisa muito rara. Em meu Índex, esse fato figura como único no gênero e eu o considero bastante notável para ser citado. A narração seguinte a respeito desse fato é publicada no jornal Facts, de Boston (1886, tomo V, pág. 207):
“Em uma sessão particular, feita há poucos dias com o médium Powell, de Filadélfia, deu-se um fato muito curioso. Os assistentes eram habitantes daquela cidade, mui sobejamente conhecidos.
A maneira de que se usava o Sr. Powell para obter respostas às perguntas encerradas nos pequenos rolos foi exposta nessas colunas. Limitamo-nos a lembrar que os rolos que contêm os nomes dos mortos, aos quais se dirigiam, são preparados sem que o médium os conheça. Para a sessão de que se trata, um dos assistentes tinha pedido a uma senhora de seu conhecimento que escrevesse um nome em uma tira de papel, que a enrolasse e lha entregasse. A senhora de quem se trata não se achava na sessão e ele próprio não sabia que nome ela tinha escrito. No decurso da sessão, o dito rolo foi clandestinamente misturado com os outros. O Sr. Powell aplicou à fronte a extremidade daquele rolo de papel, e então fomos testemunhas de um espetáculo estupefaciente: sua face empalideceu de maneira horrível, ele levantou os braços e caiu para trás sobre o soalho, indo dar com a cabeça de encontro a uma cadeira. A queda era semelhante à de um homem morto subitamente. Ele se conservou imóvel durante alguns instantes, atordoado, depois se levantou lentamente, com os olhos desmedidamente abertos e brilhantes; tomou a mão de uma das senhoras presentes e disse-lhe, com voz fraca, penosamente:
– Dize a Hattie (a senhora que tinha escrito a pergunta) que não foi um acidente nem um suicídio, porém um covarde assassínio... e foi meu marido quem o cometeu. Existem cartas que o provarão. Essas cartas serão encontradas. Eu sou a Sra. Sallie Laner.
Era o nome escrito na tira de papel, o nome da mulher que se tinha encontrado morta, alguns dias antes, em Omaha, morta por um tiro; porém, naquele momento se ignorava ainda se aquela morte era devida a um suicídio ou a um crime cometido por seu marido.
Ela tinha morado em Cleveland e conhecera a senhora que escreveu a pergunta. O desenlace desta história encontrará seu lugar em ocasião ulterior; por ora, o ponto essencial é saber como o médium pôde ter conhecimento dos fatos contidos em sua resposta. Ele não abriu o rolo; desconhecia os acontecimentos de que se tratava; nenhuma das pessoas presentes sabia que nome estava escrito na tira de papel. E entretanto esse fenômeno se produziu imediatamente, desde que o médium levou à fronte a tira enrolada. O nome era exato; a resposta, quer tenha sido ou não exata, era precisa e oportuna; e, no dia seguinte, Laner, o marido, era detido sob a incriminação de ter assassinado sua mulher. Não havia conhecimento algum prévio dos fatos, nenhuma conivência, nenhuma adivinhação ou leitura de pensamento. Qual era, pois, a força inteligente que se manifestou? Foi o Espírito da mulher assassinada? Foi um outro? Mas então qual?” (Extrato do Cleveland Plaindealer).
Na prática do magnetismo ou do sonambulismo espirítico encontram-se experiências análogas à precedente: veja-se Cahagnet, Arcanos da vida futura desvendados, tomos II e III, e mais particularmente as experiências de evocação de pessoas desconhecidas dos assistentes (t. II, págs. 98, 245). Nas páginas 167-187 do tomo III lemos a narração interessante da evocação do abade Almignana, relativamente a uma questão de dinheiro, com todos os pormenores e documentos em apoio. Em uma brochura que publicou em 1858 (?) sob o título Do Sonambulismo, das mesas girantes e dos médiuns, ele próprio refere este mesmo caso em resumo e faz também menção de uma outra evocação que se realizou em sua presença, por intermédio de uma sonâmbula à qual ele só tinha comunicado o nome de um morto, nome que ele conhecia por ter ouvido dizer e que perguntara unicamente atendendo a essa sessão e cujo dono lhe era completamente desconhecido (veja-se a Revista Espírita, 1889, nºs 4 e 5, onde a brochura inteira do abade Almignana é reproduzida; para o caso acima mencionado, veja-se a pág. 135).
G – Identidade do morto verificada por comunicações recebidas na ausência de qualquer pessoa que o tivesse conhecido, e que revelam certos estados psíquicos ou provocam sensações físicas, próprias do morto
Esta categoria forma a transição entre as provas interiores, ou intelectuais, da identidade de uma personalidade, e as provas exteriores ou físicas. Os fatos que classifiquei sob o título acima nos oferecem, é certo, entre outras provas, muitas que poderiam fazê-los ser classificados nas categorias precedentes, mas eles são caracterizados ao mesmo tempo por certas particularidades de ordem completamente diferente, para as quais desejo atrair a atenção do leitor. Elas são indicadas pelo próprio título desta categoria.
Uma das objeções mais correntes que se levantam contra a hipótese espirítica, para explicar as comunicações mediúnicas, é que estas últimas nada mais são do que o eco das idéias que o homem formou acerca do estado da alma depois da morte e acerca do mundo espiritual em geral. No ponto de vista das idéias aceitas, tradicionais, seria certamente muito difícil admitir que depois da morte os “Espíritos” conservassem os mesmos defeitos psíquicos e os mesmos sofrimentos físicos com que estavam afetados no momento da morte. Por exemplo, poder-se-ia bem supor que as pessoas mortas no estado de alienação mental pudessem conservar vestígios dessa desordem psíquica, quando elas se manifestam pouco depois da morte? Este fato foi, entretanto, verificado na prática do Espiritismo; ele é absolutamente inesperado, contrário às idéias admitidas; por isso ele só pôde ser aceito a posteriori.
Citarei, como exemplo, a comunicação seguinte, publicada no “Message Department” do Banner of Light (24 de novembro de 1883):
“Oh” não me sinto bem absolutamente. Eu não sabia que voltando experimentaria isso; mas parece que tenho muitas coisas a aprender. Vim aqui na esperança de poder ensinar a meus amigos que estou inteiramente restabelecida e feliz presentemente... Queimei-me aqui. Não posso referir o caso, porque não quero pensar nisso; mas uma nuvem envolveu-me, minhas idéias tornaram-se confusas; eu não compreendia o que fazia, e foi assim que caí no fogo e queimei-me gravemente... Meus mestres me dizem que nunca mais estarei em perturbação semelhante, que causas físicas tinham produzido um desarranjo em meu espírito, mas que essas coisas tinham relação com a Terra e desapareceram para sempre... Eu ainda era moça... Habitava em West Grandby, Connecticut. Meu pai é muito conhecido nessa cidade... Seu nome é Ebert Rice. Falando em tudo isso, minhas idéias não são muito claras e não posso dizer-lhes com exatidão quando parti; parece-me que isso se deu há muito tempo; porém estou muito satisfeita por ter podido voltar e espero voltar ainda. – Emma Rice.”
Três semanas depois (15 de dezembro), lia-se a carta seguinte no Banner of Light, sob a rubrica: “Verificação de comunicações espiríticas”:
“Hartford, Connecticut, em 24 de novembro de 1883.
Senhor Diretor do Banner:
Encontro, em o número de 24 de novembro, uma comunicação de Emma Rice, de West Grandby. Todos os espíritas sabem que, quando uma pessoa cujo Espírito tinha sido perturbado, durante sua vida na Terra, se manifesta por intervenção de um médium, traz ainda vestígios desse estado. Verifiquei que o verdadeiro nome desse Espírito é Emma Ruick, mas que durante seus acessos de demência ele dizia chamar-se Emma Rice. A comunicação é exata. Ela se queimou como o disse, saltando por cima de um montão de lenha em chamas. Todos os pormenores são exatos e esta comunicação será acolhida com reconhecimento por seus amigos na Terra.
Herman F. Merrill.”
Eis outro fato, que possuo de primeira fonte. Uma senhora de meu conhecimento, a Sra. Maria S., que desde alguns anos organiza sessões de duas pessoas com sua sobrinha, sessões mediúnicas no decurso das quais esta escreve em estado de transe, recebeu um dia uma comunicação extraordinária, em língua francesa, e assinada Napoleão. Ela acreditou em uma mistificação e a princípio não deu a mínima importância ao caso. Imediatamente depois, seu “Guia” habitual lhe deu a chave desse mistério: a comunicação em francês provinha de um indivíduo que tinha sido louco, em vida, pretendendo ser Napoleão; ele explicou que, em regra, os alienados continuam a ser afetados, durante algum tempo depois da morte, da mesma aberração mental de que tinham sido afetados durante a vida. A Sra. S. ficou muito admirada disso; porém sua surpresa foi maior ainda quando, após haver contado esse caso como uma coisa muito curiosa, eu lhe declarei que esse fato estava longe de ser único.
Parece que as anomalias mentais consecutivas a diversas afecções fisiológicas de que o indivíduo tinha sofrido durante os últimos tempos de sua vida não são as únicas a persistir depois de sua morte, e que a dor física que ele experimentava no momento de morrer se reproduz também, de novo, quando ele reaparece na esfera terrestre. Eis alguns exemplos:
A narração seguinte acha-se em Light de 1882 (pág. 74). Trata-se de dores físicas sentidas pelo morto durante sua última enfermidade e que são sentidas pela médium:
“Lewisham, 13 de fevereiro de 1882.
No começo do estio de 1879, fiz casualmente conhecimento com um vizinho que, segundo as aparências, não tinha mais muito tempo de vida. Um dia, enquanto eu o acompanhava a casa – caminhávamos lentamente –, no decurso da conversação chegamos a falar em Espiritismo; ele mostrava o ar de surpresa ao saber que eu me interessava por semelhantes tolices, porém não ficou menos impressionado por algumas de minhas reflexões. Em nossa entrevista seguinte, apressou-se em reatar a mesma conversação e questionou-me acerca das provas que eu tinha podido adquirir pessoalmente. Porém, desde então, evitou falar a tal respeito, e eu me abstive igualmente de voltar ao assunto, sabendo quanto é prejudicial para um doente como ele entrar em qualquer discussão excitante.
Em junho do mesmo ano – era em Barmouth, no País de Gales – caí no estado de transe, sob a influência de um Espírito que dizia ser o mesmo senhor, e fez-me dizer estas palavras:
– É muito extraordinário, é tão diverso do que eu esperava ver! Lamento não me ter aproveitado da oportunidade que me forneceste para instruir-me sobre a vida espiritual.
Durante todo o tempo em que se exerceu sobre mim sua influência, não deixei de sentir uma dor na boca e na garganta. Dois dias depois, a carta de um amigo me informava de que o doente tinha morrido pouco tempo depois de minha partida.
No mês de maio do ano passado, achei-me ainda uma vez sob o domínio do mesmo Espírito, que desta vez disse pelo meu órgão, com tom decidido:
– Dize a Mary que vi Will.
Experimentei de novo a mesma sensação dolorosa na boca e na garganta. “Mary” era a irmã que estava incumbida do governo de sua casa.
Durante meu transe, tive a impressão de que havia um laço de afeição entre “Mary” e “Will”. Eu estava impressionado a tal ponto pelo tom sério daquele que se manifestava, que pedi à minha mulher que se dirigisse à casa da irmã do morto para lhe transmitir a comunicação. A senhora lhe disse que só conhecera duas pessoas a quem chamava Will: uma era seu primo e outra um senhor com o qual ela tinha estado para casar alguns anos antes, porém que um e outro estavam vivos, como lhe parecia, e gozando saúde. Acrescentou que seu irmão tinha estado afetado de aftas (moléstia ulcerosa do tubo digestivo) por ocasião de sua morte. Isso explicava a dor que eu tinha sentido na boca.
Nenhuma informação vinha, entretanto, explicar a mensagem, e eu concluí que ela fora alterada na transmissão, como tantas outras. Acabei por não pensar mais em tal coisa. Mas eis que, na semana passada, a irmã do morto apresenta-se em minha casa e me informa que acabava de saber que seu antigo noivo morrera na Austrália, mais ou menos na mesma época em que eu recebera a mensagem que se referia a ele.
Só me falta acrescentar que as relações que tinham existido entre essas pessoas me eram totalmente desconhecidas.
