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Alexandre Aksakof
Animismo e Espiritismo
Animisme et Spiritisme
(trad. do russo por Berthold Sandow).
Paris
1906
Ensaio de um exame crítico dos fenômenos mediúnicos,
especialmente em relação às hipóteses da “força nervosa”,
da “alucinação” e do “inconsciente”, como resposta à obra
do Dr. Eduard von Hartmann, intitulada “O Espiritismo”.
Eugène Bodin
A Natureza
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Conteúdo resumido
Esta obra monumental foi escrita em resposta às idéias antiespíritas do famoso filósofo alemão Eduard von Hartmann. Segundo as próprias palavras de Aksakof, a obra teve como principal objetivo “preservar a doutrina espírita dos ataques sérios a que no futuro ficaria indubitavelmente exposta, desde que os fatos sobre os quais se baseia sejam admitidos pela Ciência”.
Aksakof rebate com argumentos insofismáveis as hipóteses da “força nervosa”, da “alucinação” e do “inconsciente”, tão manipuladas e repisadas pelos contestadores dos nossos dias.
Graças à análise conscienciosa e imparcial dos inúmeros casos expostos pelo autor, esta obra revela-se um valioso auxiliar no processo de distinção entre os fenômenos anímicos (produzidos pelo Espírito encarnado) e os fenômenos espíritas (produzidos pelo Espírito desencarnado).
Com toda justiça, Animismo e Espiritismo impôs-se como uma das mais importantes e completas obras escritas acerca do Espiritismo, do ponto de vista científico e filosófico.
Sumário
Prefácio da tradução francesa. 6
Resumo teórico das teorias antiespiríticas. 19
Capítulo I – Fenômenos de materialização
» Insuficiência, no ponto de vista dos fatos, da hipótese alucinatória emitida pelo Dr. Hartmann. 27
1. Materialização de objetos escapando à percepção pelos sentidos. Fotografia transcendente. 28
2. Materialização e desmaterialização de objetos acessíveis aos nossos sentidos 58
A. Materialização e desmaterialização de objetos inanimados. 61
B1 - Aparecimento de mãos visíveis e tangíveis. 70
B3 - Efeitos físicos duradouros. 71
b) Impressão de mãos materializadas. 72
c) Efeitos produzidos sobre a forma materializada (coloração, etc.) 77
d) Reprodução de formas materializadas por moldagens em gesso 79
e) Outros exemplos de moldagens de formas materializadas por meio da parafina. 86
1) O médium está isolado; o agente oculto fica invisível. 86
2) O médium está diante dos assistentes; o agente oculto conserva-se invisível. 95
3) O agente oculto é visível; o médium está isolado. 100
4) O fantasma e o médium são simultaneamente visíveis aos espectadores. 102
f) Fotografia de formas materializadas. 103
2) O médium é invisível; o fantasma é visível e reproduzido pela fotografia. 109
3) O médium e o fantasma são vistos ao mesmo tempo; apenas o último é fotografado. 112
4) O médium e o fantasma são ambos visíveis e fotografados ao mesmo tempo. 125
5) O médium e o fantasma são invisíveis; a fotografia produz-se às escuras. 138
B4 - Pesagem das formas materializadas. 140
» Insuficiência da teoria alucinatória do Dr. Hartmann no ponto de vista teórico 141
Capítulo II – Fenômenos físicos. 151
Capítulo III – Da natureza do agente inteligente que se manifesta nos fenômenos do Espiritismo
1. Manifestações que são contrárias à vontade do médium.. 161
2. Manifestações que são contrárias às convicções do médium.. 179
3. Manifestações contrárias ao caráter e aos sentimentos do médium 182
4. Comunicações cuja natureza está acima do nível intelectual do médium 183
5. Mediunidade das crianças de peito e das crianças muito novas. 194
6. Médiuns falando línguas que lhes são desconhecidas. 200
7. Diversos fenômenos de gênero misto-composto. 210
8. Comunicação de fatos desconhecidos do médium e dos assistentes 217
A. A visão às escuras e em lugares fechados. 217
B. Fatos conhecidos independentemente dos órgãos que servem habitualmente à percepção. 226
10. Transmissão de comunicações a grande distância. 253
11. Transporte de objetos a grandes distâncias. 256
Capítulo IV – A hipótese dos Espíritos
1. Animismo – Ação extracorpórea do homem vivo, como que formando a transição ao Espiritismo. 265
2. Espiritismo – Manifestação de um homem morto, como fase ulterior do animismo. 292
H. Identidade da personalidade de um morto atestada pela aparição de sua forma terrestre. 292
» As hipóteses espiríticas, segundo o Sr. Hartmann. 292
Prefácio da tradução francesa
Conforme um ajuste feito com o Sr. Alexandre Aksakof, conselheiro de Estado atual de S. M., o imperador da Rússia, assumi a responsabilidade de publicar em francês a sua obra tão conhecida no estrangeiro: Animismus und Spiritismus.
O filósofo bávaro Sr. Carl du Prel me recomendava esta obra como indispensável a qualquer investigador consciencioso; eu era do seu parecer.
Confiei a tradução da obra ao Sr. B. Sandow, nosso colaborador, em razão dos seus conhecimentos lingüísticos; acrescentarei que as provas definitivas foram submetidas à aprovação do autor.
Deixo ao tradutor a incumbência de apresentar ao público francês algumas considerações sobre Animismo e Espiritismo e sobre as origens deste volume.
O Editor: P.-G. Leymarie
* * *
A obra que apresentamos ao público não foi escrita com o intuito especial de defender a causa espírita, mas, sim, para preservar essa doutrina dos ataques sérios a que no futuro ficaria indubitavelmente exposta, desde que os fatos sobre os quais se baseia sejam admitidos pela Ciência.
A leitura deste livro produzirá certamente impressão profunda no espírito de todos aqueles que se preocupam com o problema da vida e meditam sobre os destinos humanos. Sem dúvida, os espíritas só encontrarão aqui a confirmação, cientificamente formulada, de suas crenças; os incrédulos, quer o sejam de caso pensado, quer repousem apenas no quietismo de um cepticismo indiferente, ao menos serão levados à dúvida, que resume, apesar de tudo, a suprema prudência no homem, quando este não tem, para sancionar as suas convicções, uma certeza absoluta.
A uma pena muito mais autorizada do que a minha caberia apresentar Animismo e Espiritismo aos leitores franceses. Mas nenhuma necessidade deste gênero se impõe, porque o nome do escritor basta para recomendar sua obra e, demais, o seu Prefácio justifica amplamente, perante todos os pensadores, a publicação do livro: expõe de maneira admirável a profissão de fé do autor e faz conhecer claramente o fim que ele se propôs. Nada mais se poderia acrescentar aí.
Meu papel deve, pois, limitar-se a mencionar rapidamente algumas particularidades referentes às origens deste trabalho.
Conforme se pode ver no frontispício do volume, foi este uma resposta à brochura que o bem conhecido filósofo alemão Eduard von Hartmann – continuador de Schopenhauer – publicou em 1885, sobre o Espiritismo.
A primeira edição original (alemã) de Animismus und Spritismus (Leipzig, 1890) [1] provocou da parte do Sr. Von Hartmann uma réplica intitulada “A hipótese dos Espíritos e seus fantasmas” (Berlim, 1891), na qual ele volta, com insistência, aos argumentos de que já se tinha servido. Desta vez foi o sábio Carl du Prel quem se encarregou de continuar, contra esse adversário tão temível, a polêmica que o Sr. Aksakof infelizmente não podia continuar, devido ao seu estado de saúde.
Nem a resposta do Dr. Carl du Prel nem as duas publicações do Sr. Von Hartmann foram até agora traduzidas para o francês; esta lacuna, porém, não diminuirá sensivelmente o interesse que o leitor atento há de encontrar nesta obra, notando-se que o autor nela reproduz “in extenso” os principais argumentos de seu adversário.
Resta-me dar algumas indicações sobre as fontes de que me servi para imprimir a esta tradução uma fidelidade tão escrupulosa quanto possível.
Traduzi do próprio texto alemão as numerosas citações extraídas do livro do Sr. Von Hartmann. As indicações se referem, pois, naturalmente à edição alemã, porquanto, como já o disse acima, nenhuma tradução francesa existe desse livro. A parte do texto primitivo de Animismo e Espiritismo, escrita em francês pelo autor, permitiu-me fixar na tradução uma terminologia já consagrada pelo próprio autor. No que respeita às alterações feitas na edição russa, que veio à luz em 1893, consultei cuidadosamente essa edição; quanto às citações de origem inglesa, não pude ter à vista todos os textos originais e vi-me assim obrigado, acerca de muitos deles, a limitar-me às traduções alemã e russa, as quais, apresso-me em dizê-lo, nada deixam a desejar.
Tenho necessidade, depois desta documentação, de solicitar a indulgência do leitor?
Conto que os meus esforços serão apreciados com retidão por aqueles que se interessam por estas questões de tão elevada importância.
Concluindo, não posso deixar de exprimir o meu mais vivo reconhecimento ao meu sábio amigo, o Dr. H., pelo precioso concurso que generosamente me prestou. Recorri aos seus conhecimentos para a tradução de diversos trechos de ordem científica e técnica, e posso dizer que sempre recebi dele pareceres tão esclarecidos quanto benevolentes.
Devo, finalmente, agradecer ao Sr. Leymarie haver-me confiado este trabalho tão delicado quanto interessante.
B. Sandow
Prefácio da edição alemã
Hoje, que afinal está pronta a minha resposta ao Sr. Hartmann, depois de quatro anos de trabalho realizado no meio de sofrimentos morais e físicos, não julgo inútil dar, às pessoas que lerem a minha obra, algumas palavras de explicação para guiá-las em sua leitura.
Alexandre Aksakof
O Sr. Hartmann, escrevendo a sua obra sobre o Espiritismo, imaginou, para explicar os seus fenômenos, uma teoria baseada unicamente na aceitação condicional de sua realidade, isto é, só os admitindo provisoriamente, com os caracteres que lhes são atribuídos nos anais do Espiritismo. Por conseguinte, o objetivo geral do meu trabalho não foi provar e defender a todo custo a realidade dos fatos mediúnicos, mas aduzir à sua explicação um método crítico, conforme as regras indicadas pelo Sr. Hartmann.
É, pois, um trabalho comparável à solução de uma equação algébrica cujas incógnitas só tivessem um valor convencionado.
O primeiro capítulo, que trata das materializações, é o único que se distingue, sob este ponto de vista, do resto da obra, porque aqui o Sr. Hartmann, admitindo completamente a realidade subjetiva ou psíquica do fenômeno, considerado por ele como uma alucinação, tinha exigido, para a aceitação de sua realidade objetiva, certas condições de experimentação, às quais eu tratei de satisfazer.
Assim, pois, não tenho que tomar a defesa dos fatos nem perante os espíritas, que não duvidam deles, nem perante os que negam a priori, porque se trata aqui, não de discuti-los, mas de procurar a sua explicação.
É indispensável que esse estado de coisas seja fixado desde já, a fim de que as pessoas não-espíritas, que pensarem em criticar-me, não sigam caminho falso, obstinando-se como de ordinário em afirmar a impossibilidade, a inverossimilhança, a fraude inconsciente ou consciente, etc.
Quanto às críticas que tiverem por fim pôr em relevo os erros de aplicação do método, elas serão bem-vindas para mim.
Dito isso uma vez por todas, precisarei que o fim especial de meu trabalho foi investigar se os princípios metodológicos propostos pelo Sr. Hartmann bastam, como ele afirma, para dominar o conjunto dos fenômenos mediúnicos e para dar deles uma “explicação natural” – segundo a sua expressão –, que seja ao mesmo tempo simples e racional. Melhor ainda: as hipóteses explicativas do Sr. Hartmann, uma vez admitidas, excluem verdadeiramente toda a necessidade de recorrer à hipótese espirítica?
Ora, as hipóteses propostas pelo Sr. Hartmann são bastante arbitrárias, ousadas, vastas; por exemplo:
· uma força nervosa que produz, fora do corpo humano, efeitos mecânicos e plásticos;
· alucinações duplas dessa mesma força nervosa, produzindo igualmente efeitos físicos e plásticos;
· uma consciência sonambúlica latente que é capaz – achando-se o indivíduo no estado normal – de ler, no fundo intelectual de outro homem, o seu presente e o seu passado;
· e, finalmente, essa mesma consciência dispondo, também, no estado normal do indivíduo, de uma faculdade de clarividência que o põe em relação com o Absoluto e lhe dá, por conseguinte, o conhecimento de tudo o que existe e existiu.
É preciso convir que com fatores tão poderosos, o último dos quais é positivamente “sobrenatural” ou “metafísico” – no que o Sr. Hartmann está de acordo –, toda a discussão se torna impossível. Mas é preciso fazer ao Sr. Hartmann esta justiça: ele mesmo tentou fixar as condições e os limites dentro dos quais cada uma destas hipóteses é aplicável.
A minha tarefa era, pois, indagar se não há fenômenos em que as hipóteses do Sr. Hartmann são impotentes para explicar – nos limites ou condições em que elas são aplicáveis segundo suas próprias regras.
Afirmando a existência de tais fenômenos, sustentei bem a minha tese? Não compete a mim pronunciar-me sobre esse ponto.
* * *
Interesso-me pelo movimento espírita desde 1855, e desde então não deixei de estudá-lo em todas as suas particularidades e através de todas as literaturas. Durante muito tempo aceitei os fatos apoiado no testemunho alheio; foi só em 1870 que assisti à primeira sessão, em um círculo íntimo que eu tinha organizado. Não fiquei surpreendido de verificar que os fatos eram realmente tais quais me tinham sido referidos por outros; adquiri a convicção profunda de que eles nos ofereciam – como tudo o que existe na Natureza – uma base verdadeiramente sólida, um terreno firme para a fundação de uma ciência nova que seria talvez capaz, em futuro remoto, de fornecer ao homem a solução do problema da sua existência. Fiz tudo o que estava ao meu alcance para tornar os fatos conhecidos e atrair sobre o seu estudo a atenção dos pensadores isentos de preconceitos.
Mas, enquanto me entregava a esse trabalho exterior, um trabalho interior se realizava.
Acredito que todo observador sensato, desde que começa a estudar esses fenômenos, fica impressionado por estes dois fatos incontestáveis: o automatismo evidente das comunicações espiríticas e a falsidade arrogante, e do mesmo modo evidente, do seu conteúdo; os nomes ilustres com que elas são freqüentemente assinadas constituem a melhor prova de que essas comunicações não são o que pretendem; o mesmo sucede relativamente aos fenômenos físicos simples; é do mesmo modo evidente que eles se produzem sem a menor participação consciente do médium, e nada, à primeira vista, justifica a suposição de uma intervenção dos “espíritos”. E só mais tarde, quando certos fenômenos de ordem intelectual nos obrigam a reconhecer uma força inteligente extramediúnica, é que esquecemos as primeiras impressões e encaramos com mais indulgência a teoria espirítica em geral.
Os materiais que eu tinha acumulado, quer pela leitura, quer pela experiência prática, eram consideráveis, mas a solução do problema não vinha. Pelo contrário, passando os anos, os lados fracos do Espiritismo tornavam-se cada vez mais visíveis: a banalidade das comunicações, a pobreza de seu conteúdo intelectual, ainda quando elas não são banais, o caráter mistificador e falso da maioria das manifestações, a inconstância dos fenômenos físicos, quando se trata de submetê-los à experiência positiva, a credulidade, a preocupação, o entusiasmo irrefletido dos espíritas e dos espiritualistas, finalmente a fraude que fez erupção com as sessões às escuras e com as materializações – que eu conheço não só pela leitura, mas que fui coagido a verificar por minha própria experiência nas relações com os médiuns profissionais de maior nomeada –, em suma, uma multidão de dúvidas, objeções, contradições e perplexidades de toda espécie, só concorriam para agravar as dificuldades do problema.
As impressões de momento, os argumentos que nos vêm assaltar, fazem passar o espírito de um a outro extremo e o lançam na dúvida e na aversão mais profunda. Deixando-nos deslizar sobre esse plano-inclinado, acabamos freqüentemente por esquecer o pro, para não ver senão o contra. Muitas vezes, ocupando-me com essa questão, o meu espírito deteve-se sobre as grandes ilusões pelas quais a humanidade passou em sua evolução intelectual; recapitulando todas as teorias errôneas, desde a da imobilidade da Terra e da marcha do sol, até as hipóteses admitidas pelas ciências abstratas e positivas, perguntei a mim mesmo se o Espiritismo não estava destinado a ser uma dessas ilusões. Entregando-me a essas impressões desfavoráveis, facilmente me teria desanimado, mas eu tinha para me sustentar considerações mais elevadas e uma série de fatos incontestáveis que tinham, para advogar a sua causa, um defensor onipotente: a própria Natureza.
Eu desejava, havia já muito tempo, orientar-me nesse conjunto de fatos, de observações e de idéias; pelo que fico muito reconhecido ao Sr. Hartmann por ter tomado a resolução de nos dar a sua crítica sobre o Espiritismo; ele coagiu-me a entregar-me ao trabalho e, ao mesmo tempo, me auxiliou muito, fornecendo-me o plano, o método necessário para dirigir-me nesse caos.
Dediquei-me ao trabalho com tanto melhor vontade, por isso que as armas criadas pelo Sr. Hartmann para o ataque foram muito poderosas, onipotentes mesmo: ele próprio não disse que sob o golpe dessas armas nenhuma teoria espírita resistiria?
O seu distinto tradutor inglês, o Sr. C. C. Massey, admite também que essa obra é o golpe mais forte que foi vibrado conta o Espiritismo. E, como um fato proposital, a obra do Sr. Hartmann apareceu justamente no momento em que a disposição céptica do meu espírito se tornava preponderante.
Se, por conseguinte, depois de atento exame de todos os fenômenos mediúnicos, eu tivesse verificado que as hipóteses do Sr. Hartmann podiam abranger a todos, dando-lhes uma explicação simples e racional, não teria hesitado em abjurar completamente a hipótese espirítica. A verdade subjuga.
Só pude orientar-me nesse dédalo de fatos com o auxílio de um índice sistemático, composto à proporção das minhas leituras; grupando-os sob diferentes categorias, gêneros e subgêneros, segundo o valor de seu conteúdo e as condições de sua produção, chegamos (por via de eliminação ou por gradação) dos fatos simples a fatos mais complexos, necessitando de uma nova hipótese.
As obras espiríticas, e principalmente os jornais, carecem completamente de índice sistemático. Por exemplo: o que o Sr. Blackburn acaba de publicar, para todos os anos do Spiritualist, não pode ser de utilidade alguma para um estudo crítico. Meu trabalho será o primeiro ensaio desse gênero e espero que ele possa servir pelo menos de manual ou de guia para a composição dos índices sistemáticos dos fenômenos mediúnicos, índices indispensáveis para o estabelecimento e verificação de todo o método crítico, aplicado ao exame e à explicação desses fatos.
O grupamento dos fenômenos e sua subordinação, eis o verdadeiro método que deu tão grandes resultados no estudo dos fenômenos do mundo visível, e que dará não menos importantes quando for aplicado ao estudo dos fenômenos do mundo invisível ou psíquico.
O que proporcionou ao Espiritismo um acolhimento tão pouco razoável e tão pouco tolerante foi que, desde a sua invasão na Europa sob sua forma mais elementar, as mesas girantes e falantes, o conjunto de todos os seus fenômenos foi imediatamente atribuído, pela massa, aos “espíritos”.
Esse erro era, entretanto, inevitável e, por conseguinte, desculpável em presença de fatos de natureza a encher de admiração as testemunhas entregues às suas próprias conjecturas. Por sua vez, os adversários do Espiritismo caíam no extremo oposto, nada querendo saber dos “espíritos” e negando tudo. Aqui, como sempre, a verdade se encontra entre os dois.
Para mim a luz só começou a despontar no dia em que o meu índice me forçou a introduzir a categoria do Animismo, isto é, quando o estudo atento dos fatos me obrigou a admitir que todos os fenômenos mediúnicos, quanto ao seu tipo, podem ser produzidos por uma ação inconsciente do homem vivo – conclusão que não repousava sobre uma simples hipótese ou sobre uma afirmação gratuita, mas sobre o testemunho irrecusável dos próprios fatos –, donde esta conseqüência, que a atividade psíquica inconsciente do nosso ser não é limitada à periferia do corpo e não apresenta um caráter exclusivamente psíquico, mas pode também transpor os limites do corpo, produzindo efeitos físicos e mesmo plásticos; por conseguinte, essa atividade pode ser intracorpórea ou extracorpórea.
Essa última oferece um campo de exploração inteiramente novo, cheio de fatos maravilhosos, geralmente considerados como sobrenaturais; é esse domínio, tão imenso, senão mais, do que o do Espiritismo, que designei sob o nome de Animismo, a fim de distingui-lo daquele de uma maneira categórica.
É extremamente importante reconhecer e estudar a existência e a atividade desse elemento inconsciente da nossa natureza, nas suas mais variadas e mais extraordinárias manifestações como as vemos no Animismo. Só tomando esse ponto de partida é possível dar uma razão de ser aos fenômenos e às pretensões do Espiritismo, pois que, se alguma coisa sobrevive ao corpo e persiste, é precisamente o nosso inconsciente, ou melhor, essa consciência interior que não conhecemos presentemente, mas que constitui o elemento primordial de toda individualidade.
Dessa maneira, temos à nossa disposição não uma, porém três hipóteses suscetíveis de fornecer a explicação dos fenômenos mediúnicos, hipóteses que têm, cada uma delas, a sua razão de ser para a interpretação de uma série de fatos determinados; por conseguinte, podemos classificar todos os fenômenos mediúnicos em três grandes categorias que se poderiam designar da maneira seguinte:
1º: Personismo – Fenômenos psíquicos inconscientes, produzindo-se nos limites da esfera corpórea do médium, ou intermediúnicos, cujo caráter distintivo é, principalmente, a personificação, isto é, a apropriação (ou adoção) do nome e muitas vezes do caráter de uma personalidade estranha à do médium. Tais são os fenômenos elementares do mediunismo: a mesa falante, a escrita e a palavra inconsciente. Temos aqui a primeira e mais simples manifestação do desdobramento da consciência, esse fenômeno fundamental do mediunismo. Os fatos dessa categoria nos revelam o grande fenômeno da dualidade do ser psíquico, da não identidade do “eu” individual, interior, inconsciente, com o “eu” pessoal, exterior e consciente; eles nos provam que a totalidade do ser psíquico, seu centro de gravidade, não está no “eu” pessoal; que este último não é mais do que a manifestação fenomênica do “eu” individual (numenal); que, por conseguinte, os elementos dessa fenomenalidade (necessariamente pessoais) podem ter um caráter múltiplo – normal, anormal ou fictício –, segundo as condições do organismo (sono natural, sonambulismo, mediunismo). Esta categoria dá razão às teorias da “cerebração inconsciente” de Carpenter, do “sonambulismo inconsciente ou latente” do Sr. Hartmann, do “automatismo psíquico” dos Srs. Myers, Janet e outros.
Por sua etimologia, a palavra pessoa seria inteiramente apta para justificar o sentido que convém dar à palavra personismo. No latim persona se referia antigamente à máscara que os atores colocavam no rosto para representar a comédia, e mais tarde se designou por esta palavra o próprio ator.
2º: Animismo – Fenômenos psíquicos inconscientes se produzidos fora dos limites da esfera corpórea do médium, ou extramediúnicos (transmissão do pensamento, telepatia, telecinesia, movimentos de objetos sem contato, materialização). Temos aqui a manifestação culminante do desdobramento psíquico; os elementos da personalidade transpõem os limites do corpo e manifestam-se, a distância, por efeitos não somente psíquicos, porém ainda físicos e mesmo plásticos, e indo até à plena exteriorização ou objetivação, provando por esse meio que um elemento psíquico pode ser, não somente um simples fenômeno de consciência, mas ainda um centro de força substancial pensante e organizador, podendo também, por conseguinte, organizar temporariamente um simulacro de órgão, visível ou invisível, e produzindo efeitos físicos.
A palavra alma (anima), com o sentido que tem geralmente no Espiritismo e no Espiritualismo, justifica plenamente o emprego da palavra animismo. Segundo a noção espirítica, a alma não é o “eu” individual (que pertence ao Espírito), porém o envoltório, o corpo fluídico ou espiritual desse “eu”. Por conseguinte, nós teríamos, nos fenômenos anímicos, manifestações da alma, como entidade substancial, o que explicaria o fato de essas manifestações poderem revestir também um caráter físico ou plástico, segundo o grau de desagregação do corpo fluídico ou do “perispírito”, ou ainda do “metaorganismo”, segundo a expressão de Hellenbach. E, como a personalidade é o resultado direto do nosso organismo terrestre, segue-se daí naturalmente que os elementos anímicos (pertencentes ao organismo espiritual) são também os portadores da personalidade.
3º: Espiritismo – Fenômenos de personismo e de animismo na aparência, porém que reconhecem uma causa extramediúnica, supraterrestre, isto é, fora da esfera da nossa existência. Temos aqui a manifestação terrestre do “eu” individual por meio daqueles elementos da personalidade que tiveram a força de manter-se em roda do centro individual, depois de sua separação do corpo, e que se podem manifestar pela mediunidade ou pela associação com os elementos psíquicos homogêneos de um ser vivo. Isso faz que os fenômenos do Espiritismo, quanto ao seu modo de manifestação, sejam semelhantes aos do personismo e do animismo, e não se distingam deles a não ser pelo conteúdo intelectual que trai uma personalidade independente.
Uma vez admitidos os fatos desta última categoria, claro é que a hipótese que daí resulta pode igualmente ser aplicada aos fatos das duas primeiras categorias; ela não é mais do que o desenvolvimento ulterior das hipóteses precedentes. A única dificuldade que se apresenta é que, muitas vezes, as três hipóteses podem servir com o mesmo fundamento para a explicação de um só e mesmo fato. Assim, um simples fenômeno de personismo poderia também ser um caso de animismo ou de Espiritismo. O problema é, pois, decidir a qual dessas hipóteses é preciso atender, pois que se enganaria quem pensasse que uma só é bastante para dominar todos os fatos. A crítica proíbe ir além da que basta para a explicação do caso submetido à análise.[2]
Assim, pois, o grande erro dos partidários do Espiritismo é ter querido atribuir todos os fenômenos, geralmente conhecidos sob esse nome, aos “espíritos”. Este nome, por si só, basta para nos insinuar em um mau caminho. Ele deve ser substituído por um outro, por um termo genérico, não envolvendo hipótese alguma, doutrina alguma, como por exemplo a palavra mediunismo, denominação que desde muito tempo introduzimos na Rússia.
Toda verdade nova, no domínio das ciências naturais, faz seu caminho lentamente, gradualmente, porém seguramente. Foram precisos cem anos para fazer aceitar os fatos do magnetismo animal, posto que eles sejam muito mais fáceis de obter e de estudar do que os do mediunismo. Depois de muitas vicissitudes, eles romperam finalmente as barreiras altivas do “ignorabimus” dos sábios; a Ciência teve que lhes fazer bom acolhimento e acabou por adotar esse filho bem legítimo, batizando-o com o nome de hipnotismo. É verdade que essa ciência nova mantém-se principalmente em suas formas elementares, sobre o terreno fisiológico. Mas a sugestão verbal conduzirá fatalmente à sugestão mental e já se elevam vozes que o afirmam.
É o primeiro passo no caminho do supra-sensível. Chegar-se-á, mui natural e inevitavelmente, a reconhecer o imenso domínio dos fenômenos telepáticos, e um grupo de sábios intrépidos e infatigáveis já os estudaram, aceitaram e classificaram. Esses fatos têm um alto valor para a explicação e legitimação dos outros fatos, quer anímicos, quer espiríticos. Ainda um pouco, e eis-nos chegados aos fatos de clarividência – eles já batem nas portas do santuário!
O hipnotismo é a cunha que forçará as barreiras materialistas da Ciência, para fazer penetrar nelas o elemento supra-sensível ou metafísico. Ele já criou a psicologia experimental,[3] que acabará fatalmente por compreender os fatos do Animismo e do Espiritismo, os quais, por sua vez, terminarão na criação da metafísica experimental como o predisse Schopenhauer.
Hoje, graças às experiências hipnóticas, a noção da personalidade sofre uma completa revolução. Não é mais uma unidade consciente, simples e permanente, como o afirmava a antiga escola, porém uma “coordenação psicológica”, um conjunto coerente, um consenso, uma síntese, uma associação dos fenômenos da consciência, enfim, um agregado de elementos psíquicos; por conseguinte, uma parte desses elementos pode, em certas condições, se dissociar, se destacar do núcleo central, a tal ponto que esses elementos tomem pro tempore o caráter de uma personalidade independente. Eis uma explicação provisória das variações e dos desdobramentos da personalidade, observados no sonambulismo e no hipnotismo.
Nessa explicação já divisamos o gérmen de uma hipótese plausível para os fenômenos do mediunismo, e efetivamente começa-se a aplicá-lo aos fenômenos elementares, que os senhores sábios condescendem em reconhecer presentemente sob o nome de “automatismo psicológico” (ver os Srs. Myers, Charles Richet, P. Janet).
Se a Ciência não tivesse desprezado os fatos do magnetismo animal, desde o começo, os seus estudos sobre a personalidade teriam dado um passo imenso e teriam entrado no domínio do saber comum; o vulgo se teria então comportado de modo diferente a respeito do Espiritismo, e a Ciência não teria tardado em ver, nesses fenômenos superiores, um novo desenvolvimento da desagregação psicológica, e essa hipótese com certos desenvolvimentos teria podido também aplicar-se até a todos os outros gêneros de fenômenos mediúnicos; assim, nos fenômenos superiores de ordem física (movimentos de objetos sem contato, etc.), ela teria visto um fenômeno de desagregação de efeito físico, e nos fatos de materialização um fenômeno de desagregação de efeito plástico.
Um médium, conforme essa terminologia, seria um indivíduo no qual o estado de desagregação psicológica sobrevém facilmente, no qual, para empregar a expressão do Sr. Janet, “o poder de síntese psíquica fica enfraquecido e deixa escapar-se, para fora da percepção pessoal, um número mais ou menos considerável de fenômenos psicológicos”.[4]
Como o hipnotismo é em nossos dias um instrumento por meio do qual certos fenômenos de automatismo psicológico (de dissociação dos fenômenos da consciência, ou de desagregação mental) podem ser obtidos à vontade e submetidos à experimentação, com o mesmo fundamento não hesitamos em afirmar que o hipnotismo tornar-se-á em breve um instrumento por meio do qual quase todos os fenômenos do Animismo poderão ser submetidos a uma experimentação positiva, obedecendo à vontade do homem; a sugestão será o instrumento por meio do qual a desagregação psíquica transporá os limites do corpo e produzirá efeitos físicos à vontade.[5]
Será também o primeiro passo para a produção à vontade de um efeito plástico, e o fenômeno conhecido em nossos dias sob o nome de “materialização” receberá o seu batismo científico. Tudo isso importa necessariamente na modificação das doutrinas psicológicas e as conduzirá ao ponto de vista monístico, segundo o qual cada elemento psíquico é portador não só de uma forma de consciência, como ainda de uma força organizadora.[6]
Dissecando a personalidade, a experimentação psicológica chegará a encontrar a individualidade, que é o núcleo transcendente das forças indissociáveis, em torno do qual vêm grupar-se os elementos múltiplos e dissociáveis que constituem a personalidade. É então que o Espiritismo fará valer os seus direitos. Somente ele pôde provar a existência e a persistência metafísica do indivíduo. E chegará o tempo em que, no ápice da possante pirâmide que a Ciência há de elevar com os inumeráveis materiais reunidos no domínio dos fatos não menos positivos quão transcendentes, ver-se-ão brilhar, acesos pelas mãos da própria Ciência, os fogos sagrados da imortalidade.
* * *
Em último lugar, resta-me fazer apelo à indulgência dos meus leitores. Terminado o meu trabalho, vejo os seus defeitos melhor do que qualquer outra pessoa. Desejando não adiar a minha resposta ao Sr. Hartmann até a conclusão completa do meu trabalho, isto é, até uma época indeterminada, comecei a publicá-lo imediatamente nos Psychische Studien por meio de artigos mensais, o que necessita sempre uma certa pressa e torna impossível a revisão de um capítulo em seu conjunto e, a fortiori, de todo o trabalho. Resultou daí uma certa desproporção das partes e defeitos na exposição, nas definições, etc., contra os quais me choco atualmente. Certos capítulos são muito longos e minuciosos, outros muito breves, sem falar nas repetições da argumentação.
É assim que lamento não ter dado, no capítulo consagrado à fotografia transcendente, o texto completo das experiências de Beattie, que considero muito importantes. Não fiz senão referir-me aos Psychische Studien. Para minha tradução russa, retoquei toda essa parte da obra, e é essa última que serve de base à edição francesa. Por outro lado, lamento, pelo contrário, ter dado muito desenvolvimento, no capítulo das materializações, às experiências de moldagem e de fotografia, em vez de manter-me nos fatos que correspondiam diretamente às exigências do Sr. Hartmann; não vale a pena perder tanto tempo em simples questão de fatos cuja realidade objetiva não ocasiona dúvida alguma para os que tiveram ocasião de observá-los, e que não tardarão em adquirir direito de cidadania com o conjunto dos fenômenos mediúnicos; finalmente, a sua importância teórica é apenas de segunda ordem.
Lamento também não ter podido dar ao capítulo Animismo, que é a parte essencial para a justificação do Espiritismo, um desenvolvimento mais sistemático e mais completo.
A grande dificuldade para mim foi a escolha dos fatos. Insisti sobre este ponto no começo do meu prefácio, e volto a ele, terminando-o. Disse com razão que o fim da minha obra não é tomar a defesa dos fatos, e é verdade, quando me coloco no ponto de vista do Sr. Hartmann; mas confesso que tinha também diante dos olhos um objetivo mais geral e que procurei sempre apresentar os fatos que correspondessem melhor às exigências da crítica, pelas próprias condições de sua produção. Está aí o ponto vulnerável; pois que nenhuma condição, nenhuma medida de precaução que se tome, é bastante para convencer da realidade de um fato, enquanto esse fato é considerado uma impossibilidade pela opinião pública. E depois a possibilidade da fraude – consciente ou inconsciente –, possibilidade que se pode sempre admitir e cuja ausência não se pode provar, vem ainda agravar a dificuldade. Os fenômenos intelectuais oferecem, sob esse ponto de vista, um campo de estudo menos ingrato, pois que apresentam muitas vezes provas intrínsecas de sua autenticidade, que nenhum recurso à fraude está no caso de dar, a menos que se conclua pela hipótese de uma mentira universal. A refutação dessa hipótese está fora de todo o poder humano.
Por conseguinte, a fé moral é aqui, como em qualquer outro estudo humano, a base indispensável do progresso para a Verdade.
Não pude fazer outra coisa mais do que afirmar publicamente o que vi, ouvi ou senti; e quando centenas, milhares de pessoas afirmam a mesma coisa, quanto ao gênero do fenômeno, apesar da variedade infinita das particularidades, a fé no tipo do fenômeno se impõe.
Assim, não virei afirmar com insistência que cada fato que relatei se produziu exatamente, tal qual ele está descrito – pois que não há caso que não possa prestar-se à objeção –, porém insisto no gênero do fato, eis o essencial. Sei que ele existe, e isso me é bastante para admitir as suas variedades. Vede os fatos de telepatia provados e colecionados com tanto cuidado e zelo pelos trabalhadores infatigáveis da Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres. Eles convenceram a massa? Absolutamente não, e ainda menos a Ciência. Ser-lhes-á preciso tempo, como o foi para o hipnotismo; e, para os fatos de que tratei neste livro, será preciso mais tempo ainda.
Até então apenas se plantarão ao longo do caminho estacas, que um futuro, talvez não muito remoto, substituirá por colunas de granito.
Ainda uma palavra: no declínio da minha existência, pergunto às vezes a mim mesmo se procedi bem em consagrar tanto tempo, trabalho e recursos ao estudo e propaganda de todos esses fenômenos. Não tomei caminho errado? Não persegui uma ilusão? Não sacrifiquei uma existência inteira sem que nada justificasse ou retribuísse os incômodos que me impus?
Mas sempre julgo ouvir a mesma resposta: para o emprego de uma existência terrestre, não pode haver objetivo mais elevado do que procurar provar a natureza transcendente do ser humano, chamado a um destino muito mais sublime do que a existência fenomênica!
Não posso, pois, lamentar ter consagrado toda a minha vida à aquisição desse objetivo, se bem que por caminhos impopulares e ilusórios, segundo a ciência ortodoxa, mas que eu sei que são mais infalíveis do que essa ciência. E, se consegui, de minha parte, trazer ainda que uma só pedra à edificação do templo do Espírito – que a humanidade, fiel à voz interior, constrói através dos séculos com tanto labor –, será para mim a única e mais alta recompensa a que posso aspirar.
S. Petersburgo, 3-15 de fevereiro de 1890.
Alexandre Aksakof
Introdução
A publicação da obra do Sr. Hartmann, sobre o Espiritismo, causou-me a mais viva satisfação. O meu mais sincero desejo foi sempre que um eminente filósofo não pertencente ao campo espírita se ocupasse dessa questão de uma maneira absolutamente séria, depois de ter adquirido um conhecimento aprofundado de todos os fatos atinentes ao assunto; desejava que ele os submetesse a um exame rigoroso, sem levar em conta as idéias modernas, os princípios morais e religiosos que nos governam; esse exame devia pertencer à lógica pura, baseada na ciência psicológica.
Caso ele chegasse à conclusão de que a hipótese proposta pelo Espiritismo era ilógica, eu desejaria que ele me indicasse as razões, o porquê disso e qual seria, a seu ver, a hipótese que corresponderia melhor às exigências da ciência contemporânea.
Sob esse ponto de vista, a obra do Sr. Hartmann constitui uma obra de mestre e apresenta a mais elevada importância para o Espiritismo.
Em nosso jornal hebdomadário, o Rebus, que se publica em São Petersburgo, anunciei o aparecimento dessa obra em um artigo intitulado: Um acontecimento no mundo do Espiritismo, artigo no qual eu disse, entre outras coisas:
“O livro do Sr. von Hartmann é para os espíritas um guia que os porá em condições de estudar uma questão dessa natureza e de formar uma idéia do cuidado com o qual devem conduzir as suas experiências, e da circunspecção de que devem usar tirando suas conclusões para afrontar com confiança a crítica da ciência contemporânea”.
Imediatamente propus ao Rebus publicar a tradução daquela obra, como o tinha feito o jornal Light, de Londres; atualmente o livro do Sr. Hartmann apareceu ao mesmo tempo no Rebus e em volume separado.
Podemos, pois, esperar que com o concurso de um pensador, tal qual o Sr. Hartmann (temos todo o fundamento em acreditar que, no futuro, ele não nos recusará o auxílio das suas luzes), essa questão, cuja incomensurável importância para o estudo do homem começa a aparecer, será finalmente posta na ordem do dia, há de impor e provocar a apreciação a que tem direito.
Todos os meus esforços na Alemanha (país que consideramos ocupar o primeiro lugar no estudo das questões filosóficas) tiveram por fim atrair para o Espiritismo a atenção imparcial dos seus sábios, na esperança de obter o seu apoio e as indicações necessárias para continuar o estudo racional dessa questão.
A Alemanha oferecia, para a investigação e discussão de tal assunto, o terreno livre que eu não podia encontrar na Rússia de vinte anos passados; procedi da maneira seguinte: publiquei em tradução alemã os materiais mais importantes colhidos na literatura inglesa, sobre esse assunto; em seguida, a contar do ano de 1874, editei, em Lípsia, um jornal mensal Psychische Studien, que tinha como missão popularizar esses escritos. Os meus esforços foram acolhidos por violenta oposição; os sábios alemães em sua maioria não queriam absolutamente tratar dessa questão julgada indigna; negavam os fatos, condenavam a teoria, e isso apesar da atitude animadora de muitos escritores célebres, tais como: Emmanuel Fichte, Franz Hoffman, Maximiliano Perty e outros que me prestaram o seu apoio, quer pela palavra, quer pela ação, publicando artigos no meu jornal. A entrada do Sr. Zöllner em cena deu uma nova direção à controvérsia. Os materiais que eu tinha preparado para a comissão espírita, nomeada em 1875 pela Universidade de São Petersburgo, materiais que importavam na demonstração ad oculos de fatos tangíveis, na pessoa do Dr. Slade, e que não foram utilizados pela dita comissão, que tinha pressa em dissolver-se, não tardaram, entretanto, em produzir seus frutos na Alemanha.
Quando o professor Zöllner, devido ao êxito das suas experiências com Slade, quis adquirir um conhecimento mais amplo nessa matéria, encontrou, com satisfação, tudo o que lhe era necessário nas minhas diversas publicações. Por mais de uma vez ele me testemunhou a sua gratidão, e a verificação que ele fez da realidade dos fenômenos mediúnicos produziu na Alemanha uma sensação imensa.
Logo depois apareceram as obras do Barão Hellenbach, que foi, na Alemanha, o primeiro pesquisador independente nessa ordem de fenômenos. Ele foi em breve seguido nesse caminho por um outro pensador distinto, o Dr. Carl du Prel. Ademais, depois de Zöllner, a questão espírita tinha engendrado na Alemanha uma literatura completa.
Ao mesmo tempo, as demonstrações públicas do magnetizador-hipnotizador Hansen produziram uma revolução no domínio do magnetismo animal. Esses fenômenos, negados e difamados sistematicamente durante um século, foram finalmente coligidos pela Ciência; as maravilhas do hipnotismo, reconhecidos hoje em toda a sua realidade, preparam o caminho que deve conduzir à aceitação das maravilhas mediúnicas.
Talvez seja mesmo devido a esse concurso de circunstâncias que devemos o aparecimento do livro de Hartmann, porque é precisamente sobre a teoria da sugestão mental em geral e da sugestão das alucinações em particular que esse filósofo baseou uma parte essencial da sua hipótese.
Aqui também, o meu humilde trabalho preparatório prestou notáveis serviços, porque foi na maior parte em minhas publicações alemãs e no meu jornal Psychische Studien que Hartmann tirou os fatos que lhe serviram para formular o seu juízo sobre a questão espírita. Ele me deu mesmo a honra de recomendar o meu jornal como particularmente útil para o estudo desse assunto.
Finalmente, desde o momento em que Hartmann insiste sobre a necessidade de submeter os fenômenos mediúnicos a um exame científico e pede que o Governo nomeie para esse fim comissões científicas, posso com toda a confiança considerar a minha atividade na Alemanha como tendo atingido em cheio o seu alvo; tenho todas as razões de acreditar que, desde o momento em que uma voz tão autorizada se fez ouvir para proclamar a necessidade de semelhante investigação, a questão espírita fará sozinha o seu caminho na Alemanha. Por conseguinte é preciso que eu me retire para consagrar o resto das minhas forças à continuação da minha obra na Rússia.
Entretanto, antes de retirar-me, seria talvez útil que expusesse aos leitores do meu jornal as razões que não me permitem aceitar sem reservas as hipóteses e as conclusões do Sr. Hartmann, as quais devem ser de uma autoridade muito grande, não somente para a Alemanha, mas ainda para o mundo filosófico inteiro. O motivo que me leva a isso não provém, de maneira alguma, do fato de o Sr. Hartmann se ter pronunciado decididamente contra a hipótese espírita; por ora, considero o lado teórico como colocado em segundo plano, como de importância secundária e até prematura, no ponto de vista estritamente científico; finalmente, o próprio Sr. Hartmann o reconhece quando diz:
“Os materiais de que dispomos não são suficientes para considerar essa questão como amadurecida para a discussão.” (Der Spiritismus, pág. 14).
O meu programa foi sempre prosseguir antes de tudo na pesquisa dos fatos, para estabelecer a sua realidade, seguir o seu desenvolvimento e estudá-los, na qualidade de fatos, em toda a sua prodigiosa variedade. Na minha opinião, passar-se-á por muitas hipóteses antes de chegar a uma teoria suscetível de ser universalmente adotada como a única verdadeira, enquanto que os fatos, uma vez bem estabelecidos, ficarão adquiridos para sempre. Enunciei essa opinião há cerca de vinte anos, publicando uma tradução russa da obra do Dr. Hare (Pesquisas experimentais sobre as manifestações dos Espíritos), nesses termos:
“A teoria e os fatos são duas coisas distintas; os erros da primeira nunca poderão destruir a força destes últimos, etc.” (Ed. alemã, pág. LVIII).
No meu prefácio à edição russa de William Crookes, escrevia ainda:
“Quando o estudo dessa questão fizer parte do domínio da Ciência, passará por muitas fases que corresponderão aos resultados obtidos: 1º- verificação dos fatos espiritualistas; 2º- verificação da existência de uma força desconhecida; 3º- verificação da existência de uma força inteligente desconhecida; 4º- pesquisa da fonte dessa força, a saber: acha-se ela dentro ou fora do homem? é subjetiva ou objetiva? A solução desse problema constituirá a prova definitiva, o experimentum crucis dessa questão; a Ciência será então chamada a pronunciar o mais solene veredicto que jamais foi pedido à sua competência. Se esse juízo for afirmativo para a segunda alternativa, isto é, se ele decidir que a força em questão dimana de uma fonte fora do homem, então começará o quinto ato, uma imensa revolução na Ciência e na Religião.” (Ed. alemã, pág. XI-XIII).
Onde nos achamos atualmente? Podemos afirmar que estamos no quarto ato? Não o creio. Acredito de preferência que estamos ainda no prólogo do primeiro ato, pois a questão, quanto aos próprios fatos, não é ainda admitida pela Ciência, que não os quer reconhecer! Estamos mui distantes ainda da verdadeira teoria, principalmente na Alemanha, onde a parte fenomênica dessa questão está tão pouco desenvolvida que ali há falta quase total de médiuns com força suficiente para as exigências do estudo experimental.
Todos os fatos sobre os quais Hartmann baseia a sua argumentação foram adquiridos fora da Alemanha; o Sr. Hartmann não teve sequer ensejo de observá-los pessoalmente. É verdade que ele teve a coragem mui meritória de aceitar os testemunhos de outrem, porém ninguém poderá negar que em tal questão as experiências pessoais sejam de uma importância capital. Mais ainda, o limite onde podem atingir esses fatos está longe de ser traçado; a sua expansão, o seu desenvolvimento são lentos, porém constantes; o que Hartmann exige deles, no ponto de vista da crítica, deve ainda ser adquirido.
Como prova de que não opto pelo triunfo exclusivo de uma ou de outra das hipóteses espíritas, apelo para o fato seguinte: Deixei ao meu estimado colaborador, o Sr. Wittig, plena liberdade de publicar sobre os fenômenos em questão as suas idéias pessoais que tendem a procurar a sua explicação na teoria chamada psíquica, antes que na teoria espírita.
Mas, professando uma tolerância inteiramente perfeita a respeito das diversas teorias propostas, não posso manter a mesma atitude passiva perante a ignorância dos fatos, o seu esquecimento, a sua supressão, desde que eles não parecem estar de acordo com a hipótese emitida. Aquele que deseja ser absolutamente imparcial no estudo de problema tão complicado, necessariamente, nunca deve perder de vista a totalidade, o conjunto dos fatos já adquiridos; mas, infelizmente, um dos erros ordinários que cometem os promotores de uma hipótese é que, pretendendo a todo o transe dar razão ao seu sistema, esquecem ou passam em silêncio os fatos que precisamente se trata de explicar.
É nessa ordem de idéias que eu me vi forçado a sustentar uma polêmica com o Sr. Wittig, o qual levou o desenvolvimento da sua hipótese até a falar da fotografia de uma alucinação, o que é uma fragrante contradictio in adjecto.
É provavelmente esta polêmica que visa o Sr. Hartmann quando diz que o Sr. Wittig não pôde elevar a voz para a defesa da sua teoria “senão em uma luta contra o próprio editor do jornal” (Spiritismo, pág. 2). Se houve luta, não foi empenhada em defesa da própria hipótese, porém pela causa da lógica e da imparcialidade que se deve aos fatos.
A crítica do Sr. Hartmann é inteiramente baseada sobre a aceitação provisória (condicional) da realidade dos fatos espíritas, à exceção dos fenômenos de materialização, que ele nega pura e simplesmente. Essa licença, por si só, não poderia ser deixada sem réplica. Mas, independentemente da materialização, há numerosos fatos que escaparam ao conhecimento do Sr. Hartmann, ou sobre os quais ele guardou silêncio, ou antes, cujas particularidades ele não apreciou devidamente. Ora, julgo do meu dever apresentar todos esses fatos, fazendo sobressair deles o seu justo valor. Aproveitar-me-ei dessa oportunidade para oferecer as conclusões às quais cheguei depois de longos estudos sobre esse assunto, conclusões que não publiquei antes do aparecimento desta obra.
Resumo teórico das teorias antiespiríticas
Em relação às teorias, a obra do Sr. Hartmann nada apresenta de novo. A força nêurica, a transmissão do pensamento, o sonambulismo, tudo isso já tinha sido posto em foco, uma explicação natural, desde o começo, para dar dos fenômenos espíritas.
Mais tarde, quando se teve que contar com os fenômenos de materialização, recorreu-se ao argumento das alucinações.
O mérito capital do trabalho do Sr. Hartmann consiste no desenvolvimento sistemático desses princípios e na classificação metódica de todos os fatos que se referem a essa questão. Acredito, entretanto, que um olhar rápido sobre os trabalhos daqueles que precederam o Sr. Hartmann não seria sem interesse, nem para os leitores, nem para o próprio Sr. Hartmann.
Certamente seria bem difícil e inútil entrar em particularidades minuciosas. Sobre esses trabalhos só darei um breve resumo das principais obras que tratam da questão que nos interessa.
Procedendo por ordem cronológica, é preciso citar em primeiro lugar: The Daimonion, or the Spiritual Medium, its Nature, illustrated by the History of its Uniform Mysterious Manifestations when unduly excited. By Traverse Oldfield (Boston, 1852, 157 páginas, em 8º pequeno) (“O demônio, ou o médium espiritual, e a sua natureza, ilustrado com a história de suas manifestações uniformemente misteriosas quando ele é indevidamente excitado”). O verdadeiro autor é G. W. Samson. O Spiritual Medium, de que se trata, é o princípio nervoso.
A melhor e mais sistemática obra elaborada nessa ordem de idéias é certamente esta: Philosophy of Mysterious Agents, Human and Mundane, or the Dynamic Laws and Relations of Man, embracing the Natural Philosophy of Phenomena styled: Spiritual Manifestations (“Filosofia dos agentes misteriosos, humanos e terrestres, ou as leis e as relações dinâmicas do homem, compreendendo a explicação natural dos fenômenos designados como Manifestações dos Espíritos”), por E. C. Rogers (Boston, 1853, 336 páginas, em 8º pequeno).
Ao aparecimento desta obra, houve uma discussão interessante nos jornais americanos The Tribune e The Spiritual Telegraph, entre o Dr. Richmond e o Dr. Brittan a respeito das manifestações espirituais. O primeiro sustentava que era possível explicar esses fenômenos sem admitir, para isso, a intervenção dos Espíritos. O segundo mantinha a opinião contrária. As quarenta e oito cartas publicadas pelas duas partes foram editadas em um volume, sob este título: A Discussion of the Facts and Philosophy of Ancient and Modern Spiritualism. By S. B. Brittan and B. V. Richmond (Nova Iorque, 1853, 377 páginas, em 8º grande).
Modern Mysteries Explained and Exposed (“Mistérios modernos explicados e interpretados”), pelo Rev. A. Mahan, 1º presidente da Universidade de Cleveland (Boston, 1855, 466 páginas, em 8º). Esta obra tem por fim desenvolver e defender as duas teses seguintes: 1º- “A causa imediata dessas manifestações é idêntica não somente à força ódica,[7] mas ainda à força que engendra os fenômenos do mesmerismo e da clarividência” (pág. 106); 2º- “Possuímos provas positivas e concludentes de que essas manifestações provêm exclusivamente de causas naturais e não da intervenção de Espíritos destacados do corpo” (pág. 152).
Mary Jane, or Spiritualism Chemically Explained; also Essays by and Ideas (perhaps erroneous) of a Child at School (“Mary Jane, ou o Espiritualismo explicado quimicamente; assim como ensaios e idéias – talvez errôneas – de uma colegial”) (Londres, 1863, 379 páginas, em 8º grande, com figuras). É um dos livros mais curiosos sobre essa matéria. O autor, o Sr. Samuel Guppy, materialista consumado, se tinha proposto publicar um resumo de ensaios sobre diversos assuntos, tais como: luz, instinto e inteligência, elementos do homem, geração espontânea, princípios da inteligência humana, a vida, a Astronomia, a criação, o infinito, etc. Ora, o seu livro já estava impresso até à página 300, quando em sua própria casa se produziram subitamente fenômenos mediúnicos dos mais extraordinários: deslocamento espontâneo de objetos, escrita automática, respostas a perguntas mentais, toque de instrumentos de música, escrita direta, execução direta (sem o contato de uma pessoa) de desenhos e pinturas, etc. O médium era a sua própria mulher.
On force its Mental and Moral Correlates, and on that which is supposed to underlie all Phenomena; with Speculations on Spiritualism and other Abnormal Conditions of Mind (“Da força e suas correlações mentais e morais, e do que é suposto ser a base de todos os fenômenos; acrescentando aí especulações sobre o Espiritualismo e outras condições anormais do Espírito”). Por Charles Bray, autor do The Philosophy of Necessity, The Education of Feelings, etc. (Londres, 1867, 164 páginas em 8º).
Exalted States of the Nervous System in explanation of the Mysteries of Modern Spiritualism, Dreams, Trance, Somnambulism, vital Photography, etc. (“Estados de superatividade do sistema nervoso no ponto de vista da explicação dos mistérios do Espiritualismo moderno, dos sonhos, do sonambulismo, da fotografia vital”, etc.) Por Robert H. Collier, M. D. (Londres, 1873, 140 páginas em 8º). Este livro não apresenta um trabalho sistemático; contém antes indicações, alusões a diversos assuntos interessando a essa questão.
Spiritualism and allied Causes and Conditions of Nervous Derangements, by William A. Hammond, M. D. Professor of Diseases of the Mind and Nervous System in the Medical Department of the University of the City of New York (“O Espiritualismo e as causas e condições congêneres das perturbações nervosas”, pelo Dr. William A. Hammond, professor de moléstias mentais e de moléstias nervosas do Departamento de Medicina, na Universidade da cidade de Nova Iorque), (Londres, 1876). Um grande volume de 366 páginas em 8º, no qual o autor não quer falar senão dos fatos que podem explicar-se de uma maneira natural.
Passemos às obras escritas em língua francesa. Não são numerosas. A primeira pertencente a essa categoria é a do Conde Agenor de Gasparin, publicada em Paris, em 1854, sob o título Das mesas girantes, do sobrenatural em geral e dos Espíritos (2 volumes em 8º, 500 páginas), na qual o autor dá amplas informações sobre longa série de experiências físicas, tentadas por ele e por alguns amigos particulares, nas quais essa força se achava consideravelmente desenvolvida. Esses ensaios muito numerosos foram realizados em condições de exame dos mais rigorosos. O fato do movimento de corpos pesados sem contato mecânico foi reconhecido, provado e demonstrado. Sérias experiências foram feitas para medir a força, quer do acréscimo, quer de diminuição de peso, que se comunicava assim às substâncias postas à prova, e o Conde Gasparin adotou um meio engenhoso, que lhe permitiu obter uma avaliação numérica aproximativa do poder da força psíquica que existia em cada indivíduo. O autor chegava a essa conclusão final: que podiam explicar-se todos aqueles fenômenos pela ação de causas naturais, e que não havia necessidade de supor milagres nem a intervenção de influências espirituais ou diabólicas.
Ele considerava como um fato plenamente comprovado pelas suas experiências que a vontade, em certas condições do organismo, pode agir a distância sobre a matéria inerte, e a maior parte do seu livro é consagrada a estabelecer as leis e as condições nas quais esta ação se manifesta.
Em 1855, o Sr. Thury, professor na Academia de Genebra, publicou uma obra sob o título: As Mesas Falantes (Genebra, Livraria Alemã de J. Kessemann, 1855), na qual passa em revista as experiências do Conde de Gasparin; ele entra em longas considerações sobre as pesquisas que fez ao mesmo tempo. Também neste caso os ensaios foram feitos com o auxílio de amigos íntimos e conduzidos com todo o cuidado que um homem de ciência é capaz de empregar nessa matéria. O espaço não me permite citar os importantes e numerosos resultados obtidos pelo Sr. Thury, mas pelos títulos seguintes de alguns dos capítulos, ver-se-á que a pesquisa não foi feita superficialmente: “Fatos que estabelecem a realidade dos novos fenômenos; – Ação mecânica tornada impossível; – Movimentos efetuados sem contato; – Suas causas; – Condições requeridas para a produção e ação da força; – Condições da ação a respeito dos operadores; – A vontade; – É necessário que haja vários operadores? – Necessidades preliminares; – Condição mental dos operadores; – Condições meteorológicas; – Condições relativas aos instrumentos empregados; – Condições relativas ao modo de ação dos operadores sobre os instrumentos; – Ação das substâncias interpostas; – Produção e transmissão da força; – Exame das causas que a produzem; – Fraude; – Ação muscular inconsciente produzida por um estado nervoso particular; – Eletricidade; – nervo-magnetismo; – Teoria do Sr. Conde de Gasparin, de um fluido especial; – Questão geral a respeito da ação do Espírito sobre a matéria; – Primeira proposição: Nas condições ordinárias dos corpos, a vontade só age diretamente na esfera do organismo; – Segunda proposição: No próprio organismo há uma série de atos mediatos; – Terceira proposição: A substância sobre a qual o Espírito age diretamente, o psicodo, não é suscetível senão de modificações muito simples sob a influência da inteligência; – Explicações baseadas sobre a intervenção dos Espíritos”.
O Sr. Thury refuta todas essas explicações e acredita que esses efeitos são devidos a uma substância particular, a um fluido ou a um agente, o qual – de uma maneira análoga à do éter dos sábios – transmite a luz, penetra toda a matéria nervosa, orgânica ou inorgânica, e que ele chama psicodo. Entra na plena discussão das propriedades desse estado ou forma de matéria e propõe o nome de força ectênica (extensão) ao poder que se exerce quando o Espírito age, a distância, por meio da influência do psicodo.[8]
Estudos experimentais sobre certos fenômenos nervosos, e solução racional do problema espírita, por Chevillard, professor na Escola Nacional de Belas Artes (Paris, 1872, 90 páginas, em 8º). O fundo de sua teoria, que se refere somente às pancadas (raps) e ao movimento dos objetos, resume-se nestas linhas:
“As vibrações da mesa, desde que as suas partes se puseram em equilíbrio de temperatura, não são mais do que as vibrações fluídicas emitidas pela função mórbida que constitui o estado nervoso do médium. No estado normal, cada um emite fluido nervoso, porém não de maneira a fazer vibrar sensivelmente a superfície de um corpo sólido que se toca. O médium é sem dúvida tão auxiliado pela emissão natural dos assistentes crédulos, sempre numerosos, pois que toda emissão fluídica, mesmo muito fraca, para a mesa, deve repartir-se nela imediatamente, por causa da temperatura já conveniente. A mesa fica verdadeiramente magnetizada pela emissão do médium, e a palavra magnetizada não tem outro sentido além de fazer entender que ela é coberta ou impregnada de fluido nervoso vibrante, isto é, vital do médium. A mesa fica então como um harmônio que espera a martelada do pensamento daquele que a impregnou. O médium quer uma pancada em um momento em que ela se dá olhando atentamente o lápis correr sobre o alfabeto, e esse pensamento, fixando-se subitamente, engendra um choque cerebral nervoso que repercute instantaneamente, por intermédio dos nervos, na superfície tubular vibrante. O choque ressoa integrando as vibrações da mesa à maneira de um forte brilho ou faísca obscura, cujo ruído é a conseqüência dessa condensação instantânea feita no ar ambiente.” (páginas 25 e 26).
“Não há em todo o ato tiptológico [9] ou nevrostático mais do que condensações ou integrações de vibrações em faíscas obscuras.” (pág. 38).
Quanto aos movimentos dos objetos, o autor emite a teoria seguinte:
“Os movimentos, chamados espíritas, de um objeto inanimado são um efeito real, porém nevro-dinâmico, dos pretendidos médiuns, que transformam o objeto em órgão exterior momentâneo, sem terem disso consciência.” (página 54).
Mais adiante, o Sr. Chevillard desenvolve mais esta mesma proposição:
“A idéia da ação voluntária mecânica transmite-se pelo fluido nervoso do cérebro ao objeto inanimado suficientemente aquecido; depois do que, este executa rapidamente a ação na qualidade de órgão automático ligado pelo fluido ao ser voluntário, quer a ligação seja por contato ou a pequena distância; porém o ser não tem a percepção do seu ato, visto como não o executa por um esforço muscular.” (pág. 62).
Em suma:
“Os fenômenos chamados espíritas não são mais do que manifestações inconscientes da ação magneto-dinâmica do fluido nervoso.” (pág. 86).
Ultimamente apareceu uma obra muito interessante, tendo por título: Ensaio sobre a Humanidade póstuma e o Espiritismo, por um positivista – Adolpho d’Assier (Paris, 1883, 305 páginas em 12).
A obra citada apresenta esse interesse: o autor foi coagido, por sua própria experiência, a reconhecer a realidade objetiva de certos fenômenos, habitualmente designados como “sobrenaturais” e dos quais o Sr. Hartmann não faz menção no seu livro sobre O Espiritismo; entretanto, esses fenômenos têm uma relação imediata com o Espiritismo; eles impõem-se além disso, se se quer estabelecer uma hipótese geral.
Em seu prefácio, o autor expõe a evolução que se operou no seu espírito e dá uma idéia geral do seu trabalho. Daremos dela alguns extratos:
“O título deste ensaio parecerá talvez a certas pessoas em desacordo com as opiniões filosóficas que professei em toda a minha vida e com a grande escola para a qual o estudo das ciências me tinha encaminhado. Fiquem essas pessoas tranqüilas: a contradição é apenas aparente. As idéias que exponho afastam-se tanto das fantasias do misticismo quanto das alucinações dos espíritas. Não saindo do domínio dos fatos, não invocando causa sobrenatural para interpretá-los, acreditei poder dar ao meu livro a chancela do Positivismo. Eis, finalmente, como fui conduzido a pesquisas tão diferentes dos meus trabalhos ordinários.”
O autor fala em seguida da sorte que tiveram os aerólitos, durante tanto tempo negados pela Ciência, e da resposta que Lavoisier deu certo dia em nome da Academia das Ciências: “Não há pedras no céu; por conseguinte elas não poderiam cair sobre a Terra”; também faz menção da narração dos sapos que caem com as fortes chuvas, narração que os sábios acolheram dizendo que “não havia sapos nas nuvens, por conseguinte eles não podiam cair sobre a Terra.”
Depois disso o Sr. d’Assier continua:
“Era permitido supor que tais lições não ficassem perdidas e que as pessoas que se presumissem sérias se mostrassem de futuro mais circunspectas nas suas negações sistemáticas. Não sucedeu assim. As noções falsas que colhemos em nossos preconceitos ou em uma educação científica incompleta imprimem ao nosso cérebro uma sorte de equação pessoal da qual não nos podemos libertar. Durante trinta anos, ri-me da resposta de Lavoisier sem me aperceber que invocava o mesmo argumento na explicação de certos fenômenos não menos extraordinários do que as chuvas de pedras ou de sapos. Quero falar dos ruídos estranhos que se ouvem às vezes em certas casas e que não se podem referir a nenhuma causa física, pelo menos no sentido vulgar que damos a essa palavra. Uma circunstância digna de nota vem duplicar a singularidade do fenômeno. É que esses ruídos não apareciam de ordinário senão depois da morte de uma pessoa da habitação. Sendo criança, vi em agitação todos os habitantes de um cantão. O abade Peyton, cura da paróquia de Sentenac (Ariège), acabava de morrer. Nos dias seguintes, produziram-se no presbitério ruídos insólitos e tão persistentes que o serventuário que lhe tinha sucedido esteve prestes a abandonar o seu posto.
As pessoas da localidade, tão ignorantes quão supersticiosas, não achavam obstáculo para explicar esse prodígio. Declararam que a alma do morto estava em penitência porque ele não tinha tido o tempo de dizer antes da morte todas as missas cuja paga tinha recebido. Quanto a mim, não estava de maneira alguma convencido. Educado no dogma cristão, eu dizia a mim mesmo que o abade Peyton tinha definitivamente deixado o planeta por uma das três residências póstumas: o céu, o inferno, o purgatório, e eu supunha que as portas das duas penitenciárias eram aferrolhadas com bastante solidez para que ele tivesse a fantasia de retroceder. Mais tarde, tendo entrado em outra corrente de idéias, tanto pelo estudo comparado das religiões, quanto pelo das ciências, tornei-me ainda mais incrédulo, e tinha compaixão daqueles que pretendiam ter assistido a iguais espetáculos.
Os Espíritos, eu não cessava de repetir, só existem na imaginação dos médiuns e dos espíritas; não se poderiam, pois, encontrar em outra parte. Em 1868, achando-me no Berry, encolerizei-me contra uma pobre mulher que persistia em afirmar que, em um albergue que ela habitara em uma certa época, cada noite mão invisível lhe puxava os lençóis do leito, desde que apagava a luz. Tratei- a de imbecil, de parva, de idiota.
Logo depois sobreveio o ano terrível. De minha parte, de lá saí com a perda da vista e, coisa ainda mais grave, com os primeiros sintomas de uma paralisia geral. Tendo sido testemunha das curas maravilhosas que as águas de Aulus produzem, no tratamento de certas moléstias, principalmente quando se trata de despertar a energia vital, dirigi-me para ali pela primavera de 1871, e pude deter o progresso do mal. A pureza do ar das montanhas, tanto quanto a ação vivificante das águas, me decidiram a fixar ali a minha residência. Pude então estudar de perto esses ruídos noturnos que só conhecia por ouvir dizer.
Desde a morte do antigo proprietário das fontes o estabelecimento termal era quase todas as noites teatro de cenas desse gênero. Os guardas não ousavam mais deitar-se ali a sós. Às vezes as banheiras ressoavam no meio da noite como se as tivessem percutido com um martelo. Abriam-se as câmaras donde partia o ruído, ele cessava imediatamente, mas recomeçava em uma sala vizinha. Quando as banheiras ficavam em repouso, assistia-se a outras manifestações não menos singulares. Eram pancadas sobre os compartimentos, os passos de uma pessoa que passeava no quarto do guarda, objetos atirados de encontro ao soalho, etc. O meu primeiro movimento, quando me contaram essa história, foi, como sempre, a incredulidade. Entretanto, achando-me em contato diário com as pessoas que tinham sido testemunhas dessas cenas noturnas, a conversação recaía freqüentemente sobre o mesmo assunto. Certas particularidades acabaram por despertar a minha atenção. Interroguei o diretor e os guardas do estabelecimento, as diversas pessoas que tinham passado a noite nas termas, todas aquelas que, em uma palavra, por um motivo qualquer me podiam fornecer informações acerca desses misteriosos sucessos. As suas respostas foram todas idênticas e as particularidades que me forneceram eram tão circunstanciadas que eu me vi encerrado nesse dilema: acreditá-los ou supor que eles estavam loucos. Ora, eu não podia tachar de loucura cerca de vinte camponeses sérios que viviam pacificamente a meu lado, pelo único motivo de representarem o que tinham visto ou ouvido, sendo, demais, unânimes os seus depoimentos.
Esse resultado inesperado me restituiu à memória circunstâncias do mesmo gênero que me tinham relatado em outras épocas. Conhecendo as localidades onde esses fenômenos se tinham dado, assim como as pessoas que tinham sido testemunhas deles, procedi a novas pesquisas e, desta vez ainda, fui obrigado a curvar-me à evidência. Compreendi então que tinha sido tão ridículo quanto aqueles dos quais eu tinha zombado por tanto tempo, negando fatos que eu declarava impossíveis, porque não se tinham produzido sob os meus olhos e porque eu não podia explicá-los. Essa dinâmica póstuma que, em certos pontos, parece a antítese da dinâmica ordinária, me deu o que refletir e eu comecei a entrever que em certos casos, aliás muito raros, a ação da personalidade humana pode continuar ainda por algum tempo depois da cessação dos fenômenos da vida. As provas que eu possuía me pareciam suficientes para convencer os espíritos não prevenidos. Entretanto, não me contentei com isso, e pedi notícias delas aos escritores mais conceituados de diversos países. Fiz então uma escolha dentre as que apresentavam todos os caracteres de uma autenticidade indiscutível, baseando-me de preferência nos fatos que tinham sido observados por grande número de testemunhas.
Cumpria interpretar esses fatos, quero dizer, desembaraçá-los do maravilhoso que encobre a sua verdadeira fisionomia, a fim de referi-los, como todos os outros fenômenos da Natureza, às leis do tempo e do espaço. Tal é o principal objetivo deste livro. Perante tarefa tão árdua, eu não poderia ter a pretensão de dar a última palavra do enigma. Contentei-me em estabelecer o problema claramente e em indicar alguns dos coeficientes que devem entrar para pô-lo em equação. Os meus continuadores encontrarão a solução definitiva no caminho que eu lhes tracei... A idéia filosófica do livro pode, pois, se resumir assim: fazer entrar no quadro das leis do tempo e do espaço os fenômenos de ordem póstuma negados até o presente pela Ciência, por não poder explicá-los, e emancipar os homens da nossa época das enervadoras alucinações do Espiritismo.” (Páginas 5, 6, 7, 8, 9 e 11).
No primeiro capítulo o autor colhe de primeira fonte uma série de fatos que confirmam a existência póstuma da personalidade humana: ruídos insólitos, ressonância de passos, roçar de vestidos, deslocamento de objetos, toques, aparecimento de mãos e de fantasmas, etc. No começo do segundo capítulo, o autor diz:
“Demonstrada a existência da personalidade póstuma, por milhares de fatos observados em todos os séculos e entre todos os povos, cumpre procurar conhecer a sua natureza e a sua origem. Ela procede evidentemente da personalidade viva, da qual se apresenta como a continuação, com a sua forma, com os seus hábitos, com os seus preconceitos, etc.; examinemos pois se se encontra no homem um princípio que, destacando-se do corpo quando as forças vitais abandonam este último, continua ainda durante algum tempo a ação da individualidade humana. Numerosos fatos demonstram que esse princípio existe e que se manifesta algumas vezes durante a vida, oferecendo ao mesmo tempo os caracteres da personalidade viva e os da personalidade póstuma. Vou referir alguns dentre eles, colhidos nas melhores fontes, e que parecem concludentes.” (pág. 47).
Depois de ter citado notáveis fatos de aparição de pessoas vivas ou de desdobramento, o autor termina assim esse capítulo:
“Inumeráveis fatos observados desde a antigüidade até os nossos dias demonstram em nosso ser a existência de uma segunda personalidade, o homem interno. A análise dessas diversas manifestações nos permitiu penetrar em sua natureza. No exterior, é a imagem exata da pessoa da qual é o complemento. no interior reproduz a cópia de todos os órgãos que constituem a estrutura do corpo humano. Vemo-lo, com efeito, mover-se, falar, tomar alimentos, preencher, em outras palavras, todas as grandes funções da vida animal. A tenuidade extrema das suas moléculas constitutivas, que representam o último termo da matéria orgânica, lhe permite passar através das paredes e das divisões dos compartimentos. Daí o nome de fantasma pelo qual é geralmente designado. Entretanto, como ele é ligado ao corpo donde emana por uma rede muscular invisível, pode, à vontade, atrair a si, por uma espécie de aspiração, a maior parte das forças vivas que animam este último. Vê-se então, por uma inversão singular, a vida se retirar do corpo, que não apresenta mais do que uma rigidez cadavérica a dirigir-se toda para o fantasma, que adquire consistência, a ponto de lutar algumas vezes com as pessoas diante das quais ele se manifesta.
Só excepcionalmente ele se mostra durante a vida dos indivíduos. Mas desde que a morte rompeu os laços que o ligam ao nosso organismo, ele se separa de maneira definitiva do corpo humano e constitui o fantasma póstumo.” (págs. 81 e 82).
“Mas a sua existência é de curta duração. O seu tecido se desagrega facilmente sob a ação das forças físicas, químicas e atmosféricas que o assaltam sem tréguas, e entra molécula por molécula no meio planetário.” (pág. 298).
Eis o sumário do Capítulo IV: “Caráter do ser póstumo; – Sua constituição física; – Seu modo de locomoção; – Sua aversão pela luz; – Seu modo de trajar; – Suas manifestações; – Seu reservatório de força viva; – Sua balística; – Todo homem possui a sua imagem fluídica; – A vidente de Prevorst”.
Capítulo V: “Fluido universal; – Fluido nervoso; – Analogia e dessemelhança desses dois fluidos; – Animais elétricos; – Pessoas elétricas; – Plantas elétricas; – Ação do fluido nervoso sobre a personalidade interna”.
“O fantasma humano não se revela sempre de uma maneira tão clara como nos exemplos que citei. Há também, às vezes, manifestações obscuras, de natureza muito variada, que o tornam uma espécie de Proteu intangível. Reproduzindo o mesmerismo manifestações análogas às do sonambulismo, no médium, no extático, etc., é muitas vezes difícil dizer se a causa primária desses fenômenos deve ser referida à personalidade interna ou ao fluido nervoso, ou antes ainda à ação combinada desses dois agentes. Em grande número de casos, sua ligação parece tão íntima que somos levados a perguntar se não é do segundo que o primeiro tira sua origem e as suas energias.” (pág. 117).
Capítulo VI: “O éter mesmérico e a personalidade que ele engendra; – O sonambulismo; – O soníloquo; – O vidente”.
Eis as conclusões do autor:
“1º- O sonambulismo, espontâneo em alguns indivíduos, existe no estado latente em outros. Nesses últimos, não o entrevemos senão imperfeitamente, mas ele pode atingir toda a sua amplitude sob a influência de uma forte tensão de espírito, de uma comoção moral ou de outras causas fisiológicas. Essas manifestações freqüentes, porém incompletas, na infância acentuam-se melhor durante a juventude, depois diminuem com a idade e parece extinguirem-se no velho.
2º- As coisas extraordinárias que o sonâmbulo realiza, principalmente no domínio intelectual, acusam nele a existência de uma força ativa e inteligente, isto é, de uma personalidade interna. Essa personalidade parece completamente diferente da personalidade ordinária e ter por sede os gânglios nervosos da região epigástrica, assim como se viu na sonâmbula citada por Burdach, e como o encontraremos de maneira mais acentuada e mais precisa em outras manifestações do mesmerismo. Fica assim explicado porque o sonâmbulo não reconhece a voz das pessoas que lhe são familiares e não conserva recordação alguma do que se passou durante o seu sono. Explica-se da mesma maneira esse fato, que nunca se observou nele ato algum imoral, como se o seu guia misterioso estivesse livre dos laços da animalidade.
3º- A personalidade que aparece no sonambulismo revela uma inteligência igual, às vezes mesmo superior à da personalidade ordinária. Mas, como esta última, ela também tem a sua equação pessoal, as suas obscuridades, os seus desfalecimentos. Para contentar-me com um exemplo, lembrarei esse sonâmbulo, ditado por Burdach, que, depois de ter calçado as botas, escanchava-se sobre uma janela e dava esporadas contra a parede para fazer caminhar um corcel imaginário.
4º- O sonambulismo é devido a um desprendimento anormal do fluido nervoso; várias causas podem produzir esse resultado: terror, grande tensão de espírito, exuberância da juventude, etc., em outras palavras, tudo o que tende a romper o equilíbrio das funções fisiológicas que tem por sede o sistema nervoso. Quando o fluido é pouco abundante, os efeitos do sonambulismo só se dão de maneira obscura e parecem confundir-se com os do sonho. Mas desde que ele se desprenda em quantidade conveniente, vê-se aparecer imediatamente a personalidade interna, e o sonâmbulo oferece então os caracteres de um homem acordado, porque tem em si um guia que possui todas s energias da inteligência e do movimento.” (págs. 149-151).
Eis-nos finalmente no capítulo VII, que trata especialmente do assunto que nos interessa; o seu sumário é: “O éter mesmérico e a personalidade que ele engendra (continuação); – A mesa girante; – A mesa falante; – O médium”.
Eis como o autor liga os fenômenos do Espiritismo à sua teoria do ser fluídico:
“O agente misterioso que punha em desordem as mesas falantes era evidentemente o mesmo que animava o lápis móvel do médium, quero dizer, a personalidade mesmérica dos assistentes ou do próprio médium. Se diferia em seus modos de ação, isso dependia unicamente da natureza dos intermediários pelos quais ele se manifestava. Não é com efeito difícil de ver que a mesa não é mais do que um instrumento passivo, uma espécie de silabário acústico posto em ação pelo fluido daquele que interroga. Em outros termos, é a personalidade mesmérica deste último que faz o ofício de apontador no diálogo da mesa.” (pág. 183).
“Comparou-se muitas vezes o médium a um sonâmbulo acordado. Essa definição nos parece perfeitamente justa. São os pólos extremos da cadeia mesmérica, dois modos de ação diferentes de uma mesma causa que passam de um a outro por graus insensíveis. Dir-se-ia uma transformação de força análoga à que se observa nos fluidos imponderáveis, calor, luz, eletricidade, magnetismo, que não são, como se sabe, senão manifestações diversas de um mesmo agente, o éter. Viram-se mulheres caírem em um sono magnético fazendo a cadeia em torno de uma mesa; fenômenos elétricos de atração e de repulsão manifestarem-se em pessoas que se entregavam à prática do Espiritismo; médiuns tornarem-se sonâmbulos e vice-versa; às vezes esses dois caracteres se apresentam ao mesmo tempo, de sorte que é difícil dizer se se trata de um indivíduo acordado ou adormecido. Nada, aliás, à exceção da maneira de proceder, diferencia o soníloquo do médium; um fala, o outro escreve, mas ambos confessam que estão sob a influência de um inspirador misterioso que dita as suas respostas. Interrogado acerca da sua origem e da sua personalidade, esse apontador invisível se dá ora por um espírito sem nacionalidade, ora pela alma de um morto.
Neste último caso, ele se diz voluntariamente o amigo ou o próximo parente do médium, e vem auxiliá-lo com seus conselhos. Aqui, realiza-se um dos mais surpreendentes efeitos do mesmerismo. A personagem misteriosa, convidada a traçar algumas linhas por intermédio do lápis móvel ou da mão do médium, reproduz a escrita, as locuções, e até as faltas de ortografia que eram familiares ao amigo ou parente de quem se diz representante póstumo. Tal argumento parece à primeira vista irrefutável, e é sobre fatos desse gênero que se apoiaram para fundar a teoria do Espiritismo.” (págs. 185-187).
“A evocação dos fantasmas pelo médium é, pois, uma miragem, mesmo quando revestem uma forma óptica, como sucede para certos médiuns privilegiados. Estes não deixam de ser o joguete de uma alucinação, análoga à dos sonâmbulos que vêem aparecer-lhes todos os fantasmas que apraz ao magnetizador lhes mostrar.” (pág. 191).
“Como se acaba de ver, no médium ou no sonâmbulo, é o mesmo princípio que age, o fluido vital (fluido nervoso, éter mesmérico). Ele obtém o seu summum de energia no primeiro, pois é dele mesmo, quero dizer, do centro de produção, que este tira a força viva que engendra os efeitos mesméricos, enquanto que o segundo, tirando-o de uma fonte estranha, recebe-a limitada e minorada em sua ação. Por isso o Espiritismo reproduz todos os prodígios do sono magnético, aumentando-os ainda. Como o sonâmbulo, e melhor que o sonâmbulo, o médium, mesmo iletrado, torna-se poliglota, compõe poesias, escreve discursos segundo as regras da arte oratória; adivinha os pensamentos daqueles que estão perto dele, possui a faculdade da vista a distância, lê no passado e chega às vezes à presciência do futuro.” (pág. 193).
Quando aos autores alemães que trataram dessa questão, é inútil que eu deles faça aqui menção.
Capítulo I
Fenômenos de materialização
Insuficiência, no ponto de vista dos fatos, da
hipótese alucinatória emitida pelo Dr. Hartmann.
A semelhança entre a teoria de d’Assier e a do Sr. Hartmann salta aos olhos. A “personalidade mesmérica” do primeiro não é outra coisa mais do que a “consciência sonambúlica” do último: a hiperestesia (superexcitação) da memória, a transmissão do pensamento, a clarividência, tais são os pontos que lhes são comuns. Quanto ao que diz respeito ao conhecimento do assunto tratado e ao desenvolvimento sistemático da teoria, a obra de d’Assier não pode evidentemente ser comparada ao livro do Sr. Hartmann; em compensação, a hipótese de d’Assier leva uma vantagem indiscutível sobre a do Sr. Hartmann, a de admitir a realidade objetiva e independente, ainda que temporariamente, da personalidade mesmérica ou fluídica; isso lhe permite dar uma explicação bastante plausível de toda essa série de fenômenos, chamados místicos, para os quais a teoria do Sr. Hartmann não basta.
Era fácil encontrar uma resposta à opinião do Sr. d’Assier, de que “os fantasmas evocados pelo médium não são outra coisa mais do que alucinações, mesmo quando revestem uma forma óptica” (pág. 191). Não era mais do que um erro de lógica de sua parte, pois, desde o momento em que ele admitia a realidade do fantasma fluídico e o fato visível e tangível do seu “desdobramento”, logicamente não podia mais falar de alucinação. Sucede diversamente com a teoria do Sr. Hartmann, que nega a existência do ser humano fluídico, como lhe chama o Sr. d’Assier. Ele admite, com efeito, o fato da aparição, mas lhe recusa uma realidade objetiva. Essa realidade deve ser demonstrada de outra maneira que não seja pelo caminho das percepções dos sentidos do homem, os quais estão sempre sujeitos a ilusões.
É precisamente por esse lado que começarei o meu estudo crítico das opiniões do Sr. Hartmann, visto como divergimos completamente sobre esse ponto, e, além disso, porque de todos os problemas do Espiritismo, é o que se presta melhor à verificação por meio de experiências físicas, mesmo no estado atual da questão.
Ora, eu afirmo que os fenômenos que em Espiritismo se designam habitualmente sob o nome de “materializações” não são alucinações, “produtos da fantasia, privados de todo o elemento que os torne perceptíveis aos sentidos”, como os representa o Sr. Hartmann, baseando-se em fatos dos quais teve conhecimento; garanto que esses fenômenos são produções dotadas de uma certa materialidade passageira, ou antes, para empregar a expressão do Sr. Hartmann, possuindo elementos que os tornam perceptíveis aos sentidos. O Sr. Hartmann parece disposto a admitir essa realidade, com a condição de fornecerem em apoio provas suficientes, as quais, diz ele, podem ser fornecidas somente pela fotografia, e com a condição rigorosa de que o médium e a aparição sejam fotografados simultaneamente.
Em sua “conclusão”, o Sr. Hartmann é ainda mais explícito e entra em particularidades que julgo útil citar:
“Uma questão do mais alto interesse, do ponto de vista teórico, é saber se um médium tem a faculdade não somente de provocar a alucinação visual de uma forma em uma outra pessoa, porém, ainda de produzir essa forma como alguma coisa de real, posto que consistindo em uma matéria rarefeita, no lugar objetivamente real, onde se acham reunidos todos os experimentadores, e isto, desprendendo previamente do seu próprio organismo a matéria necessária para formar a imagem. Se os limites inacessíveis da esfera de ação de um médium fossem conhecidos, a realidade objetiva dos fenômenos de materialização teria podido ser estabelecida por meio de processos mecânicos de efeito duradouro, obtidos além da esfera de ação do médium. Mas desde o momento em que o caso não se realiza aqui e que as imagens materializadas nunca transpõem os limites da esfera de ação física do médium, só resta, parece, a demonstração fotográfica, para provar que a imagem materializada possui, no espaço objetivamente real, uma superfície capaz de refletir a luz.