Edmundo W. Wade.”
O jornal Facts publica, em seu número de junho de 1885, uma curiosa narração do Sr. Eli Pond de Woonsocket (Estado de Rhode Island). O médium cai sob a influência do Espírito de um homem que morreu afogado; treme e experimenta a sensação do frio. Eis a tradução completa da narração:
“Há cerca de um ano, eu ia visitar meu filho e sua mulher. Estando esta com dores de cabeça, disse-lhe eu:
– Talvez eu possa aliviar-te fazendo passes acima de tua cabeça.
Ela consentiu nisso. Apenas dei começo, ela se achou sob a influência de um Espírito que recorria ao alfabeto dos surdos-mudos. Nem eu nem seu marido compreendíamos aqueles sinais, e a influência deixou de manifestar-se. Uma outra substituiu-a, sob o nome de Sarah Makpeace. Ela disse que havia habitado o Oeste e que morrera afogada, que ficava agradecida ao velho senhor por lhe ter facultado a ocasião de rever este mundo. A médium voltou então a seu estado normal e exclamou: Parece-me que vou ficar gelada! E, efetivamente, minha nora tremia de frio e parecia tão mal disposta que decidi-me a intervir pedindo a Sarah que a deixasse e que se manifestasse por outro médium, a Sra. Annie Wood, em hora fixada de antemão. Ela prometeu e cumpriu rigorosamente com a palavra.
Eu não conhecia ninguém que tivesse o nome que ela tinha dado, mas estava resolvido a saber se alguém com aquele nome se tinha afogado. Depois de alguns meses de indagações quase infrutíferas, descobri que um tal Makpeace morava em Providência, Rhode Island. Porém, no intervalo, tive muitas conversações com Sarah, em conseqüência das quais soube que ela tinha pais naquela cidade. Perguntei-lhe se seus pais eram espíritas e recebi resposta negativa. Disse-me ainda que tinha morrido na idade de vinte anos, cerca de três anos antes; que se afogara em circunstâncias muito penosas e que seus pais a repreendiam excessivamente. Ela parecia ser muito infeliz.
Pouco tempo depois, eu estava em Providência e, procurando no livro de endereços, encontrei o nome do pai a respeito do qual ela me tinha falado. Logo que me foi possível, fui a sua casa. Ele estava muito ocupado e pediu-me que voltasse em outra ocasião.
Voltei à hora indicada e ele mandou que eu me sentasse. À minha pergunta se conhecera uma moça chamada Sarah Makpeace, que tinha morado no Oeste e que se afogara, respondeu-me que efetivamente a conhecera, porém muito pouco. Perguntei-lhe em que época mais ou menos se tinha dado a desgraça. Ele não se recordava com exatidão; porém, quando eu lhe disse que, segundo ouvira dizer, o caso se dera havia três anos, ele observou que devia ser isso mesmo. Perguntei-lhe pela idade da moça.
– Ela podia ter vinte anos – disse-me ele.
Em seguida pedi-lhe que me dissesse o endereço do pai da falecida. Ele me perguntou secamente o motivo do meu pedido. Eu então lho disse. Então ele teve um verdadeiro acesso de cólera:
– Não quero que se suscite o que quer que seja – disse ele – que possa manchar a reputação de minha família!
E despediu-me de maneira pouco cortês. Retirei-me; entretanto, adquirira a certeza de que Sarah dissera a verdade.”
Resolvi reproduzir essas duas narrações integralmente porque apresentavam interessantes exemplos da verificação da identidade de um morto, na ausência de pessoa que o tivesse conhecido, independentemente das particularidades que os fazem colocar sob a presente categoria.
Tomemos ainda este exemplo: a morte foi produzida pelo fogo, e o médium experimenta o sentimento de ser sufocado pelo fumo. Lemos o artigo do Sr. Clement, publicado no Religio Philosophical Journal de 9 de março de 1889, a passagem seguinte:
“Todos os meus bens na Terra foram presa das chamas, em 1856. Minha irmã morreu nesse incêndio. Eu assisti muitas vezes a sessões espiríticas, em um grupo em que ninguém conhecia minha história; quando minha irmã se manifestava, sucedia que o médium acreditava sufocar-se, e outros sensitivos sentiram o cheiro do fumo e começaram a tossir, como quando se entra em um quarto cheio de fumo.”
Neste último exemplo, as comunicações eram recebidas em presença da pessoa que sabia qual tinha sido a causa da morte; porém, se interrogasse o Sr. Clement, é mais do que provável que se ouvisse de sua boca que ele não esperava de maneira alguma, quando se deu a primeira comunicação, que o médium experimentasse a sensação de asfixia.
As manifestações nas quais a personalidade se acha caracterizada por sinais distintivos daquela natureza oferecem, em minha opinião, uma importância toda especial; elas poderão talvez levar-nos ao caminho das leis gerais às quais obedecem os fenômenos desse gênero.
As sensações puramente físicas, tais como a dor na garganta, o calafrio, a sufocação, não podem ficar inerentes ao nosso estado póstumo; isso não é duvidoso. É evidente, de outro lado, que essas sensações não são infligidas ao médium no intuito de afirmar a identidade do morto, pois que se conclui dos exemplos citados pelos Srs. Wade e Pond que, no primeiro caso, o médium ignorava o gênero de morte e a natureza dos sofrimentos de que o morto tinha sido afligido e, no segundo caso, nem sequer conhecera a pessoa que se manifestava. Uma prova semelhante de identidade não pôde ser solicitada nem era esperada.
Por conseguinte, tudo leva a crer que essas sensações, provocadas no médium, são o resultado de uma lei natural que poderia ser formulada assim: Toda individualidade transcendente que se manifesta de novo na esfera da existência terrestre fica submetida, enquanto dura essa manifestação, às mesmas condições nas quais se achava no fim de sua existência fenomenal.
Isso importaria, por assim dizer, em um esquecimento temporário das condições de sua existência transcendente e uma volta à existência fenomenal, tal qual era no momento de sua extinção.[50]
É por esse motivo que o “surdo-mudo” de quem fala o Sr. Pond não pôde conversar de outra maneira a não ser por intermédio do alfabeto que lhe era familiar, sem conseguir fazer-se compreender. E é pela mesma razão que a moça louca, Emma Rice, tinha esquecido seu verdadeiro nome. Do mesmo modo para os outros casos.
Se estendermos esta lei ao domínio das manifestações intelectuais, facilmente teremos a explicação do motivo pelo qual a personalidade que se nos manifesta retoma, por assim dizer, sua existência terrestre e só sabe falar dos fatos que dizem respeito a esta esfera.
O mesmo sucede com as materializações e com as fotografias: a aparição apresenta-se sempre sob a forma que o indivíduo tinha no fim de sua vida, quer fosse moço ou velho, e mesmo com os defeitos físicos de que era afetado. Que as coisas não se dão assim no intuito único de afirmar identidade, temos a prova, dentre outras, na imagem fotográfica obtida pelo Sr. A. (Oxon) e sobre a qual voltaremos a nos ocupar.
Ela representa uma criança muito pequena, que falecera havia mais de cinqüenta anos, na idade de sete meses (veja-se Spirit Identity, pelo Sr. A. (Oxon), págs. 117-121); ela dizia ser irmã do Dr. Speer. Mas como era desconhecida pelo Dr. Speer, bem como pelo médium, o Sr. A., essa forma de criança não pôde evidentemente dar uma demonstração qualquer de sua identidade. Indaga-se, em vão, por que motivo a imagem dessa criança se fixara na chapa, e não só na primeira experiência, porém durante toda a série das manifestações dessa personalidade, que duraram muitos anos.
Porém, acrescentemos desde já, há fatos que provam, por outro lado, que esta lei não é geral; por conseguinte, ela estaria submetida a modificações segundo o momento e a individualidade.
H – Identidade da personalidade de um morto atestada pela aparição de sua forma terrestre
Agora que adquirimos, por manifestações de caráter intelectual, a prova pedida – isto é, a prova de que o princípio individual é independente do corpo, que tem sua existência própria, que sobrevive à desagregação do corpo, que, além disso, conserva bastantes elementos de sua personalidade para provar o grande fato da sobrevivência –, podemos passar (como já o fizemos no capítulo III) à demonstração do mesmo fato por manifestações de caráter exterior, físico mesmo. Podemos desde já tratar de estabelecer as condições que devem apresentar essas manifestações para serem consideradas como mais ou menos concludentes, sem nos sentirmos constrangidos pela convicção a priori a admitir que a natureza espirítica de semelhante fenômeno não tem razão de ser suficiente. A manifestação mais ideal deste gênero de fenômenos será:
H1 – Aparição de um morto atestada pela visão mental do médium, na ausência de pessoas que o conhecem
Aqui temos um fenômeno telepático, correspondendo às alucinações verídicas dos vivos, mas com a diferença de que o agente que evoca o fenômeno não se acha entre os vivos. Este gênero de fenômenos constitui uma variedade particular de mediunidade. Posto que todos os bons médiuns sejam mais ou menos videntes, em alguns o desenvolvimento dessa faculdade cria uma mediunidade especial. Eles descrevem a pessoa do morto que vêem perto do vivo, com muitos pormenores que são outras tantas provas de identidade; não se limitam à descrição do hábito externo da aparição, mas transmitem as palavras e as frases pronunciadas por ela. As provas que foram dadas por esse processo são inumeráveis. Mas, como geralmente elas se dão na própria presença da pessoa que conhecia o morto e podem por conseguinte ser explicadas por uma transmissão inconsciente das idéias daquela pessoa, devo deixá-las de lado. Para que sejam valiosas, em nosso ponto de vista, é preciso que a aparição dê pormenores desconhecidos do amigo vivo, ou que a aparição se realize na ausência deste.
Já citei um caso da primeira categoria no capítulo III, item 8, no qual um médium descreveu ao General Drayson a aparição de um amigo que ele julgava vivo, com todos os pormenores que se referiam à sua morte extraordinária.
Um caso da segunda categoria me é fornecido por minhas próprias notas. A 26 de fevereiro de 1873, fiz uma sessão íntima com minha mulher. Estávamos sós. Em pouco tempo ela adormeceu e sua mão escreveu uma comunicação em francês, de caráter íntimo, fazendo alusão a uma sessão anterior à qual tinha assistido uma senhora de nosso conhecimento, a condessa A. Tolstoï, mulher do vice-presidente da Academia de Belas Artes. A comunicação era proveniente da filha falecida da condessa e dirigia-se a ela: é inútil falar aqui do conteúdo da comunicação, pois que a prova de identidade está no que se segue. Quando minha mulher voltou a si:
– É extraordinário – disse ela –, acabo de ver alguma coisa!
– Que é?
– Uma figura.
– De homem ou de mulher?
– De mulher; um rosto lindíssimo, que impressionava pelo brilho dos olhos azuis; eles pareciam iluminados por dentro. A figura conservava-se de pé à minha frente, a certa altura; representava uma pessoa moça, bem feita, vestida de branco.
– Uma morena?
– Sim!
– Reconheces alguém nessa figura?
– Não. Porém ela me produziu a mais agradável impressão; é verdade que eu dormia, mas não era o sono ordinário.
Esta conversação realizara-se imediatamente depois do despertar de minha mulher; ela não sabia se havia qualquer coisa escrita, ainda menos o que tinha sido escrito e qual era o autor da mensagem. Nós não sabíamos se a aparição da figura tinha qualquer relação com a comunicação. Um mês e meio depois, minha mulher, achando-se de visita em casa da condessa, que acabava de perder o marido, e passando a um aposento retirado, onde até então nunca tinha entrado, achou-se defronte de um retrato de moça representado em busto e que ela nunca vira, mas no qual reconheceu imediatamente a bela figura que lhe tinha aparecido por ocasião de sua visão interior. Era o retrato da filha falecida da condessa.
Sob a categoria precedente citei um caso, referido por Dale Owen, relativo à aparição de sua amiga Violeta a dois médiuns que não conheciam Dale Owen e nunca tinham visto a sua amiga falecida; aquela aparição, em tudo semelhante à aparência terrestre de Violeta, completava o conjunto das particularidades pessoais e íntimas dadas aos mesmos médiuns.
H2 – Aparição de um morto atestada pela visão mental do médium e, simultaneamente, pela fotografia transcendente ou pela fotografia só, na ausência de pessoas que conheceram o morto
A manifestação mais espiritualizada da ordem física é, sem a mínima dúvida, a fotografia transcendente que estabelece o fato da realidade objetiva de uma aparição ou de uma materialização invisível. Dei no capítulo I todos os pormenores históricos relativos ao desenvolvimento desse fenômeno. Temos o seu protótipo fundamental nas experiências notáveis do Sr. Beattie, onde o médium em transe dava a descrição das formas luminosas que apareciam à sua vista mental – começando por diferentes formas indeterminadas que se desenvolviam gradualmente em formas determinadas – e muitas vezes correspondendo perfeitamente às fotografias obtidas.
Encontramos a confirmação desse gênero de fatos em um testemunho inteiramente seguro, o do respeitável Sr. A. (Oxon), que por sua vez reunia todos os predicados de uma mediunidade excepcional. Eis como ele descreve a sua primeira experiência de fotografia transcendente:
“A primeira imagem que obtive com o Sr. Hudson é notável pelo obscurecimento quase completo do sensitivo. Eu estava colocado de perfil defronte da máquina fotográfica e conservava os olhos fixos no teto do gabinete de estudos. Tinha a impressão perfeitamente consciente da existência, em torno de mim, de um nevoeiro luminoso e da presença de um ser que se conservava a meu lado. Essa impressão sensorial aumentou a ponto tal que me achei em estado parcial de transe antes de estar terminada a exposição. Por ocasião do desenvolvimento, a chapa só apresentou um contorno de minha forma, apenas indicado, ao passo que, no lugar onde eu sentira a presença de um ser, ela mostrava uma forma distintamente desenhada, mas inteiramente coberta por um véu e colocada de perfil. Entretanto o rosto é bem visível e acha-se exatamente no ponto em que a minha impressão lhe marcava. O nevoeiro luminoso, que eu tinha percebido, velou minha forma quase completamente. Entre outras medidas de precaução, eu pedira ao Sr. Hudson que voltasse a chapa para obter uma certeza maior contra uma fraude possível.” (Human Nature, Londres, 1º de outubro de 1874, pág. 426).
Eis agora dois casos nos quais as individualidades invisíveis que se consagram ao serviço dos médiuns e se lhes apresentam freqüentemente à visão mental aparecem também na chapa sensível, quando esses médiuns se fazem fotografar.
O primeiro já foi citado por mim no capítulo I; é aquele em que a mui conhecida médium, a Sra. Conant, vê aparecer-lhe, um momento antes da exposição, sua amiguinha, a indiana Wash-ti; ela lhe estende a mão e a fotografia reproduz as duas figuras de mãos dadas.
Somos ainda devedores do segundo caso ao Sr. A. (Oxon). Enquanto ele se fazia fotografar, viu mentalmente e descreveu a aparição e a posição da pequena Paulina, que habitualmente se manifestava em seu círculo íntimo; ela não deixou escapar-se a oportunidade de se fazer fotografar também. Eis a curta narração do Sr. Oxon:
“Há cerca de um mês tentamos obter uma fotografia com o Sr. Parkes, e por esta ocasião obtivemos uma nova manifestação de Paulina. Sentei-me defronte de pequena mesa e quase instantaneamente caí em transe. Em meu estado de clarividência, vi a menina em pé e flutuando muito perto de meu ombro esquerdo. Ela parecia muito próxima da mesa e tentei em vão atrair a atenção do Sr. Speer para a aparição. Logo que a exposição terminou e eu despertei, referi o que vira; quando a chapa foi revelada, viu-se aparecer perto da mesa a forma de uma criança. Ela estava exatamente na posição em que eu a tinha visto e sentido. Assemelhava-se muito à pequena Paulina, que declarou imediatamente reconhecer-se no retrato e manifestou extraordinária alegria pelo bom êxito da experiência. Minha visão tinha sido tão distinta, eu estava tão certo do que se encontraria na chapa fotográfica, que teria arriscado toda a minha fortuna em uma aposta, quanto ao resultado previsto, antes de ver a chapa revelada.” (Human Nature, Londres, 1º de setembro de 1874, pág. 397).
Podem-se juntar a esses fatos, até um certo ponto, os casos de fotografia transcendente das formas visíveis que aparecem habitualmente na presença de certos médiuns por via de materialização. Falei neles extensamente no capítulo I.
Até hoje, as fotografias transcendentes são consideradas como a imagem dos mortos; mas não falamos ainda das provas de identidade. O fenômeno atinge seu grau mais elevado, compreende-se facilmente, quando a personalidade é posta fora de dúvida pela semelhança. Os casos deste gênero são numerosos; mencionei também muitos deles no capítulo I. O de Moses Dow (capítulo I, item 1) deve ser considerado como perfeitamente concludente, em vista da importância das provas de ordem intelectual. Escrevi ao Sr. Dow, em 1886, para obter informações mais amplas, porém nesse meio tempo ele falecera.
Dentre os casos mais recentes, posso citar o que é mencionado pelo Sr. Alfred Russel Wallace, em sua conferência feita em São Francisco, em 5 de junho de 1887:
“Um dos casos mais interessantes, sob o ponto de vista da identidade da personalidade, me foi comunicado pelo Sr. Bland, um amigo muito conhecido dos indianos. Ele fez numerosas sessões com uma mulher médium que não era médium de profissão que recebesse salário, porém uma de suas amigas. Por intermédio daquela pessoa ele recebia freqüentemente comunicações de sua mãe. Nada sabia acerca da fotografia dos Espíritos, porém casualmente sua mãe lhe disse que se ele se dirigisse à casa de um fotógrafo de Cincinnati (onde ele habitava então, creio), ela tentaria aparecer com ele na chapa. Nenhum fotógrafo era designado particularmente. Perguntou ao médium se acedia em acompanhá-lo. Foram, pois, juntos à casa do primeiro fotógrafo que encontraram e pediram-lhe que os fotografasse. Sentaram-se um ao lado do outro e a fotografia foi tirada.
Quando o fotógrafo revelou a chapa, disse que deveria ter havido qualquer acidente, pois que havia na prova negativa três figuras, em vez de duas. Eles responderam que contavam com isso; mas, com grande surpresa do Sr. Bland, a terceira figura não era a de sua mãe. Este fato é muito digno de nota pelo que vai seguir-se. Ele voltou para casa e perguntou como sucedera que tivesse aparecido na chapa a imagem de outra pessoa. O Espírito de sua mãe lhe respondeu que era a imagem de uma amiga que a tinha acompanhado e que, mais entendida na matéria do que ela, desejara fazer a experiência em primeiro lugar e que, se ele quisesse repetir a experiência, ela própria apareceria desta vez. Assim se fez e o retrato de sua mãe foi encontrado no negativo.
Depois disto, um de seus amigos sugeriu-lhe a idéia – para excluir toda possibilidade de dúvida a respeito da sinceridade do fotógrafo, que poderia ter obtido um retrato de sua mãe – de pedir a esta que aparecesse diante do aparelho fotográfico com uma ligeira modificação no trajo, o que devia evitar toda a suspeita de fraude. Por conseguinte, foram tirar um terceiro retrato: obtiveram-no de novo, mui semelhante ao primeiro, com a pequena diferença de não ser a mesma a maneira de abotoar os colchetes. O Sr. Bland mostrou-me as três fotografias e descreveu verbalmente as circunstâncias que se referiam ao caso. Admitindo-se que ele me tivesse falado a verdade, não vejo necessidade de recorrer a outra hipótese, a não ser a de uma comunicação real entre sua mãe e ele.” (Light, 9 de julho de 1887, pág. 308).
Temos o caso muito recente da fotografia transcendente de Nellie Power, obtida por uma pessoa de confiança, o Sr. Johnstone, com um médium particular, o Sr. Rita, isto é, nas condições exigidas pelo Sr. Hartmann.
Finalmente, entre os casos modernos, pode-se ainda citar a fotografia do Sr. Pardo, obtida pelo mesmo Sr. Johnstone, às escuras (Médium, 1892, 15 de julho), e a fotografia de um menino em quatro posições diferentes, obtida pelo Sr. Edina (Light, 1892, 7 de maio).
O único ponto vulnerável das fotografias transcendentes reconhecidas é, no ponto de vista do Sr. Hartmann, que a pessoa que a obtêm, geralmente a que se expõe diante da máquina fotográfica, conhecia a pessoa de quem se tratava e, por conseguinte, pode ser considerada como a fonte inconsciente da imagem da pessoa morta; então o médium, por um processo de clarividência e de objetivação inconsciente, consegue colocar esta imagem de criação própria no foco desejado; ou antes ainda, o pensamento só da primeira produz tudo isso com o auxílio das emanações fluídicas do médium, etc. É difícil, porque, ordinariamente, o médium e a pessoa que se expõe acham-se, durante a execução dessas fotografias, perfeitamente em seu estado normal. A explicação é pouco racional, mas enfim não é ilógica no ponto de vista do animismo.
As fotografias reconhecidas, obtidas com uma condição mental de inspeção (uma posição determinada, uma particularidade desejada mentalmente, etc.), constituem uma variedade preciosa desse gênero de fenômenos (vede por exemplo os casos referidos no Human Nature, 1874, pág. 394; Light, 1885, pág. 240, etc.); mas evidentemente elas dão motivo à mesma objeção.
Por conseguinte, para que um caso de fotografia transcendente fosse concludente em absoluto, seria preciso que a prova negativa fosse obtida na ausência de pessoas que conheceram o morto.
No caso citado por Wallace, nós já temos a prova de que não é sempre a imagem mentalmente desejada pela pessoa que se expõe defronte da máquina fotográfica que é reproduzida, pois que o Sr. Bland esperava ver uma imagem inteiramente diversa; porém temos ainda casos que correspondem completamente à condição que acabo de enunciar. Citei no capítulo I, com pormenores e reprodução da fotografia, o caso do Sr. Bronson Murray, que obteve em casa de Mumler a fotografia de uma mulher a quem não conheciam nem Murray nem os Mumler e que foi em breve reconhecida pelo marido da senhora, o Sr. Bonner; este obteve em seguida uma fotografia idêntica, com mudança de posição, segundo uma promessa feita, e sem que Mumler soubesse que era o marido daquela pessoa. Sua aparição, mesmo com a indicação do nome, foi assinalada pelo Sr. Mumler, que era médium vidente, alguns minutos antes da execução da fotografia.
O Dr. G. Thomson, a quem conhecemos por ter tomado parte nas experiências do Sr. Beattie, dá testemunho do seguinte fato, em sua carta publicada no Spiritual Magazine de 1873, página 475:
“Worcester Lawn, 4, Clifton.
Bristol, em 5 de agosto de 1873.
Caro Senhor:
Em cumprimento à minha promessa, informo-o por estas linhas de que a figura que se produziu em minha fotografia foi reconhecida como retrato de minha mãe, falecida pouco depois do meu nascimento, há quarenta e quatro anos; como eu nunca vira retrato dela, não me era possível verificar por mim mesmo a semelhança. Entretanto, enviei a fotografia a seu irmão, pedindo-lhe simplesmente que me mandasse dizer se achava alguma semelhança entre a figura e algum de meus parentes falecidos, e em sua resposta ele afirmou que reconhecia na figura os traços de minha mãe.
Seu amigo e obrigado,
G. Thomson.
P. S. – Seja-me permitido acrescentar que não suponho que meu tio tenha a mínima idéia do Espiritismo ou da fotografia espirítica, pois que ele mora em um distrito afastado, na Escócia. Cheguei a esta conclusão pela observação seguinte que ele fez: “Em verdade, não posso compreender como isso pôde suceder!”
Podem-se ler ainda pormenores interessantes, acerca deste caso, no Human Nature, 1874, página 426.