A condição indispensável de uma igual prova fotográfica é, na minha opinião, que nem um fotógrafo de profissão nem o médium sejam admitidos a aproximar-se do aparelho, da câmara negra ou da placa, a fim de afastar toda suspeita, quer de uma preparação anterior da câmara negra ou da placa (ainda não coberta de colódio), quer de uma manipulação ulterior qualquer. Que me conste, essas medidas de prudência ainda não foram observadas; em todo o caso, não se faz menção disso nos relatórios, o que prova que os experimentadores ainda não reconheceram a sua importância. E, entretanto, sem a observância dessas medidas, os negativos sobre os quais aparecem ao mesmo tempo o médium e a imagem não fornecem a mínima prova; é ocioso dizer que as provas positivas tiradas sobre papel, e também as reproduções mecânicas feitas segundo essas placas, podem ainda menos servir de testemunho convincente. Um pesquisador, inspirando confiança absoluta, que trouxesse à sessão os seus próprios aparelhos e ingredientes e que operasse em pessoa, seria o único que poderia obter uma solução positiva e convincente desse experimentum crucis; também se deveria sempre, tanto quanto possível, procurar obter o concurso de semelhantes pessoas em toda a sessão de materialização.”
A esse respeito, não posso deixar de notar que será escusado observar estritamente essas precauções, pois nunca se há de chegar a desviar toda a espécie de dúvida, porque o valor da experiência dependerá sempre do ascendente moral do experimentador, que não se estende geralmente senão sobre o número limitado de pessoas que o conhecem bem. Não se podem traçar limites às conjecturas ou às suspeitas. Essas experiências só atingiriam toda a sua finalidade se os fenômenos mediúnicos fossem mais espalhados e por conseguinte melhor apreciados do que o são atualmente. O que se passa presentemente no domínio do hipnotismo pode servir-nos de exemplo.
1
Materialização de objetos escapando à
percepção pelos sentidos. Fotografia transcendente.
Há dois gêneros de materialização: há em primeiro lugar a materialização invisível ao olho, e não apresentando mais do que um atributo físico, acessível ao nosso confronto: consiste na emissão de raios luminosos, que não produzem ação alguma sobre a nossa retina, porém agem sobre a placa sensível de um aparelho fotográfico; para os resultados assim obtidos, proponho a expressão: fotografia transcendente.
Há de um outro lado a materialização visível, que é acompanhada dos efeitos físicos próprios ao corpo humano.
Acredito que se conseguíssemos estabelecer a realidade da primeira forma de materialização, teríamos adquirido argumentos sólidos para admitir a existência da materialização visível.
Efetivamente, se se estabelece o fato de uma formação mediúnica extracorpórea, isto é, da formação de alguma coisa, fora do corpo do médium, se bem que imperceptível ao olho humano, mas possuindo certos atributos de uma existência real, então o fato da materialização visível e palpável se reduzirá a uma questão de grau de materialidade.
Eis por que eu ligo uma importância tão grande às experiências fotográficas feitas pelo Sr. Beattie, em Bristol, em 1872 e 1873. Essas experiências foram continuadas em condições que correspondem amplamente às exigidas pelo Sr. Hartmann.
Conheci pessoalmente o Sr. Beattie, e é de suas mãos que possuo a coleção de fotografias de que vou falar mais adiante e uma parte das quais se acha representada nas dezesseis fototipias que possuo. Ele mesmo tinha sido fotógrafo de profissão, mas tinha deixado de o ser na época em que fez as experiências em questão.
Possuímos quatro documentos que se referem a essas experiências: uma primeira carta do Sr. Beattie, publicada no British Journal of Photography, número de 28 de junho de 1872, e no Photographic News, de Londres; ela foi reproduzida no Medium de 5 de julho de 1872; uma segunda carta de Beattie, a mais minuciosa, apareceu no Spiritualist, Londres, 15 de julho de 1872; uma terceira carta do Sr. Beattie, publicada no British Journal of Photography de 22 de agosto de 1873 e reproduzida no Spiritual Magazine de novembro de 1873, assim como no Medium de 29 de agosto de 1873; finalmente o testemunho de um terceiro, o Dr. Thompson, que tomou parte nessas experiências; esse testemunho, em forma de carta, foi publicado no jornal Human Nature, em Londres, 1874, pág. 390.
Para começar, façamos uma averiguação sobre o caráter do Sr. Beattie, a fim de verificar se ele pode corresponder à condição estipulada pelo Sr. Hartmann: “que o experimentador seja uma pessoa de reputação irrepreensível”.
Eis as informações dadas por sua conta pelo Sr. Taylor, editor do British Journal of Photography, em o número desse jornal de 12 de julho de 1873, informações que reproduzo conforme o Spiritual Magazine (1873, pág. 374):
“Todos aqueles que conhecem o Sr. Beattie atestarão espontaneamente que é um fotógrafo inteligente e instruído; é um dos homens mais difíceis de induzir em erro, pelo menos nas coisas referentes à fotografia, e um homem incapaz de enganar a outrem; é, entretanto, esse homem que nos vem afirmar, sob a fé de experiências feitas quer por ele mesmo, quer em sua presença, fatos que, a menos de se lhes recusar toda a significação, demonstram que, apesar de tudo, há alguma coisa na “espírito-fotografia”; que pelo menos figuras e objetos invisíveis para as pessoas presentes no aposento, e que não eram produzidos pelo operador, revelaram-se sobre a placa, com a mesma nitidez, às vezes mais nitidamente até do que as pessoas colocadas à frente do aparelho.”
O jornal tinha tal confiança no Sr. Beattie que não hesitou em publicar as duas cartas nas quais ele dá a descrição das suas admiráveis experiências.
A primeira carta do Sr. Beattie foi ainda reproduzida em outro jornal especial, o Photographic News, com essa nota da redação:
“O Sr. Beattie, assim como o sabem numerosos leitores nossos, é um fotógrafo-retratista extremamente experimentado e, além disso, um cavalheiro cuja sinceridade, probidade e talento ninguém pensaria pôr em dúvida. Interessando-se pela questão do Espiritismo e aborrecido com a fraude evidente das fotografias espíritas que tinha tido a oportunidade de ver, resolvera fazer pessoalmente pesquisas sobre essa questão.
A sua narração dá o resultado dessas experiências. É preciso notar que no caso presente as experiências eram conduzidas por operadores sinceros, peritos em tudo o que diz respeito à fotografia, e que as tinham empreendido com o objetivo único de obter delas um conhecimento pessoal; por conseguinte, toda a causa de erro estava cuidadosamente afastada. Eles obtiveram um resultado absolutamente inesperado: as imagens obtidas em nada se assemelhavam aos fantasmas tão laboriosamente reproduzidos em fotografias fraudulentas. Quanto ao que diz respeito à fonte ou à origem dessas imagens, não podemos oferecer nenhuma explicação nem teoria.” (citação do “médium”, 1872, pág. 157).
Mas ouçamos o próprio Sr. Beattie. Eis a primeira metade da sua carta dirigida ao British Journal of Photography, com a descrição dos preparativos e do começo das experiências:
“Durante longos anos, tive ocasião de observar de perto os estranhos fenômenos que, com poucas exceções, não eram considerados no mundo dos sábios como dignos de ser objeto de investigação; atualmente a existência desses fatos impõe-se a uma imparcial e minuciosa verificação.
Há pouco tempo, o Sr. W. Crookes demonstrou que, sob certas condições, manifesta-se uma força mecânica, que esse sábio designa como “nova”, e à qual ele deu uma denominação à parte.
Se a teoria da “unidade das forças” é exata, obtendo-se uma força qualquer, deve-se obter também qualquer outra força; se é verdade ainda que o movimento, instantaneamente suspenso, transforma-se em calórico, em luz, em ação química, e vice-versa, então na força descoberta e demonstrada pelo Sr. W. Crookes encontramos ao mesmo tempo uma fonte de força elétrica e química.
Não sou da opinião dos que supõem que toda mudança não é senão o resultado de uma força, mas não de um fim. Sou, por conseguinte, forçado a acrescentar um elemento razoável à concepção da força – a força como tal não tem uma existência independente do princípio inteligente. As experiências que vou descrever não são talvez novas, mas os resultados obtidos (não acrescento “se são exatos” porque sei que eles o são) provam muitas coisas, principalmente que, em determinadas condições, produz-se uma força invisível, possuindo a faculdade de suscitar uma poderosa ação química; não é tudo: essa energia é regida por uma inteligência que não a das pessoas presentes, atendendo-se a que as imagens evocadas não podiam ser o resultado do pensamento dessas pessoas.
Sem mais preâmbulo, vou proceder à descrição dessas experiências.
Tenho um amigo, em Londres, que me mostrou, certo dia em que estava em minha casa, o que se chamava “fotografias espíritas”. Eu lhe disse imediatamente que elas não o eram e lhe expliquei de que maneira eram obtidas. Mas, vendo que muitas pessoas acreditavam na possibilidade dessas coisas, disse ao meu amigo que eu estava preparado para fazer algumas experiências com um bom “médium” que conhecia: o Sr. Butland. Depois de algumas razões, ele consentiu em consagrar um certo tempo a essas experiências. Combinei então com o Sr. Josty (fotógrafo em Bristol) para fazer as experiências em sua oficina, depois das seis horas da noite, e fiquei certo da participação do Dr. Thompson e do Sr. Tommy, na qualidade de testemunhas. Eu mesmo fazia todas as manipulações, à exceção de descobrir a objetiva, operação reservada ao Sr. Josty.
A câmara escura, munida de uma objetiva Ross, era construída de maneira a que se pudesse obter três provas negativas sobre a mesma placa. Amortecia-se a luz, para poder prolongar a exposição até quatro minutos. O fundo era semelhante ao que se emprega ordinariamente, de cor parda carregada, e encostava na parede. O médium lhe voltava as costas; estava sentado e tinha uma mesa pequena à sua frente. O Dr. Thompson e o Sr. Tommy estavam sentados de um lado, à mesma mesa, enquanto eu me conservava defronte, durante a exposição.”
A descrição das experiências é mesmo muito sumária nessa carta; citarei por isso a carta do Sr. Beattie, no jornal Spiritualist.
“Na primeira sessão, fizeram-se nove exposições sem resultado. Na segunda sessão, que se deu uma semana depois, obtivemos um resultado em a nona exposição. Se nada tivéssemos obtido, tínhamos decidido abandonar as experiências. Mas, ao revelarmos a última placa, vimos imediatamente aparecer uma imagem, semelhando-se vagamente a uma forma humana. Depois de muitas discussões, decidimos que o resultado obtido não podia ser atribuído a nenhum dos acidentes tão freqüentes em fotografia. Ficamos, pois, animados a prosseguir nas experiências. Farei observar que o Sr. Josty zombava até da própria idéia de fazer essas experiências; entretanto o resultado obtido na segunda sessão fê-lo refletir.
Na terceira sessão, a primeira placa não deu resultado. Sobre a segunda placa, cada uma das três exposições produziu um resultado; depois das duas primeiras, um busto luminoso, conservando os braços levantados e cruzados; na terceira exposição apareceu a mesma imagem, porém alongada. Diante dessa figura e acima dela se achava uma estranha forma recurvada, cuja posição e dimensão mudaram a cada nova exposição para a mesma placa. Depois de cada exposição sucessiva, a imagem aproximava-se cada vez mais da forma humana, enquanto que a forma que se achava acima dela se transformava em estrela. Essa evolução continuou durante as exposições seguintes, depois do que a estrela tomou a forma de uma cabeça humana.
Presenciávamos uma das exposições dessa série, e o Sr. Josty estava sentado em uma cadeira perto do aparelho para abrir a objetiva, quando, de repente, sentimos que o obturador caía das suas mãos; apercebemo-nos de que ele estava mergulhado em profundo transe.
No momento de voltar a si, ele manifestava grande emoção. Acalmando-se um pouco, disse que só se recordava de ter visto diante de nós uma forma humana branca, que lhe parecia ser a sua mulher. Pediu-nos que mandássemos imediatamente colher informações a seu respeito. Depois desse incidente, o Sr. Josty parecia dominado por um terror supersticioso e hesitava em tocar na câmara escura ou no caixilho; não ria mais.
Na quarta sessão, os resultados obtidos foram mais admiráveis ainda. Obtivemos em primeiro lugar a imagem de um cone, de uma extensão de cerca de 2 milímetros, e acima um outro cone mais curto; na segunda exposição, esses cones projetam uma irradiação para os lados; na terceira, o grande cone toma a forma de uma garrafa florentina, e o pequeno cone a de uma estrela; na quarta exposição, aparecem as mesmas imagens e, demais, um duplo da estrela. Na quinta exposição, cada uma dessas imagens parece atravessada por um fio de magnésio aceso, a estrela assemelhando-se a uma ave luminosa voando, e a garrafa estava como se tivesse sido reduzida a estilhaços; é como uma explosão de luz.
Na quinta sessão, tivemos dezoito exposições, sem o menor resultado. O dia estava muito úmido.
Na sexta sessão, sábado 15 de junho, obtivemos resultados muito estranhos, quer de natureza física, quer de natureza espírita. Descrevê-los-ei tão exatamente quanto possível. Doze exposições não deram resultado algum. Em seguida os Srs. Butland e Josty caíram em transe (sono letárgico). O Sr. Josty não pôde sair completamente desse estado letárgico durante todo o resto da noite; ele repetia de si para si: “Que significa isso?... Não me acho bem... Parece-me que estou atado.” Ele estava evidentemente no estado de semitranse. Na exposição seguinte, foi incumbido de abrir a objetiva; feito isto, aproximou-se rapidamente e colocou-se atrás de nós, o que nos admirou. Quando se passou o tempo necessário, correu para o aparelho e fechou a objetiva; sobre essa placa uma imagem branca tinha aparecido diante dele. Da pessoa do Sr. Josty não se via senão a cabeça.
Até o presente, ele se recusa a acreditar que se levantou e se colocou diante do aparelho; evidentemente tinha agido em estado de transe.
Na experiência seguinte, o Sr. Josty estava conosco e era o Dr. Thompson quem estava na objetiva. Durante a exposição, o Sr. Josty disse: “Vejo uma nuvem, igual a um nevoeiro de Londres.” Ao se revelar a chapa, para a segunda exposição, ele disse ainda: “Presentemente nada vejo, tudo é branco.” E abriu os braços para assegurar-se de que estávamos ali. No momento da retirada da placa para a terceira exposição, declarou que via de novo o nevoeiro.
O Sr. Butland, por sua vez, disse que via uma imagem. Farei notar que essas observações eram feitas durante a exposição. Desde que mergulhei a placa no revelador, obtive um resultado excessivamente estranho, direi inconcebível.
A primeira parte da placa representava um nevoeiro, diáfano, contínuo; as figuras sobre essa placa eram quer invisíveis, quer neutralizadas; por conseguinte, simultaneamente, um efeito era anulado, um outro era reproduzido. Sobre a parte seguinte da placa, a nebulosidade tinha-se tornado completamente opaca; sobre a terceira via-se um ligeiro véu e uma figura como a tinha visto o Sr. Butland.
A sétima sessão, compreendendo dezesseis exposições, só deu um resultado: uma espécie de imagem, lembrando a forma de um dragão; não compreendi o que ela representava.
Essa sessão foi seguida de uma série de sessões interessantes, no decurso das quais obtiveram-se placas marcadas por estranhas manchas luminosas, que foram, de cada vez, descritas minuciosamente pelos dois médiuns, durante a exposição, quanto ao seu número, sua disposição e sua intensidade.
Houve ainda uma última sessão a 22 de junho, à qual assistia o Sr. John Jones, de Londres.
O Sr. Josty sofria de uma dor de cabeça violenta e o Sr. Butland estava fatigado pelos seus trabalhos quotidianos. Fizeram-se vinte e uma exposições, que não deram senão três resultados: em uma vez uma mancha luminosa, e em duas outras uma espécie de feixe ou de molho, regularmente reunido, com uma linha nitidamente traçada na frente e raios luminosos atrás.
Nesse relatório, dei, tanto quanto me era possível, um esboço das nossas experiências; enquanto elas duravam, produziram-se muitas coisas que era preciso ver e ouvir. Essas experiências foram feitas para o nosso prazer pessoal. Todas as precauções tinham sido tomadas para evitar uma intervenção estranha. Operávamos atenta e conscienciosamente. Os resultados obtidos nos teriam satisfeito, ainda que nada mais tivéssemos conseguido.
Junto uma série dessas fotografias. Estou persuadido de que reconhecereis imediatamente a sua grande importância sob o ponto de vista científico. Suponhamos que em lugar dessas imagens tivéssemos recebido retratos; nesse caso, por maior que fosse a nossa satisfação própria, as pessoas estranhas teriam acolhido de maneira diferente as nossas experiências e teríamos tido maiores probabilidades de ser acreditados?
Assim como as fotografias do mesmo gênero, que vimos até o presente, denotavam claramente de que maneira tinham sido feitas, assim também, espero-o, percebereis imediatamente, depois de minucioso exame, que essas imagens, no seu conjunto, trazem em si as provas da sua estranha e singular origem. No decurso de todas essas experiências, recebíamos, por intermédio da mesa, indicações exatas, que diziam respeito à luz, à abertura e fechamento da objetiva. Eu mesmo fazia o trabalho fotográfico. As imagens sobressaíam imediatamente, muito antes das imagens normais, e isso demonstra a energia particular da força que se produzia.”
Os testemunhos breves do Sr. Tommy, que assistia às experiências, e do Sr. Jones, que tinha tomado parte em uma das sessões, estão publicadas no Médium de 5 de julho de 1872.
Na sua terceira carta, reproduzida pelo jornal fotográfico, em 1873, o Sr. Beattie, depois de uma notícia interessante e preliminar, conta uma nova série de experiências que fez naquele ano com o auxílio das mesmas pessoas. Os resultados foram, em geral, semelhantes aos obtidos precedentemente; quanto aos que apresentavam particularidades notáveis, falarei deles mais adiante, em lugar oportuno.
Vou citar aqui a carta do Dr. Thompson, da qual se falou mais acima, carta que ele tinha escrito a pedido de um colaborador do jornal Human Nature, em 1874, numa época, por conseguinte, em que ele estava ainda sob a impressão recente dos fenômenos observados.
Além do fato de ser a comunicação do Sr. Thompson muito minuciosa, e porque completa a descrição do Sr. Beattie por diversas particularidades interessantes, tem um valor particular, nesse caso especial, porque é o testemunho de uma pessoa estranha que assistiu a todas essas notáveis experiências, tanto mais porque o Sr. Thompson é um distinto fotógrafo amador; é por essa razão que cito essa comunicação in extenso:
“Quando, há dois anos, o público começou a interessar-se pela fotografia espírita, meu amigo, o Sr. Beattie, pediu-me que o auxiliasse em algumas experiências, cujo objetivo era estabelecer a realidade desse fato, visto que todos os casos observados por ele até aquele dia traíam fraudes com maior ou menor evidência.
Empreendemos essas experiências unicamente para a nossa própria instrução; ambos nos interessávamos pelo Espiritismo, em geral, e mais particularmente por essa questão especial; cada um de nós se tinha ocupado de fotografia durante perto de trinta anos – o Sr. Beattie, quando era o primeiro dos fotógrafos de Bristol, e eu como amador.
Um amigo comum, graças ao mediunismo do qual tínhamos freqüentemente sido testemunhas de diferentes fenômenos de transes e com a probidade do qual podíamos contar plenamente, ficou de boa vontade à nossa disposição. Começamos as nossas experiências no meado de junho de 1872, reunindo-nos uma vez por semana, às 6 horas da tarde (hora que nos era imposta pelas ocupações pessoais do médium). Servimo-nos de uma objetiva Ross, com foco de seis polegadas; a câmara negra era das que se empregam ordinariamente para a fotografia de formato de cartão de visita, com caixilho construído de maneira a se poderem obter três provas sobre a mesma placa. O banho de prata era preparado em um vaso de porcelana. O fundo era igual aos que se empregam ordinariamente, de ferro, montado sobre um caixilho e de uma cor tirando ao pardo. Começávamos cada sessão colocando-nos em torno de uma mesa pequena, a qual nos indicava, por movimentos, de que maneira devíamos operar. Seguindo essas instruções, o Sr. Beattie ocupava-se com a preparação e desenvolvimento da maior parte das placas, enquanto eu dirigia a exposição, cuja duração era igualmente indicada pelos movimentos da mesa, em torno da qual estavam sentados todos os experimentadores, à exceção de mim.
Tiravam-se as placas dos banhos preparados de antemão, sem observar ordem alguma particular. Julgo importante mencionar esse fato, porque ele permite recusar grande parte das objeções, senão todas, tendentes a pôr em dúvida a autenticidade dessas fotografias. Além das precauções tomadas para a escolha das placas, tínhamos recorrido a outras, o médium não deixava a mesa, salvo se convidado para assistir à revelação; dessa maneira – admitindo-se mesmo que as chapas tivessem sido preparadas previamente – tornava-se absolutamente impossível saber qual seria a imagem que se obteria sobre a placa; entretanto, o médium nos descrevia essas imagens até em suas particularidades mínimas.
As nossas sessões não duravam habitualmente além de duas horas. Na primeira sessão, fizemos nove exposições sem obter nada de insólito.
Reunimo-nos na semana seguinte e, depois de oito exposições, igualmente infrutíferas, decidimos parar com as experiências se a nona não desse resultado favorável. Mas, desde que procedemos à revelação da nona placa, vimos instantaneamente aparecer uma forma estranha, muito semelhante a uma figura inclinada. Quando nos reunimos pela terceira vez, a primeira placa nada apresentou de particular (em geral em quase todas as sessões ulteriores as primeiras exposições não deram resultado algum). Na segunda placa apareceu uma figura notável que se assemelhava à parte superior de um corpo feminino. A mesma imagem, porém mais alongada, apareceu igualmente na terceira placa. Daí em diante, em lugar da forma da cabeça, obtivemos imagens que se aproximavam mais ou menos da forma de uma estrela. No começo da nossa sessão seguinte, tivemos a princípio doze insucessos, mas, quando as manifestações começaram, verificamos que as imagens tinham mudado e tomado a forma de cones ou de garrafa, que eram cada vez mais luminosas para o centro. Esses cones luminosos apareciam invariavelmente sobre a fronte ou sobre a face do médium, e eram geralmente acompanhados de uma mancha luminosa que se achava acima da sua cabeça. Em um caso havia duas estrelas desse gênero, uma das quais era menos brilhante e estava parcialmente encoberta pela outra. Essas imagens, por sua vez, cediam o lugar a outras: os cones e as estrelas transformavam-se em imagens, lembrando aves de asas abertas, enquanto os bordos primitivamente luminosos das figuras se confundiam gradualmente com o fundo.
Na sessão seguinte, 21 exposições não deram resultado algum; foi durante essa noite que o médium, pela primeira vez, começou a falar em transe e a nos descrever o que tinha visto, quando as placas estavam ainda no gabinete; verificou-se que as suas descrições eram exatamente conformes às imagens recebidas ulteriormente. Uma vez ele exclamou: “Estou rodeado por um nevoeiro espesso e nada posso ver.” Após a revelação da chapa utilizada nesse momento, nada se viu; toda a superfície estava velada. Em seguida, ele descreveu uma figura humana rodeada por uma nuvem; revelada a placa, pudemos distinguir uma imagem fraca, porém muito nítida, lembrando uma forma feminina. Em outra ocasião, no ano precedente, quando eu estava sentado à mesa, o médium fez a descrição de uma figura de mulher que deveria ter-se conservado perto de mim e cujo esboço sumário apareceu mui nitidamente após a revelação da chapa. Desde então as aparições foram quase todas descritas pelo médium durante a exposição e, em cada caso, com a mesma precisão. No ano passado essas manifestações se tornaram mais variadas na forma do que as precedentes; uma das mais curiosas manifestações foi uma estrela luminosa do tamanho de uma moeda de 3 pence de prata, no meio da qual se achava um busto moldurado em uma espécie de medalhão, cujos bordos eram nitidamente traçados em negro, como o médium o tinha descrito.
No decurso dessa sessão ele atraiu, repentinamente, a nossa atenção para uma luz viva e no-la mostrou; estava admirado de que nenhum de nós a visse. Quando a placa foi revelada, notava-se ali uma mancha luminosa e o dedo do médium que a indicava. Todos aqueles que estudaram a série inteira dessas fotografias notaram que a maior parte das imagens obtidas apresentavam, por assim dizer, um desenvolvimento sucessivo, começando por pequena superfície luminosa, que aumentava gradualmente, mudam de contornos, e a última fase de mudança consiste na fusão de duas imagens primitivamente independentes.
O Sr. Beattie nos fazia freqüentemente observar a rapidez com a qual essas imagens apareciam à revelação, enquanto que as imagens normais só apareciam muito mais tarde. A mesma particularidade foi notada por outras pessoas que se ocupavam com semelhantes experiências e nos assinalaram esse fato.
Sucedia freqüentemente no fim da sessão, quando a luz era consideravelmente amortecida, não notarmos sobre as placas submetidas à revelação nenhuma outra coisa além das impressões dessas formações luminosas que tinham sido invisíveis aos nossos olhos. Esse fato demonstra que a força luminosa que agia sobre a placa, se bem que sem ação sobre a nossa retina, era considerável; por isso trabalhávamos às escuras, porque a luz visível, refletida pelos objetos que estavam no quarto, não podia produzir ação alguma sobre a camada sensível.
Essa circunstância me sugeriu a idéia de experimentar se o raio ultravioleta do espectro tinha qualquer influência sobre essas formações; nesse intuito propus expor um pedaço de papel impregnado de uma substância fluorescente na direção em que o médium dizia ver as luzes. Para esse fim, tomei uma folha de papel mata-borrão, embebi uma metade dele em uma solução de quinina, deixando a outra metade não embebida, para melhor apreciar que efeito produziria a presença da quinina.
A meu pesar, fiquei privado de assistir à sessão em que se fez essa experiência. Foi a nossa última experiência, mas o Sr. Beattie expôs o papel, de acordo com as minhas indicações, sem obter, entretanto, resultado algum.”
Como se pode julgar pelos documentos precedentes, o Sr. Beattie tinha reunido, para essas experiências, um pequeno grupo de amigos, composto ao todo de cinco pessoas, entre as quais se achava um médium, o Sr. Butland; é essencial fazer notar que ele não era médium de efeitos físicos e de materialização, mas médium de transe (como vemos na carta mais minuciosa do Sr. Beattie, publicada pelo Spiritualist de 15 de julho de 1872); repito-o, trata-se, pois, de um médium com o qual iguais fenômenos não se produzem geralmente, e o Sr. Beattie não tinha, por conseguinte, convidando-o, probabilidade alguma de êxito; ele não podia formar suposição alguma sobre o gênero de fenômenos que se produziriam; os resultados obtidos foram, pois, relativamente fracos e muito vagos.
Mas o Sr. Beattie, vivendo em Bristol, não tinha grande escolha a fazer; e o Sr. Butland, por ser seu amigo íntimo, podia contar com a sua dedicação, o que não era para desprezar naquela circunstância, pois que foi só na décima oitava exposição que se obteve resultado.
Essas experiências não escaparam à atenção do Sr. Hartmann, e ele faz menção delas na página 46. Classifica-as sob a denominação de “aparições luminosas”, que ele atribui a “vibrações do éter de uma refrangibilidade superior”. Mas as palavras “aparições luminosas” são muito vagas; na página 49, o Sr. Hartmann fala ainda delas, nestes temos:
“As aparições luminosas mediúnicas apresentam também formas determinadas, mas são antes (??) formas cristalinas, ou melhor, inorgânicas, por exemplo, cruzes, estrelas, um campo luminoso com manchas mais brilhantes, que têm mais semelhança com as figuras elétricas formadas de finas poeiras ou com as figuras do som (figuras Chladni), do que com formas orgânicas.”
O Sr. Hartmann não viu as fotografias do Sr. Beattie, e não presta atenção alguma às palavras do Sr. Beattie, que não se harmonizam com a sua explicação, e nas quais se trata de figuras humanas. Mas, presentemente, quando os nossos leitores já podem formar uma idéia dessas fotografias, conforme as fototipias que foram publicadas, torna-se claro para cada um que nas fotografias em questão não nos achamos em presença de “formas cristalinas ou não orgânicas”, mas que vemos, pelo contrário, aparições que tendem a tomar uma forma orgânica, a forma humana.
O que é de notar é que nas primeiras estampas (estampas I e II) a formação das imagens tem dois centros de desenvolvimento; vemos dois corpos luminosos: um se formando na região da cabeça do médium, o outro na região do peito.
Na estampa I vê-se o médium sentado no meio, voltando-nos o rosto; à direita está o próprio Sr. Beattie; à esquerda os Srs. Thompson e Tommy. Na estampa II nota-se uma série de formações que se ficaria tentado a comparar a uma formação vertebral. Nas estampas III e IV a reunião das imagens está, por assim dizer, consumada, e vemos figuras que não podem ser comparadas a outras coisas senão a formas humanas.
Estampa I - Figuras 1 a 4
Estampa II - Figuras 5 a 8
Estampa III - Figuras 9 a 12
Estampa IV - Figuras 13 a 16
Além disso, o Sr. Beattie fala de uma sessão na qual “três exposições consecutivas deram bustos luminosos com os braços cruzados” (Ps. Stud., v. pág. 339). Do mesmo modo as suas outras expressões, tais como “desenvolvimento de uma figura humana completa” (ibidem), “imagem luminosa produzindo-se sobre um lado” (vide pág. 14), “figura sombreada com cabelos longos, estendendo a mão” (Ps. Stud., 1881, págs. 256-257), não deixam dúvida alguma sobre esse ponto. O Sr. Thompson fala também de figuras humanas que se produzem freqüentemente.
Depois de tudo isso, podemos concluir que nos achamos em presença, não de simples “aparições luminosas”, mas de produções de uma matéria invisível ao nosso olho e que é ou luminosa por si mesma ou reflete sobre a placa fotográfica os raios de luz a cuja ação a nossa retina é insensível. Que se trata aqui de uma matéria está provado por esse fato: ela é às vezes tão pouco compacta que se vêem as formas das pessoas sentadas e a mesa, e que outras vezes ela é tão densa que encobre a imagem dos assistentes; o aparecimento das imagens humanas através da formação de matéria é visível na estampa IV, figuras 14 e 15; ela é mais visível ainda sobre as fotografias originais.
Ao mesmo tempo essa matéria é incontestavelmente dotada de tal energia fotoquímica que as suas impressões aparecem antes de todas as outras imagens, antes mesmo das figuras normais, cuja revelação é preciso esperar durante um tempo mais ou menos longo.
Dentre as experiências do Sr. Beattie, há uma que estabelece de maneira absoluta a impossibilidade de definir o resultado obtido pelas palavras “aparições luminosas”, porque a forma que apareceu é negra. Reproduzo aqui as próprias palavras do Sr. Beattie:
“Depois de diversos insucessos, preparei a última placa para aquela noite. Eram 7:45. Quando tudo ficou pronto, o médium nos declarou que via, sobre o fundo de trás, uma figura de velho que estendia a mão. Um outro médium, que também estava presente, disse que percebia uma figura clara. Cada um dos dois médiuns fez a descrição da posição na qual via o fantasma. Essas figuras apareceram efetivamente sobre a placa, porém fracamente, de sorte que a tiragem não deu resultado. Reproduzi-as em positivo transparente e depois em negativo muito forte, e então pude fazer a tiragem. Podeis ver que estranho resultado obtive. A figura mais negra parece representar uma personagem do século XVI: dir-se-ia que ela tem uma cota de malha e cabelos longos. A figura clara está apagada; não aparece, na realidade, senão como imagem negativa.” (Ps. Stud., 1881, pág. 257).
Mas não é tudo. Essas experiências deram um outro resultado, que é notável. As imagens de que falamos até o presente, e que foram reproduzidas sobre as nossas fototipias, podem ser consideradas como espontâneas artificiais. Assim, o Sr. Beattie as compara, ora a “uma coroa, ornada de pontas e tendo a forma de espadas”, ora a “um sol brilhante, no meio do qual se vê uma cabeça”. Na sua terceira carta, ele faz a descrição seguinte dessa última experiência:
“A experiência seguinte, a última, se bem que absolutamente única pelos seus resultados, pode ser descrita em algumas palavras: na primeira exposição dessa série obteve-se uma estrela; na segunda exposição essa mesma estrela, porém maior; e na terceira essa estrela era transformada em um sol de dimensões consideráveis, um pouco transparente; conforme a descrição feita pelo médium, a mão mergulhada nesse sol sente um calor igual ao do vapor subindo de uma caldeira. Na quarta exposição o médium vê um sol soberbo, cujo centro é transparente e mostra o perfil de uma cabeça “semelhante às que se vêem sobre os shillings.” Depois da revelação, verificou-se que todas as descrições eram exatas.” (Ps. Stud., 1881, pág. 257).
Tenho em meu poder a série completa dessas fotografias. Na primeira distingue-se, acima da cabeça do médium, um corpo luminoso do tamanho de uma ervilha pequena; na segunda prova ele triplicou de volume e apresenta o contorno de uma cruz esboçada, do tamanho de um centímetro e meio; vê-se a mão do médium dirigindo-se para esse corpo luminoso; na terceira fotografia, a imagem tomou uma forma oval, do mesmo volume, de fundo igual, guarnecida de protuberâncias no contorno; na quarta fotografia a figura oval é ainda mais regular e assemelha-se a uma moldura de forma oval formada de pequenos rendados luminosos e tendo meio centímetro de largura por 2 centímetros de comprimento; no interior da moldura desenha-se, em tom mais carregado, o perfil de uma cabeça, “como sobre um shilling, do tamanho de um centímetro”.
O Sr. Beattie chega às conclusões gerais seguintes:
“As minhas experiências demonstram que existe na Natureza um fluido ou éter, que se condensa em certas condições e que, nesse estado, se torna visível às pessoas sensitivas; que, tocando a superfície de uma placa sensível, a vibração desse fluindo ou desse éter é tão ativa que produz uma poderosa reação química, como só pode produzir o sol em plena força. As minhas experiências provam que há pessoas cujo sistema nervoso é de natureza a provocar (no sentido físico) essas manifestações; que, em presença dessas pessoas, formam-se imagens com uma realidade que denotam a existência de uma força inteligente invisível. Porém, nas páginas do seu jornal, essa questão deve ficar num terreno puramente físico. O fato é que, fotografando um grupo de pessoas, obtivemos sobre a placa manchas nebulosas apresentando um caráter determinado e permitindo julgar da extensão, da largura e da espessura das formas assim fotografadas; essas formas têm luz própria e não projetam sombra alguma; denotam a existência de um objetivo; podem facilmente ser imitadas, mas é duvidoso que alguém as tivesse imaginado.” [10]
No final da sua carta publicada no Spiritualist, o Sr. Beattie chega às mesmas conclusões e acrescenta:
“Essa substância é utilizada por seres inteligentes invisíveis e moldada por eles em diversas formas, como a terra glaise pelo artista; quaisquer que sejam, essas formas, colocadas diante da objetiva, podem ser fotografadas; as pessoas cuja retina é bastante sensível para perceber essas formas dão a sua descrição exata, antes que se tenham tornado visíveis ao olho normal, pela revelação da placa.”
Na expectativa, deixemos de lado a questão dos “seres inteligentes invisíveis”, porque é matéria para discussão; detenhamo-nos nesse momento no fato irrecusável, demonstrado pelas experiências fotográficas, a saber, que sob certas condições mediúnicas há formações materiais, invisíveis ao olho normal, que estabelecem a existência de uma força inteligente, agindo com um fim preconcebido, e que há evidentemente desenvolvimento progressivo de um tipo determinado.
É preciso notar que esse fato é estabelecido por uma dupla prova: de um lado o fenômeno é visto e descrito pelas pessoas sensitivas do círculo experimentador, no momento da sua produção; de outro lado a fotografia dá uma prova material da realidade dos fenômenos observados e confirma a exatidão das descrições feitas por essas pessoas. O Sr. Hartmann não o nega (página 57). Possuímos, por conseguinte, a demonstração exigida pelo Sr. Hartmann, que quer que a placa fotográfica receba simultaneamente o médium e a aparição. Se as experiências fotográficas não tivessem dado esse resultado, o Sr. Hartmann teria podido colocar essas visões do médium no domínio das alucinações, como o faz sem hesitar em qualquer outra ocasião. Eis, por exemplo, os termos que certamente ele teria aplicado às experiências do Sr. Beattie se não fossem acompanhadas de fotografias: “Quando o médium tem a ilusão de que uma nuvem se desprende da cavidade do seu estômago e toma a forma de um Espírito, o espectador fascinado terá a mesma ilusão.” Desde que possuímos agora a prova fotográfica (pelas experiências do Sr. Beattie), de que não estamos em presença de alucinações, adquirimos um fato da mais alta importância; falaremos dele a seu tempo. É útil igualmente fazer observar que esse mesmo fato demonstra que o resultado obtido sobre a placa fotográfica não pode ser atribuído unicamente à ação “de um sistema de forças lineares”, emanando do médium (hipótese pela qual o Sr. Hartmann explica as impressões de corpos orgânicos) e agindo apenas na superfície da placa; fica-se na obrigação de admitir, nesses casos, que objetos reais produziram os resultados fotográficos em questão.
Também é muito notável a conclusão do Sr. Beattie, de que tratamos nesse caso de uma matéria invisível, artificialmente fabricada; a mesma conclusão já tinha sido deduzida de numerosas observações sobre os fenômenos da materialização visível e, entretanto, essa materialização visível, a princípio, dos rostos humanos, e depois do corpo inteiro, começava apenas a ser conhecida, quando em 1872 o Sr. Beattie chegou às mesmas conclusões das quais teremos ainda que falar, pesando o seu valor.
O Sr. Beattie não foi o único a querer verificar, em pessoa, com o concurso de um círculo de íntimos, as notícias sensacionais vindas da América, a respeito da fotografia espírita. Nos jornais ingleses de 1872 e 1873 (Médium, Spiritual Magazine e Spiritualist) encontram-se numerosas referências a semelhantes experiências, feitas por particulares no intuito de verificar esses fenômenos pelos seus próprios olhos. As primeiras fotografias desse gênero foram obtidas pelo Sr. Guppy, autor do livro Mary-Jane, do qual falamos em nosso resumo histórico da literatura espírita. Nesse caso o médium era a Sra. Guppy. (Para as particularidades dessas experiências, ver Spiritual Magazine, 1872, pág. 154, e a descrição que fez delas o Sr. Wallace, que conhecia a Sra. Guppy pessoalmente. Ver o seu livro Defesa do Espiritualismo Moderno. Semelhantes experiências foram feitas pelo Sr. Reeves, que até não tinha idéia alguma da arte fotográfica quando começou. Ele obteve igualmente imagens de objetos inanimados e de rostos humanos (Spiritual Magazine, 1872, págs. 266 e 409); esse jornal faz menção de 51 fotografias desse gênero. Citemos ainda as experiências do Sr. Parmes, sobre as quais interessantes particularidades são publicadas pelo Human Nature (1874, págs. 145-157), assim como no Spiritualist (1875, t. VI, págs. 162-165, e t. VII, págs. 282-285); do Sr. Russell, que fez experiências com pessoas da sua família e com médiuns de profissão, em sua casa (Spiritual Magazine, 1872, pág. 407); do Sr. Slater, óptico de Londres, cujos sensitivos eram também membros de sua família; ele próprio fazia todas as manipulações; encontra-se a sua comunicação no Médium de 1872, pág. 239 e seguintes. Teremos ainda que falar nele mais adiante. Finalmente mencionemos o Sr. Williams, professor de Direito, doutor em Filosofia, sobre as experiências a respeito do qual o Sr. Wallace se exprime nos termos seguintes:
“Uma confirmação não menos comprobatória foi obtida por um outro amador, o Sr. Williams, após tentativas que duraram um ano e meio. No ano passado ele teve o ensejo de obter três fotografias, cada uma das quais com uma parte de figura humana, ao lado da pessoa em exposição; uma só dessas figuras tinha os traços do rosto claramente reproduzidos. Mais tarde, achava uma forma de homem bem visível, ao lado da pessoa exposta; entretanto, depois dos banhos, essa imagem desapareceu do negativo. O Sr. Williams me certifica por escrito que essas experiências excluíam toda a fraude e toda a suposição de que essas imagens tivessem sido obtidas por qualquer processo conhecido.” (Defesa do Espiritualismo Moderno, pág. 54).
Não devemos também deixar em silêncio a experiência pessoal do Sr. Taylor, redator do British Journal of Photography. Sendo o testemunho do Sr. Taylor o de um homem que não só vivia isolado de todas as ocupações referentes ao Espiritismo, como ainda tinha qualificado a fotografia espírita de impostura vergonhosa, reproduzimos aqui textualmente a sua comunicação. Ele dirigiu-se à casa do Sr. Hudson, fotógrafo de profissão, em Londres, que também pretendia produzir fotografias espíritas. O próprio Sr. Taylor fez todas as manipulações e obteve resultados absolutamente concludentes. Deixemos-lhe a palavra:
“Uma vez reconhecida a realidade do fato, achamo-nos em presença desta questão: Como se produzem essas imagens sobre a placa coberta de colódio? A primeira idéia é atribuí-las a uma exposição dupla, arranjada pelo fotógrafo, o Sr. Hudson. Mas essa explicação encontra um desmentido imediato: a presença do Sr. Hudson não é de maneira alguma indispensável ao êxito da experiência; devemos em verdade declarar que o seu gabinete negro estava à nossa inteira disposição todas as vezes que nos achávamos em seu atelier para fazer as experiências em questão. Empregávamos o nosso colódio e as nossas placas; durante todo o tempo da preparação, da exposição e da revelação, o Sr. Hudson conservava-se a uma distância de 10 pés do aparelho.
É certo que em muitas placas obtivemos imagens fora do comum. Qualquer que seja a sua origem – por ora deixamos essa questão de lado –, uma coisa parece evidente: é que o próprio fotógrafo não tem nisso parte alguma. Assim também, a suposição de que o resultado produzido era devido a placas que tinham servido anteriormente não é aceitável nesse caso, pois todas as placas eram novas, compradas na Casa Rouch & Cia., algumas horas antes da experiência; além disso, elas estavam durante todo o tempo sob nossas vistas; o próprio embrulho só era aberto no começo da sessão.” (British Journal of Photography, 22 de agosto de 1873, citado pelo Spiritual Magazine, 1873, pág. 374).
É à mesma época que se referem as experiências que o Sr. Reimers fazia em um círculo íntimo; todas as manipulações eram feitas por ele próprio; os resultados obtidos estavam perfeitamente de acordo com as visões sensitivas do médium, bem como com as observações feitas pelo Sr. Reimers nas sessões de materialização, no decurso das quais aparecia a mesma imagem que sobre as fotografias. (Spiritualist, 1874, I, 238; Psychische Studien, 1874, pág. 546, 1876, pág. 489 e 1879, pág. 399).
Posso mencionar ainda experiências iguais feitas pelo Sr. Damiani, em Nápoles. Eis a sua comunicação:
“Um jovem fotógrafo alemão ficou tão impressionado à vista da minha coleção de fotografias espíritas, que me propôs fazer algumas experiências sobre o terraço da minha casa, se eu me incumbisse de convidar um médium para aceitar a sua proposta. No meado de outubro eu contava com seis médiuns que se puseram à disposição do fotógrafo: a Baronesa Cerápica, o Major Vigilante, o Cônego Fiore e três senhoras ainda. Na primeira placa apareceu uma coluna de luz; na segunda um globo por cima da cabeça de uma das senhoras, médium; na terceira o mesmo globo, com uma mancha no centro; na quarta placa essa mancha era mais acentuada; na quinta e última pode-se distinguir um esboço franco de cabeça no centro de uma mancha luminosa.” (Spiritualist, 3 de dezembro de 1875).
É fácil verificar nessas experiências os mesmos característicos que os que se produziram nas sessões do Sr. Beattie.
Não posso evidentemente entrar nas particularidades de todas as experiências que mencionei; isso tornaria necessário um volume. As experiências do Sr. Beattie nos bastam, porque põem entre as nossas mãos os documentos necessários e, ao demais, as condições nas quais essas pesquisas foram feitas correspondem às exigências da crítica mais severa. Repetimo-lo, essas experiências não tiveram outro intuito além de o de servir à convicção pessoal de um homem esclarecido, pesquisador estudioso, que era, além disso, um fotógrafo distinto. Ele não auferiu lucro algum material dessas experiências; as fotografias espíritas obtidas por ele nunca foram postas à venda; finalmente, nunca foram reproduzidas senão em um número restrito de exemplares, para serem distribuídos entre os amigos da causa; elas são conservadas, esperamo-lo, nos maços de jornais de fotografia aos quais essas provas chegaram ao mesmo tempo que os seus artigos. Não é, pois, de admirar que essas fotografias sejam pouco conhecidas, em geral, e na atualidade esquecidas provavelmente, porque toda a atenção se dirigiu naturalmente para os fenômenos de materialização visível.
Achando-me em Londres, em 1873, dirigi-me a Bristol, com a resolução decidida de fazer conhecimento com o Sr. Beattie. De boa vontade ele me ofereceu 32 fotografias da sua coleção. Para estudar essa questão seriamente, seria útil reproduzir em fototipia a série inteira das experiências do Sr. Beattie, por ordem cronológica. Ele próprio diz: “Essas fotografias, para serem bem compreendidas, demandam ser estudadas em suas séries consecutivas, porque é precisamente a sua evolução que é notável.”
Não possuo, a meu pesar, a coleção completa; deixei de numerar os exemplares que me foram entregues pelo Sr. Beattie, segundo as suas indicações. Presentemente é muito tarde, porque o Sr. Beattie não é mais deste mundo. Por conseguinte fiz a escolha de 16 fotografias conforme a ordem de sua série, segundo a descrição que os artigos dão a seu respeito. Acrescentarei que, na minha opinião, uma ordem rigorosamente cronológica não é de necessidade imprescindível, visto que as diversas fases da evolução não seguem de maneira absoluta a marcha do tempo, conforme pudemos julgar de acordo com os relatórios; elas estão, além disso, sujeitas às condições mais ou menos favoráveis que acompanham cada experiência.
Alonguei-me sobre as experiências fotográficas do Sr. Beattie porque considero que os resultados que ele obteve são a base fundamental de todo o domínio fenomênico da materialização mediúnica, em geral, e da fotografia transcendente, em particular, que nos vai oferecer desenvolvimentos muito significativos, sob outros pontos de vista.
O conjunto das fotografias do Sr. Beattie prova que, durante os fenômenos mediúnicos produzem-se não somente fenômenos intelectuais, de uma ordem particular – o que a crítica está resolvida a admitir, geralmente –, mas também fenômenos materiais, no sentido restrito da palavra, isto é: fenômenos de produção de certa matéria, tomando diversas formas, o que constitui o ponto essencial da questão; essa matéria apresenta-se a princípio sob a forma de vapor nebuloso, luminoso, unicolor, condensando-se pouco a pouco e adquirindo contornos mais definidos – como foi observado e assinalado por numerosas pessoas sensitivas ou clarividentes, principalmente pelos médiuns do Sr. Beattie. No seu último desenvolvimento, essa matéria se apresenta, nessas experiências, sob formas que devem necessariamente chamar-se formas humanas, posto que não sejam ainda perfeitamente definidas. Teremos a prova, nos desenvolvimentos ulteriores desse fenômeno, demonstrada pela fotografia transcendente, de que nos achamos realmente em presença de formas humanas. Mas, não devo esquecer, respondendo ao Sr. Hartmann, que me cumpre observar as condições difíceis e severas – em verdade perfeitamente racionais – que ele impôs como garantia da autenticidade do fenômeno de que se trata.
Felizmente, poderemos proceder mais adiante nas condições requeridas, que serão tão concludentes quanto as das experiências do Sr. Beattie.
Como grau intermediário entre uma forma humana indefinida e uma outra perfeitamente definida, apresenta-se a materialização definida de um órgão humano qualquer. Sabemos que os fenômenos de materialização, visíveis, consistiam – no começo do movimento espirítico – no aparecimento momentâneo de mãos humanas, visíveis, palpáveis, e provocando deslocamentos de objetos. O Sr. Hartmann coloca esse fenômeno no domínio das alucinações. Vemos, porém, na estampa V (adiante), a fotografia de mão – invisível para os assistentes – obtida pelo Dr. N. Wagner, professor de Zoologia na Universidade de S. Petersburgo. Reproduzo aqui o extrato de um artigo que esse sábio publicou no Novoïé Vremia (Novo Tempo) de 5 de fevereiro de 1886, sob este título: A teoria e a realidade; esse artigo apareceu precisamente na ocasião da publicação de uma tradução russa do livro do Sr. Hartmann sobre o Espiritismo:
“Pois que o Sr. Hartmann pede provas objetivas do fenômeno da materialização das formas humanas, suponho que é oportuno publicar os resultados de uma experiência que fiz no intuito de obter, por intermédio da fotografia, a prova de um fenômeno desse gênero.
Fiz essa experiência há cinco anos. Nessa época, preocupava-me em encontrar uma confirmação da minha teoria dos fenômenos hipnóticos, expostos por mim em três leituras públicas. Eu supunha que a individualidade psíquica, desprendendo-se do indivíduo hipnotizado, podia tomar uma forma, invisível para o experimentador, porém real em si mesma, que a placa fotográfica podia reproduzir, porque ela constitui um aparelho muito mais sensível aos fenômenos da luz do que o nosso olho. Não falarei de toda a série de experiências infrutíferas que fiz nesse terreno; referirei apenas uma única experiência, que foi feita no mês de janeiro de 1881 e que deu resultados absolutamente inesperados.
A Sra. E. D. de Pribitkof, a cuja complacência sou devedor da maior parte das minhas observações mediúnicas, me serviu de sensitiva para essa experiência. Na véspera, eu tinha preparado sete chapas fotográficas cobertas com a emulsão de colódio. A câmara escura que emprego é a de Warnerke, construída por Dolmeyer; ela é estereoscópica, e eu a escolhi assim para que as duplas imagens se confrontassem umas pelas outras e para que se pudessem reconhecer as manchas acidentais que podem aparecer na chapa ao revelar-se o negativo. Essa câmara escura é de dimensões maiores do que as usadas pelos fotógrafos da Rússia; por esse motivo, cada vez que preciso de novas chapas, tenho que encomendá-las ao fotógrafo ou ao vidraceiro; elas são cortadas em uma lâmina de vidro inteira, que nunca serviu para as manipulações fotográficas.
Pelo processo psicográfico fomos informados: de que a experiência devia ser feita na manhã seguinte, quantas chapas devíamos expor, enfim, que na terceira chapa se produziria uma imagem mediúnica. Além da Sra. de Pribitkof, eu tinha convidado ainda um sensitivo hipnótico, um aluno de um ginásio de S. Petersburgo, com o qual tinha feito experiências de hipnotismo muito bem sucedidas; destinava-o a substituir a Sra. de Pribitkof no caso em que essa senhora desse mostras de fadiga ou de qualquer desordem nervosa. Eu tinha convidado uma pessoa a quem conhecia intimamente e com a qual fazia freqüentemente experiências de hipnotismo, o Sr. M. P. de Guedeonoff; a sua presença era necessária para adormecer o médium. O último dos assistentes era o meu velho colega de escola, o Sr. W. S. de Jacoby, que se ocupa de fotografia. Todos os meus convidados chegaram à hora indicada, meio-dia, e abrimos imediatamente a sessão. Encerramo-nos em um grande quarto da minha residência, com duas janelas e uma porta.
A médium foi colocada defronte de uma das janelas, e o Sr. de Guedeonoff, por meio de simples passes, mergulhou-a em breve em um sono hipnótico. Tínhamos externado o desejo de que, por meio de pancadas, nos fosse indicado quando seria tempo de abrir a objetiva e de terminar a exposição. Não tivemos que esperar muito tempo: três pancadas muito fortes retumbaram no soalho e, depois de uma exposição que durou dois minutos, pancadas da mesma maneira nos advertiram que era tempo de fechar a objetiva.
Nas duas primeiras chapas que tinham sido expostas – depois da revelação operada imediatamente no gabinete escuro –, só se viu aparecer o retrato da médium, adormecida na sua cadeira. A exposição da terceira chapa durou cerca de três minutos, e depois da revelação encontramos ali a reprodução de uma mão acima da cabeça da médium.
Eis em algumas palavras a posição que ocupavam no quarto, no momento da exposição, as cinco pessoas que tomaram parte nessa experiência: o Sr. de Guedeonoff conservava-se perto da câmara escura; o jovem colegial de quem lhes falei estava sentado à parte, a quatro passos do aparelho; finalmente o meu amigo Jacoby e eu estávamos perto da câmara escura.
Estampa V – Fotografia transcendental
obtida pelo Dr. N. Wagner.
Julgo inútil lembrar que o aparelho era estereoscópico e que na chapa apareceram duas imagens idênticas. A mão, reproduzida acima da cabeça da médium, não podia ser a mão de nenhuma das pessoas presentes. Posto que a fotografia seja fraca e nebulosa – evidentemente porque não esteve exposta por tempo bastante –, vê-se ali a imagem muito distinta de uma mão saindo de uma manga de vestido feminino; mais acima se distingue o braço, mas apenas visível. A estrutura da mão é característica; é realmente mão de mulher, é disforme, porque o polegar se separa dos outros por profunda chanfradura. É evidente que essa mão não foi completamente materializada.
Nenhuma dúvida pode subsistir: a mão fotografada é realmente um fenômeno mediúnico.
Nas outras chapas que bati, nada de insólito apareceu. Fiz ainda, com o mesmo fim, uma série de experiências e expus, nas mesmas condições, 18 chapas; porém nenhuma registrou novos fenômenos mediúnicos.”
Por minha vez, acrescentarei que conheço pessoalmente todos os membros que assistiram a essa experiência, cujo resultado me foi comunicado imediatamente. O professor Wagner veio em pessoa trazer-me um exemplar da fotografia, que é reproduzida na estampa V. Isso se passava no mês de janeiro de 1881. À exceção do Sr. Jacoby, que eu tinha encontrado por muitas vezes em casa do Sr. Wagner, conheço particularmente todas as outras pessoas: a Sra. de Pribitkof é mulher do redator do Rebus, capitão de Marinha, e desde muitos anos mantenho com ambos relações constantes. A Sra. de Pribitkof é médium de efeitos físicos e por muitas vezes assisti às suas sessões; pancadas, reprodução na mesa de pancadas e de sons produzidos pelos assistentes, lançamento da mesa, escrita direta, deslocamento de objetos em plena luz e às escuras: eis as principais manifestações de seu mediunismo.
Permitam-me abrir aqui um parêntesis para assinalar uma experiência recente que foi mencionada no número 1 do Rebus, em 1886: no decurso dessa sessão, às escuras, uma campainha, colocada sobre a mesa em torno da qual estavam sentados os espectadores, foi levantada e começou a soar acima das cabeças. Um céptico, guiando-se pelo som, conseguiu apanhar com destreza a campainha no momento em que ela tilintava perto de si. Ele apanhou bem a campainha, mas não a mão de cuja presença suspeitava. É talvez essa mão intangível que é reproduzida na fotografia do Dr. Wagner. Qual teria sido a conclusão do nosso céptico, se tivesse sentido essa mão em estado de materialização mais grosseiro e com a manga por cima? Certamente teria concluído com “segurança” por uma fraude do médium, como se proclamou com freqüência em casos análogos; acabamos de ver, entretanto, que essa “certeza” está longe de ser absoluta; a fotografia dá testemunho disso.
Volto, porém, ao meu assunto: o segundo dos assistentes do Dr. Wagner, o Sr. Miguel de Guedeonoff, é capitão-tenente da Guarda Imperial; conheço-o há cerca de dez anos; depois de ter feito, na qualidade de oficial, a campanha da Turquia, está atualmente empregado no serviço civil, na Administração Central das Prisões.
O jovem colegial, que devia, em caso de necessidade, substituir a Sra. de Pribitkof, chama-se Krassilnikof; depois ele foi estudante da Academia de Medicina.
Todas as pessoas receberam, como lembrança dessa sessão memorável, um exemplar da fotografia em questão; antes de publicar essas informações, interroguei todas acerca de diferentes particularidades da experiência. O Sr. de Guedeonoff deu-me o seu testemunho por escrito, que reproduzo aqui a título de documento suplementar:
“No mês de janeiro de 1881, o professor Wagner me participou o seu projeto de fazer algumas experiências de fotografia de uma pessoa mergulhada no sono magnético, com a esperança de recolher uma prova objetiva da possibilidade do desdobramento da personalidade. Como, naquela época, eu me ocupasse muito de magnetismo, o professor Wagner propôs-me tomar parte nessas experiências na qualidade de magnetizador, e convidou, para uma sessão próxima, a Sra. de Pribitkof e o Sr. Krassilnikof, que ele desejava fotografar.
Compreendendo toda a importância do projeto do Sr. Wagner, aceitei o seu convite; na véspera da sessão, dirigi-me à casa do professor Wagner para me entender definitivamente com ele acerca das particularidades da experiência e para assistir na minha qualidade de testemunha à preparação das chapas que tinham de servir para os negativos. Encontrei, em casa do professor, o Sr. Jacoby, que se encarregava da parte técnica da fotografia.
Em nossa presença, as chapas foram cuidadosamente examinadas, lavadas, numeradas e cobertas com a emulsão necessária; depois foram encerradas pelo Sr. Wagner em uma caixa.
No dia seguinte pela manhã, a Sra. de Pribitkof, o Sr. Krassilnikof, o Sr. Jacoby e eu nos reunimos em casa do professor Wagner, no seu gabinete, na Universidade; procedemos imediatamente às experiências fotográficas. Para esse fim, a Sra. de Pribitkof sentou-se em uma poltrona, diante da janela; defronte dela, perto da câmara escura, conservavam-se o Sr. Wagner e o Sr. Jacoby; o Sr. Krassilnikof estava sentado à parte, perto de uma mesa. Tendo adormecido a Sra. de Pribitkof, por meio de passes magnéticos, no espaço de oito a dez minutos, dirigi-me para perto do Sr. Jacoby e esperamos o sinal convencionado para descobrir a objetiva.
Durante todo o tempo da exposição – que foi muito longa em razão da fraca luz –, evitei fixar constantemente o rosto da médium adormecida; mas, por duas vezes fui obrigado a olhá-la com fixidez para torná-la completamente imóvel, porque destas duas vezes retumbaram pancadas no soalho, e eu temia que a posição do corpo fosse modificada, se a poltrona se pusesse em movimento, o que teria prejudicado a experiência. Mas, desde o momento em que eu tomei lugar perto do Sr. Jacoby, defronte da Sra. Pribitkof, não me aproximei mais da médium; em suma, até o fim da exposição, ninguém se aproximou da médium e ninguém ficou entre a médium e o aparelho fotográfico. As experiências seguintes foram feitas nas mesmas condições, e sobre um dos negativos apareceu, acima da cabeça da médium, a imagem de mão de mulher, com manga larga, de feitio antigo.
Depois dessa sessão, várias outras ainda se realizaram; mas o fim que o Sr. Wagner se tinha proposto não foi atingido, e em breve a moléstia da Sra. de Pribitkof nos obrigou a interromper essas experiências.
Assinado: Miguel de Guedeonoff,
S. Petersburgo, janeiro de 1886. Foatanka, 52.”
A fotografia de que se trata é notável por muitos títulos. O resultado obtido era inesperado: o alvo mirado pelo professor Wagner era obter um fenômeno de desdobramento psíquico, demonstrado pela fotografia, isto é: ele queria ver aparecer, com o médium, a forma transparente do seu duplo (verificaremos mais tarde que o fenômeno se produziu). Em vez disso, só apareceu na fotografia a mão, que se pode, querendo, considerar como uma parte desse duplo; mas assinalamos aqui uma particularidade que dissipa essa suposição: as aparições de duplo que foram observadas apresentam a imagem perfeita não só da pessoa em questão, porém ainda a reprodução do seu vestido. No caso que nos ocupa, temos a mão que não se assemelha à da médium, porque é disforme, e temos o fato positivo do seu aparecimento em manga de vestido feminino, que não era a manga do vestido que a médium trajava. Se essa manga se semelhasse à da médium, teríamos podido supor que se tratava do desdobramento perfeito da mão com a manga; essa semelhança, porém, não existe. Infelizmente a fotografia está ofuscada no lugar onde se achava o braço direito da médium e não se podem distinguir as particularidades do feitio do vestido; mas informei-me especialmente a respeito dessa particularidade, e os quatro assistentes do Dr. Wagner me afirmaram que a médium trajava um casaco de mangas estreitas, como se usam presentemente. Além disso pedi à Sra. de Pribitkof que me desse um desenho dessa manga; ela ma enviou imediatamente, juntando a notícia seguinte:
“No começo do ano de 1881, fui convidada pelo professor Wagner a servir em experiências de fotografias, em minha qualidade de pessoa que possui faculdades mediúnicas. Cerca das 11 horas da manhã, dirigi-me ao professor Wagner, em seu gabinete, onde encontrei o Sr. de Guedeonoff, o Sr. Krassilnikof e o Sr. jacoby. Logo que esse último acabou de preparar o aparelho fotográfico, o Sr. de Guedeonoff me magnetizou; adormeci e de nada mais sei. O vestido que eu trajava era pardo escuro, com enfeites de veludo preto; as mangas eram estreitas e justas no braço até o punho, com um canhão de veludo na extremidade e um pequeno plissé, da mesma fazenda do vestido. Envio-lhe um desenho reproduzindo essa manga.
Assinado: Elisabeth de Pribitkof.”
Considero a aparição dessa manga como uma particularidade extremamente importante, sob muitos pontos de vista. Sem essa manga, ter-se-ia pretendido sem dúvida alguma que a fotografia tinha reproduzido a mão de um dos assistentes, colocada por acaso entre a objetiva e a médium; essa explicação não era muito aceitável, porque seria preciso supor, para admiti-la, que a mão tivesse sido exposta intencionalmente pelo menos durante alguns segundos nessa posição; porém, por pior que seja, a explicação serviria, porque, uma vez dentro do caminho da negação sistemática, não há razão para que nos detenhamos.
A manga, que a luz não ocultou à sensibilidade das chapas fotográficas, destrói todos esses argumentos sutis. O resultado obtido só poderia ser explicado por fraude intencionalmente cometida pelo professor Wagner (preparando uma chapa antes da sessão), porém, ainda uma vez, admitindo a existência de uma fraude, não se pode acreditar que um dos assistentes tivesse tido a idéia de fazer aparecer a mão de um Espírito em uma manga: seria um meio seguro de fazer acreditar em uma farsa.
Mas a Natureza nos apresenta as coisas à sua maneira e produz fenômenos que não se harmonizam absolutamente com os nossos raciocínios sobre a possibilidade de seu conteúdo objetivo. As aparições tradicionais trajam, ora uma roupagem branca, ora roupa comum; os duplos tradicionais aparecem sempre em um traje qualquer; e eis que a fotografia transcendente nos revela formas humanas vestidas! Veremos mais adiante que esse fato se reproduz em todas as fotografias desse gênero, fato com o qual não poderíamos contar – de acordo com as nossas concepções ordinárias.
Tendo presentemente sob os olhos a prova indiscutível da fotografia transcendente de um objeto, que indubitavelmente tem a forma da mão humana, podemos ocupar-nos do desenvolvimento ulterior desse fenômeno: da revelação pela fotografia das figuras humanas invisíveis e que serão não só perfeitamente definidas, como ainda reconhecíveis. Vamos dar uma prova do que avançamos, observando as condições absolutas de autenticidade exigidas pelo Sr. Hartmann.
Já mencionamos mais acima o nome do Sr. Slater entre as pessoas que fizeram experiências transcendentes para a sua satisfação pessoal. Para dar uma idéia dos resultados notáveis que o Sr. Slater obteve, não temos nada de melhor a fazer do que citar o testemunho do Sr. Wallace:
“O Sr. Tomás Slater, óptico, residente desde muito tempo no Euston Road, em Londres, e ao mesmo tempo fotógrafo amador, trouxe uma nova câmara escura de sua própria confecção, forneceu suas próprias chapas e dirigiu-se à casa do Sr. Hudson. Seguia cuidadosamente tudo o que se fazia em casa do fotógrafo e obteve o seu retrato com uma figura nebulosa a seu lado; depois ele mesmo fez experiências em sua casa e chegou a resultados notáveis. No decurso da sua primeira experiência, obteve o retrato de sua irmã entre duas cabeças, uma das quais era indubitavelmente o retrato do finado Lorde Brougham; a outra, menos parecida, foi reconhecida pelo Sr. Slater ser o retrato de Robert Owen, do qual tinha sido amigo íntimo até à morte. Em um dos negativos apareceu uma mulher como uma roupagem flutuante, preta e branca, que se conservava ao lado do Sr. Slater. Em outra chapa apareceu a cabeça e o busto dessa mulher, apoiando-se sobre a espádua dele. As figuras dos dois retratos eram de uma semelhança absoluta; os outros membros da família Slater reconheceram nelas a mãe do Sr. Slater, morta na época em que ele ainda era criança. Outro negativo trazia a imagem de uma criança, com vestido branco enfeitado, que se conservava perto do jovem filho do Sr. Slater. Essas imagens são completamente idênticas às pessoas que se afirmaram reconhecer? A questão principal não é essa. O simples fato de aparecerem em negativos figuras humanas obtidas no gabinete particular de um oculista conhecido, que é ao mesmo tempo um fotógrafo amador, e que fez com suas próprias mãos todos os preparativos da operação – a qual, além disso, era feita somente na presença dos membros da sua família –, é um fato verdadeiramente prodigioso. Sucedeu de uma outra vez aparecer uma imagem na chapa em que o Sr. Slater tirava o seu próprio retrato, estando absolutamente só. Sendo o Sr. Slater e os membros de sua família médiuns, não tinham necessidade de recorrer ao concurso de outras pessoas; é a essa circunstância que se pode atribuir o êxito particularmente favorável de suas experiências. Uma das fotografias dentre as mais extraordinárias produzidas pelo Sr. Slater foi o retrato inteiro de sua irmã, no qual se via não uma outra figura, mas uma espécie de rendado transparente rodeando essa pessoa. Examinando mais de perto esse rendado, pode-se ver que ele consta de anéis de dimensões diversas que não lembravam de maneira alguma as rendas comuns que vi e das quais me fizeram a descrição. O próprio Sr. Slater me mostrou esses retratos, explicando-me as condições nas quais eles tinham sido feitos. Essas experiências foram feitas sem fraude alguma; nesse ponto não pode haver dúvida. Elas têm um alcance particular, consideradas como a confirmação dos resultados obtidos anteriormente pelos fotógrafos de profissão.” (A Defesa do Espiritualismo Moderno).
Quando eu estive em Londres, em 1886, tive alguma dificuldade em encontrar o Sr. Slater. Ele não possuía mais fotografias; tudo o que me pôde mostrar foi uma série de negativos que tinha conservado.
A propósito do Sr. Slater e das fotografias de Lorde Brougham e de Robert Owen, acima mencionadas, eis uma interessante notícia explicativa de sua origem:
Em recente reunião de espiritualistas, em Londres, Gower Street, o Sr. Slater (óptico, Euston Road, 136) fez a narração seguinte, relativa à sua estréia no Espiritismo:
“Em 1856, achando-se Robert Owen [11] em minha casa em companhia de Lorde Brougham, recebeu uma comunicação espírita por meio de pancadas; durante esse tempo eu estava ocupado com alguns aparelhos fotográficos. As pancadas comunicaram que chegaria um momento em que eu faria fotografias espíritas. Robert Owen declarou que, se ele se achasse então em um outro mundo, apareceria na chapa. No mês de maio de 1872, ocupei-me efetivamente em tirar fotografias espíritas. Fiz inúmeras experiências e em uma das chapas apareceram as figuras de Robert Owen e de Lorde Brougham, o qual, como se sabe, foi, durante longos anos, um dos amigos mais íntimos de Robert Owen e tinha vivo interesse por sua carreira pública.” (Spiritual Magazine, 1873, pág. 563; Spiritualist, 1875, tomo II, pág. 309).
Antes de tratar da última parte do capítulo da fotografia transcendente de formas humanas, parece-me útil citar as sábias palavras com as quais o Sr. Russel Wallace, em sua obra A Defesa do Espiritualismo Moderno, faz preceder essa parte da obra que cogita da fotografia espírita; essas palavras reproduzem um argumento muito conhecido pelos espíritas, porém ordinariamente ignorado pela crítica. Ei-lo:
“O Sr. Lewes aconselhou ao comitê da Sociedade Dialética que tinha sido incumbido de ocupar-se da questão espírita que distinguisse cuidadosamente entre os fatos e as deduções. Isso é particularmente necessário na questão das fotografias espíritas. Não sendo obra da mão humana, as formas humanas que aí aparecem podem ser de origem espírita sem que sejam por isso as imagens de “Espíritos”. Muitas coisas militam em favor da suposição de que, em certos casos, essas imagens resultam da ação de seres inteligentes, invisíveis, mas que se distinguem deles. Em outros casos, esses seres revestem uma espécie de materialidade perceptível aos nossos sentidos; mas, ainda nesses casos, não se segue que a imagem criada seja a verdadeira imagem do ser espiritual. É admissível que seja a reprodução da antiga forma mortal com os seus atributos terrestres aos quais o Espírito recorreu para estabelecer a sua identidade.” (Wallace, On Miracle and Spiritualism, 1875, pág. 185).
Pois que adquirimos agora, por três fontes (os Srs. Beattie, Wagner e Slater) perfeitamente seguras – e nas condições exigidas pelo Sr. Hartmann – a prova irrefutável, por processo fotográfico, da possibilidade de formações materiais invisíveis aos nossos olhos e revestindo a forma humana, temos o direito de acompanhar o desenvolvimento desse fenômeno em todos os graus de perfeição que ele atingiu entre certos fotógrafos de profissão, aceitando a prova de sua autenticidade, não mais sob a única afirmação de um operador de boa fé, mas sob os testemunhos das pessoas às quais as fotografias se referem diretamente, e que são as únicas que podem decidir de seu valor intrínseco.
Não falarei do fotógrafo inglês Hudson, de Londres, porque as opiniões dos próprios espiritualistas se dividem a seu respeito: uns o acusam de fraude, outros enumeram casos em que a semelhança com a pessoa, havia muito tempo morta, era evidente, ou ainda casos em que a aparição da figura na fotografia, em posições ou com acessórios impostos mentalmente pela pessoa que se expunha, exclui toda a suposição de fraude.
Grande número de fenômenos desse gênero são enumerados no tratado do Sr. M. A. (Oxon): A Fotografia Espírita, publicado no jornal Human Nature, 1874, pág. 393 e seguintes. Prefiro referir-me a Mumler, cuja reputação ficou intacta durante a sua longa carreira profissional; a autenticidade das provas fotográficas obtidas por esse fotógrafo é estabelecida por uma prova cujo valor é igual ao de uma investigação científica.
As fotografias de Mumler motivaram um processo e, apesar da animosidade dos detratores, escudados na opinião pública e por todo o poder do preconceito, elas saíram triunfantes dessa luta. Não posso entrar aqui em todas as particularidades do caráter de Mumler e de seu processo; é assunto que por si só daria matéria para uma obra completa. Entretanto, alguns dados nos são necessários, e é sobretudo interessante lembrar a origem das experiências fotográficas de Mumler; tiraremos a sua explicação da própria narrativa de Mumler, segundo a sua declaração perante o tribunal, depois do seu processo. É útil notar que as manifestações de fotografia transcendente se produziram na época em que Mumler exercia a profissão de gravador e não tinha conhecimento algum de fotografia. Eis o que ele diz:
“Em 1861, em Boston, onde eu exercia a profissão de gravador, freqüentava a casa de um moço que trabalhava no gabinete fotográfico dos Srs. Stuart, Washington Street; então eu era incumbido dos aparelhos e das substâncias químicas. Certo domingo, achando-me na galeria, procurei tirar meu retrato e, revelando o negativo, notei, pela primeira vez, que a chapa apresentava uma segunda imagem. Nessa época, eu ainda não tinha ouvido falar em fotografia espírita, posto que me interessasse já pelo Espiritismo. O meu primeiro pensamento foi, como muitas pessoas o supõem até hoje, que a imagem que estava reproduzida ao lado da minha se achava já na chapa antes da operação. Era isso que eu respondia a todas as perguntas que me eram dirigidas.
Entretanto, as experiências seguintes, que fiz em condições que excluíam essa suposição de um modo absoluto, me convenceram de que a força produtora dessas imagens existia fora do poder humano; peritos, chamados para trabalhar nas mesmas condições, nada de semelhante puderam produzir.
Eu quisera aqui atrair a atenção para essa circunstância: quando revelei essas imagens, eu era inteiramente novel na arte fotográfica e nenhuma noção tinha das composições químicas que empregava; servindo-me de tal ou qual produto químico, mais não fazia do que imitar as manipulações do meu amigo. Depois de ter recebido as imagens de que falei, repeti essas experiências, segundo os conselhos de alguns amigos aos quais mostrei minhas chapas, e sempre obtive resultados surpreendentes. Resolvi então abandonar a minha profissão para consagrar-me à fotografia.” (Spiritual Magazine, 1869, págs. 256 e 257).
O próprio fato da origem dessas fotografias é corroborado pelos testemunhos dados nessa época e que se acham nos artigos do Herald of Progress (1º de novembro de 1862), editado por Davis, e do Banner of Light (8 de novembro de 1862), que publicaram os primeiros relatórios sobre esse fenômeno inesperado; esses documentos foram acolhidos pela redação dos jornais acima mencionados sem entusiasmo algum e, antes, com cepticismo e reserva.
É sobretudo interessante saber sob que forma se produziram as primeiras fotografias transcendentes de Mumler. Sobre esse ponto, os dados nem são numerosos nem circunstanciados; entretanto, elas existem, e eis a descrição das duas primeiras fotografias, devida a um correspondente do Banner:
“A primeira apresenta um retrato do médium, o Sr. Mumler, apoiando-se com uma das mãos sobre uma cadeira, enquanto que a outra sustém o pano preto que acabava de ser retirado da câmara escura. Em uma cadeira estava sentada uma forma feminina, que parecia ser uma menina de 12 a 14 anos. Reconhecemos nela uma parenta morta; acima de sua cabeça havia uma nuvem, efeito que ainda não tínhamos observado até então nas fotografias. Em outra chapa a cabeça estava rodeada por um fraco disco de luz, como se raios luminosos brotassem em todos os sentidos e se perdessem a uma determinada distância. Em duas outras fotografias apareceu ainda o mesmo efeito, com a diferença de que o círculo luminoso era de um diâmetro tal que teria envolvido a forma inteiramente se a chapa tivesse sido maior.”
Possuo uma prova dessa primeira fotografia de Mumler e posso acrescentar que o contorno da parte superior do corpo salienta-se com certa nitidez, sendo a própria figura confusa e desfeita. Vê-se distintamente a cadeira através do corpo e dos braços, assim como a mesa na qual repousa um dos braços. Abaixo da cintura, a forma – que aparentemente está vestida com uma túnica decotada com mangas curtas – funde-se em uma espécie de nevoeiro, que não se vê mais abaixo da cadeira. Uma parte do encosto da cadeira é visível através do braço esquerdo; pequena parte do encosto fica completamente desfigurada pela espádua esquerda, que é tão opaca quanto o pescoço e o peito. Acima da cabeça distingue-se um vapor nebuloso esbranquiçado, que circunda a cabeça de uma a outra têmpora, desce até a mão de Mumler, que está apoiada sobre o encosto e que ela cobre. A fotografia que possuo é uma cópia feita em Londres pelo original e, por conseguinte, menos nítida.
“Na segunda fotografia acha-se a forma de uma mulher sentada em uma cadeira, tendo, por trás, uma espécie de massa branca indefinível, alguma coisa semelhante a dois ou três travesseiros.” (Banner of Light, 1862, 29 de novembro, reproduzido no Spiritual Magazine, 1863, págs. 35 e 36).
Podemos, pois, verificar esse fato notável: que as fotografias de Mumler mostram os traços dessas massas luminosas que vimos nas do Sr. Beattie, e que precederam a formação das figuras humanas. É mais do que provável que o que se apresenta nessas duas fotografias como um “vapor nebuloso esbranquiçado”, um “disco de luz” ou uma “massa branca assemelhando-se a dois travesseiros” tivesse sido descrito por um sensitivo como se fosse massa luminosa.
Mas voltemos às origens. Desde que se espalhou a notícia de que essas fotografias tinham sido feitas, o Sr. J. A. Davis, que editava nessa época, em Nova Iorque, o Herald of Progress, mandou, especialmente, a Boston um fotógrafo seu amigo, o Sr. Guay, para fazer um inquérito acerca desse fenômeno e assegurar-se da sua autenticidade. O resultado dessa primeira investigação técnica foi publicado, in extenso, no Herald de 29 de novembro de 1862, e resumidamente em uma carta do Sr. Guay, publicada no Banner da mesma data, que reproduzimos aqui:
“Boston, 18 de novembro de 1862.
Senhor editor:
Tendo sido informado pelo Sr. Mumler de que o senhor desejava publicar os resultados das minhas pesquisas acerca das fotografias espíritas obtidas pelo Sr. Mumler, comunico ao senhor, com prazer, as minhas observações pessoais. Pode ficar persuadido de que, procedendo a pedido do Sr. Davis, eu me entreguei a minhas investigações com a firme determinação de conduzi-las o mais rigorosamente possível, a fim de que nada pudesse escapar à minha atenção. Depois de uma experiência ininterrupta de dez anos, durante os quais eu fazia negativos em vidro e impressões positivas em papel, julgava-me em condições de descobrir qualquer fraude.
Não me opondo o Sr. Mumler dificuldade alguma, eu mesmo fiz, na chapa escolhida para o meu retrato, todas as operações de banhos, viragem e montagem. Durante todo esse tempo não perdi de vista a chapa e não deixei aproximar-se dela o Sr. Mumler, senão depois de terminada a operação. Em seguida, submeti a minuciosa inspeção o gabinete escuro, o caixilho, o tubo, o interior das cubas, etc. E, apesar de tudo, obtive, com grande admiração, a minha fotografia acompanhada por uma outra imagem.
Tendo continuado depois as minhas pesquisas, nas mesmas condições, com resultados ainda mais comprobatórios, vi-me obrigado, com toda a sinceridade, a reconhecer a sua autenticidade.
Aceite, etc.
W. Guay
(The Spiritual Magazine, 1863, págs. 34 e 35).”
Acrescentaremos somente que no papel negativo apareceu a imagem da falecida mulher do Sr. Guay, e na segunda a imagem de seu pai. E o Sr. Guay acrescenta: É impossível que Mumler tenha obtido um retrato de minha mulher ou de meu pai.” (Herald, 29 de novembro).
Podemos passar agora em silêncio a longa série de todos os testemunhos dados a favor de Mumler e de todas as investigações empreendidas com o intuito de descobrir a fraude, como era natural supô-lo, mas que chegaram sempre a um resultado negativo. Bastar-nos-á reproduzir aqui um artigo do British Journal of Photography, mandado a esse jornal pelo seu correspondente de Filadélfia, o Sr. C. Sellers, que não se pode acusar de predileção pelo Espiritismo. Eis esse artigo:
“Há alguns meses, certos jornais publicaram a comunicação de um fotógrafo de Boston que tinha obtido uma imagem dupla, durante os ócios do domingo; a imagem suplementar representava o retrato de um parente morto. Depois ele notou que todas ou quase todas as fotografias que tirava apresentavam a mesma imagem, mais ou menos distinta. Tendo-se espalhado por toda parte os rumores desse prodígio, o seu gabinete foi em breve invadido por curiosos que desejavam obter os retratos de seus falecidos amigos. Os fotógrafos divertiam-se com isso e afirmavam que a fraude seria em breve descoberta. Fizeram-se muitas imitações com o auxílio do processo ordinário que a princípio tinha sido proposto por Sir David Brewster. Fez-se mais ainda: por meio de duas chapas superpostas, uma das quais continha a segunda imagem, e explicava-se o fenômeno por um desses dois processos; homens conhecidos por sua instrução científica ocuparam-se em procurar a sua explicação e não puderam descobrir a impostura...
No que diz respeito às imagens em si, elas se distinguem essencialmente de todas as que eu já tinha visto e não conheço processo algum para imitá-las. O fantasma nunca aparece de pé; não se reproduz além da cintura ou, quando muito, até os joelhos, e não se pode entretanto dizer, com precisão, em que região do corpo a imagem desaparece. À primeira vista, muitas pessoas crêem distinguir claramente a imagem inteira, mas, depois de exame mais minucioso, ela parece menos distinta. Não vi os negativos; mas, julgando conforme as provas e conforme o tom fraco da imagem do “espírito”, seria tentado a afirmar que essa imagem devia ser a primeira a se revelar na chapa. Os contornos não são absolutamente distintos; os traços principais são muito visíveis, mas, à exceção do rosto, que é completamente opaco, as outras partes da forma são bastante transparentes para se poder ver claramente através. E entretanto nenhum desses traços se mostra com tanto vigor quanto sobre as imagens das segundas chapas nas falsificações de fotografias espíritas. Verifica-se indubitavelmente que essas imagens não são formadas no foco quando se acham atrás da pessoa que se expôs, ou diante dela; são um pouco mais nítidas quando se acham no mesmo plano. Mas, em todos os casos, há excesso de exposição.
Os adeptos do Espiritismo explicam esse fato da maneira seguinte: Os “espíritos” não podem produzir sua própria imagem na chapa sensível; mas podem dar a forma desejada aos elementos mais sutis da matéria, e essa matéria, posto que invisível ao olho nu, pode refletir os raios químicos da luz e assim agir sobre a placa. Em apoio eles citam o que sucedeu com o retrato, que eu vi em casa do Dr. Child e que representa uma senhora que desejava ardentemente obter a imagem de uma guitarra em seus braços: a forma desejada apareceu! Os espíritas dizem que, certamente, o “espírito” de um corpo inanimado não pode existir, mas que os “espíritos” podem formar iguais objetos, segundo o seu desejo; todas as imagens que aparecem não são, pois, senão modelos expostos pelos “espíritos”, diante do aparelho, mas de maneira alguma os retratos dos próprios espíritos; eles afirmam igualmente que os “espíritos” tiram essas imagens da memória das pessoas presentes. Teria sido um assunto digno da pena de Bulwer; que maravilhosa história ele teria tirado desses estranhos fenômenos!
C. Sellers. (Reproduzido no
The Spiritualist Magazine, 1863, págs. 125 a 128).”
Abreviei a carta, que é um pouco longa; mas reproduzi as particularidades técnicas que têm seu valor e, sobretudo, a hipótese, já formulada nessa época, da matéria invisível trabalhada e modelada – hipótese que encontramos dez anos depois em Beattie e que terá para nós uma importância capital quando se tratar das materializações visíveis.
Para terminar com o que diz o Journal of Photography, reproduzirei ainda uma nota que ele publicou na época do processo de Mumler e que me parece ter o seu cabimento aqui:
“A propósito das fotografias espíritas de Mumler, disseram-se muitas coisas absurdas, pró e contra. Um autor dessa última categoria chegou a afirmar que tudo o que é visível para o olho do gabinete escuro, e por conseguinte suscetível de ser reproduzido em fotografia, deve necessariamente, por essa mesma razão, ser visível ao olho humano; esse autor não tem certamente noção alguma desse ramo importante das ciências físicas que compreende os fenômenos conhecidos sob o nome de fluorescência. Ora, há muitas coisas totalmente invisíveis ao olho físico e que, entretanto, podem ser fotografadas. Por exemplo, em um quarto onde só têm acesso os raios ultravioleta do espectro solar, uma fotografia pode ser tirada por meio dessa “luz obscura”. Em um quarto assim iluminado, os objetos são claramente visíveis à lente da câmara escura; em todos os casos, eles podem ser reproduzidos em uma chapa sensível, sem que por isso o menor átomo de claridade seja percebido no quarto por uma pessoa dotada da agudeza visual fisiológica. Por conseguinte a reprodução fotográfica de uma imagem invisível, a de um Espírito ou a de uma massa de matéria não é cientificamente impossível; se ela não reflete senão a fluorescência ou os raios ultravioletas do espectro, a imagem será facilmente fotografada, sendo completamente invisível à vista mais penetrante.” (Reproduzido no The Spiritual Magazine, 1869, pág. 421).
Eis-nos finalmente chegados ao processo que fez a glória de Mumler; ele lhe foi intentado pelo jornal The World de Nova Iorque, no mês de abril de 1869. O Sr. Mumler foi detido por suspeita “de ter cometido fraudes e trapaças à custa do público, por meio de fotografias espíritas”.
Eis os tópicos salientes do processo: Os queixosos produziram oito fotografias para provar que o Sr. Mumler era um impostor e indicaram seis métodos diversos, por meio dos quais podiam-se obter essas pretendidas fotografias de Espíritos. Entretanto, nenhum dos queixosos tinha visto Mumler em trabalho nem inspecionado seu gabinete e seus aparelhos; finalmente, ninguém provava que as imagens de Mumler fossem produzidas por meio de qualquer dos processos indicados; pelo contrário, quatro fotógrafos, os Srs. Slee, Guay, Silver e Gurnay, que tinham estado em casa do Sr. Mumler e que o tinham visto trabalhar, testemunharam que nenhum dos seis métodos mencionados tinha qualquer relação com o método de Mumler, em tudo semelhante ao método ordinário. Melhor ainda, o Sr. Slee, fotógrafo em Poughkeepsie, tinha convidado o Sr. Mumler para ir à sua casa de Poughkeepsie, e ali produziram-se com o gabinete escuro do Sr. Slee, seus vidros e produtos químicos, os mesmos efeitos. O Sr. Guay passou três semanas com o Sr. Mumler para estudar esses fenômenos; ele atestou que tinha visto essas imagens se produzirem, quando ele mesmo dirigia as operações, desde a lavagem da chapa até a revelação. O Sr. Silver declarou que, quando o Sr. Mumler ia à sua galeria e empregava os seus aparelhos e as suas drogas, aparecia uma imagem ao lado do Sr. Silver; fotografias espíritas produziram-se mesmo quando o Sr. Silver, em pessoa, fazia todas as manipulações com os seus próprios aparelhos, em presença do Sr. Mumler.
Enfim, o Sr. Gurnay, fotógrafo conhecido de Nova Iorque (nº 707, Broadway), fez o depoimento seguinte:
“Ocupo-me de fotografia há vinte e um anos; examinei os processos do Sr. Mumler e, posto que eu tivesse ido com a intenção de fazer uma pesquisa rigorosa, nada descobri que se assemelhasse a uma fraude ou a uma trapaça. Seu modo de fotografar era o modo comum, e a coisa única que não combinava com a rotina do ofício era que o operador colocava a mão sobre a câmara escura.”
Porém, ainda outro fato foi peremptoriamente estabelecido pelas testemunhas: todos os fotógrafos chamados pelos queixosos, como peritos, estiveram de acordo com reconhecer que imagens de sombras, semelhantes às que apareceram nas chapas, não podem ser refletidas de uma chapa negativa para a chapa sensível com outra luz a não ser a do gás, das velas ou do dia. E foi afirmado por meia dúzia de testemunhas – que tinham assistido às experiências de Mumler, em seu gabinete e no intuito de descobrir a fraude – que não tinham empregado em sua câmara escura nem a luz do gás, nem a das velas e das lâmpadas, nem a luz do dia, e que a luz única que penetrava no quarto provinha de pequena janela velada por um pano amarelo-escuro; entretanto, Mumler produzia suas imagens e, em muitos casos, mostrava-as aos visitantes, alguns minutos depois da exposição.
No caso do Sr. Livermore, banqueiro conhecido em Nova Iorque, que era uma das testemunhas, o Sr. Mumler revelou três retratos de sua falecida mulher, em três posições diferentes, menos de dez minutos depois de o Sr. Livermore se ter exposto.
Estampa VI – As quatro figuras acima foram obtidas
a partir de fotografias transcendentais do Sr. Mumler.
Não só o inquérito judiciário estabelece o fato da produção na chapa de figuras humanas invisíveis ao olho nu, porém doze testemunhas declararam ainda que tinham reconhecido nessas figuras as imagens de seus parentes ou amigos mortos. Ainda mais, cinco testemunhas, entre as quais se achava o juiz Edmonds, depuseram que produziram-se imagens e foi reconhecido ainda que as pessoas que eram representadas nunca tinham sido fotografadas em vida.
Grande número de testemunhos semelhantes teriam podido ser obtidos, mas o juiz, julgando que os testemunhos produzidos eram suficientes, proferiu a sentença seguinte:
“Depois de ter examinado cuidadosamente a causa, tinha chegado a essa conclusão: que o detido devia ser posto em liberdade; ele verificava que ainda mesmo que o acusado tivesse cometido fraudes e trapaças, ele era obrigado, em sua qualidade de magistrado, a decidir que o réu não comparecesse perante o Tribunal Superior do Júri, pois, em sua opinião, a parte queixosa não tinha conseguido comprovar o fato.” (Ver, para todas as particularidades, o relatório do processo nos jornais: Banner of Light, 1º e 8 de maio e 28 de agosto de 1866; e The Spiritual Magazine, 1869, págs. 241 e 260).
Eis uma carta do Sr. Bronson Murray,[12] publicada no Banner of Light, de 25 de janeiro de 1873:
“Sr. Diretor:
Nos últimos dias de setembro passado, a Sra. W. H. Mumler, de sua cidade (170, West Springfield Street), achando-se em estado de transe, no decurso do qual dava conselhos médicos a um dos seus doentes, interrompeu-se subitamente para me dizer que, quando o Sr. Mumler tirasse a minha fotografia, na mesma chapa apareceria ao lado do meu retrato a imagem de uma mulher, sustendo com uma das mãos uma âncora feita de flores; essa mulher desejava ardentemente anunciar a sua sobrevivência ao marido, e inutilmente tinha procurado até então uma ocasião de se aproximar dele; ela acreditava consegui-lo por meu intermédio. A Sra. Mumler acrescentou: “Por meio de uma lente, poder-se-á distinguir, nessa chapa, as letras: R. Bonner.” Em vão lhe perguntei se essas letras significavam Roberto Bonner. No momento em que eu me preparava para tirar o meu retrato, caí em transe, o que nunca me tinha sucedido; o Sr. Mumler não conseguiu, apesar de todos os seus esforços, colocar-me na posição desejada. Foi-lhe impossível conseguir fazer-me ficar direito e apoiar a minha cabeça no sustentáculo. O meu retrato foi, por conseguinte, tirado na posição que a prova o indica, e ao lado apareceu a figura de mulher com a âncora e as letras, formadas por botões de flores, assim como me tinha sido predito. Desgraçadamente eu não conhecia pessoa alguma com o nome de Bonner, ninguém que pudesse reconhecer a identidade da figura fotografada.
De volta à cidade, contei a muitas pessoas o que tinha acontecido; uma delas me disse ter encontrado recentemente um tal Sr. Bonner, da Geórgia; ela desejava mostrar-lhe a fotografia. Quinze dias depois, mandou-me pedir que passasse por sua casa. Alguns instantes depois, entrou uma visita, era um Sr. Roberto Bonner. Ele me disse que a fotografia era a de sua mulher, que a tinha visto em casa da senhora de quem se fala e achava a semelhança perfeita. Ninguém aqui contesta, aliás, a semelhança que essa fotografia apresenta com um retrato da Sra. Bonner, tirado dois anos antes de sua morte (nas provas fotográficas a semelhança é mais pronunciada do que nas fototipias).
Mas ainda não é tudo. Desde que o Sr. Bonner viu a minha prova, escreveu uma carta a sua mulher, à qual ele fazia diversas perguntas. Tomou todas as precauções para ficar convicto de que a carta não seria aberta e enviou-a pelo Correio ao Dr. Flint, em Nova Iorque.[13]
No dia seguinte a carta lhe chegou de volta, intacta, e com uma resposta de sete páginas.
Nessa comunicação – assinada com o seu apelido: Ella – a Sra. Bonner dizia a seu marido que tinha pedido a permissão de aparecer na chapa, como o tinha feito; ela lhe afirmava que os dois irmãos do Sr. Bonner, William e Hamilton, achavam-se com ela, assim como o seu velho amigo, o simples e bom Sam Craig; ela devia escrever, em breve, por intermédio do Sr. Flint, uma carta a seu jovem filho Hammie; acrescentava que o Sr. B. tratava-a bem e lhe pedia ainda que se dirigisse a Boston, à casa do fotógrafo espírita, afirmando que ela apareceria com ele na mesma chapa, segurando uma coroa de flores em uma das mãos, trazendo uma segunda coroa na cabeça, enquanto que a sua outra mão apontava para o céu. Li tudo o que precede nessa carta. O Sr. Bonner acrescentou: “Amanhã irei a Boston, sem dizer meu nome a quem quer que seja.”
Quatro dias depois, o Sr. Bonner veio procurar-me. Ele tinha estado em Boston sem se ter dado a conhecer a quem quer que fosse e, entretanto, tinha obtido a fotografia prometida, com a imagem de sua mulher, exatamente como ela o tinha descrito. A coroa que a sua mulher sustém na mão é apenas visível na fotografia.
Todas as pessoas que desejarem convencer-se do fato podem ver essas fotografias em casa do Sr. Mumler, em Boston, ou em minha casa, em Nova Iorque. O Sr. Bonner é um homem muito conhecido na Geórgia e no Alabama... Os que me conhecem sabem que não tiro lucro algum em publicar essa narração, cuja exatidão certifico.
238, West 52 d. Street, New York City, 7 de janeiro de 1873.
Bronson Murray.”
A outra fotografia, na mesma estampa, representa o Sr. Moses A. Dow, morto em 1886, editor de uma revista muito conhecida na América: The Waverley Magazine. Quanto à imagem da pessoa colocada a seu lado, ler-se-ão todas as particularidades que lhe são referentes na carta seguinte do Sr. Dow ao Sr. A. (Oxon), residente em Londres, personagem que ocupa lugar saliente na literatura espírita:
“Boston, 28 de setembro de 1874.
Senhor:
A sua carta de 17 do corrente me foi entregue hoje de manhã. Em resposta vou procurar fazer-lhe um esboço das experiências de fotografia espírita de que fui testemunha. Nos escritórios da impressão e da redação do Waverley Magazine, emprego cerca de quinze moços; uns fazem a composição, outros são ocupados na máquina, na expedição ou na correção dos manuscritos. Entre esses últimos havia uma moça que foi empregada nos meus escritórios, de 1861 a 1870; ela adoeceu de repente e morreu na idade de 27 anos. Durante os últimos anos, ela se tinha desenvolvido muito a tornara-se uma senhora de muita inteligência, amável e de exterior muito agradável. O zelo e desinteresse de que dava prova em seu trabalho despertavam em mim a mais viva admiração por ela; essa simpatia foi recíproca, como me disse ela por muitas vezes. Incluso vai um retrato seu, tirado duas semanas antes de sua morte. Não me alongarei sobre as circunstâncias que acompanharam o seu passamento e sobre a saudade que experimentei.
Sete dias depois da sua morte, estive com um médium, cujo Espírito-guia (uma moça indiana) me disse: “Uma pessoa bela vem ver-te; tem na mão rosas que são para ti; era a ti a quem ela mais estimava neste mundo, por teres sido bom para ela.” Fiquei muito surpreso com essas palavras, porque não acreditava que uma afeição terrestre se perpetuasse no espírito de nossos amigos mortos, depois de terem deixado o seu invólucro humano, admitindo, porém, a realidade de certas manifestações póstumas.
Um mês depois, dirigi-me a Saratoga, cerca de cinqüenta léguas distante de Boston. Ali fiz conhecimento com o célebre médium Slade, que não me conhecia. No decurso de uma sessão que fiz, ele sustinha, em sua mão direita, uma ardósia comum por baixo da mesa; a mão esquerda estava colocada na mesa, em contato com a minha. Ouviu-se imediatamente o ranger do lápis de pedra na ardósia. Quando essa foi retirada, continha estas palavras: “Estou sempre perto de ti”, com a assinatura.
De regresso a Boston, conforme me tinha aconselhado em Saratoga, dirigi-me à Sra. Mary M. Hardy, o médium de transe mais conhecido dessa cidade.
A minha amiga apresentou-se imediatamente e disse-me que me tinha dado uma prova demonstrativa em Saratoga, por intermédio do Sr. Slade, em uma ardósia. Ela acrescentou que estava constantemente presente, para me guiar e me aconselhar, não tendo estimado a ninguém tanto quanto a mim, durante a sua vida terrestre. Em outra sessão, ela me disse espontaneamente que desejava oferecer-me o seu retrato. Não prestei atenção alguma a essa promessa, supondo que o tal retrato seria executado a pincel por um pintor da cidade. Durante três meses fiz sessões com a Sra. Hardy, uma vez por semana, sem que se tratasse desse retrato. No fim desse lapso de tempo, perguntei-lhe se ela ia oferecer-me o seu retrato. Respondeu-me que estava pronta a fazê-lo.
– Como será obtido esse retrato? – perguntei-lhe então.
– Pela fotografia – foi sua resposta.
– Será o mesmo artista que te fotografou em vida?
– Não, deve ser feito por um artista médium.
Uma semana depois, a minha amiga me disse, por intermédio da Sra. Hardy, em estado de transe:
– Vai à casa da Sra. Mumler e dize-lhe que voltarás para ser fotografado, uma semana depois, à 1 hora; irás ao meio-dia (hora habitual de minhas conversas com ela) e teremos então tempo de conversar.
Dirigi-me imediatamente à casa do Sr. Mumler, onde só encontrei a Sra. Mumler. Disse-lhe que desejava obter uma fotografia espírita. Ela me perguntou quando eu voltaria e eu respondi:
– De hoje a uma semana, à 1 hora.
– Qual é o teu nome?
– Não desejo dizer-te o meu verdadeiro nome, mas podes chamar-me Sr. Johnson.
Ela me disse que os desconhecidos pagavam adiantado. Paguei os 5 dólares pedidos e voltei para casa. Uma semana depois, voltei à casa da Sra. Hardy, conforme tinha sido combinado. Ela caiu em transe. A minha amiga, que já estava presente, me perguntou:
– Como vai, Sr. Johnson? – e em seguida acrescentou: – Sr. Dow, eu nunca tinha notado, dantes, que tivesse vergonha de teu nome.
– Desejo muito obter o meu retrato, mas não estou certo de obter o teu na mesma chapa – respondi-lhe.
– Oh! que céptico! – respondeu ela.
Despedi-me e dirigi-me à casa do Sr. Mumler, chegando 15 minutos antes da hora convencionada. Encontrei-o só e nos entregamos imediatamente ao trabalho. Quando me coloquei na posição indicada, ele pôs o aparelho a uma distância de sete pés, colocou a chapa e me indicou o ponto que eu devia fixar. A exposição durou dois ou três minutos; ele levou a chapa ao quarto vizinho e voltou pouco tempo depois, dizendo que nada tinha obtido; colocou uma segunda chapa; a duração da exposição foi a mesma. O Sr. Mumler disse-me que havia um contorno indeciso. À minha observação de que me tinham prometido um retrato, ele me respondeu que era preciso continuar as experiências, que lhe sucedia recomeçar cinco ou seis vezes antes de ser bem sucedido.
A terceira exposição durou justamente cinco minutos, marcados a relógio; ele me voltava as costas, tendo a mão sobre o aparelho.
Terminada a exposição, ele levou a chapa e, enquanto estava ausente, a Sra. Mumler entrou; parecia estar em um meio transe. Perguntei-lhe se ela via alguém; ela me respondeu que via perto de mim uma bela Moça. Em seguida, caiu em um transe completo e a minha amiga me falou de novo:
– Agora terás o meu retrato. Conservar-me-ei perto de ti, com a mão sobre o teu ombro; na cabeça terei uma coroa de flores.
Nesse momento o Sr. Mumler entrou com a chapa e me disse que daquela vez havia uma imagem; no negativo eu distingui claramente o meu retrato e uma forma feminina que se conservava perto de mim. O Sr. Mumler prometeu-me mandar uma prova no dia seguinte. Pedi-lhe que a mandasse dirigida ao Sr. Johnson, posta restante. Dois dias depois, passei pelo Correio e recebi um embrulho dirigido ao Sr. Johnson. Abrindo-o, encontrei uma prova. De volta a casa, examinei-a com uma boa lente, através da qual a imagem me aparecia de tamanho natural: era um retrato excelente da minha amiga morta.
Escrevi ao Sr. Mumler para lhe dizer que eu estava satisfeito com a fotografia e assinei o meu verdadeiro nome. Considero esse retrato autêntico; além disso, a minha amiga mo afirmou e por muitas vezes. As fotografias inclusas pô-lo-ão com a possibilidade de ajuizar da semelhança.
Aceitai, etc.
Moses A. Dow.
(Human Nature, 1874, págs. 486 a 488).”
Eis a carta que o Sr. Dow enviou ao Sr. Mumler:
“Boston, 20 de janeiro de 1871:
Caríssimo Sr. Mumler.
No sábado passado fui ao Correio e lá recebi o embrulho com a prova que me mandaste. É um retrato fiel da minha amiga. Incluso encontrarás uma fotografia sua, tirada uma semana antes de sua moléstia; ela tinha visto apenas o negativo. Sua moléstia durou justamente nove dias. Na quinta-feira passada, ao meio-dia, ela me dizia, pelo médium, que se conservaria a meu lado, com uma flor na mão e com o braço descansando sobre o meu ombro. Olhando para o meu ombro esquerdo, distinguirás uma fraca reprodução de sua mão, sustendo uma flor; mas, para ver bem, é preciso usar de uma lente.
Parece-me que o exame desses dois retratos pode convencer o espírito mais céptico. Deixo o pseudônimo de Johnson para assinar o meu verdadeiro nome.
Com a minha perfeita estima
Moses A Dow (editor do Waverley Magazine).
Médium, 1872, nº 104.”
Possuo um exemplar da fotografia de Mabel Warren, tirada em sua vida, que Dow enviou a Mumler para comparar as duas imagens; a semelhança é tão patente quanto na do Sr. Bonner.
No Banner, de 18 de março de 1871, lê-se longa carta de Moses Dow, na qual ele conta, com as mais minuciosas particularidades, a história dessa fotografia; ele nos informa que a jovem senhora em questão chamava-se Mabel Warren, que morreu em julho de 1870, e que foi só no começo desse ano que circunstâncias diversas puseram o Sr. Dow em presença de algumas manifestações espíritas; ele era tão ignorante dessas coisas que não compreendeu mesmo de que “retrato” se tratava, e quando foi à casa de Mumler, não lhe disse o seu verdadeiro nome, acreditando, como muitos outros, que ele era um impostor.
Os espécimes que apresento das fotografias transcendentes de Mumler bastam para dar uma idéia do caráter geral desse fenômeno, obtido por meio de sua mediunidade. Tenho em minha coleção cerca de trinta fotografias dessas que confirmam as observações feitas pelo Sr. Sellers, correspondente do British Journal of Photography, observações que reproduzimos mais acima.
Acrescentarei, ainda – e esse fato é essencial para as nossas pesquisas ulteriores – que geralmente uma espécie de vestimenta faz parte da imagem que aparece, assim como se vê nas fotografias das senhoras Bonner e Mabel Warren; mui freqüentemente flores ornam a imagem; assim, em uma fotografia da Sra. Conant, célebre médium da redação do Banner, vêem-se três mãos perfeitamente formadas, com a metade dos braços, os quais aparecem acima da cabeça da médium e que parece lançarem sobre ela flores, uma parte das quais cai sobre a sua cabeça e peito, enquanto que a outra fica suspensa no espaço. Uma dessas mãos sai de uma manga, como o vemos na fotografia do professor Wagner, mas essa manga é estreita, espessa, e finalmente branca, como a própria mão.
Quero mencionar ainda três fotografias que têm uma importância especial: em uma delas vê-se uma senhora sentada, a Sra. Tinkham; no momento da exposição, ela viu uma parte da manga de seu braço esquerdo levantar-se, e seus olhos dirigiram-se para aquele ponto; nota-se na fotografia, ao lado dessa senhora, a imagem – digamos, a imagem astral – de uma menina, na qual a Sra. Tinkham reconheceu a sua filha; vê-se perfeitamente que a manga do vestido da Sra. Tinkham está levantada pela pequena mão da menina. Possuímos, pois, a fotografia de um objeto material posto em movimento por mão invisível. (Vede Médium, 1872, pág. 104). Na segunda fotografia vê-se de novo a Sra. Conant; no momento em que a chapa ia ser revelada, ela se voltou para a direita, exclamando: “Oh! eis a minha pequena Wash-ti!” (uma menina indiana que se manifestava com muita freqüência por seu intermédio) e estendeu-lhe a mão esquerda, como para lhe tomar a mão. Vê-se na fotografia a figura perfeitamente reconhecível da pequena indiana, com os dedos da mão direita na mão da Sra. Conant. Aqui temos, pois, a fotografia de uma figura astral assinalada e reconhecida pelo sensitivo, no momento da exposição, como em Beattie. (Médium, 1872, pág. 104).
Encontra-se a descrição de um fenômeno do mesmo gênero no relatório de um caso notável de fotografia transcendente, dirigido pelo professor Gunning (geólogo americano), à Tribune, jornal de Nova Iorque, por ocasião do processo de Mumler, e reimpresso no The Spiritual Magazine, de Londres (1869, pág. 260). Essa carta contém fatos tão interessantes que citarei a sua parte essencial:
“Em fevereiro de 1867, fiz conhecimento com um fotógrafo morador no Connecticut; entrando em seu gabinete para me fazer fotografar, notei que o fotógrafo estava particularmente inquieto enquanto eu me expunha. Quando a chapa foi revelada, achava-se ao lado da minha imagem uma forma feminina, clara, porém nebulosa. Eu ainda não tinha ouvido falar no Sr. de Mumler, nem, em geral, em fotografias espíritas. Perguntei ao fotógrafo como essa imagem tinha aparecido na chapa e ele me respondeu que a tal respeito nada sabia, mas que, ao me fotografar, tinha visto aquela imagem a meu lado. Ele não queria deixar sair esse retrato de seu gabinete e pediu-me que a ninguém dissesse coisa alguma. E contou-me, então, que desde alguns anos lhe sucedia freqüentemente obter iguais fotografias, mas que não tomava parte alguma naquilo. Podia finalmente obtê-las quando queria; bastava-lhe para isso entregar-se à influência de seres a que ele chamava “Espíritos”, mas que não desejava entreter relações com eles. Não queria que o seu nome se envolvesse no Espiritismo.
Eu estava tão persuadido da boa fé de meu amigo que tive desejo de estudar a virtude singular que ele tinha. Só depois de longas instâncias foi que consegui persuadi-lo a conceder-me algumas sessões e submeter-se aos “invisíveis”. Eu tinha a intenção de recompensá-lo muito bem por essa perda de tempo; ele, porém, recusou todas as minhas ofertas, dizendo que não julgava ter o direito de explorar a sua força misteriosa com intuito mercantil. Aquiesceu em todas as condições imagináveis para as minhas experiências e, por conseguinte, convidei um de meus amigos para a elas assistir. Durante quatro dias, todas as tardes do fotógrafo nos pertenceram; estávamos convencidos da sua boa fé, mas, entretanto, tomamos cautelas como se tratássemos com um hábil impostor. O preparo das chapas e a revelação delas se efetuavam em minha presença e, em geral, não omitíamos medida alguma de prudência para evitar toda fraude. Em quase todas as sessões obtínhamos a imagem da mesma mulher; a mesma forma clara, porém melhor, quando eu supunha estar só. O fotógrafo caía em transe quase de cada vez. Que poderíamos dizer? É um homem cuja posição está bem sólida e que goza de irrepreensível reputação.
Não posso admitir a menor dúvida acerca de sua probidade. Ele não tinha finalmente razão alguma para me enganar. Não queria negociar com o seu poder oculto, e mesmo se eu o suspeitasse de fraude, não estaria em condições de explicar a origem de suas fotografias.
Só conheço dois meios para obter uma imagem fotográfica em uma chapa sensível: ou um objeto capaz de refletir a luz deve ser posto a uma distância determinada da objetiva, ou a chapa sensível é exposta à luz e coberta por uma outra fotografia. A luz que penetra através da fotografia superposta produz uma imagem turba; o fotógrafo também pode empregar uma chapa que já tivesse batido, e então a imagem antiga pode algumas vezes reaparecer. Essa explicação tinha sido proposta recentemente por um correspondente da Tribune.
Meu fotógrafo não empregava chapas servidas; por conseguinte, uma só das duas primeiras explicações indicadas lhe é aplicável; ora, eu sei, tanto quanto possível, que ele não colocou nenhum outro negativo sobre a chapa sensível. Assim sendo, ele obtinha essas imagens por outro meio. Resta ainda outra suposição: não haveria, muito simplesmente, um objeto qualquer colocado defronte da máquina? Mas é certo que as únicas pessoas presentes eram o fotógrafo, meu amigo e eu; não é provável que tenhamos podido ser enganados tão grosseiramente durante quatro dias. E, admitindo mesmo que tivéssemos sido enganados, pergunta-se de que maneira o cúmplice misterioso, que representava o papel de Espírito, teria podido tornar-se tão transparente? Como podia apresentar-se suspenso no espaço, pois que em uma das fotografias aparece uma mulher nessa posição? Todas as imagens são tão transparentes como tecidos de gaze; como eram produzidas? Não me apressei em tirar conclusões.
Um outro caso chega ainda a meu conhecimento: uma moça de Chelsea se fez fotografar em casa de um fotógrafo de nomeada naquela cidade. Ela chegou no momento em que ele se preparava para fechar o seu gabinete. A moça colocou-se diante da câmara escura, e durante a exposição percebeu uma espécie de sombra que deslizava à sua frente. Falou nisso ao Sr. A., que estava perto do gabinete, e esse lhe respondeu que isso nada valia, que ela podia pestanejar, mas que não se devia mover. Na chapa revelada a moça apresentava duas mãos sobre o rosto. Essa fotografia é notável; examinei quatro provas dela, uma das quais está em meu poder. As mãos transparentes tocam a nuca; elas são visíveis até o punho, onde desaparecem em um vapor informe. Uma dessas mãos adianta-se até o queixo da moça, que se vê claramente através dessa mão. Todas essas fotografias oferecem uma particularidade comum: é a sua transparência.
O juiz Edmonds garante que os Espíritos que lhe aparecem são transparentes; um outro de meus amigos, homem de grande instrução, disse-me que os tinha visto exatamente assim.
É igualmente inadmissível que essas mãos tenham sido previamente fotografadas na chapa metálica. O fotógrafo me dizia que a chapa era nova, que nunca tinha sido usada; admitindo que ele não dissesse a verdade, não se pode, entretanto, compreender como essas mãos puderam aparecer diante da face. Pode-se admitir que ele as tivesse fotografado depois da moça? Pode-se ver que o dedo mínimo e o anular da mão esquerda estão colocados por baixo do colarinho, o que prova, com toda a evidência, que a moça e as mãos foram fotografadas simultaneamente. Admitindo mesmo que uma mulher tivesse deslizado imperceptivelmente e tivesse rodeado com as mãos a cabeça da pessoa em exposição, então como poderia ela ter escapado à vista do fotógrafo?
Ele garante que no gabinete só estavam ele e a moça; admitindo por um momento que uma mulher tivesse entrado sem se saber de que modo, como pôde ela tornar as mãos transparentes e o resto do corpo invisível?
O fotógrafo é um homem que merece toda a confiança. Ele declara que nunca teve a intenção de fazer fotografias espíritas e que nunca cogitou de uma opinião teórica sobre essa questão; apenas sabe que não tomou parte no aparecimento dessas mãos.”
Informações sobre este último caso, inteiramente extraordinário, são dadas mais extensamente em uma carta do Sr. Gunning, ao Banner, 6 de julho de 1867, da qual só tirarei as duas linhas seguintes, que têm para nós um interesse especial:
“A mão esquerda é mui distintamente visível, até o punho, e mais acima está envolta em um véu.”
O redator do The Spiritual Magazine acrescenta que o professor Gunning, depois de um passeio a Londres, lhe confirmou de viva voz esses mesmos fenômenos e que lhe mostrou os daguerreótipos de que se tratava; a imagem de mulher, que tinha aparecido na primeira fotografia de que ele faz menção, era a de sua mulher, e é de semelhança incontestável. (The Spiritual Magazine, 1869, pág. 329).
Falta-me mencionar, finalmente, uma fotografia de Mumler, na qual é representado o Sr. Herrod, um médium moço, dormindo em uma cadeira, em estado de transe. Vê-se atrás do médium a imagem astral de sua própria pessoa, ou de seu “duplo”, conservando-se de pé, quase de perfil, com os olhos fechados, a cabeça um pouco inclinada para o médium. (Médium, 1872, pág. 104).
Outro caso de fotografia de um “duplo”, em casa de outro fotógrafo, é confirmado pelo juiz Carter em sua carta do Banner de 31 de julho de 1875, e reproduzida no Human Nature, de 1875, págs. 424 e 425. Um terceiro caso de fotografia de um “duplo” é assinalado pelo Sr. Glendinning, e como se produziu em um círculo privado, merece a nossa atenção, e aqui reproduzirei a sua descrição:
“Há cerca de 20 anos, um de meus amigos, bom médium, e eu nos ocupamos de fotografias espíritas. Nossas experiências foram coroadas de algum êxito.
No começo, obtínhamos na chapa manchas bizarras. Se eu tivesse sido mais versado na questão, teria conservado certamente essas chapas para submetê-las a minucioso exame; todas as vezes que não obtivemos um resultado bem comprovado, esfreguei a chapa com os dedos e lavei-a em seguida. Os vidros e os produtos nos eram fornecidos pelo Sr. Methuish, secretário de uma sociedade fotográfica escocesa. Todos nós éramos de boa fé, como sói suceder entre homens que se prezam.
Certo dia obtivemos o retrato do médium em posição que ele tinha ocupado dez ou quinze minutos antes da exposição, isto é, à meia distância entre a câmara escura e o fundo. Tínhamos nessa sala o que se chama prancheta, conhecida com o nome de indicator, que indicava com muita rapidez, por meio do alfabeto, o que devíamos fazer, porque os “Espíritos” nos diziam que eles próprios não sabiam ainda como produzir essas imagens; que era preciso fazer alguns ensaios; deram-nos o conselho de mesmerizar a câmara escura, os produtos químicos e tudo o mais. Seguimos essas indicações, tanto para nos divertirmos quanto por curiosidade. Quando lhes perguntamos por que tínhamos obtido o retrato do médium na posição que ele ocupava antes da exposição da chapa, responderam-nos que era nessa posição que ele tinha deixado a sua “influência” e que, se tivesse achado um clarividente na sala, ele teria percebido o médium precisamente nessa posição. Não compreendo isso, mas não obtivemos outra explicação.” (The Spiritualist, nº 234, Londres, 16 de fevereiro de 1877, pág. 76).
Essas fotografias de “duplos” invisíveis ao olho humano são os precursores das fotografias de “duplos” visíveis e tangíveis de que nos ocuparemos mais tarde. Como vimos, os fenômenos da fotografia transcendente produziram-se com grande número de pessoas, tanto na América como na Europa. Há muitos casos dos quais não fiz menção; notarei somente, no ponto de vista histórico, até onde são fundadas as minhas pesquisas. Os primeiros indícios desse gênero de fenômenos remontam a 1855; encontro efetivamente, no Spiritual Telegraph, editado em Nova Iorque, em casa de Brittan, no volume VIII, 1855, pág. 152, um artigo intitulado Daguerreotipia de imagens espíritas:
“Numerosas experiências foram feitas para saber se formas e aparições espíritas podem ser reproduzidas pela daguerreotipia; mas todas foram infrutíferas, à exceção de um caso que foi comunicado ao redator por uma carta pessoal de um estimado amigo de Nova Orleães. Os principais fatos são os seguintes: o Sr. H., daguerreotipista e médium, quis, a 8 de março, tirar o retrato de seu filhinho de dois meses de idade e colocou-o nos joelhos de sua avó. Na terceira sessão, obteve um belo retrato; mas, coisa curiosa, acima do daguerreótipo, surge, de uma espécie de nuvem pequena, uma larga faixa luminosa, descendo até ao ombro da criança, onde desaparece. Essa faixa é larga e vigorosa, assemelhando-se a um raio de sol surgindo de uma abertura estreita... Depois de exame mais atento, observa-se que ela é um pouco transparente... Nenhum dos resultados precedentes tinha apresentado coisa semelhante e a mais minuciosa observação dos objetos circunvizinhos não pôde fornecer uma explicação desse resultado, por pouco plausível que fosse.”
Encontro um segundo caso mencionado na página 170 do mesmo volume:
“Alguns dias antes, o Sr. Henri Hebhard, desta cidade, tinha apresentado em nosso escritório de redação uma bela fotografia de seu filho, da idade de cerca de 10 anos, a qual apresentava um fenômeno singular, que consistia em uma luz intensa, de forma elíptica, atravessado obliquamente a região do tórax, uma extremidade da qual termina no exterior, perto da espádua esquerda, e a outra abaixo do braço direito. A claridade é mais intensa no centro e diminui gradualmente, aproximando-se dos bordos. Esse fenômeno estranho não pôde ser explicado; pelo menos, nem o fotógrafo nem as outras pessoas descobriram uma causa qualquer.”
É fácil reconhecer nesses dois casos as mesmas particularidades que apresentam as primeiras experiências feitas pelo Sr. Beattie.
Não posso terminar o capítulo sobre a fotografia transcendente sem citar o caso que se segue, um dos mais recentes. Quero falar das fotografias espíritas obtidas pelo Sr. Jay J. Hartman, Cincinnati (Ohio). Não poderia deixar em silêncio essas experiências, pelo fato de terem elas sido submetidas ao exame mais severo por uma comissão de fotógrafos e porque foram feitas em condições que o Sr. Hartmann não poderá recusar-se a achá-las concludentes.
Eis o que lemos no Spiritual Scientist, de Boston, de 6 de janeiro de 1876:
“Sabe-se que o Sr. Jay J. Hartman obteve fotografias espíritas no gabinete do Sr. Teeple (110, West Fourth Street, Cincinnati). Ele se tornou o alvo de violentos ataques dirigidos por pessoas cépticas, que o acusavam de praticar trapaças. Recentemente ainda, um jornal da manhã publicava um artigo de três colunas que continha diversos argumentos e arrazoados tendentes a demonstrar que tudo aquilo não passava de uma mistificação banal e que Hartman não era mais do que um charlatão cínico. Apesar das sessões de averiguação que ele organizava por intermédio de um círculo de íntimos, e que pareciam suficientemente convincentes, muitos dentre os seus amigos tiveram dúvidas quanto ao caráter das suas experiências. Foi por isso que ele inseriu, à semana passada, um anúncio dirigido ao público em geral e aos fotógrafos em particular, convidando-os a uma sessão pública gratuita, que se realizaria no sábado de manhã, 25 de dezembro. Ele anunciava que a maneira de proceder com essas experiências seria determinada pelas pessoas que fizessem parte delas; as ditas pessoas escolheriam a sala para as experiências e teriam a liberdade de levar as suas chapas marcadas, a sua câmara escura e produtos químicos; finalmente, forneceriam tudo o que fosse necessário.
O Sr. Hartman reservava para si somente o preparo das chapas, sob a vigilância de fotógrafos experimentados, a fim de evitar toda a suspeita.
No dia do Natal, por um tempo claro e de manhã cedo, dezesseis pessoas estavam reunidas em casa do Sr. Hartman, cinco das quais fotógrafos nessa cidade. Deliberaram de comum acordo dirigir-se ao gabinete do Sr. Van Cutter (28, West Fourth Street). Considerando que por muitas vezes o Sr. Cutter tinha descoberto as imposturas de pretendidos fotógrafos espíritas, e que o Sr. Hartman nunca havia ido a seu gabinete, as condições nas quais era chamado a trabalhar tornavam-se duplamente difíceis; ele se via em um gabinete estranho e, além disso, rodeado de cépticos, homens da profissão, que facilmente teriam feito descobrir a menor fraude.
O Sr. Hartman acedeu a tudo de boa vontade, mas com uma só condição: abster-se-iam de toda discussão, brincadeira ou qualquer outra interrupção, por palavra ou por obra, o que poderia romper a calma e a harmonia indispensáveis ao bom êxito das experiências. Essa condição do Sr. Hartman, perfeitamente justa, foi aceita sem dificuldade alguma e todos os associados se dirigiram à casa do Sr. Cutter.
Ao entrarem na sala onde as experiências deveriam ser feitas, os assistentes foram convidados a sentar-se dos dois lados da câmara escura e a darem as mãos. O Sr. Hartman manifestou o desejo de lhe vendarem os olhos, mas essa cautela foi julgada inútil. O Sr. Hartman escolheu o Sr. Moreland para auxiliar e ao mesmo tempo testemunha da lealdade da operação. Escolheu-se, além disso, o Sr. Murhman, fotógrafo de profissão, um dos mais incrédulos. Os três entraram no gabinete escuro, levando o Sr. Murhman as suas próprias chapas. Quando essas foram preparadas, os três operadores voltaram para as proximidades da câmara escura; o Sr. Murhman colocou a chapa no lugar próprio e sentou-se para a exposição. Esta se fez em silêncio profundo, depois do que, levaram a chapa para o gabinete escuro, para onde também se dirigiu o Sr. Hartman. Pouco depois, ouviu-se a exclamação: “Não deu resultado.” Os cépticos estavam radiantes.
Preparou-se uma segunda chapa; o Sr. Murhman continuava a vigiar todos os movimentos do Sr. Hartman. Ainda dessa vez o resultado foi nulo. O cepticismo triunfava.
Depois disso as manipulações foram feitas pelo Sr. Cutter, proprietário do gabinete, um incrédulo consumado e, parece, o melhor fotógrafo prático da cidade. Hartman parecia abatido; recusou entrar no gabinete e permaneceu perto do aparelho, engolfado em profunda meditação. Os peritos entraram, pois, sem ele, no gabinete; foi o Sr. Cutter quem preparou a chapa. Entregaram o caixilho ao Sr. Hartman, que estava tão comovido que teve dificuldade em colocá-lo no lugar próprio. Ele pediu a dois dos assistentes que colocassem as mãos sobre a câmara escura, ao mesmo tempo que ele. Essa terceira exposição foi tão estéril quanto as precedentes.
As coisas tomavam um mau aspecto para o pobre Sr. Hartman e seus amigos. Ele propôs, entretanto, expor ainda uma chapa, mas tornou-se ainda mais pensativo. O Sr. Murhman estava sentado perto da câmara e do Sr. Hartman, escrutando todos os seus gestos, como tinha o hábito de fazê-lo durante a sua longa carreira de “desmascarar médiuns profissionais”.
Quando o Sr. Cutter terminou os preparativos da quarta chapa no gabinete escuro, em presença do Sr. Moreland, saiu e entregou o caixilho ao Sr. Hartman.
Era a vez da exposição do Dr. Morrow; um outro dos assistentes devia colocar a mão sobre a câmara escura. Durante a exposição da chapa, reinava sempre profundo silêncio. O Sr. Hartman tremia visivelmente e parecia absorver-se em uma prece muda. As mãos das pessoas que tocavam na câmara tremiam do mesmo modo, como se estivessem sob a influência de misteriosa força. Finalmente o Sr. Hartman interrompeu essa expectativa penosa, fechando a câmara escura. Então o Sr. Cutter retirou a chapa e dirigiu-se, acompanhado pelo Sr. Moreland, ao gabinete, para fazer a revelação. O Sr. Hartman tinha ficado perto do aparelho, mostrando na fronte grandes gotas de suor. Os demais assistentes aguardavam silenciosamente a sentença que devia destruir definitivamente as crenças mais caras dos espiritualistas.
Em breve tempo, porém, ouviu-se uma exclamação de admiração e de surpresa dos Srs. Moreland e Cutter: “Há um resultado!” A fisionomia do Sr. Hartman iluminou-se como um relâmpago, de satisfação; os seus amigos, que apenas ousavam acreditar na agradável notícia, assim como os incrédulos, acercaram-se do Sr. Cutter, que sustinha a chapa contra a luz. Efetivamente, perto da cabeça do Sr. Morrow, podia-se ver a forma de uma jovem inclinada para ele: e essa imagem era ainda mais visível e distinta do que o seu próprio retrato. Esse resultado inesperado encheu de pasmo todas as pessoas. O Sr. Murhman e o Sr. Cutter olharam-se maravilhados. O último dos dois garantia que não tinha tomado parte no que sucedia; que aquela chapa era uma das suas e que ele sabia que ela nada continha quando ele a levou para o gabinete. Entretanto, a imagem estava ali. Quanto ao Sr. Hartman, nem sequer tinha tocado na chapa, nem mesmo tinha entrado no gabinete durante os preparativos. De que maneira se tinha produzido aquela imagem? Ele nada sabia a respeito; mas, realmente, ela ali estava! Quer cépticos, quer espíritas, estavam surpresos com esse resultado notável, resultado decisivo.
Decisivo nesse sentido é que os Srs. Cutter, Murhman e os outros, ainda que se tivessem recusado sempre a reconhecer uma origem espírita à imagem obtida, estavam todos, porém, de acordo sobre esse ponto: que, nas condições de que se tratava, o Sr. Hartman não tinha podido obter fraudulentamente aquele resultado, visto que ele não tinha entrado no gabinete e nem tocado na chapa. Todas as pessoas presentes aquiesceram em lhe passar um certificado, assinado com os seus nomes, dando testemunho do resultado obtido.
Certificado
Nós, abaixo assinados, tendo feito parte da sessão pública de fotografia espírita, organizada pelo Sr. Jay J. Hartman, certificamos pelo presente que seguimos minuciosamente todas as manifestações às quais foram submetidas as nossas próprias chapas sensíveis, que estavam marcadas; que fiscalizamos as operações no gabinete escuro assim como fora dele, e que não descobrimos o mínimo indício de fraude ou de prestidigitação empregada pelo Sr. Hartman. Certificamos também que durante a última experiência, no decurso da qual o resultado foi obtido, o Sr. Hartman não tocou na chapa e não entrou sequer no gabinete escuro.
Cincinnati, Ohio, 25 de dezembro de 1875.
J. Slatter, C. H. Murhman, V. Cutter, J. P. Weckman,
F. T. Moreland, T. Teeple, fotógrafos de profissão;
E. Saunders, Wm. Warrington, Joseph Kinsay, Benjamin
E. Hopkins, E. Hopkins, G. A. Carnahan, W. Wm. M. D. e
James, P. Geppert, D. V. Morrow, Sullivan, Robert Leslie.”
(Reimpresso no Spiritualist, nº 179, vol. VIII, número 4, Londres, 28 de janeiro de 1876, págs. 37 e 38).
O público, porém, nunca julga as provas suficientes; sempre exige novas provas, e os testemunhos pessoais não são bastantes quando se trata de fatos relacionados com o miraculoso. Alguns meses após haver recebido o certificado precitado, assinado por seis fotógrafos, o Sr. Hartman viu-se obrigado a publicar um novo convite, no “Cincinnati Enquirer”. Organizou-se uma nova comissão, com o mesmo intuito, tendo à frente o Sr. Slatter; essa investigação foi um novo triunfo para o Sr. Hartman, como o prova o certificado que lhe foi dirigido, publicado no Spiritual Scientist de 25 de maio de 1876, I, pág. 314.
O que expusemos no presente capítulo nos dá o direito, segundo me parece, de considerar a fotografia transcendente como um fato estabelecido de modo positivo; por conseguinte, a hipótese das alucinações, que serve de apoio às teorias do Dr. Hartmann, fica fortemente abalada.
Por minha vez, posso também servir-me da frase que ele emprega, falando da insuficiência da hipótese espírita; posso dizer que “o terreno começa a fugir da hipótese das alucinações e que só lhe resta um espaço acanhado, da extensão de um pé”. Veremos dentro em pouco, no final do capítulo sobre a materialização, se lhe resta alguma coisa desse “espaço acanhado”.
Notícia importante – Acabo de saber, muito tarde para mencioná-lo no corpo da obra, que o Sr. Taylor, diretor muito conhecido do Jornal Britânico de Fotografia, acaba de publicar nesse jornal, número de 17 de março de 1893, um artigo intitulado “A fotografia espírita”, no qual expõe suas experiências com M. D., médium escocês. Os resultados obtidos por ele confirmam peremptoriamente a possibilidade da fotografia transcendente. Será necessário insistir sobre a importância desse testemunho? A fotografia pode fornecer-nos todos os elementos requeridos para demonstrar que os fenômenos mediúnicos não apresentam sempre um caráter subjetivo, que um certo número dentre eles oferecem todos os atributos de realidade objetiva. Por esse meio se nos torna possível tirar a prova da existência de formas ou de seres invisíveis inteligentes. Foi também por esse motivo que considerei as experiências feitas pelo finado Sr. Beattie, em 1872, como pedra angular de todo o edifício. E eis que 20 anos depois de ter publicado em seu jornal o relatório das experiências do Sr. Beattie, cuja boa fé não era posta em dúvida por ele, o Sr. Taylor recomeçou as mesmas experiências.
O Sr. Taylor certamente teve que fazer seus ensaios em condições rigorosamente científicas.
2
Materialização e desmaterialização
de objetos acessíveis aos nossos sentidos
No presente capítulo vamos ocupar-nos especialmente dos fenômenos de aparecimento efêmero de corpos ou de objetos acessíveis aos nossos sentidos, e de seu desaparecimento mais ou menos rápido.
Esses fenômenos são tão contrários a todas as crenças, a todas as probabilidades e mesmo tão diferentes da série dos fenômenos ordinários do mediunismo, que o próprio Dr. Hartmann, que admite a responsabilidade dos fenômenos ordinários, aceitando integralmente os testemunhos humanos citados, recusa-se a admitir esses testemunhos quando se trata dos fenômenos de que nos ocupamos. O Sr. Hartmann recusa a estes últimos todo o valor objetivo e opina que é necessário transportá-los na íntegra para o domínio subjetivo.
Antes de passar ao estudo de fenômenos tão extraordinários, devemos procurar nos anais do mediunismo outros fatos mais simples, aproximando-se das idéias já admitidas e pertencentes ao mesmo domínio, que poderiam servir-nos de antecedentes para fazer admitir e compreender fenômenos mais complexos; foi assim que procedemos na demonstração da fotografia transcendente. Esses fenômenos mais simples existem e são conhecidos geralmente sob o nome de “fatos de penetração da matéria”; eles se apresentam as mais das vezes sob a forma de transporte e de desaparecimento de objetos em um quarto fechado.
Os fatos desse gênero ocupam grande espaço no repertório dos fenômenos mediúnicos; eles se produziram, assim como os fatos de materialização parcial, desde o começo dos estudos espíritas. Mas o estudo desses fenômenos simples, comparativamente falando, já estava muito adiantado, quando os fatos de materialização se apresentavam ainda no estado rudimentar, admitindo-se a natureza complexa desses fenômenos e sua dependência de um princípio de evolução.
Posto que muito simples, na aparência, os fatos de penetração da matéria têm entretanto grande importância. E devemos preocupar-nos profundamente com a sua significação, porque eles nos fornecem a prova evidente e positiva de que estamos em presença de um fato transcendente, isto é, de um fenômeno produzido por forças que têm sobre a matéria um poder, mas cuja origem, natureza e extensão não conhecemos.
É importante para a nossa crítica verificar que o princípio que serve de base à demonstração desse fenômeno já é admitido, ao menos tacitamente, pelo Dr. Hartmann.
Depois de ter falado da “ação expansiva da força nervosa mediúnica, que ataca a coesão das partículas da matéria”, o Sr. Hartmann passa em revista os fenômenos mediúnicos referentes à “penetração da matéria”, que classifica em uma “categoria de fatos particularmente inverossímeis”; e cita as experiências concludentes feitas por Zöllner, entre outras o transporte de objetos de um quarto fechado, que foi observado freqüentemente, em condições que impõem a convicção.
E quando o Sr. Hartmann teve que ocupar-se com os fenômenos de materialização e explicá-los por alucinações produzidas pelo médium, prevaleceu-se largamente do fato mediúnico da penetração da matéria, admitido pelos espíritas, para negar a objetividade real de todos os fenômenos de materialização observados durante a reclusão do médium; nenhum laço pode reter este último em seu lugar, quer um saco, quer uma gaiola na qual o médium fosse encerrado, “pois que desde o momento em que o médium sonâmbulo pode penetrar aquela matéria, pode também mostrar-se aos espectadores sob a forma de aparição, a despeito de todas as medidas de precaução”.
Assim, o Sr. Hartmann admite, como princípio, a possibilidade do fato mediúnico da penetrabilidade da matéria, como também admite a possibilidade de todos os outros fatos, baseando-se no testemunho de outrem. Mas, tratando desses fatos e prevalecendo-se deles para a sua teoria da alucinação, não nos dá a seu respeito explicação alguma; ele só tem em vista combater a hipótese da quarta dimensão do espaço, imaginada por Zöllner, e pronuncia-se a favor da uma “comoção molecular das combinações da matéria”, que pode mesmo ir até a uma explosão, como foi observado. Mas, uma vez que se admite o fato da penetração de um corpo sólido por um outro semelhante, ainda que como princípio, é certo que não podemos no-lo representar de outra maneira a não ser supondo uma desagregação momentânea da matéria sólida, no momento da passagem de um objeto, e sua reconstituição imediatamente depois, isto é – em linguagem mediúnica –, sua desmaterialização e sua rematerialização. Fica bem entendido que essa definição é apenas convencional – aceita na falta de outra melhor –, visto como não se aplica senão à aparência do fenômeno e não à sua essência.
É inútil multiplicar aqui os exemplos de iguais fenômenos, pois que o Sr. Hartmann cita um número suficiente deles. Citarei, entretanto, dois dentre eles, que têm o mérito de se terem produzido sob os olhos do observador, não de maneira inesperada, mas em condições fixadas de antemão.
Eis um testemunho devido ao Rev. Sr. Collex, em carta publicada no Medium and Daybreak, ano de 1877, página 709, e relativa ao fato que demonstra a penetrabilidade da matéria. Depois de ter feito a narração de uma sessão com o médium Dr. Monck – no decurso da qual ele tinha verificado o desenvolvimento de uma força considerável, o que o tinha induzido a conservar por baixo da mesa uma ardósia com um pedaço de lápis ordinário (à falta de lápis de ardósia), na esperança de obter uma escrita direta –, continua assim:
“Mas nenhum resultado foi obtido; não encontrei na ardósia senão uma espécie de curva, como para me fazer compreender que o lápis não podia servir. Esse lápis inútil tinha provavelmente irritado a Samuel (o inspirador invisível), porque ele me perguntou pela boca do médium, que estava em transe:
– É preciso queimar ou mergulhar o lápis?
– Mergulhá-lo! – respondi.
– Coloca a mão sobre o gargalo da garrafa (a louça da ceia ainda não tinha sido retirada); agora olha atentamente!
O lápis estava sobre a ardósia, a meus pés, e o médium, que se achava a alguma distância, não tinha tocado nele, uma só vez.
– Muito bem! – replicou Samuel, falando pelo Sr. Monck, que ele tinha conduzido ao outro extremo do quarto, e cuja mão estava estendida na direção da garrafa – presta atenção, olha bem!
Em um abrir de olhos, o pequeno lápis, que não tinha mais de uma polegada de extensão, foi, por assim dizer, lançado através da minha mão até à garrafa, onde ficou, flutuando na água.
Londres, 1º de novembro de 1877.
Thomaz Colley.”
Algum tempo depois, o Rev. Sr. Colley publicou a experiência seguinte:
“Em uma sessão com o médium Monck, escrevi em uma ardósia: “Podes transportar esta ardósia ao quinto degrau da escada que vai dar no corredor?”
Tendo deposto a ardósia no chão, com o lado escrito voltado para baixo, perguntei em voz alta se íamos obter uma comunicação escrita naquela ardósia. Apenas eu tinha voltado ao meu lugar e tomado as mãos do Sr. Monck entre as minhas, senti as pernas levadas para um lado sob o impulso de um corpo pesado e divisei uma luz mais brilhante do que a dos dois bicos de gás que nos iluminavam, emergindo subitamente por baixo da mesa, na direção da porta fechada; no mesmo instante retumbou um estalido semelhante ao que tivesse sido produzido por uma ardósia violentamente atirada de encontro a uma porta, conforme verifiquei depois. Entretanto, apesar de termos visto a luz e ouvido o estalido, não pudemos acompanhar o deslocamento da ardósia; foi só no momento em que se produziu o choque que senti um dos lados do caixilho (que tinha sido lançado para trás) dar de encontro à minha perna e cair no chão. O que acabava de passar-se fez-me supor que a ardósia tinha sido atirada, segundo o meu desejo, através da porta, que estava fechada à chave, e que eu era, por uma vez ainda, testemunha do fenômeno surpreendente da penetração de uma matéria por uma outra; levantei-me, aproximei-me da porta e abri-a, conservando sempre a mão do Sr. Monck; efetivamente, a ardósia estava no quinto degrau da escada! Levantando-a, pude verificar que a inscrição que ela continha estava perfeitamente de acordo com o fato misterioso que acabava de passar-se, pois que à minha pergunta: “Podes transportar a ardósia ao quinto degrau da escada?”, encontrei a seguinte resposta: “Julga por ti mesmo. Ei-la. Adeus!” (Médium, 1877, pág. 741).
A mesma experiência foi repetida por duas vezes ainda, em presença de outras testemunhas (idem, páginas 761 e 786); na segunda sessão, a ardósia foi instantaneamente transportada ao quarto de uma das pessoas presentes, à distância de duas milhas do lugar onde se achavam os experimentadores.
O fato da penetrabilidade da matéria, isto é, da desmaterialização e rematerialização momentânea de um objeto, uma vez admitido, leva-nos logicamente a apresentar esta pergunta: Por que razão a força produtora daquela desmaterialização não teria o poder de dar aos corpos desmaterializados, rematerializando-os, outra forma diferente da que eles tinham dantes? Se a força que produz esse fenômeno é a força nervosa – como o Dr. Hartmann se inclina a admitir –, devemos lembrar-nos que a força nervosa pode produzir, sobre os corpos, impressões persistentes, isto é, produzir certas mudanças moleculares, correspondendo não só à forma dos órgãos do médium, donde emana essa força, como ainda a qualquer outra forma estranha que aprouvesse à fantasia sonambúlica do médium dar semelhante impressão. Assim, pois, a força nervosa, por isso mesmo que é suscetível de desagregar um corpo qualquer, disporia à sua maneira de todos os átomos desse corpo e, reconstituindo-o por intermédio desses átomos, poderia dar-lhe a forma que a vontade sonambúlica do médium se dispusesse a produzir. Essa conclusão não seria contrária à lógica da hipótese do Sr. Hartmann, e não descobrimos os motivos que ele poderia invocar para combatê-la –admitindo, repito-o, que estejamos aqui em presença da força nervosa com as propriedades que o Sr. Hartmann lhe atribui.
Baseando-nos no mesmo raciocínio, temos o direito de modificar essa conclusão da maneira seguinte: A força que exercesse sobre a matéria tal poder de desagregação não seria absolutamente obrigada a desagregar toda a massa de determinado objeto: bastar-lhe-ia utilizar certa quantidade de átomos dessa matéria para produzir, quer um simulacro de objeto, quer um objeto de outra forma. Efetivamente, o Espiritismo nos oferece esses dois gêneros de fenômenos conhecidos com o nome de desdobramento e com o de materialização no sentido próprio, e que se observa do mesmo modo nos objetos inanimados e nos animados. A linha de delimitação entre essas duas séries de fenômenos não pode, naturalmente, ser determinada com precisão, pois que se estaria sempre em presença de um certo grau de materialidade.
Em matéria de desdobramento de objetos inanimados, o observado mais freqüentemente foi o desdobramento dos tecidos. É um fato muito freqüente ver – sendo os médiuns mantidos pelas mãos – o duplo da mão do médium com a manga do vestido. Posso citar, como fato mais bem verificado desse gênero, o que se deu depois da experiência elétrica do Sr. Crookes com a Sra. Fay. O Sr. Hartmann é de opinião que esse exemplo é perfeito no ponto de vista da exclusão de toda a co-participação pessoal por parte do médium. “O controle por meio do contato com os eletrodos, como o aplicaram Crookes e Varley em sua sessão física com a Sra. Fay, pode ser considerado como uma garantia suficiente.” (pág. 18). Apesar disso, a mão que se mostrou entre as cortinas e que apresentou os livros aos assistentes estava revestida por um punho de seda azul, idêntico ao do vestido do médium; temos sobre esses pontos o testemunho do próprio Sr. Cox (Spiritual Magazine, 1875, pág. 151). Segundo a hipótese do Sr. Hartmann, isso deveria ser o resultado de uma alucinação; ela, porém, não tem razão de ser aqui; sem dúvida alguma, o médium teria evitado produzir a alucinação do seu próprio vestido. Quanto aos assistentes, não contavam com aquela surpresa.
Outro fato desse gênero, igualmente precioso, produziu-se por várias vezes, em uma sessão de Davenport, feita às escuras: tendo sido aceso um fósforo, de repente, viu-se Davenport sentado em uma cadeira e ligado pelas mãos e pés, e o duplo perfeito de seu corpo – com a roupa – perdendo-se no corpo do médium. (Spiritual Magazine, 1873, págs. 154 e 470; Ferguson, Supra-mondane Facts, pág. 109; ver também o testemunho interessante de Cliford-Smith, Spiritual Magazine, 1872, pág. 489, e finalmente o mesmo jornal, 1876, I, pág. 189).
Falando do desdobramento dos vestidos, somos levados naturalmente a mencionar, ao mesmo tempo, o desdobramento das formas humanas, do qual já encontramos antecedentes nos fenômenos da fotografia transcendente; abster-me-ei, porém, de fazer aqui um estudo minucioso desses fenômenos, pois que teremos de voltar mais adiante a esse ponto. Vamos passar imediatamente ao estudo da série dos fenômenos de materialização e, antes de tudo, ao estudo da materialização e desmaterialização de objetos inanimados.
A – Materialização e desmaterialização de objetos inanimados
Não me esqueço de que devo tratar desse assunto somente sob o ponto de vista da teoria da alucinação. O Sr. Hartmann não admite os testemunhos harmônicos da vista e do tato, ainda que emanem de muitas pessoas simultaneamente; a materialização de um objeto sob a vista de testemunhas e a sua desmaterialização gradual, observada pelas mesmas testemunhas – o que é para o julgamento e a experiência ordinária o summum da prova exigida e que se produziu freqüentemente nas sessões mediúnicas –, é para o Sr. Hartmann a prova eo ipso da alucinação. Devo, pois, procurar provar o fenômeno por efeitos duradouros (pág. 96), os mais positivos dos quais fossem materializações, não efêmeras, porém permanentes. Entretanto, aqui a prova mais perfeita deixa por isso mesmo de ser uma prova, pois que o objeto, uma vez materializado, não difere em coisa alguma de outro objeto. Dessa forma, a prova do fenômeno não poderia ter outra base além daquela sobre a qual se apóia também o fenômeno da penetração da matéria, isto é, o testemunho humano. Baseando-me neste testemunho, espero poder exibir alguns exemplos suficientemente satisfatórios; é aqui que a fotografia transcendente vem em nosso auxílio; ela nos fornece uma prova positiva da materialização invisível de qualquer espécie de objetos inanimados, às mais das vezes tecidos e flores. Os tecidos que se vêem nessas fotografias geralmente nada apresentam de distintivo, pois que não passam de um acessório; entretanto, algumas vezes eles oferecem particularidades notáveis; é assim que o Sr. Hallock atesta que em uma das fotografias de Mumler, que representa o Sr. Livermore com o retrato de sua mulher falecida (e que já mencionamos), os tecidos que rodeiam a figura são particularmente finos e de um belo desenho, principalmente vistos à lente; poder-se-iam compará-los a uma asa de borboleta (Spiritualist, 1877, I, 239). Dissemos também mais acima que, em uma das fotografias obtidas pelo Sr. Slater, o retrato da pessoa que se tinha exposto estava artisticamente envolto em uma renda transparente; examinada de perto, aquela renda parecia formada por pequenos anéis de diversas dimensões, em nada semelhantes às rendas de confecção ordinária.
Apoiando-nos nesse antecedente, estamos no direito de supor que o fenômeno da materialização de semelhantes objetos deve dar-se também no domínio da materialização apreciável pelos sentidos. Efetivamente, encontramos na categoria dos fenômenos mediúnicos numerosos exemplos da materialização dos tecidos e das flores. Os fatos de transporte desses objetos, em condições que excluem toda a possibilidade de fraude, são inumeráveis. Como o Sr. Hartmann não pôs em dúvida a realidade desse fenômeno, julgo inútil esforçar-me em dar aqui a sua demonstração, citando algumas das experiências feitas. No começo havia disposições de atribuir uma origem supra-sensível aos tecidos usados pelas figuras materializadas; mas em breve chegou-se a discernir a diferença entre o “transporte” transcendente de um tecido e a sua materialização temporária, no sentido estrito da palavra. Conforme acabamos de verificar, o primeiro fenômeno é precursor do segundo, e é desse último que nos devemos ocupar neste momento.
Fomos conduzidos logicamente à hipótese de que o fenômeno da materialização poderia produzir-se à custa de um objeto dado, sem o desmaterializar completamente. E é efetivamente o que sucede, conforme a observação e o dizer das forças inteligentes que produzem esse fenômeno. A materialização temporária de um tecido produzir-se-ia, pois, à custa dos tecidos usados pelos assistentes; é o tecido que serviria de médium à materialização de um tecido. Eis o que encontrei a esse respeito em uma comunicação:
“É impossível formar semelhante matéria a menos que uma matéria correspondente esteja em posse do médium ou dos assistentes, visto que qualquer coisa no mundo da matéria tem a sua qualidade correspondente no mundo espiritual. Geralmente, é a cor branca a escolhida; porém, se, na sala onde se realiza a sessão, se colocam cores vegetais, então quase cada um de nós poderia mudar a cor branca de sua roupa em uma das gradações representadas na sala. Esse fenômeno poderia, depois de uma série de experiências, ser produzido sob a vista dos assistentes, quer com o tecido fabricado por nós, quer com um fabricado em vosso mundo.” (The Spiritualist, 1878, I, pág. 15).
Só conheço uma única experiência feita nesse sentido pelo Sr. Clifford-Smith, obtida pela fotografia transcendente. O fim era provar a materialização transcendente de um tecido natural, reproduzindo, como prova, o desenho desse tecido. Para fazer essa experiência, o Sr. Smith serviu-se de uma toalha de mesa e dirigiu-se com o médium Williams à casa do Sr. Hudson, fotógrafo. Eis a narração que ele fez dessa sessão:
“O Sr. Hudson tinha saído, mas voltou dentro em pouco. Dirigimo-nos imediatamente ao seu gabinete. O Sr. Hudson nunca tinha visto a toalha e não podia conhecer as minhas intenções. Perguntei-lhe: “Esse desenho (da toalha) apareceria claramente em uma fotografia?” Ele me respondeu afirmativamente e me propôs fotografá-la. Consenti nisso com a intenção de estender simplesmente a toalha no encosto de uma cadeira; porém, na ocasião em que ele ia tirar a fotografia, tive a inspiração de pedir ao Sr. Williams que se colocasse ao lado da cadeira, fora do campo da fotografia, ficando inteiramente por trás do tecido. Não desviei os olhos da toalha estendida sobre a cadeira. O resultado foi o aparecimento de uma forma espírita vestida de branco, cujo rosto era claramente reconhecível através da fazenda; mas o fato característico era que sobre os ombros via-se um fac-símile da toalha de mesa, exatamente como eu a tinha colocado em minha casa, sobre o Sr. Williams; o desenho do tecido era muito visível, ainda mais fácil de distinguir sobre a forma espírita do que sobre a cadeira onde estava estendido, e entretanto ele tinha ficado à mostra sobre a cadeira durante todo o tempo.” (The Spiritual Magazine, 1872, pág. 488).
Um dos casos mais autênticos de materialização de tecidos é o que se deu nas sessões do Sr. W. Crookes, com a Srta. Cook, pela forma materializada conhecida com o nome de Katie King. Eis como o Sr. Harrison, editor do The Spiritualist, testifica esse fato:
“A forma feminina, que se apresentava com o nome Katie, estava sentada no soalho, aquém da porta que comunicava com a sala que servia de gabinete escuro. Nesse gabinete podíamos ver, durante toda a sessão, aquela que julgávamos ser a Srta. Florence Cook; sua cabeça não estava voltada para nós, de maneira que não podíamos ver-lhe o rosto, mas podíamos distinguir-lhe os vestidos, as mãos e os sapatos. Katie estava no chão, fora do gabinete; muito perto dela estavam sentados, de um lado o Sr. W. Crookes, do outro o Sr. Tapp. Entre as pessoas presentes achavam-se os pais da médium, a Sra. Ross Church, eu e ainda outras pessoas, cujos nomes me escapam. Katie cortou da aba de seu amplo vestido cerca de dez retalhos e os distribuiu entre os assistentes; os recortes que fez em seu vestido eram de diversas dimensões e podia-se facilmente introduzir a mão em alguns. Irrefletidamente eu lhe disse: “Katie, se pudesses reconstituir o tecido como fazias algumas vezes!...” É conveniente notar que tudo isso se passava à luz do gás e em presença de numerosas testemunhas. Apenas eu tinha externado o meu desejo, ela dobrou tranqüilamente a parte recortada de seu vestido com a que tinha ficado intacta e descobriu-a logo depois; aquela operação não durou mais de três ou quatro segundos. A aba de seu vestido estava inteiramente restaurada: não se via mais um só buraco. O Sr. Crookes pediu para examinar o tecido, no que acedeu Katie; ele apalpou toda a parte recortada, centímetro por centímetro, examinou-a atentamente e declarou que não havia mais ali a menor solução de continuidade, recorte ou costura, nem vestígio de qualquer natureza. O Sr. Tapp pediu permissão para fazer outro tanto e, depois de longo e minucioso exame, deu o mesmo testemunho.” (The Spiritualist, 1877, nº 246, pág. 218).
Convém ler também os testemunhos relativos ao mesmo fato, no The Spiritualist, 1876, I, págs. 235, 258 e 259. Semelhantes experiências foram feitas finalmente com outros médiuns por várias vezes (The spiritualist, 1877, I, pág. 182; Light, 1885, pág. 258).
O Sr. Hartmann, mencionando esse gênero de fenômenos, concluiu “que é claro que, nesses diversos casos, nos achamos em presença de uma combinação da alucinação da vista e do tato (págs. 102 e 103). Mas a objeção é que os retalhos de tecido, cortados, não desaparecem, e eu vi em casa do Sr. Harrison o tecido que ele tinha cortado.
Estamos, pois, em presença desse dilema: ou o vestido era alucinatório, e nesse caso o tecido não pôde ser cortado e subsistir, ou o vestido existia realmente e então o buraco não pôde ser reparado. Para sair dessa dificuldade, o Sr. Hartmann acrescenta: “Quando o fantasma manda cortar o vestido pelos assistentes, e os retalhos apresentam a resistência de tecidos terrestres, surge essa questão: Achamo-nos em presença de uma alucinação do tato ou do transporte de um objeto real?” (pág. 103).
Como o Sr. Hartmann esclarece essa dúvida? Ele diz: “Se os retalhos de tecido desaparecem ulteriormente, ou se não podem ser encontrados depois da sessão, é preciso considerar o seu caráter alucinatório como demonstrado; se, pelo contrário, esses retalhos subsistem e podem ser taxados segundo o seu valor, a sua realidade e proveniência terrestre tornam-se indubitáveis.” (mesma página). Mas como explicar essa proveniência terrestre? O Sr. Hartmann já nos disse que, se não é uma alucinação do tato, é o transporte de um objeto real.
Da parte do Sr. Hartmann essa palavra é imprudente; ele não tem o direito de falar em transporte para a explicação de um fenômeno mediúnico qualquer. O transporte é um fato transcendente, inexplicável – pelo menos o Sr. Hartmann não dá explicação alguma a tal respeito. Por conseguinte, explicar a origem de um tecido pela hipótese do transporte é explicar o inexplicável pelo inexplicável, e o Sr. Hartmann tem o dever de nos dar explicações aceitáveis. Pouco nos importa que ele baseie a sua explicação sobre um fato admitido pelos espíritas: o transporte; ele não tem o direito de fazer essa concessão aos espíritas, porque lançou mão da pena para lhes ensinar “quais são os três princípios de método contra os quais o Espiritismo peca”, e o terceiro dos quais nos ensina que “é preciso permanecer tanto quanto possível nas causas naturais” (pág. 118) e para lhes demonstrar que no Espiritismo “não há a mínima justificação de ir além das explicações naturais “ (pág. 106).
Um fato que provaria que um tecido materializado não é um tecido transportado – de proveniência terrestre – seria o seu desaparecimento gradual, não no decurso da sessão, quando a influência alucinatória do médium sobre os assistentes é predominante, porém fora dessas condições; e essa desmaterialização poderia ser verificada pela fotografia. É uma experiência que deve ser feita. Por enquanto, ficaremos nas declarações, em número limitado, que justificam o fato da materialização de peças completas e em quantidade sob as vistas dos assistentes, na subtração de um retalho desses tecidos por meio de tesouras, em sua permanência durante alguns dias, na sua desmaterialização gradual e finalmente em seu desaparecimento.
Passaremos agora à materialização das flores. O seu transporte, a um quarto fechado, foi verificado por muitas vezes; mas o fenômeno de sua materialização produziu-se raramente. Os primeiros fatos desse gênero foram obtidos pelo Sr. Livermore, com a médium Srta. Kate Fox (ver as suas cartas no The Spiritual Magazine, 1861, 494 e passim).
Conforme o testemunho do Sr. A. J. Davis, no Herald of Progress:
“Em um dos círculos espíritas de Nova Iorque, produziam-se freqüentemente belas flores dotadas de vida momentânea, criadas artificialmente com o auxílio de elementos químicos esparsos na atmosfera. Esses espécimes da criação espírita eram em seguida oferecidos aos membros do círculo; cada uma dessas flores era por conseguinte posta ao alcance dos nossos sentidos; seu perfume impressionava diretamente o olfato; a haste e as folhas podiam ser tocadas, mantidas na mão. No decurso de uma dessas sessões, a comunicação espírita nos convidou a colocar uma daquelas flores em cima do fogão, o que foi realizado por um dos membros do círculo que voltou imediatamente ao seu lugar. Aos olhos dos assistentes, que fixamente olhavam para a flor, ela desapareceu completamente, depois de doze minutos.” (The Spiritual Magazine, 1864, pág. 13).
No livro de Wolfe, Fatos surpreendentes (págs. 508 e 538), lemos a passagem seguinte:
“Por baixo da toalha da mesa, viu-se uma luz tornando-se cada vez mais intensa, até que uma bela flor se materializou completamente; então a flor foi atirada no quarto, a uma distância suficiente para que se pudesse ver completamente a mão que a segurava. Observada durante meio minuto, ela desapareceu, mas para apresentar-se de novo. A flor não estava a mais de 12 polegadas de nossos olhos. Por seu tamanho, forma e cor, a flor assemelhava-se a uma rosa mousseuse.”
Sendo efêmeras, essas materializações não podem servir como resposta à teoria alucinatória do Sr. Hartmann; tenho todo o fundamento para supor que a fotografia teria podido dar a prova necessária de sua existência objetiva; não duvido de que essa experiência seja feita algum dia; mas não cito esses fatos senão porque eles são os antecedentes naturais da materialização das flores e dos frutos, produzida sob os olhos e com o caráter de materialidade permanente.
Os fatos mais notáveis desse gênero são os que se produziram pela mediunidade da Sra. d’Espérance, de Newcastle, e que são referidos, in extenso, no Médium de 1880, págs. 528, 538 e 542, e também no Herald of Progress de 1880, publicado em Newcastle. Esse fenômeno manifestou-se de três maneiras: 1º- em um copo d’água; 2º- em uma caixa com terra fresca; 3º- em uma garrafa com areia e água. Isso se passava em sessões de materialização; a médium se tinha retirado para um gabinete, e o operador era uma figura materializada que se apresentava como uma jovem árabe chamada Iolanda. Eis alguns pormenores sobre as três formas apresentadas pelo fenômeno, sob as vistas de numerosas testemunhas e por várias vezes:
1º – O Sr. Fitton tinha colocado na palma da mão um copo com um pouco d’água, à vista de todos; nada mais havia no copo, porém, depois que Iolanda fez alguns passes, o Sr. Fitton viu um botão de rosa no copo; esse botão entreabriu-se em pouco tempo até o meio, e Iolanda tomou-o e entregou-o ao Sr. Fitton. Este mostrou-o durante alguns instantes à Sra. Fidler e, quando o recebeu de novo, viu que, nesse curto intervalo, a flor tinha desabrochado (Médium, 1880, pág. 466).
2º – Para a reprodução de uma planta inteira, o operador misterioso pediu uma caixa com terra fresca e uma planta viva e sã que serviria de médium, o que foi fornecido por um dos assistentes. Na sessão de 20 de abril de 1880, a caixa que continha a terra foi depositada no centro da sala, e a planta-médium, um pé de jacinto, perto da caixa. Iolanda regou a terra com a água que lhe deram, depois cobriu a caixa com um pano e retirou-se para o gabinete. Ela saía dali de instante em instante, fixava o pano durante alguns momentos ou fazia passes; em seguida retirava-se de novo. Depois de cerca de vinte minutos, o pano pareceu levantar-se e aumentar gradualmente em altura e largura. Então Iolanda retirou o pano e viu-se na caixa um grande e belo pelargonium, em todo o seu frescor, da altura de 25 polegadas, com folhas da largura de 1 a 5 polegadas; ele foi transplantado para um jarro ordinário e continuou a viver, enquanto que a planta-médium não tardou em definhar (Médium, 1880, pág. 306). Foi da mesma maneira que se produziu, na sessão de 22 de junho, no espaço de cerca de meia hora, um belo morangueiro, apresentando frutos em diversos graus de maturação; a planta que serviu dessa vez de médium era um geranium (Médium, 1880, pág. 466).
3º – A produção de uma planta em uma garrafa, na sessão de 4 de agosto, é descrita pelo Sr. Oxley, no Herald of Progress (n. 8):
“Saindo do gabinete, Iolanda pediu, por meio de sinais, que lhe dessem uma garrafa, água e areia (o que acabava de ser obtido justamente antes da sessão); em seguida, agachando-se no soalho, perante todas as pessoas, chamou o Sr. Reimers, que, conforme as suas indicações, deitou na garrafa um pouco d’água e de areia. Iolanda depositou a garrafa no centro da sala, fez alguns passes, cobriu-a com um pano pequeno e leve e dirigiu-se para o lado do gabinete, a uma distância de cerca de 3 pés da garrafa. Naquele mesmo momento, percebemos que o que quer que fosse se levantava sob o pano e ampliava-se em todas as direções, atingindo uma altura de 4 polegadas. Quando Iolanda se aproximou e retirou o pano, verificamos que se tinha desenvolvido, na garrafa, uma verdadeira planta, com raízes, haste e folhas verdes. Iolanda tomou a garrafa entre as mãos, aproximou-se do lugar onde eu estava e ma entregou. Recebi-a em uma das mãos e examinei-a juntamente com o meu amigo Calder; a planta ainda não continha flores. Coloquei a garrafa no soalho, a 2 pés de mim. Iolanda entrou no gabinete, onde ouvimos o som de pancadas que tinham esta significação, segundo o alfabeto convencionado: “Agora, olhai para a planta.” Então Calder, tomando a garrafa e suspendendo-a no ar, exclamou, cheio de admiração: “Vede, há uma flor!” Efetivamente, a planta continha uma grande flor. Durante os poucos minutos em que a garrafa tinha ficado a meus pés, a planta tinha crescido 6 polegadas, lançando muitas folhas novas e uma bela flor de cor vermelho-dourada ou alaranjada.” (Médium, 1880, pág. 529).
Esse fato não era uma alucinação, como o atesta uma fotografia da planta, feita pelo Sr. Oxley no dia seguinte. Verificou-se que a planta era uma Ixora crocata; o seu desenho está anexado ao artigo do Sr. Oxley, no Herald, bem como no livro da Sra. Emma Hardinge-Britten, Os Milagres do Século XIX, e na edição alemã dessa obra.
O Sr. Oxley, a quem eu me tinha dirigido pedindo algumas informações, teve a bondade de me fazer aceitar, por ocasião de me responder, uma bela fotografia representando a planta inteira na garrafa, deixando ver as raízes e a areia na qual elas cresceram. Em sua carta, o Sr. Oxley confirma o fato da origem extraordinária daquela planta; ele diz entre outras coisas:
“Nunca menos de vinte pessoas eram testemunhas desse fenômeno, que se deu à luz moderada, porém suficiente para se ver o que se passava. O pano tocava imediatamente no gargalo da garrafa, e pudemos mui distintamente vê-lo elevar-se gradualmente.”
O Sr. Oxley teve a bondade de enviar-me uma parte da própria planta para ser comparada com a fotografia; era precisamente a parte superior, com a flor e três folhas, cortadas e postas abaixo de um vidro imediatamente após a execução da fotografia. As folhas mediam de 17 a 18 centímetros de extensão e 6 centímetros de largura; quanto à flor, constava de um feixe de quarenta pistilos de uma extensão de 4 centímetros, e terminando cada um por uma flor composta de 4 pétalas. Como o Sr. Sellin, de Hamburgo, assistisse a essa sessão, tive naturalmente a idéia de conseguir o seu testemunho e lhe escrevi a carta seguinte:
“S. Petersburgo, hoje, 7/19 de abril de 1886.
Já que o senhor assistiu, conjuntamente com os Srs. Oxley e Reimers, à sessão da Sra. d’Espérance, no decurso da qual se produziu o notável crescimento de uma planta que Iolanda entregou ao Sr. Oxley, o seu testemunho terá para mim um valor particular, pelo que venho pedir que se digne enviar-me uma resposta aos quesitos seguintes:
1º – Com que grau de luz se produziu esse fenômeno?
2º – O senhor está bem certo de ter visto o próprio vaso no qual a planta se desenvolveu, e está convicto de que não havia nesse vaso mais do que água e areia?
3º – Tem certeza de ter visto a planta elevar-se gradualmente da garrafa, para atingir as dimensões indicadas na descrição?
4º – Reparou bem que não havia flor na planta, quando ela foi entregue ao Sr. Oxley, e que ela só apareceu mais tarde?
5º – Tem qualquer dúvida sobre a autenticidade do fenômeno e, em caso contrário, como o explica?
Ser-lhe-ia muito grato se me desse essas informações.
Queira aceitar..., etc.”
Eis a resposta que o Sr. Sellin se dignou enviar-me:
“Hamburgo, 5 de maio de 1886.
Borgfeld, Mittelweg, 59.
Senhor.
Peço-lhe desculpas por responder tão tarde à sua carta de 19 de abril, que só me foi entregue a 27, por ocasião de meu regresso da Inglaterra, onde passei duas semanas. Espero, entretanto, que a minha resposta lhe chegue às mãos a tempo.
Para melhor compreensão, ajunto à presente missiva uma planta da sala onde se realizaram as sessões, com a indicação do gabinete e dos lugares que ocupávamos. Nesse desenho não observei uma exatidão rigorosa, o que, aliás, não tem grande importância; pretendo principalmente indicar o lugar onde eu me achava e que me colocava em condições particularmente vantajosas, como o senhor pode verificar por si.
Quanto aos quesitos que o senhor me apresenta:
1º – É muito difícil determinar a intensidade da luz. A sala era iluminada a gás, através de uma janela disfarçada por uma cortina vermelha; a chama podia ser graduada no interior da sala; aumentava-se ou diminuía-se.
Enquanto durava o crescimento, a iluminação era fraca, porém suficiente, não só para poder-se ver Iolanda e distinguir a garrafa, coberta pelo pano branco, como ainda para acompanhar a elevação gradual daquele pano à proporção que a planta crescia. Conforme o indica o desenho, eu me achava a uma distância da planta que não excedia de 3 pés e posso, por conseguinte, dizer com segurança que o pano branco se elevou a uma altura de 16 polegadas no espaço de 3 minutos. Quando em seguida Iolanda tirou o pano de cima da planta, o que eu não perdi de vista por um instante, julguei ver um Ficus no lugar da Ixora crocata, planta que eu não conhecia. A claridade existente me permitia distinguir cada folha, de maneira que pude reconhecer o meu engano antes que Iolanda tivesse entregado a garrafa com a planta ao Sr. Oxley.
2º – O vaso empregado naquele caso (uma garrafa com um gargalo de menos de uma polegada de diâmetro) é absolutamente semelhante ao que é reproduzido por um desenho no Herald of Progress; vi-o quer antes, quer depois da sessão e pude examiná-lo minuciosamente, pois quando traziam a garrafa, a areia, a água e a folha de jornal, a luz foi aumentada. Essa circunstância não pode ser posta em dúvida de maneira alguma. Eis a ordem que se observou na sessão: quando, no começo, Iolanda distribuiu as suas rosas, entrou no gabinete, e os objetos precitados foram pedidos por meio de pancadas que saíam do gabinete. O Sr. Oxley diz que antes da sessão ele tinha sido prevenido (provavelmente por meio de escritas automáticas) de que esses objetos deviam estar prontos de antemão. O Sr. Armstrong, de cuja honorabilidade não tenho dúvida, e que dirigia essas sessões, foi quem ofereceu esses acessórios. A Sra. d’Espérance achava-se naquele momento em estado de transe provavelmente parcial, pois que, achando-se no gabinete, conversava e tossia. Logo que se diminuiu a luz, Iolanda saiu do gabinete, chamou com um aceno o Sr. Reimers e lhe fez sinal de colocar a folha do jornal no chão e de encher a garrafa, que foi colocada em cima, com areia até determinada altura, e para deitar nela uma certa quantidade de água. O Sr. Reimers fez o que se lhe pedia, conservando-se de joelhos na margem do jornal, enquanto Iolanda estava defronte dele, do lado oposto, também de joelhos. Logo que o Sr. Reimers terminou, Iolanda lhe deu um beijo na testa e lhe fez sinal para que ele voltasse a seu lugar. Ela própria levantou-se e cobriu a garrafa com o pano branco. Donde o tinha ela tirado? Era uma parte de seu vestido, ou antes o tinha ela produzido naquela ocasião? Eu não desejaria aventurar uma opinião qualquer a esse respeito; mas posso dizer que, a contar do momento em que a garrafa foi coberta, eu estava no caso de examinar perfeitamente, quer a garrafa, quer o fantasma, até a ocasião em que ele retirou o pano.
3º – A resposta ao presente quesito já está dada no que precede.
4º – Posso garantir com toda a convicção que não havia flores na planta, no momento em que o pano foi retirado; a não se ter dado aquele incidente, certamente eu não poderia ter tomado por um ficus aquela grande flor de forma esferoidal, com as dimensões do punho e a forma de uma dália. Não posso, porém, afirmar que a planta não tinha botões; não os vi, mas, se havia um na primeira fase de desenvolvimento, era possível que eu não o notasse. Sobre esse ponto preciso louvar-me completamente no testemunho do Sr. Oxley e do respeitável John Calder. Quando, decorridos alguns minutos, se aumentou a luz e todas as pessoas presentes examinaram a planta pela segunda vez, via-se já ali um botão completamente desenvolvido. Colocou-se a garrafa em cima de um armário, onde ela ficou até ao fim da sessão, no decurso da qual se formaram ainda cerca de meia dúzia de figuras materializadas, que saíam do gabinete e se aproximavam das pessoas presentes. Quando, no fim da sessão, o Sr. Oxley retirou a garrafa do armário para levá-la para casa, eu me aproveitei daquela oportunidade a fim de olhar para a planta ainda uma vez, e verifiquei que naquele ínterim tinham desabrochado mais três botões de cor amarelo-alaranjado. No dia seguinte, levando a planta à casa do fotógrafo, notamos que a copa inteira se tinha desenvolvido, conforme se vê na prova. Depois de exame mais minucioso das folhas, notei com surpresa que uma delas tinha uma dilaceração que tivera o tempo de endurecer. Na sessão de 5 de agosto, na qual se formou da mesma maneira, em um jarro cheio de terra, um Anthurium Scherzerianum, uma planta da América Central, perguntei como semelhante dilaceração tinha podido fazer-se em uma planta que apenas acabava de nascer. Disseram-me em resposta que Iolanda, retirando o pano com muita precipitação, tinha deteriorado a folha e que aquela dilaceração tinha cicatrizado em tão pouco tempo, graças ao crescimento rápido da planta.