A Moses Dow devemos outro caso desse gênero, perfeitamente concludente. Ele foi muito bem exposto em um artigo do Sr. Dow, publicado pelo Banner of Light de 14 de agosto de 1875, do qual dou o resumo:
O Sr. Dow continua a obter comunicações de Mabel Warren, cuja história conhecemos. Ela lhe fala muito a respeito de sua amiga no mundo espiritual, a quem ela chama Lizzie Benson; promete-lhe, como testemunho de sua gratidão (cujos motivos são explicados no artigo), seu retrato em companhia de Mabel. O Sr. Dow dirige-se à casa de Mumler e obtém efetivamente seu próprio retrato com as imagens de Mabel e de Lizzie Benson, a quem ele nunca tinha conhecido; a aparição das duas figuras ao mesmo tempo é também assinalada pela Sra. Mumler, na ocasião de tirar o retrato. O Sr. Dow manda esse retrato à mãe de Lizzie Benson; ela verifica sua perfeita semelhança, e em sua carta, que o Sr. Dow publica, lemos entre outras coisas:
“Acreditar em semelhante coisa parece-me muito extraordinário, mas sou coagida a fazê-lo, porque sei que ela (Lizzie) nunca teve retrato de espécie alguma.” Conforme acabamos de verificar, neste caso a prova é absoluta. Eu tive ensejo de ver esta fotografia na coleção do Sr. Wedgwood, em Londres, no ano de 1886.
Um caso igual, talvez ainda mais comprobatório, foi publicado em Light (de 15 de dezembro de 1888, página 614), que o transcreve no British Journal of Photography. Eu o resumo:
O Sr. Fred. H. Evans conhece o fato e os pormenores pelas próprias pessoas às quais ele se refere. O Sr. H., médium não profissional, dirige-se um dia, em companhia de seu amigo o Dr. S., à casa do Sr. W., que não era fotógrafo de profissão, mas simples amador, e a quem o Dr. S. conhecia por já ter obtido fotografias transcendentes. O Sr. H. duvidava do fato; o próprio Dr. S. fez todas as manipulações e, quando a fotografia de seu amigo foi tirada, encontrou-se na prova negativa uma outra figura colocada defronte do Sr. H. Ninguém reconheceu esta figura, e como o Sr. H. só desejasse a prova da possibilidade do fato, guardou a fotografia em uma gaveta e esqueceu-a. Era em 1874. Ora, eis o que aconteceu oito anos depois, em 1882 – deixemos falar a senhora que, por um acaso extraordinário, reconheceu nesse retrato os traços inegáveis de seu marido:
“Em 1878, fiz conhecimento com o Sr. H. e tornei-me amiga de sua irmã. Ambos tiveram para comigo uma grande benevolência em uma época em que me achava, com meus filhos, em situação muito precária. Quando ele resolveu ir passar alguns meses em K., eu procurei um aposento para ele e ajudei sua irmã a desencaixotar seus objetos e arrumá-los. Ao abrir um caixão que continha diversos objetos, para colocá-los em um gabinete, encontrei muitas fotografias do Sr. H. Examinando-as, notei imediatamente uma delas que apresentava duas figuras:
– Oh! eis aqui uma que é extraordinária – digo.
Porém, de repente, quando olhei mais de perto a segunda figura, senti todo o meu sangue gelar-se nas veias.
– Que há de extraordinário? – perguntou-me a Srta. H.
– Oh! – continuou ela olhando por cima de meu ombro –, onde encontraste esta fotografia? Eu a julgava perdida há muito tempo...
Porém, acrescentou, ao notar meu silêncio e minha palidez:
– Que há de particular? Estás indisposta?
– Dize-me – repliquei – de quem recebeste esta fotografia e de que maneira foi ela obtida.
Enquanto eu ali estava como se tivesse sido petrificada, contemplando o cartão que tinha na mão, a Srta. H. referiu-me toda a história narrada mais acima. Perguntei-lhe:
– Nunca soubeste nem empregaste os meios para saber de quem esta segunda figura é o retrato?
– Não, nunca soubemos isso – foi a resposta.
Eu lhe disse, então, que era meu marido, falecido em 1872. Levei o cartão e, sem dizer coisa alguma, mostrei-o à minha irmã, que tinha vivido durante muitos anos em nossa companhia; ela reconheceu imediatamente meu marido. Ele foi reconhecido, com a mesma espontaneidade e imediatamente, por meus três filhos, por minha sogra, por minha cunhada e por diversos amigos antigos; uma amiga, que nos tinha conhecido antes do nosso casamento, disse-me que esse retrato tinha despertado suas recordações com a rapidez do relâmpago, mais do que o fizera qualquer outro retrato. Como traços particularmente característicos de meu marido, posso indicar: o maço de cabelos brancos que caía sobre sua larga fronte, as sobrancelhas muito escuras e o cabelo grisalho; posto que ele tivesse morrido aos trinta e três anos, parecia ter quarenta. Todas essas particularidades são reproduzidas na fotografia, com rigorosa exatidão.”
Finalmente temos casos em que fotografias reconhecidas foram obtidas na ausência de qualquer pessoa defronte da máquina fotográfica, e em que a pessoa era substituída simplesmente por um cartão fotográfico. Eis aqui dois casos interessantes, referidos pelo Sr. J. F. Snipe, que cito conforme Light de 1884, página 396:
“Depois de uma conversa que eu tivera com um vizinho céptico a respeito de um fotógrafo espírita muito conhecido, ele resolveu, para tentar uma prova, enviar-lhe sua fotografia em cartão. Assim se fez, e em recompensa obteve uma cópia de seu retrato; porém o retrato de sua irmã falecida achava-se ali com o seu, e a semelhança foi verificada por comparação com um retrato que tinha sido tirado antes de sua morte. Eu o conduzi a um médium de transe não profissional. Sem a mínima indicação de nossa parte, a irmã comunicou-se pelo médium e falou do retrato obtido, dando-o como seu. Em seguida enviei ao mesmo fotógrafo meu próprio retrato em cartão, determinando o dia e a hora da experiência. Naquele mesmo instante exprimi mentalmente o desejo de que um amigo de minha mãe condescendesse em aparecer comigo na chapa para dar a esta uma prova convincente. Recebi pelo correio uma prova de minha fotografia com uma outra forma, vestida de branco, sobre o meu retrato. O Espírito de meu pai me informou, pela intervenção de um médium que não o tinha conhecido e não me conhecia, que a segunda figura era a do irmão de minha mãe; esta o reconhece, e sua filha o reconheceu igualmente com uma surpresa repleta de ternura.”
Nos Anais de Fotografias de Mumler, muitos outros casos desse gênero são ainda mencionados.
H3 – Aparição da forma terrestre de um morto por via de materialização, apoiada por provas intelectuais
Nesta última categoria podemos admitir três gêneros de materialização:
1º – a materialização do duplo do médium tomando o nome de diversas personalidades;
2º – a materialização artificial de figuras que não se assemelham ao médium ou de membros humanos construídos ou formados com maior ou menor arte e assemelhando-se mais ou menos a formas vivas;
3º – a materialização espontânea ou original, a aparição de figuras materializadas, com todos os traços de uma personalidade completa, diferentes do médium e dotadas de uma vitalidade tão pronunciada quão independente.
As materializações da 2ª categoria foram algumas vezes empregadas como provas de identidade; umas vezes era uma certa mão com falta de dois dedos (Spiritual Magazine, 1873, pág. 122), outras vezes uma mão com dois dedos recurvados para a palma, em conseqüência de uma queimadura (Light, 1884, pág. 71), ou antes com o indicador dobrado sobre a segunda falange (idem), etc.
Possuímos moldagens de mãos reconhecidas graças a deformidades; eu as descrevi mais acima e em lugar oportuno; no caso referido pelo professor Wagner, no Psychische Studien de 1879, página 249 (do qual já falei também), tem-se a impressão, entre duas ardósias, de uma certa mão, reconhecida: “Ela era extraordinariamente grande e longa, com o dedo mínimo recurvado.” A este caso referem-se particularidades de ordem intelectual que lhe comunicam um valor excepcional.
As materializações do terceiro gênero, referindo-se a figuras perfeitamente reconhecidas, são muito raras, posto que hoje esse fato se observe mais freqüentemente do que há dez anos.
No ponto de vista da análise crítica, pode-se objetar que em todos os casos de materialização nos quais só podemos verificar a semelhança da forma, esta semelhança não é uma prova de identidade. Pois que, ordinariamente, é uma das pessoas presentes que verifica a semelhança; por conseguinte, essa pessoa pode ser a portadora da imagem do tipo segundo o qual a atividade inconsciente do médium organiza a forma que se materializa.
No ponto de vista do animismo, a materialização do duplo do médium é um fato incontestável; passando-se as coisas assim, variações do grau de semelhança são logicamente admissíveis e a experiência nos prova que tal é o caso: assim, no caso de Katie King, cuja semelhança com a médium era notável, houve, entretanto, divergência quanto à estatura, cabelos, orelhas, unhas, etc. Sabemos também que Katie King podia instantaneamente modificar o colorido do rosto e das mãos, fazê-lo passar do negro ao branco e vice-versa (veja-se Spiritualist, 1873, págs. 87, 120). Algumas vezes ela se assemelhava a um “manequim articulado”... ou a uma “boneca de cautchu”... “sem esqueleto ósseo nas mãos”... e, “um instante depois, mostrava-se com o seu esqueleto completamente formado” (Spiritualist, 1876, t. II, pág. 257); ou antes, ela aparecia “com uma cabeça óssea de forma obtusa, duas vezes menor que a da médium, não deixando de conservar certa semelhança com a desta última” (Spiritualist, 1874, t. I, pág. 206); muitas vezes, como única explicação, ela dava esta resposta significativa: “Formei-me como pude” (Spiritualist, 1876, t. II, pág. 257).
Por conseguinte, a mesma causa operante pode levar esta divergência a tal grau que a semelhança com o médium desapareça completamente. Desta maneira, a forma materializada, assemelhando-se a um morto, não seria, segundo o Sr. Hartmann, senão a obra da consciência sonambúlica do médium, dispondo das emanações fluídicas de seu corpo.
No ponto de vista espirítico, a dificuldade é maior ainda; pois que, se admitimos que o Espírito do médium pode ser a causa eficiente e inconsciente da materialização de uma figura reconhecida, com mais razão um Espírito desprendido do corpo pode também ser a causa eficiente da materialização, e assim a forma materializada não seria de maneira alguma identificada com o Espírito que esta figura representa. Pois que é evidente que, se o Espírito de um médium é dotado da faculdade de ver as imagens mentais dos assistentes e de produzir imagens, com mais razão um Espírito desprendido do corpo disporá dessas mesmas faculdades em um grau do qual não podemos formar uma idéia adequada, e por conseguinte poderá personificar pela materialização todas as formas desejadas. Eis por que a semelhança não é uma prova de identidade! Tal é o sentido da conclusão à qual eu tinha chegado em 1878 e que citei mais acima.
Sinto-me satisfeito em poder reproduzir aqui as palavras seguintes do Sr. E. A. Brackett, que se pode considerar como um perito nos fenômenos de materialização:
“Como eu sei que há fantasmas que podem tomar quase todas as formas que desejam, a semelhança exterior desses seres não tem valor algum a meus olhos, desde que faltem os caracteres intelectuais.” (Materialised Aparitions, Boston, 1886, pág. 76).
Assim, pois, a semelhança de uma forma materializada com a de um morto não poderia ser considerada como uma prova, mas apenas como um acessório que pode quando muito representar o papel de um fator em apoio, quando se trata de concluir pela identidade da figura. Desde então, para que uma figura materializada possa ser considerada como manifestação original, é preciso que se distinga por um conteúdo intelectual que corresponda às exigências que formulamos para as provas intelectuais da identidade da personalidade – provas que não possam ser, além disso, explicadas nem pela transmissão de pensamento nem pela clarividência.
Não é coisa fácil, pois que é de toda a necessidade que uma pessoa presente seja juiz da semelhança e do conteúdo intelectual, condição que invalida ipso facto a importância da manifestação. Felizmente, porém, a personalidade possui certos atributos que mesmo esta presença não pode afetar e que nem a transmissão de pensamento nem a clarividência podem pôr à disposição de uma força operante diversa da força da pessoa a quem ela pertence; esses atributos são: a escrita própria da pessoa que se manifesta, o uso de uma língua que o médium não conhece, mas que a testemunha compreende; as particularidades da vida íntima, desconhecidas das testemunhas, etc.