5º – Conforme a maneira pela qual as coisas se passaram, não tenho a menor dúvida acerca da autenticidade dos fenômenos; entretanto, no começo, fiquei pouco favoravelmente impressionado pela dilaceração da folha. Quanto ao lugar em que se colocou a garrafa, eu o tinha inspecionado durante o dia, quando visitava o aposento da Sra. d’Espérance, e ali nada descobri que pudesse indicar a existência de um alçapão qualquer. Quanto ao que se refere à explicação dos fenômenos, acho-me naturalmente em presença de um enigma, como na maioria das manifestações espíritas. É possível que fosse um caso de “transporte”, como sucede com as rosas que ela tira do copo, para distribuir. Aquelas rosas eram de origem puramente natural; guardei-as durante algum tempo e deitei-as fora quando murcharam. No presente caso, a grande dificuldade consistia em fazer a planta entrar na garrafa. O gargalo dela era tão estreito, que considero quase impossível introduzir nele as raízes de uma planta completamente formada e implantá-las na areia úmida, dando-lhes uma direção inteiramente natural. Confesso que tal suposição me parece estar em contradição com a elevação gradual do pano, em sentido vertical, fato que pude observar com toda a perfeição.
Poder-se-ia ainda supor que, durante o tempo em que Reimers enchia a garrafa com areia molhada, ou antes, no momento de cobri-la com o pano, o fantasma tivesse introduzido uma vergôntea ou uma semente de Ixora – não sendo botânico, não posso dizer qual das duas hipóteses é mais plausível –, e que depois, com o auxílio de uma força que nos é desconhecida, tivesse conseguido efetuar uma germinação e um desenvolvimento extraordinariamente rápido da planta. Detive-me nessa suposição, tanto mais porque ela apresenta alguma analogia com a aceleração do crescimento de uma planta por meio da eletricidade (experiência feita pelo Sr. Reimers).
Aceite..., etc.
G. W. Sellin.”
Certamente, nada se faz do nada, e aquelas plantas não se formaram do nada. Não nos achamos em presença de um simples (!) fenômeno de transporte, isso é evidente, pois que houve desenvolvimento gradual, o que é precisamente um dos caracteres do fenômeno da materialização, como se pode julgar pelas experiências acima descritas, nas quais o fenômeno se produziu sob as vistas de todos os observadores. Esse desenvolvimento gradual é cada vez mais evidente quando se verifica que a planta, depois de ter sido posta a descoberto e bem examinada, ainda cresceu 6 polegadas, produziu muitas folhas e uma grande flor de 5 polegadas de diâmetro, constando de cerca de cinqüenta flores pequenas – o que prova que havia na parte da planta produzida na primeira fase uma grande concentração de vitalidade e de elementos materiais que ainda estavam em estado latente. Como as plantas materializadas, de que acabamos de falar, não se assemelhavam às plantas que serviram de médium, e como a Ixora foi produzida, conforme parece, sem o concurso de nenhuma outra planta, somos levados a supor que assistimos aqui a um fenômeno misto de transporte e de materialização; poder-se-ia, pois, supor que essas plantas foram desmaterializadas na ocasião e que, sendo conservada a sua essência típica, elas foram gradualmente rematerializadas durante a sessão, com o auxílio da essência vital de outra planta, ou mesmo sem isso. Como quer que seja, trata-se sempre de um fato de materialização produzida sob os olhos dos observadores, e o seu caráter não alucinatório fica estabelecido.
O insucesso de uma experiência desse gênero nos servirá para demonstrar que não se trata de simples transportes; para uma dessas sessões, tudo foi preparado como de costume: a caixa com a terra, a água, uma cobertura e a planta-médium. Iolanda apareceu, executou todas as manipulações habituais e finalmente repeliu a caixa com um aborrecimento tão manifesto que teria excitado a hilaridade em qualquer outra circunstância menos interessante. Ela nos disse, em explicação, que a terra era de má qualidade e cheia de bolor; que, por conseguinte, só se tinha produzido bolor sob sua influência (Médium, pág. 466). É evidente que um transporte nada teria tido de comum com a terra e com a sua qualidade.
Para completar a série de materializações de objetos inanimados, falta-me mencionar a materialização de um metal pela mediunidade de um metal. Encontramos o antecedente desse fenômeno nos transportes ou desaparecimentos e reaparecimentos de objetos metálicos, que se produziram muitas vezes durante as sessões; porém, em assunto de materialização, só conheço o exemplo seguinte, e como se trata de um anel de ouro, posso mencionar o seu antecedente especial: a desmaterialização de um anel de ouro, enquanto o conservavam na mão. Eis o que atesta o Sr. Cateau Van Rosevelt, membro do conselho Privado da Guiana Holandesa, o qual, estando em Londres, teve uma sessão com a jovem Kate Cook (irmã da célebre Florence Cook), no decurso da qual se deu o seguinte fenômeno:
“A Sra. Cook, mãe da médium, entregou-me, diz o Sr. Van Rosevelt, dois anéis de ouro, que eu dei a Lili (forma materializada), que os meteu nos dedos. Eu lhe disse que ela, já que não podia usar aquelas jóias no mundo dos Espíritos, procederia mais acertadamente se mas devolvesse para que eu as restituísse à Sra. Cook. Ela tirou os anéis e eu os recebi com a mão direita: “Segura-os bem – disse-me ela –, pois que eu vou dissolvê-los.” Eu apertava os anéis com força entre os dedos, porém eles se tornaram cada vez menores e desapareceram completamente no fim de cerca de meio minuto. “Ei-los”, disse Lili, mostrando-me os anéis em sua mão. Recebi-os e restituí-os à Sra. Cook.” (The Spiritualist, 1879, pág. 159).
Passemos agora ao fato que se refere à materialização de um anel de ouro. Eis um fenômeno que foi observado em uma série de sessões, inteiramente íntimas, dadas por um círculo com um médium amador, o Sr. Spriggs; esse fenômeno é referido por um dos membros do círculo, o Sr. Smart, em carta publicada no Light de 1886, pág. 94:
“A mesma figura materializou certo dia um anel de ouro cuja dureza ela demonstrou, batendo com ele no abajur da lâmpada e comprimindo com ele as nossas mãos. O que há de curioso nesse fato é que, para auxiliar a materialização, ela pediu a corrente de ouro de um assistente, colocou-a na mesa e fez passes da corrente à sua própria mão, como se quisesse tirar dela uma parte dos elementos mais sutis.” (ver também o Médium, de 1877, pág. 802).
É conveniente supor que aquele anel tenha desaparecido com a figura, e esse fenômeno não pode, por conseguinte, me servir de prova na minha resposta ao Sr. Hartmann; mas, para todos aqueles que não partilham da sua teoria de alucinação, ele terá uma significação particular. Não será a essa categoria de fenômenos que se liga o fato curioso a que se poderia chamar “desdobramento de um corpo”, do qual fez menção o Sr. A. R. Wallace em seu livro Defesa do Espiritualismo Moderno?
Compreendo muito bem que tratando dessa questão das materializações de objetos inanimados, no ponto de vista da alucinação, as provas que mostrei aos leitores não são numerosas, e que não podem ser consideradas como perfeitamente satisfatórias, ou ainda menos produzidas em condições que correspondam às exigências de uma ciência positiva; conforme já disse, a dificuldade reside no próprio caráter do fenômeno a estabelecer e também na penúria de experiências feitas nesse sentido, tendo-se concentrado todo o interesse e toda a atenção, muito naturalmente, na materialidade das formas humanas. Só menciono fatos que se produziram por acaso, de tempos a tempos, e não como resultado de uma investigação sistemática e especial com o fim de provar que não se trata de alucinações; eu as menciono porque, em todos os tempos, o testemunho dos sentidos e de muitas pessoas que assistiram a um fenômeno foi considerado como suficiente.
Meu objetivo foi somente demonstrar que, quando a fotografia transcendente nos apresenta o fenômeno surpreendente de imagens de objetos inanimados invisíveis aos nossos olhos, esse fenômeno pode encontrar a sua justificação no fenômeno correspondente e não menos estranho da materialização e da desmaterialização visível de objetos inanimados, e vice-versa. Eu ainda estou admirado de ter podido reunir, extraindo dos materiais existentes, os poucos fatos que me permitiram completar a série das analogias no conjunto desse domínio.
B – Materialização e desmaterialização de formas humanas.
– Demonstração do caráter não alucinatório de uma
materialização.
No capítulo precedente, baseando-nos no fato transcendente, estabelecido pela experiência, da penetração de um corpo qualquer através de outro corpo, e na admissão da hipótese da desmaterialização e da rematerialização desse corpo, fomos logicamente levados a admitir a possibilidade de uma formação ou materialização, de maior ou menor duração, de outro corpo análogo à custa do corpo dado; e nossas pesquisas nesse domínio nos fizeram descobrir fatos de materializações não só temporárias, porém ainda duradouras, de corpos inanimados, à custa de outros corpos análogos; vimos fatos de materialização de tecidos pela mediunidade de um tecido, de materialização de uma planta pela mediunidade de uma planta e de um metal pela mediunidade de um metal. Vamos passar agora ao exame dos fatos mais numerosos, mais desenvolvidos e mais extraordinários desse gênero: às materializações temporárias de formas humanas pela mediunidade do corpo humano.
A materialização de formas humanas compreende, por ordem cronológica de seu desenvolvimento, a mão, o rosto, o busto, o corpo inteiro.
O fato positivo da produção de semelhantes formas, posto que invisíveis aos nossos olhos, nos é fornecido pela fotografia transcendente. Ela nos revelou e fez verificar a presença de corpos vaporosos de diversas formas, tomando pouco a pouco a forma humana, a princípio difusa, depois de contornos humanos cada vez mais definidos, até que sejam finalmente reconhecíveis com perfeição. Vamos encontrar uma série de fatos correspondentes no domínio da materialização, que podem ser verificados pelo testemunho dos sentidos e que se traduzem por todos os efeitos que um organismo material pode geralmente produzir.
Sendo nosso intuito provar que esse fenômeno não é o resultado de uma alucinação, não temos necessidade de acompanhá-lo em todas as fases de seu desenvolvimento; por conseguinte, se chegarmos a provar a realidade objetiva da materialização de um só membro humano – digamos de mão ou pé –, é quanto nos basta.
O caráter não alucinatório do aparecimento de mão pode ser provado:
1º – Pelo aparecimento de mãos visíveis e tangíveis:
· vistas por muitas pessoas ao mesmo tempo, unânimes em seus testemunhos;
· vistas e, simultaneamente, tocadas por muitas pessoas, e porque as impressões desses dois sentidos concordam entre si;
2º – por efeitos físicos, produzidos por essa mão, como por exemplo, movimentos diversos de objetos, sob as vistas de testemunhas;
3º – pela produção de efeitos físicos duradouros que certamente são as provas mais concludentes, e principalmente: a) pela escrita produzida em presença de muitas testemunhas; b) por impressões deixadas pela própria mão em substâncias pastosas ou enegrecidas; c) por certos efeitos exercidos sobre a mão pelas pessoas presentes; d) por moldagens obtidas com a mão que aparece; e) pela fotografia das aparições desse gênero;
4º – pela pesagem de uma aparição quando atinge o desenvolvimento de uma forma humana inteira.
Todas essas provas existem nos anais do Espiritismo.
B1 – Aparecimento de mãos visíveis e tangíveis
O aparecimento das mãos visíveis e tangíveis foi verificado no começo do movimento espírita; há referências desse fenômeno que remontam a fevereiro de 1850; por conseguinte, dois anos apenas depois das primeiras “pancadas de Rochester” (ver Ballou, Manifestações dos Espíritos, editadas em casa de Stone, em Londres, em 1852, págs. 44 e 192-202). Ele se produzia então, em plena luz, durante as sessões que se faziam em torno de uma mesa, e continuou a produzir-se até os nossos dias; as referências a esses fatos são inumeráveis e unânimes. Esse fenômeno é, segundo o Sr. Hartmann, uma alucinação, ou da vista só, ou antes uma alucinação combinada da vista e do tato. Mas, para não ficar em contradição com a sua explicação das impressões orgânicas, o Sr. Hartmann declara-se pronto a admitir uma explicação dupla:
“No que diz respeito às alucinações do tato propriamente ditas, subsiste a eventualidade de ser a pressão experimentada, como proveniente de mãos e de pés invisíveis, dependente de um sistema de linhas dinâmicas de pressão e de tensão, que determinam a sensação de uma superfície palmar, por exemplo, ainda que essa superfície não pertença a qualquer mão material.” (pág. 99).
De maneira que a alucinação do tato não seria mais uma alucinação, mas uma sensação verdadeira produzida por linhas dinâmicas de pressão e de tensão ou antes uma ação dinâmica da força nervosa mediúnica.
Assim, quando seguro em minha mão uma outra mão materializada, a percepção visual dessa mão seria uma alucinação, mas o contato seria real: eu apertaria entre as mãos um sistema de linhas de força nervosa.
Procura-se indagar então por que motivo a vista da mão temporariamente aparecida deveria ser uma alucinação. Se um sistema de linhas de força nervosa pode tornar-se sensível ao tato, pode da mesma maneira tornar-se visível. Não seria lógico conceder à força nervosa a tangibilidade e recusar-lhe a visibilidade quando a afirmação e a negação dessas propriedades repousam sobre a mesma base. Ou, para nos exprimirmos de outra maneira, não seria lógico admitir uma causa real objetiva para a sensação tátil e rejeitar a mesma causa, igualmente real e objetiva, para a sensação visual, quando se trata do mesmo fenômeno e do mesmo testemunho. A conseqüência lógica dessa dupla explicação seria que, no que diz respeito aos fenômenos de materialização, a hipótese da alucinação que representa tão importante papel na filosofia mediúnica do Dr. Hartmann estaria antes de tudo em desacordo com os dados da sua hipótese da força nervosa, que ocupa nele uma parte igualmente grande, e esse desacordo, até aqui presumível, vai tornar-se – com os desenvolvimentos que o Sr. Hartmann dá aos fenômenos produzidos pela força nervosa – um fato positivo, como vamos vê-lo.
B2 – Efeitos físicos
As provas fornecidas pelos efeitos físicos não podem, segundo o Sr. Hartmann, servir de provas da materialização, pois que a percepção visual da mão não passa de uma alucinação, e o movimento de um objeto impresso por essa mão não passa de um efeito produzido pela força nervosa do médium de acordo com a alucinação que ele comunica aos assistentes:
“O deslocamento de objetos, verificado após a sessão, pode servir de prova de que esse deslocamento foi real, objetivo. Se esses deslocamentos não se produzem fora da esfera da atividade da força nervosa do médium, isto é, se não excedem os limites dos efeitos que aquela força pode produzir quanto ao seu gênero e ao seu poderio, não há razão alguma para atribuí-los a uma outra causa. Nesse caso, o médium sonâmbulo combinou em sua imaginação a sua alucinação com o deslocamento de objetos a produzir. Efetuou inconscientemente esses deslocamentos, por meio da sua força nervosa mediúnica, acreditando de boa fé que são as imagens da sua fantasia que realizaram esses deslocamentos por seu próprio poder; fazendo os assistentes participarem de sua alucinação, ele transmitiu-lhes ao mesmo tempo a convicção de que esses deslocamentos de objetos são devidos realmente aos fantasmas.” (págs. 101 e 102).
Temos aqui, por conseguinte, uma alucinação dupla de força nervosa. Mas é inútil nos determos por mais tempo nesse ponto; dever-se-á notar apenas que a inconseqüência lógica daquela explicação teria aumentado de um grau, enquanto que de um outro lado o testemunho da vista e do tato se acharia corroborado pela produção de um efeito físico correspondente. O Sr. Hartmann emprega freqüentemente as expressões “fora ou dentro da esfera de ação da força nervosa do médium”. Ele, porém, não nos indica os limites daquela força nervosa; está, por conseguinte, no caso de recuar esses limites à sua vontade, ou, melhor ainda, considerar aquela força como ilimitada. Em presença da falta de definição, é impossível verificar a teoria do Sr. Hartmann por fatos.
B3 – Efeitos físicos duradouros
Passamos agora às provas que são, em nossa opinião, provas positivas e que consistem na produção de efeitos físicos permanentes:
a) Escrita direta
Abordamos aqui a escrita produzida por mão materializada, destacada na aparência de qualquer outro corpo, em plena luz, sob as vistas de testemunhas, e estando o médium visível durante todo o tempo. Segundo o Sr. Hartmann, esse fenômeno também não seria outra coisa mais do que uma alucinação dupla da força nervosa:
“Não seria surpreendente ouvir falar em breve tempo de uma escrita mediúnica a distância, sendo visível pelos assistentes a mão escrevente, o que não se produziu ainda, que me conste, pelo menos nas sessões em pleno dia. Não haveria razão alguma para considerar aquela mão como outra coisa além da transmissão de uma alucinação da vista.” (pág. 101).
Sem nos determos nesse raciocínio, que não difere dos precedentes, passaremos à categoria seguinte, onde ele atinge seu auge e torna-se uma impossibilidade. Faremos notar somente que o Sr. Hartmann, persuadindo-se de que esse fenômeno ainda não tinha sido observado à luz, fez bem em acrescentar: “que me conste”, pois que esse fenômeno foi verificado por várias vezes. Robert Dale Owen, por exemplo, conta uma sessão com Slade, na qual, em plena luz, uma primeira mão, saindo de baixo da mesa, escreveu uma comunicação em inglês, em uma folha de papel posto sobre uma ardósia, colocada nos joelhos do Sr. Dale Owen; depois uma outra mão escreveu na mesma folha de papel algumas linhas em grego (ver, para as particularidades, com o fac-símile da escrita o The Spiritualist, 1876, II, pág. 162). Olcott, em seu livro Povo do Outro Mundo, chega a dar o desenho de certa mão materializada escrevendo em um livro que lhe apresentam. É preciso ver também as numerosas experiências do Dr. Wolfe mencionadas em sua obra Fatos surpreendentes do Espiritualismo Moderno, que apareceu em Cincinnati, em 1874, págs. 309, 475, e passim.
O Sr. Hartmann ilude-se dizendo:
“As poucas referências acerca da escrita pela mão visível de um Espírito não têm importância alguma, porque são referentes a sessões sem luz, no decurso das quais ter-se-ia visto de maneira indistinta o delineamento confuso de certa mão esboçando-se sobre papel fosforescente (pág. 53).
O testemunho do Sr. Crookes é sobre esse ponto categórico:
“Mão luminosa desceu da parte superior do quarto e, depois de ter planado durante alguns segundos a meu lado, tomou o lápis, depois se elevou acima de nossas cabeças e desapareceu gradualmente nas trevas.” (Psychische Studien, 1874, pág. 159).
Um fato semelhante, produzido em presença de várias testemunhas, é referido pelo Sr. Jencken no The Spiritualist, 1876, II, pág. 126, com o desenho da mão que escreve.
b) Impressão de mãos materializadas
É muito natural que se tenha procurado desde muito tempo obter impressões de mãos que se viam momentaneamente aparecer e desaparecer nas sessões; pois que semelhante impressão devia servir para provar positivamente que se tratava, não de alucinações, porém de formações reais de um certo corpo. Não posso precisar quando foram feitas as primeiras tentativas desse gênero, mas possuo nas minhas notas uma indicação que remonta a 1867; uma impressão foi recebida sobre argila mole (Banner of Light, 10 de agosto de 1867). Mais tarde, fizeram-se impressões sobre farinha e papel coberto de negro de fumo. Também temos, em relação a esse fenômeno, as experiências concludentes dos professores Zöllner e Wagner (Psychische Studien, 1878, pág. 492; 1879, pág. 249). É preciso mencionar também o fato análogo obtido pelo Sr. Reimers, referido nos Psychische Studien, 1877, pág. 401, e Jencken, The Spiritualist, 1878, II, pág. 134; Médium, 1878, pág. 609.
Nesses casos, a mão ou o pé que tinham produzido as impressões não foram vistos; mas as condições nas quais elas se produziram são tais que excluem toda idéia de fraude; é assim que em casa do Sr. Zöllner as impressões foram feitas entre duas ardósias que ele conservava em cima dos joelhos, e em casa do Sr. Wagner, entre duas ardósias lacradas.
Em outros casos, entretanto, a forma materializada que produziu a impressão foi vista durante a produção do fenômeno, e verificou-se que o resultado estava de acordo com a forma observada.
“Aquela experiência – diz o Sr. Hartmann – não foi feita em parte alguma, que me conste; só conheço um relatório isolado que estabelece o fato da impressão de um pé de criança produzido em uma sessão de materialização; esse pé era visível, mas não tangível.” (Psychische Studien, VII, 397, pág. 100).
“Esse fato requereria antes de tudo ser confirmado por experiências análogas feitas por outras pessoas.” (págs. 100 e 101).
Posso fornecer essa confirmação: são as experiências que o Dr. Wolfe fez com a médium Sra. Hollis. Essas experiências foram feitas durante sessões, em torno de uma mesa, em pleno dia. A mesa era guarnecida simplesmente em seu contorno, por uma fazenda de algodão preto de franjas pendentes até o soalho e apresentando uma abertura de seis polegadas quadradas.
Na experiência que segue, o Dr. Wolfe estava só com a médium; damos-lhe a palavra:
“A primeira experiência foi feita com um prato de farinha; coloquei o prato em cima de uma cadeira, diante da abertura, e pedi a Jim Nolan (um dos operadores invisíveis) que fizesse ali a impressão de sua mão direita. Dois ou três minutos depois apareceu uma certa mão elegante e delicada, assemelhando-se muito pouco à de Jim, e que desapareceu depois de ter planado por alguns instantes acima do prato. Ela reapareceu cinco minutos depois e penetrou profundamente na farinha, deixando a sua impressão visivelmente desenhada na camada mole e branca como a neve. Mandei buscar em seguida um outro prato com farinha, por pedido de Jim, e dessa vez ele imprimiu ali a sua própria mão, que deixou uma impressão uma vez e meia maior do que a primeira. Depois de ter examinado minuciosamente a mão da Sra. Hollis, na qual não se encontrou a mínima partícula de farinha, pedi-lhe que colocasse a mão nas impressões obtidas. Em uma dessas últimas, aquela mão teria podido ser colocada duas vezes; verificou-se também que a outra era muito maior do que a sua mão: a impressão que ela fez em seguida com a mão era menor e de forma muito diferente.” (Startling Facts, pág. 481).
Eis o mesmo fato contado por outra testemunha, o Sr. Plimpton, um dos editores de um jornal de Cincinnati, em artigo publicado por ele no jornal The Capital, editado em Washington pelo Coronel Down Piatt. Conforme uma planta do quarto junto ao artigo, vê-se que a mesa se achava no meio do dito quarto; o médium estava de um lado e defronte dele, no outro, perto do ângulo da mesa, achava-se o Dr. Wolfe; a abertura na cortina que rodeava a mesa ficava no terceiro lado. Defronte dessa abertura achava-se o Sr. Plimpton, um passo distante da mesa. Eis o relatório daquela sessão.
“O Dr. Wolfe levou um prato de farinha e perguntou se os operadores invisíveis podiam deixar ali a impressão da mão; as pancadas deram uma resposta afirmativa. A convite expresso pela escrita, o doutor manteve o prato diante da cortina, o mais distante que pôde da Sra. Hollis. A mão apareceu e fez evoluções de uma rapidez elétrica, deteve-se por um instante no prato e retirou-se depois de ter sacudido as partículas aderentes. Pediu-se à Sra. Hollis que aplicasse a mão sobre a impressão; os dedos marcados sobre aquela última eram mais longos do que os seus uma polegada. A impressão representava a mão de um homem feito, com todas as particularidades anatômicas. Convém acrescentar que se a Sra. Hollis tivesse empreendido a operação, teria sido obrigada a inclinar-se até o bordo da mesa para poder alcançar aquela distância. Ela, porém, não mudou de posição, e esse fato estabelece a impossibilidade material de sua intervenção pessoal. De outro lado, um homem não poderia ter-se escondido sob a mesa, que eu inverti imediatamente depois da produção da impressão. Houve acaso uma ilusão? Mas a impressão na farinha foi vista depois por outras pessoas; e eu estou tão convicto de ter visto a mão que produziu a impressão quanto estão convictas essas mesmas pessoas de terem visto aquela impressão.” (ibidem, pág. 541).
E dizer que para encontrar uma explicação para esse fenômeno o Sr. Hartmann não se afasta em nada de sua teoria... Ele admite, com efeito, que não é uma alucinação.
Ele não diz mais, como acima, falando do sentido do tato, que “a possibilidade de um efeito real, produzido por uma causa objetiva, é excluída”; ele chega a afirmá-lo de maneira positiva nestes termos:
“As impressões obtidas oferecem uma prova comprobatória de que não nos achamos em presença do efeito de uma alucinação.” (pág. 52).
Mas que explicação ele dá desse fenômeno? Há fundamento em supor que ninguém, ainda que fosse o sábio mais positivo, possa negar que uma impressão obtida nas condições precitadas – com mais forte razão se a autenticidade do fenômeno é admitida – teve de ser produzida por um corpo temporariamente materializado, isto é, tendo tomado uma forma humana tangível. Mas o Sr. Hartmann tirou outra conclusão: para ficar fiel à sua teoria da força nervosa, ele dá a esta última um desenvolvimento extremo. Aquela força estaria no caso não somente de produzir o deslocamento de objetos, mas também efeitos plásticos. Segundo ele pensa, aquela impressão é produzida pela “força nervosa emanada do médium; esta se traduz por um sistema de radiações, produzindo efeitos de tração e de pressão.” (Ein System von Druck und Zuglinien der fernwir kenden Nerven kraft”, pág. 150).
E quando o corpo (ou nesse caso a mão) que produz esse resultado é visível, é de novo, como nos casos precedentes, uma alucinação – a combinação de um resultado real com uma alucinação. Como o vemos, e como era fácil de o prever, a inconseqüência lógica na qual cai o Sr. Hartmann – inconseqüência que não passava de uma presunção, quando se tratava de aplicação de sua hipótese à explicação da sensação tátil – não deixou de aumentar, e quando ele quer aplicar a mesma hipótese à explicação das impressões, essa inconseqüência chega ao cúmulo e torna-se um fato.
Vejo tal mão aparecer: é uma alucinação. Vejo essa mão, toco-a, sinto-a: a sensação do tato pode ser real, mas a percepção visual é uma alucinação. Vejo essa mão mover um objeto, escrever: o efeito físico produzido é real, mas a percepção visual é uma alucinação! Vejo essa mão produzir uma impressão, estabelecendo que é realmente uma tal mão: a impressão é real, mas a percepção visual é uma alucinação!
Em virtude desse sistema, o testemunho de nossos sentidos é aceito por uma série de efeitos reais, mas é repelido por uma forma especial da impressão da vista, posto que um dos efeitos reais e permanentes obtidos – a impressão – prove a concordância dos testemunhos da vista e do tato, com aquele efeito real. Assim também, de outro lado, temos um fenômeno que apresenta todas as aparências de um corpo e cuja realidade é estabelecida por todos os efeitos que um corpo pode geralmente produzir: é visível, tangível, move um outro corpo, deixa vestígios permanentes, imprime-se em outro corpo; todas essas propriedades lhe são concedidas pelo Sr. Hartmann como reais, objetivas, menos a visibilidade. Por quê? Por qual raciocínio lógico?
Essa lógica nos parecerá ainda mais estranha, quando pedirmos ao Sr. Hartmann a definição de um corpo, em geral, segundo a sua própria filosofia.
A matéria, responderá, não é outra coisa mais do que um sistema de forças atômicas, um sistema de dinamides (Philos. des Unbew., 1872, pág. 474). Assim, quando tomo em minha própria mão uma outra mão natural, tomo, segundo o Sr. Hartmann, “um sistema de forças atômicas”, e ele não lhe recusa a propriedade da visibilidade; ele não qualifica de alucinação esse testemunho de meus sentidos. Mas, quando conservo em minha mão semelhante mão materializada, que sinto e vejo, e à qual o Sr. Hartmann aplica a mesma definição, pois que a considera como “um sistema de linhas de força”, nesse caso, diz-nos ele, a sensação do tato é real, mas a impressão da vista daquela mão é uma alucinação.
Por quê? Em virtude de que lógica?
Uma vez admitido que um “sistema dinâmico” é capaz de produzir, em nosso organismo, uma sensação tátil real e objetiva, onde, pois, está a dificuldade de admitir que o mesmo “sistema dinâmico” possa ocasionar a sensação de visibilidade real e objetiva, desde que o testemunho subjetivo em favor de uma ou da outra dessas sensações é o mesmo? Nunca o Sr. Hartmann poderá provar a lógica dessa negação. Assim, depois de todas as concessões que ele fez, admitindo a realidade do mesmo fenômeno para outras percepções sensoriais, sua hipótese da alucinação torna-se logicamente insustentável.
Quanto à explicação física que o Sr. Hartmann dá, acerca das impressões obtidas por via mediúnica, está em tal contradição com todas as leis físicas conhecidas, que a Física e a Fisiologia jamais poderão aceitá-las; e o que é curioso é que o desenvolvimento lógico da explicação física do Sr. Hartmann nos conduz inevitavelmente a uma conclusão que ele repele com todas as forças. Para o provar, devo entrar em algumas explicações. Tendo grande importância o fenômeno das impressões de formas orgânicas – considero-o como o antecedente da prova absoluta da materialização –, devemos prestar toda a atenção à explicação que nos dá a seu respeito o Sr. Hartmann, que, por sua vez, julga que esses fenômenos “pertencem aos mais surpreendentes nesse domínio.” (pág. 52). Eis a dita explicação:
“Figure-se uma outra disposição das radiações dinâmicas da força nervosa mediúnica, disposição que correspondesse à impressão produzida pela face palmar da mão estendida inteiramente sobre uma matéria plástica; então o deslocamento das partículas de matéria, produzido por semelhante sistema dinâmico, deveria estar em relação com o deslocamento produzido pela impressão da mão, isto é, deveria ser a reprodução de uma forma orgânica, sem que uma forma orgânica, que produzisse essa impressão, se achasse materialmente presente.” (pág. 50).
Essa explicação apresenta, no ponto de vista da física, uma série de impossibilidades. Lembrarei aqui que as impressões de que se trata são de duas espécies muito diferentes: elas se produzem ou sobre substâncias moles, como a farinha e a argila, reproduzindo em relevo, com perfeita exatidão, todas as particularidades anatômicas de um órgão, ou ainda sobre substâncias duras (superfícies enegrecidas) reproduzindo essas mesmas particularidades, em parte, pois que toda a superfície de um órgão não pode, sem dúvida, tocar a superfície plana de um corpo duro, a menos que sofra uma pressão extraordinária.
Vejamos agora as impossibilidades da hipótese do Sr. Hartmann, em primeiro lugar no que diz respeito às impressões em substâncias moles:
1º – Toda força de atração ou de repulsão propaga-se em linha reta; para desviar-se dessa direção, ela deve receber a ação de outra força emanando de outro centro de atividade. Aqui temos uma outra força física, chamada força nervosa, emanando de um órgão do médium, propagando-se, não em linha reta, mas em direções sinuosas das mais irregulares, para ir encontrar o corpo sobre o qual deve imprimir-se, e sobre o qual, para produzir esse efeito, deve agir perpendicularmente, pois, do contrário, a imagem do corpo a imprimir seria inteiramente irregular. Lembremo-nos das impressões de pés produzidas em uma ardósia colocada nos joelhos de Zöllner. – Quais são essas outras forças que determinam as mudanças de direção da força nervosa? Ser-lhes-iam precisos também centros onde elas emanassem e agissem em determinada direção. Não podendo esses centros encontrarem-se no corpo do médium, onde se encontram?
2º – A direção dessas radiações dinâmicas da força nervosa, para produzir uma impressão, deve ser absolutamente paralela, sem o menor encontro dessas radiações; mas as desigualdades de um órgão humano, onde essa força tem a sua fonte, opõem-se a esse paralelismo, devendo a força nervosa irradiar-se em diversas direções, por causa dessas desigualdades.
3º – Todas essas linhas de pressão devem, para conseguir-se o resultado desejado, ser não somente da mesma extensão, porém ainda de determinada extensão, para corresponder, em distância conhecida, a todas as desigualdades do órgão cuja impressão deve produzir-se. Que é uma linha de pressão física de extensão determinada?
4º – Esse sistema de linhas de pressão consiste necessariamente em radiações que emanam inteiramente de cada ponto do órgão a reproduzir, e por conseguinte deve formar um feixe de linhas correspondentes em sua seção ao contorno da impressão obtida. Esse feixe de radiações dinâmicas teria, pois, determinada espessura?
5º – Desde o momento em que (segundo o Sr. Hartmann) a ação dinâmica da força nervosa mediúnica penetra livremente em qualquer espécie de matéria, do mesmo modo que a ação da força magnética, é claro que a força nervosa que emana de um órgão do médium não pode agir exclusivamente na superfície do corpo sobre o qual ela deve produzir uma impressão, porém, ainda, atravessá-lo. Por exemplo, a força nervosa que emana da mão de um médium, colocada em uma mesa, passa através dessa mesa, mas, segundo o Sr. Hartmann, ela se detém na superfície da farinha, em um prato colocado sob a mesa – ou na superfície de um papel impregnado de negro de fumo, colocado entre duas ardósias, depois de ter também atravessado, sem obstáculo, a primeira ardósia. Por quê? Seria preciso, pois, imaginar que em determinado ponto – por que e para que fim? – essa força adquire tal consistência que deixa de passar através da massa dos corpos. Assim, pois, tratar-se-ia aqui de uma força que teria certa consistência. Nunca uma força física teve iguais propriedades.
Se passarmos agora às impressões produzidas em superfícies duras e planas (papel impregnado de negro de fumo e colado em uma ardósia), encontraremos novas impossibilidades:
1º – Emanando as radiações da força nervosa de todos os pontos do órgão que deve imprimir-se, é evidente que todos os pontos desse órgão devem ser reproduzidos na impressão obtida. Mas tal não é o resultado: vemos nas imagens fotográficas duas impressões desse gênero – uma publicada pelo professor Zöllner e outra pelo professor Wagner (Psychische Studien, junho de 1879) –, que as cavidades formadas pelo centro da planta do pé e pelos artelhos, e a cavidade formada pela palma da mão, não deixaram na impressão, nos lugares correspondentes, vestígio algum; nas impressões obtidas, essas partes ficaram em negro. Por quê, então? Nos casos em que a impressão se forma em substâncias moles, todas as linhas de pressão agem sobre a substância para deprimi-la; aqui, pelo contrário, ainda que um simples contato bastasse – o que é mais fácil –, uma parte dessas mesmas linhas de pressão não age mais. As radiações da força nervosa não se teriam manifestado senão nos pontos salientes do órgão? Segundo a hipótese da materialização, é, pelo contrário, perfeitamente natural que sejam esses pontos salientes que tocam a superfície enegrecida.
2º – Esse sistema de radiações da força nervosa, para produzir uma impressão sobre papel coberto por uma camada de negro de fumo, deve retirar e fazer desaparecer uma parte desse negro de fumo, como habitualmente o observamos. Como compreender que uma força física, exercendo uma pressão, retire uma matéria qualquer e a faça desaparecer?
Se o Sr. Hartmann tivesse de responder às objeções dos parágrafos 1 a 4 pelo seguinte argumento: “No que diz respeito à disposição das linhas de pressão, ela é determinada pela imagem que o médium, em estado de sonambulismo, imagina” – é claro que aqui não se trata mais de uma força puramente física –, pois é assim que o Sr. Hartmann encara a força nervosa, porque a compara à gravidade, ao calor, ao magnetismo, e admite que ela pode ser transformada em luz, calor, eletricidade, etc.
Finalmente, quando o Sr. Hartmann nos diz que essa mesma força nervosa não está no caso de reproduzir somente impressões correspondentes aos órgãos do médium, como fonte dessa força, mas que pode produzir da mesma maneira todas as formas de membros humanos que aprouver à fantasia sonambúlica do médium criar, procuramos indagar por que motivo essa fantasia se limitaria a produzir membros humanos. Sem dúvida ela produziria também impressões de plantas, de animais e de outros objetos. Finalmente, o médium teria a preciosa faculdade de produzir impressões segundo a sua fantasia. E o Sr. Hartmann, para conservar-se fiel à lógica da sua hipótese, não poderia ter o direito de negá-lo.
Eis a que ponto nos leva sua hipótese. Pelo que tomo a liberdade de lhe dizer que no ponto de vista da Física, a teoria da força nervosa, nas aplicações que ele lhe dá, é uma heresia evidente, e que, arriscando semelhante hipótese, o Sr. Hartmann peca contra os princípios metodológicos que ele próprio indicou, pois que não fica “os limites das causas, cuja existência é estabelecida, quer pela experiência, quer por deduções indubitáveis.” (pág. 118).
Acabamos de ver que a hipótese de uma força nervosa, que produz impressões, coage forçosamente a admitir que essa força tem uma extensão, uma espessura e uma consistência ou densidade, em outros termos, que ela possui as mesmas qualidades que servem para definir um corpo; somos pois coagidos a supor que essas impressões são produzidas pela ação de um corpo invisível, cuja substância é derivada do organismo do médium. O que me surpreende sobretudo é que seja precisamente o Sr. Hartmann quem considera “inútil” admitir a hipótese de uma “matéria que toma uma forma, mas que é invisível e impalpável” e que precisamente ele considere essa hipótese como “não tendo base alguma científica”, ao passo que segundo a sua própria teoria filosófica, como o dissemos acima, “a matéria nada mais é do que um sistema de forças atômicas” e que “a própria força não é outra coisa além da vontade”: donde deduz o Sr. Hartmann que “as manifestações das formas atômicas são atos individuais da vontade, cujo conteúdo consiste na representação inconsciente do ato que vai ser realizado. A matéria é, assim, decomposta em vontade e representação. A diferença fundamental entre o espírito e a matéria é, por isso, suprimida, e não pelo fato da morte do espírito, mas, pelo contrário, pela animação da matéria.” (A Filosofia do Inconsciente, 1872, págs. 486 e 487).
Segundo aquela filosofia, teríamos encontrado nos fenômenos mediúnicos de materialização uma demonstração ad oculos da “objetivação” da vontade e, principalmente, uma objetivação gradual, não uma transformação direta do espírito em matéria; está aí um fato particularmente importante, pois que essa gradação corresponderia à idéia de uma “matéria invisível e intangível, mas não informe”.
Por conseguinte, esses fenômenos forneceriam precisamente uma “prova científica” às deduções especulativas daquela filosofia, e estamos convictos de que o Sr. Hartmann, quando tiver reconhecido a realidade desses fenômenos, não procurará outra explicação para eles.
c) Efeitos produzidos sobre a forma materializada
(coloração, etc.)
Acabamos de ver que a mão materializada pode imprimir-se em papel coberto por uma camada de negro de fumo, e retirar uma porção desse induto. Aqui surge naturalmente essa questão: que destino têm as moléculas de negro de fumo retiradas? Desde que a mão se forma à custa do corpo do médium, que dele emana e a ele retorna, como foi observado freqüentemente, devemos concluir que o negro de fumo retirado pela mão deve encontrar-se no corpo do médium; e como a mão que aparece tem a sua origem na mão do médium, é naquela mão que devemos encontrar o negro de fumo. É o que sucede, efetivamente. No intuito de desmascarar a fraude, freqüentemente se têm coberto os objetos que se deslocam na obscuridade com diferentes substâncias coloridas. Se tocaram diretamente com a mão, ela aparece, com uma dessas substâncias, as mais das vezes com o negro de fumo. E, quando as mãos do médium se achavam cobertas com a mesma substância, deduzia-se daí que a fraude era evidente, e os próprios espiritualistas o proclamavam triunfantemente – se bem que ele estivesse ligado de pés e mãos e que os nós se encontrassem intactos.
Porém, mais tarde, quando se adquiriu mais experiência, quando se reconheceu que o fenômeno do desdobramento do corpo do médium representava grande papel nos fenômenos de materialização, ficou-se obrigado a reconhecer que o fato da transferência da matéria colorida para o corpo do médium não era absolutamente uma prova da má fé deste último, mas a conseqüência de uma lei natural. Essa conclusão está fundada evidentemente em experiências nas quais toda a possibilidade de fraude foi eliminada – sendo a mais concludente a que consiste em conservar, entre as nossas, as mãos do médium.
A primeira verificação desse fenômeno remonta, se não me engano, a 1865, e foi feita por ocasião da descoberta das pretendidas fraudes do jovem médium Allen; essas espécies de descobertas fizeram sempre o maior bem ao desenvolvimento dos fenômenos mediúnicos; é a uma circunstância desse gênero que devemos as experiências do Sr. Crookes e, enfim, a produção de uma série de materializações sob as vistas de testemunhas. Eis a narração da experiência com o “moço Allen”, feita pelo Sr. Hall, publicada no Banner of Light de 1º de abril de 1855, reproduzida depois no The Spiritual Magazine (1865, págs. 258 e 259):
“Todos os nossos jornais da manhã exprimem sua satisfação a respeito da pretendida descoberta das fraudes do jovem médium Allen. Muitas pessoas, antes de se dirigirem à sessão, tinham enegrecido os cabelos; apareceu certa mão e puxou-lhes pelos cabelos; e notai, encontrou-se a mão do médium manchada com aquela mesma fuligem, e o médium foi reconhecido como imposto e charlatão.
Não é a primeira vez, senhor redator, que se perde toda a confiança nos médiuns, porque suas mãos são manchadas com a matéria que recebeu o contato da mão fantasma. A freqüência desse expediente empregado para descobrir a impostura, e a identidade dos resultados obtidos, me sugeriram a idéia de que esse fenômeno poderia ter por causa uma lei desconhecida, uma lei que produzisse invariavelmente o mesmo efeito. Quando Allen foi “desmascarado”, resolvi pô-lo à prova, ao que acederam de boa vontade o Dr. Randall e o jovem Henry Allen, deixando-me toda a liberdade de ação.
Os resultados que obtive me convenceram da exatidão de minhas suposições; além disso, eles me persuadiram de que muitos outros médiuns tinham sido vítimas, sem razão, de suspeitas diversas a respeito dos fenômenos físicos que eles tinham produzido. Tenho a convicção de que qualquer matéria corante, recebendo o contato da mão materializada, será infalivelmente transportada para a mão do médium, a menos que sobrevenha um obstáculo qualquer ao funcionamento perfeito daquela lei.
Ontem à noite, em presença de muitos cidadãos conhecidos da nossa cidade, organizei uma sessão com Allen, no intuito de verificar a minha teoria. Eu estava sentado, como costumava, em uma poltrona; os instrumentos de música estavam colocados atrás de mim, em cima de uma espreguiçadeira; o jovem médium ficava à minha esquerda e segurava minha mão esquerda com ambas as mãos, estando a sua mão direita ligada a meu braço. O cabo da campainha tinha sido previamente coberto com uma camada de fuligem. A campainha soou, desde que externamos esse desejo. No mesmo instante retirei a manta que encobria as mãos do médium, e vi que os dedos de sua mão direita, a que estava ligada à minha, estavam enegrecidos, como se ele próprio tivesse segurado a campainha. Com o fim de tornar a experiência ainda mais comprobatória, as pessoas presentes ligaram as mãos do moço, previamente lavadas, à minha mão, por meio de um cordão forte, uma ponta do qual era segura por um dos assistentes, que o puxava com tanta força que me escoriava a pele.
Era incontestável para todos que em tais condições o médium não podia deslocar as mãos, de um centímetro apenas. Minha espádua esquerda estava coberta por uma jaqueta que ocultava a minha mão e as do médium. Por cima da jaqueta coloquei ainda a mão direita sobre a dele, de maneira que não pudesse haver a mínima dúvida a respeito da imobilidade do médium. Logo que aprontamos tudo, os invisíveis começaram a tocar instrumentos, por trás de nossas costas, e a fazer as campainhas soarem. Imediatamente descobri as mãos do médium, que tinham ficado imóveis durante todo o tempo, como eu o tinha sentido tão bem: uma das ditas mãos estava manchada de fuligem. Parece-me que essa experiência é tão convincente quanto possível.
Aceitai, etc...
Portland, 23 de maio de 1865.
Joseph Hall.”
Tive a oportunidade de verificar esse fenômeno em uma experiência que fiz com a célebre Kate Fox (Jencken) quando veio a S. Petersburgo, em 1883. Eu estava sentado defronte dela em uma pequena mesa; como isso se passasse às escuras, eu tinha colocado as suas mãos sobre uma placa de vidro, luminosa no escuro, de tal maneira que as mãos eram visíveis; além disso, eu tinha posto as mãos sobre as dela. Em cima de uma outra mesa, a nosso lado, achava-se uma ardósia com um papel coberto de negro de fumo. Pedi que uma das mãos que apareciam produzisse uma impressão no papel. A impressão foi feita, e as extremidades dos dedos da médium foram encontradas enegrecidas.
Essas experiências nos dão a prova de que a mão que se vê aparecer e que produz efeitos físicos não é o resultado de uma alucinação, porém sim um fenômeno que possui certa corporeidade, tendo o poder de reter e de transportar substâncias aderentes a uma superfície. Mas essa transmissão não é absolutamente necessária nem invariável quanto à forma e lugar, pois não é sempre o mesmo efeito que se obtém; citam-se casos em que as mãos impregnadas de substâncias corantes nem sequer as transportaram ao corpo do médium.
Mas, para estabelecer a minha tese, não tenho que fazer pesquisas nesse sentido, pois que os fatos da natureza destes últimos seriam para o Sr. Hartmann a prova eo ipso de que a mão que apareceu não passava de uma alucinação.
Em compensação, os casos em que a transferência da matéria corante para o corpo do médium se opera em um local não correspondente ao lugar do órgão materializado, tocado pela substância, têm para nós uma grande importância. Lemos por exemplo no The Spiritualist:
“O Sr. Crookes deitou pequena quantidade de cor de anilina na superfície do mercúrio que tinha sido preparado para a experiência; a anilina é um poderoso corante, tanto assim que os dedos do Sr. Crookes conservaram vestígios dela durante muito tempo. Katie King mergulhou os dedos na matéria corante e, apesar disso, os dedos da Srta. Cook não ficaram manchados. Em compensação, viam-se vestígios de anilina nos braços desta última.” (1876, v. I, pág. 176).
O Sr. Harrison, diretor do The Spiritualist, faz a narração de outra experiência desse gênero, obtida pela mesma médium:
“No decurso de uma sessão com a médium Srta. Cook, tinha-se molhado a mão materializada, na superfície exterior, com um pouco de tinta violeta, e aquela mancha, de cerca do tamanho de uma moeda de 5 francos, foi em seguida encontrada no braço da médium, perto do cotovelo.” (The Spiritualist, 1873, pág. 83).
Em teoria, poder-se-ia fazer a suposição de que, nos casos em que se produz o fenômeno do “desdobramento”, há transferência da substância aplicada ao corpo materializado, enquanto que, nos casos de formação de corpos heteromorfos, há desaparecimento daquela substância.
Na mesma ordem de idéias, podemos citar o fato seguinte, que não se relaciona diretamente com o assunto tratado sob a categoria B3, referente aos efeitos físicos duradouros. Trata-se da reação sobre o médium de uma sensação experimentada por um órgão materializado. Lemos no livro The Scientific Basis of Spiritualism (por Epes Sargent, Boston, 1881):
“O Dr. Willis comunica o fato seguinte, relativo à sua própria mediunidade: Em uma das sessões, um senhor tirou do bolso um canivete que tinha uma lâmina longa muito afiada; não tinha confiado as suas intenções a ninguém e, em dado momento, vibrou com ele um golpe formidável em uma das mãos materializadas. O médium soltou um grito. Ele tinha sentido uma dor como se uma faca lhe atravessasse a mão. O senhor em questão saltou de alegria por ter “confundido” o médium, como o acreditava, persuadido de encontrar a mão do médium trespassada e coberta de sangue. Com grande surpresa e para sua confusão, não encontrou a mínima escoriação nas mãos do médium; esse tinha, entretanto, experimentado a sensação de uma faca atravessando-lhe os músculos e as articulações da mão; a dor só desapareceu no fim de muitas horas.” (pág. 198).
Esse fato nos prova que a mão que apareceu não era uma alucinação, nem a mão do médium.
d) Reprodução de formas materializadas
por moldagens em gesso
Passo agora às experiências que considero como as provas mais positivas e mais concludentes do fenômeno da materialização. Não se trata mais de impressões, porém de moldagens de um membro materializado, inteiro, por meio das quais faz-se em seguida um modelo de gesso, reproduzindo com perfeita exatidão todas as minudências da forma do corpo momentaneamente materializado. A operação pratica-se da maneira seguinte: preparam-se dois vasos, um com água fria, outro com água quente, na superfície da qual há uma camada de cera fundida. Pede-se que a mão que apareceu mergulhe primeiro na cera fundida, durante alguns instantes, depois na água fria, e isso por muitas vezes; dessa maneira, a mão é em pouco tempo coberta por uma luva de cera, de certa espessura, e quando a mão materializada se retira, conserva-se um molde perfeito que se enche em seguida de gesso; o molde, fundido em água fervendo, deixa uma moldagem em gesso com a forma exata do corpo que enchia o molde. Uma experiência desse gênero, feita nas condições requeridas para evitar qualquer fraude, nos dá uma prova absoluta: a imagem completa e permanente do fenômeno que se tinha produzido. O Sr. Hartmann não faz menção dessas experiências; a única passagem de seu livro que parece referir-se ao assunto não se aplica absolutamente aos fatos de que falo. O Sr. Hartmann diz:
“Cada vez que a não-identidade do médium e da aparição não é baseada em outros argumentos além do isolamento material do médium, essa asserção deve ser rejeitada como carecendo de provas; tudo o que a aparição produz, nesses casos, deve ser atribuído ao próprio médium, assim, por exemplo, quando o fantasma deixa a impressão das mãos, dos pés ou do rosto na parafina fundida e os entrega em seguida aos espectadores.” (Psychische Studien, VI, 526; IV, 545-548; Spiritism, pág. 89).
A primeira dessas citações do Psychische Studien (VI, pág. 526) refere-se a uma ligeira notícia relativa à impressão de um rosto deixado em parafina fundida (designada com o nome de cera), enquanto que eu falo da moldagem completa de um membro qualquer, o que não é absolutamente a mesma coisa; a segunda citação do Psychische Studien (IV, 545-548) refere-se à materialização completa de uma forma humana, e não se trata de impressão nem de moldagem. Isso é tanto mais surpreendente, por isso que no mesmo volume do Psychische Studien podem-se ler muitos artigos do Sr. Reimers, que faz a narração de uma série de experiências, feitas com o maior cuidado, referindo-se à produção de moldagens de mãos materializadas; o Sr. Hartmann guarda silêncio sobre esses artigos! É impossível considerar esse silêncio como conseqüência do argumento precitado do Sr. Hartmann, a saber, que o médium estava “preso” e que por conseguinte tudo o que a aparição tinha produzido devia ser atribuído ao próprio médium, visto que, no caso presente, a não identidade do médium e da aparição não está unicamente baseada no fato da reclusão do médium, mas ainda na diferença verificada entre a forma da mão materializada que produziu o seu molde na parafina e a do médium.
Ora, considero a produção de moldagens pelas formas materializadas como a prova absoluta da realidade objetiva do fenômeno da materialização e, por conseguinte também, como a prova de que não há alucinação nesse fenômeno; devo, pois, dar aqui uma exposição das experiências desse gênero, com todas as particularidades necessárias.
A idéia de moldar as formas materializadas é do Sr. Denton,[14] professor de Geologia muito conhecido na América, e foi em 1875 que ele obteve suas primeiras moldagens de dedos, experiência que ele narra em uma carta do Banner, reproduzida pelo Médium (1875, pág. 674), do qual a copiamos:
“Soube recentemente que se se mergulha um dedo em parafina fundida, esta se destaca facilmente do dedo, depois de resfriada; se enchermos o molde de gesso, obtém-se assim uma reprodução exata do dedo.
Escrevi então ao Sr. John Hardy dizendo que tinha encontrado um meio excelente de obter moldagens e pedi-lhe que organizasse uma sessão com a Sra. Hardy, para ensaiar obter as moldagens das mãos materializadas que apareciam freqüentemente no decurso de suas experiências. Nada comuniquei sobre o processo que desejava empregar.
Depois do convite do Sr. Hardy, dirigi-me à sua casa, com uma provisão de parafina e de gesso. Logo depois de terminados os preparativos, procedemos às experiências.
No centro da sala colocou-se uma grande mesa coberta com uma toalha acolchoada e com uma capa de piano, a fim de que o espaço sob a mesa fosse o mais sombrio possível. Por baixo da mesa colocou-se um balde de água quente, sobre a qual estava em suspensão uma camada de parafina fundida. A Sra. Hardy tomou lugar perto da mesa e colocou as mãos em cima. O Sr. Hardy e eu nos conservávamos um em cada lado da Sra. Hardy. Não havia outra pessoa na sala.
Em breve ouvimos um ruído proveniente da água posta em movimento; por meio de pancadas, pediu-se à Sra. Hardy que dirigisse a mão na distância de alguns centímetros por baixo da mesa, entre a toalha e a capa, o que ela executou, e depois de muitas repetições dessa manobra, obteve de 15 a 20 moldes de dedos, de diversos tamanhos, desde dedos de criança até dedos gigantescos. Na maior parte dessas formas, principalmente nas maiores ou naquelas que se aproximavam, por suas dimensões, dos dedos da médium, todas as linhas, as cavidades e os relevos que se vêem nos dedos humanos sobressaíam com muita nitidez. O maior desses dedos, o polegar do grande Dick (Big Dick), como nos foi designado, tinha o dobro do comprimento de meu polegar; a menor dessas formas, com uma unha distintamente desenhada, correspondia ao dedo rechonchudo de uma criança de um ano.
Enquanto essas formas se produziam, a mão da médium estava a uma distância mínima da parafina, de dois pés, como posso afirmá-lo. Os moldes ainda estavam quentes, em grande parte, no momento em que a Sra. Hardy os retirava das mãos que lhe eram estendidas por baixo da mesa; sucedeu por mais de uma vez inutilizarem-se as formas em conseqüência de estar a parafina ainda muito mole.
Desejaria atrair a atenção dos irmãos Eddy, do jovem Allen (Allen boy) e de outros médiuns de efeitos físicos, para esse método, que é o mais próprio para demonstrar aos cépticos a realidade das aparições e de sua existência fora do médium. Se pudessem obter-se moldes de mãos excedendo as dimensões das mãos humanas – o que não ponho em dúvida de maneira alguma –, poder-se-iam dirigi-los a círculos espíritas distantes, como prova irrefutável.
Wellesley, Mass., 14 de setembro de 1875.
William Denton.”
Em carta ulterior, publicada no Banner of Light de 15 de abril de 1876, o Sr. Denton, referindo-se à sua primeira carta, completa-a com essa particularidade importante:
“No decurso da sessão, sucedeu-me por muitas vezes ver sair de sob a mesa dedos ainda cobertos de parafina.”
A carta do Sr. Hardy, marido da médium, confirma esse fato e acrescenta algumas particularidades que não são destituídas de importância, e que vamos reproduzir aqui, segundo o Médium (1875, pág. 647):
“A 15 do corrente, recebi uma carta do professor W. Denton, habitante de Wellesley, a 10 léguas de Boston, e que é muito conhecido por suas conferências sobre a Geologia e sobre o Espiritualismo. Ele participava-me por escrito que tinha encontrado um meio muito simples de obter a moldagem das mãos e dos dedos materializados com a condição de ter à disposição um bom médium. Perguntava-me se a Sra. Hardy consentiria em prestar o seu concurso a essas experiências. Respondi-lhe imediatamente que nos julgaríamos felizes em auxiliá-lo em seus esforços, para demonstrar a realidade do fenômeno das materializações. Na volta do correio, ele me anunciou a sua chegada no dia seguinte, 16. Trouxe os seus preparativos, a respeito dos quais não nos tinha dado informação alguma. Procedemos imediatamente às experiências.
Uma mesa ordinária, de 4 pés de comprimento e 2 de largura, foi abrigada em seu contorno por uma toalha para obter-se um espaço sombrio em sua parte inferior. O Sr. Denton trouxe um balde com água fervendo que não o enchia até os bordos, deitou dentro um pedaço de parafina, que não tardou em fundir-se, sobrenadando. O Sr. Denton colocou o balde por baixo do centro da mesa; a Sra. Hardy tinha tomado lugar em uma das cabeceiras da mesa, tendo o Sr. Denton de um lado e a mim do outro. A fiscalização das mãos era supérflua, pois que todas assentavam na mesa, o que permitia vigiar o seu menor deslocamento. Alguns minutos depois, ouvimos o ruído da água posta em movimento, e então os agentes invisíveis nos anunciaram o êxito da experiência e pediram que a médium estendesse a mão para receber um objeto que lhe seria entregue. Só então a Sra. Hardy introduziu a mão por baixo da mesa: seu braço conservava-se visível durante todo o tempo, desde o punho, e a distância que separava os seus dedos da água nunca foi inferior a 2 pés. As mãos que mergulhavam na parafina dirigiam-se à médium para lhe permitirem tirar os moldes. Obtivemos, por esse meio, de 15 a 20 formas que mostravam distintamente o desenho das unhas e de todas as linhas que sulcavam a pele. Esses dedos podem ser classificados em cinco categorias de dimensões: três ou quatro dentre eles pertenciam a crianças de um a três anos; as outras formas eram muito maiores; finalmente havia uma dentre elas que representava um polegar de tal dimensão como nunca tínhamos visto igual, com a unha e todas as linhas muito claramente salientes.
Todos esses moldes se acham neste momento em poder do Sr. Denton, que se propõe a publicar aquela experiência, minuciosamente, no próximo número do Banner, com a sua assinatura. Esses fatos falam por si mesmos e marcam uma conquista importante no progresso das coisas. Os fenômenos que cito produziram-se em pleno dia, se bem que as cortinas estivessem cerradas; não havia gabinete e a médium não foi coberta com pano algum; tudo se passava na mesma sala e nenhum movimento das pessoas presentes podia escapar aos outros assistentes.
Boston, 20 de setembro de 1875.
John Hardy.”
Obtiveram-se, dessa maneira, em uma série de sessões, moldes de mãos e de pés completos e das mais variadas formas. As condições nas quais eram feitas essas experiências, assim como os resultados obtidos, parece deverem ter satisfeito a todas as exigências, mas a crítica completava a sua obra: desenvolvia o seu talento para desmascarar a fraude, pois que naquilo havia fraude. Começou-se por alegar que a médium podia levar à sessão moldes preparados de antemão e dá-los como resultado imediato das experiências. O professor Denton imaginou então a demonstração seguinte: pesava o pedaço de parafina que devia servir para a experiência; depois da sessão pesava o molde obtido, assim como o resto da parafina e, adicionando esses dois últimos pesos, verificava que esse total correspondia exatamente ao peso primitivo da parafina. A prova da pesagem foi feita por muitas vezes em presença de numerosos assistentes, e à frente de comissões nomeadas pelo próprio público; essas experiências foram feitas em Boston, Charlestown, Portland, Baltimore, Washington, etc., e sempre com êxito completo.
Fotografias obtidas das moldagens da mão direita
e do pé direito de uma forma materializada.
Entretanto, a critica não se considerava vencida; pretendia que a médium podia retirar com a mão ou com o pé a quantidade precisa de parafina e ocultá-la dessa ou daquela maneira. Pediram que a médium fosse introduzida em um saco! Essa condição foi aceita e, em cerca de 20 sessões públicas, a médium foi introduzida em um saco que lhe amarravam em redor do pescoço. Os resultados foram os mesmos, e sempre sob a vigilância de uma comissão escolhida pelo público. Essas medidas de fiscalização não pareceram, porém, suficientes: chegaram até a dizer que a médium podia desmanchar e depois refazer parte da costura do saco, desde que tivesse as mãos livres, se bem que os membros da comissão não tivessem notado coisa alguma que pudesse justificar aquela suposição. Acordaram em uma combinação que devia fornecer a prova mais convincente e mais absoluta: exigiram que o molde se formasse dentro de uma caixa fechada à chave. Nessas condições, a experiência tornava-se absolutamente concludente; por isso passo a citar in extenso o relatório que ela ocasionou e que foi publicado no Banner of Light de 27 de maio de 1876, com a assinatura dos membros da comissão. Eis em primeiro lugar a descrição da caixa feita especialmente para a experiência, segundo as instruções do Dr. Gardner:
“Aquela caixa, de forma retangular, mede 30 polegadas de comprimento e de altura, por 24 de largura. O fundo, os quatro apoios dos cantos e a tampa de dois batentes são de madeira, bem como a parte superior das paredes, compreendida entre a tampa e a grade de arame; esse caixilho de madeira, de 8 1/2 polegadas de altura, é perfurado por orifícios espaçados de 1 polegada, e com 3/4 de polegada de diâmetro. Esses orifícios ficam reduzidos a 1/4 de polegada por um folheado colado no interior. O engradado de ferro que forma o corpo da caixa é composto por um único pedaço de arame, cujas duas pontas se reúnem em um dos apoios e ficam cobertas por uma tabuinha de madeira pregada no apoio. A tampa é composta de duas partes, abrindo-se para fora; um dos batentes fecha-se de dois lados por meio de ferrolhos; o outro fechava-se primitivamente por uma simples tranca de alavanca. O engradado, muito sólido e muito espesso, produz malhas de 3/8 de polegada. Depois de muitas sessões bem sucedidas, mas às quais não tínhamos assistido, notaram-se alguns defeitos na caixa e mandaram fazer algumas modificações, a fim de que ela correspondesse a todas as exigências: os dois lados da tampa foram munidos de fechaduras, garantindo o fechamento absoluto da caixa. Se insistimos tão longamente sobre as particularidades daquele aparelho, é porque ele deve servir para estabelecer de maneira peremptória a boa fé da médium.” (reproduzido no The Spiritualist de 9 de junho de 1876, pág. 274).
Eis agora o documento propriamente dito:
“Na segunda-feira, 1º de maio de 1876, em uma sala do pavimento térreo ocupada pelo Sr. Hardy, Praça da Concórdia, nº 4, achavam-se presentes as seguintes pessoas: o Coronel Frederick A. Pope, de Boston; John Wetherbee, J. S. Draper, Epes Sargent, a Sra. Dora Brigham e o Sr. e Sra. Hardy. A caixa foi submetida a escrupuloso exame. O Coronel Pope, perito em todos os trabalhos de marcenaria, virou a caixa em todos os sentidos e examinou-a por todos os lados, quer no exterior, quer no interior. Os outros assistentes acompanharam aquele exame e depois examinaram a caixa por sua vez. O engradado foi objeto de uma atenção muito particular, desejando os experimentadores verificar se havia um meio de alargar, com um instrumento de ferro, as malhas, a ponto de permitir a passagem de um objeto, que tivesse mais de meia polegada de espessura, e estreitá-las em seguida. O exame demonstrou a impossibilidade de semelhante operação sem que ficassem vestígios.
Quando todos os assistentes ficaram convictos da perfeita segurança da caixa, o Sr. Wetherbee tomou um balde cheio de água fria, muito transparente, e colocou-o na caixa, depois de o ter apresentado previamente à inspeção das pessoas presentes. O Coronel Pope lançou mão de um balde de água fervendo, na superfície da qual sobrenadava uma camada de parafina em fusão, e depois de um exame, colocou-o igualmente na caixa. A tampa foi ferrolhada e fechada à chave. Para maior segurança, colaram-se selos em cada orifício de fechadura, ao longo da junta das duas tábuas da tampa e nos cantos, apesar de ser supérflua essa última cautela, uma vez que não devíamos arredar os olhos da médium durante todo o tempo da experiência. Estando a sala iluminada, podíamos verificar, através do engradado, que a caixa não continha outra coisa além dos dois baldes e seu conteúdo.
Para obter a escuridão necessária à produção do fenômeno, cobriu-se a caixa com um pano e diminuiu-se a luz na sala; porém ficava sempre bastante claridade para podermos consultar os relógios e distinguir os rostos dos assistentes, inclusive o da médium. A Sra. Hardy tomou assento defronte do círculo que formávamos em frente, do lado esquerdo da caixa. O Sr. Hardy conservou-se à parte durante todo o tempo, por trás dos assistentes.
Nenhum constrangimento e nenhuma condição foram impostos aos assistentes. Eles não cantavam nem faziam rumor algum, mas a conversação à meia voz manteve-se durante todo o tempo. A Sra. Hardy estava em seu estado normal, não parecendo comovida, nem preocupada. Uma harmonia completa reinava na reunião; os olhos de todos estavam fixos na médium. De vez em quando, faziam-se perguntas ao operador invisível, que respondia por meio de pancadas.
Finalmente, depois de uma espera de quarenta minutos mais ou menos, ouvimos pancadas apressadas e animadas, anunciando-nos o êxito da experiência. Deixamos nossos lugares para ir retirar o pano que cobria a caixa e, olhando-a através da grade de arame, divisamos a forma completa de uma grande mão flutuando na água fria. Examinamos os selos: estavam intactos. Passamos revista ainda uma vez na caixa e verificamos que tudo estava em ordem: madeira e grade não tinham experimentado a mínima mudança. Depois de ter retirado os selos, abrimos os ferrolhos, levantamos a tampa da caixa e retiramos de dentro o balde com a forma. Fomos coagidos – e ainda hoje o somos – a formular a conclusão de que a forma foi produzida e colocada no balde por uma força que tem a faculdade de materializar órgãos humanos, em nada semelhantes aos da médium.
Na quinta-feira, 4 de maio, fizemos outra sessão, na qual tomaram parte, além das pessoas já nomeadas: o Sr. J. W. Day (pertencente à redação do Banner of Light) e o Sr. J. F. Alderman. As experiências foram feitas nas mesmas condições, e com resultado mais admirável ainda do que o da sessão de 1º de maio, visto que as formas obtidas eram de maiores dimensões e tinham os dedos mais separados. Tomaram-se as mesmas precauções, no começo e no fim da sessão, isto é, a caixa foi examinada por duas vezes pelas pessoas presentes. Tendo-se suscitado uma dúvida a respeito da solidez das dobradiças, fez-se vir uma chave de parafuso e experimentou-se a solidez dos parafusos, que foram apertados até o fim.
Além da forma que flutuava no balde, encontramos parte de outra forma no fundo da caixa.
Eis as conclusões a que chegamos:
1º – A forma exata de mão humana, de tamanho natural, produziu-se em caixa fechada, pela ação inteligente de força desconhecida.
2º – As condições nas quais a experiência se produziu põem fora de discussão a boa fé da médium; os resultados obtidos provam, ao mesmo tempo, de maneira indiscutível a realidade de seu poder mediúnico.
3º – Todas as precauções empregadas eram de uma simplicidade e rigor tais, que excluem qualquer idéia de fraude, assim como toda possibilidade de ilusão, de maneira que consideramos definitivo o nosso testemunho.
4º – Essa experiência confirma o fato – desde muito tempo conhecido pelos investigadores – de que mãos temporariamente materializadas, dirigidas por uma inteligência e emanando do organismo invisível, podem tornar-se visíveis e palpáveis.
5º – A experiência da produção de formas de parafina, junto à chamada fotografia espírita, constitui uma prova objetiva da ação de uma força inteligente fora dos organismos visíveis, e constitui um ponto de partida sério para as pesquisas científicas.
6º – A questão de saber “de que maneira essa forma se produziu no interior da caixa” conduz a reflexões que exercem uma influência das mais consideráveis, quer sobre a Filosofia do futuro, quer sobre os problemas da Psicologia e da Fisiologia, e abrem um horizonte novo às pesquisas sobre as forças ocultas e o destino futuro do homem.
Boston, 24 de maio de 1867.
Coronel Frederick A. Pope – 69, Montgomery Street.
Mrs. Dora Brigham – 3, James Street, Franklinest.
J. T. Alderman – 46, Congress Street, Boston.
John Wetherbee – 48, Congress Street.
John W. Day – 9, Montgomery Place.
Epes Sargent – 67, Moreland Street.
J. S. Draper – Wayland, Mass.”
Entre essas assinaturas, notar-se-á a do Sr. Epes Sargent, nome muito conhecido na literatura americana.
Temos, pois, aqui uma experiência feita em condições que correspondem amplamente às exigências do Sr. Hartmann: não há reclusão do médium, ele está sentado com as testemunhas da experiência em uma sala suficientemente iluminada; a forma produz-se em um espaço isolado, que torna impossível qualquer intervenção exterior. Estamos, por conseguinte, diante de um fato que prova de maneira irrecusável, objetiva, e de vez, que as mãos que aparecem nas sessões espiríticas não são o efeito de alucinações, que elas representam um fenômeno real, objetivo, ao qual é perfeitamente aplicável a designação de “materialização” sem que por esse termo pretendamos explicar a própria natureza do fenômeno.
Se ainda há lugar para alguma dúvida, seria que a experiência foi feita na América, pátria clássica do humbug. Para o caso presente, essa objeção não teria o mesmo fundamento como se se tratasse de um fato isolado, novo, sem antecedentes. Ora, para aqueles que estudaram a questão mais de perto, essa experiência não é mais do que o coroamento de uma série completa de pesquisas realizadas com o mesmo objetivo. Demais, a experiência em questão reveste um caráter de autenticidade suficiente, levando-se em consideração as assinaturas e as pessoas que tomaram parte nela, principalmente o professor Denton, inventor do processo empregado; o Dr. Gardner, um dos representantes mais considerados do Espiritualismo na América, que teve a iniciativa da experiência com a caixa e presidiu às primeiras sessões (vide Banner of Light de 1º de abril de 1876); o Sr. Epes Sargent, homem de letras e espiritualista muito conhecido, que escreveu ao diretor do The Spiritualist, em Londres, dirigindo-lhe o relatório da Comissão:
“Tendo assistido às sessões em questão, posso dar garantia da exatidão escrupulosa do relatório.” (The Spiritualist, 1876, pág. 274).
Ele também comunicou àquela mesma revista a opinião do escultor O’Brien, perito nesse gênero de formas (The Spiritualist, 1876, I, pág. 146). Reproduzimos na íntegra esse interessante documento:
“Washington, 20 de janeiro de 1876.
Em vista de uma petição que me foi dirigida nesse sentido, certifico, pela presente, que sou modelador e escultor, exercendo a minha profissão há 25 anos, entrando nesse número muitos anos que passei na Itália para estudar as obras dos grandes mestres da pintura e da escultura; que habito atualmente em Washington, tendo meu gabinete no nº 345, Avenida Pensilvânia; que a 4 de janeiro corrente um amigo me convidou a dirigir-me ao domicílio de um particular (1.016, 1ª Street, N. W., Washington) para examinar ali moldagens em gesso sobre as quais devia dar a minha opinião.
Efetivamente, um senhor que me foi apresentado com o nome de Sr. John Hardy, de Boston me mostrou sete modelos de mãos em gesso, de diferentes dimensões; examinei-os à luz intensa, com a lente. Verifiquei que cada uma dessas provas era uma obra de maravilhosa execução, reproduzindo todas as particularidades anatômicas, bem como as desigualdades da pele, com tal delicadeza qual, até então, eu nunca o tinha verificado em nenhum modelo de mãos ou de qualquer outra região do corpo humano, a não ser as obtidas por moldagem direta em gesso, feita sobre a mão ou sobre outra parte qualquer do corpo e constando de muitos fragmentos, o que chamamos de molde em pedaços. Entretanto, os modelos em questão não mostravam indício algum de soldagem e parecia saírem de um molde sem juntura. Entre esses gessos encontrava-se um que representava, disseram-me, a mão do finado vice-presidente Henry Wilson, e que teria sido obtido depois de sua morte. O gesso me pareceu assemelhar-se singularmente quanto à forma e tamanho, à mão do defunto, que eu tinha examinado pouco tempo depois da sua morte, na ocasião em que eu fora tirar o molde do seu rosto em gesso – único molde que foi tirado. Então eu tinha do mesmo modo a intenção de moldar a sua mão, mas fui impedido disso pelos cirurgiões, que tinham pressa em proceder à autópsia.
Acrescento sem constrangimento, a pedido, que se esse gesso da mão do Sr. Wilson tivesse sido obtido com o emprego de um processo qualquer de moldagem, faria honra ao primeiro artista do mundo.
No que diz respeito especialmente a esse ponto, não hesito em afirmar que, entre os escultores de nomeada, encontrar-se-ia talvez um em cem que pudesse empreender e realizar a moldagem de semelhante mão com todas as minudências, e esse escultor ainda correria o risco de perder o trabalho, visto que, em nossa arte, o único processo para reproduzir os objetos em relevo convexo é o molde em pedaços, o que requer uma raspagem, para extinguir os acréscimos que indicam os encontros das diversas partes do molde – o que importa em considerável trabalho, a julgar pelo exame microscópico ao qual submeti as provas; o remate de um só objeto (supondo que o modelador possa prescindir do auxílio de um bom escultor) exigiria o trabalho de muitos dias.
Nesta mesma tarde e no mesmo lugar mostraram-me duas luvas ou moldes em parafina no gênero dos que teriam servido ao vazamento desses modelos. Examinei minuciosamente esses moldes e não pude descobrir neles nenhum vestígio de soldadura; parecia terem sido feitos de uma só vez, por um processo qualquer, por exemplo: sobre um modelo de semelhança perfeita à mão humana que em seguida tivesse sido mergulhada por muitas vezes em uma substância semilíquida e adesiva como a parafina, e que em seguida tivesse sido retirado dessa luva, deixando-a intacta; mas a forma dessas luvas ou moldes (e, por conseguinte, das provas) com os dedos recurvados, e tendo a palma muitos centímetros maior largura do que punho, tornaria impossível, a meu ver, retirá-los intactos, de maneira que me recuso a formular uma teoria, ainda mesmo pouco satisfatória, acerca da maneira pela qual eles foram produzidos.
Pedem-me ainda que declare que não sou espiritualista, que nunca assisti a sessão alguma e que nunca estive em comunicação com os chamados “médiuns”, que me conste, pelo menos.
Nada entendo da filosofia do “espiritualismo moderno” além do ensino que lhe é atribuído relativamente à imortalidade da alma e à possibilidade de ter relações com os espíritos dos defuntos; a primeira dessas teses é para mim uma questão de fé, e, quanto à segunda, ainda não a considero baseada em provas suficientes para que tome a liberdade de pronunciar-me pró ou contra.
John O’Brien, escultor.”
Em regra geral, admito sem esforço que as narrações que nos vêm da América são freqüentemente exageradas ou inexatas, por isso me apóio em minhas pesquisas espiríticas de preferência nas fontes inglesas, como se pode verificá-lo, e tanto mais quanto conheço a maior parte das pessoas que tomam parte ativa nesse movimento na Inglaterra. É por isso que abro espaço aqui para uma exposição circunstanciada das experiências desse gênero, feitas naquele país, experiências que talvez sejam ainda mais concludentes.
e) Outros exemplos de moldagens de formas materializadas por meio da parafina
Essas experiências podem dividir-se em quatro categorias, segundo as condições em que se produzem:
· o médium está isolado; o agente oculto fica invisível;
· o médium está em evidência; o agente oculto está ainda invisível;
· o médium está isolado; o agente oculto aparece;
· o agente e o médium são simultaneamente visíveis aos espectadores.
1) O médium está isolado;
o agente oculto fica invisível.
As melhores experiências dessa categoria são, sem contradição, as que foram feitas pelo Sr. Reimers (em Manchester), a quem conheço pessoalmente e que, desde o começo, me tinha comunicado o resultado delas, de maneira mui circunstanciada, independentemente dos relatórios que publicou nas revistas inglesas. Os leitores do Psychische Studien tiveram conhecimento delas pelos artigos que o Sr. Reimers mandou inserir ali em 1877 e nos anos subseqüentes. Copio da carta do Sr. Reimers, datada de 6 de abril de 1876, que está em meu poder, uma exposição circunstanciada da primeira experiência dessa espécie:
“A médium – uma mulher mui corpulenta – era coberta por um saco de filó que ocultava-lhe a cabeça e as mãos; o saco se fechava por meio de um cordão enfiado em uma bainha muito larga; esse cordão foi amarrado em torno da cintura da médium, de maneira que os braços, bem como toda a parte superior do tronco, estavam presos. Juntei as pontas desse cordão por meio de muitos nós bem apertados, que tornavam absolutamente impossível a saída da médium. Ligada de tal maneira, estava sentada em um canto de meu quarto. Intencionalmente torno saliente essa circunstância, porque exclui qualquer hipótese de uma porta secreta.
Depois de ter pesado cuidadosamente a parafina, coloquei-a em pequeno balde que enchi em seguida com água fervente; em pouco tempo a parafina estava fundida, e então coloquei o balde em cima de uma cadeira, ao lado da médium. Esse canto do quarto foi disfarçado por uma cortina de tecido de algodão; o ângulo era completamente ocupado por uma étagère, duas cadeiras, um tamborete, o balde e uma cesta para papéis, de maneira que não havia possibilidade alguma de se esconderem ali.
À luz branda, sentei-me defronte da cortina e logo verifiquei que a médium se achava em estado de transe. Nenhuma figura aparecia, mas uma voz pronunciou estas palavras: “Deu resultado; pega com cautela no molde que ainda está quente e toma cuidado para não despertar a médium.” Levantei a cortina e distingui uma figura que se conservava ao lado da médium, mas desapareceu imediatamente. O molde estava pronto. Tomei o balde e pedi à médium que mergulhasse a mão na parafina que ainda estava quente, a fim de obter o molde dela. Pesei em seguida os dois moldes juntamente com o resto da parafina. O peso era o mesmo, exceto uma pequena diminuição proveniente da aderência inevitável de um pouco de parafina nas paredes do balde. Antes de pôr a médium em liberdade, verifiquei cuidadosamente que os nós e ligaduras tinham ficado intactos. A porta única por onde se podia entrar no quarto tinha sido fechada à chave, e eu não perdi de vista, por um só instante, o canto oculto pelo pano. É tão evidente que nenhuma espécie de fraude pôde ser praticada que julgo inútil insistir nesse ponto. A escolha de um saco de filó foi uma idéia muito feliz. Devo-a ao professor Boutleroff, que a tinha posto em prática nas sessões com o médium Bredif. Ainda mesmo que os braços e as mãos da médium ficassem livres, a dúvida seria impossível.
Admitindo que a médium tivesse trazido ocultamente qualquer mão de gesso, de que maneira teria podido retirá-la sem quebrar ou pelo menos deteriorar a forma, que é muito delicada e friável? Mão fabricada com substância mole, elástica, não resistiria à temperatura do líquido, que era tão elevada que a médium não deixou de dar um grito de dor ao mergulhar a mão nele.
Suponhamos ainda que um molde em parafina tenha sido levado já feito; mas então esse molde seria mais espesso, e a fraude teria sido facilmente descoberta pela pesagem.”
Dessa maneira o Sr. Reimers obteve um primeiro gesso de mão direita, cuja conformação era igual à da que ele tinha distinguido durante alguns instantes, e da qual ele tinha anteriormente obtido uma impressão em farinha (vede Psychische Studien, 1877, pág. 401); essa mão diferia completamente, na forma e tamanho, da da médium, que era uma mulher idosa, pertencente à classe operária.
Essa primeira experiência se fez a 30 de janeiro de 1876, como se pode verificar pela carta que o Sr. Reimers dirigiu ao The Spiritualist a 11 de fevereiro de 1876 (encontrar-se-ão outros pormenores em seu artigo publicado em Psychische Studien, 1877, págs. 351-401).
O Sr. Reimers repetiu essa mesma experiência a 5 de fevereiro, ainda em seu quarto, em presença de duas testemunhas: o Sr. Oxley e o Sr. Sightfoot, o primeiro dos quais enviou dela um relatório ao The Spiritualist (11 de fevereiro de 1876). Tinham-se tomado as mesmas cautelas. O Sr. Oxley externou o desejo de obter a mão esquerda, que completava o par com a mão cujo molde já se tinha obtido. Em pouco tempo ouviu-se a agitação da água e, terminada a sessão, os assistentes encontraram no balde o molde, ainda quente, de mão esquerda, que deu um gesso completando perfeitamente o par com a mão direita, vazada no primeiro molde (vede Psychische Studien, 1877, págs. 491-493).
O Sr. Reimers mandou-me bondosamente o gesso dessa mão esquerda, que se distingue de todas as outras formas que ele obteve depois; na face dorsal, ela tem em relevo a forma de uma cruz que o Sr. Reimers tinha dado a uma aparição que se mostrou em todas as sessões ulteriores, sob o nome de Bertie, sempre com aquela cruz. O Sr. Reimers mandou-me além disso o gesso da mão esquerda da médium, que foi feito imediatamente depois que se produziu o molde da mão de Bertie, como ele o comunica ao Psychische Studien (1877, pág. 404).
Fotografias obtidas das moldagens da mão esquerda
do médium (acima) e da forma materializada (abaixo).
Os dois gessos, colocados juntos no foco do mesmo aparelho, foram fotografados em minha presença. As fototipias não reproduzem todas as minudências da fotografia; porém é bastante lançar um olhar para verificar a completa dessemelhança entre eles: a mão da médium é grande e vulgar, a de Bertie pequena e elegante; o que salta aos olhos particularmente é a diferença dos dedos e das unhas. Mas a diferença principal está na extensão dos dedos, como o demonstra a medição: os dedos da médium têm um centímetro mais do que os de Bertie. A circunferência da face palmar da mão da médium, medida imediatamente abaixo da raiz dos dedos, isto é, em uma região em que a largura da palma é invariável, é um centímetro maior; a circunferência do punho da médium excede a da mão materializada em 2 centímetros.
A reprodução fotográfica da mão de Bertie é tirada somente de uma cópia do gesso; mas o Sr. Reimers mandou-me também dois moldes em parafina, provenientes da moldagem das mãos de Bertie. A esse respeito, ele me escreveu em data de 4 de abril de 1876:
“O resultado notável que eu obtive conseguindo tirar o molde de mão materializada parece-me ter tal importância, que acredito proceder com acerto enviando-vos um exemplar do pequeno número dos que podemos possuir. A mão que vos envio foi obtida por nós nas mesmas circunstâncias em que obtivemos a primeira, em presença do Sr. Oxley e de um amigo (vede The Spiritualist de 11 de fevereiro de 1876).
A história da cruz é curiosa a mais não poder; eu tinha feito presente dela à aparição que se tinha apresentado, quando a médium estava metida no saco de filó. Logo que a médium despertou, verificou-se que a cruz tinha desaparecido. Só desatei o saco depois de ter esgotado todos os esforços para encontrar a cruz. Na sessão seguinte, Bertie apareceu com a cruz pendente do pescoço. A conformação de suas mãos é tal qual, exatamente, a que vedes sobre a prova em gesso que vos mando. Posso afirmá-lo em minha qualidade de bom desenhista. Até hoje, tenho obtido duas mãos direitas, três esquerdas – todas em posições diferentes –, o que não impede que as linhas e os sulcos sejam idênticos em todos os exemplares; é indubitavelmente à mesma pessoa que essas mãos pertencem.
Essa identidade de mãos, dotadas de vitalidade, é para mim uma prova decisiva de que nos achamos diante de um fenômeno de materialização.
O pacote já estava pronto para ser expedido, quando tive a lembrança de juntar-lhe ainda alguma coisa. Envio-vos agora duas formas em parafina, que obtive ontem. Eu tinha vestido na médium um saco de filó, como de ordinário, e, além disso, tinha prendido no vestido, a alfinete, as pontas do cordão, por trás das costas. Bertie apareceu em breve na abertura da cortina e acima do gabinete e desapareceu em seguida. Ouvi agitação na água e encontrei os dois moldes, resfriados, no balde... Enchei-os com uma solução de gesso muito fino, etc.; depois, tomai uma lente e comparai os gessos que tiverdes obtido com as mãos que vos envio: verificareis que provêm do mesmo indivíduo. Estou tão convencido disso que vos envio os moldes que acabo de obter agora mesmo. Sei de antemão que os resultados de vosso exame não conseguirão mais do que corroborar a minha asserção.”
Efetivamente, o gesso vazado da mão direita corresponde exatamente à mão esquerda moldada pelo Sr. Reimers. Quanto ao molde da mão esquerda, tive a imprevidência de conservá-lo em seu estado primitivo, isto é, sem enchê-lo de gesso, o que deu em resultado que ele se tivesse amassado. Só agora (dez anos depois) eu o encho de gesso. A palma está deformada, mas os dedos conservaram muito bem a sua forma; são os mesmos dedos; não há a menor dúvida.
Ultimamente pedi que me enviassem de Lípsia o gesso de um molde feito em uma sessão que se realizou a 17 de abril de 1876 (falarei dele mais adiante) e que era destinado especialmente aos “amigos de Lípsia”.
Se se compara esse gesso da mão direita ao que estava em meu poder, é fácil reconhecer que eles se referem a uma só mão; só há pequena diferença na posição dos dedos, coisa particularmente interessante de verificar.
Discutiu-se muito sobre a questão de saber em que condições a mão (ou outro órgão qualquer) deixa o molde. Será que ela se desmaterializa no molde que a envolve ou, antes, se retira de outra maneira? Parece, como certos dados o fazem supor, que um e outro caso se dão e que isso depende da forma do molde.
Há motivo de admitir uma desmaterialização quando a posição dos dedos se opõe de maneira absoluta a que a mão seja naturalmente retirada do molde. Citarei mais adiante um caso desse gênero; mas haverá sempre divergências de opinião sobre esse ponto.
Para mim a questão essencial é verificar que esses moldes são produzidos em condições que excluem toda possibilidade de fraude. O gesso representa cópia exata da mão da médium – será um exemplo precioso de desdobramento; esse fato, bem verificado, nos oferece o primeiro esboço do fenômeno da materialização. Se, pelo contrário, o gesso difere, pela forma, do membro do médium, achamo-nos em presença de um fenômeno muito mais complicado e que, forçosamente, nos conduzirá a conclusões de alcance muito diferente.
No ponto de vista das provas orgânicas, eu não poderia deixar em silêncio uma observação que fiz. Examinando atentamente o gesso da moldagem da mão de Bertie e comparando-a ao gesso da da médium, notei com surpresa que a mão de Bertie, com o contorno completo da mão de uma mulher moça, apresentava por seu aspecto, na face dorsal, as rugas distintivas da idade. Ora, a médium, como eu o disse mais acima, era mulher idosa. Ela morreu pouco depois da experiência. Eis uma particularidade que nenhuma fotografia pode produzir, e que prova de maneira evidente que a materialização se efetua à custa do médium, e que esse fenômeno é devido a uma combinação de formas orgânicas existentes, com elementos normais introduzidos por uma força organizadora estranha, a que produz a materialização. Senti um prazer intenso ao saber que o Sr. Oxley tinha feito as mesmas observações, como consta de sua carta datada de 20 de fevereiro de 1876 e relativa a provas de moldagem que ele me mandava e de que se tratará mais adiante. Diz ele:
“Coisa curiosa, reconhecem-se invariavelmente nesses moldes os sinais distintivos da mocidade e da velhice. Isso prova que os membros materializados, conservando inteiramente sua forma juvenil, apresentam particularidades que traem a idade do médium. Se examinardes as veias da mão, encontrareis ali indícios característicos e que se referem indiscutivelmente ao organismo da médium (trata-se da mão de Lili, da qual eu junto também uma fototipia).”
Citarei aqui um caso que se refere ao mesmo fenômeno, a moldagem de mãos absolutamente idênticas às precedentes, mas obtidas em condições muito notáveis: por obra de outro médium, pertencente mesmo ao outro sexo: o Dr. Monck. É verdade que a antiga médium, a Sra. Firman, assistia à sessão na qualidade de espectadora, de maneira que se poderia atribuir os resultados obtidos à influência que ela exercia a distância.
Outra particularidade notável dessa sessão: as formas humanas emergiam de trás da cortina e, depois de se ter retirado para proceder às moldagens, apareciam de novo apresentando os moldes aos assistentes, que os tiravam das mãos ou dos pés materializados. Eis em que termos o Sr. Reimers conta o fato:
“Em breve tempo a força oculta começou a agir; ouviu-se a agitação da água. Alguns minutos depois, fui convidado a levantar-me e estender as mãos, ficando em uma atitude inclinada para retirar os moldes. Senti o contato de um molde em parafina, e o pé materializado desprendeu-se dela com a rapidez do relâmpago, produzindo um som bizarro e deixando o molde em minhas mãos. Nessa mesma noite obtivemos também as duas mãos. Os três gessos mostram exatamente as linhas e traços característicos das mãos e pés de Bertie, como eu os tinha observado quando os moldes tinham sido obtidos nas sessões com a médium Sra. Firman.” (vede Psychische Studien, 1877, pág. 549).
Naquela mesma sessão, recebeu-se o molde de outra figura materializada, pertencente a um indivíduo que tomava o nome de Lili. Esse molde fornece uma nova e notável prova de autenticidade do fenômeno. Um relatório sumário daquela experiência, que se deu a 11 de abril de 1876, foi publicado pelo Sr. Oxley, que tinha tomado parte nela, no The Spiritualist de 21 de abril de 1876. Mais tarde, em 1878, ele comunicou àquela revista uma narração circunstanciada desses fenômenos, acrescentando ali os desenhos da mão e do pé, vazados por meio de moldes que ele próprio tinha retirado dos membros materializados (The Spiritualist de 24 de maio e 26 de julho).
O Sr. Oxley teve a fineza de me fazer chegar às mãos os gessos vazados nesses moldes; julgo útil citar o artigo que consagra à mão de Lili (incluso uma fototipia daquela prova, segundo uma fotografia feita em S. Petersburgo, em minha presença). Lemos, pois, no The Spiritualist de 24 de maio de 1878:
“A imagem do lado oposto reproduz exatamente o gesso da mão do Espírito materializado, que se apresentava com o nome de Lili, e que foi obtido por vazamento no molde deixado por esse Espírito na sessão de 11 de abril de 1876, e isso em condições que tornavam qualquer fraude impossível. Como médium tínhamos o Dr. Monck; depois de o termos examinado, a seu próprio pedido, ele foi posto em um gabinete improvisado pela colocação de uma cortina através do vão de uma janela; a sala ficou iluminada a gás durante todo o tempo da sessão. Aproximamos uma mesa redonda da própria cortina e ali tomamos lugar, em número de sete.
Logo depois, duas figuras de mulher, que conhecíamos com os nomes de “Bertie” e “Lili”, apareceram no lugar em que as duas partes da cortina se tocavam, e quando o Dr. Monck introduziu a cabeça através da abertura, essas duas figuras apareceram acima da cortina, enquanto que duas figuras de homem (“Mike” e “Richard”) a separavam dos dois lados e se faziam igualmente ver. Por conseguinte, divisamos simultaneamente o médium e quatro figuras materializadas; cada uma das quais tinha seus traços particulares que a distinguiam das outras figuras, como se dá entre pessoas vivas.
É escusado dizer que todas as medidas de precaução tinham sido tomadas para prevenir qualquer embuste e que nos teríamos apercebido da menor tentativa de fraude.
Além de que, a forma obtida e a prova em gesso falam por si mesmas: ali se distinguem nitidamente as menores saliências da pele, e a curvatura dos dedos não teria permitido retirar a mão do molde sem danificá-lo; a largura do punho era apenas de 1/4 x 2 polegadas, ao passo que a largura da palma entre o dedo indicador e o mínimo era de 3,5 polegadas. Levei essa forma à casa de um modelador, que fez o seu gesso.
Eu mesmo preparara a parafina e a tinha levado para o gabinete. Bertie entregou, em primeiro lugar e por sua própria mão, o molde ao Sr. Reimers e em seguida me deu o de seu pé. Depois disso, Lili me perguntou se eu desejava ter a forma de sua mão. Naturalmente ela recebeu resposta afirmativa. Mergulhou a mão na parafina (posso dizê-lo, porque ouvimos o ruído que produziu o deslocamento da água) e, um minuto depois, ma estendeu entre as cortinas, convidando-me a retirar a luva de parafina que a envolvia. Inclinei-me em sua direção, por cima da mesa; no mesmo instante sua mão desapareceu, deixando entre as minhas o molde pronto.
A autenticidade desse fenômeno está fora de dúvida, porque o médium foi examinado antes de entrar para o gabinete, e porque a mesa, próximo à qual estávamos sentados em semicírculo, tinha sido colocada justamente de encontro à cortina; por conseguinte, era impossível penetrar ali e de lá sair alguém sem ser visto, por estar a sala suficientemente iluminada para que se pudesse ver tudo quanto se passava ali.
No caso citado, a mão que serviu de modelo ao molde não era evidentemente nem a do médium nem a de qualquer dos assistentes. Então, desde que toda intervenção por parte de um ser humano ficava completamente excluída, é o caso de perguntar: Que mão serviu de modelo ao molde?
Sabemos que a figura que apareceu é de semelhança perfeita com uma mulher viva; ela estendeu fora do gabinete a mão coberta pela luva de parafina, e essa luva ficou entre as minhas mãos depois que desapareceu a mão materializada.
Se, em geral, se pode ter confiança no testemunho dos homens (e estamos prontos, todos os sete, a confirmar a exatidão dessa narração), possuímos no presente caso uma prova irrefutável da intervenção de uma força estranha, não emanando do médium, nem das pessoas presentes; assim, acha-se estabelecida, de maneira indiscutível, a existência de seres que vivem fora da esfera terrestre.”
Até onde posso julgar nesse caso, a curvatura dos dedos, nessa moldagem, seria um obstáculo insuperável à saída franca da mão moldada; por conseguinte, esse gesso, que não apresenta vestígio algum de fratura, nem fenda, nem soldagem, deve por isso mesmo ser considerado como a prova material de sua origem supranatural.
A prova em gesso do pé de Bertie, que recebi do Sr. Oxley, apresenta também particularidades notavelmente convincentes: as concavidades formadas pelos artelhos, no nível de sua reunião com a planta dos pés, necessariamente tiveram que ficar cheias de parafina e deveriam ter formado saliências verticais que teriam sido infalivelmente fraturadas se o pé se tivesse retirado de maneira ordinária; ora, a forma dos artelhos ficou intacta. Outra circunstância significativa: não são somente as cavidades e depressões que são reproduzidas com perfeição, pois as linhas sinuosas que sulcam a pele são não menos claramente acentuadas na planta do pé – em número de cerca de cinqüenta por polegada, como o verificou o Sr. Oxley.
Outra particularidade: o segundo artelho é mais levantado do que os outros e só tem 14 milímetros de largura na base, ao passo que mede 19 milímetros na região da unha, como verifiquei com minhas próprias medidas; e, entretanto, a forma do artelho e as menores saliências da pele acentuam-se com perfeita nitidez, principalmente no nível da base. Se o artelho tivesse sido retirado da forma à maneira ordinária, todas essas minudências teriam desaparecido, e o próprio artelho teria adquirido uma espessura uniforme em toda a sua extensão.
A fim de dar idéia tão completa quanto possível da personalidade que aparecia com o nome de Bertie, ponho à disposição do leitor uma fototipia do modelo em gesso de seu pé; o Sr. Oxley publicou uma descrição circunstanciada a seu respeito, acompanhada de desenhos e de um esquema, no The Spiritualist de 26 de julho de 1878, e também na obra da Sra. Hardinge Britten: Nineteenth Century Miracles (Manchester, 1884, pág. 204).
Por minha vez, posso acrescentar a particularidade seguinte: no decurso de minha correspondência com os Srs. Oxley e Reimers, na própria época em que se faziam essas experiências, o Sr. Oxley teve a bondade de enviar-me o contorno do primeiro modelo, vazado em gesso, do pé de Bertie, bem como o contorno do pé da médium, sendo ambos feitos pelo próprio Sr. Oxley. Colocando o gesso original do pé de Bertie sobre o primeiro desses desenhos, verifiquei que havia semelhança completa, sendo o comprimento do pé de 19,8 centímetros, em todo o caso não mais de 20 centímetros, enquanto que o pé da médium era 3 centímetros mais comprido.
Desejando possuir ainda alguns pormenores complementares sobre aquela notável sessão, escrevi ainda muitas cartas ao Sr. Oxley, apresentando-lhe diversos quesitos. Forneço, em seguida, as suas respostas, que contêm documentos mui interessantes:
“Bury New Road nº 65, Higher Broughton, Manchester, 24 de março de 1884.
Senhor,
Incluso lhe envio a planta da sala; ela só tem uma porta, cuja chave se retirava de cada vez no começo da sessão e ficava, quer em minha mão, quer nas do Sr. Reimers. É verdade que a sala ficava ao rés do chão e que a janela tinha sacada para o lado da rua, mas eu fazia todos os preparativos necessários para transformar o vão daquela janela em gabinete apropriado para as experiências; desciam-se as gelosias e fechavam-se as portas de dentro; mas, como a luz da rua penetrava sempre, pendurávamos defronte da janela um pano preto, que eu mesmo fixava por meio de pregos, subindo em uma escada.
Como pode compreender, a médium ficava na impossibilidade absoluta de transpor esses obstáculos, admitindo-se que o tivesse desejado, pois que qualquer tentativa nesse sentido teria produzido um ruído que seguramente chegaria aos nossos ouvidos, visto que estávamos sentados muito perto da cortina, como o indica o desenho.
Além disso, ainda mesmo que a médium tivesse subido a uma cadeira, não teria podido alcançar a parte superior da janela para pregar de novo o pano. Tenho, pois, razão de presumir que nenhuma negligência fora cometida em nossas medidas de precauções.
Demais, ouvimos sempre o ruído que produzia o objeto mergulhado na água. Para confronto, pesamos por muitas vezes a parafina antes de fazê-la fundir, e quando os moldes estavam prontos, nós os pesávamos de novo com o resto da parafina; os dois pesos eram exatamente iguais, o que prova que os moldes foram feitos atrás da cortina.
Aliás, a prova em gesso traz em si a indicação de sua origem, e os que pretendem que ela pôde ser obtida por um processo de moldagem, sem uma única soldadura, não têm mais do que experimentar.
Em relação ao artelho saliente sobre o qual me questiona, posso dizer-lhe somente que o agente oculto deveria tê-lo conformado assim. O pé da médium não tinha aquela particularidade; os artelhos da Sra. Firman são mais compridos e não têm semelhança alguma com aqueles. Convém também que o senhor se recorde de que o pé materializado saiu de trás da cortina, envolto pelo molde, e retirou-se imediatamente, deixando-o em minhas mãos.
Esses dados terão como resultado responder a todas as objeções. Espero que a minha missiva lhe chegue em breve e em bom estado.
Seu afeiçoado
Wm. Oxley.”
“Bury New Road nº 65, Higher Broughton, Manchester, 17 de maio de 1886.
Senhor,
Acabo de chegar em casa depois de uma ausência de cinco semanas, o que lhe explicará por que não respondi mais cedo à sua prezada carta.
Em resposta a seus quesitos, responder-lhe-ei que os moldes em parafina achavam-se nas mãos e pés materializados que saíam de trás da cortina. Vi distintamente uma parte descoberta da mão ou do pé acima do molde, e posso dar testemunho disso. Os fantasmas me diziam: “Tome”, e, logo que eu tocava na parafina, os órgãos materializados desapareciam, deixando as formas em minhas mãos. A mão dirigia-se para mim até uma distância que me permitisse alcançá-la, inclinando-me por cima da mesa.
O que é mais curioso é o próprio tamanho da mão. A aparição que reconheci ser a mesma invariavelmente “Lili”, variava de tamanho: umas vezes a sua estatura não excedia a de uma menina bem desenvolvida; outras vezes apresentava as dimensões de uma senhora; até acredito que ela não apareceu duas vezes de maneira absolutamente idêntica, mas eu a reconhecia sempre e não a confundia nunca com as outras aparições. Eu sabia, por experiência, que a estatura e a aparência exterior das figuras materializadas são submetidas a condições dependentes das pessoas que fazem parte das sessões. Por exemplo, se uma pessoa estranha estava presente, eu notava certa diferença nas manifestações. Algumas vezes as figuras não se formavam completamente: não se distinguia mais do que a cabeça e o busto; outras vezes se mostravam de pé, segundo as condições. Quanto à mão de Lili, apresenta uma mescla bizarra de juventude e de velhice, o que prova, a meu ver, que as figuras materializadas se utilizam, até certo ponto, dos traços característicos do médium.
Mas a própria mão da médium não tem a mínima semelhança com a que lhe envio, e a diferença entre elas é tão grande quanto possível. Sucedeu-me freqüentemente ver o Espírito que eu conhecia com o nome de Lili em outras casas e entre amigos, mas somente com os mesmos médiuns: a Sra. Firman ou o Sr. Monck. Na casa de meu amigo o Sr. Gaskell, sucedeu-me uma vez ver aquela figura materializar-se e se desmaterializar perante nossos olhos, com uma claridade muito intensa; ela se mantinha durante todo o tempo suspensa no espaço, sem tocar no soalho uma só vez. Toquei com a mão em seu corpo e em suas vestes. O médium era o Sr. Monck. Daquela vez, a sua estatura não excedia a três pés, mais ou menos. Mas essas particularidades em nada impugnam a autenticidade do fenômeno, que está provado para nós de maneira positiva.
Seu afeiçoado
Wm. Oxley.”
Antes de dar por terminadas as experiências do Sr. Reimers, citarei ainda o processo verbal de uma sessão rigorosamente fiscalizada, que foi organizada em Manchester, a 18 de abril de 1876. O relatório competente foi publicado no The Spiritualist de 12 de maio do mesmo ano, e em seguida no Psychische Studien (1877, págs. 550-553). Dentre as cinco testemunhas daquela experiência conheço três pessoalmente; são: os Srs. Tiedeman-Marthèze, Oxley e Reimers.
Eis esse processo verbal:
“Nós, abaixo assinados, certificamos pela presente que fomos testemunhas dos fatos seguintes, que se passaram, a 17 de abril de 1876, no aposento do Sr. Reimers.
Depois de ter tomado uma quantidade de parafina com o peso exato de três quartos de libra, pusemo-la em um balde; em seguida deitamos por cima água fervente, que fundiu a parafina.
Se se mergulha a mão nesse líquido, repetidas vezes, ela se cobre de uma camada de parafina; retirando-se cuidadosamente a mão, obtém-se assim um molde que pode servir de forma para fazer modelos em gesso.
Depois de ter enchido um segundo balde com água fria (para apressar o resfriamento das formas), colocamos os dois baldes em um gabinete quadrangular, formado em um ângulo do aposento por meio de dois pedaços de um tecido de algodão, medindo 6 x 4 pés e ligados a hastes metálicas. A parede exterior do aposento não fazia corpo com a casa vizinha, e todo o espaço compreendido no ângulo em questão estava ocupado por diversos móveis; a existência de uma porta dissimulada era inadmissível.
Quando os baldes foram conduzidos para o gabinete, cobriu-se a médium com um saco de filó que lhe envolvia a cabeça, as mãos e todo o busto até à cintura; a corrediça foi apertada fortemente e o cordão atado atrás das costas, por muitos nós, nos quais se tinha passado um pedaço de papel, que devia escapar-se ao menor esforço que se fizesse para desatar os nós; as pontas do cordão foram presas no saco por meio de alfinetes, nas costas, entre o pescoço e a cintura. Todas as testemunhas foram unânimes em reconhecer que era absolutamente impossível a médium soltar-se sozinha sem se trair. Assim presa, a médium foi ocupar o lugar que lhe tinha sido marcado no gabinete, o qual só continha móveis e os baldes, e nada mais, como nos asseguramos à viva luz do gás. Quando todas as testemunhas se reuniram, isto é, logo no começo desses preparativos, a porta foi fechada à chave. Então diminuímos a luz, que ficou, entretanto, bastante intensa para permitir distinguirem-se todos os objetos que se achavam no quarto; ocupamos nossos lugares, que estavam a uma distância de 4 a 6 pés do gabinete.
Enquanto estávamos à espera, entoamos alguns cânticos; em pouco tempo divisamos, na abertura em forma de janela deixada na parte superior da cortina, uma figura que se mostrou a princípio na face anterior, depois ficou de lado. Todos os assistentes viram com igual clareza uma grinalda luminosa com um enfeite branco, na cabeça da figura, e uma cruz de ouro pendente de seu pescoço por uma fita preta. Uma segunda figura de mulher apareceu depois, trazendo do mesmo modo uma grinalda na cabeça, e ambas se elevaram acima da cortina, dirigindo-nos amáveis saudações com a cabeça. Uma voz de homem, partindo do gabinete, deu-nos o bom dia e nos informou que ensaiava fazer modelagens. Em seguida, a primeira dessas figuras apareceu de novo na abertura da cortina e convidou o Sr. Marthèze a aproximar-se dela e lhe apertar a mão. Então o Sr. Marthèze pôde ver, ao mesmo tempo, o fantasma e a médium coberta com o saco e sentada na extremidade oposta. O fantasma desapareceu imediatamente, dirigindo-se para o lado da médium. Quando o Sr. Marthèze voltou para o seu lugar, a mesma voz nos perguntou, por trás da cortina, qual a mão que desejávamos obter. Depois de algum tempo, o Sr. Marthèze teve que se levantar de novo para receber um molde de mão esquerda. Em seguida foi a vez de o Sr. Reimers aproximar-se para retirar o molde da mão direita, a que ele devia mandar aos amigos de Lípsia (como tinha sido prometido).
Nesse momento, a médium começou a tossir. No começo da sessão, os acessos eram tão violentos que tivemos apreensões pelo bom êxito da experiência; entretanto, eles se acalmaram no decurso da sessão, que se prolongou por mais de uma hora. Logo que a médium deixou o gabinete, examinamos os nós e o mais, e verificamos que tudo se achava em seu lugar, mesmo o alfinete, que estava muito pouco introduzido no tecido e teria facilmente podido soltar-se se a médium tivesse feito um movimento brusco.
Retirada a parafina que havia ficado no balde, pesamo-la juntamente com as duas formas obtidas: o peso era um pouco mais do que três quartos de libra; mas esse excesso se explica naturalmente pela água que teve de ser absorvida pela parafina, em uma certa quantidade, como podemos verificá-lo, comprimindo o resíduo.
Feito isso, estava terminada a nossa sessão. As provas em gesso, feitas nos moldes assim obtidos, distinguem-se completamente das mãos da médium, sob muitos pontos de vista; elas trazem o cunho de mão perfeitamente viva, e outras particularidades indicam que elas provêm do mesmo indivíduo, o mesmo que por diversas vezes já tinha produzido moldes semelhantes em parafina, nas mesmas condições de rigorosa fiscalização.
Manchester, 29 de abril de 1877.
J. N. Fiedeman-Marthèze – 20, Palmeira Square, Brighton.
Christian Reimers – 2, Ducie Avenue, Oxford Road,
Manchester. Thomaz Gashell – 69, Oldham Street,
Manchester. William Oxley – 63, Bury Newroad,
Manchester. Henry Marsh – Birch Cottage,
Fairy Lane, Bury Newroad, Manchester.”
Eis uma recapitulação sucinta dos fatos estabelecidos pelas experiências do Sr. Reimers:
1º – A médium estava isolada em condições que ofereciam todas as garantias desejáveis; as outras medidas de fiscalização estavam igualmente combinadas de maneira a não deixar subsistir nenhuma suspeita de fraude. Quanto à opinião do Sr. Hartmann relativamente à nulidade absoluta das medidas de isolamento e de atadura, como provas da não identidade da médium com o fantasma, voltarei a esse ponto no capítulo seguinte, que trata da fotografia das figuras materializadas.
2º – Além disso, nos casos examinados, as provas da realidade do fenômeno não se fundam apenas no insulamento da médium, mas ainda na diferença anatômica entre os órgãos materializados e os membros correspondentes da médium, diferença verificada não só pelas testemunhas como ainda pela evidência das moldagens.
3º – O mesmo tipo de órgão materializado reproduziu-se em todas as sessões, que foram numerosas e às vezes feitas em lugares diversos, o que prova a presença de um mesmo agente. O número das formas obtidas atinge a cifra de 15.
4º – As provas em gesso correspondiam exatamente às mãos e aos pés materializados, que as testemunhas tinham visto e tocado por numerosas vezes antes, durante e depois da moldagem.
5º – A posição dos dedos é diferente em cada modelo.
6º – Por muitas vezes os moldes foram apresentados aos assistentes, enquanto revestiam os órgãos em torno dos quais se tinham formado.
7º – O mesmo tipo anatômico de membro materializado reproduziu-se, apesar da substituição do médium feminino por um médium masculino.
8º – Finalmente, algumas dessas provas em gesso testemunham claramente sua origem supranatural, pois não puderam ser obtidas por qualquer dos processos de moldagem.
O conjunto dessas particularidades dá uma importância excepcional às experiências do Sr. Reimers.
2) O médium está diante dos assistentes;
o agente oculto conserva-se invisível.
A primeira experiência desse gênero foi feita pelo Sr. Ashton com a médium Annie Fairlamb. Ela é descrita no The Spiritualist de 6 de março de 1877, página 126, nesses termos:
“Senhor,
Muito me obsequiará publicando em sua conceituada revista este relatório de uma sessão a que assisti e que apresenta garantias excepcionais da autenticidade dos fenômenos. Aceitei como verdadeiro favor o convite de dirigir-me, com muitos amigos, a 2 de março, sexta-feira, a uma das sessões hebdomadárias organizadas especialmente para o estudo dos fenômenos espíritas na sede da Society of Spiritualists, em Newcastle, com a médium Srta. Annie Fairlamb.
Penetrando no primeiro aposento, divisamos o Sr. Armstrong, presidente da Sociedade, ocupado em fazer fundir parafina em um balde onde havia água fervente até às três quartas partes. Em uma sessão anterior, no decurso da qual fazíamos tentativas para obter formas em parafina, tinha-nos sido prometido algum dia que “Minnie” (um dos guias invisíveis da Srta. Fairlamb) tentaria fazer para nós muitos moldes de suas mãos. Quando a parafina ficou em fusão, levaram o balde para o aposento designado para a sessão e o colocaram no ângulo mais afastado do gabinete escuro. Puseram ao lado um outro balde com água fria.
O gabinete tinha sido preparado com o auxílio de dois pedaços de tecido de lã verde, reunidos e fixados na parede em um gancho, donde o tecido caía por cima de uma haste de ferro em semicírculo, cujas pontas estavam profundamente introduzidas na parede, e formavam uma espécie de tenda. Antes de baixar o pano, o Sr. Armstrong nos perguntou a que condições desejávamos submeter a médium. Propus que a médium entrasse para o gabinete, externando completamente a minha resolução; mas a Srta. Fairlamb objetou que nesse caso não teríamos uma prova suficiente da autenticidade do fenômeno que se produzisse. Então o Sr. Armstrong propôs que se cobrisse a cabeça e as espáduas da médium com um pedaço de tecido de lã, a fim de abrigá-la da luz, o que foi feito.
Aquela coberta só envolvia a cabeça e as espáduas da médium, sem ocultá-la às vistas dos experimentadores, quatro dos quais estavam colocados de maneira que podiam observar o espaço que separava a médium do gabinete. A médium caiu em transe e começou a falar sob a inspiração de um de seus guias invisíveis, que exigiu desde logo que eu aproximasse a cadeira da poltrona ocupada pela médium, a 2 pés da cortina. Em seguida fui convidado a manter as duas mãos da médium, devendo o meu vizinho aproximar a sua cadeira da minha e colocar as mãos sobre as minhas espáduas. Ficamos nessa atitude durante toda a sessão, feita à luz bastante clara.
Tomadas essas disposições, propuseram-nos que entoássemos cânticos. Apenas tínhamos começado, ouvimos a agitação da água no gabinete. Abrimos a cortina e vimos dois moldes perfeitamente executados, representando as mãos de Minnie (guia principal da Srta. Fairlamb) no soalho, ao lado do balde que continha a parafina e que estava no centro do gabinete e não no extremo oposto onde o tínhamos colocado.
Certifico que não somente a Srta. Fairlamb não entrou no gabinete, mas ainda que nem antes, nem durante a sessão ela transpôs a distância supra indicada que a separava dele. Desde o momento preciso em que ela entrou no aposento, foi rigorosamente vigiada.
Antes da sessão eu tinha passado cerca de três horas em companhia da Srta. Fairlamb e a tinha acompanhado durante todo o trajeto até à cidade, cerca de três milhas inglesas; chegamos exatamente à hora fixada para a sessão. Estou com curiosidade de saber qual será a teoria que o Dr. Carpenter, sábio tão competente, imaginará para explicar os fenômenos espiríticos precitados.
Rutherford-terrace nº 8, Biker, Newcastle-on-Tyne, 6 de maio de 1877.
Thomas Ashton.”
Outra experiência, nas mesmas condições, foi organizada pelo Dr. Nichols com o médium Eglinton.
Essa sessão é tanto mais importante por isso que não só as pessoas presentes podiam vigiar os pés e as mãos do médium, mas ainda porque os moldes em gesso representavam mãos que foram reconhecidas.
Eis o artigo do Sr. Nichols, publicado no Spiritual Record de dezembro de 1883:
“Quando o Sr. Eglinton era meu hóspede em South-Kensington, tentamos obter moldes de mãos materializadas. Minha filha Willie, cujos escritos e desenhos vos são conhecidos pelos espécimes que vos comuniquei, nos prometeu tentar produzir o molde de sua mão. Por conseguinte, fizemos os preparativos necessários; adquiri duas libras de parafina, da que se emprega para o fabrico das velas, e que é uma substância branca, semelhante à cera, porém mais friável. Fundi-a na minha estufa e deitei-a em um balde de zinco, cheio de água quente até à metade, para conservá-la em fusão. Em seguida enchi um segundo balde com água fria.
Tínhamos convidado uma roda escolhida, composta de doze pessoas, dentre as quais só havia um estranho, um doutor alemão, o Sr. Friese, que se interessava muito pelo Espiritualismo. O Sr. Eglinton tomou lugar por trás de uma cortina que isolava uma parte do aposento, em um dos extremos. Ele estava sentado no centro, no lugar em que as duas metades da cortina se reuniam e, defronte dele, aquém da cortina, assentou-se o doutor alemão que lhe segurava as mãos. O gás iluminava bastante, de maneira que podíamos perfeitamente ver-nos uns aos outros. Quando tudo ficou pronto, levei os dois baldes que estavam no meu aposento, um com água fria e o outro com água quente e a parafina em fusão; coloquei-os em um ângulo do aposento, por trás da cortina, a uma distância de cerca de 6 pés do Sr. Eglinton, cujas mãos eram detidas, como já disse, pelas do Dr. Friese.
Os convidados sentaram-se em semicírculo, o mais distante possível da cortina. Cada um de nós era distintamente visível; ninguém estava perto dos baldes; do mesmo modo, ninguém teria podido aproximar-se deles.
No fim de alguns instantes, ouvimos vozes que saíam do lugar em que se achavam os baldes, bem como o revolver da água, e imediatamente depois as pancadas de advertência. Então, aproximei-me e retirei os baldes de trás da cortina.
Sobre a água fria, havia duas peças de parafina solidificada, uma das quais tinha a forma de uma luva branca espessa de alabastro, e a outra representava alguma coisa de análogo, porém muito menor. Retirei o mais volumoso desses objetos e percebi que ele era oco e que tinha a forma da mão humana. O outro objeto era o molde da mão de um menino, Uma senhora que fazia parte da sociedade notou naquela mão um sinal particular, ligeira deformidade característica que lhe fazia reconhecer a mão de sua filha, que tinha morrido afogada no sul da África na idade de cinco anos. Conduzi os dois baldes para o meu gabinete de estudos, deixando os moldes flutuarem na superfície da água. Fechei a porta e retirei a chave.
No dia seguinte fizemos aquisição de gesso muito fino e o introduzimos na forma grande. Para retirar dela o modelo foi preciso sacrificar o molde. Esse modelo da mão da minha filha Willie, com seus dedos longos e afilados e aquele movimento gracioso que ela tinha adquirido mergulhando na parafina em fusão, quase na temperatura da água fervente, até hoje eu o conservo em cima do pano de meu fogão, dentro de uma redoma. Todos ficam surpresos com a semelhança desse modelo com a minha própria mão, quando a coloco na mesma posição, à exceção da enorme diferença de tamanho.
Aquela mão nada tem da forma convencional que os estatuários criam: é a mão puramente natural, anatomicamente correta, mostrando cada osso e cada veia e as menores sinuosidades da pele. É sem dúvida alguma a mão que eu conhecia tão bem em sua existência mortal, que depois eu apalpei tão freqüentemente quando se apresentava materializada.
O molde menor foi entregue à mãe do menino. Ela conservou o seu gesso, não tendo a mínima dúvida a respeito da identidade daquela mão com a de sua filha.
Posso afirmar, da maneira mais formal, que a prova em gesso que está guardada em cima do meu fogão foi vazada no molde da mão materializada de minha filha. De princípio a fim, a experiência foi dirigida por mim e submetida às mais rigorosas condições.
Se o molde tivesse sido tirado em mão viva, não teria podido ser retirado dela. A circunferência do punho é menor uma polegada e meia do que a da palma na região do polegar. Mão semelhante não poderia retirar-se do molde sem quebrá-lo em muitos fragmentos. A única explicação possível desse fenômeno seria supor que, para deixar o molde, a mão se desfez ou se desmaterializou.”
Pedi ao Dr. Robert Friese – que os leitores do Psychische Studien conhecem e de quem o Sr. Hartmann faz menção em seu livro – que me enviasse a descrição daquela sessão, na qual ele tinha tomado parte tão ativa, tendo sido até o encarregado de manter as mãos do Sr. Eglinton.
Eis um resumo da carta que ele me escreveu a esse respeito, e que é datada de Elbing, em 20 de março de 1886:
“Senhor,
Satisfazendo o seu desejo, venho apresentar-lhe o relatório da sessão de 9 de dezembro de 1878, organizada em Londres, em casa do Dr. Nichols, com o médium Eglinton.
Éramos doze pessoas; tomamos lugar ao longo de três das paredes do aposento, que tinha quatro metros de largura e cerca de cinco de comprimento. Uma cortina em tecido de algodão, dividindo o aposento de uma a outra parede, a reduzia de um metro, de maneira que o espaço que ocupávamos formava um quadrilátero de quatro metros de face.
No centro havia uma pesada mesa de acaju, que não tinha menos de um metro e meio de diâmetro; ao alto, um bico de gás ardia a toda força...”
Segue-se a descrição de diversos fenômenos que se deram no começo da sessão. Citarei aqui a passagem que se refere especialmente à produção dos moldes em parafina:
“A cortina, composta de duas partes que se reuniam no centro, tinha dois metros de altura. Tendo Eglinton tomado lugar por trás dela, defronte da abertura, propuseram-me que me sentasse defronte dele, aquém da cortina, e lhe segurasse as mãos com força. O gás estava completamente aberto. Colocaram dois baldes atrás da cortina, um com água fria, outro com água quente e parafina em fusão. Desde que tomei as mãos de Eglinton, ouvimos atrás da cortina a voz forte de Joey (um dos Espíritos-guias de Eglinton) dar ordens:
– Mergulha a mão. Assim mesmo. Outra vez. Pronto. Agora depressa, na água!
A mesma voz deu ordem de repetir a operação:
– Mais profundamente! Então, está muito quente? Que tolice! Vamos! Mergulha mais, assim; agora, de novo na água fria e depois ainda uma vez na parafina.
Em seguida ouvi o choque que produz o molde tocando no fundo do balde.
Depois daquela primeira forma, obteve-se ainda uma segunda, nas mesmas condições. Quando se abriu a cortina, no fim da sessão, todas as pessoas presentes puderam verificar que eu mantinha sempre as mãos de Eglinton e que além dele nenhuma outra pessoa estava atrás da cortina.
Retiramos os moldes que repousavam no fundo do balde de água fria e os examinamos cuidadosamente: eles eram mui delicados e friáveis, posto que de uma consistência suficiente para podermos apalpá-los, tomando algumas precauções.
O que nos surpreendeu, antes de tudo, foi notar que as duas formas apresentavam os moldes dos braços muito acima do punho. Para obter prova deles, basta enchê-los com uma solução de gesso.”
Depois da recepção dessa carta, dirigi ainda alguns quesitos ao Dr. Friese, aos quais ele me respondeu em data de 5 de março:
“Senhor,
Em resposta aos quesitos que me apresenta, tenho a honra de lhe comunicar o que segue:
1º – Na parte do aposento isolada pela cortina não havia janelas nem portas, o que, aliás, podia verificar-se à primeira vista, pois que ela estava suficientemente iluminada pelo gás que ardia no aposento e nenhum outro móvel continha além de uma espreguiçadeira pequena.
2º – Durante a sessão, eu via do Sr. Eglinton apenas as mãos, colocadas fora da cortina, porém ele mas tinha apresentado antes que a cortina estivesse fixada por meio de cinco alfinetes; até aquela ocasião eu podia vê-lo inteiramente. Tendo tomado suas mãos, não as deixei até o momento em que a cortina foi aberta, e então todas as pessoas puderam certificar-se de que eram realmente as mãos do Sr. Eglinton que eu segurava, e não outra coisa qualquer.
Eu estava sentado defronte do médium, mantendo suas pernas entre as minhas, e podia ver as extremidades de seus pés durante todo o tempo.
3º – Ele se conservava calmo, mas nada indicava que estivesse em transe; o estado de transe se teria tornado patente infalivelmente, não só na atitude do médium, como ainda na tensão de seus braços; finalmente, ele estava sentado numa cadeira simples e não numa poltrona, cujos braços tivessem podido sustentá-lo em caso de abatimento.
4º – No momento em que me entregou as mãos não se apoiava sequer no encosto da cadeira; se o tivesse feito depois, eu não teria deixado de perceber.
5º – Os dois moldes em parafina ficaram prontos no prazo de cerca de dez minutos.
6º – A altura do aposento era de mais de quatro metros; a cortina chegava a cerca de dois metros de altura. O gás ardia a toda força, iluminando um e outro compartimento.”
O Dr. Nichols teve a fineza de enviar-me também a fotografia do molde em gesso da mão de sua filha, da qual se tratou na experiência em questão. A senhora que obteve naquela mesma sessão a forma da mão de seu filho me enviou igualmente, por intermédio do Sr. Eglinton, uma fotografia da prova, na qual dois dedos são assinalados pela deformidade que serviu para estabelecer a identidade.
Uma terceira experiência, feita em análogas circunstâncias, realizou-se perante uma comissão reunida ad hoc. Desta vez, só o pé direito do médium (sempre o Sr. Eglinton) ficou visível aos assistentes durante todo o tempo da sessão; quanto às suas mãos, não estavam visíveis, mas tinham sido fortemente ligadas, assim como os pés.
Sendo a forma em parafina que se obteve nessa sessão precisamente a do pé direito, importa em ter sido o médium inteiramente visível, em razão do argumento: pars pro toto.
Eis um artigo sobre essa sessão, publicado no The Spiritualist de 5 de maio de 1876 (pág. 202):
“A 28 de abril, sexta-feira, 1876, era dia de sessão em casa do Sr. Blackburn, que tinha organizado uma série delas em Londres, 38, Great Russel Street. O médium era o Sr. Eglinton; os assistentes eram as pessoas seguintes: o Capitão James, o Dr. Carte Blake, o Sr. Algernon Joy, Mrs. Fritz-Gerald, Mrs. Desmond Fritz Gerald, M. A. Vacher, F. C. S., Mrs. C., Srta. Kislingbury St. George Stock, M. A. e eu, signatário do presente relatório, funcionando na qualidade de delegado da comissão de organização das sessões.
O Espírito-guia do médium, Jói, anunciou que ia fazer a experiência para obter moldes em parafina por meio de imersões repetidas do membro materializado no líquido preparado. Mandaram-se buscar duas libras de parafina, que foi fundida e derramada na superfície da água quente contida em um balde. Essa operação fora executada segundo as indicações do Sr. Vacher. Sendo o peso específico da parafina 87 e sua temperatura de fusão 110º F., a camada assim preparada devia ficar por bastante tempo no estado de liquefação. O balde com a parafina foi colocado de um lado do gabinete, perto de uma bacia cheia de água fria, destinada ao resfriamento das camadas sucessivas de parafina que compõem o molde. O médium foi instalado em uma poltrona de junco e amarrado solidamente pelo Sr. Algernon e pelo Dr. Blake, que solicitamente lhe ataram as mãos uma na outra, os pés, e em seguida os prenderam, bem como o pescoço, à poltrona.
Farei observar que desde que o médium foi ligado, puxaram por seu pé direito tanto quanto o permitiam os obstáculos, e que, tendo-se afastado a cortina, conseguiu-se ter à vista, até o fim da sessão, esse pé, ou antes, para explicar-me com rigorosa exatidão, a botina com que ele estava indubitavelmente calçado no começo da experiência. Muitas pessoas – e eu faço parte desse número – se contentaram em observá-lo de tempos em tempos, não julgando que aquela exposição tivesse um caráter intencional, mas, depois da sessão, quatro dentre os assistentes me declararam que não tinham deixado de vista o pé exposto. Farei ainda salientar essa circunstância: o médium calçava meias de lã e botinas de elástico e que, em tais condições, não lhe teria sido possível descalçá-las dos pés sem que percebêssemos. Além disso, em dado momento, notou-se ligeira trepidação no pé, como se o médium tivesse convulsões.
Apenas tinha começado a sessão, Jói nos pediu que abríssemos as duas janelas existentes no gabinete, provavelmente por causa da elevada temperatura que havia naquele espaço fechado. Depois de cerca de quarenta minutos, ouvimos por muitas vezes o choque da água, como se um objeto qualquer tivesse sido mergulhado nos baldes e, decorrida uma hora, Jói nos disse: “Agora podem entrar; acabamos de lhes dar uma prova de natureza particular: fizemos o melhor que pudemos. Vejamos se conseguimos satisfazer-lhes!
Ao entrar no gabinete, verifiquei que o médium estava amarrado, como no começo da sessão, e divisei duas formas flutuando no balde que continha a água fria; elas estavam um pouco machucadas. Evidentemente, esses moldes tinham sido feitos sobre o pé direito. O Sr. Vacher, auxiliado pelo Dr. Blake, encheu-as de gesso e obteve modelos que indicavam claramente que as duas formas tinham sido moldadas sobre um mesmo pé. Deve-se notar que as particularidades da superfície cutânea estão distintamente gravadas na face inferior dos moldes. O Dr. Blake tem a intenção de comparar esses modelos com os pés do médium, com os quais poderiam apresentar certa semelhança, segundo as hipóteses adotadas.
Para libertar o médium, tive necessidade de cortar os laços, não conseguindo desfazer os nós. Posso afirmar, sob palavra, que a posição do médium e o estado dos laços que o retinham eram exatamente os mesmos no fim da sessão, como no começo.
Desmond, G. Fritz Gerald, M. S. Tel. E.
Membro da Sociedade de Engenheiros Telegrafistas).
Em nome da comissão das sessões.”
Algum tempo depois, a notícia seguinte apareceu no The Spiritualist, na página 300:
“Desdobramento do corpo humano – O molde em parafina de um pé direito materializado, obtido em uma sessão, Great, Russel Street, 38, com o médium Sr. Eglinton, cujo pé direito se conservou visível durante todo o tempo da experiência pelos observadores sentados fora do gabinete, verificou-se que era a reprodução exata do pé do Sr. Eglinton, como resulta do exame minucioso do Dr. Carter Blake.”
É um caso surpreendente de desdobramento do corpo do médium, verificado não só pelos olhos, mas estabelecido de maneira absoluta pela reprodução plástica do membro desdobrado. O exemplo não é único, mas se torna particularmente notável por causa das condições nas quais se produziu, principalmente porque a comissão de organização das sessões, que era constituída por pessoas de elevada instrução, já se tinha dedicado a uma série de experiências feitas com todo o cuidado, e sempre com a condição determinada de poder observar se não o médium todo, pelo menos uma parte do corpo, e que essa comissão está plenamente convicta não só da boa fé do médium Eglinton, que funcionou em todas essas sessões, como também do caráter de autenticidade dos fenômenos. Uma vez conseguida uma prova tão palpável do desdobramento, temos o direito de afirmar que, se sucede a figura materializada apresentar semelhança pronunciada com o médium – como no caso de Katie King –, não se segue daí necessariamente que essa figura seja sempre o médium in propria persona, em disfarce; podemos, pois, dizer que o Sr. Hartmann labora em erro quando nos assegura categoricamente que “onde não está provado que é uma alucinação, deve-se sempre considerar o fenômeno como uma ilusão.” [15]
3) O agente oculto é visível;
o médium está isolado.
Nesta terceira categoria de experiências, citarei um exemplo que não deve ser desconhecido ao Sr. Hartmann, pois que é relatado no Psychische Studien. É provavelmente o fato que o Dr. H. visa falando das sessões no decurso das quais o médium tinha sido encerrado em uma gaiola.
Efetivamente, na experiência de que se vai tratar e que foi feita em Belper (Inglaterra), o Sr. W. P. Adshead empregou uma gaiola feita especialmente no intuito de encerrar nela o médium durante as sessões de materialização, com o fim de resolver definitivamente a questão seguinte: a aparição da figura materializada é ou não uma coisa distinta da pessoa do médium?
Essa questão foi resolvida em sentido afirmativo. Colocaram o médium, a Srta. Wood, em uma gaiola cuja portinhola foi fechada por meio de parafusos. As plantas do aposento e do gabinete, perto do qual a gaiola tinha sido colocada, são reproduzidas na página 296 do Psychische Studien, de 1878. Foi em tais circunstâncias que se viram aparecer dois fantasmas: o de uma mulher conhecida com o nome de Meggie e depois o de um homem chamado Benny. Um e outro se dirigiram para fora do gabinete (págs. 349, 354 e 451); essas figuras se materializaram em seguida e se desmaterializaram perante os assistentes; finalmente, entregaram-se, uma após outra, à moldagem de um de seus pés, na parafina. Segundo a opinião do Sr. Hartmann, esses resultados se explicam de maneira muito simples: no começo, é o médium em pessoa, trajando uma vestimenta, quer alucinatória, quer levada pela força nervosa, que passa e torna a passar através da gaiola, sem a mínima dificuldade; é, em suma, uma semi-alucinação. A segunda fase desse fenômeno não passa da alucinação completa da figura e das vestimentas. A terceira fase é de novo uma semi-alucinação, porque os moldes reais que se têm obtido importam na intervenção pessoal do médium (Spiritismus, pág. 89). Mas eis o ponto difícil que o Sr. Hartmann passou em silêncio: o fato é que um e outro fantasma deixaram o molde de seu pé esquerdo, de maneira que se obtiveram as formas de dois pés esquerdos, de dimensões e conformação diferentes; e é precisamente dessa particularidade que a experiência tira sua força demonstrativa.
Admitindo-se mesmo que não tivesse havido gaiola (durante a formação dos moldes deixaram-na entreaberta), a prova conservaria, ainda assim, todo o seu vigor, porque não é baseada na prisão do médium, mas na diferença dos moldes, circunstância que o Sr. Hartmann não podia ignorar, em razão da passagem seguinte, que cito textualmente:
“Foi Meggie quem tentou a operação em primeiro lugar. Andando fora do gabinete, aproximou-se do Sr. Smedley e colocou a mão no encosto da cadeira que ele ocupava. À pergunta do Sr. Smedley, se o Espírito tinha necessidade da cadeira, Meggie fez com a cabeça um sinal afirmativo. Ele se levantou e colocou a cadeira defronte dos baldes. Meggie sentou-se ali, conchegou seus longos vestidos e começou a mergulhar o pé esquerdo alternadamente na parafina e na água fria, continuando naquele mister até que a forma ficou pronta.
O fantasma estava tão bem oculto por suas vestimentas que não nos foi possível reconhecer o operador. Um dos assistentes, enganado pela vivacidade dos movimentos, exclamou: “É Benny.”
Então o fantasma colocou a mão sobre a do Sr. Smedley, como se quisesse dizer-lhe: “Toca para ficares sabendo quem sou.” – “É Meggie – disse o Sr. Smedley –, ela acaba de apresentar-me sua pequena mão.”
Quando a camada de parafina adquiriu a espessura conveniente, Meggie pousou o pé esquerdo em cima de seu joelho direito e conservou-se em tal posição cerca de dois minutos; depois retirou o molde, conservou-o em suspensão durante algum tempo e deu-lhe umas pancadas, de maneira que todas as pessoas presentes pudessem vê-lo e ouvir as pancadas; depois mo entregou, a meu pedido, e eu o guardei em lugar seguro. Meggie tentou em seguida a mesma experiência com o pé direito, mas depois de tê-lo mergulhado por duas ou três vezes, levantou-se, provavelmente em conseqüência do esgotamento de forças, dirigiu-se para o gabinete e não voltou mais.
A parafina que lhe tinha aderido ao pé direito foi encontrada no gabinete, em cima do soalho.
Chegou a vez de Benny. Ele fez um cumprimento geral e, segundo costumava, pousou sua grande mão na cabeça do Sr. Smedley. Recebeu a cadeira que lhe ofereciam e colocou-a defronte dos baldes; sentou-se e começou a mergulhar o pé esquerdo alternadamente nos dois baldes, como o fizera Meggie, porém muito mais aceleradamente. A rapidez de sus movimentos dava-lhe a aparência de uma pequena máquina de vapor, segundo a comparação de um dos assistentes.
A fim de dar aos leitores uma idéia exata das condições favoráveis nas quais se achavam os espectadores para acompanhar as operações, mencionarei que durante a moldagem do pé de Benny o Sr. Smedley estava sentado imediatamente à direita do fantasma, de maneira que esse lhe pôde colocar a mão em cima da cabeça e acariciar-lhe o rosto. Eu estava à esquerda de Benny e tão perto que pude receber o molde que ele me oferecia sem deixar o meu lugar; as pessoas que ocupavam a primeira fila de cadeiras estavam cerca de três pés distantes dos dois baldes.
“Todas as pessoas podiam ver perfeitamente a operação, desde a primeira imersão do pé até a terminação do molde; o fenômeno em si é para nós um fato tão inegável quanto a claridade do sol ou a queda da neve. Se um dentre nós tivesse suspeitado que a médium empregara um “artifício sutil” qualquer para nos oferecer o molde de seu próprio pé, pequeno, a suspeita teria desaparecido infalivelmente diante do aspecto do molde que Benny me entregou, depois de tê-lo retirado do pé esquerdo, à vista de toda a assistência. Não pude então reter a exclamação: “Que diferença!”
Quando Benny deu por terminada a moldagem, colocou de novo a cadeira em seu lugar e percorreu o círculo dos espectadores, apertando-lhes a mão e conversando com eles. De súbito, recordou-se de que, a pedido seu, a portinhola da gaiola tinha ficado entreaberta e, querendo provar-nos que a despeito dessa circunstância a médium não tinha intervindo de maneira alguma na experiência, impeliu a mesa de encontro à portinhola da gaiola, depois de tê-la fechado, segurou meu braço com ambas as mãos, comprimiu-o com força sobre a mesa, como se desejasse dizer-me que eu não devia deixá-la desviar-se uma polegada; depois ele se curvou para apanhar a caixa de música que encostou à gaiola em posição de declive, com uma aresta encostada na portinhola da gaiola e a outra no soalho, de maneira que, se a portinhola se abrisse, infalivelmente atiraria a caixa no chão. Em seguida Benny se despediu e desapareceu.
Falta-me declarar que a mesa não se moveu, que depois da sessão se encontrou a caixa de música encostada à gaiola, no mesmo lugar, e que a médium estava na gaiola, ligada à cadeira e em estado de transe. De tudo o que precede é preciso concluir que os moldes em parafina foram obtidos em circunstâncias tão concludentes quanto se a portinhola da gaiola tivesse sido fechada com parafuso. Admitindo mesmo que a experiência com a gaiola deixasse a desejar, os resultados obtidos não deixam de exigir uma explicação:
Em primeiro lugar, um indivíduo só tem um pé esquerdo, ao passo que os moldes obtidos por nós pertencem a dois pés esquerdos, dessemelhantes por suas dimensões e por sua conformação: tomando-se a medida, o pé de Benny tinha 9 polegadas de comprimento e 4 de largura, e o pé de Meggie, 8 de comprimento e 2 1/4 de largura. Além disso, o gabinete era tão rigorosamente vigiado que nenhum ser humano teria podido penetrar ali sem ser imediatamente descoberto.
Então, se as formas de que se trata não foram moldadas sobre os pés da médium – e isso me parece provado de maneira absoluta –, que pés serviram, pois, de modelo?” (Psychische Studien, dezembro de 1878, págs. 545-548; Médium, 1877, pág. 195).
E, entretanto, o Sr. Hartmann afirma resolutamente:
“Todos os relatórios dessa espécie, que deviam servir para provar a pretendida realidade objetiva dos fenômenos, têm o defeito de omitir a questão da identidade do médium e do fantasma, em virtude do isolamento ou do ligamento do médium.” (O Espiritismo, pág. 89).
Desejando fazer a maior luz possível sobre o modo de produção dos moldes de que se acaba de tratar e sobre o grau de dessemelhança entre eles, dirigi-me ao Sr. Adshead, pedindo-lhe que mandasse tirar fotografias para mim, no caso em que os moldes ainda estivessem em bom estado de conservação. O Sr. Adshead acedeu imediatamente a meu desejo e me enviou duas fotografias tiradas pelo Sr. Schmidt, em Belper, as quais deixam ver os moldes sob duas faces: vistos de cima e de lado. Basta um olhar sobre essas provas para descobrir nelas a considerável diferença.
Mas, com o fim de poder julgar com certeza ainda maior, pedi ao Sr. Adshead que sacrificasse os moldes para obter deles provas em gesso, e que me mandasse as fotografias desses últimos, assim como as medidas exatas. O Sr. Adshead teve ainda a extrema fineza de aceder a esse pedido.
Colocando essas fotografias uma sobre a outra, é fácil notar a diferença de forma e de dimensões dos dois pés. Eis as medidas que me comunicou o Sr. Adshead: pé de Meggie, periferia da planta, 19 1/8 polegadas; comprimento, 8 polegadas; pé de Benny, periferia da planta, 21 1/4 polegadas; comprimento, 9 polegadas; circunferência medida na base do pequeno artelho, 9 1/2 polegadas.
4) O fantasma e o médium são
simultaneamente visíveis aos espectadores.
Com referência à quarta série de experiências de moldagem, eis algumas passagens tiradas de uma conferência do Sr. Aston, feita em Newcastle, a 19 de setembro de 1877 e impressa no Medium and Daybreak (Londres) de 5 de outubro de 1877, pág. 626:
“Fui testemunha de fatos notáveis que se deram com a médium Srta. Fairlamb e venho comunicar-lhes o que ocorreu na sessão de domingo, 8 de abril passado, nos locais de nossa sociedade. Além da médium, a assistência constava de uma senhora e sete homens.
À chegada da Srta. Fairlamb, levaram à sala designada para a sessão dois baldes, um com parafina fundida e o outro com água fria, e colocaram-nos defronte do gabinete, à distância de 2 pés. O gabinete era formado por meio de uma cortina de tecido de lã verde, fixada na parede por uma de suas pontas, donde ela caía sobre uma barra de ferro curvada em semicírculo, formando uma espécie de tenda. Depois de ter feito uma investigação minuciosa do gabinete e dos baldes, instalou-se a médium no interior do gabinete. Tendo percebido na assistência uma pessoa que lhe era desconhecida, a Srta. Fairlamb pediu que se tomassem todas as precauções necessárias para desviar a menor dúvida sobre a autenticidade dos fenômenos que iam produzir-se. Entretanto, a maior parte das pessoas presentes estavam persuadidas da inutilidade dos meios habitualmente empregados para obter o isolamento da médium, a saber: as cordas ou fitas com as quais a ligavam, os sinetes apostos aos nós, a prisão em um saco ou em uma gaiola, etc., pois que as forças ocultas que se manifestavam nessas sessões parecia superarem todos os obstáculos materiais. Além disso, todas as pessoas depositavam completa confiança na Srta. Fairlamb e em seus guias invisíveis. Renunciamos, pois, às medidas de fiscalização e não tivemos motivos de queixa.
Após cantarmos duas ou três árias, notamos que a cortina se abria lentamente e uma cabeça saía do gabinete; a figura tinha tez morena, olhos negros, e era ornada de barba e bigodes castanhos (a médium é loura, de olhos azuis). Via-se aquela cabeça ora aproximar-se até mostrar as espáduas, ora retirar-se, como se o fantasma quisesse certificar-se de que poderia suportar a luz. Subitamente a cortina se abriu, e diante de nossos olhos se apresentou a forma materializada de um homem. Trajava uma camisa ordinária de flanela de riscado e uma calça de algodão branco; a cabeça estava envolta em uma espécie de lenço ou xale. Era todo o seu trajo. O colarinho e as mangas da camisa eram abotoados. O homem me parecia ter 5 ou 6 pés de estatura, era magro, mas vigorosamente constituído, e seu conjunto dava a impressão de um galhofeiro esbelto e ágil. Depois de ter descrito com os braços alguns movimentos circulares, como se os quisesse desentorpecer, entrou no gabinete para aumentar a chama do gás, que estava disposto de maneira a poder ser graduado quer no interior do gabinete, quer do lado de fora. Em seguida ele apareceu de novo e se entregou a novos exercícios ginásticos, entrou por uma vez ainda atrás da cortina, aumentou a luz e dirigiu-se para o nosso lado com andar desembaraçado e vigoroso. Entregou-se daí em diante a alguns exercícios de corpo e procedeu aos preparativos de moldagem: abaixou-se, tomou os baldes e levou-os para mais perto dos espectadores...
Depois tomou uma cadeira que se achava ao lado do Sr. Armstrong e colocou-a de maneira que o encosto separasse a cortina cerca de 20 polegadas (o que permitiu a três pessoas da assistência ver a médium); sentou-se e começou a moldagem do pé. Durante os quinze minutos que durou a operação, os experimentadores podiam ver ao mesmo tempo o fantasma e a médium, iluminados mais que suficientemente.” (The Medium, 5 de outubro de 1877, pág. 626).
Se eu posso ser juiz no caso, o conjunto dos fatos que reuni neste capítulo constitui uma prova absoluta da objetividade real do fenômeno da materialização, e desde o momento em que se me oferece a oportunidade de responder ao Sr. Hartmann, insisto mui particularmente no princípio que serve de base a essas demonstrações, a saber: – uma vez estabelecida a realidade do fato da formação de moldes por um ser materializado, esse fato prova de modo absoluto que o fenômeno de materialização não deve ser considerado como o efeito de uma alucinação.
Se o Sr. Hartmann não quer admiti-lo, ouviremos a sua réplica com o mais vivo interesse. Não se trata de tal ou qual experiência, é o princípio em si que será preciso refutar.
f) Fotografia de formas materializadas
Trataremos aqui de outra categoria de provas que devem servir para demonstrar a realidade objetiva do fenômeno de materialização: as experiências fotográficas.
Se a fotografia ainda não estivesse descoberta, os meios de verificar o fenômeno em questão estariam limitados aos fatos que acabo de expor, de maneira que a fotografia nos vem dar provas que devemos considerar como de luxo. Direi mesmo que no ponto de vista de sua importância intrínseca, ela não pode, sem restrição, ser colocada na mesma categoria que as experiências de moldagem: estas nos fornecem a reprodução plástica de um membro inteiro materializado, ao passo que a fotografia só nos pode transmitir uma simples imagem plana de uma de suas faces. Por isso não deixo de experimentar certa surpresa perante a opinião do Sr. Hartmann, segundo a qual somente a fotografia pode fornecer uma prova absoluta do fenômeno. A leitura do Psychische Studien lhe deve ter demonstrado que se recorrera às experiências de moldagem como método de demonstração; por conseguinte, ele poderia, como o fez em relação à fotografia, precisar quais são as condições sine qua non a observar, segundo o seu modo de ver, para que tais provas se tornem concludentes. Mas desde que é à fotografia e não à moldagem que o Sr. Hartmann pede uma prova irrefutável, é forçoso que o acompanhemos nesse terreno.
Farei observar, com antecedência, que exigindo tal prova o Sr. Hartmann peca contra a lógica; ela não condiz com as hipóteses que ele emitiu para explicar outros efeitos permanentes produzidos por fenômenos mediúnicos análogos. Tendo sustentado a hipótese dos “efeitos dinâmicos da força nervosa mediúnica” (Dynamische Wirkungen der mediumistischen Nervenkraft) para explicar as impressões feitas por corpos materializados sobre uma substância qualquer, em boa lógica o Sr. Hartmann deveria ter-se limitado àquela hipótese, desenvolvendo-a segundo as exigências, para afirmar que a fotografia de um corpo materializado não pode, em caso algum, provar a existência objetiva desse corpo, que ela não passa do resultado “de uma força nervosa, agindo a distância”. Convém não esquecer que, segundo o Sr. Hartmann, aquela força nervosa mediúnica é uma força física, como a luz, o calor, etc., que, por conseguinte, a objetiva do aparelho fotográfico poderia fazer convergirem sobre a placa sensível os raios daquela força; quanto à ação química necessária para produzir a imagem fotográfica, o Sr. Hartmann poderia admiti-la como suplemento.
Lembremo-nos ainda de que o Sr. Hartmann concede àquela força nervosa a surpreendente propriedade de produzir nos corpos todas as espécies de impressões, determinadas pela fantasia do médium, na fotografia, pois, como em outra parte, a disposição das linhas de tensão “teria sido regulada pela imagem criada na fantasia do médium sonâmbulo”, com a diferença de que “o sistema de linhas de tensão, nesse caso, seria orientado segundo uma superfície plana, isto é: a placa sensível”. Esse efeito poderia ser obtido, quer diretamente, na prova negativa, quer “pela ação, na objetiva do aparelho, de um sistema de forças agindo à maneira de uma superfície qualquer, sem a presença de um corpo”. O Sr. Hartmann aquiesce em admiti-lo nas experiências com as impressões.
Mas não é a mim que compete desenvolver a hipótese do Sr. Hartmann, depois de ter demonstrado a sua insuficiência em relação às impressões.
Desejo apenas tirar dela a seguinte dedução: se, como o pretende o Sr. Hartmann, uma alucinação, cooperando com a força nervosa, pode deixar em um objeto um vestígio duradouro e semelhante “sem que exista uma forma orgânica material”, essa alucinação – auxiliada pela força nervosa – deve igualmente produzir na chapa uma certa imagem, duradoura também, e igualmente conforme à própria alucinação, “sem que exista uma forma orgânica material”. A segunda proposição não é mais do que o corolário da primeira, e a negação de uma importa na negação da outra. Por conseguinte, a fotografia de um corpo materializado não seria, segundo a teoria do Sr. Hartmann, mais do que uma nevro-dinamografia, e entretanto ele a considera como podendo fornecer uma prova absoluta!
Abrigando-me por trás desse argumento, eu poderia escapar à obrigação de procurar provas na fotografia, com tanto maior razão quanto encontrei outras e das mais concludentes; mas o Sr. Hartmann não quis dar à sua hipótese da força nervosa um desenvolvimento completo; ele acede em admitir que a fotografia teria podido fornecer a prova irrecusável da realidade do fenômeno de materialização; devemos, pois, examinar essas provas.
A condição sine qua non exigida pelo Sr. Hartmann seria que o médium e a forma materializada aparecessem conjuntamente na mesma chapa. Essa prova existiria desde há muito tempo se, para obtê-la, não se nos deparassem dificuldades dependentes de condições físicas: sabe-se que a fotografia exige uma luz intensa, enquanto que os fenômenos de materialização não suportam senão uma luz fraca; por conseguinte, para chegar a um resultado satisfatório, que se prestasse às observações, era preciso recorrer à combinação seguinte: colocava-se o médium em um compartimento completamente escuro – um gabinete ou um armário –, diminuía-se a luz que iluminasse o aposento, até um grau correspondente à força do fenômeno de materialização, que devia produzir-se no espaço escuro, para depois poder suportar a luz.
A obrigação de submeter-se a exigências tão complicadas devia naturalmente duplicar a vigilância dos experimentadores, receosos de serem vítimas de uma impostura, voluntária ou não, por parte do médium. Eis-nos coagidos a adotar inumeráveis medidas de precaução, destinadas a colocar o médium na impossibilidade de oferecer-nos um simulacro de fenômeno, e eis-nos de volta à questão do isolamento do médium, medida à qual o Sr. Hartmann recusa todo o valor demonstrativo para esse gênero de investigações, partindo do seguinte argumento: “De todas as maneiras é claro que, se se concede ao médium a propriedade de penetrar a matéria, tem-se necessidade de quaisquer outros meios, exceto o isolamento ou a ligação do médium para provar a sua não identidade com a aparição.”
Antes de passar a essas “outras provas” exigidas pelo Sr. Hartmann, devo dizer algumas palavras sobre seu próprio raciocínio. Do mesmo modo que eu protestei contra esse argumento quando se tratava dos transportes, devo opor-me a ele aqui, a propósito do isolamento e do ligamento do médium. Que significa sob a pena do Sr. Hartmann esta frase: “desde o momento em que se aceita a penetrabilidade da matéria pelo médium”? Quem, pois, aceita? Convém supor que é o próprio Sr. Hartmann quem aceita, pois é nesse ponto que ele baseia suas explicações. Tendo admitido, condicionalmente, todas as outras manifestações físicas do mediunismo para dar delas uma explicação de acordo com as suas idéias, isto é, uma explicação natural, ele admite, condicionalmente também, os fenômenos que os espíritas explicam pela penetração da matéria; por conseguinte, está na obrigação de dar do mesmo modo uma explicação natural desses fenômenos, pois que, eu o repito, o Sr. Hartmann escreveu o seu livro no intuito bem manifesto de provar que não há nada de sobrenatural no Espiritismo, que “o Espiritismo não fornece o menor dado que permita prescindirmos das explicações naturais”, e ensinar aos espíritas que podemos livrar-nos dele “sem fugir das causas naturais” (118).
E eis que para os fenômenos da pretendida penetração da matéria ele não dá explicação alguma. Aceita-as tais quais e as classifica nos fenômenos transcendentes. Ora, fazendo tal concessão, ainda que para uma única categoria de fenômenos, destrói completamente o edifício de seu sistema naturalista. Esse ponto é muito mais grave do que parece à primeira vista e eu fico admirado como a crítica ainda não se apoderou dele! Está aí a falha da couraça da teoria tão bem elaborada pelo Sr. Hartmann: é bastante dar-lhe um golpe para fazer desabar o sistema inteiro.
Dizemos, pois, que se o Sr. Hartmann tivesse querido ficar fiel a seu ponto de partida, não teria usado da licença de admitir em sua teoria do Espiritismo explicação que se baseia no princípio da penetrabilidade da matéria. Para ele, uma corda é uma corda, uma gaiola é uma gaiola, e se o médium está bem atado com uma corda, com os nós selados, ou se está preso em uma gaiola, são condições que o Sr. Hartmann deveria considerar suficientes para garantir a não intervenção pessoal do médium.
O fato de poder o médium “passar através” dos laços que o retêm, “atravessar o tecido de um saco ou sair de uma gaiola, depois entrar de novo” nesses laços ou nessa gaiola, são fenômenos de ordem transcendente que o Sr. Hartmann não poderia admitir sem “infringir os princípios metodológicos” – o que ele exprobra aos espíritas.
O Sr. Hartmann também não tem o direito de fazer pesar sobre os espíritas a responsabilidade de semelhante hipótese. Para certos fenômenos, os espíritas admitem realmente a intervenção dos Espíritos; para outros, a materialização temporária, porém real e objetiva, de um corpo; para outros ainda, a penetração da matéria; mas o Sr. Hartmann se impôs precisamente a tarefa de lhes ensinar como é preciso haver-se para explicar esses diversos fenômenos sem sair dos limites do natural e de lhes demonstrar que não há Espíritos, nem materialização, nem penetração da matéria; por conseguinte, se o Sr. Hartmann consente em admitir esta hipótese, está de acordo com os espíritas e só lhe falta depor as armas.
Assim o Sr. Hartmann aceitaria essa hipótese, a de que um homem pode facilmente livrar-se, desvencilhar-se dos laços que o prendem e colocá-los de novo em seu lugar, atravessar o tecido de um saco, atravessar as barras ou as paredes de uma gaiola? Semelhante concessão por sua parte é tanto mais surpreendente por isso que não se impunha na espécie, pois nos casos igualmente difíceis o Sr. Hartmann tem sempre pronta essa explicação: alucinação.
Eu também poderia demonstrar ao Sr. Hartmann que, ainda quando se admita o princípio da penetrabilidade da matéria, há meios absolutamente seguros para provar a presença do médium atrás da cortina; por exemplo, pode-se reter o médium em uma corrente galvânica, ou mais simplesmente ligá-lo com uma fita cujas pontas fossem mantidas pelos assistentes, ou, melhor ainda – como se praticou com a Srta. Cook –, fazer os cabelos do médium passarem por uma abertura praticada na parede do gabinete, de maneira a deixá-los constantemente sob os olhos dos assistentes (ver The Spiritualist, 1873, pág. 133), etc.
Mas seria inútil determo-nos nessa demonstração, pois que, como o lembrei mais acima, desde que a presença do médium no gabinete está indiscutivelmente estabelecida, objetam-nos com a alucinação.
Posso acrescentar, finalmente, que os fenômenos de materialização atingiram gradualmente um grau de desenvolvimento tal que é permitido não nos preocuparmos com a ligação do médium e considerar o seqüestro como condição de importância secundária, visto que a materialização e a desmaterialização se produziram freqüentemente em presença do médium e dos espectadores, ou ainda, quando o médium estava seqüestrado, em presença dos assistentes.
Mas, qualquer que seja o valor de tal testemunho, é inteiramente inútil apelar para ele, pois que o Sr. Hartmann declara que o testemunho da vista, mais que qualquer outro, é sem valor para a verificação dos fatos. Eis-nos, pois, coagidos a voltar ao nosso ponto de partida e a procurar “outros argumentos” para reabilitar o testemunho coletivo dos homens, baseado no exercício de seus sentidos – testemunho ao qual o Sr. Hartmann recusa peremptoriamente toda a autoridade.
As provas que nos são dadas dos fenômenos de materialização devem ser divididas em cinco categorias, segundo as condições nas quais elas são obtidas:
· o médium é visível; a figura materializada é invisível ao olho, mas aparece na chapa fotográfica;
· o médium é invisível; o fantasma é visível e reproduzido pela fotografia;
· o médium e o fantasma são vistos ao mesmo tempo; apenas o último é fotografado;
· o médium e o fantasma são ambos visíveis e fotografados ao mesmo tempo;
· o médium e o fantasma são invisíveis; a fotografia produz-se às escuras.
1) O médium é visível; a figura materializada é
invisível ao olho, mas aparece na chapa fotográfica.
Para os fenômenos classificados na primeira categoria, é a fotografia transcendente que nos fornece a prova da objetividade da materialização.
Logicamente, é permitido supor que, se uma fotografia desse gênero pode reproduzir imagens de diferentes formações materiais invisíveis a nossos olhos, esse mesmo processo fotográfico deve, com mais forte razão, poder reproduzir uma forma que adquire, em certas condições, um grau de materialidade que a coloca ao alcance de nossos sentidos, ainda quando essa percepção sensorial não se dê no momento preciso da produção da fotografia; em outros termos, temos razão de acreditar que uma figura que se materializa durante as sessões pode – direi mesmo deve – aparecer em fotografia transcendente. Se a imagem obtida fotograficamente corresponde à forma materializada observada durante a sessão e descrita anteriormente por muitas vezes, a hipótese de uma alucinação torna-se inadmissível.
Esses fenômenos se produziram por muitas vezes. Efetivamente, os médiuns com os quais se obtinha a materialização conseguiram freqüentemente produzir a fotografia transcendente de seus “guias”, isto é, das individualidades que se materializavam habitualmente em suas sessões. Não citarei senão alguns exemplos, começando pela personagem bem conhecida de Katie King, cuja forma materializada, que apareceu sob a influência da médium Srta. Cook, foi fotografada por muitas vezes, a princípio pelo Sr. Harrison com iluminação pelo magnésio, depois pelo Sr. William Crookes à luz elétrica. A mesma figura foi fotografada em fotografia transcendente pelo Sr. Parkes, médium que era bem sucedido especialmente nesse gênero de experiências, e de quem se falou mais acima.
Importa assinalar que as fotografias do Sr. Parkes oferecem a particularidade de terem sido obtidas à luz do magnésio. Eis em que termos essa experiência é exposta pelo Sr. Harrison, que é muito versado na técnica da fotografia em geral e na fotografia espírita em particular:
“No que me diz respeito, não pude reconhecer nenhuma das figuras que apareceram nas chapas do Sr. Parkes. Mas eu variava, tanto quanto possível, as condições nas quais se operava a fotografia. Sem que o Sr. Parkes o soubesse, escrevi à Sra. Corner (Florence Cook), que habitava nas circunvizinhanças, e pedi-lhe que fosse na tarde daquele dia à casa do Sr. Parkes, para assistir a uma sessão de fotografia espírita. Eu estava persuadido de que a presença imprevista de um médium tão poderoso e tão perfeitamente digno de fé modificaria sem a menor dúvida o caráter das imagens que se obtivessem, o que não poderia suceder se essas imagens tivessem sido preparadas com antecedência sobre transparentes. Algumas horas depois da recepção de minha carta, a Sra. Corner dirigiu-se à casa do Sr. e da Sra. Parkes, que não a conheciam. Ela se deu a conhecer e expôs o fim de sua visita. A Sra. Parkes disse-lhe imediatamente: “Oh! desça conosco e tome posição para obter uma fotografia espírita. Estou persuadida de que obteremos uma prova perfeita.” Cheguei nesse momento, com o atraso de um quarto de hora sobre a hora convencionada. O Sr. Parkes entrava nesse momento no aposento com um negativo que acabava de revelar e no qual se desenhava mui distintamente, ao lado da imagem da Sra. Corner, a da célebre Katie, envolta, como sempre, em suas amplas vestes brancas. Esse fato constitui uma excelente prova de lealdade do fotógrafo, porquanto, como o mencionei mais acima, a Sra. Corner se tinha apresentado em casa do Sr. Parkes de forma imprevista, alguns minutos antes de minha chegada.” (ver the Spiritualist, 1875, nº 136, pág. 162).
É útil notar que a imagem de Katie, tal qual foi obtida no decurso daquela sessão, assemelha-se mais aos retratos obtidos pelo Sr. Harrison – que operava constantemente com o magnésio – do que com as obtidas pelo Sr. Crookes com a iluminação elétrica.
Possuo uma prova dessa fotografia, que me foi oferecida em 1886 pela Sra. Cook, mãe da médium; há uma certa semelhança entre esse retrato de Katie e o reproduzido no The spiritualist de 1873, página 200.
O segundo exemplo que quero citar refere-se a formas materializadas de personagens de raça exótica, e que apresentavam, por conseguinte, traços tão característicos que sua identidade podia facilmente ser verificada. Nas sessões dos médiuns senhoritas Wood e Fairlamb, de Newcastle, apareceram, entre outras, duas pequenas figuras de pele negra, que foram em pouco tempo conhecidas com os nomes de Pocha e Cissey. Essas personagens, em suas comunicações, declaravam que eram de raça negra. Os médiuns sensitivos ou clarividentes que assistiam a essas sessões verificaram igualmente que essas personagens eram negras. Para corroborar esses testemunhos, temos as fotografias das médiuns tiradas pelo Sr. Hudson, em Londres. Vê-se em uma delas, a da Srta. Wood, a figura negra de Pocha, que se materializava habitualmente nessas sessões, e sobre a da Srta. Fairlamb a figura de Cissey (ver Medium and Daybreak, 1875, pág. 346).
Em uma fotografia que possuo e que representa as senhoritas Wood e Fairlamb juntas, vê-se, ao lado da Srta. Wood, uma forma vestida de branco, sentada no chão; é Pocha; seu rosto negro está descoberto e, à primeira vista, fica-se impressionado por seu tipo exótico mui característico. Em outra prova – que também possuo – distingue-se, ao lado da Srta. Fairlamb, uma forma vestida de branco, de rosto negro, que parece suspensa no espaço: é Cissey. Essas mesmas figuras, tais quais são reproduzidas pela fotografia transcendente, foram vistas, sob forma de materializações, por centenas de pessoas cujo testemunho citarei quando se tratar da fotografia simples dessas duas formas, em estado de materialização.
Nesse fenômeno, vemos realizadas todas as condições requeridas pelo Sr. Hartmann, a saber: que o médium e a figura materializada se achem reproduzidas na mesma chapa, mas por via transcendente. Citarei aqui um caso excepcional: a pessoa que se expunha diante do aparelho fotográfico não era a médium, era o Sr. Reimers; tinha-se considerado de interesse estudar a mesma manifestação em outras formas de objetivação. Já conhecemos a figura de Bertie, que aparecia nas sessões do Sr. Reimers, feitas com a concorrência de diferentes médiuns. O experimentador não tinha a mínima dúvida sobre a realidade daquela aparição, pois que recebera previamente a impressão de sua mão em farinha e, mais tarde, o gesso daquela mão, como está reproduzido por uma fotografia junto a essa. Estando certo dia em casa de um médium de transe, a Sra. Woodforde, Bertie não tardou em manifestar-se, e o Sr. Reimers, depois de longa conversação, lhe pediu a sua fotografia. Ela respondeu: “Está bem. Espero que a experiência dê bom resultado. Vá amanhã à casa de Hudson; talvez me seja possível satisfazer o seu desejo.” No dia seguinte o Sr. Reimers se dirigiu à casa de Hudson. “Eu mesmo limpei as chapas – diz ele –, e não desviei os olhos delas, até o momento em que foram colocadas na câmara escura.”
Na primeira chapa apareceu, à esquerda do Sr. Reimers, uma forma flutuando no espaço, cujo rosto feminino se distingue perfeitamente; ela estava colocada de maneira que apareciam três quartas partes, olhando para o lado do Sr. Reimers; o resto da cabeça está envolto por uma faixa, formando uma espécie de capuz cônico que desce sobre a nuca, à semelhança de um véu. Não vi aquele toucado em nenhuma das outras fotografias que o Sr. Hudson tirou. O busto da aparição é coberto por uma roupagem que, de um lado, cai até o chão: o corpo não existe; do lado oposto a roupagem é levantada até à altura do queixo, como se fosse mantida por mão dissimulada por baixo. Na segunda exposição, feita imediatamente depois da primeira, a mesma forma apareceu, porém, daquela vez, à direita do Sr. Reimers; ela flutua ainda no espaço, e o rosto está sempre voltado para o lado do Sr. Reimers. Sem a menor dúvida, é absolutamente a mesma figura; mas como era preciso que ela se voltasse para poder aparecer do lado direito, todas as particularidades da fotografia estão modificadas: a forma acha-se mais abaixo do que quando estava à esquerda do Sr. Reimers; também está mais próxima dele; é o mesmo rosto, porém visto de perfil, o mesmo toucado, com outras dobras na faixa, a mesma roupagem caindo até ao chão, mas do lado oposto; e aquela mão, que parecia manter a roupagem de encontro ao busto, desceu até à região inferior do peito, continuando a ficar disfarçada por baixo da fazenda.
Aquela experiência foi descrita pelo Sr. Reimers no Psychische Studien, 1877, pág. 212, mas os pormenores minuciosos que acabo de referir são tirados das próprias fotografias, que ele me tinha enviado. Em uma carta de 15 de maio de 1876, o Sr. Reimers explica por que a princípio tinha vacilado em reconhecer a semelhança que há entre aquelas duas imagens. Diz ele:
“Raramente vi esse rosto distintamente, e por muito tempo fiquei em dúvida antes de reconhecer que me achava em presença da mesma personagem, apresentada sob outro aspecto, tendo sido mudadas todas as condições da exposição. A extrema mobilidade da figura e a curta duração de seu aparecimento me impediram de reter bem os traços do rosto; mas, atualmente, ela aparece com freqüência sob uma forma igual à que é reproduzida nas fotografias inclusas, com um toucado da época da rainha Elisabeth. Ontem ela se mostrou em uma verdadeira nuvem de gaze a elevar-se no espaço, como na fotografia.”
Acrescentarei que a objetividade da materialização de Bertie foi confirmada pelas experiências de fotografia transcendente feitas pelo Sr. Reimers, em sua casa, com o médium que servia habitualmente para produzir aquela materialização. O Sr. Reimers fazia então, com suas próprias mãos, todas as manipulações fotográficas. Deixemos-lhe a palavra:
“Depois de minha estada em Bristol, fui visitar o Sr. Beattie, que tinha obtido tão notáveis resultados naquelas experiências; ali encontrei o Sr. Conselheiro de Estado Aksakof, que estudava igualmente esses fenômenos. Fiz aquisição dos aparelhos necessários, e em pouco tempo fiquei habilitado a produzir imagens. Conhecendo todas as fraudes às quais se tinha recorrido para falsificar essas experiências, resolvi fazer por mim mesmo todas as manipulações necessárias, de maneira a tornar impossível qualquer fraude. Eu mesmo dispus o fundo, a fim de impedir eventualmente a operação química que consiste em produzir, com o auxílio de um certo líquido, uma imagem invisível ao olho, mas que pode ser reproduzida na chapa sensível. Tendo feito esses preparativos, instalei o grupo em meu aposento, de maneira a poder observar todas as personagens, durante todo o tempo da experiência. Nas primeiras exposições somente foram reproduzidas nossas próprias imagens, mas nas sete últimas exposições apareceu a mesma figura que tínhamos visto em número incalculável de vezes. Um fato notável: no decurso dessas sessões, a Sra. L. (médium clarividente) disse-me por muitas vezes: “Vejo uma nuvem branca acima de sua espádua; agora vejo distintamente uma cabeça; conforme suas descrições, deve ser a nossa Bertie!” Efetivamente, em todas as fotografias, a cabeça aparece acima da minha espádua esquerda.” (Psychische Studien, dezembro de 1884, pág. 546).
Mais adiante veremos que o Sr. Reimers obteve daquela figura uma fotografia tirada em completa escuridão.
2) O médium é invisível; o fantasma
é visível e reproduzido pela fotografia.
Passemos à fotografia ordinária das figuras materializadas, cujas imagens acabamos de ver reproduzidas por via transcendente, mas nas condições inversas das da primeira categoria, isto é, o médium estará invisível, ao passo que a figura, visível aos assistentes, será reproduzida em fotografia.
Nesta categoria citarei duas experiências, a primeira das quais é publicada pelo Medium and Daybreak (1875, pág. 657); o artigo é do Sr. Barkas, homem de ciência positiva e geólogo consumado. Ele mora em Newcastle-on-Tyne, onde, de tempos em tempos, faz conferências sobre Astronomia, Geologia, Óptica e Fisiologia. Eis um extrato desse artigo:
“A 20 de fevereiro de 1875, sexta-feira, fui convidado a dirigir-me a uma casa particular, em Newcastle, para assistir a experiências fotográficas de figuras materializadas. Na primeira sessão, que se realizara a 6 de fevereiro, tinha-se feito um primeiro ensaio que deu em resultado a fotografia de pequena figura velada. Era o Sr. Laws quem manejava o aparelho fotográfico nas duas sessões em questão. Essa primeira fotografia foi designada com o número 1; os negativos, obtidos em minha presença, têm os números 2, 3 e 4.
A 20 de fevereiro, às 8 horas, reunimo-nos no salão de honra. A assistência constava de duas moças médiuns, quatro senhoras, catorze testemunhas e dois fotógrafos: o Sr. Laws e seu filho. O Sr. Laws não era espírita; nunca se tinha ocupado de semelhante assunto, e antes de 6 de fevereiro, sexta-feira, dia em que obteve a primeira fotografia, nunca tinha tido ocasião de observar tais fenômenos. Em um ângulo do salão, separado do resto do aposento por um biombo, colocaram-se dois travesseiros para as médiuns, que entraram nesse gabinete às oito horas e vinte e sete minutos; elas estavam vestidas de tecidos de cores escuras e usavam capas. O fogão e o espelho que ficavam por cima foram cobertos com um pedaço de tecido verde-escuro, que devia ao mesmo tempo servir de fundo para a fotografia.