Há casos deste gênero. Citarei aqui um exemplo muito curioso, oferecendo particularidades que raramente se encontram nas sessões de materialização e que foi comunicado ao jornal Facts pelo Sr. James M. N. Sherman, de Rumford, Rhode Island, e reproduzido em Light de 1885, pág. 235, do qual eu o tiro em parte:
“Em minha mocidade, entre 1835 e 1839, minhas ocupações profissionais coagiram-me a dirigir-me às ilhas do Oceano Pacífico. Havia a bordo de nosso navio indígenas contratados para o serviço, e por intermédio deles aprendi muito bem a sua língua. Há quarenta anos que sou adepto de uma igreja. Tenho 68 anos. Na esperança de chegar à verdade, assisti a grande número de sessões de Espiritismo, e há dois anos tomo notas.
23 de fevereiro de 1883 – Assisti a uma sessão em casa de Mrs. Allens, em Providência, Rhode Island, durante a qual um indígena das ilhas do Pacífico materializou-se e eu o reconheci pela descrição que ele fez da queda que deu do filerete, no qual se feriu no joelho, que ficou volumoso daí em diante; nesta sessão ele colocou minha mão em cima de seu joelho, que se verificou estar materializado com aquela mesma tumefação endurecida que ele tinha durante a vida. A bordo chamavam-no Billy Marr.
6 de abril – Nesta ocasião trouxe um fragmento de tecido fabricado pelos indígenas com a casca do tapper (árvore indígena) e que eu tinha guardado havia 45 anos. Ele o segurou na mão e deu-lhe o nome que tinha em sua língua materna.
1º de setembro – Fui chamado com minha mulher para perto do gabinete e, enquanto me conservava defronte, vi aparecer no soalho uma mancha branca que se transformou insensivelmente em uma forma materializada, na qual reconheci minha irmã e que me atirou beijos. Depois, apresentou-se a forma de minha primeira mulher. Logo que as duas metades da cortina se abriram, na abertura achava-se uma forma feminina com a vestimenta dos insulares do Pacífico, tal qual se usava 45 anos antes, e de que eu me lembrei muito bem. Ela me falou em sua língua materna.
18 de setembro – A mesma mulher se materializou de novo; apertou-me as mãos e disse-me que era originária do New Hever, ilha do arquipélago das Marquesas. Ela me recordou quanto ficara aterrada com as salvas dos canhões, quando foi a bordo com sua mãe, a rainha da ilha.
29 de setembro – Ela se apresentou de novo. Desta vez, Billy Marr também se materializou. Foi ele, como o disse, quem resolvera que ela se apresentasse ali. Ele a chamava Yeney.
17 de outubro – Na sessão da Sra. Allens chegou a rainha; anunciou-se sob o nome de Perfeney. Deu, em minha companhia, uma volta em torno dos assistentes e autorizou-me a cortar um retalho do seu vestido, que se assemelhava exatamente ao tecido que eu tinha trazido das ilhas, 40 anos antes.
5 de novembro – Com o mesmo médium, Perfeney autorizou-me a cortar quatro retalhos de seu vestido, a título de prova. Eles eram exatamente semelhantes ao que eu tinha cortado na primeira sessão dada pela Sra. Allens. Ela me lembrou, então, pela palavra powey, uma particularidade da alimentação dos indígenas; sentou-se no chão e mostrou-me como se toma o tal powey em um vaso, com os dedos.”
Poder-se-iam citar ainda alguns exemplos desse gênero, mas suponho que seria impossível encontrar um caso mais concludente, mais perfeito, como prova de identidade da aparição de uma forma materializada, do que o que nos apresenta a aparição de “Estela”, falecida em 1860, a seu marido o Sr. C. Livermore. Este caso reúne todas as condições necessárias para tornar-se clássico; corresponde a todas as exigências da crítica. Pode-se encontrar a narração circunstanciada deste caso no Spiritual Magazine de 1861, nos artigos do Sr. B. Coleman, que sabia de todos os pormenores, diretamente do Sr. Livermore (eles foram em seguida publicados sob a forma de brochura intitulada Spiritualism in America, por Benjamim Coleman, Londres, 1861), e finalmente na obra de Dale Owen, The Debatable Land, que copiou os pormenores respectivos, do próprio manuscrito do Sr. Livermore.[51]
Só mencionarei aqui os principais. A materialização da mesma figura continuou durante cinco anos, de 1861 a 1866, durante os quais o Sr. Livermore realizou 388 sessões com a médium Kate Fox e cujos pormenores foram imediatamente registrados pelo Sr. Livermore no seu canhenho. As sessões realizaram-se em completa escuridão. O Sr. Livermore estava as mais das vezes só com a médium, a quem ele segurava durante todo o tempo da sessão pelas mãos; a médium estava sempre no estado normal e era testemunha consciente de tudo quanto se passava. A materialização visível da figura de Estela foi gradual; foi somente na 43ª sessão que Livermore pôde reconhecê-la, por meio de uma iluminação intensa, de origem misteriosa, dependente do fenômeno e geralmente sob a direção especial de uma outra figura que acompanhava Estela e ajudava-a em suas manifestações, e que se apresentava com o nome de Franklin.[52]
Desde então a aparição de Estela se tornou cada vez mais perfeita e ela pôde suportar até a luz de uma lanterna levada pelo Sr. Livermore. Felizmente, para a apreciação do fato, a figura não pôde falar, à exceção de poucas palavras que pronunciou, e todo o lado intelectual da manifestação revestiu uma forma que deixou vestígios para sempre persistentes. Falo das comunicações por escrito, que o Sr. Livermore recebeu de Estela em folhas de papel que ele próprio levava e que foram escritas, não pelo punho de um médium, mas diretamente pelo de Estela e algumas vezes mesmo sob os olhos do Sr. Livermore, à luz criada ad hoc. A escrita dessas comunicações é um perfeito fac-símile da escrita de Estela quando viva. O conteúdo, o estilo, as expressões, tudo nessas comunicações dava testemunho da identidade da personalidade que se manifestava; e, além dessas provas intelectuais, muitas dessas comunicações foram escritas em francês, língua que Estela conhecia com perfeição e que o médium desconhecia completamente.
A cessação das manifestações de Estela, por via da materialização, apresenta notável aproximação com o termo da aparição de Katie King. Lemos em Owen:
“Foi na sessão nº 388, a 2 de abril de 1866, que a forma de Estela apareceu pela última vez. Desde aquele dia, o Sr. Livermore não mais tornou a ver a figura tão sua conhecida, posto que tenha recebido, até à data em que estou escrevendo (1871), numerosas comunicações cheias de simpatia e de afeição.” (The Debatable Land, pág. 398).
Assim também, Katie King, depois de decorrido um certo tempo, não mais pôde manifestar-se de maneira material, revestir a forma corpórea, porém continuou a testemunhar sua simpatia por meios mais aperfeiçoados.
É assim que Estela, não mais podendo manifestar-se por uma materialização visível, manifestou-se ainda por uma materialização invisível, a única de suas manifestações de um gênero mais aperfeiçoado que chegou ao conhecimento do público e que completa para nós a preciosa experiência do Sr. Livermore. Quero falar das fotografias transcendentes de Estela, que foram obtidas pelo Sr. Livermore em 1869 e a respeito das quais já falei ligeiramente no capítulo I.
Na época em que se realizaram estas sessões, ainda não estava em moda recorrer às impressões, moldes e fotografias para verificar a objetividade das materializações; quando o Sr. Livermore ouviu falar das fotografias espíritas de Mumler, não lhes deu crédito e tomou todas as cautelas possíveis para confundi-lo. Possuímos a esse respeito o seu próprio depoimento perante o tribunal, por ocasião do processo de Mumler reproduzido no Spiritual Magazine (1869, págs. 252, 254). Ele fez dois ensaios com Mumler: no primeiro apareceu na prova negativa uma figura ao lado de Livermore, figura que foi em seguida reconhecida pelo Dr. Gray como um de seus parentes; no segundo, houve cinco exposições sucessivas, e para cada uma delas o Sr. Livermore tinha tomado posição diversa. Nas duas primeiras chapas só havia nevoeiros no fundo; nas três últimas apareceu Estela, cada vez mais reconhecível e em três posições diversas. “Ela foi reconhecida perfeitamente bem – diz o Sr. Livermore –, não só por mim, como por todos os meus amigos.” A uma pergunta do juiz, ele declarou que possuía em sua casa muitos retratos de sua mulher, “porém não sob aquela forma”.
Temos um novo testemunho deste fato nas palavras seguintes pronunciadas pelo Sr. Coleman em uma das conferências dos espíritas de Londres acerca das fotografias espíritas:
“O Sr. Livermore enviou-me o retrato de sua mulher; ele desejava dar um desmentido ao fato da fotografia espírita e dirigiu-se a Mumler nesse intuito; tomou a outra posição imediatamente antes que o obturador da câmara escura fosse retirado, para prevenir qualquer preparativo fraudulento por parte de Mumler com o fim de fazer aparecer na prova negativa uma figura de Espírito em relação com a sua posição primitiva. O Sr. Livermore não manifestou entusiasmo algum em fazer conhecer esses fatos e só compareceu ao tribunal para dar o seu testemunho, e isso pelos reiterados pedidos do juiz Edmonds.” (Spiritualist, 1877, tomo I, pág. 77).
Só me falta formular o último desideratum relativamente à prova de identidade pela materialização; é que esta prova – assim como o exigimos para as comunicações intelectuais e fotografia transcendente – seja dada na ausência de qualquer pessoa que pudesse reconhecer a figura materializada. Creio que poder-se-iam encontrar muitos exemplos desse gênero nos anais das materializações. Porém a questão essencial é esta: produzindo-se o fato, poderia servir de prova absoluta? Evidentemente, não, porquanto, admitindo-se que um “Espírito” pode manifestar-se de tal maneira, eo ipso lhe é possível sempre prevalecer-se de todos os atributos de personalidade de outro Espírito e personificá-lo na ausência de quem quer que pudesse reconhecê-lo. Tal mascarada seria perfeitamente insípida, visto que não teria absolutamente nenhuma razão de ser; porém, no ponto de vista da crítica, sua possibilidade não poderia ser ilógica.
É evidente que esta possibilidade de imitação ou de personificação (de substituição da personalidade) é igualmente admissível para os fenômenos de ordem intelectual.
O conteúdo intelectual da existência terrestre de um “Espírito”, a que chamaremos A, deve ser ainda mais acessível a outro “Espírito”, que designaremos por B, do que os atributos exteriores desta existência. Tomemos mesmo o caso do falar em uma língua desconhecida pelo médium, mas que era a do morto; é muito possível que “o Espírito” mistificador também conheça com precisão essa língua. Só ficaria, por conseguinte, a prova de identidade pela escrita, a qual não poderia ser imitada; mas seria preciso que essa prova fosse dada com abundância e perfeição excepcionais, como no caso do Sr. Livermore, pois que bem sabemos que a escrita e principalmente as assinaturas também estão sujeitas a falsificação e imitação.
Assim, pois, após a substituição da personalidade no plano terrestre – pela atividade inconsciente do médium –, sucede que ainda temos que contar com uma substituição da personalidade em um plano supraterrestre por uma atividade inteligente fora do médium. E tal substituição, logicamente falando, não teria limites. O qüiproquó seria sempre possível e admissível. O que a lógica nos faz aqui admitir como princípio, a prática espirítica o prova. O elemento mistificação, no Espiritismo, é um fato incontestável. Ele foi conhecido desde o seu começo. É claro que, além de certos limites, a mistificação não pode mais ser lançada à conta do inconsciente e torna-se um argumento em favor do fator extramediúnico, supraterrestre (como exemplo de mistificação, tão perfeita em todos os pormenores quão edificante para a hipótese espirítica, indicarei o que é relatado em Light, 1882, pág. 216; vejam-se também as págs. 238, 275 e 333).
Qual será, pois, a conclusão de todo o nosso trabalho sobre a hipótese espirítica? Ei-la:
Adquiri, por meios laboriosos, a convicção de que o princípio individual sobrevive à dissolução do corpo e pode, sob certas condições, manifestar-se de novo por um corpo humano acessível a influências desse gênero, mas a prova absoluta da identidade da individualidade que se manifesta importa em uma impossibilidade. Devemos contentar-nos com uma prova relativa, com a possibilidade de admitir o fato. Eis uma verdade da qual nos devemos compenetrar bem.
Assim, pois, a prova incontestável da identidade da personalidade dos Espíritos, por qualquer manifestação que seja, é impossível, justamente pela razão de sermos coagidos a admitir a existência desses “Espíritos”, e é isso o essencial, o que era preciso demonstrar.