À frente do fogão, a dois pés e meio da passagem que ia ter aos fundos do biombo, colocou-se uma cadeira. A lâmpada de magnésio estava em cima de uma mesinha perto do biombo; o Sr. Laws pai tomou lugar em uma cadeira, muito perto, para acender o magnésio no momento oportuno. Colocou-se o piano no centro do aposento, pouco mais ou menos, cerca de dez pés distante do fogão; foi em cima do piano que se colocou a máquina fotográfica. O foco foi calculado para o espaço que separava o biombo da cadeira. Com o fim de determinar melhor a altura das figuras que teriam de aparecer, pregaram-se com alfinetes três folhas de papel branco no pano que cobria o fogão, a quatro pés do soalho, como se pode verificar nas fotografias. As pessoas presentes tomaram lugar em alas, à esquerda, à direita e por trás do piano, e em frente à passagem que dava acesso para o gabinete, lugar onde se esperava que aparecessem os fantasmas. Todos os assistentes tinham formado cadeia. A luz foi diminuída a ponto de nos deixar às escuras. Conservamo-nos assim cerca de uma hora, entoando de vez em quando canções populares. Às nove horas e três minutos, pediram-nos, por pancadas, e depois pelas palavras de um médium em estado de transe, que aumentássemos a chama do gás e que acendêssemos uma lâmpada de álcool, a fim de atenuar, para a figura esperada, a transição à luz mais intensa do magnésio, que é indispensável para a fotografia; seguimos essas instruções; o aposento ficou, por conseguinte, suficientemente iluminado. Às 9 horas e 40 minutos disseram-nos que conservássemos as nossas chapas prontas. Quando anunciamos que estávamos preparados, um lado do biombo se abriu e divisamos pequena forma feminina ou, pelo menos, um pequeno ser vivo, trajando vestes femininas. Ela se conservava perto do lado aberto, defronte do aparelho. Imediatamente, acendeu-se o fio de magnésio. Uma luz intensa iluminou toda a aparição e pôde-se ver que ela estava inteiramente envolta por uma veste, que deixava a descoberto apenas o rosto e as mãos, que eram de cor escura carregada, quase negros, sendo uma das mãos mais clara do que a outra. Essa roupagem parecia ser de cassa ordinária, caindo em largas dobras até aos pés, e tinha o aspecto de ser muito nova, não estando enxovalhada nem machucada. O rosto tinha a cor escura carregada dos pretos; os olhos eram grandes, ternos, as pálpebras abriam-se e fechavam-se pesadamente; eles eram sanguíneos, como os dos negros; o nariz era grande e chato e os lábios espessos e de um vermelho brilhante. Segundo as nossas idéias inglesas, esse rosto não era belo, certamente. Ela mostrava uma espécie da timidez e da surpresa que experimenta geralmente um homem inculto quando se acha subitamente transportado para um meio estranho. À claridade do magnésio distingui perfeitamente os traços desse rosto.
Entretanto, o fantasma não podia suportar a luz e voltava-se pouco a pouco; por isso não se vê na fotografia número 2 mais do que uma parte do rosto, com as feições completamente apagadas. As sombras que sulcam as vestes são projetadas pelas dobras, por efeito da iluminação em sentido oblíquo. Em todas essas fotografias os pés parecem faltar e supõe-se que o corpo é mantido por um sustentáculo. A exposição durou dez segundos mais ou menos. Quando o fantasma desapareceu, recebemos a promessa de que ele nos apareceria de novo.
Depois de termos preparado a segunda chapa, esperamos pela volta da aparição. Desta vez ela conseguiu olhar-nos de frente: seu rosto assemelhava-se perfeitamente ao que descrevi mais acima. Ela fazia esforços evidentes para conservar-se firme defronte do aparelho, mas, como da outra vez, acabou por ser coagida a desviar-se da luz, de maneira que a fotografia número 3 não é melhor do que a precedente. A duração da exposição foi de doze segundos. Pedimos ao fantasma que voltasse uma vez ainda e que ficasse bem defronte do aparelho. Ele prometeu, mas com a condição de que todos os assistentes fechassem os olhos, à exceção do fotógrafo e de seu auxiliar. Essas condições foram aceitas.
Procedeu-se ao preparativo da chapa; durante esse tempo fomos avisados de que uma das médiuns seria obrigada a deslocar-se e a sentar-se em uma cadeira, com o fim de sustentar as forças do fantasma durante a exposição. Efetivamente, uma das médiuns, que estava envolta em um manto preto, saiu de trás do biombo e colocou-se maquinalmente em uma cadeira. Terminados esses preparativos, a pequena figura mostrou-se de novo e colocou-se ao lado da médium. De acordo com a sua promessa, todos os assistentes fecharam os olhos e a fotografia número 4 foi tirada. Vê-se ali o contorno indeciso de um rosto que se assemelha de maneira incontestável ao que eu tinha notado desde as suas primeiras aparições. Essa última exposição durou cerca de catorze segundos. O fantasma e a médium desapareceram ambos atrás do biombo. Eram 10 horas e 25 minutos. A perda de força mediúnica tinha sido tão grande que os médiuns só puderam voltar a seu estado normal uma hora depois.
A autenticidade desses fenômenos foi confirmada de maneira indubitável por um fato que se deu mais tarde. As duas médiuns se achavam em Londres, em casa do Sr. Hudson, que tinha obtido fotografias espíritas freqüentemente. Elas se tinham apresentado ali no intuito de mandar tirar seus próprios retratos e também, mas eventualmente, das aparições que por acaso as acompanhassem. Em um dos retratos nota-se pequena figura feminina, cujo rosto tem pronunciada semelhança com o que acabo de descrever.” (Medium and Daybreak, nº 289, 15 de outubro de 1875, págs. 657-658).
Em uma memória que dirigiu ao Congresso dos Espiritualistas de Londres, em 1877, o Sr. Barkas, depois de ter verificado que as médiuns empregadas nessa experiência eram as senhoritas Wood e Fairlamb, concluiu nos seguintes termos:
“Poderão objetar-me, e não sem visos de fundamento, que no caso precedente nenhuma medida de precaução foi tomada, isto é, que não se mudaram os vestidos das médiuns, que não foram amarradas, nem revistadas depois da sessão. Todas essas observações são muito justas e, entretanto, a despeito da ausência daquelas medidas de fiscalização, o fato do aparecimento de uma figura humana indubitavelmente viva e absolutamente dessemelhante das médiuns constitui por si só uma prova suficiente de que esse fantasma não era a pessoa de uma das médiuns, enquanto que, de outro lado, seu rosto móvel, dotado de todos os indícios da vida real, atesta de maneira evidente que não era uma máscara.” (The Spiritualist, nº 234, 13 de fevereiro de 1877, pág. 77).
Farei notar aqui que, segundo o Sr. Hartmann, quando uma aparição é absolutamente dessemelhante do médium, em tamanho, aspecto, cor, nacionalidade, não é mais possível admitir-se a transfiguração do médium, e convém procurar outra explicação desses fenômenos. Tal é o caso para a experiência de que aqui se trata; segundo o Sr. Hartmann, a aparição da pequena negra deve, pois, ser considerada como uma alucinação. Mas, de outro lado, a fotografia que dela foi tirada satisfaz a todas as condições impostas pelo Sr. Hartmann para a prova do contrário; ela deve, por conseguinte, ser aceita por ele como uma prova suficiente de caráter não alucinatório da aparição, além de que eu poderia citar ainda muitas experiências desse gênero.
Na segunda experiência, de que tenho que falar, tratar-se-á ainda da aparição clássica de Katie King, fotografada a 7 de maio de 1873, à luz do magnésio, pelo Sr. Harrison, editor do The Spiritualist, que, na qualidade de fotógrafo amador, tinha feito por suas próprias mãos todas as manipulações. A descrição circunstanciada dessa experiência, a primeira desse gênero nos anais do Espiritismo, foi feita pelo Sr. Harrison no The Spiritualist, páginas 200 e 201; ela é acompanhada de uma gravura em madeira, reproduzindo a fotografia obtida. Só tirarei dessa minuciosa descrição os pormenores que são úteis ao meu argumento.
A sessão foi feita em condições da mais severa vigilância. Antes de começar, a Sra. e a Srta. Corner, que assistiam à experiência na qualidade de testemunhas, conduziram a médium (Srta. Florence Cook) a seu quarto de dormir, onde lhe despiram os vestidos, revistaram-na e lhe puseram uma capa impermeável pardo-escuro diretamente sobre as roupas de dentro, e conduziram-na em seguida para o aposento das sessões, onde o Sr. Luxmoore lhe atou solidamente os pulsos por meio de uma fita de linho. Todos os assistentes examinaram os nós, sobre os quais se colocaram selos; feito isso, instalaram-na no gabinete, que também tinha sido inspecionado previamente. Em carta particular, o Sr. Luxmoore diz que tinha examinado cuidadosamente o gabinete de uma extremidade a outra, enquanto as Sras. Corner, mãe e filha, estavam ocupadas em revistar a Srta. Cook. Ele verifica que naquele gabinete nada poderia ter sido disfarçado sem que tivesse sido descoberto. A fita era presa em um gancho de latão pregado no soalho; comunicava com o exterior por baixo da cortina, de maneira que, ao menor movimento da médium, qualquer fraude seria descoberta imediatamente. Podia-se depositar toda a confiança na solidez dos nós dados pelo Sr. Luxmoore: naquele mister ele se reconhecia na qualidade de marinheiro que passava a maior parte do tempo a bordo de seu iate. Logo que a médium penetrou o gabinete, caiu em transe e alguns minutos mais tarde Katie entrou no aposento, completamente vestida de branco, conforme mencionei mais acima. No fim da sessão todos os assistentes examinaram os nós e os selos e os acharam intactos; só então os desfizeram. As ligaduras eram tão justas que deixaram marcas nos punhos da médium.
Quatro fotografias de Katie King foram tiradas em tais condições. Segundo o Sr. Hartmann, que está na obrigação de nos dar explicações naturais, é a própria médium quem foi fotografada. Mas o Sr. Hartmann esquece que há naquela experiência três fenômenos distintos que exigem por sua vez uma explicação baseada em causas naturais. Quanto ao primeiro fenômeno, se, de acordo com a tese do Sr. Hartmann, a médium atravessou os laços que a prendiam, penetrando depois nesses laços, que ficaram intactos, achamo-nos em presença de um fato de penetração da matéria, fato transcendente, do qual o Sr. Hartmann não nos dá explicação alguma natural. Segundo fenômeno: a médium, vestindo uma capa impermeável de cor pardo-escura, aparece durante alguns minutos vestida de branco, coberta por um véu branco, com um cinto branco; por conseguinte, houve, sempre segundo o Sr. Hartmann, transporte e desaparecimento desses vestidos; esse fato, que o Sr. Hartmann admite igualmente, não deixa de ser transcendente, e acerca do qual ele não nos dá explicação alguma natural. Terceiro fenômeno: aparição da figura; a esse fato o Sr. Hartmann encontra uma explicação natural, afirmando que essa figura não é outra mais do que a da própria médium.
Por conseguinte, o Sr. Hartmann nos explica um fenômeno natural apoiando-se em dois fenômenos sobrenaturais. Semelhante processo de discussão não poderia ser aprovado por uma crítica qualquer.
Conseqüentemente, me é permitido dizer que enquanto o Sr. Hartmann não nos fornecer uma explicação simples e natural dos dois primeiros fenômenos, sua explicação natural do terceiro não será admissível, ainda mesmo no ponto de vista de sua argumentação.
Durante a experiência fotográfica de que se acaba de tratar, deu-se ainda um fato curioso: “Lá para o fim da primeira sessão, Katie nos disse que suas forças diminuíam, que ela ia dissolver-se completamente. De fato, sob a influência da luz que se tinha deixado penetrar no gabinete, a parte inferior da aparição desapareceu, e ela diminuiu a tal ponto que tocava no chão com a região occipital; o resto do corpo já não existia. As últimas palavras que ela nos dirigiu eram para nos pedir que cantássemos durante alguns minutos, sem deixar os nossos lugares. Katie fez seu reaparecimento; ela tinha o mesmo aspecto que dantes, e nós conseguimos tirar ainda uma fotografia.”
Em outro lugar, o Sr. Luxmoore escreve:
“Pouco depois da produção da primeira fotografia, Katie abriu a cortina e pediu-nos que a olhássemos; ela parecia não ter mais corpo; apresentava um aspecto dos mais estranhos: sua cabeça estava quase ao nível do chão e parecia sustentada apenas pelo pescoço; por baixo da cabeça via-se sua vestimenta branca.”
Se a figura de Katie não tivesse sido fotografada por muitas vezes durante aquela sessão, antes e depois de sua desmaterialização ad visum, certamente o Sr. Hartmann se teria prevalecido dessa circunstância para apresentar um argumento em favor de sua teoria favorita, segundo a qual a aparição de Katie não seria mais do que uma alucinação. Mas, desde o momento em que Katie foi fotografada, não havia alucinação; sua desmaterialização apenas seria uma alucinação provisória; assim, temos para o mesmo fenômeno duas explicações absolutamente contraditórias: em dado momento é a forma da médium que entra em cena; um momento depois, somos o joguete de uma alucinação. Mas, então, por quem é produzida essa alucinação? Pela médium? Assim, a médium, encerrada em um gabinete que tem apenas 37 polegadas de comprimento e 21 de largura, muda de trajo em um instante, veste de novo seus vestidos ordinários, entra em seus laços, despe suas vestimentas brancas (e suas vestimentas são reais, pois que foram fotografadas), depois exibe sobre essas vestimentas a alucinação de sua cabeça. Em vão se procuraria o sentido e os motivos de uma encenação tão bizarra.
Acabamos de estudar duas espécies de experiências de caráter diferente e que se completam reciprocamente: a fotografia de uma forma invisível é confirmada pela fotografia da mesma forma tornando-se visível e vice-versa. Isso quer dizer que a fotografia transcendente serviu para justificar a autenticidade da forma reproduzida pela fotografia ordinária. Mas esses fenômenos, se bem que bastante convincentes por si mesmos, ainda não preenchem as condições impostas elo Sr. Hartmann.
3) O médium e o fantasma são vistos ao mesmo tempo;
apenas o último é fotografado.
Vamos estudar agora uma série de fatos que se apresentarão em condições já mui satisfatórias para o comum dos mortais, mas não ainda para o Sr. Hartmann. Esta categoria abrange a fotografia de uma forma materializada, sendo esta e o médium visíveis ao mesmo tempo. É preciso falar em primeiro lugar da nova experiência feita sempre à luz do magnésio pelo Sr. Harrison, cinco dias depois da primeira, isto é, a 12 de maio de 1873.
O Sr. Harrison obteve ainda quatro fotografias de Katie nas mesmas condições de fiscalização; além disso, desta vez a médium se tinha conservado visível durante a exposição da forma materializada de Katie.
Eis o texto desse relatório (The Spiritualist, 1873, pág. 217):
“Nós, abaixo assinados, desejamos testemunhar, uma vez mais, que na sessão da Srta. Cook a 12 de maio, Katie saiu do gabinete; ela tinha a estatura habitual e fez-se ver sob as mesmas condições de fiscalização, no que diz respeito à ligação da médium, que na sessão de 7 de maio corrente, e ainda mais: a Srta. Corner (que estava sentada à esquerda do gabinete, em um lugar que lhe permitia ver tudo quanto se passava ali) declarou que tinha visto a Srta. Cook e Katie ao mesmo tempo.
A posição ocupada pelos demais assistentes que formavam o circuito não lhes permitia ver o interior do gabinete. A não ser esse fato, teria sido inútil, talvez, publicar um testemunho que não passaria da repetição de nossas experiências anteriores.
Amélia e Carolina Corner, 3, Saint-Thomas Square, Hackney.
J. C. Luxmoore – 16, Gloucester Square, Hyde Park.
William H. Harrison, Chaucer Road, Herne Hill.
G. R. Tapp, 18, Queen Margaret’s Grove,
Mildmay Park, London, N.”
Na verdade, semelhante testemunho teria podido ser dado desde a primeira experiência pelo Sr. Luxmoore, pois que ele estava sentado perto do gabinete no qual se achava a médium e porque no momento em que Katie, abrindo a cortina, se apresentou para ser fotografada, ele teria podido olhar para o gabinete e ver a médium (do mesmo modo que a Srta. Corner no caso precedente). Foi só a sinceridade escrupulosa do Sr. Luxmoore que pôde determiná-lo a não fazer imediatamente essa declaração, como se pode inferir de um trecho do discurso que pronunciou em Gower Street, em outubro de 1873, quando se tratava da fotografia espírita (ibidem, pág. 361).
As provas fotográficas mais positivas, referentes aos fenômenos classificados nesta categoria, são, indubitavelmente, as que devemos às experiências do Sr. Crookes.
Depois de as ter estudado atentamente, fica-se estupefato com a desenvoltura afetada pelo Sr. Hartmann a respeito dessas experiências, que estabelecem o fenômeno da materialização de maneira a não deixar subsistir a mínima dúvida acerca de sua realidade.
Eis em que estranhos termos o Sr. Hartmann fala dessas experiências:
“Infelizmente, nessas experiências com a Srta. Cook, o Sr. Crookes não deu prova da circunspecção que se poderia exigir de um homem de ciência: ele julgava que a médium estava bastante fiscalizada por uma corrente galvânica; não fez distinção alguma entre uma materialização e a transfiguração da médium; não levou em conta a influência que exerce a transmissão de uma alucinação sobre a formação de uma transfiguração ilusória.”
Como não terei mais ensejo de falar das experiências do Sr. Crookes, sobre as quais o Sr. Hartmann tenta lançar o descrédito, direi a seu respeito algumas palavras neste lugar.
Da frase agressiva do Sr. Hartmann é preciso reter estas duas acusações dirigidas contra o Sr. Crookes:
1º – ele se persuadiu de que a presença da médium Cook no gabinete estava suficientemente estabelecida por uma corrente galvânica;
2º – ele não soube fazer distinção entre a forma materializada e a transfiguração da médium.
A primeira dessas acusações, que deveria ser bem fundamentada, só se baseia nessa breve observação:
“A fiscalização da médium por meio de eletrodos, como o fizeram Crookes e Varley nas sessões físicas da Sra. Fay, pode certamente servir de prova convincente, mas não se poderia dar a mesma importância à fixação nos braços, por esparadrapo, de moedas e de papel mata-borrão umedecido, visto que esses objetos podem ser deslocados e não constituem obstáculo algum aos livres movimentos da médium.” (Espiritismo, pág. 18).
As três últimas linhas dessa nota referem-se a uma experiência feita pelos Srs. Crookes e Varley com a Srta. Cook, no decurso da qual ela foi introduzida no circuito galvânico.
E é com essas três linhas que o Sr. Hartmann pretende negar o valor de experiências feitas com o máximo cuidado e com a mais rigorosa lealdade por dois físicos tão autorizados quanto o são os Srs. Crookes e Varley.
Examinemos imparcialmente essas experiências, para julgar se os fatos dão razão ao Sr. Hartmann ou justificam as suas temerárias acusações.
Parece-nos que basta ler as três linhas que escaparam da pena do Sr. Hartmann para verificar que ele não compreendeu nem o valor nem o alcance da experiência de que se trata.
Para formarmos idéia exata da maneira pela qual se realizou aquela experiência, tão engenhosa quão importante, enviarei o leitor às explicações circunstanciadas que dei no Psychische Studien, 1874, págs. 341 a 349. Para aqueles que não têm esse volume à disposição, dou aqui um resumo dessa descrição:
“Para estabelecer se a Srta. Cook se achava no interior do gabinete enquanto Katie se apresentava aos assistentes da sessão, fora do gabinete, o Sr. Varley [16] teve a lembrança de fazer atravessar o corpo da médium por uma fraca corrente elétrica, durante todo o tempo em que a forma materializada era visível, e de confrontar os resultados assim obtidos por meio de um galvanômetro instalado no mesmo aposento, fora do gabinete...
A experiência de que falamos foi feita no aposento do Sr. Luxmoore. O aposento de trás foi separado do da frente por meio de uma cortina, para impedir a entrada da luz; ele devia servir de gabinete escuro. Antes de começar a sessão, tomou-se a precaução de inspecionar com cuidado esse gabinete escuro e de fechar as portas à chave. O aposento da frente era iluminado por uma lâmpada de parafina com um anteparo que coava a luz. Colocou-se o galvanômetro em cima do fogão, à distância de 11 pés da cortina.
Os assistentes eram os Srs. Luxmoore, Crookes, a Sra. Crookes e a Sra. Cook com sua filha; os Srs. Tapp, Harrison e eu (Varley).
A Srta. Cook ocupava uma poltrona no aposento de trás. Fixou-se com esparadrapo, em cada um de seus braços, um pouco acima dos punhos, uma moeda de ouro, à qual estava soldada uma ponta de fio de platina. As moedas de ouro estavam separadas da pele por três camadas de papel mata-borrão branco, de grande espessura, umedecido em uma solução de cloridrato de amônio. Os fios de platina corriam ao longo dos braços, até às espáduas, e eram presos com cordões, de maneira que deixavam aos braços a liberdade de movimentos. As pontas de fora dos fios de platina eram reunidas a fios de cobre, cobertos de algodão, e iam ter ao aposento iluminado onde se achavam os experimentadores. Os fios condutores estavam ligados a dois elementos Daniell e a um aparelho de confronto. Quando tudo ficou pronto, fecharam-se as cortinas, deixando assim a médium (Srta. Cook) às escuras. A corrente elétrica atravessou o corpo da médium durante todo o tempo da sessão...
Essa corrente, originando-se nos dois elementos, atravessava o galvanômetro, os elementos de resistência e o corpo da Srta. Cook e voltava em seguida à bateria.”
Antes da introdução da Srta. Cook na corrente, quando estavam reunidas as duas moedas que formavam os pólos da bateria, o galvanômetro marcava um desvio de 300º.
Depois da introdução da Srta. Cook, as moedas foram colocadas nos braços da médium, um pouco acima do punho, e o galvanômetro não marcou mais de 220º.
Assim, pois, o corpo da médium, introduzido na corrente, oferecia uma resistência à corrente elétrica equivalente a 80 divisões da escala.
O objetivo principal daquela experiência era precisamente conhecer a resistência que o corpo da médium podia oferecer à corrente elétrica.
O menor deslocamento dos pólos da bateria, que estavam fixados nos braços da Srta. Cook pelo adesivo, teria inevitavelmente produzido uma mudança na força de resistência oferecida pelo corpo da médium.
Ora, foi em tais condições que a figura de Katie apareceu por muitas vezes na abertura da cortina; mostrou as mãos e os braços, depois pediu papel, um lápis e escreveu perante os assistentes.
Segundo o Sr. Hartmann, teria sido a própria médium quem agiu, “podendo as moedas e o papel mata-borrão ser deslocados, em dois sentidos – para cima e para trás –, permitindo desse modo à médium mover-se livremente”. Se as moedas e o papel mata-borrão tivessem sido repuxados até os ombros, de maneira a deixar em liberdade os dois braços da médium, o trajeto percorrido pela corrente elétrica no corpo da médium teria sido reduzido de metade no mínimo; por conseguinte, a resistência oferecida pelo corpo da médium teria também diminuído de metade, ou 40º, e a agulha do galvanômetro teria subido de 220º a 260º. E entretanto foi o contrário que sucedeu; desde o começo da sessão, não só deixou de haver qualquer aumento de desvio, como, pelo contrário, ele diminuiu constantemente e gradualmente até ao fim da sessão, sob a influência do dessecamento do papel molhado; essa circunstância aumentou a resistência à corrente elétrica e diminuiu o desvio de 220º a 146º.
É fora de dúvida que, se uma das moedas tivesse sido desviada uma polegada apenas, o desvio teria aumentado, e a fraude da médium desmascarada; mas, conforme o disse, o galvanômetro não deixou de baixar.
Fica, pois, estabelecido peremptoriamente que as moedas de ouro aplicadas aos braços da médium não foram deslocadas de um milímetro, que os braços que apareceram e que escreveram não eram os braços da médium, que, por conseguinte, o uso da cadeia galvânica, para se ficar certo da presença da médium atrás da cortina, deve ser considerado uma garantia suficiente; enfim, que as explicações que o Sr. Hartmann apresenta para provar a sua insuficiência revelam exame pouco aprofundado da experiência em questão.
Além desse erro capital cometido pelo Sr. Hartmann, e que é proveniente de sua ignorância acerca do princípio físico sobre o qual se baseava a experiência, é curioso verificar que o Sr. Hartmann não compreendeu absolutamente a sua extrema delicadeza, apesar de todas as explicações dadas no relatório publicado no Psychische Studien; é claro que, usando desse processo, não se tinha unicamente por objetivo conseguir que o aparelho aplicado às mãos da médium ficasse intacto (era a menor preocupação dos operadores), mas desejava-se, porém, mais que tudo, confrontar, registrar os menores movimentos de suas mãos, ficando o aparelho intacto. As variações das condições às quais estava submetida a corrente elétrica, passando pelo corpo da médium, eram indicadas pelo galvanômetrno-refletor, instrumento tão sensível que a corrente elétrica mais fraca, transmitida a 3.000 milhas por um cabo submarino, seria registrada.
Por conseguinte, o menor movimento da médium teria também provocado oscilações do aparelho; e a prova disso tirou-se antes da experiência, como se verifica pela passagem seguinte, extraída de um artigo do Sr. Varley, onde todos os movimentos do galvanômetro são consignados minuciosamente, minuto por minuto:
“Antes de a médium cair em transe, pediu-se-lhe que fizesse movimentos com os braços; a mudança da superfície metálica, posta em contato real com o papel e o corpo, produziu um desvio que se elevou de 15 a 20 divisões, e às vezes ainda mais; por conseguinte, se, no decurso da sessão, a médium tivesse feito o menor movimento com as mãos, seguramente o galvanômetro o teria indicado. Na espécie, a Srta. Cook representava um cabo telegráfico no momento do confronto.” (Psychische Studien, 1874, pág. 344).
E o Sr Hartmann ousa pretender que as moedas e o papel umedecido podiam ter-se deslocado para cima ou para trás sem impedir a médium de aproximar-se do espectador!
Mas para fazer aquela operação e mostrar os braços nus, teria sido preciso que a médium arregaçasse até aos ombros as mangas do vestido, com as moedas, o adesivo, os pedaços de papel, os fios de platina e os laços que mantinham esses fios de platina nos braços. Ela teria sido obrigada a fazer aquela operação a princípio para um braço, depois para o outro. Tudo isso não só sem interromper durante um só instante a corrente elétrica (se a corrente tivesse sido interrompida, ainda que fosse por um décimo de segundo, o galvanômetro teria feito uma oscilação de 290 divisões no mínimo), como ainda sem mesmo provocar outros desvios, além dos resultantes do simples movimento das mãos.
Mas não é tudo. A aceitar-se a explicação do Sr. Hartmann, a médium, antes do fim da sessão, teria posto em seu lugar as mangas do vestido, conservando os aparelhos nos braços. Vimos entretanto que às 7 horas e 45 minutos Katie repetia ainda a experiência da escrita, conservando o braço inteiramente fora da cortina; às 7 horas e 48 minutos, Katie apertou a mão do Sr. Varley e a sessão terminou. Durante esses três minutos o galvanômetro só registrou oscilações insignificantes, compreendidas entre 140º e 150º. Por conseguinte, era impossível à médium fazer os movimentos necessários para restabelecer o status quo ante.
Além disso, o Sr. Hartmann esquece-se de que Katie nunca aparecia sem uma roupagem branca que ia da cabeça aos pés. Naquela sessão, Katie levantou a cortina e mostrou-se por muitas vezes em seu trajo habitual. Segundo o Sr. Hartmann, isso prova simplesmente que a médium mudara de roupa.
E tudo aquilo se teria feito apesar dos fios de cobre que estavam ligados aos de platina e iam ter ao aposento iluminado.
As objeções que acabo de enumerar estabelecem que o Sr. Hartmann só estudou mui superficialmente a bela experiência que se oferecia a seu exame. Mas tudo isso é tão claro, tão patente, tão preciso, que toda a discussão se torna supérflua, desde que o princípio físico sobre o qual se baseava a experiência (a apreciação da soma de resistência oferecida pelo corpo da médium à corrente elétrica) fique bem compreendido, e se se levar em conta o fato de nunca ter diminuído a cifra que representava aquela força de resistência.
Mas ainda há outro fenômeno que se refere àquela categoria de experiências do Sr. Crookes, e a exposição de tal fato agravará a responsabilidade na qual incorreu o Sr. Hartmann emitindo com tanta leviandade seu juízo sobre o método aplicado pelo Sr. Crookes.
A experiência de que acabamos de falar foi repetida pelo Sr. Crookes sozinho, e dessa vez a médium foi introduzida na corrente e Katie King saiu inteiramente de trás da cortina. Eis a passagem do Psychische Studien que se refere àquele incidente, que o Sr. Hartmann teria podido ler na mesma página onde começa a narração da experiência do Sr. Varley:
“Na segunda sessão, foi o Sr. Crookes quem dirigiu a experiência, na ausência do Sr. Varley. Ele obteve resultados semelhantes, tendo tomado em todo o caso a precaução de não deixar aos fios de cobre senão a extensão precisa para permitir à médium mostrar-se na abertura da cortina, no caso em que ela se deslocasse. Entretanto Katie caminhou cerca de 6 a 8 pés fora da cortina; ela não era retida por fio algum, e a observação do galvanômetro não fez verificar nada de anormal em momento algum. Além disso Katie, a instâncias do Sr. Crookes, mergulhou as mãos em um recipiente que continha iodeto de potássio, sem que resultasse por isso a mínima oscilação da agulha do galvanômetro. Se os fios condutores estivessem em comunicação com a sua pessoa, a corrente se teria dirigido pelo caminho mais curto que lhe oferecia assim o líquido, o que teria ocasionado um desvio maior da agulha.” (Psychische Studien, 1874, pág. 342).
O Sr. Harrison, editor do The Spiritualist, que assistiu àquela experiência, e que publicou em seu jornal o relatório que acabamos de citar, mandou inserir no Médium a notícia seguinte, com a aprovação dos Srs. Crookes e Varley:
“Sr. diretor:
Por causa de minha presença em muita sessões recentes, no decurso das quais os Srs. Crookes e Varley dirigiram uma corrente elétrica fraca através do corpo da Srta. Cook, durante todo o tempo em que ela se achava no gabinete, quando Katie estava fora daquele, algumas pessoas que tomavam parte na sessão instaram para que eu lhes comunicasse os resultados obtidos naquelas experiências, na esperança de que essa cláusula dê em resultado proteger de acusações injustas uma médium leal e sincera.
Quando Katie saiu do gabinete, nenhum fio metálico aderia à sua pessoa; durante todo o tempo em que se conservou no aposento, fora do gabinete, a corrente elétrica não sofreu interrupção alguma, como teria sucedido inevitavelmente se os fios se tivessem soltado dos braços da Srta. Cook, sem que suas pontas fossem repostas em contato.
Admitindo mesmo que tal fato se tivesse dado, a diminuição da resistência se teria posto em evidência imediatamente pela agulha do galvanômetro. Nas experiências de que se trata, foi evidentemente demonstrado que a Srta. Cook estava no gabinete enquanto Katie se mostrava fora daquele.
As sessões efetuaram-se: umas no aposento do Sr. Luxmoore, outras no do Sr. Crookes. Antes de lhe dirigir a presente, fiz a sua leitura perante os Srs. Crookes e Varley, que deram a sua aprovação.
11, Ave Maria Lane, 17 de março de 1874.
William H. Harrison.”
Aliás, o artigo do Psychische Studien devia bastar ao Sr. Hartmann se ele tivesse querido lê-lo com a necessária atenção. Como conseguirá ele provar “a insuficiência da fiscalização pela corrente galvânica”? Para onde, pois, as moedas e o papel umedecido puderam “deslizar”? Sem se ter dado o trabalho de estudar a fundo e de procurar compreender as belas experiências dos Srs. Crookes e Varley, ele se apressa em tratar esses dois sábios físicos como se fossem crianças que considerassem a Ciência uma brincadeira. Para destruir o valor das experiências destes, ele dá as primeiras explicações que lhe passam pela mente. O que é permitido ao cronista que diverte o público, à custa da verdade, não fica bem no filósofo que pretende respeitá-la.
A propósito dessas experiências com a corrente galvânica, devo mencionar ainda outro meio de verificar a materialidade e, por conseguinte, a realidade objetiva de uma aparição.
Esse método, que tinha sido sugerido ao Sr. Crookes pelo Sr. Varley, foi posto em execução pelo primeiro dos dois sábios. Infelizmente, só possuímos, acerca desse assunto, as poucas explicações seguintes do Sr. Harrison:
“Os pólos opostos de uma bateria foram postos em comunicação com dois vasos cheios de mercúrio. O galvanômetro e a médium foram em seguida introduzidos no circuito. Quando Katie King mergulhou os dedos nesses vasos, a resistência elétrica não diminuiu e a corrente não aumentou em força; mas quando a Srta. Cook saiu do gabinete e introduziu os dedos no mercúrio, a agulha do galvanômetro indicou um desvio considerável. Katie King oferecia à corrente uma resistência cinco vezes maior do que a Srta. Cook.” (The Spiritualist, 1877, pág. 176).
Dessa experiência podemos concluir que a condutibilidade elétrica do corpo humano é cinco vezes maior do que a de um corpo materializado.
Passemos à segunda exprobração que o Sr. Hartmann dirige ao Sr. Crookes. Este não teria sabido fazer a distinção “entre a formação de uma figura e a transfiguração da médium”, e não teria “levado em conta a influência que exerce a alucinação sugerida na produção de uma transfiguração ilusória” (pág. 18). Examinemos, pois, o argumento do Sr. Crookes e o método que ele emprega. Antes de admitir a formação material de Katie King, ele tinha tomado por princípio a necessidade de obter uma prova absoluta; essa prova devia fundar-se no fato seguinte: a médium e a forma materializada deveriam ser vistas ao mesmo tempo. O Sr. Crookes diz textualmente:
“Ninguém veio afirmar de maneira categórica, baseando-se no testemunho dos sentidos, que no momento em que a aparição, denominando-se Katie, era visível no aposento, que o corpo da Srta. Cook se achava ou não no gabinete. Parece-me que toda a questão se reduz na solução dessa alternativa. Demonstre-se o bom fundamento de uma ou de outra dessas suposições, então todas as questões secundárias cairão por si mesmas; mas essa prova deve ser absoluta e não baseada em raciocínios, ou na pretendida integridade dos selos, dos nós e das costuras.” (Psychische Studien, 1874, pág. 290).
Desde que o Sr. Crookes se tinha imposto um princípio tão rigoroso, andar-se-ia mal avisado acusando-o de “falta de circunspecção” e pretender que ele tivesse desprezado as cautelas de fiscalização necessárias para certificar-se de que não se achava em presença de simples transfiguração da médium. A prova absoluta que ele desejava tinha precisamente por objetivo eliminar tal eventualidade.
Dois meses mais tarde, o Sr. Crookes nos escrevia:
“Sinto-me feliz em lhe poder informar que afinal consegui estabelecer a prova absoluta de que falei em minha precedente carta.”
Eis a descrição que ele faz de sua experiência:
“Katie declarou que supunha estar daquela vez no caso de mostrar-se ao mesmo tempo que a Srta. Cook. Ela convidou-me a apagar o gás e voltar com a minha lâmpada de fósforo ao aposento que servia então de gabinete. Procedi de acordo com o seu desejo, depois de ter pedido a um de meus amigos, perito estenógrafo, que escrevesse cada uma das palavras que eu pronunciasse, quando estivesse no gabinete; eu sabia quão pouco devia confiar na importância das primeiras impressões e não desejava confiar na memória, além do que era lícito. As notas tomadas estão presentes. Andei com cautela no aposento, que então se achava às escuras, e procurei às apalpadelas pela Srta. Cook, que encontrei deitada no chão. À luz fosfórea, divisei aquela moça, vestida de veludo preto, como na primeira parte da sessão. Ela me parecia privada dos sentidos; não fez movimento algum quando lhe tomei a mão e aproximei-lhe a luz do rosto, e continuou a respirar tranqüilamente.
Levantei a lâmpada e, lançando um olhar em redor de mim, vi Katie em pé, justamente por trás da Srta. Cook. Ela trazia ampla túnica branca, como nos tinha aparecido havia pouco. Segurando sempre a mão da Srta. Cook, ajoelhado no soalho, dirigi alternadamente a lâmpada para cima e para baixo, a fim de iluminar a forma inteira de Katie e de me certificar assim de que tinha realmente diante de mim essa mesma Katie que eu tinha sustentado em meus braços alguns momentos antes, e que eu não era vítima da ilusão de um cérebro sobreexcitado. Sem dizer coisa alguma, ela me fazia acenos com a cabeça e sorria para mim com semblante amável.
Por três vezes examinei cuidadosamente a Srta. Cook, deitada a meu lado, para ficar convicto de que a mão que eu segurava pertencia a uma mulher viva, e por três vezes dirigi o clarão da lâmpada sobre Katie, examinando-a com atenção ininterrupta, até que não me ficasse dúvida alguma acerca da sua realidade objetiva. Finalmente a Srta. Cook se moveu e imediatamente Katie me acenou para que eu me retirasse. Dirigi-me à outra extremidade do aposento e não vi mais Katie; porém só me retirei dali quando a Srta. Cook despertou e entraram, trazendo a luz, duas pessoas que tinham tomado parte na sessão.” (Psychische Studien, 1874, págs. 388 e 389).
Como é precioso para essa questão tudo quanto sai da pena do Sr. Crookes, dou aqui um testemunho suplementar dessa prova absoluta, contida em uma carta do Sr. Crookes ao Sr. Cholmondeley Pennell, escrita em resposta às dúvidas emitidas por este último. O Sr. Pennell cita essa resposta em carta que publicou no The Spiritualist (1874, pág. 179). É desse jornal que a transcrevemos:
“No decurso dessa experiência, eu estava mui profundamente compenetrado de sua importância para que desprezasse qualquer medida de averiguação que me parecesse de natureza a poder torná-la mais completa. Tendo conservado durante todo o tempo em minha mão a da Srta. Cook, ajoelhado perto dela, aproximando a lâmpada de seu rosto e vigiando sua respiração, tenho base suficiente para estar persuadido de que não fui mistificado por meio de um manequim ou de uma trouxa de vestidos; quanto à identidade de Katie, estou igualmente convencido. Sua estatura, seus modos, seu rosto, sua conformação, seu trajo, assim como seu sorriso gracioso eram indubitavelmente os mesmos que eu tinha visto por tantas vezes; o exterior de Katie me era tão familiar quanto o da Srta. Cook, pois que eu o tinha olhado freqüentemente durante muitos minutos, à distância de algumas polegadas apenas e perfeitamente iluminado.”
Em seu terceiro artigo publicado no Psychische Studien (1875, pág. 19), o Sr. Crookes dá os pormenores seguintes:
“Há muito pouco tempo é que permite Katie que eu faça o que desejo: tocá-la, entrar no gabinete e sair dele, como me apraz; acompanhei-a freqüentemente de perto quando ela entrava no gabinete. Então eu a via ao mesmo tempo que a médium; porém, as mais das vezes só encontrava a médium, que estava imersa em transe e deitada no soalho, ao passo que Katie tinha desaparecido subitamente.”
É, pois, de evidência perfeita, segundo as observações do Sr. Crookes, que não se poderia tratar de uma transfiguração da médium. E o Sr. Hartmann nos vem afirmar, apesar de tudo e com imperturbável seriedade, que o Sr. Crookes não soube fazer a distinção entre a produção de uma forma independente e a transfiguração da médium, quero dizer: ele tomou Katie King por uma forma independente, ao passo que tudo aquilo não passava de uma transfiguração da Srta. Cook. Afirmação bizarra, pois que as duas formas eram visíveis ao mesmo tempo!
Vê-se que, logicamente, o Sr. Hartmann, de acordo com a sua própria teoria, só poderia ter recorrido à alucinação para explicar as experiências do Sr. crookes. Ora, é bom notar que o Sr. Hartmann, por um raciocínio inexplicável, evita obstinadamente acusar o Sr. Crookes de ter sido ludíbrio de uma alucinação; ele persiste em afirmar, pelo contrário, que os fenômenos em questão – que o Sr. Crookes teria tomado por uma materialização – não eram outra coisa mais do que uma transfiguração da médium. Mas, de uma maneira instintiva, adivinham-se facilmente as razões dessa lógica. O Sr. Hartmann sabia perfeitamente que teria de contar com as fotografias obtidas pelo Sr. Crookes. O que era ontem uma alucinação poderia tornar-se amanhã uma fotografia, com a qual ele seria obrigado a contar.
Eis-nos reconduzidos ao nosso assunto: a realidade das materializações está provada pelas fotografias tiradas enquanto a médium e o fantasma são visíveis ao mesmo tempo. Fiel a seu princípio de encontrar uma prova absoluta, o Sr. Crookes fez muitas experiências desse gênero. Damos aqui a seu respeito os pormenores essenciais:
“Na última semana antes de seu desaparecimento definitivo, Katie aparecia quase todas as noites nas sessões que eu tinha organizado em minha casa, a fim de achar-me em condições de fotografá-la com o auxílio de uma luz artificial. Para tal fim prepararam-se cinco aparelhos fotográficos completos, para que a operação não sofresse demora; era eu mesmo, aliás, quem fazia todas as manipulações com o auxílio de um ajudante.
Minha biblioteca servia de gabinete escuro. Uma porta de duas bandeiras conduz desse aposento a um laboratório. Uma das bandeiras foi retirada e substituída por uma cortina, a fim de permitir a Katie passar mais facilmente. Os amigos que assistiram àquela sessão instalaram-se nesse laboratório, defronte da cortina; as câmaras escuras eram dispostas por trás deles, todas preparadas para receber a imagem de Katie, à sua saída do gabinete, bem como tudo quanto se achasse no aposento, no instante em que se abrisse a cortina. Todas as noites três ou quatro negativos foram obtidos em cada uma das câmaras escuras, o que perfazia na média cerca de quinze fotografias diferentes, muitas das quais se inutilizaram no ato de serem reveladas, algumas outras enquanto se graduava a intensidade da luz. Possuo ao todo 44 negativos, muitos dos quais mal sucedidos, outros sofríveis e alguns muito bem acabados.
Ao entrar no gabinete, a Srta. Cook deitava-se no soalho, com a cabeça sobre um travesseiro, e caía logo em transe. Durante as sessões fotográficas, Katie envolvia a cabeça de sua médium em um xale, para impedir que a luz atingisse seu rosto. Muitas vezes levantei a cortina de um lado, quando Katie se conservava ao lado da Srta. Cook, então sucedia freqüentemente que todos os assistentes, em número de sete a oito, pudessem contemplar ao mesmo tempo Katie e a Srta. Cook, graças a uma intensa iluminação elétrica. Nessas ocasiões não víamos, é verdade, o rosto da médium, por causa do xale que o cobria, mas podíamos ver suas mãos e pés, observar seus movimentos, que denotavam incômodo sob a influência da luz, e podíamos ouvir os gemidos que ela dava às vezes. Possuo uma fotografia que as apresenta juntas uma da outra, mas Katie está sentada diante da Srta. Cook, de maneira que encobre sua cabeça.” (Psychische Studien, 1875, págs. 19-21).
A prova absoluta que o Sr. Crookes procurava, obteve-a igualmente pela fotografia, e ela vem assim corroborar a que o testemunho dos sentidos lhe tinha dado anteriormente.
Do que precede, como concluir que em suas experiências com a Srta. Cook o Sr. Crookes não tenha sabido fazer a distinção entre uma formação material independente e uma transfiguração da médium?
Pois bem! Que diz o Sr. Hartmann sobre as fotografias obtidas pelo Sr. Crookes? É muito simples: ele afirma, com perfeita convicção, que a imagem reproduzida é a da médium, sem se dar ao trabalho de verificar qual podia ser a pessoa que se via por trás da cortina, enquanto se procedia do lado de fora à fotografia da forma materializada.
Ser-lhe-ia, entretanto, muito fácil dizer que aquilo não passava de uma modalidade da alucinação: a figura fotografada era a médium transfigurada; a que se via deitada no chão atrás da cortina, e que se tomava pela médium, não passava de uma alucinação sugerida pela médium aos assistentes. O método crítico aplicado nessa circunstância se apresentaria pois assim: quando não se trata de fotografias e o médium e o fantasma são vistos ao mesmo tempo, o fantasma é uma alucinação; mas quando há experiência fotográfica e se vê simultaneamente o médium e o fantasma reproduzidos na chapa, então é o médium que se torna uma alucinação.
O Sr. Hartmann teria procedido bem se nos dissesse se sanciona tal método de argumentação; mas ele nada nos diz a respeito.
Há também outro ponto de natureza a criar algumas dificuldades ao Sr. Hartmann. O Sr. Crookes define exatamente as dessemelhanças verificadas por ele entre a Srta. Cook e Katie:
“A estatura de Katie King é variável: em minha casa eu a vi excedendo em seis polegadas a da Srta. Cook. A noite passada, ela era maior que a Srta. Cook apenas quatro polegadas e meia; estava descalça. Seu pescoço estava a descoberto, e eu pude verificar que ela tinha a pele sedosa e igual, enquanto que a Srta. Cook tem no pescoço a marca de larga cicatriz, muito visível e que se sente ao tato. As orelhas de Katie não são furadas; a Srta. Cook, pelo contrário, usa habitualmente brincos; Katie é muito loura, a Srta. Cook muito morena; os dedos de Katie são muito mais afilados do que os da Srta. Cook e seu rosto mais largo.” (Psychische Studien, setembro de 1874, pág. 389).
Vejamos a explicação categórica que nos apresenta o Sr. Hartmann relativamente a esses pormenores:
“Enquanto se trata de dessemelhanças pouco importantes entre o fantasma e o médium (por exemplo como nas experiências do Sr. Crookes), a entrada do médium em cena não tem evidentemente por fim senão facilitar a transmissão da alucinação.” (págs. 95 e 96).
Deixaremos de lado a questão da oportunidade do emprego da expressão “pouco importante”, contentando-nos em notar este fato principal: segundo o Sr. Hartmann, essas dessemelhanças ou “desvios” seriam, pois, alucinações que o médium teria produzido sobre si mesmo. Admitamos o fato. Mas o Sr. Hartmann esquece que entre esses “desvios” há um que foi verificado pelo Sr. Crookes, materialmente e de maneira permanente, a saber: a diferença na cor dos cabelos. Eis o que ele diz a respeito:
“Tenho à vista um cacho proveniente da opulenta cabeleira de Katie; com a sua permissão, cortei-a, depois de ficar convicto, apalpando-o até às raízes, de que ele tinha nascido realmente em sua cabeça; esse cacho é de um castanho muito claro, ao passo que os cabelos da Srta. cook são de um escuro que os faz parecer negros.” (Psychische Studien, 1875, pág. 22).
Essa prova material vale bem a evidência de uma chapa fotográfica! Ou antes, por acaso, quando o Sr. Crookes cortava aquela mecha, “não teria ele reparado que precisamente aquela mecha apresentava uma coloração notavelmente diferente da cor do resto da cabeleira”? (Spiritualismus, pág. 89). Talvez a alucinação se tenha limitado àquela mecha especial, como também a “cicatriz”, as “orelhas” e os “dedos”? O Sr. Hartmann esquece-se também de tomar em consideração entre essas “semelhanças” a estatura das duas pessoas, que foi medida. Uma diferença de quatro e meia a seis polegadas na altura não é uma quantidade para desprezar.
O Sr. Hartmann seria tentado a afirmar que a medição foi feita em estado alucinatório? Então ele iria de encontro a algumas dificuldades: o Sr. Crookes verificou essa diferença de estatura pela fotografia, lançando mão de um processo muito engenhoso e convincente. Eis o que lemos:
“Uma das mais interessantes fotografias é aquela em que sou reproduzido ao lado de Katie. Ela estava de pé, com os pés descalços, em local determinado; depois da sessão, vesti na Srta. Cook uma roupagem semelhante à que era usada por Katie; coloquei-a exatamente na mesma posição em que ela estava e retomei o local que ocupava dantes; para fotografá-la fez-se uso dos mesmos aparelhos, com a mesma iluminação. Essas duas fotografias superpostas são conformes quanto à minha estatura pessoal, porém Katie é maior do que a Srta. Cook cerca de meia cabeça e parece uma senhora alta ao seu lado. Em muitas fotografias as dimensões de seu rosto a distinguem de sua médium de maneira notável; as mesmas imagens denotam ainda outras dessemelhanças.” (Psychische Studien, 1875, págs. 21 e 22).
A metade de uma cabeça basta de sobra para provar que não houve na espécie uma “transmissão de alucinação”, como o pretende o Sr. Hartmann (Espiritismo, pág. 96). Qual é, pois, sua opinião a respeito dessa fotografia? Ele não fica embaraçado por tão pouca coisa: é sempre o próprio médium quem é reproduzido na fotografia. Ele diz textualmente:
“Admitindo para os médiuns a faculdade de penetrar a matéria, é claro que somos coagidos a recorrer a outros processos além do isolamento do médium, para estabelecermos a sua não identidade com o fantasma... Todas as experiências em que essa não identidade só é baseada no isolamento devem ser recusadas por não fornecerem nenhum prova convincente; tudo o que é produzido pela aparição, em tais condições, deve ser considerado como ato realizado pela médium; se, por exemplo, ela corta uma mecha de cabelos e os distribui pelos assistentes; se passa no meio deles, conversa com eles, se deixa fotografar, etc., é sempre a médium.” (Psychische Studien, II, págs. 19, 20 e 22; Espiritismo, págs. 88 e 89).
As citações do Psychische Studien feitas pelo Sr. Hartmann se referem, como se vê, precisamente às experiências do Sr. Crookes, das quais se acaba de falar. Mas trata-se aqui de um “isolamento dos médiuns”? A prova da não identidade do médium e do fantasma não se baseia, nessas experiências, precisamente sobre um princípio completamente diferente?
Assim, pois, eis toda a atenção que o Sr. Hartmann aquiesce em prestar às experiências de materialização do Sr. Crookes, que gozam, com justa razão, entre os espíritas, da mais alta autoridade. Tínhamo-nos preocupado particularmente com a opinião que um filósofo, um pensador como o Sr. Hartmann, emitiria acerca de tais investigações; tínhamos a convicção de que essas experiências decisivas (o circuito galvânico e a fotografia) seriam especialmente e conscienciosamente examinadas por ele; e, pelo menos, quando vimos o Sr. Hartmann iniciar a discussão acusando o Sr. Crookes de ter carecido de “senso crítico”, esperávamos ainda que ele nos expusesse com todas as circunstâncias necessárias as razões pelas quais declara que as experiências do Sr. Crookes não correspondem às exigências impostas a um “pesquisador sério”.
Ao revés, não descobrimos, esparsas em seu livro, mais de umas vinte linhas, em que se vêem afirmações gerais arbitrárias, em contradição com os fatos, de maneira tal que o leitor, que não se desse ao trabalho de confrontar as afirmações temerárias do Sr. Hartmann com as afirmativas leais do Sr. Crookes, formaria uma idéia completamente falsa dos meios empregados por este último para o estudo de fenômenos, inverossímeis até o mais alto ponto, e que devem ser tratados com muita circunspecção e prudência, por um homem de ciência que se respeita e que sabe que empenha a sua reputação proclamando publicamente a existência de tais fenômenos.
Quando um filósofo, como o Sr. Hartmann, acusa um físico de primeira ordem, qual o Sr. Crookes, de “não ter mostrado em suas experiências o grau de circunspecção que se pode esperar de um homem de ciência” (pág. 18), tem o dever, antes de tudo, de demonstrar que ele próprio deu prova dessa circunspecção, cujas condições essenciais são: compreender a fundo o que se critica e explicá-lo com clareza.
Vejo-me na necessidade de verificar, com grande pesar, que o Sr. Hartmann não procedeu lealmente para com o Sr. Crookes e que a acusação de “carecer de senso crítico” deve-lhe ser devolvida.
Onde procurar a causa de tão estranhas condutas? O Sr. Hartmann acusa os espíritas de “se deixarem guiar em suas pesquisas unicamente por suas simpatias” (pág. 20). Que os espíritas se contentem com esta acusação; eles não são os únicos que se deixam fascinar por interesses de tal natureza.
Mas não terminamos ainda com as asserções errôneas do Sr. Hartmann a respeito das fotografias do Sr. Crookes, se bem que o Sr. Hartmann tenha a prudência de não nomeá-lo. É assim que na passagem seguinte (pág. 97) ele fala de novo dessas fotografias:
“É certo que todas as experiências fotográficas feitas até hoje sobre aparições percebidas pelos assistentes testemunham contra a objetividade desses fenômenos, pois que todas elas deram resultados negativos, à exceção dos casos em que a médium foi fotografada, e então as reproduções não têm nitidez suficiente para estabelecer se se conseguiu fotografar, ao mesmo tempo que a médium, a imagem ilusória que a envolve; por outra, se a fotografia obtida representa o próprio fantasma, e não a médium que ele reveste.” (pág. 97).
Em toda essa passagem, muito confusa, apenas compreensível, de que pretende falar o Sr. Hartmann? Qual é a generalidade das experiências fotográficas feitas até hoje que teriam “dado resultado negativo”? E quais são as fotografias que “fazem exceção”? Por que não indica a fonte das informações sobre as quais baseia tal afirmação? Mas, já que o Sr. Hartmann (segundo os documentos de que dispunha e cuja fonte cita em seu livro) não pôde ter conhecimento de “outras experiências fotográficas feitas sobre aparições percebidas pela assistência”, além das publicadas no Psychische Studien, onde não são referidas senão as experiências fotográficas do Sr. Crookes, é evidente que a passagem acima citada não se refere senão a essas fotografias; é tanto mais certo que, imediatamente depois desse parágrafo, ele fala da fotografia do Sr. Crookes, sobre a qual a médium e a forma materializada aparecem ao mesmo tempo. De tudo isso resulta que, na passagem citada, as palavras “todas as experiências fotográficas feitas sobre fantasmas vistos pelos assistentes... em todos os casos referidos até o presente, conduziram a insucesso” não têm sentido algum preciso, não se aplicam a coisa alguma – não houve tentativas sem resultado.
É do mesmo modo difícil compreender a segunda metade da mesma passagem, na qual o Sr. Hartmann afirma que nos casos em que o “resultado não foi negativo”, e em que “a própria médium foi fotografada”, as imagens são por demais indistintas para que se possa verificar se, além da médium, a fotografia também reproduziu as “vestimentas ilusórias nas quais estava vestida”.
Que é preciso entender por “vestimentas ilusórias nas quais a médium estava vestida”?
Conforme o que se lê nas páginas 90 e 103, é preciso compreender que são as vestimentas brancas em forma de véus e “as peças de vestidos alucinatórios” por meio dos quais a médium produz a ilusão desejada. Em que se funda o Sr. Hartmann para dizer que sobre essas fotografias não se vêem as “vestimentas ilusórias que vestiam a médium”? Que fotografias ele viu? De quais ele fala? Ele no-lo deveria dizer com muita exatidão. As fotografias de formas materializadas não são numerosas; não se contam mais de algumas, poucas, e, por minha parte, não conheço aquelas às quais se possam aplicar as asserções do Sr. Hartmann.
Posso certificar, pelo contrário, que em todas essas fotografias – que eu possuo, compreendendo nesse número os exemplares que recebi do Sr. Crookes – “a ilusão que veste a médium”, de que fala o Sr. Hartmann, é perfeitamente fotografada e que por conseguinte a fotografia representa efetivamente o que o Sr. Hartmann chama “o fantasma”.
Farei aqui uma breve digressão, contando minha entrevista com Katie King, entrevista cuja narração nunca foi publicada pela imprensa estrangeira.
Era em 1873. O Sr. Crookes já tinha publicado seus artigos sobre a força psíquica, mas não acreditava ainda nas materializações, acrescentando que só acreditaria nelas quando tivesse visto, ao mesmo tempo, a médium e a forma materializada. Achando-me em Londres, naquela época, eu desejava naturalmente ver com os meus próprios olhos esse fenômeno, único então. Tendo travado relações com a família da Srta. Cook, fui gentilmente convidado para assistir à sessão que devia realizar-se a 22 de outubro. Reunimo-nos em pequeno aposento que servia para sala de jantar. A médium, Srta. Florence Cook, tomou lugar em uma cadeira no ângulo formado pelo fogão e a parede, por trás de uma cortina suspensa em argolas. O Sr. Luxmoore, que dirigia a sessão, exigiu que eu examinasse perfeitamente o aposento e também as ligaduras da médium, pois julgava que esta última precaução era sempre indispensável. Em primeiro lugar, ele amarrou cada uma das mãos da médium, separadamente, com um cordão de linho, lacrou os nós; depois, reunindo as mãos por trás das costas, ligou-as conjuntamente com as pontas do mesmo cordão, e de novo lacrou os nós; depois, ligou-as ainda com uma longa fita que enrolou do lado de fora da cortina, em um gancho de cobre e que foi amarrada à mesa perto da qual ele estava sentado, de tal maneira que a médium não pudesse mover-se sem transmitir um movimento à fita. O aposento era iluminado por pequena lâmpada colocada por trás de um livro. Ainda não tinha decorrido um quarto de hora, quando a cortina foi levantada suficientemente de um lado, para descobrir uma forma humana, de pé perto da cortina, vestida completamente de branco, com o rosto descoberto, mas tendo os cabelos envoltos em um véu branco; as mãos e os braços estavam nus. Era Katie.
Na mão direita segurava um objeto que entregou ao Sr. Luxmoore, dizendo-lhe:
– É para o Sr. Aksakof; faço-lhe presente de tudo...
Ela me oferecia um pequeno púcaro de doce! E a entrega desse presente provocou um riso geral. Como se acaba de ver, o nosso primeiro encontro nada teve de místico.
Tive a curiosidade de perguntar donde vinha esse púcaro de doce.
Katie me deu esta resposta, não menos prosaica do que o seu presente:
– Da cozinha.
Durante toda essa sessão ela conversou com os membros do círculo; sua voz era fraca; não se percebia mais do que ligeiro cochicho. Ela repetia de instante a instante:
– Façam-me perguntas, perguntas sensatas.
Então eu lhe perguntei:
– Não podes mostrar-me a tua médium?
Ela me respondeu:
– Sim, vem depressa e olha.
Imediatamente abri a cortina, da qual eu não distava mais de cinco passos; a forma branca tinha desaparecido e, diante de mim, em um ângulo sombrio, divisei a médium sempre sentada na cadeira; ela trajava um vestido de seda preta e por conseguinte eu não podia vê-la mui distintamente, na sombra. Desde que voltei ao meu lugar, Katie reapareceu perto da cortina e me perguntou:
– Viste bem?
– Não muito bem – respondi –; está bastante escuro atrás da cortina.
– Então leva a lâmpada e olha o mais depressa que puderes – respondeu Katie.
Em menos de um segundo, de lâmpada em punho, cheguei ao lado de trás da cortina. Todo vestígio de Katie tinha desaparecido. Achei-me em presença da médium, sentada na cadeira, imersa em sono profundo, com as mãos amarradas por trás das costas. A luz da lâmpada, refletindo-se em seu rosto, produziu o efeito costumado: a médium gemeu, fazendo esforços para despertar; um diálogo interessante estabeleceu-se, por trás da cortina, entre a médium, que se esforçava em despertar completamente, e Katie, que desejava adormecê-la ainda; mas Katie teve que ceder: despediu-se dos assistentes e o silêncio se fez. Estava terminada a sessão.
O Sr. Luxmoore convidou-me a examinar atentamente os nós, os laços e os selos; tudo estava intacto; quando eu tive que cortar os laços, experimentei grande dificuldade em introduzir a tesoura por baixo das fitas, tão fortemente apertados estavam os punhos.
Examinei de novo o gabinete, logo que a Srta. Cook o deixou. Ele não media mais do que cerca de um metro de largura e menos de meio metro de fundos; as duas paredes eram de tijolo. Para mim era evidente que não tínhamos sido vítimas de uma mistificação por parte da Srta. Cook. Mas então donde tinha vindo e por onde tinha desaparecido essa forma branca, viva, falante – uma verdadeira personalidade humana?
Estou bem lembrado da impressão que experimentei naquele dia. Certamente eu estava preparado com antecedência para ver aquelas coisas e, entretanto, experimentava dificuldades em dar crédito a meus olhos. O testemunho dos sentidos e a própria lógica coagiam-me a acreditar, ao passo que a razão se opunha a isso, tão certo é que a força do hábito subjuga todos os nossos raciocínios: quando estamos habituados com uma coisa julgamos compreendê-la.
Um observador superficial suporá mui naturalmente que o papel de Katie foi representado por uma pessoa qualquer que se tivesse introduzido por uma abertura habilmente dissimulada.
Mas não esqueçamos que as sessões não se tinham realizado sempre no aposento ocupado pela família Cook. Assim, tive o ensejo, a 28 de outubro, de tornar a ver Katie em uma sessão que foi organizada em casa do Sr. Luxmoore – homem de fortuna –, antigo Juiz de Paz. Os convidados eram em número de quinze.
Esperando a chegada da Srta. Florence Cook, examinamos o aposento que devia servir de gabinete escuro e que dava passagem para o salão. Havia ali uma segunda porta, que o Sr. Dumphey (redator do Morning Post) fechou à chave; ele guardou a chave no bolso. Em pouco tempo chegou a Srta. Florence, acompanhada por seus pais; fizeram-na sentar-se em uma cadeira, perto da porta que comunicava com o salão, e o Sr. Luxmoore amarrou-a, mas não da mesma maneira que na sessão precedente: a cintura e os braços estavam ligados separadamente; o cordão que prendia a cintura era ainda dessa vez passado por baixo de um gancho de cobre fixado no soalho, perto da cadeira ocupada pela Srta. Cook, que, em seguida, foi conduzida até o salão; os nós do cordão foram selados, como da primeira vez, pelo Sr. Luxmoore. Todos os convidados assistiram àquela operação, depois da qual passamos ao salão. As cortinas foram cerradas; tomamos lugar defronte, em semicírculo. O aposento estava iluminado suficientemente. Em breve, a cortina abriu-se cerca de um pé e a forma de Katie apareceu na porta, vestida como de ordinário, e sustentou suas conversações habituais. O cordel que jazia no soalho não se movia. Katie insistiu ainda para que lhe propusessem perguntas sensatas.
Externei o desejo que tinha de que ela se aproximasse mais de nós; que passeasse pelo aposento; que desse um passo apenas, como o tinha feito nas sessões precedentes; ela respondeu que não poderia fazê-lo naquela noite. Desapareceu por um instante e reapareceu segurando entre as mãos um grande jarro japonês que estava no quarto em que se achava a Srta. Cook, porém à grande distância da cadeira na qual ela estava amarrada. O jarro foi retirado das mãos de Katie, que girou três vezes em torno de um mesmo ponto. Por esses movimentos ela queria evidentemente demonstrar-nos que seu corpo e mãos estavam livres de obstáculos e, por conseguinte, que não era a médium que se nos mostrava.
A sessão durou cerca de uma hora. Katie apareceu e desapareceu por muitas vezes. Finalmente a Srta. Cook começou a despertar; teve ainda uma conversa com Katie, e a sessão terminou como precedentemente. Um dos assistentes examinou os selos e os nós, cortou os cordéis e retirou-os.
Em meu canhenho de notas, encontro a seguinte notícia, referindo-se à época das experiências de que estamos tratando:
“Confesso que as sessões da Srta. Cook me impressionaram profundamente: por um lado eu hesitava em dar crédito a meus olhos, e entretanto a evidência dos fatos, as condições em que eles se tinham realizado, coagiam-me a aceitá-los. Mas não pude deixar de considerar todo aquele luxo de ligaduras pouco apropriado para inspirar confiança completa; seu resultado é infligir ao médium um incômodo penoso e enervador.
A demonstração não seria, por conseguinte, mais convincente se a Srta. Cook estendesse um braço sem deixar o lugar onde estava, e pousasse a mão, por exemplo, em uma cadeira, fora da cortina, de maneira que o espectador pudesse ver simultaneamente o fantasma e aquela mão, ou ainda melhor – desde que nenhuma das partes do corpo da médium pode, diz-se, suportar a luz – se a própria Katie desviasse a cortina com a mão, visível a todos, fazendo-nos assim ver a médium, ainda que por um instante, como eu lhe tinha pedido que fizesse. Pretende-se que ela prometeu deixar-se fotografar algum dia no mesmo clichê juntamente com a médium.”
Ela cumpriu essa promessa. Ninguém teria imaginado naquela época que essas experiências fotográficas tivessem de ser feitas pelo Sr. Crookes, que não acreditava ainda nos fenômenos da materialização.
No decurso de uma conversação que tive com Crookes, depois das sessões referidas, ele pediu minha opinião acerca dessas manifestações. Respondi-lhe que me julgava coagido a considerá-las autênticas. Ele me replicou: “Nenhuma ligadura me fará acreditar nesse fenômeno; conforme posso julgar, a ligadura não oferece obstáculos à força em atividade; só me darei por convencido quando vir ao mesmo tempo a médium e a figura materializada.”
Foi algum tempo depois de minha partida de Londres que ocorreu o incidente que pretendeu ter conseguido “desmascarar” a Srta. Cook e que deu em resultado colocá-la nas mãos do Sr. Crookes. Sabe-se como as coisas se passaram. Um espírita muito céptico resolveu tirar o assunto a limpo: no momento em que a forma de Katie saiu de trás da cortina, ele se atirou para a frente e segurou-a... Houve uma confusão completa. Mas o incrédulo se obstinava em sua opinião: “A figura materializada não era outra senão a própria médium.” Foi então que os pais da Srta. Cook dirigiram ao Sr. Crookes a súplica de tomar a filha sob sua fiscalização absoluta, pois que todas as pessoas queriam ter o espírito tranqüilo a tal respeito. Por ocasião de minha entrevista seguinte com o Sr. Crookes, em 1875, ele me mostrou a série de fotografias que tinha obtido.
Por conseguinte, me é permitido testemunhar, em desacordo com a afirmação do Sr. Hartmann (pág. 97), que nas fotografias de Katie King “a aparição ilusória que tinha transfigurado a médium” foi do mesmo modo “reproduzida na fotografia”, que “as fotografias obtidas” têm “perfeita semelhança com o fantasma”, que eu próprio, assim como outras pessoas, vimos por muitas vezes.
4) O médium e o fantasma são ambos
visíveis e fotografados ao mesmo tempo.
Passamos agora à quarta categoria de fenômenos, aqueles que se acham nas condições absolutas impostas pelo Sr. Hartmann, isto é, que a médium e a forma materializada sejam fotografadas ao mesmo tempo, em uma mesma chapa.
Em primeiro lugar, devo mencionar aqui uma das fotografias do Sr. Crookes, aquela a cujo respeito ele diz: “Possuo uma fotografia na qual a médium e a forma materializada são reproduzidas ao mesmo tempo, porém Katie está colocada adiante da cabeça da Srta. Cook.” É verdade que essa fotografia não é satisfatória; tive oportunidade de vê-la no verão passado, em Londres: a médium está deitada no chão; não se lhe vê a cabeça, que está coberta por um xale; não se lhe vêem também os pés, porque a fotografia não reproduziu a forma senão até à metade da saia; finalmente, no meio, vê-se o contorno, muito indeciso, de uma forma branca, que parece estar de cócoras.
Mas o Sr. Hartmann, que não viu essa fotografia, tem outros motivos que não tenho para considerá-la incompleta e pouco satisfatória. E eis como ele fala a respeito dela:
“A fotografia tirada por Crookes, na qual se vê ao mesmo tempo a médium e o fantasma (Psychische Studien, II, 21) deixa suspeitar com fundamento que, em lugar do pretendido fantasma, foi a médium quem foi reproduzida, enquanto que no lugar da médium não se teriam visto mais do que seus vestidos repousando em um travesseiro, e meio disfarçados.” (Espiritismo, págs. 97 e 98).
O Sr. Hartmann não nos explica o que pôde motivar sua “profunda suspeita”; essa explicação seria entretanto necessária para compreender-se de que modo o testemunho de seus olhos pôde enganar as sete ou oito pessoas que assistiam à sessão. Assim, durante todo o tempo em que Katie se conservava fora do gabinete para ser fotografada, por muitas vezes, essas pessoas “viam os pés e as mãos da médium e também os movimentos que ela fazia sob a influência do mau estar que lhe ocasionava a luz muito intensa”; depois, repentinamente, a única vez em que Katie se abaixou perto da médium para permitir que as fotografassem conjuntamente, essas mesmas pessoas deixaram de vê-la e só divisaram em seu lugar um volume de vestidos sustentados por um travesseiro colocado por baixo.
Será preciso pelo menos explicar esse fato, se se deseja que “suspeitas” desse gênero sejam tomadas a sério.
Por meu lado, tomo a incumbência de provar a todas as pessoas que têm fé na palavra do Sr. Crookes que essa suspeita do Sr. Hartmann é sem fundamento, e que o Sr. Crookes, posto de sobreaviso contra semelhantes interpretações, se tinha convencido seguramente de que não era uma boneca que ficava no gabinete.
Possuímos sobre esse ponto o próprio testemunho do Sr. Crookes, conforme carta que ele escreveu ao Sr. Ditson, da América, e que vamos reproduzir. A primeira parte dessa carta fornece-nos um complemento importante à carta que ele tinha escrito ao Sr. Cholmondelly Pennell, que citamos mais acima, e na segunda parte encontraremos os pormenores necessários sobre a fotografia de que se trata. Eis o conteúdo dessa carta:
“Senhor:
A citação feita pelo Sr. Pennell, em sua carta ao The Spiritualist, é tirada efetivamente de uma carta que eu lhe dirigi. Em resposta a seu quesito, tenho a honra de confirmar que vi simultaneamente a Srta. Cook e Katie, à claridade da lâmpada de fósforo, que era suficiente para me permitir distinguir com perfeição tudo o que descrevi. O olho humano tende naturalmente a abraçar um ângulo tão grande quanto possível; por isso as duas figuras se achavam ao mesmo tempo em meu campo visual; mas, sendo a luz fraca, e a distância entre as duas figuras de muitos pés, eu era coagido a dirigir a minha lâmpada e também os olhos, ora sobre o rosto da Srta. Cook, ora sobre o de Katie, conforme desejava ter um ou outro no ponto mais favorável do campo visual. Desde então, Katie e a Srta. Cook foram vistas simultaneamente por mim mesmo e por oito outras testemunhas, em minha casa, à plena luz elétrica. Nessa ocasião, o rosto da Srta. Cook não era visível, porque a cabeça estava envolta em um xale espesso; mas verifiquei de maneira indubitável que ela se achava ali realmente. A tentativa que se fez de dirigir a luz sobre o seu rosto, quando ela estava em transe, produziu conseqüências sérias.
Não é talvez sem interesse, para o senhor, saber que antes que Katie se tivesse despedido de nós consegui obter dela várias fotografias muito boas, tiradas à luz elétrica.
Londres, 28 de maio de 1874.
William Crookes.”
(The Spiritualist, nº 99, 1874).
Foi por aquela época, durante os anos de 1872-76, que se ocuparam mais de fotografias mediúnicas na Inglaterra, e, se não me engano, foi o Sr. Russel, de Kingston-on-Thames – de quem falei a propósito das fotografias transcendentes – quem primeiro conseguiu fotografar ao mesmo tempo a forma materializada e o médium. Possuo mesmo uma pequena fotografia representando o médium William e a figura de John King, que encontrei em Londres, em 1886, na coleção de fotografias do Sr. H. Wedgwood, membro da Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres, e que teve a complacência de ma oferecer; essa fotografia data da 1872. O Sr. Russel já não vive; mas o Sr. William, o médium, certificou-me de que é realmente uma das fotografias tiradas pelo Sr. Russel; entretanto, nos jornais da época não encontrei informações sobre essa fotografia; convém dizer que as experiências desse gênero eram feitas, naquele tempo, pelos pesquisadores, para sua satisfação pessoal, e que não lhes davam a publicidade necessária.
Estando em Londres, dirigi-me ao Sr. W. J. Champernowne, amigo do Sr. Russel, que habitava do mesmo modo em Kingston, para obter dele algumas informações circunstanciadas; ele me respondeu:
“Eu me achava perto do Sr. Russel na época em que ele fez suas experiências fotográficas, e me lembro de que ele obteve a reprodução perfeita de figuras materializadas ao mesmo tempo em que o retrato da pessoa que se expunha, ou, para dizer melhor, do médium; as duas imagens se revelaram claramente. Mas não sei o que é feito dessas fotografias. Recordo-me de que me ocupava da aquisição das placas de vidro, que o mercador cortava do tamanho que se queria, etc.”
Não posso, pois, fazer menção dessa experiência senão a título de antecedente histórico; acrescentarei entretanto esta observação importante, que nessa fotografia a forma de John King é um desdobramento perfeito do médium; que o retrato de John King, feito por um artista à luz do dia, enquanto o médium estava no gabinete, seguro pelas mãos, e que foi publicado no Médium de 1873, página 345, também representa os traços de William, mais embelezados; que na fotografia de John King materializado, obtida em casa do Coronel Greek em 1874 (Médium, 1874, pág. 786) à luz do magnésio, e que tenho sob os olhos, há ausência total de semelhança; que o rosto é muito diferente, é realmente gordo. O Sr. Greek, que mora atualmente em Moscou, e ao qual pedi algumas informações, explica essa deformidade por um efeito da luz do magnésio, o que é muito possível.
Foi nessa época que se fizeram em Liverpool sessões de materialização verdadeiramente extraordinárias; essas sessões se realizavam em um círculo de amigos, e o médium, o Sr. B., não consentiu que o seu nome fosse publicado; é por isso que não encontramos na imprensa espírita inglesa senão algumas notas acerca dessas sessões; o fato é bastante mais lamentável, por isso que nessas reuniões foram tiradas inúmeras fotografias de Espíritos materializados que foram perfeitamente reconhecidos; na maior parte delas, o médium era também fotografado. Achando-me em Londres, vi em casa do Sr. Burns (editor do Médium) muitas dessas fotografias em positivos, sobre vidro; ele só possui negativo de uma fotografia tirada durante a única sessão a que ele próprio assistiu em companhia de sua mulher; é à sua delicadeza que eu sou devedor de ter obtido um positivo, em papel, daquela fotografia. Como se pode ver ali não só a forma materializada, como ainda o médium, pedi ao Sr. Burns que me redigisse um relatório circunstanciado daquela sessão, o que ele teve a bondade de fazer. Reproduzo aqui esse relatório inédito:
“Há cerca de dez anos, um médium mui poderoso para os fenômenos físicos dava em seu domicílio, em Liverpool, sessões particulares, no decurso das quais se produziam notáveis e muito curiosas manifestações de materialização. Apesar do caráter privado dessas sessões, elas se divulgaram, e o médium foi assaltado por pedidos de admissão; pessoas ricas lhe faziam mesmo ofertas pecuniárias. Mas, intransigente, o médium recusava todas as propostas e só abria a sua porta aos íntimos, de caráter independente, evitava a publicidade, e isso impedia que seus amigos comunicassem à imprensa os relatórios das manifestações que se produziam em suas sessões. Esses pormenores têm importância relativamente à narração que se segue. Nessas sessões, o médium não tinha motivo algum para praticar fraude, porque não auferia lucro pecuniário e não procurava nomeada. O presente artigo não pode de maneira alguma ser-lhe útil nesse sentido, porquanto desde há muito tempo ele não se interessa por essa questão.
Essas manifestações, se não tiverem outro mérito, têm pelo menos o de seu valor intrínseco.
Eu conhecia um pouco o médium; creio, além disso, que meus trabalhos deram em resultado pô-lo nesse caminho. O finado Sr. Henry Pride, o poeta, um de meus melhores amigos, era membro desse círculo de pesquisadores. Um outro dentre meus amigos, o Sr. W. S. Balfour, de Liverpool (Saint John’s Market), assistia igualmente a essas sessões. Durante uma curta estada do Sr. Balfour em Londres, foi decidido que a Sra. Burns e eu tomássemos parte nas experiências. Convencionou-se, do mesmo modo, que se obtivesse do Espírito-guia desse círculo uma ocasião favorável a um de meus guias espirituais de se manifestar. Algum tempo depois, informaram-nos de que o Espírito em questão tinha conseguido a faculdade de manifestar-se, e fixou-se o dia da sessão. O médium era um homem robusto, enérgico e tinha conhecimentos científicos reais; tinha inventado uma pólvora explosiva que permitia tirar fotografias instantâneas. Por esse meio, tinham-se fotografado freqüentemente as formas materializadas, o médium e os assistentes, e havia todo o fundamento para acreditar-se que esse processo também daria resultados satisfatórios à nossa sessão.
O médium morava em um arrabalde, a uma distância considerável do escritório onde era empregado como administrador de importante casa. Em seu domicílio nada deixava supor quaisquer preparativos que tivessem por fim mistificar os experimentadores. Os membros desse pequeno círculo chegavam ordinariamente um pouco antes da hora fixada para a sessão e reuniam-se em torno de uma mesa para tomar chá e conversar familiarmente. A dona da casa era uma senhora muito simpática; as crianças eram de tenra idade e contavam, em família, que os Espíritos encantavam a casa, e até iam adormecer as crianças na ausência da mãe. As sessões faziam-se em um pequeno aposento que dava para o pátio, e que não media mais de 12 pés quadrados. O gabinete destinado ao médium era preparado em uma saliência da parede; a janela tinha sido condenada. Esse gabinete era formado por meio de muitos pedaços de tecido de lã, suspensos de um varão metálico recurvado em forma de ferradura de cavalo e preso à parede. Atrás dessa cortina havia espaço bastante para duas pessoas. Era ali que se produziam as materializações. Na parede oposta, muito perto da porta, estava uma lâmpada de parafina com um refletor. A iluminação não era muito intensa, mas suficiente para permitir ler em qualquer lugar do aposento, ver distintamente tudo o que aí se achava e, por conseguinte, distinguir as formas que aparecessem.
No começo da sessão, o médium entrou no gabinete e, quando a cortina foi corrida, caiu em um transe que se prolongou até o fim da experiência. Os assistentes formaram um semicírculo, cujo centro se achava na parede, por baixo da lâmpada, tocando as duas extremidades na parede oposta. Em um lado do aposento havia uma mesa com livros, jornais, etc. Todas as pessoas tinham o rosto voltado para o gabinete e as costas para a lâmpada. Apareceram seis a sete formas materializadas, que saíram do gabinete, uma após a outra. Nesse número estava um mancebo de gestos muito vivos e ágeis; ele tomou uma folha de papel de cima da mesa, enrolou-a e pôs-se a nos bater na cabeça com ela, dando de cada vez um salto para trás, com grande ligeireza. Depois apareceram alguns parentes dos donos da casa, os quais se mostravam habitualmente nessas sessões, entre outros uma senhora idosa, mãe de um dos cônjuges. Ela usava um toucado com plissés. Tinham-na fotografado já por diversas vezes, e freqüentemente o retrato era muito semelhante. Entre os fantasmas, houve ainda uma irmã, senhora de bela aparência.
Uma fotografia que possuo representa um irmão que se conserva de um lado do gabinete, entre as cortinas; no outro extremo, vê-se o Sr. Archibald Lamont, falecido recentemente. Por conseguinte, grande parte dos Espíritos materializados eram amigos íntimos dos assistentes. O Espírito-guia da sessão era um velho que tinha longa barba branca; ele se acha em uma das chapas, com o Dr. Hitchman, um dos assistentes. No decurso da sessão na qual figurei, grande parte do tempo e das forças foi empregada para evocação de meus amigos espirituais. Um dentre eles trajava longa vestimenta, à antiga, presa na cintura; ele se dava por um filósofo e escritor da antigüidade.
Outro Espírito era “Robert Bruce”, que esperávamos com o maior interesse. Eu estava em comunicação com ele havia muitos anos, e éramos atraídos por uma pronunciada simpatia, que continua ainda. Ele era dotado de um poder considerável e conseguia ficar conosco por muito tempo. Quando saiu do gabinete, convidaram-me a ir para o seu lado. Ele me apertou a mão entusiasticamente e com tanta força que eu ouvi estalar uma das articulações de seus dedos, como sucede quando apertamos a mão com força. Esse fato anatômico era corroborado pelo sentimento que eu experimentava de segurar aquela mão perfeitamente natural. Minha mulher também o tinha cumprimentado da mesma maneira, e não foi uma aparição fugitiva; foi suficientemente prolongada para permitir uma investigação minuciosa.
Certos pormenores daquela entrevista ficarão sempre em minha memória. Bruce aproximou-se da lâmpada e retirou-a da parede; conduziu-a para o gabinete, aumentou a chama e dirigiu a luz sobre o médium; ao mesmo tempo levantou a cortina à altura bastante para que pudéssemos vê-los ambos. Depois diminuiu a chama e repôs a lâmpada em seu lugar. Ele tinha certa dificuldade em fazer entrar o prego no orifício, pois que aquela parte da lâmpada estava na sombra projetada pelo refletor. Uma senhora que estava colocada justamente por baixo da lâmpada, de maneira que Bruce era obrigado a inclinar-se por cima dela, quis auxiliá-lo a colocá-la no lugar, mas ele não aceitou o auxílio e continuou em seus esforços com persistência; finalmente acertou.
Depois de ter prosseguido por algum tempo nessas experiências, no decurso das quais todos os assistentes puderam ver por muitas vezes o médium e as formas materializadas ao mesmo tempo, procedeu-se aos preparativos para fotografar juntamente o médium, as aparições e os assistentes. Trocaram os lugares: em vez de formar um semicírculo, toda a assistência se colocou em ala, defronte da porta e voltando as costas para o gabinete. A câmara escura tinha sido instalada, antes da sessão, em um ângulo do aposento, com o foco dirigido para o gabinete; ao lado havia uma mesa pequena, em cima da qual estava uma quantidade de pó de magnésio que, inflamando-se, devia produzir uma luz bastante intensa para permitir tirar-se uma fotografia instantânea. Os acessórios fotográficos estavam na cozinha; como as chapas secas ainda não eram usadas, foi preciso lançar mão de chapas frescas, que foram preparadas pelo Sr. Balfour, na cozinha; sem ser fotógrafo de profissão, tinha bastante conhecimento dessa matéria para fazer as manipulações necessárias.
Acompanhei o Sr. Balfour à cozinha e observei todos os seus movimentos; o próprio médium tinha pedido que me certificasse de que tudo se passava corretamente. Em seguida entramos de novo no aposento das sessões, e o caixilho que continha a chapa foi introduzido no aparelho. Todos os assistentes estavam no lugar onde os tínhamos deixado, compreendendo nesse número o médium e o fantasma. Para conservar a chapa depois da exposição, apagou-se a lâmpada. A forma materializada conservava-se nesse momento por trás de nós, com uma das mãos sobre a minha cabeça e a outra sobre a de minha mulher; esta teve um calafrio quando o Espírito se inclinou para ela e lhe disse, em verdadeiro dialeto escocês, que não tivesse medo. Em seguida o fantasma tomou posição para ser fotografado, e logo depois se deu o sinal de acender a mecha posta em contato com a pólvora; o jato de luz foi rápido como um relâmpago.
O Sr. Balfour apressou-se em tirar o caixilho. Experimentei certa inquietação a respeito de minha mulher, que parecia prestes a perder os sentidos. Durante esse tempo o aposento estava imerso nas trevas e cheio dos gases nauseabundos da pólvora queimada. O fantasma não tinha deixado seu lugar; aproximou-se de meu ouvido e, no mesmo dialeto escocês, com voz um pouco rude e senil:
– Vá buscar o retrato – disse ele, fazendo-me assim compreender que ia ficar perto de minha mulher.
Acompanhei o Sr. Balfour à cozinha. Ele procedeu à revelação da chapa, mas a excitação que experimentava fazia tremer-lhe a mão; entornou o líquido por sobre a chapa em vez de deixá-lo gotejar, o que foi causa de que o tom geral da prova carecesse de nitidez e de que a figura de minha mulher ficasse quase velada. O líquido endurecido foi retirado em parte, mas não podiam retirá-lo completamente sem apagar a imagem da Sra. Burns. De outro lado, a luz parece ter sido muito intensa, pois que a chapa apresenta indícios de um excesso de exposição. Felizmente a reprodução do fantasma foi bem sucedida. A faixa carregada que lhe atravessa o peito obliquamente representa um plaid escocês. A imagem do médium aparece fracamente no recanto que ele ocupava. Os assistentes, que estavam colocados ao lado do gabinete, não são visíveis. A prova que possuo é somente da parte central recortada.
Quando o aposento foi iluminado, o médium despertou, aturdido ainda pelo efeito de um transe prolongado. Ele acolheu a narração de nossa experiência com sua indiferença habitual. Em outras fotografias obtidas por nós, o médium sobressai muito melhor; propriamente falando, a fotografia de que se trata aqui é, de uma série inteira, a menos perfeita, mas, em razão do caráter extraordinário dos resultados que obtivemos, essa fotografia é inestimável como prova da realidade dos fenômenos, pois que esses resultados não podem, de maneira alguma, ser considerados como produzidos por uma fraude, nem ser explicados por uma alucinação. Não é mais do que uma experiência tomada em uma série inteira de experiências semelhantes, que se confirmam umas pelas outras, da maneira mais positiva.