Considerações finais
Agora que ficou estabelecido o fato da existência individual do espírito humano depois da morte, a questão da identidade de sua personalidade, no ponto de vista subjetivo, adquire direitos que lhe foram recusados até o presente. O ponto de vista objetivo é implacável; suas exigências são peremptórias, ele só atende à lógica, e esta afirma que a prova absoluta é impossível O ponto de vista subjetivo é muito diferente; suas exigências estão longe de ser tão rigorosas; o que não é suficiente para a lógica, verifica-se que o é para um veredicto que satisfaz a consciência íntima, a convicção pessoal, que se baseia em um conjunto de dados intangíveis para o julgamento objetivo, porém de força irresistível para a convicção subjetiva. O que para mim é inteiramente concludente e demonstrativo, nada é para um outro. Por exemplo, no que me diz respeito pessoalmente, eu nunca tive prova alguma de identidade que possa apresentar. Mas, em uma sessão completamente ordinária, mesmo com pessoas que me eram muito conhecidas, o nome de minha irmã falecida foi apresentado; ela só me disse quatro palavras muito comuns, porém nessas quatro palavras, na maneira pela qual foram ditas, havia todo o drama de minha vida íntima, e tenho a convicção profunda de que nenhum jogo inconsciente da consciência das pessoas que assistiam à sessão teria podido formular essas quatro palavras, que eram muito simples para aquelas pessoas.
Há milhares de fatos comprobatórios que se deram da maneira ordinária, pela escrita ou pela palavra, na presença das pessoas que conheciam o morto, e para as quais as hipóteses mais sutis, a não ser a hipótese espirítica, são meros subterfúgios; deixei de apresentá-los porque o meu intuito era exibir provas objetivas, incontestáveis, obtidas na ausência de pessoas que conheciam o morto. Mas essas provas são muito difíceis de fornecer e muito raras; só o acaso as fornece algumas vezes; exigi-las a todo o custo é um ato de violência, porque elas são contrárias à própria natureza e essência do assunto e é evidente que o desejo supremo de um morto deve ser anunciar, fazer verificar sua existência àquele e por aquele que o conhece, àquele para quem somente esse fato tem valor.
Não esqueçamos de lembrar-nos que aqui, como no animismo, a realidade dos fatos que se referem a esse assunto acha-se confirmada por fatos espontâneos, fora da experimentação direta; do mesmo modo, a realidade da existência de seres supraterrenos ou supra-sensíveis, repousando sobre fatos espiríticos, também se acha confirmada por fatos espontâneos, fora de qualquer experimentação, por fatos que existiram em todos os tempos, mas que foram considerados supersticiosos, em conseqüência da impossibilidade de submetê-los à experimentação: quero falar das aparições de pessoas mortas, em sonho, ou no estado de vigília. A analogia desses fatos com os do animismo e do Espiritismo é perfeitamente evidente.
Nos fatos de telepatia, é freqüentemente difícil precisar o momento no qual o fato anímico se torna um fato espirítico. É a energia de um moribundo ou de um morto que se manifesta? A Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres, que se ocupou com especialidade com os “Fantasmas dos vivos”, admite que até mesmo os “fantasmas” que aparecem doze horas depois da morte podem ser considerados ainda no número dos vivos (Edição francesa, tradução Marillier, págs. 60 a 219). Além desse limite, “a prova não se impõe”. Eis a opinião dos laboriosos autores dos “Fantasmas dos vivos”; mas eles estão longe de negar a possibilidade do fato. “A morte, dizem eles, pode ser considerada de certa maneira não como uma cessação, mas como uma libertação de energia. (...) Como a nossa teoria telepática é puramente psíquica e nada tira à física, ao corpóreo, também poderia ser aplicada ao estado de desencarnação.”
Por conseguinte, o efeito telepático pode ser igualmente atribuído a uma causa extraterrestre. As exigências desses autores são muito menos elevadas do que as nossas para a admissão de uma causa extraterrestre. “O caso, dizem eles, deve apresentar traços especiais e muito característicos para permitir que se estabeleça pelo menos uma presunção em favor de uma causa eficiente exterior ao próprio espírito do percipiente. Por exemplo: a mesma alucinação deverá impressionar a muitas pessoas independentemente uma da outra e em momentos diferentes; ou antes, o fantasma deverá revelar um fato que se reconheça em seguida como verdadeiro e que o percipiente não conheceu, sendo esta última condição provavelmente a única suscetível de provar a existência de uma causa inteligente exterior.” Notamos com prazer a confissão que acompanha estas palavras: “Existe um certo número de casos comprobatórios desses dois tipos, o que nos impõe o dever de deixar esta questão em discussão para pesquisas ulteriores.” Encontrar-se-á um esboço crítico do estado atual da questão em uma memória da Sra. Sidgwick, intitulada “Provas, reunidas pela Sociedade de Pesquisas Psíquicas, da existência dos fantasmas dos mortos”, no volume VIII, página 512 dos Proceedings.
Por conseguinte, é uma questão de tempo; chegará o momento em que os fenômenos desse gênero serão seriamente reunidos e estudados, e não mais condenados de antemão pelo preconceito desdenhoso da Ciência e da opinião pública.
Agora que conhecemos os fenômenos do animismo e do Espiritismo, a questão das aparições apresenta-se sob aspecto muito diverso. Os nossos conhecimentos atuais acerca da força e da matéria deverão passar por uma modificação radical. Em um fenômeno de materialização temos uma demonstração ad oculos de um fenômeno de criação, por assim dizer; uma demonstração de “metafísica experimental”, como se exprimiu Schopenhauer; está provado para nós, por fatos, que a matéria nada mais é do que uma expressão da força, um movimento progressivo da vontade, ou, em outros termos, que a matéria não passa da objetivação, da representação da vontade. Podemos admitir que uma aparição não passa de um fenômeno psíquico, uma “alucinação verídica”, ocasionada por uma “sugestão proveniente de um centro de consciência supraterrestre”, e do mesmo modo podemos admitir que esta aparição tem a faculdade de produzir um efeito físico, se bem que então ela nada mais seja do que uma objetivação material da vontade proveniente do mesmo centro de ação. As duas manifestações são possíveis, segundo as condições que se realizarem.
Não será inútil recordar aqui, no fim de meu trabalho, o que já disse no começo do capítulo I, a propósito da fotografia transcendente: é, de um modo particular, que as formas humanas que se supõe representarem “Espíritos”, quer apareçam à visão mental, quer se obtenham pela fotografia transcendente ou pela materialização, não são absolutamente as formas reais desses Espíritos, as que são próprias a seu modo de existência; não passam de formas temporárias, criadas por um esforço de memória e de vontade no intuito especial de serem reconhecidas em a nossa esfera. É a palavra “Espírito” que ocasiona a confusão quando se trata de Espiritismo. Estamos habituados a associar as palavras “Espírito”, “alma”, com as idéias habituais que formamos de um ser humano, e transportamos as mesmas imagens para o domínio transcendente. Na realidade, não sabemos absolutamente o que é um “Espírito”, nem o que supomos animar o corpo do homem, nem o que supomos segui-lo.
Esta concepção vaga que temos de um “Espírito” nos vem ainda de outra causa de confusão que se manifesta desde que se trata de Espiritismo: idéias que formamos do tempo e do espaço, que vêm condicionar involuntariamente a nossa idéia a respeito de um “Espírito”.
Admitimos perfeitamente como lógico que um “Espírito” deve achar-se fora do tempo e do espaço, e ao mesmo tempo lhe emprestamos um corpo, uma forma, isto é, atributos que dependem necessariamente do espaço e do tempo. É uma contradição evidente. A filosofia crítica prevalece-se justamente desta contradição para zombar da doutrina dos “Espíritos” e de suas manifestações. Ela nega a existência individual depois da morte, baseando-se precisamente no axioma kantiano, isto é, que o espaço e o tempo nada mais são do que formas de nossa intuição [53] dependentes do nosso organismo terrestre; uma vez desaparecido esse organismo, essas formas de intuição não mais existem e, por conseguinte, a personalidade dependente das idéias de tempo e de espaço desaparecem também. Mas, se a coisa em si existe, como essa mesma filosofia o admite, não na unidade, porém na multiplicidade, podemos supor que o espírito humano, o princípio individual, também é uma dessas coisas em si e, por conseguinte, suas relações com as outras coisas em si determinarão também formas de intuição e de concepção que são próprias e que nada mais terão com as nossas. Uma mônada – um centro de força e de consciência em um grau superior de desenvolvimento, ou então uma entidade individual dotada de inteligência e de vontade –, eis a única definição que poderíamos arriscar-nos a dar da concepção de um Espírito. Desde que ela se manifesta de novo no plano terrestre, deve necessariamente revestir a forma humana terrestre. Pelo que, uma aparição visível e tangível não passaria da objetivação temporária de uma mônada humana, revestindo um caráter de personalidade no mundo fenomênico.
As hipóteses espiríticas, segundo o Sr. Hartmann
Depois de tudo quanto acabo de dizer aqui, não tenho necessidade de submeter a uma crítica especial o capítulo do Sr. Hartmann sobre a “hipótese dos Espíritos”: porei em relevo somente alguns dos traços mais interessantes.
Na primeira parte desse capítulo, o Sr. Hartmann passa em revista o desenvolvimento progressivo das teorias do Espiritismo. Eis um curto resumo dessas teorias:
A primeira consiste na “crença ingênua do povo segundo a qual os mortos conservam a sua forma atual no outro mundo” e de que os “Espíritos” operam, servindo-se dos membros de seu corpo astral invisível (págs. 106 e 107).
A segunda também é grosseiramente sensorial: “Admite-se que o médium é igualmente um espírito e que assim ele deve poder fazer o que os Espíritos dos mortos fazem, isto é, servindo-se dos membros de seu corpo astral invisível. É o primeiro escolho da crença ingênua nos Espíritos.” (págs. 107 e 108).
A terceira teoria é uma opinião oposta da crença popular ingênua; apóia-se na existência da força nervosa mediúnica impropriamente chamada “força psíquica”. “A maior parte dos fenômenos é atribuída ao médium como causa única e exclusiva.” (págs. 108 e 109).
Quarta teoria – “A prática mais recente das materializações abalou ainda mais a hipótese espirítica.” (pág. 109). A materialização não é as mais das vezes senão uma “transfiguração” do próprio médium. Observando atentamente o fenômeno, verificou-se “que o fantasma inteiro emana do médium e funde-se de novo nele.” (pág. 110).
Quinta teoria – Desde então, o médium não é mais do que o instrumento e a fonte material dos fenômenos cuja causa transcendente é “o Espírito dirigente”. É “a hipótese da possessão”; ela constitui certamente um progresso.
Sexta teoria – Hipótese da inspiração. Não é o corpo do médium, porém a consciência sonambúlica que produz as frases e as formas “que o Espírito dirigente faz passar de sua consciência à consciência sonambúlica do médium” (pág. 114). “A contar desse momento, a hipótese espirítica entra em uma fase que permite à Psicologia e à Metafísica intervirem racionalmente para ocupar-se dela, no ponto de vista da crítica.” (idem).
A exposição histórica dessas teorias está longe de ser exata; mas isto é um fato de menor importância. O Sr. Hartmann expôs todas essas teorias no intuito de pôr em relevo a falta de “reflexão e de senso crítico” dos espiritualistas, e somente a última é que ele considera bastante “conveniente” para que a Ciência se ocupe dela. Quanto a mim, tomarei a liberdade de dizer que a exposição do desenvolvimento progressivo dessas teorias, por mais incompleta que seja, é o melhor elogio que foi feito dos “espiritualistas”, pois que todas essas teorias dão testemunho dos esforços que foram feitos pelos espíritas para chegarem a conhecer a verdade. Nem os filósofos, nem os sábios os auxiliaram a orientar-se nessa questão difícil; eles foram abandonados a si mesmos, não recebendo mais do que o desprezo ou a ironia da ciência e do público, e é só graças à perseverança e ao bom senso do espírito anglo-saxônio é que a questão sempre foi levada avante no terreno experimental e que o desenvolvimento dos fenômenos deu resultados que a Ciência, quer queira, quer não, será um dia chamada a reconhecer, como teve que fazê-lo, depois de cem anos, com os fenômenos do magnetismo animal. As teorias da transmissão dos pensamentos e da clarividência foram também muito freqüentemente debatidas pelos espíritas, mais do que por qualquer lado aliás, porque o Espiritismo tinha descoberto imediatamente as relações que existiam entre ele e o sonambulismo; este era, por assim dizer, seu mais próximo herdeiro, e essas duas faculdades maravilhosas do nosso espírito foram muito freqüentemente tomadas em consideração no exame crítico dos fatos do Espiritismo. E eis que o próprio Sr. Hartmann funda todo o edifício de sua crítica sobre estas duas teorias – levando-as ao extremo –: era a única saída. Mas essas duas teorias, no ponto de vista da ciência moderna, são completamente heréticas; a Ciência zomba delas, como do próprio Espiritismo.[54]
Assim, o Sr. Hartmann explica uma heresia por duas outras heresias. Se a Ciência provar um dia que essas duas teorias são destituídas de fundamento, a hipótese espirítica só terá que ganhar; se, pelo contrário, a Ciência acabar por sancioná-las, o tempo provará se elas são verdadeiramente suficientes para explicar o todo.
Enquanto esperamos, paremos no ponto mais interessante e vejamos um pouco porque a “hipótese da inspiração”, a que o Sr. Hartmann considera como a mais racional das hipóteses espiríticas, e a mais “conveniente” – aquela na qual a intervenção “intelectual” dos Espíritos é reconduzida à sua significação mais verdadeira e mais elevada (pág. 114) – deve ser rejeitada apesar de tudo. Eis o resumo de suas razões:
1º Dificuldades formais – “Se há Espíritos, poder-se-ia admitir a possibilidade da transmissão das imagens mentais de um Espírito ao homem, pois que ela é possível entre dois homens. Mas esta hipótese vai de encontro a certas dificuldades cuja importância não poderia ser desprezada. O Espírito de um morto não possui um cérebro cujas vibrações pudessem determinar por indução, em um cérebro humano vizinho, vibrações semelhantes; a transmissão mecânica pelas vibrações do éter, tal qual podemos admiti-la entre dois homens pouco afastados ou em contato, não pode, pois, ser tomada em consideração, quando se trata de um Espírito transmissor, e só pode apelar para um outro modo de transmissão, o que se fizesse sem intermediário material e não parecesse dependente da distância. Efetivamente os espíritas modernos admitem, sob a fé de comunicações mediúnicas, que o Espírito que exerce a influência pode achar-se a uma distância qualquer do médium pelo qual se manifesta, sem que isso afete a intimidade de suas relações. Só há um obstáculo: é que, segundo a experiência adquirida, nem os pensamentos, nem as palavras, porém somente as alucinações sensoriais, e tão vivas quanto possível, podem ser transmitidas a grandes distâncias.” (pág. 115).
Vimos suficientemente que tal não é o caso. No que diz respeito à ausência do cérebro, não há dificuldade para a teoria, que admite a existência do indivíduo transcendente, como o veremos mais adiante.
2º) Dificuldades relativas ao conteúdo das comunicações – “Este conteúdo está geralmente abaixo do nível intelectual do médium e dos assistentes. Quando muito, ele atinge este nível, mas nunca vai além.” (pág. 116).
Vimos também que não é assim.
A passagem seguinte, que vem imediatamente depois da citação que precede, merece notada:
“Se os Espíritos nada de melhor têm para nos revelar, do que aquilo que já sabemos, ou estão na impossibilidade de fazê-lo, como parece, vemos desaparecer o único motivo que pode ser invocado em favor de sua tendência a manifestar-se, isto é, o desejo de tornar-nos mais adiantados e melhores do que somos.”
Por conseguinte, o “único motivo” admissível seria “o desejo de tornar-nos mais adiantados e melhores”. Esse motivo existe realmente; mas, para justificá-lo, é preciso que os Espíritos nos digam alguma coisa de novo, que não conheçamos já?
O tema do amor de Deus e do próximo será sempre velho e sempre novo, enquanto se tratar do progresso moral do homem. E, além disso, o Sr. Hartmann admitiu sem dificuldade, para a clarividência, a força mágica dos interesses do coração! Por que motivo não quer admiti-la, aqui também, como um motivo suficiente? Efetivamente, se se pode admitir que alguma coisa sobrevive à morte, é sem dúvida o amor, a compaixão, o interesse por aqueles que são nossos parentes, o desejo de lhes dizer que existimos ainda; e são justamente esses sentimentos que servem as mais das vezes de “motivo” para uma intervenção espiritual. A linguagem do coração é a mesma em toda parte; porém, ser-nos-á sempre tão impossível formar uma idéia de um mundo transcendente, quanto imaginar um espaço de quatro dimensões. Não é, pois, de admirar que as noções que se lhe referem não nos sejam transmitidas e é inútil e ilógico exigir que elas o sejam.
3º) Finalmente, “prescindindo das dificuldades levantadas no ponto de vista formal e no do conteúdo intelectual, a hipótese espirítica em seu grau superior de hipótese da inspiração é primeiro que tudo uma superfluidade, uma quinta roda ao carro...” “Neste ponto da hipótese, seria preciso poder concluir, antes de tudo, do conteúdo das comunicações, que a consciência sonambúlica do médium é incapaz de produzi-las. Enquanto se desconhecer a hiperestesia sonambúlica da memória, a leitura dos pensamentos e a clarividência, todas estas comunicações são consideradas como revelações de Espíritos inspirando o médium e lhe transmitindo idéias que são alheias à sua consciência em estado de vigília ou não lhe são acessíveis por meio da percepção sensorial. Porém, desde que se reconhece a legitimidade dessas três fontes de informação, ao lado da percepção sensorial, não há mais conteúdo intelectual que não pudesse ser haurido dali, conforme sua natureza.” (pág. 116 e 117).
Vimos suficientemente, no capítulo III desta obra, que tal não é o caso na maioria das vezes.
E o Sr. Hartmann conclui: “É assim que toda a hipótese espirítica ficou reduzida a nada, em primeiro lugar quando foi provado que as manifestações físicas atribuídas aos Espíritos emanam do médium, em segundo lugar porque os fenômenos de materialização e finalmente a produção do conteúdo intelectual das comunicações têm a mesma fonte.” (pág. 117).
Preferimos acreditar que, depois de tudo quanto ficou dito neste trabalho, talvez esta conclusão seja retificada pelo próprio Sr. Hartmann, por muito fiel que ele fique a seus princípios, pois que não pretendi convencê-lo, felizmente, da realidade dos fatos que expus. Nunca me esqueço de que o objetivo de sua crítica esclarecida não se dirige à autenticidade dos fatos”, mas “às conclusões que se tiraram deles”.
Chegando finalmente ao termo do meu trabalho, é-me grato poder verificar que as pretensões da hipótese espirítica não estão absolutamente em contradição com a filosofia do Sr. Hartmann, como se pensa muito freqüentemente. Temos em seguida seu próprio testemunho, assim expresso:
“É sem fundamento que se acredita que meu sistema filosófico é incompatível com a idéia da imortalidade. O espírito individual é, segundo a minha concepção, um grupo relativamente constante de funções inconscientes do Espírito absoluto, funções que encontram no organismo que governam o laço de sua unidade simultânea e sucessiva. Se se pudesse demonstrar que a parte essencial desse organismo – isto é, os elementos constitutivos de sua forma, que são portadores das particularidades que formam seu caráter, sua memória, sua consciência – pode persistir sob uma forma capaz de atividade funcional, mesmo depois da desagregação do corpo celular material, inevitavelmente eu tiraria daí a conclusão de que o espírito individual continua a viver com o seu substratum substancial, porquanto o Espírito absoluto continuaria a manter o organismo persistente sob o regímen das funções psíquicas inconscientes que lhe eram atribuídas.
Reciprocamente, se se pudesse demonstrar que o espírito individual persiste depois da morte, eu concluiria daí que, apesar da desagregação do corpo, a substância do organismo persistiria sob uma forma impalpável, pois que só com esta condição posso conceber a persistência do espírito individual. A prova da persistência provisória do espírito individual depois da morte não motivaria sequer uma modificação do meu sistema filosófico no ponto de vista dos princípios, porém ampliaria simplesmente o campo das aplicações em certa direção; em outros termos, ela não vibraria golpe algum na fenomenologia do inconsciente.” (Ed. von Hartmann – Suplemento ao livro O Espiritismo).[55]
O Espiritismo desde o seu começo proclamou e afirmou, como condição sine qua non, “a persistência do espírito individual”; ele partiu sempre deste princípio fundamental: “Os elementos do organismo que são portadores das particularidades que formam seu caráter, sua memória, sua consciência, persistem, mesmo depois da desagregação do corpo celular material, sob uma forma capaz de atividade funcional.” Se tal é a condição formal, imposta a priori pela Filosofia, o Espiritismo tem a pretensão de ter-lhe respondido a posteriori. O grande mérito do Espiritismo é justamente ter provado que as questões mais misteriosas que se referem ao problema de nossa existência podem ser estudados por via experimental. Desde seus primeiros passos, ele admitiu que o lado místico deste problema é não menos natural e que todos os fenômenos que se lhe referem são fenômenos naturais, submetidos a uma lei.
É, pois, completamente injusto por parte do Sr. Hartmann acusar o Espiritismo “de ter aceitado, ao lado de uma série de causas naturais, uma série de causas sobrenaturais, de maneira alguma justificadas pela experiência” (pág. 118), depois “ter admitido fora da esfera natural e conhecida das existências terrestres um mundo misterioso e oculto de indivíduos sobrenaturais” (pág. 82).
O Espiritismo fornece materiais não aperfeiçoados, como são os que colhemos na nossa experiência diária. Compete à Filosofia analisá-los, explicá-los. A observação dos fenômenos é fácil: sua compreensão exige séculos – isso se aplica mesmo aos de ordem física. O fato da nossa existência, da nossa consciência pessoal, fica sendo um mistério até o presente; é preciso que nos resignemos: o problema nunca será resolvido; pois que vivemos no “sobrenatural” mesmo aqui em baixo; mas podemos fazer que seus limites recuem, penetrar mais adiante em suas profundidades. Uma forma da consciência não significa que seja a única admissível; uma forma, a que conhecemos, não é menos maravilhosa do que uma outra, que não conhecemos.
Quando os fatos espiríticos forem aceitos e estabelecidos em sua totalidade, a Filosofia deverá concluir deles, não pela existência de um mundo sobrenatural de indivíduos sobrenaturais, mas pela existência de um mundo de percepções transcendentes, pertencentes a uma forma de consciência transcendente, e as manifestações “espiríticas” nada mais serão daí em diante do que uma manifestação desta forma de consciência nas condições de tempo e de espaço do mundo fenomênico.
No ponto de vista da filosofia monística, o Espiritismo, como fenômeno e teoria, é facilmente admissível; e mais do que isso, ele se apresenta mesmo como uma necessidade, pois que completa, coroa esta concepção filosófica do Universo, cujos progressos são incessantes e à qual só falta uma coisa, a essencial: a compreensão do fim da existência das coisas e da existência do homem em particular.
O resultado final da evolução – tão evidente quanto racional aos nossos olhos –, isto é, o desenvolvimento das mais elevadas formas da consciência – quer individual, quer coletiva –, não sofre uma parada brusca e insensata, justamente na ocasião em que o alvo supremo é atingido ou está perto de o ser.
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Notas:
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[1] Uma segunda edição acaba de aparecer com o retrato do autor.
[2] Acabo de encontrar no número de outubro de Sphinx, 1889, página 227, brevemente formulados em três pontos, e tais quais resultam de uma correspondência entre o editor e o Sr. Hartmann, “os sinais característicos da intervenção dos mortos nas comunicações feitas pelos videntes e médiuns”. É precisamente o critério que procurei em vão no Sr. Hartmann e que me vi obrigado a estabelecer por mim mesmo, tomando por base a argumentação negativa do Sr. Hartmann. Acredito ter exposto no meu trabalho numerosos casos de conformidade com os “sinais característicos” em questão.