Spiritual Institution, 15, Southampton-Row, Londres, 19 de julho de 1886.
J. Burns.”
Falta-me dizer ainda que nessa fotografia, muito grande, pois que mede 5 polegadas sobre 6, vê-se muito bem, apesar de certas faltas técnicas, um grupo de sete pessoas, entre as quais se distingue a forma materializada, vestida de branco, de pé, perto do gabinete; a metade da cortina diante da qual ela se conserva está repuxada; vê-se no gabinete o médium sentado, só com metade do rosto visível, seus cabelos e barba negra confundindo-se com a sombra que havia nesse gabinete.
Mas, para essa fotografia, a presença do médium na chapa era supérflua, pois que não há semelhança alguma entre ele e a forma materializada; o médium é um homem moreno, de trinta anos; a forma materializada é a de um velho inteiramente calvo, com uma longa barba grisalha, e seu rosto, largo e redondo, é completamente diferente do do médium; ele olha de frente; os olhos estão abertos, vendo-se-lhes as pupilas. No ponto de vista da nitidez, essa fotografia é mais interessante do que a que eu tinha tirado com Eglinton; é de notar que essas aparições suportam, sem fechar os olhos, a luz deslumbrante do magnésio.
Não se encontram na imprensa inglesa senão dois relatórios sobre os fenômenos de materialização produzidos em presença desse médium; eles são devidos à mesma pena, a da Sra. Luísa Thompson Nosworthy, e referem-se a uma mesma sessão. Eu reproduzirei aqui um desses dois relatórios, porque nessa sessão foi tirada não só a fotografia da forma materializada, como também a do médium. O primeiro relatório aparece no The Spiritualist de 28 de julho de 1876, página 530; citarei dele as passagens seguintes:
Sessões curiosas em Liverpool – por E. Luísa S. Nosworthy
“Seria talvez interessante para os leitores do The Spiritualist saber que ao mesmo tempo em que os pesquisadores faziam experiências com médiuns profissionais e obtinham provas irrecusáveis da realidade das materializações temporárias de formas humanas, que adquirem consistência material comparável à do nosso corpo, esses mesmos fenômenos surpreendentes eram observados em um círculo íntimo, estritamente privado, em Liverpool. Tendo tido por muitas vezes ocasião de fazer parte dessas sessões, envio-lhe um relatório dos fatos de que fui testemunha.
Era no mês de setembro do ano passado. Meu pai, o Sr. Georges Thompson, tinha ido visitar-me e manifestou ardente desejo de assistir a uma sessão de materialização. Por conseguinte, obtive a permissão de introduzi-lo no círculo em questão. O Dr. William Hitchman assistia à mesma sessão. O aposento onde as experiências se realizaram é muito pequeno, medindo cerca de 10 pés quadrados. Desta vez, como de ordinário, fomos convidados a dispormo-nos em semicírculo e a entoar cânticos, depois que o médium se retirou para trás da cortina. A lâmpada de parafina fornecia bastante luz para permitir vermo-nos uns aos outros.
Pouco depois do desaparecimento do médium, a cortina abriu-se e na abertura se divisou uma espécie de nevoeiro com a vaga semelhança de uma forma humana. Esse vapor se tornou cada vez mais denso; destacou-se dele a forma de uma cabeça e mão. A mão começou imediatamente a agitar a massa nebulosa que se achava abaixo e fez uma forma humana, a de um homem de grande estatura, vestido de branco. Esse fantasma, posto que saído de um nevoeiro e formado a nossos olhos, por assim dizer, em pouco tempo nos deu provas de que não era mais composto de um vapor impalpável: dirigiu-se para o meio do aposento e apertou fortemente a mão de cada um de nós. Aumentou-se a luz, e pudemos ver um velho majestoso, de olhar severo, com a barba e cabeleira brancas e flutuantes. Ele se conservou por bastante tempo fora do gabinete improvisado com um pano, como se disse mais acima, voltou em seguida ao lugar onde se tinha formado e, desviando a cortina com a mão, fez sinal a todos os assistentes, um após outro, para que se aproximassem dele e se conservassem a seu lado, perto do médium. O velho olhava a cada um muito de perto. Meu pai pôde notar sua pele fresca, quase rosada, assim como a expressão digna de sua fisionomia.
Não se poderia esquecer essa aparição imponente que se conservava de pé, perto da cortina, desviando-a com a mão e mostrando com a outra o médium imerso em profundo transe. Meu pai disse-me posteriormente que tinha experimentado profunda comoção à vista desse espetáculo, sobretudo no momento em que, em presença do fantasma, tocando-o quase, ouviu saírem dos lábios desse ser pertencente a um outro mundo as palavras seguintes, pronunciadas com voz fraca: “Que Deus te abençoe.”
Duas ou três outras figuras mostraram-se em seguida, nas mesmas condições, mais ou menos; elas faziam a volta em torno dos assistentes, apertavam-lhes a mão, permitindo tocar e examinar suas vestimentas. Uma dessas aparições apresentou a cada um de nós uma pimenta, coisa que não havia na casa.
No fim dessa memorável sessão, a primeira forma apareceu de novo e, então, tirou-se-lhe a fotografia, conjuntamente com a do Dr. Hitchman.
O Sr. Carlos Blackburn descreveu outra sessão feita pelas mesmas pessoas e à qual eu assisti também. Ele examinou, de acordo com o arquiteto, o aposento em que se faziam as sessões, e verificou que esse aposento não estava situado por cima de uma cava; que tocava imediatamente no chão. Sucedia freqüentemente nessas experiências vermos aparecerem três fantasmas diferentes. Pergunto se um céptico qualquer conseguirá encontrar uma teoria, fora da do Espiritismo, para explicar esses fenômenos, em todos os seus pormenores!”
Outro relatório da mesma sessão, pelo mesmo autor, é publicado no Psychological Review (1878, t. I, pág. 348), sob o título: Memórias de George Thompson, por sua filha Luísa Thompson. Nessa narração lê-se, entre outros pormenores, que na primeira fotografia tirada à luz do magnésio se vê não só o fantasma como também o médium.
Nesses dois relatórios há uma contradição no que diz respeito às fotografias: no relatório de 1876 diz-se que o fantasma foi fotografado conjuntamente com o Dr. Hitchman; a carta escrita em 1878 diz que o médium é quem foi fotografado na mesma chapa que a figura materializada.
Desejando ter um esclarecimento sobre essa contradição, escrevi ao Dr. Hitchman, que me respondeu pela carta seguinte:
“Liverpool, 26 de abril de 1887.
Senhor:
Tenho a honra de acusar o recebimento de sua estimada carta de 18 do corrente. Relativamente aos diversos quesitos que ela encerra, farei observar que por muitas vezes houve mais de uma sessão na mesma noite, e no decurso dessas experiências fotográficas o médium (Sr. B.) era ora reproduzido, ora não. Por conseguinte, há ali necessariamente uma “contradição”.
Aceite, etc.
William Hitchman, M. D.”
Para completar as relações referentes às experiências fotográficas feitas com esse notável médium, não tinha nada melhor a fazer do que dirigir-me ainda a esse mesmo Sr. Hitchman, sábio distinto, doutor em Medicina, presidente da Sociedade de Antropologia de Liverpool e autor da Fisiologia das Inflamações, da Natureza e Profilaxia da Tísica, etc.; era a pessoa mais competente do círculo íntimo em que se produziam os fenômenos em questão. Eis a carta que me escreveu em resposta:
“Liverpool, Pembroke Place 62, 24 de julho de 1886.
Senhor:
Respondendo à sua amável carta datada de ontem, venho dizer-lhe que, absorvido por diversos trabalhos muito urgentes, lamento não poder presentemente comunicar-lhe todas as particularidades que me pede, no ponto de vista científico e filosófico.
Quanto às fotografias das figuras materializadas, foram elas obtidas à luz elétrica.
Muitos aparelhos completos estavam preparados especialmente para nossas experiências; eles tinham muitas câmaras escuras, que permitiam respectivamente empregar a chapa inteira, a meia chapa ou o quarto; havia também câmaras binoculares e estereoscópicas; colocavam-nas por trás dos espectadores, o que permitia não só assestá-las para o fantasma, segundo a linha visual dos assistentes, como ainda fotografar ao mesmo tempo o médium, quando as personagens aparecidas consentiam, a pedido nosso, em desviar a cortina. Em regra, nunca tínhamos insucesso em nossas operações.
Empregavam-se banhos de revelação e fixação, e as chapas eram preparadas de antemão, a fim de evitar qualquer demora. Sucedia-me freqüentemente entrar no gabinete no encalço de uma forma materializada, e então eu via ao mesmo tempo esta e o médium (o Sr. B.). Em vista disso, creio ter adquirido a certeza, mais científica que é possível obter, de que cada uma dessas formas aparecidas era uma individualidade distinta do invólucro material do médium, pois que as examinei com o auxílio de diversos instrumentos; verifiquei nelas a existência da respiração e da circulação; medi sua estatura, a circunferência do corpo, tomei seu peso, etc. Essas aparições tinham o ar nobre e gracioso, moral e fisicamente; pareciam organizar-se gradualmente, à custa de uma certa massa nebulosa, ao passo que desapareciam instantaneamente e de maneira absoluta. Sou de opinião que deve haver ali uma existência espiritual qualquer, em qualquer parte, e que os seres inteligentes que se apresentavam em nossas sessões tomavam uma “aparência corpórea”, possuindo uma realidade objetiva, mas de natureza diferente da “forma material” que caracteriza nossa vida terrestre, sendo incontestavelmente dotados de uma consciência, de uma inteligência semelhante à nossa, e apresentando o dom da palavra, a faculdade de locomoção, etc. Tendo tido por muitas vezes o ensejo (perante testemunhas competentes) de conservar-me entre o médium e o “Espírito materializado”, de apertar a mão deste último e conversar com ele durante cerca de uma hora, não me julgo mais disposto a aceitar hipóteses fantasistas, tais como as ilusões da vista e do ouvido, a cerebração inconsciente, a força psíquica e nervosa e o mais que se segue; a verdade, no que diz respeito às questões da matéria e do espírito, só poderá ser adquirida à custa de pesquisas.
Tenha a bondade de desculpar-me por não oferecer ao senhor senão essas observações mui superficiais e escritas à pressa, atendendo às circunstâncias em que me acho.
Queira aceitar, etc.
William Hitchman.”
Não tendo mais a fotografia à sua disposição, o Dr. Hitchman teve a bondade de enviar-me a reprodução fotográfica de um desenho que representa uma das sessões do Sr. B. Vêem-se ali todas as pessoas que faziam parte do círculo; no centro, nota-se a forma materializada de um velho vestido de branco, com a cabeça descoberta, de pé, próximo à cortina do gabinete, que ele levanta com a mão direita, mostrando-nos o médium que está sentado, imerso em profundo transe. Entre a cavidade do peito da forma materializada e a do médium vê-se uma espécie de feixe luminoso ligando os dois corpos e projetando um clarão sobre o rosto do médium.
Esse fenômeno foi observado freqüentemente durante as materializações; comparam-no ao cordão umbilical. O Sr. Hitchman faz acompanhar a sua oferta com as linhas seguintes:
“26 de julho de 1886.
Caro senhor:
Depois que lhe dirigi a minha última carta, pude, após minuciosas pesquisas, encontrar o desenho que acompanha a presente. Talvez sirva para o senhor formar uma idéia mais completa de toda a série das sessões do Sr. B. Garanto a fidelidade do desenho. A forma materializada que aí se vê dava-se como sendo o Dr. W., de Manchester. É de uma inteligência muito desenvolvida... O fantasma desenhou meu retrato... Em minha opinião, só pesquisas experimentais sérias e pacientes, no domínio dos fatos objetivos ou dos fenômenos físicos do Espiritualismo, poderiam convencer os filósofos alemães, ou a outros, de sua realidade e de seu valor, como manifestações da vontade divina, ou antes como um efeito da evolução natural, produzindo-se em condições convenientes.
Os esforços da razão, da lógica, da argumentação, etc., sem investigação prática, não passam de uma perda inútil de tempo e de energia.
Seu devotado
W. Hitchman.”
“P.S. – No Physiological Review do mês de abril de 1879, um lugar de honra foi reservado a um artigo meu, intitulado Ourselves and Science (Nós mesmos e a Ciência), no qual exponho os resultados de minhas observações tão cientificamente como nunca o foram os trabalhos químicos de laboratório ou outros quaisquer.
W. H.”
Querendo obter a prova absoluta que o Sr. Hartmann exigia, e decidido a submeter-me a todas as condições por ele impostas, em uma experiência que eu mesmo deveria dirigir, organizei duas séries de sessões fotográficas com o médium Eglinton. Em 1886, convidei-o para vir a São Petersburgo. A despeito de todas as nossas fadigas, não pudemos dessa vez obter resultado satisfatório. Essas experiências são descritas no Psychische Studien (agosto de 1886). Para a segunda série de experiências que se fizeram pouco tempo depois, dirigi-me a Londres. Desta vez o resultado excedeu às minhas esperanças. O relatório foi publicado no Psychische Studien (de março de 1887) e no Rebus (número 58, 1886); reproduzo-o in extenso, juntando-lhe a fototipia que representa Eglinton em transe, sustentado pela figura materializada. Examinando essa imagem, distingue-se imediatamente uma figura humana, viva, de pé, ao lado do médium.
Depois de tudo quanto eu disse para provar a realidade objetiva dos fenômenos de materialização, poder-se-ia facilmente conceder aos resultados que eu mesmo obtive o caráter de autenticidade ao qual eles têm direito, e entretanto sou o primeiro a reconhecer até que ponto é difícil admitir a realidade dessa espécie de fenômenos!
Acrescentarei, para instrução dos leitores que não tiveram conhecimento de meus artigos publicados no Rebus, que as experiências de que se vai tratar foram organizadas em Londres, em casa de um rico particular, em um prédio que ele tinha recentemente feito construir; que o nosso círculo se compunha do dono da casa, de sua mulher, de Eglinton, do Sr. N., de um amigo da casa e de mim. Essas pessoas desejam que seus nomes não sejam dados à publicidade. Eis o artigo:
“Nós nos reunimos às 7 horas da noite, a 22 de julho, e depois de ter jantado com os nossos hospedeiros, começamos os preparativos. Para uma sessão na qual se tratava de obter a fotografia do médium ao mesmo tempo que a da figura materializada, era-nos preciso um aposento onde se pudesse improvisar um gabinete escuro atrás de uma cortina. O salão foi o único local conveniente, com a entrada separada do resto do aposento por uma larga cortina de pelúcia que se podia levantar por meio de uma forte corda de seda. Foi essa parte do salão que se decidiu transformar em gabinete escuro: ela media 10 pés de largura por 14 de comprimento. Havia uma porta e uma janela; essa porta, a única em todo o aposento, abria-se para um corredor; ela fechava muito bem. A janela dava para uma passagem que separava o prédio da casa vizinha. Para obter a escuridão, os postigos das janelas foram fechados, e no interior cobriu-se a madeira desses postigos com um encerado e com cobertores de lã, seguros por pregos pequenos; havia nesse compartimento algumas cadeiras, uma étagère e um piano. Esse salão, bem como os outros aposentos onde fazíamos as nossas sessões, achavam-se no terceiro andar.
Nosso hospedeiro começou por dispor seu aparelho; Eglinton sentou-se defronte da abertura da cortina. O foco estava a uma distância tal que a forma inteira podia ser reproduzida na chapa. Cerca de quatro passos da cortina, defronte da abertura, que não ficava inteiramente no centro, colocou-se pequena mesa redonda, à esquerda da qual ficava o aparelho. A fim de proteger o aposento escuro da ação direta da luz do magnésio, tinha-se colocado em cima da mesa um amplo anteparo de papelão, na curvatura do qual se colocou um refletor côncavo de metal, de 7 polegadas de diâmetro.
Nós nos tínhamos consultado por mais de uma vez para saber como iluminaríamos o salão; a luz devia ser fraca, porém suficiente para se ver o que se passava; devia, além disso, estar ao nosso alcance para nos permitir acender o magnésio no momento preciso. Decidimo-nos por uma pequena lâmpada de álcool, com uma mecha espessa de algodão; ela dava uma luz suficiente para as nossas necessidades. Essa lâmpada foi colocada sobre a pequena mesa, ao abrigo do refletor, e ao lado colocamos muitos cordões de magnésio, formados com fios tecidos desse metal e compostos cada um de três rolos; esses cordões tinham cerca de cinco polegadas de comprimento. Estavam amarrados com fio de arame a bastonetes de vidro. Foi o Sr. N., amigo do nosso hospedeiro, quem foi incumbido de acender na lâmpada o cordão de magnésio, a um sinal dado, e de conservar o cordão aceso diante do centro do refletor, tendo o cuidado de que os objetos a fotografar estivessem no campo da luz projetada. Nas experiências anteriores, que mencionei mais acima, nós nos tínhamos assegurado de que, com o emprego do refletor, esses rolos triplos de magnésio produziam uma luz bastante forte para obter um bom resultado.
Quando tudo ficou pronto, retirei-me com o dono da casa para o gabinete escuro. À claridade de uma lanterna vermelha, tirei duas chapas e marquei-as; meu companheiro colocou-as no caixilho. Voltamos ao salão, fechando a porta de entrada após a nossa passagem. O hospedeiro entregou-me a chave, que eu guardei na algibeira. Tomamos lugar em semicírculo diante da cortina, a uma distância de 5 a 6 passos, como mostra o esboço junto.
Acendemos a lâmpada de álcool e apagamos o gás. Eram 10 horas da noite. Eglinton sentou-se a princípio em uma poltrona defronte da cortina, depois se retirou para trás dela, onde havia uma outra poltrona para ele. Conservou-se ali por mais de meia hora sem que nada se produzisse. Finalmente caiu em estado de transe e começou a falar sob a direção de um de seus guias; ele exprimiu o pesar pelo insucesso da experiência. Acrescentou que seria preciso não menos de dez sessões para obter o resultado desejado e que eles estavam em dúvida se tinham o direito de impor ao médium semelhante esgotamento; que fariam, entretanto, um último esforço. Se alguém aparecesse, seria o próprio Ernesto, guia principal do médium. Essa particularidade referia-se a uma suposição que eu tinha externado anteriormente no decurso de nossa conversação, dizendo que nessa espécie de experiência era provável que aparecesse outra figura. Alguns instantes depois, Eglinton voltou a si e a sessão terminou.
A segunda sessão dessa série, a última de todas, foi fixada para 26 de julho. O resultado negativo da sessão precedente confirmou minhas apreensões: eu estava cada vez mais convencido de que nada se produziria nessa última tentativa.
Nós nos reunimos à mesma hora; como da outra vez, retiramo-nos, nosso hospedeiro e eu, para o gabinete escuro; quando os preparativos terminaram, retirei de minha carteira duas chapas que tinha trazido, marquei-as em russo: “A. Aksakof, 14 de julho de 1886” (estilo antigo), e o hospedeiro meteu-as no caixilho; antes de entrar no salão fechamos a porta à chave. Sentamo-nos na mesma ordem; acendemos a lâmpada de álcool e apagamos o gás. Eglinton sentou-se em uma poltrona, defronte da cortina, caiu em pouco tempo em transe e começou a falar. Foi-nos comunicado pelo seu órgão que os nossos preparativos estavam aprovados, e tivemos a promessa de que nenhum esforço seria poupado para obter-se êxito, sem que, entretanto, nos fosse permitido contar com ele infalivelmente; o momento de acender o magnésio seria indicado ao Sr. N. por via de sugestão; ele pronunciaria a palavra: “agora”. Intimaram-nos, além disso, em caso de insucesso no começo, a irmos ao gabinete escuro, para tirar fotografia às escuras; eles se esforçariam então por evocar uma forma feminina.
Às 10 horas menos cinco minutos, Eglinton retirou-se para trás da cortina: eu podia ver a hora à claridade da pequena lâmpada. Em breve Eglinton saiu e começou a recolher forças; aproximava-se de cada um de nós, fazendo passes de nossas cabeças para o seu corpo; depois disso, retirou-se de novo para trás da cortina, saiu outra vez e sentou-se na poltrona defronte da abertura da cortina, com o rosto voltado para o nosso lado. Ele fazia movimentos agitados, levantava e abaixava os braços. Alguma coisa branca apareceu acima de sua cabeça... Ouviram-se pancadas... Estávamos em dúvida; as pancadas repetiram-se.
– É preciso acender?
– Sim – foi a resposta, sempre por pancadas.
O magnésio foi aceso e o hospedeiro descobriu a objetiva; divisei nesse momento a forma de Eglinton banhada em deslumbrante luz; ele parecia dormir tranqüilamente, com as mãos cruzadas sobre o peito; em sua espádua esquerda via-se uma terceira mão com um pedaço de tecido branco, e sobre sua cabeça, muito perto da testa, apareceu uma quarta mão. Essas mãos eram vivas; mãos naturais; não tinham essa brancura tocante como em s. Petersburgo; não desapareceram no fim da exposição, porém atraíram Eglinton para trás da cortina. O hospedeiro virou imediatamente o caixilho e descobriu a segunda chapa. Eu pensava que a sessão terminaria naquele ponto, mas o hospedeiro tinha apenas retomado o seu lugar quando uma grande forma masculina, vestida de branco e de turbante branco emergiu de trás da cortina e deu três ou quatro passadas no aposento.
– É Abdullah – observei.
– Não – observou-me o hospedeiro –, essa forma tem as duas mãos.
(A forma de Abdullah, que tinha aparecido nas sessões de Eglinton, em São Petersburgo, só tinha metade do braço esquerdo.)
Como para confirmar essa última observação, o fantasma fez um movimento com os dois braços e os cruzou sobre o peito, depois nos fez uma saudação e desapareceu por trás da cortina.
Alguns segundos depois, Eglinton mostrou-se acompanhado por uma figura vestida de branco, a mesma que acabávamos de ver. Ambos se colocaram diante da cortina e uma voz pronunciou: “Light!” (luz!). Pela segunda vez o magnésio se inflamou, e eu olhei, com estupefação, para essa grande forma humana que rodeava e sustinha com o braço esquerdo Eglinton, o qual, imerso em profundo transe, tinha dificuldade em manter-se de pé. Eu estava sentado a cinco passos de distância e podia contemplar perfeitamente o estranho visitante. Era um homem perfeitamente vivo; distingui nitidamente a pele animada de seu rosto, sua barba negra, absolutamente natural, suas sobrancelhas espessas, seus olhos penetrantes e severos que fixaram a chama durante cerca de quinze segundos, enquanto ela brilhou.
O fantasma trajava uma vestimenta branca que descia até ao chão e uma espécie de turbante; com o braço esquerdo ele rodeava Eglinton; com a mão direita segurava as suas vestimentas. Quando o Sr. N. pronunciou: “Agora!”, para advertir que era preciso fechar o obturador, o fantasma desapareceu atrás da cortina, mas sem ter tido o tempo de levar consigo o médium; este caiu no chão como um corpo inerte, diante da cortina. Nenhum de nós se moveu, pois sabíamos que o médium estava sob a influência de uma força que escapava à nossa fiscalização. A cortina abriu-se imediatamente; a mesma figura apareceu ainda uma vez, aproximou-se de Eglinton e, inclinada por cima dele, começou a fazer-lhe passes. Silenciosos, olhávamos com admiração aquele espetáculo estranho. Eglinton começou a levantar-se lentamente; quando ficou de pé, o fantasma o rodeou com o braço e arrastou-o para o gabinete. Então ouvimos a voz fraca de Joei (um dos guias do médium) que nos convidava a conduzir Eglinton para o ar livre e lhe umedecer a fronte com água. Eram 10 horas e 30 minutos. A sessão tinha, pois, durado, ao todo, 35 minutos.
A dona da casa apressou-se em ir buscar água e, encontrando a porta fechada, dirigiu-se a mim para receber a chave. Recusei, desculpando-me: as circunstâncias exigiam que eu mesmo abrisse a porta; antes de fazê-lo, penetrei no gabinete com uma luz e assegurei-me de que ela estava bem fechada. Eglinton estava abatido em sua poltrona, em profundo transe; não se podia pensar em fazê-lo manter-se de pé; conduzimo-lo, pois, à sala de jantar e o instalamos em uma poltrona, perto de uma janela aberta. Apenas o tínhamos instalado nessa posição, ele caiu no chão, em convulsões; tinha sangue nos lábios. Começamos a friccioná-lo vigorosamente e lhe fizemos respirar sais. Só no fim de um quarto de hora ele pôde ser instalado de novo; respirou profundamente e abriu os olhos.
Confiei-o em tal estado ao cuidado de nossos hospedeiros e voltei com o Sr. N. ao gabinete escuro, para revelar as chapas. Desde que vi desenhar-se, em uma delas, os contornos das duas formas, tive pressa em ir dar parte dessa notícia agradável a Eglinton, que, não se achando em estado de ir em pessoa, manifestava grande impaciência em conhecer o resultado da sessão. Sabendo do êxito, suas primeiras palavras foram: “Está bem, é suficiente para o Sr. Hartmann?” Eu lhe respondi: “Ficam terminadas, presentemente, as alucinações.”
Mas esse triunfo custou muito a Eglinton. Decorreu mais de uma hora para que ele adquirisse bastante força para dirigir-se penosamente à estação do caminho de ferro subterrâneo. O Sr. N. incumbiu-se de reconduzi-lo a casa e de instalá-lo no leito. Chegando a casa, Eglinton teve novo acesso de convulsões acompanhadas de hemorragia pulmonar. Ele tinha insistido para que os incidentes da noite se conservassem ocultos a seus parentes; mas no dia seguinte seu aspecto inspirou inquietações à sua família, e vieram a minha casa para indagar o que se tinha feito com Eglinton, na véspera, para colocá-lo naquele estado de esgotamento que nunca se lhe tinha observado.
As fotografias assim obtidas eram muito boas, ainda que preparadas à pressa; a melhor é aquela em que se vêem as mãos pousadas sobre Eglinton.
Em uma sessão semelhante, em S. Petersburgo, o médium não tinha conservado toda a imobilidade requerida para uma boa exposição, o que deu em resultado não serem as mãos reproduzidas tão nitidamente como nessa última experiência. A segunda fotografia é, infelizmente, menos nítida. Isso resultou, evidentemente, de as duas formas, estando de pé, fazerem movimentos, imperceptíveis à vista. Entretanto, para o fim que nos propúnhamos, essas fotografias são inteiramente suficientes: Eglinton é facilmente reconhecível, se bem que sua cabeça esteja um pouco dirigida para trás, apoiada contra a mão pela qual ele é sustentado; a seu lado conserva-se a mesma grande forma de homem que todos tínhamos visto. A barba e as sobrancelhas destacam-se distintamente; os olhos são velados. Um dos traços particulares desse rosto é seu nariz curto, completamente diferente do de Eglinton. Nas duas fotografias distinguem-se as marcas que eu fiz nas chapas. Todos os negativos estão em meu poder.
Posso, pois, considerar meus esforços em Londres coroados de êxito. Esse êxito, devo-o inteiramente ao círculo que se prestou às minhas experiências.
Eu sabia que a condição essencial para obter bons resultados mediúnicos é um meio apropriado; sabia que tudo depende do meio, mas até então não tinha tido ensejo de verificá-lo de maneira tão evidente.
A facilidade, a prontidão e a nitidez com que os fenômenos se produziam estavam acima de toda a comparação com o que tínhamos visto em S. Petersburgo. Independentemente da composição escolhida do círculo no qual eu tinha sido admitido, éramos favorecidos pela condição importante de que nesse círculo já se tinham obtido fotografias transcendentes, e que, por conseguinte, a presença do elemento mediúnico necessário já tinha preparado o terreno precisamente para as experiências que eu havia proposto. Não insisto na importância e vantagem que me oferecia uma casa particular para as experiências desse gênero: em Londres, não é fácil a um estrangeiro encontrar para isso um local conveniente. Se eu as tivesse organizado no aposento de Eglinton, elas teriam perdido grande parte de seu valor. Os bons serviços que me foram oferecidos tão graciosamente, por nosso hospedeiro, tinham para mim um grande valor; pelo que tenho a satisfação de lhe testemunhar aqui minha sincera gratidão, tanto por minha parte quanto em nome de todos aqueles que tomam interesse pela causa espírita.
É necessário acrescentar aqui que ninguém em Londres, à exceção dos íntimos de nosso hospedeiro, sabe coisa alguma acerca das fotografias que se produziram nesse círculo. Essas sessões são inteiramente privadas, e nenhuma narração a tal respeito foi publicada na imprensa espiritualista inglesa. Depois de minha admissão nesse círculo, estava convencionado que eu não publicaria os nomes de seus membros. Mas, quando nossas sessões terminaram, nosso hospedeiro decidiu dizer-me, à vista dos resultados notáveis que tínhamos obtido, que não se julgava mais no direito de prolongar seu anonimato no caso em que eu julgasse útil nomeá-lo. Eu lhe respondi que a indicação da casa em que se tinham realizado as experiências era certamente desejável para tornar a narração completa, e lhe agradeci a dedicação; pois, é preciso dizê-lo, no estado atual da questão, essa expressão não é exagerada. Mas, refletindo, e levando em consideração os exemplos fornecidos por Crookes e Wallace, que por sua vez não tinham conseguido conquistar a confiança pública a tal respeito, externei ao Sr. X. minha íntima convicção de que a divulgação de seu nome e endereço não seria de utilidade alguma para a causa, do mesmo modo que nos casos precedentes, e que ninguém daria crédito aos resultados de nossas experiências, a não ser as pessoas que já acreditam nesses fenômenos ou as que conhecem o Sr. X.; aleguei ainda que ele teria que suportar todas as variedades de zombaria e aborrecimentos. Propus, entretanto, anunciar que eu tinha autorização de comunicar o seu nome em particular às pessoas especialmente interessadas no assunto e que eu julgasse dignas de confiança. Assentamos nessa decisão.
A propósito da incredulidade, é costume suspeitar de fraude os médiuns profissionais, como materialmente interessados nisso. Nas experiências relatadas é evidente que Eglinton não teria podido realizar por si só todas as manipulações de que uma fraude necessita; ficar-se-ia coagido a admitir que ele tinha compadres entre os assistentes. Ora, o Sr. X., o hospedeiro, goza de situação independente, muito rico mesmo, e está em posição social equivalente à minha. Antes de admitir que ele tivesse podido tornar-se culpado de uma fraude, coisa que teria necessitado muitos preparativos, não seria sem importância que se procurasse descobrir o motivo de semelhantes manobras. Desde o momento em que o interesse material deve ser posto fora de discussão, pergunto: que motivo teria podido levá-lo a enganar seus convidados? E por que motivo seria ele e não eu o mistificador? Seria verdadeiramente mais lógico supor que uma fraude tivesse sido cometida por mim; aqui, o motivo se apresentaria por si mesmo; tendo-me manifestado publicamente a favor do Espiritismo, eu era coagido a defendê-lo a todo custo.
Mas a incredulidade não me surpreende nem me desanima. Ela é inteiramente natural e desculpável. As convicções não se impõem; são a resultante de opiniões anteriores que concorreram para a sua formação no decurso dos séculos. Quanto à crença nos fenômenos da Natureza, ela não se adquire com a razão e com a lógica, mas pela força do hábito. Só o hábito pode fazer que o maravilhoso deixe de parecer um milagre.
Quanto ao mais, no que diz respeito com maior particularidade às experiências descritas aqui, empreendi-as no intuito especial de responder a um escritor que respeita o testemunho dos homens, reconhece o seu valor, e que convida até os propagadores dos fenômenos mediúnicos a realizar semelhantes experiências.
Para lembrança, citarei aqui as palavras dele, ainda uma vez:
“Uma questão do mais elevado interesse teórico é saber se um médium possui a faculdade não só de produzir em outra pessoa a alucinação de uma imagem qualquer, mas ainda de dar a essa imagem uma consistência material, de uma materialidade muito fraca, é verdade, mas tendo ao mesmo tempo uma existência real no espaço objetivo do aposento onde se dão as sessões, admitindo-se que para realizar essa criação o médium projete uma parte da matéria que compõe seu próprio organismo para fazê-la tomar essa forma determinada...”
“Pois que a reclusão material do médium não oferece garantia alguma para a autenticidade do fenômeno, é indispensável ver o médium e o fantasma fotografados simultaneamente na mesma prova, antes de conceder a objetividade às aparições percebidas somente pela vista dos assistentes...”
“A meu ver, a condição essencial de tal demonstração fotográfica consiste em não se deixar aproximar nem um fotógrafo de profissão nem o médium, do aparelho, do caixilho ou da chapa, a fim de evitar toda suspeita de preparativos prévios ou de manipulações ulteriores...”
“A solução definitiva dessa questão capital não poderá vir senão de um experimentador cuja integridade esteja acima de toda suspeita e que traga à sessão seus próprios aparelhos e acessórios e execute pessoalmente todas as manipulações.” (Hartmann – Espiritismo).
Tomo a liberdade de opinar que essas condições foram observadas em sua plenitude e que o Sr. Hartmann, depois de ter pesado todas as particularidades da experiência requerida, no ponto de vista moral e físico, confessará que ela é suficiente para estabelecer a realidade dos fenômenos da materialização.
5) O médium e o fantasma são invisíveis;
a fotografia produz-se às escuras.
Chego à última categoria das provas de objetividade da materialização por via fotográfica, e isso em condições muito curiosas: em escuridão absoluta.
Não se trata mais de saber onde se acha o médium. Seria escusado que ele se transfigurasse, pois isso não lhe daria o meio de reagir sobre a chapa sensível às escuras. E entretanto é fato que uma forma materializada pode ser fotografada na escuridão absoluta, e é mesmo essa circunstância que demonstra sua origem transcendente.
As primeiras notícias relativas a esse gênero de fotografias nos vieram da América, em 1875 (vede The Spiritualist, 1875, II, pág. 297; 1876, I, págs. 308, 313); porém, a série mais notável de experiências de fotografia na escuridão foi organizada em Paris, em 1877, pelo Conde de Bullet, com o médium Firman (The Spiritualist, 1877, II, págs. 165, 178, 202). O Sr. de Bullet publicou a esse respeito e em seguida um relatório circunstanciado na revista precitada, em 1878 (tomo II, pág. 175).
Nos artigos do Sr. Reimers encontramos a narração de experiência semelhante, sempre com o mesmo médium, e é ainda “Bertie” quem completa a série de provas que ela lhe forneceu de sua individualidade objetiva, reproduzindo sua imagem por processo fotográfico que destrói todas as conjecturas que tendessem a atribuir o resultado obtido a manipulações fraudulentas, a menos que se acuse o próprio Sr. Reimers de as ter praticado. Eis o ato que ele relata:
“No decurso deste inverno, tive o ensejo de fazer uma experiência fotográfica, única em seu gênero, e que não se presta a explicação alguma pelos processos conhecidos. Fiz aquisição de uma chapa seca, introduzi-a no caixilho, às 9 horas da noite, e pousei as mãos em cima da câmara escura até o momento em que o médium se instalou atrás da cortina; então apaguei a luz. O sinal convencionado, para abrir a objetiva e para fechá-la de novo alguns instantes depois, foi dado pela voz do agente invisível. Acompanhado pelo médium, que tinha despertado, fui ao gabinete escuro; em todo o tempo da revelação, não deixei de olhar para a chapa, e vi desenhar-se nela, pouco a pouco, a imagem de Bertie, com sua cruz no pescoço, tal qual ela aparecia ordinariamente em suas materializações.
E dizer que é a reprodução fotográfica, em completa escuridão, de uma forma que evidentemente projetou sobre a chapa sensível raios que para nós são invisíveis, isto é, de encontro a todas as leis naturais conhecidas! Somente essa imagem é visível sobre a chapa, que não apresenta o menor indício das coisas circunvizinhas; é preciso concluir, daí, que esses raios emanavam da própria figura, que não era uma luz refletida.” (Psychische Studien, 1879, pág. 399).
Pedi ao Sr. Reimers alguns pormenores suplementares e recebi dele a resposta seguinte:
“Wellington Parade, Powlett Street. E. Melbourne (Austrália), 8 de junho de 1886.
Senhor:
Creio não ter descrito a experiência fotográfica às escuras de maneira suficientemente circunstanciada; é útil, pois, que eu esclareça mais os pontos importantes.
Dirigi-me a Londres com Alfred Firman, e fiz aquisição de chapas secas, no ângulo das quais fiz uma marca. Chegados que fomos a Richmond, preparamos o gabinete e dispusemos o aparelho de maneira que o foco se achasse no lugar em que a forma devia aparecer, segundo as indicações que nos tinham sido dadas. Chegada a noite (eram cerca de 9 horas; estávamos no mês de setembro), Firman entrou no gabinete, enquanto fiquei perto do aparelho, conservando durante todo o tempo a mão pousada em cima dele; eu tinha colocado, no lugar apropriado, a chapa que tinha ficado em minha algibeira desde que tínhamos deixado a loja. John King nos disse, pela voz do médium, que nos conservássemos prontos para descobrir a objetiva à sua ordem. Durante algum tempo houve silêncio tão completo que a mais leve passada do médium teria sido ouvida. De repente ouvimos a voz de John King dando esta ordem: “Agora, abra”; e, alguns minutos depois: “Feche”. Acendi a vela, tirei a chapa e, quando Firman preparou o banho, entreguei-lha; olhando por cima de seu ombro, acompanhei os progressos da revelação. No negativo há uma figura com uma cruz no pescoço; é a imagem de Bertie, como me aparecia ela habitualmente, apenas porém mais escura e sobre um fundo pardo.
Depois desse resultado admirável, comecei a passar em revista, como o faço no fim de cada sessão, todas as combinações imagináveis de fraude às quais se poderia recorrer para obter esse resultado, e cheguei a esta conclusão: que não somente era impossível imitar a marca que eu tinha feito na chapa, mas que, com mais forte razão, é inadmissível que outra chapa, já impressionada, lhe tenha sido substituída. Seria coisa materialmente impossível para o médium retirar a chapa do caixilho e introduzir ali outra, sem fazer o menor ruído, e isso em completa escuridão, principalmente pelo fato de estar a minha mão sobre o aparelho. Não tendo além disso perdido de vista a chapa, desde o momento em que a tinha retirado do caixilho, deixo que outros façam conjecturas...
Seu dedicado,
C. Reimers.”
As experiências de fotografia às escuras, feitas por mim mesmo, me convenceram de que esse fato é possível. Tratou-se de tal assunto nos primeiros números do Psychische Studien daquele ano. A fototipia de uma dessas fotografias acha-se no jornal inglês Light (número de 23 de abril de 1887).
B4 – Pesagem das formas materializadas
Aqui termina a demonstração da natureza não alucinatória das materializações, por intermédio de efeitos físicos duradouros produzidos por essas aparições; entretanto, devo mencionar ainda um modo de confronto ao qual se recorreu para ter a segurança de que a materialização é um fenômeno que possui os atributos de uma corporeidade real, e não constitui uma alucinação: quero dizer que pesou-se a forma materializada e o médium enquanto o fenômeno se produzia. O próprio Sr. Hartmann admite que essas experiências parecem “muito aptas para elucidar a questão”.
Mas então a força nervosa não possui a faculdade miraculosa de produzir todos os efeitos da gravidade? Ela pode, efetivamente, tornar o médium mais leve do que o ar e fazer um fantasma pesar tanto quanto o médium, e o Sr. Hartmann termina naturalmente por concluir que “por essa via nada se pode, pois, verificar de maneira positiva”. Aqui estaria para mim uma razão de não insistir sobre essa categoria de provas em minha “resposta” ao Sr. Hartmann, se não se lesse, imediatamente depois da frase junta, a observação seguinte:
“No caso único em que, conforme me consta, um fantasma foi pesado, seu peso era igual ao do médium “Psychische Studien, VIII, pág. 52), donde se conclui que era o próprio médium que se tinha colocado em cima da balança.”
Comparei essa frase com a passagem acima mencionada no Psychische Studien, e eis o que encontrei em meu diário: é um extrato da carta do Sr. Armstrong ao Sr. Reimers:
“Assisti a três sessões organizadas com a Srta. Wood, nas quais se empregou a balança do Sr. Blackburn. Pesou-se a médium e conduziram-na depois ao gabinete (que era disposto de maneira a colocar a médium na impossibilidade de sair dele no decurso da sessão).
Apareceram três figuras, uma após outra, e subiram à balança. Na segunda sessão, o peso variou entre 34 e 176 libras;[17] essa última cifra representa o peso normal da médium.
Na terceira sessão, um só fantasma apareceu; seu peso oscilou entre 83 e 84 libras. Essas experiências de pesagem são muito concludentes, a menos que as forças ocultas tenham zombado de nós.
Seria, entretanto, interessante saber: que pode realmente restar do médium, no gabinete, quando o fantasma tem o mesmo peso que ele? Comparados a outras experiências do mesmo gênero, esses resultados se tornam mais interessantes ainda.
Em uma sessão de confronto com a Srta. Fairlamb, esta foi, por assim dizer, cosida em uma rede cujos sustentáculos eram providos de um registrador que marcava todas as oscilações do peso da médium, e isso aos olhos dos assistentes. Depois de pequena espera, pôde-se verificar uma diminuição gradual do peso; finalmente apareceu uma figura e deu a volta em torno dos assistentes. Durante esse tempo, o registrador indicava uma perda de 60 libras no peso da médium, metade de seu peso normal. Enquanto o fantasma se desmaterializava, o peso da médium aumentava, e no fim da sessão, como resultado final, ela tinha perdido de três a quatro libras. Não é uma prova de que, para as materializações, uma certa quantidade de matéria é tirada do organismo do médium?” (Psychische Studien, 1881, págs. 52-53).
Essa carta nos indica que na “terceira sessão”, com a Srta. Wood, o peso da forma materializada era igual, durante todo o tempo da sessão, a cerca da metade do peso normal da médium; na experiência com a Srta. Fairlamb, a médium tinha perdido ainda cerca da metade de seu peso normal, ou 60 libras. Que relação a observação do Sr. Hartmann pode ter com o fato que ele cita? Convém procurar a fonte desse erro no domínio do “inconsciente”?
E a diminuição do peso da médium, indo até 3 e 4 libras, depois da sessão, é ainda um efeito da força nervosa? O Sr. Hartmann nos fica devedor de uma explicação dessa particularidade.
As pessoas que desejarem ter mais amplas informações sobre o histórico desse método de experimentação, aplicado aos fenômenos da materialização, podem consultar as publicações seguintes: People from the Other World, por Olcott, Hartford, 1875, págs. 241-243, 487; The Spiritualist, 1875, I, págs. 207, 290; 1878, I, págs. 211, 235, 268, 287; II, págs. 115, 163; Light, 1886, págs. 19, 195, 211, 273.
Aqui termina a primeira parte de meu capítulo sobre os fenômenos da materialização; ele teve por objetivo demonstrar a insuficiência da hipótese alucinatória do Sr. Hartmann, no ponto de vista dos fatos. Encontramos todas as provas necessárias para nos convencermos de que a materialidade, posto que temporária, que caracteriza esses fenômenos é uma coisa real, objetiva, idêntica à materialidade dos corpos que existem na Natureza, e não o efeito de uma alucinação.
Por conseguinte, eu me arrogo o direito de dizer que a teoria das alucinações não só perdeu a “vereda estreita” na qual caminhava penosamente, mas ainda que “lhe foge o próprio terreno”.
Tenho a convicção de que a alucinação não tem influência nos fenômenos de materialização; quanto à imaginação, à ilusão, é outra coisa; mas, dando como admitido que estas tiveram sua parte de influência, é justo dizer que era nos primeiros tempos dessas experiências somente, e todas as pessoas estavam de acordo para julgar o fato muito natural e desculpável.
Atualmente a experiência adquirida já produziu seus frutos, e os espiritualistas encaram hoje esses fenômenos notáveis de maneira muito mais calma e razoável.
A segunda parte deste capítulo será consagrada ao lado teórico da mesma questão.
Insuficiência da teoria alucinatória do
Dr. Hartmann no ponto de vista teórico
A primeira parte deste capítulo tomou um desenvolvimento que eu não tinha previsto. Mas não hesitei em recolher e em utilizar todos os materiais que se me ofereciam, à medida que prosseguia em meu trabalho, pois considero o fenômeno da materialização como o resultado mais notável, mais elevado que atingiu o Espiritismo. Por isso, a demonstração da realidade objetiva desse fenômeno – em oposição com as hipóteses negativas do Sr. Hartmann – era de importância capital para a minha refutação.
Atingi o alvo que me tinha proposto? Ignoro-o. Geralmente os filósofos ficam namorados de suas teorias e as defendem apaixonadamente. Mas como a obra inteira do Sr. Hartmann é fundada na suposição da realidade dos fenômenos, ouso esperar que ele aquiescerá em formular também um juízo “tendo um valor condicional” acerca dos fatos de que fiz menção neste capítulo e que ele não conhecia dantes; prefiro acreditar que ele não evitará as conclusões que se fica coagido a tirar de ditos fatos, entrincheirando-se especialmente na presente ocasião por trás do argumento, aliás, muito fácil, da fraude!
Certamente, os fatos são a base de qualquer investigação no domínio da Natureza e, para responder ao Sr. Hartmann, o melhor método que eu tinha a seguir era apoiar-me em fatos, apresentando-os, tanto quanto me era possível, nas condições impostas por meu contraditor ou que pareciam necessárias para refutar a hipótese da alucinação.
Depois de todas as provas que acumulei na primeira parte do capítulo, para estabelecer pela lógica dos fatos o caráter não alucinatório do fenômeno da materialização, poderia dispensar-me de estabelecer aqui uma discussão teórica.
Mas a hipótese do Sr. Hartmann apresenta, mesmo sob o ponto de vista teórico, inconseqüências tão flagrantes, que não posso deixá-las completamente em silêncio. Serei breve, porque as discussões de princípio nada resolvem, e um simples fato tem cem vezes mais valor do que argumentos longos e complicados; é por isso que não dou grande importância às discussões teóricas, e me deterei aqui, mesmo porque as teorias do Sr. Hartmann são fundadas na entrada em cena de agentes aos quais ele empresta, à vontade de sua pena, virtudes mágicas, porém contrárias às exigências da sã lógica, a despeito de sua encenação artística.
Detenhamo-nos, antes de tudo, nos princípios gerais da teoria do Sr. Hartmann tais quais ele os estabelece. Sua primeira tese é que o médium tem a faculdade de pôr-se a si mesmo em estado de sonambulismo e de sugerir a si mesmo em tal estado a alucinação desejada. Não me preocuparei com a primeira parte, mas perguntarei ao Sr. Hartmann em que pode ele fundar essa asserção de que o médium em estado de transe pode alucinar-se por si mesmo?
Se interrogarmos os médiuns e sobretudo aqueles com os quais as materializações não se traduzem somente por formas estereotipadas, eles nos responderão que adormecem sem pensar nas formas que podem aparecer, que não dão direção alguma à sua consciência sonambúlica e que ao despertarem não se recordam de coisa alguma.
Objetar-se-ão que esses testemunhos não podem ser aceitos, pois que, além de ser permitido suspeitar de sua boa fé, é admissível também que a auto-sugestão se faça inconscientemente, como resultado da consciência sonambúlica.
Verifiquemos a teoria do Sr. Hartmann pelo exame do estado do médium em sono. Os sensitivos hipnóticos ou sonambúlicos, quando têm alucinações, manifestam sempre por sinais exteriores o que se passa neles, mas o médium em transe, pelo contrário, parece inanimado; não se lhe escapa uma palavra, ele não faz um gesto que possa deixar supor que vê qualquer coisa, e ainda menos a figura materializada, que entretanto é vista por todos os assistentes. Se lhe falam, não responde. Ora, que vem a ser uma alucinação durante o sono, senão um sonho cuja realidade aparente é levada até o grau supremo de intensidade, lançando o dormente em um estado de superexcitação tal, que ele desperta em sobressalto e, ao seu despertar, julga-se ainda vítima desse sonho aterrador? Muito freqüentemente pessoas adormecidas falam e gesticulam, o que prova que elas “vêem” sonhando. Com o médium em transe, nada de semelhante se verifica; ele dorme profundamente, pacificamente. Então em que se funda essa proposição fundamental do Sr. Hartmann, de que o médium adormecido tem alucinações que seriam mesmo de uma intensidade extraordinária? (pág. 31). Essa suposição é absolutamente gratuita.
A segunda tese geral do Sr. Hartmann é que o médium, adormecido e alucinado, transmite aos assistentes a alucinação que ele próprio experimenta, e que ele experimenta “um desejo imperioso de fazer que as pessoas presentes partilhem da percepção dessa realidade imaginária, isto é, impõe-lhes as mesmas alucinações que se apresentam a ele próprio”.
Eis o que é fácil de dizer em termos gerais; examinemos, porém, mais de perto o que se passaria na realidade nesse caso. O médium, colocado atrás da cortina, dorme e vê uma figura que julga real. Então lhe ocorre a idéia (pois que ele não esquece o seu papel de médium) de que os assistentes devem ver também essa figura, porque é o objetivo da sessão. Segundo o seu desejo, a figura sai do gabinete sombrio para apresentar-se aos observadores; é assim que as coisas se dão habitualmente. Desde que a figura saiu do gabinete, o médium não a vê mais, pois não tem mais alucinação, e, por conseguinte, os espectadores nada vêem também, porque o médium não lhes pode sugerir uma alucinação que não tem mais!
Se o Sr. Hartmann me responder que a alucinação é um fenômeno subjetivo que se impõe ao cérebro dos assistentes, que ele não pode ser limitado por um gabinete ou por uma cortina, que o médium pode continuar a experimentar a alucinação – do outro lado da cortina –, sustentarei o contrário, porque toda encenação deverá corresponder à realidade; o médium deverá ver-se no gabinete sombrio atrás da cortina; deverá ficar convencido de que está em presença de uma figura real que ele não mais verá logo que ela saiu do gabinete; se ele continuasse a vê-la através da cortina, o fato seria contrário às leis da realidade: ele compreenderia então que é o joguete de uma alucinação e, uma vez feito esse raciocínio, a alucinação não mais existiria.
Demais, não devemos esquecer que se “a consciência no estado de vigília sugeriu ao médium que durante a sessão uma figura deve aparecer aos espectadores, essa mesma “consciência no estado de vigília” lhe sugere que durante essa aparição ele estaria em transe, atrás da cortina, e que nada veria – tal é a tradição dos círculos espíritas. Escravo dessa sugestão, sua alucinação (se há alucinação) não poderia ir além da cortina. Assim, essa segunda hipótese do Sr. Hartmann é destruída pela própria lei das alucinações sugeridas.
Vejamos sua terceira tese. De que maneira o médium impõe suas alucinações aos assistentes? O Sr. Hartmann no-lo explica assim:
“Um médium universal deve ser mais do que um auto-sonâmbulo: deve ser ao mesmo tempo um poderoso magnetizador.” (pág. 34).
“É certo – diz ainda o Sr. Hartmann – que os médiuns, no estado de sonambulismo latente ou aparente, dispõem de uma quantidade de força nervosa, tirada de seu próprio organismo, ou do organismo dos assistentes, muito superior à que um magnetizador pode desenvolver no estado de vigília; é, pois, não menos certo que os médiuns devem possuir, em grau mais elevado que aquele, a faculdade de utilizar essa força nervosa para produzir nos assistentes um estado de sonambulismo latente ou aparente.” (pág. 55).
Essa explicação não concorda com os dados da experiência. O médium é um ser passivo, sensitivo, sujeito a todas as espécies de influências; quando ele entra em transe ou, segundo o Sr. Hartmann, em sono sonambúlico, passa ao estado de completa passividade. Qualquer sono, finalmente, é um estado passivo, cujo caráter distintivo é a ausência de vontade. Isso é tanto mais verdadeiro a respeito do sono sonambúlico provocado, quanto a vontade do sonâmbulo é completamente aniquilada, pois que pertence ao magnetizador. No médium auto-sonâmbulo, é a vontade consciente que faz as vezes de magnetizador e que dá à sua consciência sonambúlica a “direção” para a sua alucinação quase automática. Mas, uma vez dado o impulso, desde que a transformação é realizada, o médium é mais do que um autômato, um escravo da alucinação, que o invadiu e subjugou. E o Sr. Hartmann pretende que esse autômato, sem deixar de ser alucinado, torna-se subitamente ativo, torna-se por sua vez magnetizador e dispõe de uma força considerável, subjugando os espíritos dos assistentes sem pronunciar uma palavra, sem fazer um gesto, sem mesmo mostrar-se; ele mergulha-os em “um estado de sonambulismo latente”, para impor-lhes suas próprias alucinações.
O magnetizador-sonâmbulo age com discernimento. Só quando ele julgou que “todos quantos tomam parte na sessão caíram sob seu domínio” é que põe em jogo suas alucinações. Ele delibera acerca do gênero de alucinação que ele próprio terá e que sugerirá aos outros. Aparecerá ele próprio no papel de John King, ou será um morto que se apresentará à assistência (págs. 94, 95), e também que sentidos serão afetados pela alucinação? (pág. 100).
Aqui o Sr. Hartmann se esqueceu de dizer-nos de que maneira o médium auto-sonâmbulo modifica suas alucinações. Donde vem a nova “direção”? Suponhamos que ele tem a alucinação de ser ou de ver John King e que impõe essa alucinação aos assistentes; depois bruscamente essa alucinação cede o lugar ao “desejo imperioso de transmitir ao indivíduo que se acha ao seu alcance sua alucinação da presença do espírito de um morto”; como se opera essa mudança? Na prática magnética ou hipnótica, para obter-se a mudança das alucinações sugeridas, desperta-se o sensitivo, depois ele é outra vez adormecido, sugerindo-se-lhe a nova alucinação. O Sr. Hartmann imaginou que o auto-sonâmbulo faz tudo sozinho. Depois de ter sugerido a si mesmo e de ter sugerido aos outros que, por exemplo, ele era John King, julga que é chegada a ocasião de mudar o objeto de sua alucinação; volta a um estado de sonambulismo sem alucinação, examina o estado de sonambulismo latente dos assistentes; depois, tendo percebido por meio da leitura dos pensamentos, na memória hiperestésica de um dos assistentes a imagem de um morto, ele sugere a si próprio a alucinação e transmite-a ao mesmo tempo à consciência sonambúlica latente desse assistente e à de todos os outros... para recomeçar em breve com outra alucinação.
Assim o médium-sonâmbulo é um ser ao mesmo tempo ativo e passivo, alucinado e alucinando os outros, alucinado e consciente de sua alucinação, alucinado e ficando senhor de suas alucinações, que ele oferece em espetáculo aos assistentes como em um teatro de bonecos. Tudo isso não passa de uma série de contradições psíquicas insustentáveis. E é em vão que o Sr. Hartmann apelará para esse agente mágico, a consciência sonambúlica do médium, o deus ex-machina de sua hipótese. Mas esse deus – por mais deus que seja – não pode, apesar disso, fazer tantas coisas ao mesmo tempo!
Quarta tese: O médium auto-sonâmbulo não se satisfaz em alucinar-se e em alucinar os assistentes juntamente consigo, ele também faz que as personagens dessas alucinações realizem atos físicos; elas escrevem, deslocam objetos, fazem moldagens, produzem impressões, etc. Esses movimentos são produzidos pela força nervosa do médium, que ele dirige segundo a vontade de sua consciência sonambúlica (págs. 54, 102 e 103).
Assim, pois, à dupla atividade psíquica que a consciência sonambúlica do médium já tinha desenvolvido, junta-se uma terceira: uma atividade inteiramente física, pois que ela é a natureza da força nervosa, segundo o Sr. Hartmann. Essa teoria de nosso contraditor é tão fácil de emitir quão difícil de defender, pois ela corresponde ainda menos que as outras à doutrina da unidade do ato físico. Efetivamente, a operação da transmissão da auto-alucinação a muitas pessoas seria por si só, da parte do médium, um esforço que absorveria toda a sua energia psíquica; mas, de maneira alguma, segundo o Sr. Hartmann, ela se realiza ao mesmo tempo que um esforço da vontade, que “emite a força nervosa mediúnica ou magnética que se acha no sistema nervoso e a dirige de certa maneira sobre objetos animados ou inanimados.” (pág. 54). Aqui retenho uma expressão que dá o que pensar. O que quer dizer “de certa maneira”? O Sr. Hartmann não no-la explica.
E entretanto vejamos o que se passaria na realidade: Aparece uma forma, eu lhe ofereço papel e lápis; ela os recebe, escreve no papel e coloca-o em cima da mesa. Para produzir esses movimentos, o operador invisível (o médium, ou sua consciência sonambúlica) deve ser clarividente. Não é uma simples “leitura” ou “transmissão” de pensamentos que pode dar ao operador uma idéia da forma e das faculdades atuais do fantasma. Oh! não, isso não bastaria para fazer coincidirem os movimentos da figura alucinatória com os fatos tais quais se passam realmente no espaço objetivo; é preciso para isso uma clarividência direta de tudo o que se acha nesse espaço. Eis o que significa a expressão “de certa maneira”.
E, desse modo, a atividade desenvolvida pelo médium auto-sonâmbulo seria quadruplicada. Essa multiplicidade de ações simultâneas impostas pelo Sr. Hartmann à unidade psíquica apresenta uma confusão de afirmações fantasistas diante da qual todo espírito crítico recua e renuncia a discutir.
Quinta tese: Os assistentes devem, durante a sessão, achar-se em um estado de sono sonambúlico latente; é o médium quem os mergulha nesse estado, porque isso é indispensável para que ele lhes possa sugerir suas alucinações (págs. 55 e 56). É sempre, segundo o Sr. Hartmann, a condição sine qua non da percepção do fenômeno da “pretendida materialização”. Qual é, pois, esse estado de sonambulismo latente? Por que sintomas exteriores ele se distingue do estado normal? Por nenhum, diz-nos o Sr. Hartmann (págs. 30 e 57). Assim, por que motivo lhe chamam “estado sonambúlico”? O Sr. Hartmann não no-lo explica. Pode-se, ao menos, saber como ele se produz? É muito simples: o médium retira-se para trás da cortina, passa ao estado se sono sonambúlico aparente, magnetiza pela força de sua vontade todos os assistentes, depois desenvolve neles o estado de sonambulismo latente (págs. 55, 56 e 91). Mas, e a prova? Ei-la, dizem-nos, e ela é clara: os assistentes vêem uma “figura materializada” que não pode ser senão uma alucinação; por conseguinte, eles estão alucinados, se bem que não duram; por conseguinte, estão em estado de sonambulismo latente! Não está aí uma prova?...
Não, isso não é uma prova. Comparemos esses processos com os que são empregados na prática magnética ou hipnótica para provocar uma alucinação.
Antes de tudo, sensitivo deve ser adormecido; ora, está admitido que a metade, no mínimo, dos indivíduos é refratária à influência magnética e que, para a outra metade, o grau de submissão a essa influência varia para cada indivíduo. Sendo o sensitivo adormecido, uma certa relação se estabelece entre ele e o operador: esse último pode sugerir-lhe uma alucinação por meio da palavra, ou por outro meio exterior; para fazer cessar a alucinação, ele deve despertar o sensitivo e, ao despertar, esse último não se lembra de coisa alguma. Como sabemos, nada de semelhante se produz nas sessões de materialização. É verdade que o Sr. Hartmann nos fala também de uma “relação estreita que deve previamente estabelecer-se entre o médium e os assistentes para que as transfigurações e materializações possam ser bem sucedidas” (pág. 91) e, segundo ele, essa relação se estabelece pela freqüência das sessões do médium no mesmo grupo de pessoas.
Admitindo-se que uma relação possa estabelecer-se nessas condições, é certo também que em numerosos casos semelhante relação não existiu. Reúnem-se cerca de dez pessoas que nunca foram hipnotizadas, muitas das quais nunca assistiram às sessões do médium, outras nunca assistiram a sessão alguma, outras, finalmente, ali foram com a firme convicção de que nada se produziria – isso não impede o médium de subjugar, sem o menor processo magnético, todos os membros dessa reunião heterogênea, sem os adormecer, e de impor a todos uma única e mesma alucinação, da qual eles se lembrarão com toda a exatidão! Assim, eu mesmo vi pela primeira vez em minha vida a materialização de uma figura (Katie King) na primeira sessão que me deu a Srta. Cook. Segundo o Sr. Hartmann, eu fui joguete de uma alucinação (e não de uma transfiguração do médium), pois que levantei a cortina imediatamente depois do desaparecimento da figura e verifiquei o status quo do médium (Psychische Studien, 1887, pág. 448). Acrescentarei que não sou sensitivo e que nunca experimentei influência alguma magnética ou hipnótica. É preciso notar também que, contrariamente às afirmações do Sr. Hartmann, os círculos espíritas privados, constantes, homogêneos, são a exceção e que os mais numerosos são círculos públicos, variáveis, heterogêneos.
Devo mencionar ainda uma particularidade que demonstrará a diferença que existe entre os processos mediúnicos e uma magnetização qualquer. Todas as pessoas sabem que para magnetizar ou hipnotizar com êxito, é preciso que o indivíduo consinta nisso, isto é, que não se oponha à experiência, finalmente que se coloque nas condições favoráveis para ser magnetizado, isto é, que se imponha por alguns minutos silêncio e recolhimento. Em uma sessão mediúnica, vê-se o contrário. Diz-se geralmente – e o Sr. Hartmann repete-o – que os fenômenos mediúnicos se produzem em conseqüência de uma excitação psíquica provocada por uma “espera longa e contínua”. Os que o supõem e afirmam-no não têm conhecimento algum prático da questão. Pelo contrário, todos aqueles que adquiriram alguma experiência nessas matérias sabem muito bem que é em condições opostas que se obtém a manifestação dos fenômenos, que é precisamente a concentração dos pensamentos que deve ser evitada quando se assiste a uma sessão, sobretudo quando as manifestações ainda não começaram. Seja em uma sessão com luz ou sem ela, para efeitos físicos ou para materializações, a mesma condição é sempre imposta pelo médium ou pelas forças invisíveis: nada de recolhimento – música, cântico ou uma conversação fácil. O que prejudica àqueles que assistem pela primeira vez a uma sessão é justamente a excitação, o desejo e a espera de alguma coisa extraordinária.
As pessoas que têm o hábito de tomar parte nessas sessões sabem que é no decurso de uma conversação familiar, sem relação alguma com o Espiritismo, que se dão os fenômenos mais notáveis. E, segundo o Sr. Hartmann, é em um círculo onde se faz música, onde se canta, onde se conversa da maneira mais indiferente, que virão impor-se a todos as alucinações que aprouver ao médium adormecido criar!
A que se reduz, pois, a teoria do Sr. Hartmann sobre os fenômenos de materialização? Apesar de todas as complicações que ele acumulou penosamente sobre os princípios gerais que acabo de enumerar, ela se resume na fórmula seguinte: o médium dorme e sonha e os assistentes partilham de seus sonhos, mas sem dormir.
E aí está o que o Sr. Hartmann chama “ponto de vista da ciência psicológica”.
Vejamos agora como se comporta a teoria do Sr. Hartmann a respeito das origens históricas do Espiritismo.
Em seu capítulo consagrado às materializações, ele estabeleceu a sua teoria examinando esses fenômenos nas condições em que eles se apresentam geralmente em nossos dias, e essas condições são: 1º- a aparição de uma figura inteira; 2º- uma luz fraca ou uma semi-escuridão; 3º- o médium invisível, colocado atrás da cortina; 4º- o médium em um estado de sono mais ou menos anormal. Colocados nessas condições, os fenômenos prestam-se até certo ponto à hipótese do Sr. Hartmann, a saber: que o médium é um auto-sonâmbulo, etc.
Mas, se remontarmos às origens do Espiritismo, isto é, aos anos 1848-1850, verificamos que nessa época as experiências se faziam à luz, que o médium tomava parte na assistência, que não caía em transe, nem em um estado de sono qualquer, que ele próprio era espectador e que apesar disso todos os fenômenos mediúnicos que se produzem atualmente produziam-se já então com todo o seu vigor. Não havia ainda materializações de figuras inteiras, porém toques, aparições de mãos, com ou sem deslocamento de objetos. Acrescentemos que os primeiros médiuns foram crianças, meninas de dez a doze anos. Como se harmonizará esse estado de coisas com as palavras seguintes do Sr. Hartmann?
“É justamente essa faculdade de colocar-se a si próprio em sonambulismo a todo o instante, que exige ser longamente exercitada, antes que se possa pô-la em ação com segurança, à vontade de terceiras pessoas.” (págs. 31 e 36).
Mais adiante: “Em uma sessão mediúnica, cada um deve ter em vista que está sob a influência de um mui poderoso magnetizador, que, sem se aperceber, tem todo o interesse em mergulhá-lo em um sonambulismo latente, a fim de lhe impor suas próprias alucinações.” (pág. 56).
Em outra parte, ainda: “Em regra, os médiuns caem em estado de sonambulismo aparente nas ocasiões seguintes: a princípio, durante o falar involuntário, depois, quando se trata de produzir fenômenos físicos que exigem considerável esforço da força nervosa e, em terceiro lugar, pela sugestão de alucinações às pessoas presentes, o que parece importar em uma intensidade particular das alucinações do próprio médium.” (pág. 31).
E finalmente: “Parece que a sugestão de alucinações aos assistentes só se pode efetuar a uma luz branda.” (pág. 10).
Onde encontramos “o exercício prolongado”, “o magnetizador poderoso”, “o sonambulismo aparente” e “a luz branda” nas meninas médiuns de 1849, sobre as quais os fenômenos mediúnicos se abateram, pode-se dizer, como uma surpresa, como uma avalanche? Apesar de todos os esforços que elas fizeram para desfazer-se deles, esses fenômenos acompanharam-nas sem tréguas, expondo-as a numerosos dissabores. Nada pôde detê-los. “Anunciai essas verdades ao mundo!” Tal era a ordem que as forças invisíveis intimaram pela primeira mensagem obtida pelo alfabeto, e as jovens médiuns, apesar de toda a sua resistência, foram constrangidas a submeter-se e a entregar esses fenômenos à investigação pública. Sou levado a crer que, se os fenômenos de materialização tivessem continuado a produzir-se nas mesmas condições em que se davam nessa fase primordial, o Sr. Hartmann não teria encontrado elementos suficientes para edificar a sua teoria da alucinação. E entretanto o fenômeno era o mesmo!
O estudo dos fenômenos de materialização nos revela essa lei geral, que, por si mesma, refuta completamente a teoria da alucinação.
Às primeiras manifestações da materialização com um médium, as formas materializadas oferecem uma semelhança frisante com certas partes do corpo ou com toda a pessoa do médium.
Mais tarde – se o médium continua no desenvolvimento desse gênero de experiências –, essa semelhança pode, sem desaparecer, ceder o lugar, freqüentemente, a materializações de figuras extremamente variadas; outros médiuns não podem sair do limite das primeiras experiências, e todas as suas materializações apresentam com a sua pessoa uma semelhança tal que se é conduzido mui naturalmente a supor que é o médium transfigurado – até o dia em que podemos convencer-nos por provas suficientes que estamos em presença de um desdobramento do médium.
É assim que nos fenômenos clássicos de materialização de Katie King e de John King, que se produziram na Inglaterra e que foram submetidos às mais variadas experiências, verificou-se de cada vez uma semelhança mais ou menos pronunciada, e algumas vezes completa, entre as formas materializadas e o médium. John King aparecia à luz do dia e seu retrato foi desenhado enquanto o médium, colocado atrás da cortina, era seguro pelas mãos (Médium, 1873, pág. 346); ou, antes, ele aparecia às escuras, iluminado por sua própria luz, enquanto o médium era seguro pelas mãos no grupo ou fora do grupo dos assistentes. Katie King aparecia enquanto uma parte do corpo da médium era visível; outras vezes desaparecia momentaneamente, quando era acompanhada por uma pessoa que queria ver a médium no gabinete. Esses casos, segundo o Sr. Hartmann, são provas evidentes da alucinação e não da transfiguração.
Mas, se assim fosse, porque essa semelhança com os médiuns? Essa semelhança fazia seu desespero! Certamente, se eles tivessem podido provocar alucinações à sua vontade, seguramente teriam evitado representar nessas alucinações sua própria imagem, o que fazia somente gerar a suspeita e fornecia pretextos a toda espécie de medidas de fiscalização com o objetivo de desmascarar a impostura.
Acontece o mesmo com as materializações que se produzem aos olhos dos assistentes. Como alucinação, esse gênero de fenômeno agrada ao Sr. Hartmann; mas, no ponto de vista do fenômeno objetivo, o processo lhe desagrada, e para provar que o médium não é “o produtor inconsciente do fantasma”, o Sr. Hartmann exige outra demonstração; ele diz:
“Nos casos em que havia separação absoluta, em que o fantasma era observado desde a sua formação até o seu desaparecimento, verificou-se que ele emanava todo do médium e fundia-se de novo com ele, e isso, não como uma imagem inteiramente formada, enchendo-se gradualmente de matéria e esvaziando-se em seguida, mas como uma massa nebulosa informe que só toma forma gradualmente e se desagrega em seguida da mesma maneira.” (pág. 110).
Se verdadeiramente esse fantasma não fosse mais do que uma alucinação, a fantasia do médium teria ultrapassado todas as exigências do Sr. Hartmann: “imagens inteiramente formadas”, correspondendo à mais arrojada imaginação, teriam aparecido e desaparecido subitamente.
Mas apresentarei aqui ainda outra observação: se as materializações não passam de alucinações produzidas pelo médium e se ele tem a faculdade de ver todas as imagens armazenadas nas profundezas da consciência sonambúlica latente dos assistentes e de ler todas as idéias e todas as impressões – que se acham no estado latente em sua memória –, ser-lhe-ia muito fácil contentar a todos aqueles que assistem à sessão, fazendo aparecer sempre a seus olhos as imagens de pessoas falecidas que lhes fossem caras. Que triunfo, que glória, que fonte de riqueza para um médium que atingisse esse alvo! Mas, com grande pesar dos médiuns, as coisas não se passam assim: para o maior número dentre eles, são figuras estranhas que se apresentam, figuras que ninguém reconhece, e os casos em que a semelhança com um morto era bem verificada, não só quanto à forma, mas também quanto à personalidade moral, são extremamente raros; os primeiros são a regra, os outros a exceção.
Esses resultados negativos, que estão longe de satisfazer a todas as esperanças e a todos os desejos, são para mim a prova de que nos achamos realmente em presença de fenômenos naturais, submetidos a certas leis e a certas condições para poder manifestar-se, e cujo verdadeiro sentido nos é desconhecido ainda.
Se seguirmos de mais perto a história da materialização de certas figuras que apareceram regularmente durante um tempo mais ou menos longo, encontraremos alguns casos que têm especial importância para a teoria desses fenômenos e provam, à sua maneira, que não são simples alucinações.
É à série das aparições de Katie King que tiro o primeiro exemplo de um fenômeno dessa espécie, e deter-me-ei aí porque ele é atestado pelos testemunhos mais sérios. Desde as suas primeiras aparições, Katie King tinha anunciado que não poderia materializar-se senão durante três anos e que, na expiração desse termo, sua missão estaria terminada: que ela não poderia mais manifestar-se fisicamente, de forma visível e tangível, que, passando a um estado mais elevado, não poderia comunicar com o seu médium senão de maneira menos material (The Spiritualist, 1874, I, pág. 258, e II, pág. 291).
O prazo anunciado expirava em maio de 1874; a última sessão foi fixada por Katie King para 21 de maio; ela se realizou em casa do Sr. W. Crookes. Eis de que modo, segundo as palavras desse último, se operou a desaparição de Katie:
“Ao aproximar-se o momento em que Katie devia deixar-nos, pedi-lhe que se fizesse ver por mim, no último momento. Convidou umas após outras todas as pessoas presentes a aproximar-se dela e disse a cada uma algumas palavras; depois deu certas indicações gerais sobre a proteção e cuidados de que devíamos no futuro rodear a Srta. cook. Terminadas essas recomendações, Katie convidou-me a acompanhá-la ao gabinete e autorizou-me a ficar até o fim. Puxou a cortina e falou-me durante algum tempo ainda; depois, atravessou o aposento até o lugar em que a Srta. Cook estava deitada sem conhecimento no soalho. Inclinando-se para ela, Katie disse-lhe:
– Desperta, Florie, desperta. Agora devo deixar-te.
A Srta. Cook despertou e rogou a Katie, chorando, que ficasse ainda por um pouco.
– Não posso, minha cara, minha missão está cumprida. Deus te abençoe – respondeu Katie, e continuou ainda a falar com a Srta. Cook.
Essa conversação se prolongou por muitos minutos; as lágrimas sufocaram a Srta. Cook. Então, conformando-me com as recomendações de Katie, aproximei-me da Srta. Cook para ampará-la, pois ela tinha caído no chão com um acesso de soluços histéricos. Quando olhei em volta de mim, Katie tinha desaparecido.”
O Sr. Harrison, editor do The Spiritualist, que fez parte dessa sessão, acrescenta os pormenores seguintes:
“Katie disse-nos que nunca mais poderia falar nem mostrar o rosto, que os três anos durante os quais produzira essas manifestações físicas tinham sido para ela um tempo penoso, uma triste expiação de seus pecados, e que naquela ocasião ia passar a um estado de existência espiritual mais elevado. Declarou que não poderia daí em diante comunicar com a médium senão a intervalos longos, e isso pela escrita, mas que a médium poderia divisá-la a qualquer hora, desde que se deixasse magnetizar.”
Não posso insistir bastante sobre a significação moral desse fato. Como explicar, de maneira racional, no ponto de vista das teorias da transfiguração, da alucinação e mesmo pela impostura, essa cessação voluntária da aparição e da materialização de Katie King? Se a produção desses fenômenos só dependesse da médium, por que motivos teria ela posto termo às manifestações? A Srta. Cook, a médium, estava nessa época no apogeu de sua nomeada; o amor-próprio dos médiuns – sobretudo quando eles entraram nesse caminho especial – desenvolve-se mui naturalmente até um grau muito elevado, pois que sua extraordinária faculdade lhes abre as portas da mais alta sociedade, tornando-os objeto da atenção geral, o que não pode deixar de lisonjear-lhes a ambição. A Srta. Cook era então o único médium com o qual se produzia a materialização de figuras inteiras. Por que motivo então teria ela voluntariamente descido do pedestal sobre o qual a elevavam, para cair de novo no esquecimento? Ela não podia conhecer a sorte reservada a suas faculdades mediúnicas, prever se atingiria os mesmos resultados, e por que motivo, além disso, teria ela trocado o certo pelo incerto?
O Sr. Crookes, por seu lado, dava grande importância a essas experiências e só desejava completar suas observações.
Pergunto de novo qual podia ser o motivo bastante poderoso para decidir a médium a tomar essa resolução? Se as manifestações só dependessem da sua vontade, era bastante continuá-las para colher novos louros.
Poder-se-ia atribuir essa resolução a um enfraquecimento das faculdades mediúnicas da Srta. Cook e não ver nas despedidas de Katie King – ainda que elas tenham sido previstas três anos antes – mais do que um meio de evitar um insucesso penoso para o seu amor-próprio. Porém, nós sabemos que, pelo contrário, os fenômenos foram progredindo e que eram mais perfeitos, mais decisivos ainda nos últimos tempos; sabemos também que depois da desaparição de Katie King as faculdades mediúnicas da Srta. Cook não enfraqueceram e que, pouco tempo depois, uma nova figura apareceu “com igual perfeição” –, como no-lo informa a carta do Sr. Crookes publicada no The Spiritualist de 1875, tomo I, pág. 312.
Finalmente, esse fato da cessação de uma materialização de figura aparecida durante certo lapso de tempo não é único nos anais do Espiritismo. Poderia citar ainda muitos (vede, por exemplo, o Médium, 1876, pág. 534).
Em minha opinião, tudo isso demonstra peremptoriamente que, nesses diversos casos, ao menos, tratávamos com uma vontade diferente da do médium e que o fenômeno tinha, por si mesmo, uma realidade objetiva.
Para acabar de vez com o lado teórico dessa questão, devo renovar uma objeção que já emiti na primeira parte deste capítulo, quando se tratava das impressões produzidas por partes do corpo materializadas. Essa objeção deveria figurar aqui – na parte teórica de minha argumentação, mas eu me deixei levar pela “inconseqüência lógica” que sobressaía da teoria do Sr. Hartmann, quando tratei especialmente desse gênero de fenômenos (pág. 115 e seguintes).
Lembrarei em algumas palavras o assunto de que se trata, porque essa inconseqüência que dimana da tese do Sr. Hartmann não se limita evidentemente à explicação pela alucinação do aparecimento de uma parte do corpo humano, mas refere-se igualmente à aparição de uma forma humana inteira materializada.
O Sr. Hartmann foi coagido a nos fazer uma concessão relativamente à aparição das mãos: elas podem não ser uma simples alucinação da vista, mas ter um substratum objetivo real na força nervosa, cuja concentração pode ser tal que a mão possa ser sentida ao tato, e será então uma percepção real, e não uma alucinação, o que é provado pela impressão que essa mão produz sobre papel enegrecido. Mas a vista dessa mão será, para a mesma pessoa que a tocou, uma alucinação. Eis onde reside “a inconseqüência lógica” que se estende ao conjunto da teoria da alucinação emitida pelo Sr. Hartmann para explicar as materializações.
Quando uma figura inteira aparece, produz diversos efeitos físicos, deixa-se tocar a apalpar, o Sr. Hartmann admite de boa vontade que isso pode ser um efeito real, não alucinatório, um efeito produzido pela força nervosa mediúnica que representa o analogon da superfície da mão que produz uma pressão, sem que haja, por trás dessa superfície, um corpo material.” (pág. 99).
Por que motivo, pois, ele não admite que esse mesmo “analogon de uma superfície que exerce uma pressão” possa produzir um efeito visual?
Assim, para uma série de efeitos produzidos pelo mesmo fenômeno, o Sr. Hartmann admite que eles são provocados por “uma coisa material (em si), existindo no espaço objetivo real e que afeta os órgãos sensoriais dos assistentes”, e para uma outra série de efeitos – sentidos e acusados pelo mesmo indivíduo – ele declara que essa causa “não é uma coisa material, mas uma alucinação subjetiva do médium” (pág. 96).
É impossível não ver a contradição evidente dessas duas explicações. A inconseqüência é tanto mais saliente, porquanto o próprio Sr. Hartmann afirma que a força nervosa pode tomar formas visíveis que não são alucinações. Assim ela poderia “transformar-se em efeito de luz” (pág. 47) e então “revestir formas determinadas, mas principalmente formas de cristais, ou antes, formas de objetos inorgânicos, tais como cruzes, estrelas, um campo claro semeado de pontos luminosos” (pág. 50).
Nesse caso, a força nervosa torna-se visível e não é uma alucinação. Por que, pois, essa mesma força, por se tornar visível sob a forma orgânica de uma materialização (que algumas vezes também é luminosa), se torna uma alucinação? Como o Sr. Hartmann poderá responder a essa pergunta?
A teoria da alucinação é destruída pela análise lógica de suas próprias hipóteses.
Capítulo II
Fenômenos físicos
Já tendo tratado da questão das materializações e tendo-a resolvido no sentido de um fenômeno real objetivo, minha resposta ao Sr. Hartmann, no que diz respeito aos fenômenos físicos, compreende-se facilmente. É claro que, se minha tese é admitida para o fenômeno da materialização, a maior parte dos fenômenos físicos complexos explicam-se pela simples suposição de que eles são produzidos por órgãos materiais invisíveis.
Mas isso não quer dizer que todos os fenômenos físicos devam explicar-se dessa maneira e que nenhuma força física desconhecida represente aí um papel; creio, pelo contrário, que é razoável admitir que os fenômenos físicos simples não são freqüentemente mais do que o produto de uma força física desconhecida, emanada de nosso organismo.
Chamo fenômenos simples aos fenômenos físicos obtidos com ou sem imposição das mãos, quando eles se produzem em linha reta, horizontal ou vertical, e quando têm o simples caráter de repulsão ou de atração; tal é, por exemplo, o fenômeno da elevação de uma mesa com mãos simplesmente colocadas em cima, que eu observei muitas vezes e que sempre me impressionou pelo movimento perfeitamente vertical de todo o móvel, os quatro pés deixando o solo ao mesmo tempo e a mesa caindo de uma só vez, como se fosse sobre um pé somente.
Eu mesmo vi a mesa, depois de se ter levantado a um ângulo de 45º, retomar a posição horizontal enquanto estava suspensa no espaço e cair de novo verticalmente sobre os quatro pés.
Quanto aos fenômenos físicos complexos, descrevendo o objeto uma linha curva, por exemplo, parece serem produzidos por um órgão físico invisível, dirigido por uma vontade e por uma razão que lhe são próprias; mas, por assim dizer, essa idéia nem sequer teve o tempo de ficar no estado de hipótese, pois desde que os fenômenos físicos extraordinários se produziram – no começo do movimento espírita –, as mãos que os efetuavam foram freqüentemente vistas e sentidas.
Demonstrei, no primeiro capítulo deste livro, que a objetividade real dessas mãos foi verificada por todos os meios imagináveis. O meio mais simples de verificar a ação direta dessas mãos é untar os objetos que se quer fazer deslocar com o bálsamo luminoso de Balmain. É assim que, quando eu segurava pelas mãos a médium Kate Fox, no decurso de uma sessão às escuras, vi distintamente sobre uma campainha que eu tinha colocado em cima da mesa, perto de mim – e que era perfeitamente visível, graças à substância luminosa com a qual eu a tinha untado – destacar-se a sombra de muitos dedos que tomaram essa campainha e fizeram-na tilintar no espaço. As mãos da médium e as minhas pousavam em cima de uma tábua igualmente luminosa, de maneira que as mãos da médium, mantidas entre as minhas, podiam ser vigiadas constantemente.
Que as mãos que deslocam objetos, à luz, sejam algumas vezes invisíveis, só depende evidentemente do grau de materialização; que a materialização invisível existe, temos a prova pela fotografia transcendente. Em uma das fotografias de Mumler, verifica-se mesmo um efeito físico produzido por uma forma invisível: o levantamento visível da vestimenta tinha sido produzido por mão invisível ao olho, porém reproduzido pela fotografia.
Segundo o Sr. Hartmann, todos os fenômenos físicos do mediunismo – simples ou complexos – são produzidos pela força nervosa do médium, que por sua vez não passa de “uma força física emanada do sistema nervoso do médium”; o Sr. Hartmann insiste muito nessa definição e declara que não compreende “por que motivo Cox a designa sob o nome de força psíquica e não sob o de força nervosa, definição que pode ocasionar confusão” (pág. 37).
Mas cada vez que o Sr. Hartmann tenta explicar por essa força um fenômeno físico complexo, que vemos? É sempre a vontade do médium que “dirige” essa força (pág. 42), que “a domina” (pág. 49); é a “fantasia do médium que coordena as linhas de tensão” (pág. 51).
No fim de seu artigo sobre os fenômenos físicos, o Sr. Hartmann julga necessário explicar-nos que “não é somente a vontade do magnetizador, como tal, que produz essas manifestações em outros indivíduos, por sua ação puramente psíquica, e não é de maneira alguma a vontade do médium só, que, por sua ação puramente psíquica, produz, em corpos inanimados, os fenômenos físicos de que se acaba de tratar; em um e outro caso, o efeito imediato da vontade limita-se a libertar a força nervosa, magnética ou mediúnica, do sistema nervoso e projetá-la de determinada maneira sobre objetos animados ou inanimados”. Uma vez que essa “projeção de determinada maneira” deve a cada instante mudar de direção para produzir uma linha curva ou um sistema de “linhas de tensão” (na escrita direta, por exemplo), é evidente que a vontade do médium é inseparável dessa força. Podemos, pois, por nossa vez, admirar-nos pelo fato de o Sr. Hartmann querer ver aí unicamente uma força física? Acredito, além disso, que os partidários da força psíquica nunca tiveram a intenção de pretender que essa força atuasse fisicamente, sem substratum algum de força física.
Afirmando e reafirmando que a força nervosa mediúnica é uma força física, tendo analogia com a eletricidade e com o magnetismo, o Sr. Hartmann julga “mui simplesmente incrível e de péssimo presságio para os interesses do Espiritismo sob o ponto de vista científico, que ninguém tenha ainda feito tentativa para resolver essa questão”.