[3] O Congresso de Psicologia Fisiológica reunido em Paris, em 1889, acabou por adotar esse título para os seus trabalhos futuros. Assinalarei aqui, a título de curiosidade, que a primeira revista francesa consagrada ao estudo científico “do sono, do sonambulismo, do hipnotismo e do espiritismo” apareceu por meus cuidados, e a expensas de um amigo russo, o finado Sr. Lvoff, sob o título seguinte: Revista de Psicologia Experimental, publicada pelo Dr. F. Puel, de Paris, em 1874-1876 (Boulevard Beaumarchais, 73). Apareceram ao todo seis folhetos em 1874, dois em 1875 e um em 1876; hoje essa revista é uma raridade bibliográfica.
[4] O Automatismo psicológico. Ensaio de Psicologia experimental sobre as formas interiores da atividade humana, por Pedro Janet, professor de filosofia no liceu do Hâvre; Paris, 1889.
[5] Eu me explico: um médium de efeitos físicos ou de materialização deve ser hipnotizado; uma vez adormecido, as mãos devem ser ligadas; depois ordena-se-lhe que faça mover-se algum objeto ao alcance das suas mãos, como se elas estivesse livres, e então o seu órgão invisível – fluídico ou astral –, obedecendo à ordem dada, poria em movimento o objeto indicado (ver a minha carta do “Religio-Philosophical-Journal” de Chicago, de 27 de agosto de 1892).
[6] Carl du Prel, Die monistische Seelenlehre, Leipzig, 1888; C. G. Raue, Psychology as a natural science, applied to the solution of occult psychic phenomena, Filadélfia, 1889. O autor desse notável trabalho, fundado sobre as bases da psicologia de Beneke, chega à conclusão seguinte: “As forças psíquicas constituem uma substância real. A alma humana é um organismo composto dessas substâncias psíquicas, tão eternas e indestrutíveis quanto qualquer substância da ordem mais material.” (p. 529).
[7] O barão von Reichenbach designa sob o nome de força ódica (Od-Kraft) o fluido imponderável e penetrante de todos os corpos, por meio do qual ele explica diferentes fenômenos misteriosos.
[8] A força ectênica do professor Thury e a minha força psíquica são evidentemente termos equivalentes. Se eu tivesse conhecido essa expressão há três meses, tê-la-ia adotado. Ora, a idéia de semelhante hipótese de fluido nervoso nos veio depois de uma outra fonte, completamente diferente, exposta sob um ponto de vista particular e expressa na linguagem de uma das profissões mais importantes. Quero falar da Teoria de uma atmosfera nervosa, posta em vigor pelo Dr. Benjamim W. Richardson, M. D., F. R. S., no jornal Medical Times, nº 1088, de 6 de maio de 1871 (Obs. de W. Crookes, em sua obra Pesquisa sobre a força psíquica).
[9] Que produz pancadas.
[10] Extrato da carta do Sr. Beattie ao jornal Photographic News, de 2 de agosto de 1872, citada no Spiritual Magazine, 1872, pág. 407.
[11] Socialista mui conhecido, pai de Robert Dale Owen, este último autor do livro The Debatable Land. (*)
(*) Esta obra foi editada em português sob o título Região em Litígio, pela editora FEB. (Nota do Revisor.)
[12] É um espiritualista de Nova Iorque, muito conhecido, que não pertence à categoria das pessoas que crêem cegamente em tudo quanto lhes dizem ser fenômeno mediúnico; ele fez parte de muitas comissões que desmascararam as imposturas de pretendidos médiuns.
[13] Para compreender bem, o leitor deve saber que o Sr. Flint, do mesmo modo que o Sr. Mansfield, era um médium muito especial: mandavam-lhe cartas lacradas, dirigidas a pessoas mortas. Essas cartas eram reenviadas a seus autores, com as respostas dos destinatários, bem entendido: sem terem sido abertas.
[14] O professor Denton sucumbiu, em 1883, vitimado pela febre amarela, contraída durante uma viagem que tinha empreendido para fazer pesquisas geológicas em Nova Guiné (vide Psychische Studien, dezembro de 1883, pág. 595).
[15] O Sr. Hartmann faz distinção, de acordo com a Psicologia, entre “alucinação” e “ilusão”. O primeiro desses dois termos aplica-se aos casos em que as criações da fantasia não são baseadas em uma percepção qualquer de nossos sentidos; o segundo indica uma transformação que experimenta em nossa imaginação uma coisa realmente percebida por um de nossos sentidos. Por exemplo: se julgamos ver uma serpente enroscada em um prato, há alucinação, se se toma uma corda por uma serpente, é uma ilusão; acreditando ver uma figura nebulosa emanando do médium, estamos sujeitos a uma alucinação; se se toma o médium por uma aparição, experimenta-se uma ilusão (exemplo do Dr. H.). (N.T.).
[16] O Sr. Varley é um distinto físico inglês, notável especialista no lançamento de cabos telegráficos; é membro da Sociedade Real de Londres.
[17] Uma libra equivale a 453 gramas.
[18] Magister Artium Oxonlensis, Mestre em Artes da Universidade de Oxford, pseudônimo de Rev. William Stainton Moses, falecido em 1892. (*)
(*) Sua obra Spirit Teachings, citada em seguida, foi editada em português pela editora da FEB, sob o título Ensinos Espiritualistas (N.T.)
[19] Ou em português, na tradução que recebeu o título Ensinos Espiritualistas. (N.T.)
[20] Publiquei, no Rebus de 1887 (nº 1), um artigo intitulado “Minha entrevista com o Sr. Charles Richet”.
[21] É menos uma atração do que um estado cataléptico, como observei freqüentemente com minha mulher depois de uma sessão de Escrita.
[22] Membro da Sociedade de Geologia.
[23] O Sr. Barkas não tinha noções, absolutamente, acerca de música, como diz em outro lugar. (Médium, 1887, pág. 645).
[24] O juiz Edmonds gozava em seu tempo de uma nomeada considerável nos Estados Unidos por causa das elevadas funções que desempenhava, a princípio como presidente do Senado, depois como membro do Supremo Tribunal de Apelação de Nova York. Quando sua atenção foi atraída para o espiritualismo como devendo exercer uma influência sobre o movimento intelectual, ele o olhou com todo cepticismo e experiência do magistrado habituado a julgar do valor dos testemunhos humanos. Depois de um estudo consciencioso, teve a coragem de reconhecer não só a existência dos fatos, como ainda sua origem espiritual.
A surpresa e a indignação foram tão fortes que ele se demitiu imediatamente de suas funções de magistrado para poder colocar-se do lado do que era, segundo ele, a verdade. Seu testemunho deu ao espiritualismo americano um impulso vigoroso, e sempre foi de grande autoridade.
[25] Obra traduzida em língua portuguesa sob o título Fatos Espíritas, pela editora FEB. (N.T.)
[26] Por não possuirmos o tipo, representamos por um “h” a letra russa, mais ou menos semelhante a um “h” invertido (Nota da editora).
[27] O professor Boutleroff não tinha assistido a essas últimas sessões; é, pois, evidente que a sua presença na primeira não teve influência alguma na produção da epígrafe hebraica.
[28] Irmão falecido da médium que se comunicava em suas sessões.
[29] Esta narração apareceu a princípio no Bristol Journal, a 10 de outubro de 1863, depois foi reimpressa no Spiritual Magazine, número de novembro do mesmo ano, e desta vez com o nome do Dr. James Davey, médico da casa de saúde de Norwoord, perto de Bristol, o qual na primeira publicação era designado apenas por Dr. ...
[30] O que se convencionou modernamente chamar transe.
[31] De acordo com esta apóstrofe, vê-se que o Sr. Cook era Quaker.
[32] Proprietária no distrito de Kirsanow, tia do Sr. Nartzeff, habitando em sua casa.
[33] Médico municipal.
[34] Despenseira da Sra. Sleptzoff.
[35] Proprietário no distrito de Kirsanow.
[36] Semelhança que não encontra e nunca poderá encontrar uma explicação qualquer na fantasia sonambúlica
[37] A palavra animismo foi a princípio empregada por Stahl, se não me engano; em seu sistema médico, ele considera a alma (anima) como o princípio vital; o corpo é não somente a criação da alma, como ainda todas as suas funções vitais são executadas por esta última. Em nossos dias esse termo foi empregado por Taylor, em seu livro Cultura Primitiva, em um sentido amplo, para designar não somente a ciência que trata da alma (como de uma coisa essencial independente) e de suas diversas manifestações terrestres ou póstumas, mas também a doutrina referente a qualquer espécie de seres espirituais ou espíritos. Quanto a mim, adotei o termo animismo em sentido mais restrito e mui determinado. Na verdade, a palavra psiquismo teria podido preencher o mesmo fim que a palavra animismo, mas, uma vez aceita a palavra espiritismo, parece-me que é preferível formar as duas expressões com radicais latinos e adotar esses dois termos para designar essas duas categorias de fenômenos, absolutamente distintos quanto à sua fonte, se bem que tenham grande afinidade em sua manifestação exterior. Demais, o adjetivo psíquico serve hoje para traduzir as mais variadas idéias, freqüentemente muito vagas.
[38] Eu não confiava então na homeopatia e era de opinião que, nos casos graves, cumpria transportar qualquer doente à casa do médico da povoação
[39] Farei observar que sensação análoga de leveza e de bem-estar nota-se geralmente durante o sono magnético.
[40] Esses dois últimos exemplos acham-se também no artigo do Sr. A. (Oxon): Ação extracorpórea do espírito, publicado no Human Nature de 1876, págs. 106, 107.
[41] Phantasms of the Living, obra publicada em francês sob o título Alucinações Telepáticas, Paris, 1892.
[42] É uma antiga expressão que o povo ainda hoje emprega.
[43] Essas condições dão grande valor à experiência, pois, em regra, essa operação é executada pelo médium em pessoa.
[44] Essa carta em alemão apresenta o mesmo valor que a de Estela, escrita em francês.
[45] Eu cito esta particularidade propositadamente, porque pode servir de prova de autenticidade para as comunicações anteriores.
[46] Na sessão de que fala a Srta. B., ela reconheceu perfeitamente a forma materializada de seu amigo, que tinha a cabeça descoberta; ela estava muito perto dele e chegou a segurá-lo pela mão; durante esse tempo a luz estava propositadamente aumentada.
[47] Reproduzo esta passagem da carta da Sra. B. a título de prova complementar da autenticidade da escrita direta, obtida pela mediunidade de Eglinton, em vista da persistência da Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres em negá-lo.
[48] Não posso publicar o verdadeiro nome dessa senhora (nome pouco vulgar), mas posso dizer que é também o nome de uma flor favorita.
[49] Veja-se o caso extraordinário de “White-Chaple Murder” (Spiritualist, 1875, II, pág. 307).
[50] A esse propósito recordo-me de uma comunicação que recebi no decurso de minhas sessões íntimas; ela provinha de um amigo que me tinha sido caro e que se interessara muito pelo Espiritismo considerado como problema filosófico. Antes mesmo de dizer o seu nome, ditou esta frase em língua francesa: “Nascer é esquecer; morrer é saber.”
Quer seja uma citação ou um pensamento seu, estas poucas palavras encerram uma filosofia completa, tão bela quão profunda, e tenho toda a razão para acreditar que ela era completamente alheia aos cérebros dos dois médiuns presentes.
[51] Como todos os pormenores que se referem a este caso são preciosos, acrescentarei que se encontrarão ainda outros muito interessantes nos anos seguintes, do Spiritual Magazine; 1862, passim; 1864, pág. 328; 1865, pág. 456; 1866, pág. 34; 1867, pág. 54; e 1869, pág. 252. Falaremos destes últimos mais adiante.
[52] Benjamim Franklin, o célebre homem político e sábio físico americano, signatário do tratado da independência dos Estados Unidos e inventor do pára-raio; segundo as tradições espíritas, foi o iniciador do estabelecimento das comunicações regulares entre este mundo e o dos invisíveis e tomou parte ativa no desenvolvimento das diversas espécies de mediunidade, logo no começo do movimento espiritualista.
[53] A palavra “intuição” é tomada aqui no seu sentido filosófico, como tradução da palavra “anschauung” de Kant. (N.T.)
[54] Wundt chama a tudo isso “parvoíces”. Vede seu opúsculo Hipnotismo e sugestão.
[55] Compare-se o “Inconsciente” no ponto de vista da fisiologia e da teoria da descendência, 2ª edição, págs. 288-304, 356-358; Filosofia do Inconsciente, 9ª edição, t. II, pág. 362.