Está ainda aqui uma alegação sem fundamento. O professor Hare e o físico Varley fizeram muitas pesquisas nesse sentido, mas nunca puderam descobrir vestígio algum de uma afinidade qualquer entre a força mediúnica e a eletricidade ou o magnetismo terrestre (vede Hare, Pesquisas Experimentais, págs. 98-109; Varley, Relatório da Junta da Sociedade Dialética; The Spiritualist, 1876, II, 205).
É preciso citar também uma brochura que apareceu em 1853 em Gota sob este título: As mesas girantes; sessenta e quatro novas experiências físicas, com indicação dos resultados obtidos, na qual o autor, o Sr. Chr. Elisa Hering, professor agregado de Matemática e de Física no Seminário de Gota, chega a esta conclusão:
“Segue-se daí que a força recentemente descoberta é o oposto do magnetismo, por conseguinte um antimagnetismo; parece até que ela é a verdadeira força neutralizante.” (pág. 57).
Tratando, no capítulo 1º, das impressões produzidas – segundo o Sr. Hartmann – pela força nervosa, demonstrei suficientemente a contradição que existe entre esses efeitos e as noções que temos do que se pode chamar uma força física. Vejamos agora que valor tem essa teoria da força nervosa empregada para a explicação dos fenômenos mediúnicos complexos, tais como o movimento de objetos no espaço, o toque de instrumentos de música, a escrita direta, etc.
A Física nos ensina que toda força de atração ou de repulsão se exerce em linha reta e que um corpo, posto em movimento por uma dessas forças, não pode descrever uma curva senão pela intervenção de outras forças que, a cada instante, se acrescentassem à primeira. Assim, um objeto colocado a distância do médium, saturado de força nervosa, não pode ser atraído ou repelido pelo médium senão em linha reta; ele poderia ainda – admitindo que essa força “modifique as relações dinâmicas que existem entre a Terra e os objetos” – se elevar verticalmente e ser atraído em linha reta pelo médium. Mas nunca, a menos que se neguem todas as leis conhecidas da Física, esse objeto poderá ser dirigido à direita e à esquerda, descrever as curvas mais fantasistas, os movimentos mais complicados, e isso com um intuito racional. Seria preciso para isso que esse objeto experimentasse a ação de forças que emanassem de outros centros que não o médium.
De que maneira se produzem, pois, os fenômenos de que falamos? É muito simples. Segundo Sr. Hartmann, o médium é um centro de força nervosa a irradiar-se em todas as direções; ele carrega com essa força todos os pontos de um aposento e tudo o que ele contém, de tal maneira que qualquer objeto se torna por sua vez um centro de força que age segundo a vontade do médium.
Apliquemos esse processo do Sr. Hartmann a uma das sessões que conhecemos. Tomemos, por exemplo, uma das sessões de Home, às quais assisti com freqüência.
Muitas pessoas tomam lugar em torno de uma mesa, com o médium; colocam-se duas velas em cima da mesa; todas as mãos pousam sobre essa mesa, mas sem juntar-se, em oposição ao que afirma o Sr. Hartmann à página 47; nem vestígio de sonambulismo aparente, ao contrário do que diz o Sr. Hartmann à página 31, no médium, que toma parte na conversação geral.
Ao cabo de dez ou quinze minutos, é preciso supor que a sociedade está suficientemente carregada de força nervosa e imersa em estado de sonambulismo latente. Os fenômenos começam. Sinto-me tocar nos joelhos, introduzo a mão por baixo da mesa e sinto dedos deslizarem em torno do meu anel, como para mo tirarem: são correntes de força nervosa com sugestão da alucinação de um contato produzido por dedos. Meu vizinho abaixa-se para olhar por baixo da mesa; o médium, notando esse movimento, sugere-lhe imediatamente uma alucinação da vista e meu vizinho exclama que viu mão humana.
Anuncio que o meu anel é tirado; entretanto, ele não cai: flutua no ar. O médium, sempre atento, apressa-se em carregar de força atrativa os joelhos da pessoa que se acha defronte de mim, e o anel, atraído por esse centro de atração, vai tocá-la; essa pessoa coloca a mão por baixo da mesa, e o anel lhe é restituído.
Meu vizinho toma uma campainha, conserva-a por um instante em baixo da mesa; declara que sente o contato de dedos que lhe tiram o objeto; a campainha flutua por um instante e tilinta por muitas vezes. Para obter esse resultado, o médium carregou simplesmente de força nervosa os pés de meu vizinho e os do membro do círculo que estava defronte dele; a campainha, carregada igualmente de força nervosa, acha-se, pois, entre dois centros de atração, e o médium nada mais tem a fazer senão regular seus movimentos para fazê-la tilintar.
Meu vizinho da frente toma um lenço; conserva-o por baixo da mesa; sente os mesmos contatos e diz que lhe arrebatam o lenço – isso não passa de uma bagatela, um pequeno centro de atração criado exatamente no soalho, por baixo do lenço –; mas eis que o lenço é arrebatado e imediatamente restituído, por baixo da mesa, ao meu vizinho, que verifica que deram nele dois ou três nós. Isso não é muito difícil de explicar de maneira alguma: estando o lenço muito carregado de força nervosa, o médium carrega igualmente o soalho, a mesa e os pés dos assistentes; ele forma centros de atração de intensidade diferente, se bem que, sendo o lenço atraído de todos os lados, o médium não tenha mais a fazer do que regular seus movimentos, e os nós são dados.
Enfim, o médium toma um harmônio em uma das mãos, deixando a outra em cima da mesa; conserva o instrumento suspenso por baixo da mesa, entre ele e o seu vizinho, deixando livre o teclado; ouve-se uma melodia perfeitamente executada. O processo é o que há de simples: um centro de atração no soalho toca no harmônio e detém o fole. Mas isso não faria dar mais do que um som, e para executar uma melodia é preciso comprimir as teclas por uma ação transversal. Para obter esse efeito, o médium distribui cerca de uma dúzia de centros de atração ou de repulsão pelos pés de sua cadeira, ou pelo seu próprio pé, e faz agirem esses centros de força unicamente sobre as teclas – “regula” essas forças – e eis a melodia.
É preciso concluir daí que, se todos esses objetos tivessem sido entregues a si mesmos, depois de terem sido carregados de força nervosa, sem que seus movimentos fossem “regulados” pelo médium, eles se teriam posto em movimento por si mesmos e nos teriam oferecido o espetáculo de uma sarabanda mui divertida. É preciso acreditar, também, que um médium poderia carregar de força nervosa uma bola com que as crianças brincam e, lançando-a ao ar, fazê-la girar de maneira mais fantasista; ou antes ainda fazer mover uma figurinha de papelão, fazer seus pés e suas pernas moverem-se sem puxar por fio algum. Estariam aí fenômenos extremamente simples, mas que os médiuns espíritas ainda não conseguiram produzir.
Nessa aplicação da teoria, acredito ter-me conservado rigorosamente fiel à definição da força nervosa tal qual o Sr. Hartmann no-la apresenta para explicar os fenômenos que se produzem nas sessões espíritas. Posso prescindir de comentários e reservo-me somente, com o fim de completar a análise dessa hipótese e de apreciá-la em seu exato valor, o direito de precisar a definição dessa força maravilhosa, dando-lhe todo o seu desenvolvimento, pois que o Sr. Hartmann se absteve cautelosamente de fazê-lo.
Que é, por conseguinte, na opinião do Sr. Hartmann, essa força nervosa mediúnica?
É uma força física que produz todos os efeitos físicos que pode produzir um corpo humano, incluídos aí os efeitos plásticos.
Visto que freqüentemente esses efeitos físicos coincidem com os fenômenos de materialização, é necessário acrescentar à definição que precede a desse último fenômeno.
Que é, pois, uma materialização, segundo o Sr. Hartmann?
A materialização é a alucinação de uma forma humana concordando exatamente com os efeitos físicos produzidos pela força nervosa mediúnica e tendo, por conseguinte, todas as aparências e atribuições de uma forma humana real.
Por ter recorrido a semelhante tautologia, apresentando-a como uma teoria científica, é preciso realmente que se experimente horror à simples idéia da existência de uma forma humana transcendente; pois, em verdade, é difícil estabelecer uma diferença qualquer entre semelhante “alucinação” e o que os espíritas chamam uma forma humana materializada. Isso não passa de um jogo de palavras; suprimamos a expressão “alucinação” e o sentido ficará sendo o mesmo. Efetivamente, pela palavra materialização, os espíritas entendem alguma coisa mais bem determinada do que o Sr. Hartmann com a sua alucinação dupla de força nervosa? Mas teoricamente a diferença é enorme, pois que a hipótese que emiti no começo deste capítulo é, relativamente falando, de grande simplicidade e nada representa que não seja muito racional, desde que ela decorre mui naturalmente dos dados que nos oferecem as experiências e a observação direta dos fatos, enquanto que as duas hipóteses do Sr. Hartmann são fantásticas, complicadas em extremo e violentam a razão e a Ciência.
Aqui me vejo coagido a dirigir contra o Sr. Hartmann uma acusação formal, de muito maior gravidade do que as críticas que emiti contra suas teorias. É permitido a todos defenderem suas teorias o melhor que puderem. Mas a exprobração que lhe faço diz respeito ao próprio método que seguiu em sua argumentação; ora, os princípios de qualquer método de investigação, em qualquer domínio da Natureza, são imutáveis. No que diz respeito ao Espiritismo, o Sr. Hartmann formulou admiravelmente “os princípios metodológicos gerais” sobre os quais queria basear sua investigação científica, e que são os seguintes:
“Há princípios metodológicos gerais que não se pode desrespeitar impunemente. Em primeiro lugar, não convém sem necessidade multiplicar os princípios, isto é, procurar um segundo enquanto podemos contentar-nos com o primeiro. Em segundo lugar, convém que fiquemos tanto tempo quanto for possível nas causas cuja existência é justificada pela experiência ou baseada em deduções certas, e não procurar causas cuja existência é duvidosa e sem provas, e cujo valor só consiste em servir de hipótese para explicar os fenômenos em questão. Em terceiro lugar, convém restringirmo-nos, tanto quanto possível, às causas naturais e não nos decidirmos a ultrapassar esses limites senão no último extremo. O Espiritismo peca contra esses três princípios. Reconhecendo sem contestação uma categoria de causas naturais, fornecidas pela experiência e que se nos apresentam na pessoa dos médiuns, o Espiritismo admite outras causas, que não derivam dos dados da experiência, que são de ordem supranatural, e cuja existência necessita ser provada precisamente pelos fenômenos pertencentes a esse domínio problemático.” (S., págs. 117, 118).
“Se os espíritas desejam que se classifique essa segunda categoria de causas na mesma ordem em que as primeiras, devem empregar todos os seus esforços em traçar a linha de demarcação exata além da qual as causas naturais deixam de bastar à explicação dos fatos, tendo o cuidado de submeter a uma crítica das mais severas essas provas da insuficiência de tais causas, além desses limites. Enquanto essa linha de demarcação não for estabelecida distintamente, e a demonstração em questão não for dada, nada de positivo poderá ser afirmado, quanto à realidade da intervenção dessa segunda ordem de causas.
O Espiritismo ainda não fez a menor tentativa para resolver esse problema.” (S., 118).
Nada há a objetar a esses princípios; eles são efetivamente “inatacáveis em absoluto”, assim como o próprio Sr. Hartmann o declara em sua carta ao Sr. Massey (vede Light, 1885, pág. 432). Mas aí ainda há um quarto princípio metodológico, que o Sr. Hartmann deixou de assinalar em sua enumeração, é este:
“Toda hipótese ou teoria, concebida no intuito de explicar fenômenos de determinada ordem, deve abranger o conjunto dos fatos que se lhe referem.”
Prefiro acreditar que o Sr. Hartmann julgará esse princípio metodológico tão inabalável quanto os outros.
Examinemos se o Sr. Hartmann observou esse princípio no decurso de suas investigações no domínio do Espiritismo. O próprio Sr. Hartmann está persuadido, ao que parece, de ter-se conformado com ele, pois que afirma da maneira mais formal:
“De outro lado, nós vimos que, submetendo a um juízo crítico imparcial a ordem de fenômenos que estudamos, nada encontramos, à exceção da clarividência propriamente dita, que forneça o menor motivo para ir além das explicações naturais; a aparência do contrário repousa em um erro compreensível sob o ponto de vista psicológico, porém insustentável em matéria de ciência.” (S., pág. 106).
Esse raciocínio é justo: Em primeiro lugar, o Sr. Hartmann admite por sua vez “uma exceção”; voltaremos a esse ponto mais adiante. Mas é realmente a única exceção? Pode-se afirmar que “o contrário” não passa de uma “aparência”, engendrada por um “erro”? Por minha parte, sustento da maneira mais categórica que o “motivo para ir além das explicações naturais” existe. No número dos fenômenos espíritas, há um que se designa comumente sob o nome de “penetração da matéria”. O Sr. Hartmann menciona-o em seu tratado e cita alguns fenômenos dessa ordem, tais como: passagem de um anel de ferro através do braço do médium; penetração de moedas, de fragmentos de ardósia, etc., em caixas hermeticamente fechadas; anel enfiado em um pé de mesa; formação de nós em cordas e correias cujas pontas estavam lacradas; transporte, para o aposento onde se realizavam sessões, de objetos vindos de outros aposentos ou de outras casas, e de flores frescas que crescem em pleno campo, etc.
“Por conseguinte – diz o Sr. Hartmann –, os espíritas aceitam, de maneira geral, que um médium em sonambulismo possui a faculdade de libertar-se de todos os laços, e de entrar neles de novo, e isso por meio da penetração da matéria.” (pág. 45).
Desde que o Sr. Hartmann menciona esses fatos, é inútil enumerar as outras experiências que foram feitas para estabelecer a sua realidade.
Que pensa, pois, o Sr. Hartmann desses fenômenos? Eis aqui:
“As comunicações relativas à penetração da matéria transportam-nos a um domínio de fatos particularmente inverossímeis.” (pág. 44).
Acreditais que ele os renega, como “inverossímeis”? Absolutamente, não. Ele os aceita “condicionalmente”, como a todos os outros fenômenos; serve-se até em larga escala desses fatos para apoiar suas teorias da transfiguração do médium e da alucinação, tratando das materializações, como de uma coisa muito natural. Ele explicou, por acaso, ou pelo menos tentou explicar, o fenômeno da penetração da matéria por meio de uma teoria natural, como o fez para com os outros fenômenos? Nada. Ele não fez ensaio algum desse gênero. E entretanto menciona esses fenômenos e aproveita-se deles, como se nos tivesse dado a sua explicação.
É nesse ponto que acuso o Sr. Hartmann de ter pecado contra o método. De duas coisas uma: ou ele nega os fenômenos da penetração da matéria, ou não os nega. Negá-los seria desconhecer o quarto princípio e, nesse caso, ele deveria deixá-los de lado em suas explicações. Se, pelo contrário, ele os aceita, deve considerá-los como fenômenos naturais e dar deles uma explicação em harmonia com a sua teoria, conforme o segundo e terceiro princípios metodológicos. É o que ele não fez. Nesse ponto nada há, aliás, que não seja muito compreensível, pois os fenômenos da penetração da matéria são daqueles que não podemos explicar pelas leis naturais conhecidas; sob o ponto de vista de nossa ciência, são fatos de ordem transcendente, ou, se apraz ao Sr. Hartmann, supranatural. Por conseguinte, não se comete “erro” algum aceitando que o “motivo para transpor os limites das causas naturais” existe. Segue-se daí que, aceitando como princípio um fato tal como a penetração da matéria, quando se trata de explicar os fenômenos da materialização (aceitando, por exemplo, que um médium possa passar através dos laços que o prendem, ou através de uma gaiola, para apresentar-se em espírito, ou que as vestimentas das aparições possam ser “transportadas”, atravessando as paredes), o Sr. Hartmann atenta contra os “princípios metodológicos” que ele próprio estabeleceu.
O Sr. Hartmann nos responderá, bem entendido, que só admite “condicionalmente” a penetração da matéria, para colocar-se no ponto de vista dos espíritas, e a fim de ensinar-lhes como é preciso raciocinar. Mas tal resposta ficaria ao lado da questão. Esse raciocínio, há muito tempo que os espíritas mesmos o fizeram. Trata-se aqui do próprio argumento do Sr. Hartmann, que diz:
“O certo é que, se se concede ao médium a faculdade de penetrar a matéria, fica-se na obrigação de recorrer a quaisquer outros meios que não o seqüestro material do médium para demonstrar sua não identidade com o fantasma.” (págs. 78-80).
Responderei a isso: O certo é que, se se concede aos médiuns a faculdade de penetrarem a matéria, o Sr. Hartmann não tem mais o direito de dizer que no Espiritismo “não existe o menor motivo para ir além das explicações naturais”. Ele não tem o direito de exprobrar aos espíritas por “recorrerem sem necessidade a uma segunda ordem de causas, a causas supranaturais, que a experiência não justifica, e cuja existência requer provada precisamente pelos fatos pertencentes ao domínio em questão” (pág. 269).
Por conseguinte, o Sr. Hartmann não tem o direito de acusar os espíritas de “não terem feito a menor tentativa de traçar a linha de demarcação além da qual as explicações naturais não bastam” (pág. 118).
Essa lacuna nas teorias do Sr. Hartmann sobre os fenômenos da penetração da matéria, isto é, o silêncio que ele guarda quanto à sua explicação, é uma prova fornecida por ele próprio de que essa linha de demarcação existe; pois que, apesar de todo o poder de sua dialética, a despeito de todas as virtudes mágicas de sua “força nervosa”, ele não se decidiu a transpô-la. É o Rubicon diante do qual ele depôs as armas, e eu tenho o dever de consigná-lo.
Assim estabelecido, é preciso reconhecer que um método de investigação que não abrange todos os fatos que pretende explicar, ou que os admite sem explicá-los, condena-se a si mesmo.
Capítulo III
Da natureza do agente inteligente que
se manifesta nos fenômenos do Espiritismo
Exame do princípio fundamental do Espiritismo;
ele apresenta fenômenos cuja causa deve
ser procurada fora do médium?
Entro agora em um terreno no qual as divergências de opinião entre mim e o Sr. Hartmann – e acredito representar a esse respeito a maioria dos espiritualistas sensatos – são muito menos freqüentes do que quando se tratava do assunto de que me ocupei no capítulo precedente: é porque as teorias emitidas pelo Sr. Hartmann para explicar a natureza do agente inteligente que se manifesta nos fenômenos espíritas são inteiramente admissíveis em grande número de casos. As observações que eu apresentar terão por fim unicamente aprofundar se essa teoria pode realmente explicar todos os fatos espiríticos, sem exceção, assim como o Sr. Hartmann o afirma.
A teoria do Sr. Hartmann baseia-se nesta tese geral:
“A consciência sonambúlica é a fonte única que se oferece às nossas investigações sobre a natureza das manifestações espiríticas intelectuais.” (pág. 59).
Os elementos que compõem a consciência sonambúlica são, segundo ele:
“1º- a atividade simultânea da consciência em estado de vigília;
2º- a memória hiperestésica das partes do cérebro que são a sede da consciência em estado de vigília;
3º- a transmissão mental das idéias dos assistentes ao médium;
4º- enfim, a clarividência propriamente dita.
Se acrescentardes ainda a esses quatro elementos o concurso da percepção sensorial, verificareis que todas as manifestações intelectuais do Espiritismo tiram dali a sua origem.” (S., págs. 116, 117).
Em outro lugar, diz o Sr. Hartmann:
“Quem concebe todo o alcance dessas diversas fontes intelectuais da consciência sonambúlica não mais será tentado a procurar em outra parte a explicação da natureza das manifestações mediúnicas.” (pág. 60).
Quanto a mim, deixo-me resolutamente arrastar por essa “tentação” e pretendo verificar se não há efetivamente lugar para outra explicação.
Apenas desejo dar mais extensão à minha tese. O ponto essencial do Espiritismo, aquele pelo qual é preciso começar, se se quiser levantar a questão teórica, pode ser resumido assim:
Pode-se explicar todo o conjunto dos fenômenos mediúnicos por atos conscientes ou inconscientes, emanando da natureza do próprio médium, isto é, por causas que residem no médium – causas intramediúnicas –, ou, antes, há manifestações que deixem supor a ação de uma força exterior ou extramediúnica?
Se a resposta for afirmativa, o problema a adotar será estudar a natureza provável do agente extramediúnico.
A primeira dessas questões não diz respeito evidentemente apenas às manifestações intelectuais, mas ainda às materializações e aos fenômenos físicos em geral.
Devemos, bem entendido, procurar antes de tudo explicar os fatos mediúnicos por todos os meios “naturais” que pudermos imaginar, sem sair dos limites do razoável, pois, enquanto é possível atribuir-lhes uma causa “natural”, seria irracional desejar encontrar a sua solução no domínio do “sobrenatural”.
É escusado acrescentar que essas causas “naturais” são as que o Sr. Hartmann nos oferece, e eu convenho em que grande parte dos fenômenos mediúnicos pode ser explicada por elas, conforme expus em minha crítica à obra do Sr. d’Assier, que apareceu um ano antes da publicação do livro do Sr. Hartmann sobre o Espiritismo. Devo, entretanto, fazer observar que não estou de acordo com o Sr. Hartmann sobre o emprego da palavra “sobrenatural”, pela qual ele designa uma causa “espirítica” no sentido etimológico dessa palavra.
O Espiritismo recusa de maneira absoluta o epíteto de “sobrenatural” que desejam impor-lhe; se os fenômenos em questão são realmente produzidos por “espíritos”, por que pretender, pois, que um efeito atribuído à ação de um homem vivo fosse devido a uma causa mais “natural” do que aquele que é produzido por um homem morto ou por um ser inteligente invisível?
De outro lado, compreendo que não se poderia admitir um fato de tão enorme importância qual a existência dos “espíritos” e considerá-lo como demonstrado pela experimentação e pela observação direta antes de ter tentado todos os esforços para lhe achar uma explicação “natural”.
Além disso, os próprios representantes do Espiritismo, mais em evidência – médiuns e os próprios clarividentes –, foram os primeiros a afirmar que uma metade dos fenômenos mediúnicos devia ser atribuída a causas residentes no próprio médium. Rendo-lhes a homenagem de citar suas palavras.
Assim, Davis, desde o começo do movimento espírita na América, escrevia já em seu livro The Present Age and Inner Life (O Século Presente e a Vida Interior), em 1863:
“Nas páginas seguintes, encontrar-se-á uma tabela explicativa formando um resumo sistemático das “causas dos fenômenos mediúnicos” e que demonstrará que numerosos dentre eles, considerados de origem supranormal, são simplesmente o resultado de leis naturais que regem a existência humana, e têm por causa, principalmente, a combinação de elementos físico-psíquico-dinâmicos invisíveis – a transmissão e a ação recíproca das forças conscientes e inconscientes de nosso espírito, causas que devem forçosamente entrar em linha de conta, como reconheci-o formalmente mais acima, e devem necessariamente, aos olhos de um analista sincero, representar um papel, ainda mesmo inferior, no vasto campo das manifestações da vida espiritual.” (págs. 160 e 161).
Conforme a classificação dessa tabela, vê-se que, segundo o autor, 40% somente dos fenômenos são “realmente de origem espiritual”, devendo os outros correr por conta “da clarividência, da cérebro-simpatia, da neuropsicologia, da eletricidade vital, da neurologia e do erro voluntário (volontary deception).” (pág. 197).
Mais adiante ele diz:
“A razão principal das contradições provém da percepção simultânea de impressões emanantes das duas esferas da existência, isto é, das inteligências pertencentes à humanidade terrestre e das que fazem parte do mundo supra-sensível. Os médiuns, os clarividentes, os sensitivos, etc., devem possuir grande soma de experiência e de conhecimentos psicológicos para ficarem em estado de distinguir, até certo ponto, entre as impressões que recebem das inteligências deste mundo e as que são produzidas pelos espíritos de esfera mais elevada. Vou tornar mais compreensível meu pensamento por um exemplo: um médium pode tirar idéias do espírito de uma pessoa que se acha em lugar distante do globo, enganando-se absolutamente sobre a sua proveniência. Pois que para tudo quanto diz respeito às sensações originais internas e às provas subjetivas, essas impressões são, para a percepção do médium, idênticas às que são produzidas por um espírito livre do invólucro terrestre.
Assim sucede porque as leis da simpatia das almas são as mesmas aqui na Terra como no mundo dos Espíritos. É por essa razão que certos médiuns e clarividentes, assim como espíritos absortos na prece, recebem freqüentemente, a seus pensamentos e a suas preces, respostas de fonte terrestre, emanadas de espíritos encarnados, se bem que eles tenham a convicção de que essa resposta emana de uma inteligência supranatural, de um ser invisível.” (pág. 202).
“Em razão das considerações e “possibilidades” que precedem, podemos ficar certos de que as contradições atribuídas por muitos crentes a instâncias “de Espíritos malfazejos”, que vivem fora de nossa esfera, são imputáveis, em todos esses casos, a influências terrestres e à intervenção de agentes que vivem na Terra. O espírito humano é tão maravilhosamente dotado e dispõe de meios tão variados de atividade e de manifestação, que um homem pode inconscientemente deixar reagir sobre si mesmo e em si próprio suas forças orgânicas e suas faculdades cérebro-dinâmicas.
Em certas disposições de espírito, as forças conscientes concentradas no cérebro entram em ação involuntariamente e continuam a funcionar sem a menor impulsão por parte da vontade e sem serem sustentadas por ela. A hipocondria e a histeria são exemplos desse estado intelectual, do mesmo modo que a dança de São Guido, a catalepsia e a alienação mental.
Conclui-se de minha tabela que 16% das manifestações modernas devem ser referidas a essa causa. Fundando-se em uma tal base é que muitas pessoas se persuadem de que são médiuns de efeitos físicos e de manifestações gesticulatórias e mímicas de diversos Espíritos célebres que deixaram a Terra há longo tempo.” (pág. 205).
O Sr. Hudson Tuttle, célebre médium americano e escritor filosófico por intuição, já tinha falado da comunicação espiritual entre seres vivos, em seus Arcana of Nature (Mistérios da Natureza), obra publicada em 1862. Mais tarde, em seus Arcana of Spiritualism (1871), ele se exprime nesses termos sobre o mesmo assunto:
“Quando um Espírito tem um médium submisso ao seu poder, obedece às mesmas leis que um magnetizador mortal. É por esse motivo que os fenômenos resultantes dessa intervenção são de natureza mista. E porque com médiuns incompletamente desenvolvidos é difícil diferençar o magnetismo que emana dos assistentes do que pertence ao Espírito que guia o médium, a maior prudência é necessária para evitar que nos iludamos. Quando o médium se acha em estado de extrema suscetibilidade que caracteriza as primeiras fases de seu desenvolvimento, reflete simplesmente os pensamentos dos assistentes. O que, nesse caso, é tomado por uma comunicação espírita não passará de um eco de suas próprias inteligências.
O mesmo estado que torna um médium apto para receber a influência de um Espírito submete-o, no mesmo grau, à de um ser humano e, em razão da semelhança de todas as influências magnéticas, é difícil distinguir um agente oculto de um magnetizador. Os grupos espíritas são assim freqüentemente o joguete de uma ilusão, iludidos por suas próprias forças positivas. Eles afastam os mensageiros espiríticos, substituindo-lhes o eco com seus próprios pensamentos, e então verificam contradições e confusões que atribuem complacentemente à intervenção de “Espíritos malfazejos”.
A causa da Verdade nada pode ganhar com a verificação errônea de um fato, ou com a exageração de sua importância com detrimento de outro fato. Os próprios que abordam sem idéia preconcebida o problema do Espiritismo sem ter estudado o magnetismo animal são levados a explicar todos os fenômenos que se apresentam, no decurso de suas pesquisas, por uma ação espirítica, ainda que, segundo toda a probabilidade, a metade, pelo menos, dos fatos que eles observam seja devida a causas puramente terrestres.” (págs. 194-195).
“Para sermos bem compreendidos, faremos observar que o nosso objetivo é traçar uma linha de demarcação definida entre os fenômenos de origem realmente espirítica e os que devem ser imputados a ações de ordem terrestre. Podemos rejeitar com toda a confiança a metade ou mesmo as três quartas partes de todas as manifestações que passam por fenômenos espíritas. Porém o resto não deixará de ser muito precioso. Não é com acúmulos de fatos inúteis que se defende eficazmente uma causa: mais facilmente ela ficaria desacreditada; mui freqüentemente a refutação de alguns desses fatos serve de pretexto para derribarem o conjunto deles.” (pág. 196).
“É uma regra prudente não atribuir aos Espíritos nada que possa ser explicado por causas terrestres. Os fatos que ficarem, depois dessa seleção, têm tanto valor real para o céptico como para o pesquisador.
O homem em seu invólucro terrestre é um espírito da mesma maneira que quando liberto dele e, como tal, está submetido às mesmas leis. O estado magnético pode ser conduzido pelo próprio indivíduo ou por um magnetizador, homem ou Espírito, quer se trate do estado de sonambulismo, de transe ou de clarividência.
Quando nos capacitamos bem desse estado de coisas, facilmente formamos uma idéia da tendência extrema, do observador, para confundir essas influências.
Se, após a formação de um grupo, um dos membros que o compõem é afetado de espasmos nervosos, não se segue daí necessariamente que ele esteja sob a influência de um Espírito; poder-se-á afirmá-lo de maneira positiva somente quando o Espírito tiver provado que só ele está ativo. Não se pode adquirir um conhecimento preciso das leis do Espiritismo se não se submeter os fenômenos a uma crítica rigorosa. Os amadores do maravilhoso ficam com a liberdade de atribuir a uma fonte única todas as manifestações, sem exceção, desde a contração involuntária de um músculo, a remoção de um mal pela aplicação das mãos, as frases incoerentes de um sensitivo em estado de transe sob a influência das pessoas presentes, até as manifestações autênticas de seres pertencentes a um outro mundo; mas isso não pode satisfazer às exigências da Ciência que desejar pesquisar e coordenar todos os fatos e todos os fenômenos.” (pág. 197).
O Sr. Tuttle tratou ainda do mesmo assunto em um artigo sobre “o funcionamento do cérebro”, publicado no Religio Philosophical Journal de 1º de dezembro de 1883.
Vamos, pois, cogitar da questão principal e examinar se esse resto existe realmente e se os espíritas têm o direito de pretender que existem fenômenos que têm causas extramediúnicas.
Segundo o Sr. Hartmann, a consciência sonambúlica tem por sede as partes médias do cérebro e acha-se, por conseguinte, sob a dependência da crosta do cérebro, onde reside a consciência em estado de vigília.
“O funcionamento dessas partes médias só tem valor em regra geral como ato preparatório, ou antes executivo” (pág. 26), e é a consciência em estado de vigília e sua vontade consciente “que determinam de maneira geral o gênero das manifestações desejadas e esperadas” (pág. 33).
Como a consciência sonambúlica – esse grande fator de todos os fenômenos mediúnicos – dá provas de atividade intelectual, e ainda de atividade voluntária (“inteligência e desejo”, pág. 26), é preciso concluir daí que essas duas atividades não formam mais do que uma única e que concordam não só entre si, mas ainda com as mesmas atividades da consciência em estado de vigília – o que quer dizer que a inteligência e a vontade da consciência sonambúlica acham-se de perfeito acordo com a inteligência e a vontade da consciência em estado de vigília.
É, evidentemente, no mesmo sentido que se deve compreender estas palavras do Sr. Hartmann:
“É isso mesmo que explica por que a consciência sonambúlica escreve palavras e frases, por que ela responde a perguntas e realiza desejos que são ditados ou impostos à consciência no estado de vigília, quer antes, quer depois do começo do estado de sonambulismo latente.” (pág. 59).
“O nível intelectual das comunicações está geralmente abaixo do nível intelectual do médium e dos assistentes; mui raramente ele se eleva à mesma altura, e nunca a excede.” (pág. 116).
Em tudo o que precede, vimos, com efeito, que as manifestações obedecem à vontade da consciência sonambúlica que está de acordo com a vontade e com as representações da consciência do médium em estado de vigília. Mas, antes de nos ocuparmos com “a natureza intelectual das manifestações” – à qual o Sr. Hartmann consagrou um capítulo especial –, e antes de examinar se essas “manifestações” estão, por sua natureza, acima ou abaixo do nível intelectual do médium, devemos compenetrar-nos do papel da vontade nessas manifestações, pois que aqui nos achamos perante esta questão: É verdade que a consciência sonambúlica “se conforma sempre com os desejos que são sugeridos ou impostos à consciência no estado de vigília”? Não sucede algumas vezes que as manifestações não obedeçam aos desejos e às idéias que nascem na consciência no estado de vigília, e até mesmo que elas lhe sejam diametralmente opostas? Supondo que semelhante desacordo possa produzir-se, a que ficará reduzida então a teoria da consciência sonambúlica?
Ora, fatos desse gênero existem realmente, e eu vou passar em revista desde já os que são contrários à vontade, para examinar em seguida os que são contrários às convicções e ao caráter do médium.
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Manifestações que são contrárias à vontade do médium
Notamos as gradações seguintes:
A) Todos os espíritas sabem que as manifestações não dependem da vontade do médium, quer se trate de manifestações intelectuais ou de manifestações físicas; o médium não pode provocá-las à vontade. Não falo das manifestações que se produzem em sessões ocasionais, num círculo de neófitos ou de composição heterogênea; quero falar das manifestações que se produzem durante uma série de sessões realizadas pelo mesmo círculo e coroadas de melhor êxito. Sendo todas as condições absolutamente as mesmas, sucede freqüentemente que em determinada sessão, quando nada mais se deseja do que assistir aos fenômenos obtidos na sessão precedente, não se obtenha resultado algum, nem sequer o mínimo movimento da mesa ou do lápis que o médium segura. É notório que freqüentemente um desejo intenso só sirva para prejudicar as manifestações.
B) As manifestações, se alguma se produz, não podem continuar à vontade dos assistentes. Assim, quando o Espírito que se manifesta por uma comunicação escrita anuncia que acabou, o lápis pára – ou cai da mão do médium se este está em transe – e debalde repetireis as perguntas: a mão não se move mais. Do mesmo modo, em uma sessão de efeitos físicos, desde que a finalização é anunciada (pelas palavras está terminado, por exemplo, como era de uso na família Fox – Missing Link, pág. 53), a mesa fica imóvel, e é em vão esperar, tentar fazê-la mover-se: nem um som, nem um movimento se produz mais.
C) As manifestações não podem também ser interrompidas ou detidas à vontade dos assistentes, e ainda menos por violência. Se, por certas razões – o estado de sofrimento do médium, por exemplo –, desejardes pôr termo à sessão, tentai retirar o lápis da mão do médium em transe, não o conseguireis: sua mão se contrairá, não entregará o lápis ou reclamá-lo-á com tanta insistência que sereis obrigados a repô-lo em sua mão; ou então movimentos da mesa e pancadas reclamarão com insistência o alfabeto, ao passo que julgáveis a conversação terminada.
D) Do mesmo modo, o caráter das comunicações não depende da vontade do médium. O Sr. Hartmann tem razão em dizer que na maior parte das sessões preocupam-se sobretudo “com os interesses do coração”. O que mais se deseja é entrar em comunicação com os mortos que nos são caros, e é precisamente o que sucede com maior raridade – se não pretendemos deter-nos em manifestações das mais superficiais.
A questão da identidade dos Espíritos é, como se sabe, o ponto difícil do Espiritismo. E, entretanto, se fosse preciso nos referirmos à teoria do Sr. Hartmann, nada seria mais fácil de estabelecer com fatores tão poderosos quanto a hiperestesia da memória e a transmissão do pensamento.
É assim que eu conheci um círculo, fundado por um viúvo, com o intuito único de obter comunicações de sua falecida mulher, e esse círculo só se compunha desse homem, da irmã e do filho de sua mulher, ao todo, três pessoas que conheciam intimamente a personalidade desejada. Entretanto, esse círculo – recebendo em todo caso comunicações mais ou menos notáveis, muitas das quais emanavam de pessoas conhecidas ou parentes dos três experimentadores – nunca recebeu comunicação alguma em nome da mulher do viúvo, o que, entretanto, devia ser tão fácil.
E) Ocorre também o contrário, isto é, comunicações feitas em nome de certas personalidades, uma ou muitas vezes, não podem ser continuadas à vontade; por exemplo, desejaríeis receber uma comunicação de A., como em uma sessão precedente, mas é B. quem se manifesta e A. não mais reaparece.
É assim que, em um círculo que eu tinha fundado, no decurso de uma série de comunicações banais sobreveio um interlocutor que deu prova de tanto espírito, senso crítico e filosofia, que suas respostas nos davam verdadeiro prazer; mas ele apareceu raras vezes e, como tivéssemos manifestado o desejo de ouvi-lo mais freqüentemente, respondeu-nos que não sabíamos conversar com ele, que perdia o seu tempo em nossa companhia, e não voltou mais.
F) A escolha dos nomes, o que freqüentemente caracteriza uma comunicação, não depende igualmente do médium. As comunicações mais banais são assinaladas com os nomes mais ilustres, o que prova que essas comunicações não podem ser atribuídas àqueles aos quais se empresta a sua paternidade. Porém, freqüentemente, quando a comunicação se refere a assunto mais elevado, o interlocutor recusa-se a dizer o seu nome e a provar a sua identidade; aquele de quem falei no parágrafo precedente jamais quis esclarecer-nos acerca de sua personalidade. Do mesmo modo as comunicações notáveis recebidas pelo Sr. A. Oxon [18] e publicadas sob o título de Spirit Teachings, ficaram anônimas, apesar de todas as instâncias do médium para penetrar nesse mistério. É preciso notar também que às vezes se revelam nomes, ainda que o médium não queira de modo algum que eles sejam pronunciados.
Fui testemunha do incidente seguinte: num círculo em que minha mulher atuava como médium, as pancadas reclamaram o alfabeto, e um nome começava a ser soletrado; desde que as primeiras letras foram pronunciadas, minha mulher adivinhou o nome inteiro, que era a revelação de um segredo de família; ela se opôs, com todas as forças, à revelação das últimas letras desse nome; entretanto, com grande desespero seu, foi soletrado o nome inteiro, composto de dez letras.
G) Até o modo de comunicação não depende da vontade do médium. Alguns exemplos: Tendes a prancheta, e é a mesa que responde; ou antes, tendes a mesa e é a prancheta que é reclamada. Recitais o alfabeto russo e reclama-se o alfabeto francês, e quando há confusão, sucede que pelo alfabeto russo recebem-se palavras francesas ou inglesas; ou antes ainda, em vez de letras recebereis cifras das quais nada compreendeis, se a mesma Inteligência que vos guia não vos der a chave das cifras correspondentes às letras; algumas vezes são anagramas, palavras escritas de trás para diante, ou com transposições e complicações que vos aborrecem, mas a comunicação vai até ao fim; a ortografia é abreviada e simplificada da maneira mais curiosa e isso com tal rapidez que, ainda que transcrevendo literalmente a mensagem, achais dificuldade em conservar essa ortografia estranha e continuais em vossa maneira ordinária de escrever.
Citarei o caso de uma jovem que tinha a faculdade de escrever mediunicamente, e que recebia comunicações de sua mãe; ela assistia freqüentemente às sessões de um círculo em que as comunicações eram dadas pela tiptologia e esforçava-se em obter respostas de sua mãe por esse meio; nunca, porém, sua mãe quis corresponder-se por aquela maneira e, de cada vez que ela se manifestava, dizia à sua filha: “Escreve”.
H) Sucede freqüentemente que o Espírito comunicante entre em oposição direta com a vontade do médium. Uma pessoa que conheço, o Sr. J. J. Moussine Pouchkine, depois de se ter assegurado, em uma sessão privada, da realidade dessas manifestações, desejou experimentar se tinha faculdades mediúnicas. Imediatamente se ouvem pancadas e ele recebe uma comunicação de sua mãe que, depois de lhe ter falado em tom de censura acerca de suas relações com a família e de suas convicções religiosas, termina dizendo-lhe: “Não deves ocupar-te de Espiritismo, isso te é prejudicial.” E, depois, de cada vez que ele procurou obter manifestações, elas se reproduziam, mas ele só podia obter estas palavras: “Não te ocupes de Espiritismo!”
I) Uma vez verificadas as faculdades mediúnicas, a força em atividade toma a incumbência de fazer a educação moral e física do médium. Ela luta contra suas más inclinações.
Citarei o caso de uma jovem que escrevia, em estado sonambúlico, perante amigos, e que denunciava, por sua própria mão e com grande vexame, atos que ela nunca teria resolvido confessar em estado de vigília. Essa mesma força pode fazer com que o médium observe o regímen necessário para a conservação e desenvolvimento de suas faculdades e, quando o médium é refratário, a força em atividade manifesta sua oposição diretamente e emprega mesmo a violência para obter a obediência do médium.
Citemos o testemunho do Dr. Nichols:
“Os médiuns recebem de seus guias instruções quanto ao regime que devem seguir e o conselho de se absterem de bebidas alcoólicas e de narcóticos; esse gênero de vida é indispensável para obter manifestações de ordem elevada.
O melhor médium que conheço não come carne há quarenta anos; durante esse período, só raramente tomava vinho e nunca café nem chá. Na América conheço um excelente médium de fenômenos físicos; o Espírito-guia desse médium tinha tomado à sua conta curá-lo de sua paixão pelo fumo. A esse respeito houve uma luta séria entre ambos. Em certo dia, o médium disse a seu Guia: “Se me tirares o cigarro, deixarei de fumar.” O cigarro que ele tinha na boca lhe foi tirado imediatamente e desapareceu. Mas não se deixa facilmente um hábito inveterado; o médium continuou a fumar e acabou por perder suas qualidades mediúnicas.
Um dos médiuns mais poderosos para fenômenos de diversos gêneros foi obrigado a passar por uma escola severa, sob a direção de seus protetores espirituais, que resolveram conseguir que ele deixasse seus maus hábitos, purificar sua vida e prepará-lo para sua nova vocação. Ele era jovem e de tal incontinência em matéria de mesa, que sua saúde ressentia-se disso. Recebeu a proibição de fazer uso de carne, de chá, de café e de fumo; em conseqüência de uma moléstia do fígado, dos rins e da pele, foi-lhe prescrito reduzir ao mínimo a absorção de leite, manteiga e sal. Sempre que o médium se dispunha a transgredir esse regime, recebia uma advertência por meio de pancadas na mesa em que comia. Se lhe sucedia persistir em suas veleidades pantagruélicas, a mesa punha-se em oposição direta contra ele, e sucedia até ouvir a voz de seu Guia que o exortava a seguir as prescrições higiênicas.
A saúde do médium restabeleceu-se completamente e ele produziu fenômenos notáveis.
O fumo exercia sobre ele uma fascinação mui particular, como sucede com muitas pessoas. Aconteceu-lhe de uma vez, no mar, acender e fumar um cigarro. Saltando em terra, foi castigado severamente: durante um transe foi lançado sobre o soalho e a ponta de um cigarro grosso foi introduzida à força em sua boca. Ele adquiriu por isso uma aversão profunda pelo fumo.” (Light, 1881, pág. 79).
J) Quando o médium abusa de suas faculdades e se entrega a excessos que podem ter conseqüências funestas, os Espíritos que se servem dele recorrem algumas vezes a outros expedientes para reconduzi-lo à razão, como se verá pelo exemplo seguinte que nos cita o Sr. Brackett (Light, 1886, pág. 368):
“Uma senhora que tinha passado algum tempo em uma casa de saúde em Somerville, Massachusetts, conta o fato seguinte, do qual ela foi testemunha: Era uma viúva rica, que tinha recebido excelente educação e fazia parte da melhor sociedade de Boston e dos arredores. Logo no começo do movimento espírita, tornou-se médium escrevente. Entusiasmada com o novo modo de comunicar com os mortos, abriu as portas com toda a franqueza a todos aqueles que desejassem fazer uso de suas faculdades mediúnicas, sem exigir paga de entrada nem remuneração alguma. Sucedia-lhe passar dias inteiros, de manhã à noite, a dar consolações, conselhos e instruções a todos os que vinham procurá-la. O estado de superexcitação no qual ela se achava começava a arruinar-lhe a saúde, e seus amigos invisíveis lhe aconselharam que moderasse o zelo e não sobrecarregasse suas faculdades. Ela não prestava atenção a esses conselhos, considerando que a obra a que se tinha votado era muito gloriosa para que a desprezasse.
Ela tinha um irmão, médico, que morava na vizinhança. De acordo com a maior parte de seus colegas, ele encarava o Espiritismo com olhar céptico; acompanhando de perto as ocupações de sua irmã, chegou à conclusão de que ela se entregava a perigosa ilusão e deu-lhe a entender que ela acabaria por entrar para um asilo de alienados, se continuasse no mesmo gênero de vida. Ora, os amigos invisíveis dessa senhora convidaram-na a descer ao subsolo. “Para quê, então?”, perguntou. Eles lhe responderam que ela receberia uma resposta quando se tivesse dirigido ao lugar indicado. Ela se apressou contra a vontade e divisou uma grande tina. As vozes misteriosas lhe ordenaram que colocasse a tina de fundo para baixo. “Mas para quê?”, perguntou ela ainda. “Verás”, responderam-lhe. “Agora entra.” Ela recusou a princípio obedecer a essa estranha proposta, mas deixou-se persuadir pelas instâncias e promessas de seus interlocutores ocultos. Apenas se tinha instalado nesse bizarro alojamento, entrou seu irmão. Ele a tinha procurado inutilmente em seu quarto, tendo vindo, como costumava, informar-se de sua saúde, e, notando que estava aberta a porta que dava para a cava, desceu e encontrou a irmã em posição incontestavelmente ridícula.
Ele olhou-a fixamente, manifestou sua admiração e afastou-se. Nesse mesmo momento ela experimentou uma espécie de ausência da influência misteriosa que a impressionava e teve o pressentimento de uma crise em sua vida; desse modo, não manifestou surpresa alguma quando, alguns minutos mais tarde, seu irmão voltou e insistiu com ela para dar um passeio de carro em sua companhia. Ela tinha adivinhado perfeitamente a sua intenção, mas dirigiu-se, apesar disso e a instâncias dele, convencida de que toda oposição seria inútil. Pouco depois, desceram à porta da Casa de Saúde Mc. Lean, em Somerville, onde seu irmão a colocou na qualidade de doente afetada de alienação mental.
Quando ela se achou a sós no aposento que lhe destinaram, exprobrou seus amigos espirituais o tê-la exposto a semelhante infortúnio. A resposta que eles deram foi: “Nós fizemos isso com intenção deliberada e para teu bem. Não quiseste seguir nossos conselhos e advertências; por isso te atraímos àquele lugar para arrancar-te à ruína certa, quer moral, quer física, para a qual caminhavas obstinadamente.”
Ela compreendeu o acerto desse raciocínio e, resignada, conformou-se com a sua situação. Felizmente o Asilo Mc. Lean achava-se então sob a direção de nosso velho amigo, o Dr. Lutero Bell, que se ocupava de pesquisas espíritas; ele acreditava nelas até certo ponto e conhecia muito bem as diversas manifestações da mediunidade. Compreendendo em pouco tempo a situação de sua cliente, percebeu que ela não estava de maneira alguma acometida de moléstia mental; que era simplesmente médium, e realizou com ela algumas sessões interessantes. Depois de muitas semanas de repouso e tranqüilidade necessárias à sua saúde, ela teve alta. Entrando de novo em casa, mostrou daí em diante muito mais reserva em suas idéias.”
K) Sucede também que o Espírito que produz essas manifestações se ligue a uma pessoa, apesar de sua resistência, e obrigue-a a ceder à sua influência. Encontraremos na experiência feita pelo Sr. Dexter um exemplo dos mais notáveis desse fenômeno. É pelo Sr. Dexter que foram recebidas as comunicações publicadas pelo juiz Edmonds em seu livro Spiritualism, e o testemunho do Sr. Dexter tem tanto mais valor por isso que emana de um doutor em Medicina, isto é, de uma pessoa particularmente competente para a observação e análise desses fenômenos. Eis como, em seu prefácio ao primeiro volume da obra citada, refere sua luta contra as forças que fizeram dele um médium:
“Cerca de dois anos decorreram desde que as manifestações espíritas atraíram minha atenção. Eu era incrédulo a tal ponto que denunciei o movimento espirítico em seu conjunto como a maior patifaria do mundo. Se, apesar disso, aceitei a proposta que me fez um amigo, de assistir às sessões de um círculo espirítico, é que eu obedecia a dois motivos diversos: em primeiro lugar, era minha curiosidade pessoal que eu pretendia satisfazer; em segundo lugar, eu tinha concebido a idéia de que os fenômenos em questão, se não eram o produto de uma fraude ou de uma ilusão, podiam depender muito bem de uma causa natural e que, por conseguinte, eu poderia talvez chegar a descobrir a fonte dessa ilusão ou o princípio em virtude do qual esses fenômenos se produziam.” (pág. 82).
“Depois de ter satisfeito minha curiosidade por observações quotidianas dessas manifestações, e quando fiquei absolutamente convicto de que nas ditas manifestações, quer físicas, quer morais, não havia ali nem escamoteação nem mistificação, fui coagido a convir que nenhuma das leis naturais ou psíquicas conhecidas até aquele dia podia fornecer a explicação desses fenômenos. E entretanto, apesar das provas freqüentes e irrecusáveis que se me ofereciam – isso poderá parecer estranho –, eu persistia em minha incredulidade, mesmo depois de ter estudado minuciosamente esse problema durante meses, sem conseguir resolvê-lo; depois de ter estado por muitas vezes a ponto de declarar-me espiritualista convicto, fiquei céptico apesar disso. Eu não podia admitir a idéia de que um Espírito, isto é, um ser intangível, insubstancial, etéreo, como sempre se me tinha afigurado, pudesse entrar em relação com o homem; parecia-me sobretudo incrível que um Espírito, que, segundo a idéia que essa palavra evoca comumente, não deve ser mais do que uma espécie de nada atenuado, fisicamente intangível, tivesse a faculdade de deslocar mesas, dar pancadas na parede, levantar homens, em resumo, manifestar-se materialmente nesta mesma Terra que ele havia deixado para sempre. Classificando os fatos, um após outro, fazendo justiça a todas as provas acumuladas, eu devia, sinceramente, submeter-me a essa convicção, que, para ser aceita em qualquer outra questão duvidosa a metade das provas que me eram fornecidas, nessa ocasião teria sido suficiente de sobra. Mas eu sabia que isso não podia ser e, por conseguinte, não lhe dava crédito.” (pág. 88).
“Nem minha vontade, nem meus desejos me impeliam ao desenvolvimento de minhas faculdades mediúnicas; pelo contrário, opunham-se a isso e, quando pela primeira vez, senti em mim um poder semelhante ao que eu tinha visto se revelar em outros médiuns, tentei resistir-lhe com todas as minhas forças físicas e morais.” (pág. 89).
“Era muito tarde da noite; eu estava em meu gabinete de trabalho, sentado na poltrona, com a mão direita descansando no braço do móvel. Minhas idéias estavam longe do Espiritismo; pensava em uma leitura que acabava de fazer. De repente senti no braço uma impressão estranha, como se duas mãos o tivessem segurado perto do ombro; tentei levantar o braço, mas em vão: a cada um de meus esforços, os dedos contraíam-se em torno do braço da cadeira e o apertavam com força. Depois a mão começou a tremer e eu notei que ela era agitada violentamente.
Nesse momento, ouvi soarem duas pancadas muito distintas na parte superior da parede e tive a impressão de que essa força invisível, cuja ação eu tinha observado freqüentemente sobre outras pessoas, queria submeter-me. “Estas pancadas são produzidas por Espíritos?”, perguntei em voz alta. Ouvi soarem ainda três pancadas. Perguntei de novo: “Os Espíritos têm a intenção de exercer sua influência sobre mim?” As três pancadas foram repetidas. Em seguida levantei-me, arrumei meus livros e deitei-me.
Enquanto eu estava ocupado em arrumar a mesa, a sensação desagradável do braço tinha desaparecido, mas, desde que me deitei, ouvi de novo soarem pancadas, desta vez na madeira da cama, e a mão recomeçou a tremer, mas resisti com todo o poder de minha vontade e consegui libertar-me da força misteriosa que me obcecava. Eu desejava verificar a que lei natural era preciso atribuir esse fenômeno estranho. Pessoalmente, eu nada tinha feito, por certo, para provocá-lo.
As idéias que me absorviam nada tinham de comum com o Espiritismo; menos ainda poderia eu acreditar que estivesse sendo por minha vez o alvo de semelhantes manifestações. Por que motivo as pancadas se fizeram ouvir precisamente naquela ocasião, e por que se transportaram depois para meu quarto de dormir? Devo confessar que aquela ação, inteiramente particular e exercida sobre o meu organismo, me inquietava um pouco. Até então eu acreditava que os fenômenos chamados espiríticos eram o efeito de uma força qualquer que emanava do corpo material ou do espírito dos assistentes, e que exercia uma ação física sobre o médium; mas não podia deixar de reconhecer que, para as impressões que eu acabava de experimentar em minha própria pessoa, meu espírito não tinha exercido ação alguma e, como não havia nenhuma outra pessoa no quarto, naturalmente eu não podia atribuir as manifestações à influência moral de uma terceira pessoa.
Convencido como eu estava, e de maneira absoluta, de ter combatido essas influências e de ter-me armado com toda a minha vontade contra as sensações que experimentava no braço, não podia atribuí-las a qualquer outra causa a não ser a intervenção de uma força inteligente provindo de uma fonte invisível cujo objetivo era submeter-me à sua interferência e que tinha conseguido isso perfeitamente.” (págs. 89-90).
“Em vista dessa intenção dos Espíritos, manifestada claramente, de adaptar meu organismo às condições requeridas para entrar em relação com o nosso mundo, impunha-se a questão seguinte: é indispensável que o indivíduo fique completamente passivo para que a influência de uma vontade sobre outra pessoa possa estabelecer-se, e se uma afinidade elétrica ou psíquica entre um certo número de indivíduos pertencentes ao mesmo círculo dos experimentadores é necessária igualmente para que esse agente de um gênero particular possa entrar em atividade, como então pôde suceder que meu braço, apesar de minha incredulidade e de minha resistência em aceitar a possibilidade de semelhantes manifestações, tenha podido cair sob o poder desse agente? Certamente eu não era passivo, e desde o momento em que meu espírito era hostil a essa força, elétrica ou psíquica, eu deveria, como parece, ser refratário à sua influência, moralmente e fisicamente. Proponho a solução desse problema àqueles que procuram atribuir as pretendidas manifestações dos Espíritos à ação de forças materiais.” (pág. 91).
“Em conseqüência dessas tentativas, deixei de freqüentar as sessões espíritas, supondo assim pôr-me ao abrigo de todas as perseguições. Sucedeu o contrário: meu braço foi sacudido enquanto eu dormia, e despertei em sobressalto. Durante o período em que me abstive de tomar parte nas experiências dos círculos espíritas, fui suspenso por duas vezes de meu leito e mantido no espaço. A primeira vez foi no dia em que mudei de quarto de dormir: eu ainda não dormia e tinha plena consciência do que se passava em torno de mim; estava deitado, esperando pelo sono, quando, de repente, fui acometido de um calafrio em todo o corpo. Procurei levantar um braço, mas não consegui movê-lo; os olhos fecharam-se-me e eu não pude reabri-los; minha inteligência estava, entretanto, em plena atividade e eu tinha conhecimento de tudo o que se passava, com mais clareza do que nunca. Minha sensibilidade física também tinha aumentado em agudeza. Conservando-me deitado assim, impotente para fazer o menor movimento, meu corpo foi levantado e conduzido suavemente para a borda do leito com o lençol que me cobria; deixaram-me ali durante alguns instantes e depois completamente removido e suspenso no espaço durante muitos segundos. Nesse mesmo momento ouvi o toque de rebate, e eu senti-me imediatamente transportado a meu leito e colocado de novo na mesma posição que ocupava dantes, com um pequeno sobressalto, como um corpo solto das mãos que o segurava. Readquiri então o uso dos membros, levantei-me do leito e examinei os lençóis e o cobertor: eles tinham sido repuxados para o mesmo bordo do leito donde eu tinha sido retirado e arrastavam-se no chão.” (págs. 91 e 92).
“Essa prova evidente da existência de um poder oculto produziu em mim uma impressão profunda. As tentativas anteriores me tinham tornado indiferente desde que deixei de experimentar o seu efeito; é que outrora só meu braço servia de objetivo a esses esforços; presentemente meu corpo inteiro estava sujeito a essas influências, apesar de toda a minha resistência... Pela primeira vez me veio a idéia de que, prestando-me a essa influência, que parecia claramente manifestar o desejo de fazer de mim um médium, eu poderia ter probabilidades de descobrir a verdade sobre “as relações entre Espíritos e homens”. Alguma coisa me impeliu em certo dia a formular esta pergunta: “Há alguém no quarto?” e ouvi dar distintamente três pancadas afirmativas.
Eu estava muito comovido para continuar nesse diálogo e deitei-me de novo, pensando nessas provas irrecusáveis que acabavam de me ser dadas sobre a ingerência dos “Espíritos” na vida dos homens.” (pág. 92).
“Um fato análogo produziu-se uma outra vez, enquanto me achava em passeio no campo: fui levantado do leito em que estava deitado e suspenso no espaço, exatamente da mesma maneira. Dessa vez, como da primeira, eu era vítima das mais estranhas sensações e, como então, o acontecimento se deu inteiramente de improviso; dir-se-ia que o agente oculto tinha assumido a incumbência de suspender-me no momento em que eu pensasse menos nisso. Essa faculdade que tinham os Espíritos de exercer sobre mim a sua influência, sem que eu tivesse feito previamente preparativos quaisquer, demonstrou-me a íntima relação que existe entre os seres deste mundo e os de um outro, e foi para mim uma prova de que essas relações podem ser estabelecidas em qualquer circunstância e em todas as condições. Com o intuito de obter provas ainda mais certas de seu poder sobre mim, esses seres me fizeram ver que tinham o dom de, servindo-se de meu organismo, manifestar a inteligência de que eles eram dotados como seres racionais e sensíveis. É assim que depois de ter aprendido a conhecer seu poder físico, procurei ocasiões favoráveis para ampliar a esfera de minhas experiências. Quando eu tomava parte em sessões com esse objetivo especial, a mesma força oculta apoderava-se de minha mão para obrigar-me a escrever. No começo, as frases eram curtas e só exprimiam idéias sem nexo; mas, à medida que minhas faculdades se desenvolveram nesse sentido, obtive páginas inteiras de escrita, tratando de teses e de assuntos mui variados. Mas em tudo o que foi escrito por minha mão, nessa época, nada deixava ainda supor qualquer intenção de produzir dessa maneira uma obra completa.” (págs. 92 e 93).
L) Um dos exemplos mais admiráveis da brusca invasão dos fenômenos espíritas e da maneira pela qual se impõe a força em atividade, apesar de todas as oposições e da resistência dos médiuns, apresenta-se no começo do movimento espírita; trata-se da mediunidade das filhas da família Fox, em 1848. É inútil recordar todos os episódios dessa série de manifestações, pois que se pode encontrar a sua narração circunstanciada nas obras especiais: Modern Spiritualism, its Facts and Fanaticisms, pelo Sr. Capron, Boston, 1855; The Missing Link in Modern Spiritualism, por Lea Underhill, uma das irmãs Fox, Nova Iorque, 1885; só darei, para memória, a exposição cronológica dos principais incidentes dessa curiosa série de fenômenos.
Foi em 1848, em Hydesville, que se ouviram pancadas pela primeira vez; elas se repetem todos os dias, não deixando a família descansar, e intimidando as crianças; como não pudessem conservar em segredo essas manifestações, os vizinhos vão presenciá-las, e as perseguições começam. Pouco depois os Fox são denunciados como impostores ou como fazendo comércio com o diabo. A Igreja Episcopal Metodista, da qual os Fox eram adeptos notáveis, os excomunga. Descobre-se a natureza inteligente das pancadas, que revelam que um assassínio fora cometido na casa e que a vítima fora sepultada na cava, o que se verificou mais tarde. Em abril de 1848, a família Fox transporta-se para Rochester, para a casa da Sra. Fish, filha mais velha do Sr. e da Sra. Fox, que era professora de música. Mas os fenômenos se reproduzem e mesmo se desenvolvem consideravelmente. Às pancadas juntam-se o deslocamento e a projeção de toda espécie de objetos, sem contato, aparições e contatos de mãos, etc. Curiosos invadem a casa da manhã à noite e são testemunhas desses fenômenos. “A desordem torna-se tão grande que a Sra. Fish não pôde continuar a dar lições de música e tornou-se impossível ocuparem-se com o serviço doméstico.” (Capron, pág. 63). “Um ministro metodista propôs-se a exorcizar os Espíritos.” (pág. 60), mas isso não serviu de coisa alguma. Finalmente o acaso fez descobrir a possibilidade de comunicar com os Espíritos, pelo alfabeto. Depois de ter declarado, com grande surpresa da família, “que eles eram amigos e parentes” (Capron, pág. 64), os Espíritos exigiram que o estudo dos fenômenos se tornasse público. “Deveis proclamar estas verdades ao mundo.” Tal foi a primeira comunicação (Missing Link, pág. 48). Ao que a família Fox se recusou obstinadamente.
Para que o leitor possa capacitar-se da situação em que a família se achava naquela época, vou reproduzir aqui uma parte da narração da Sra. Lea Underhill:
“Desejaria pôr em evidência que os sentimentos de toda a nossa família, de todos nós, eram hostis a essas coisas bizarras e incongruentes; nós as considerávamos uma desgraça, uma espécie de calamidade que caía sobre nós, sem se saber donde nem por quê! De acordo com as opiniões que nos chegavam de fora, nossas próprias inclinações e as idéias que nos tinham sido inculcadas na infância nos levavam a atribuir aqueles acontecimentos ao “Espírito maligno”; eles nos tornavam perplexos e nos atormentavam; demais, lançavam sobre nós certo descrédito na localidade. Nós tínhamos resistido àquela obsessão e lutado contra ela, fazendo preces fervorosas para a nossa libertação, e entretanto estávamos como que fascinados por essas maravilhosas manifestações, que nos faziam suportar, contra a nossa vontade, forças e agentes invisíveis, aos quais éramos impotentes para resistir; que não podíamos nem dormir, nem compreender. Se nossa vontade, nossos mais sinceros desejos e nossas preces tivessem podido ter a preponderância, todas essas coisas teriam terminado naquela mesma ocasião, e ninguém, além da nossa vizinhança mais próxima, jamais teria ouvido falar dos “Espíritos batedores” de Rochester, nem da desventurada família Fox. Mas não estava em nosso poder deter ou dominar os acontecimentos.” (pág. 55).
“Em novembro de 1848, os “Espíritos” informaram a família de que não podiam mais lutar contra a resistência que se lhes opunham e que, em conseqüência da insubmissão dos médiuns às perguntas dos Espíritos, estes seriam obrigados a deixá-los. Os médiuns responderam que não tinham objeção alguma a fazer a isso, “que nada lhes poderia ser mais agradável, e que eles só queriam a partida dos Espíritos.” (Capron, pág. 88).
“Efetivamente, as manifestações detiveram-se; durante doze dias não se ouviu mais dar uma só pancada. Mas nesse ínterim produziu-se uma brusca mudança nas idéias dos membros da família; eles tiveram profundo pesar por terem sacrificado às considerações mundanas um dever que lhes tinha sido imposto em nome da Verdade, e quando, a pedido de um amigo, as pancadas soaram de novo, foram saudadas com alegria. “Parecia que recebíamos amigos antigos, escreve Lea Underhill; amigos que não tínhamos sabido apreciar dantes, tanto quanto era preciso.” (pág. 60).
“Entretanto, do mesmo modo que outrora, as pancadas não deixavam de repetir imperiosamente: “Tendes um dever a cumprir; queremos que torneis públicas as coisas de que sois testemunhas.” (Capron, pág. 90).
“Os interlocutores invisíveis traçaram o plano de operações que devíamos adotar, com os mais minuciosos pormenores; era preciso alugar a grande sala pública “Corinthian Hall”; os médiuns deviam subir ao estrado em companhia de alguns amigos; as pessoas designadas para ler a conferência eram G. Willets e C. W. Capron (autor do livro acima citado); este último devia fazer o histórico das manifestações; uma junta composta de cinco pessoas, designadas pela assistência, devia fazer uma investigação nessa matéria e redigir um relatório que seria lido na sessão seguinte. Os Espíritos prometiam patentear-se de maneira a serem ouvidos em todas as partes da sala. Essa proposta teve uma recusa categórica. “Não tínhamos de maneira alguma o desejo, diz o Sr. Capron, de nos expormos ao riso público e não procurávamos angariar uma celebridade desse gênero... Mas garantiram-nos que era o melhor meio de impor silêncio às calúnias e de fazer jus à verdade, e que prepararíamos assim o terreno para o desenvolvimento das comunicações espirituais, que se efetuaria em futuro próximo.” (págs. 90 e 91).
Mas o temor da opinião pública preponderava sempre, e ninguém se decidia a tomar a iniciativa dessas sessões; então os “Espíritos” propuseram estabelecer audiências em casas particulares, em grandes salas, para que pudessem convencer de sua faculdade de dar pancadas, perante um público muito diverso. Decorreu um ano inteiro antes que as instâncias e as exortações de uns triunfassem das escusas dos outros. Finalmente, fez-se o ensaio, e o Sr. Capron começou as experiências em casas particulares; “elas deram bom resultado, e as manifestações foram sempre interessantes e distintas.” (pág. 91). Foi só então, após numerosos ensaios, que decidiram tentar a grande prova, e um meeting público foi anunciado para a noite de 14 de novembro de 1849, no “Corinthian Hall”, em Rochester. O êxito foi completo. Três meetings consecutivos deram os mesmos resultados, e o movimento espirítico nasceu!...
M) Nos dois parágrafos precedentes vimos que as manifestações, posto que contrárias à vontade do médium, visavam entretanto um alvo que tendia para o bem ou cujas causas são compreensíveis e justificáveis pelo resultado. Mas nem sempre é esse o caso; é assim que nas simples manifestações de escrita automática ou por efeitos físicos sucede mui freqüentemente que as comunicações se componham somente de zombarias, de graças de mau gosto, das quais os médiuns são as primeiras vítimas; os Espíritos parecem aprazer-se em mistificá-los. Comunicações que tinham curso regular e satisfatório – provenientes sempre das mesmas personalidades, quer conhecidas em vida pelo médium, quer conhecidas apenas em conseqüência de uma série de comunicações – podem ser subitamente interrompidas pela interferência de um Espírito que só diz banalidades, faz declarações de amor, ou profere invectivas ou obscenidades, o que aborrece e encoleriza o médium; e não há outro meio de livrar-se de tal Espírito senão interrompendo as sessões.
Sucede o mesmo com as manifestações físicas; freqüentemente o médium é vítima dos mais lastimáveis gracejos; tiram-lhe os objetos de que ele tem necessidade, tiram os lençóis de seu leito, atiram-lhe água, atemorizam-no com diferentes ruídos (Light, 1883, pág. 31); nas sessões às escuras, essas manifestações apresentam algumas vezes um caráter tão violento, tão agressivo, tão hostil, que se torna perigoso continuá-las, e deve-se imediatamente encerrá-las. Às vezes as manifestações fazem irrupção no seio de uma família, sem que nunca tenham sido provocadas. Eis-nos em presença do grupo de fenômenos conhecidos sob o nome de “perseguições”; essas manifestações violentas, desagradáveis, estabelecem-se em uma casa, fazem fugir dela os habitantes, ou, antes, ligam-se a uma família e assumem o caráter de verdadeira perseguição, da qual é vítima não só a família do médium, como ele próprio.
Citarei apenas dois exemplos de “perseguições”. O primeiro deu-se em Stratford, nos Estados Unidos, na família do reverendo Eliakim Phelps, D. D., em 1850 e 1851, e é minuciosamente descrito no livro do Sr. Capron, Modern Spiritualism.
As manifestações anunciaram-se, como sempre, por pancadas, deslocamentos e projeções de objetos na casa; posto que as portas fossem fechadas à chave, desapareciam objetos. Via-se uma cadeira elevar-se no ar e em seguida tornar a cair no soalho por muitas vezes consecutivas, com uma força tal que se sentia a casa estremecer e o choque repercutir nas construções vizinhas. Um grande candelabro de braço foi arrancado da chaminé e levado de encontro ao forro da casa, por muitas vezes, com tal violência que chegou a quebrá-lo. Foi a primeira vez que um objeto se quebrou (pág. 141). “Sucedeu algumas vezes degenerarem as pancadas em gritos terríveis.” (ibidem).
“Viam-se aparecer no meio do aposento figuras formadas de diversas peças de roupa, provenientes de todas as partes da casa e dispostas de maneira que se assemelhavam a formas humanas.” (pág. 143).
Naquela época ainda não se sabia o que era um médium, mas notou-se entretanto que os fenômenos se ligavam particularmente ao filho do Dr. Phelps, Harry, um menino de onze anos. Seu chapéu e sua roupa foram rasgados por muitas vezes em pequenos retalhos (pág. 142). “Certo dia ele foi atirado dentro de um poço; de outra vez foi amarrado e pendurado a um ramo de árvore.” (pág. 146). “Quando o mandaram à escola, em Pensilvânia, foi por muitas vezes beliscado ou picado com alfinetes e incomodado de todas as maneiras.”; sua roupa e livros foram rasgados; as pancadas acompanhavam-no até na escola. A família de quem ele era pensionista alarmou-se e não quis mais recebê-lo; de maneira que se tornou preciso retirá-o de lá. (pág. 170).
Entrou-se em breve no período das “perseguições” materiais; o vasilhame e principalmente objetos de vidro e de porcelana foram quebrados; diariamente, durante muitas semanas, vidros foram quebrados; ao todo, 71 objetos diversos tinham sido inutilizados. O Dr. Phelps afirma que viu uma escova, que estava no pano da chaminé, precipitar-se para a janela e atravessar o vidro, quebrando-o com estalido; afirma também ter visto um copo sair da mesa de trabalho, em cima da qual estava, atirar-se para a janela e quebrar o último vidro que tinha ficado intacto; entretanto, declara que Harry e ele estavam a sós nesse aposento, e apressa-se em acrescentar que Harry, durante todo o tempo em que se davam esses deslocamentos estranhos, tinha ficado a seu lado, no vão de uma porta, a uma distância muito grande da chaminé e da mesa de trabalho, para que pudesse ter posto em movimento os dois objetos de que se trata, sem ser notado. (pág. 148).
“Em meados do mês de maio, o Dr. Phelps e Harry dirigiram-se a Huntingdon, a 7 milhas de sua residência. Eles tinham percorrido cerca de uma milha, quando uma pedra do tamanho de um ovo caiu no carro; foi uma espécie de sinal, pois que em pouco tempo cerca de doze pedras foram atiradas ainda; depois desse apedrejamento, cujos autores eram invisíveis, o Dr. Phelps, de regresso, contou dezesseis pedras que tinham caído no carro.”
O doutor tinha guardado em uma gaveta de sua mesa de trabalho dois canhenhos; no maior dos dois ele inscrevia diariamente a narração circunstanciada de todas as manifestações que se produziam; certo dia notou que todas as páginas em que escrevera essas notas tinham sido arrancadas e desapareceram. Depois de muito procurar, encontraram-se algumas dessas folhas no porão; quanto às folhas nas quais o Dr. Phelps havia feito a cópia de diversas escritas, tinham desaparecido sem deixar vestígio. Na gaveta de uma mesa de toucador, o doutor conservava certo número de escritos feitos por agentes misteriosos; certo dia, todos esses documentos se inflamaram, e o incêndio só se denunciou pelo fumo que se escapava da gaveta, quando os papéis já estavam consumidos a tal ponto que não era possível utilizá-los mais (pág. 163). Na noite de 18 de julho, ainda outros papéis, dentre os quais vinte cartas, guardadas na secretária do Dr. Phelps, foram queimados completamente antes que se tivesse descoberto o incêndio. Ao mesmo tempo verificava-se que o fogo tinha começado nos papéis conservados em dois armários, em baixo da escada, e foi ainda o fumo que denunciou o fogo (pág. 165). Quando o Sr. Phelps, a instâncias do Sr. Capron, acedeu finalmente em comunicar-se com as forças em atividade, teve-se a explicação desses estranhos acidentes, e os misteriosos correspondentes, conseguido o seu intento, cessaram com as manifestações.
Outro caso que quero mencionar, e que se refere do mesmo modo à combustão espontânea de objetos, deu-se a leste da Rússia, numa herdade do distrito de Ouralsk, antiga fronteira da Ásia. O proprietário da herdade, Sr. Schtchapov, comunicou ao Rebus, em 1886, a narração minuciosa das perseguições misteriosas às quais sua família esteve exposta durante seis meses, desde o mês de novembro de 1870. Esse caso, que é tirado da vida russa, apresenta tanto interesse, é tão notável e edificante, sob o ponto de vista da comparação com outros fatos análogos, de fonte estrangeira, e, demais, a narração do Sr. Schtchapov é acompanhada de pormenores tão precisos, que não me posso abster de dar muitas de suas passagens in extenso:
“Hoje, completam-se 15 anos da época memorável em que nossa pacífica vida de família foi subitamente perturbada por um acontecimento tão insólito, estupefaciente, que desafiava qualquer explicação natural; acabaram então por atribuí-lo a fraude, e fomos nós a quem acusaram de tê-la praticado, a nós que nenhuma parte tínhamos tomado em tudo aquilo; foi em virtude de tal imputação que o acontecimento foi levado ao conhecimento público, no Mensageiro do Oural (1871).
Se bem que eu tivesse adquirido, depois da época dessas manifestações, alguns conhecimentos teóricos acerca dos fenômenos chamados mediúnicos, pela leitura de tudo quanto existia publicado sobre esse assunto em língua russa, e que tivesse chegado a capacitar-me, até certo ponto, do gênero de manifestações que se tinham produzido em meu domicílio, devo declarar que, na realidade, as coisas que sucederam não deixam de produzir impressão muito diversa da que se experimenta em uma leitura ou em uma narração, pois que não há meio de fazer-nos duvidar daquilo que presenciamos.
Efetivamente, que partido se deve abraçar quando se procurou inutilmente deixar a depressão moral que pesa sobre o espírito em presença de acontecimentos extraordinários e anormais, quando se empregam esforços contínuos para encontrar uma solução que se aproxime por pouco que seja da ordem natural das coisas – e quando, entretanto, os fatos observados levam, por assim dizer, à perplexidade, porque violentam ao pretendido bom senso?
Acrescente-se a isso que nessa época nem sequer suspeitávamos da existência de uma força mediúnica, que essas bizarras e caprichosas manifestações eram assinaladas, do meio para o fim, por uma tendência evidentemente hostil, como se fossem dirigidas contra nossa tranqüilidade. Suporto os dissabores do descrédito, da maledicência e das calúnias que nos granjearam esses acontecimentos, de nossa vizinhança, em um raio de 150 quilômetros.
É verdade que eu mesmo era a causa dessa vociferação, pois que narrava e descrevia esses incidentes a qualquer adventício que vinha à procura de explicações. Vinham a minha casa, faziam investigações, ouviam e olhavam as coisas, que se passavam à vista de todos; mas quanto à explicação, sempre nada. Dentre os visitantes, havia pessoas esclarecidas, algumas mesmo de grande erudição; e todos procuravam dar uma explicação natural “qualquer” (sic). Deixamo-nos embalar por essas “sabedorias”, segundo as quais as manifestações que se produziam eram devidas ora à ação da eletricidade atmosférica, do magnetismo, ora a um estado mórbido – uma espécie de mania zombeteira – de minha mulher que se aprazia em nos mistificar, rindo in petto de nossa ingenuidade.
Aceitávamos de boa fé uma e outra dessas explicações, mas, no fim de alguns dias, todas essas teorias se desfaziam sob a evidência dos fatos. É preciso ter feito a experiência por si mesmo, é preciso ter visto e ouvido, ter passado noites sem dormir e experimentado moralmente e fisicamente tormentos até o esgotamento das forças, para chegar finalmente à convicção inabalável de que há coisas das quais os sábios nem sequer suspeitam.
Era a 16 de novembro de 1870, ao cair da noite; eu entrava em casa depois de uma viagem de alguns dias que havia feito a uma pequena cidade, distante 30 verstas de nossa herdade, perto do moinho; habitávamos ali havia ano e meio; minha família constava de duas senhoras idosas – minha mãe e minha sogra, ambas de 60 anos –, de minha mulher, que tinha então 20 anos, e de minha filha, uma criança de peito. Logo depois das primeiras palavras de saudação, minha mulher informou-me que nas duas últimas noites quase não se tinha dormido em casa, em conseqüência de um ruído estranho, pancadas no celeiro da casa, nas paredes, nas janelas, etc. Ela tinha chegado à conclusão de que a casa estava simplesmente assombrada pelo diabo.”
O Sr. Schtchapov refere em seguida que ele próprio, durante cinco noites consecutivas, ouviu pancadas estranhas que se produziam quase sem interrupção, quer na janela, quer nas paredes; que essas pancadas se renovaram a 20 de dezembro e prolongaram-se por muitos dias, que os objetos começaram a deslocar-se, e, coisa curiosa, que “os corpos moles caíam com um ruído igual ao que produz um corpo duro, ao passo que objetos sólidos não ocasionavam choque algum”. Na véspera do ano de 1871, as pancadas retumbaram de novo; dessa vez os fenômenos foram observados por uma reunião numerosa. “Às pessoas que estavam do lado de fora as pancadas pareciam darem-se no interior, as que estavam no aposento supunham que o ruído era produzido nas paredes, do lado de fora.” O Sr. Schtchapov continua:
“A 8 de janeiro, depois de numerosas manifestações, tais como pancadas, deslocamentos de objetos, etc., minha mulher divisou um globo luminoso que saía de baixo de seu leito, a princípio de pequena dimensão, e depois, conforme ela dizia, aumentando de volume até o tamanho de uma sopeira, com muita semelhança com um balão de borracha vermelha; ela ficou tão assustada que perdeu os sentidos. Desde então, encarávamos esses fenômenos com olho hostil, com terror mesmo, tanto mais porque, no dia seguinte, esses sinistros ruídos se fizeram ouvir mesmo na janela do quarto de minha mulher, em pleno dia, cerca das três horas, na ocasião em que ela se preparava para repousar. Desse dia em diante, esses ruídos a acompanhavam por toda parte aonde ela ia. É assim que certo dia, quando tomava o chá das cinco horas, ouviu soarem pancadas no braço da espreguiçadeira em que estava sentada, e, quando tomei o seu lugar, as pancadas foram dadas perto do lugar em que ela se colocou, no encerado da espreguiçadeira, e às vezes mesmo nas dobras de sua saia de lã; elas a acompanhavam até o armário do aparador, o guarda-comida, etc. Francamente, começávamos a ter medo; essa inflexível realidade dos fenômenos, produzindo-se à claridade do dia, tão exclusivamente ligados aos passos de minha mulher, nos afligia a ambos; ela chegava a chorar.
Apreensiva pelas conseqüências funestas para a sua saúde e sobretudo para o seu estado mental (ela sentia uma fraqueza geral e necessidade de dormir todas as vezes que as manifestações iam produzir-se, e se, nesse momento, achava-se no leito, um sono profundo apoderava-se dela), decidi mudar de residência por um mês e transportei-me com a família para a cidade vizinha, onde possuíamos uma casa. No mesmo dia de nossa chegada, encontramos um de nossos amigos, o Dr. Ch., médico, que estava ali em serviço. Depois de ter ouvido minha narração, deu sua opinião, que afastava, bem entendido, toda a idéia de uma explicação misteriosa ou sobrenatural dos fenômenos que eu lhe expunha: ele fazia tudo correr por conta da eletricidade e do magnetismo, que agiam, dizia, sob a influência de uma composição particular do terreno sobre o qual era edificada a nossa casa, ou de faculdades especiais inerentes ao organismo de minha mulher. Essas explicações, se bem que insuficientemente claras e pouco em relação com os fatos, nos pareceram concludentes, a nós pessoas pouco versadas nas questões científicas; em todo caso, elas exerceram sobre nós um resultado tranqüilizador; tudo isso nos parecia muito vago; mas, parecia-nos compreender que se tratava de leis da Natureza; era um verdadeiro achado; desejávamos a todo custo desembaraçar-nos da obsessão diabólica (não conhecendo outro termo, é assim que tínhamos a princípio qualificado a força oculta).
Mas qual não foi a nossa surpresa, direi mesmo nosso terror, quando no dia primeiro de janeiro, ao recolher-nos, tarde da noite, e quando minha mulher se deitou, as pancadas recomeçaram, e os objetos foram de novo lançados através dos aposentos, e até objetos perigosos: por exemplo, uma faca de mesa, que estava em cima do fogão, foi arremessada com força de encontro à porta. Pusemos em lugar seguro todos os objetos cortantes ou pesados, mas era trabalho perdido: sucedia durante a noite dispersarem-se por todo o aposento todas as facas e garfos, cuidadosamente fechados por nós no armário; alguns chegaram até a penetrar na parede, perto de nosso leito. Confesso que eu começava a temer seriamente essas manifestações, que se tornavam ameaçadoras, e que acolhia com um sentimento de gratidão as pessoas que nos iam visitar nessa época e que passavam a noite em nossa casa, levadas pela curiosidade.
Disse que a teoria elétrica do doutor estava pouco em relação com os estranhos fenômenos que tínhamos observado até então; mas, para as manifestações que se produziram a contar de 24 de janeiro, ela devia ser considerada como absolutamente insustentável. Nessa noite recebemos a visita de um de nossos amigos, o Sr. L. Alekseieff. Minha mulher e ele achavam-se em um aposento que dava para aquele em que eu passeava a passos largos, com minha filhinha nos braços, cantando diversas árias para distraí-la. Fiquei um pouco surpreso com o pedido que minha mulher e Alekseieff me fizeram de continuar uma canção que eu acabava de interromper. Fiz o que eles pediam. Depois, pediram-me que cantasse uma outra ária; comecei a cantar A Figurante e fui ter com eles. Fui informado de que minha canção foi acompanhada de pancadas na parede, marcando o compasso muito perto do lugar em que eles estavam sentados. Recomeço a canção e, efetivamente, ouço as pancadas como se fossem produzidas pelas unhas da mão, marcando precisamente cada compasso da canção; essas pancadas foram do mesmo modo ouvidas do lado de fora, como tivemos a cautela de verificar. Meu amigo cantou, para experimentar, algumas árias muito lentas, interrompendo-as de tempos em tempos, e entretanto o ritmo das pancadas continuava a seguir o compasso, se bem que as interrupções intencionais produzissem certa confusão. Experimentou-se cantar em voz cada vez mais baixa, terminando em cochicho, em simples movimento de lábios, chegou-se até a cantar mentalmente, e então o acompanhamento foi completamente de acordo. A força que produzia esse fenômeno era evidentemente dotada de senso musical e possuía o dom da adivinhação!
Os rasgos de inteligência, de que a força oculta deu prova, impressionaram-nos vivamente, e resolvemos continuar essas experiências naquela mesma noite. Com o fim de obter sons mais precisos e mais claros, convidamos minha mulher a sair do leito que ocupava e ir para um outro, que estava perto de uma porta envidraçada. Nossa esperança realizou-se: logo que ela se acomodou nesse lugar, as pancadas sucederam-se rapidamente nos vidros. Nessa ocasião as pancadas não se limitavam a bater o compasso de diversas árias: marchas, polcas, mazurcas (o hino nacional foi entoado com certo entusiasmo), elas nos demonstravam que a força que as produzia podia bater um número qualquer pensado.
Cumpre-me afirmar, uma vez ainda, que tomávamos as cautelas mais minuciosas para garantir-nos contra qualquer mistificação e que não perdíamos de vista a pessoa que representava o principal papel: minha mulher, que durante todo o tempo dormia profundamente.
Decidi-me a comunicar tudo o que se passava ao Dr. Ch., o mesmo que tinha aventado a teoria elétrica para explicar os fenômenos em questão. Além disso eu tinha uma razão para dirigir-me a ele: a seção de Orenbourg da Sociedade Imperial de Geografia acabava de pedir ao Major Pogorelov, comandante dos cossacos de Iletzk, que desse informações acerca dos fenômenos meteorológicos nesse raio, e principalmente sobre o globo luminoso do qual falei mais acima. Enviei, pois, um exemplar de minha descrição à Sociedade de Geografia e outro ao Sr. Ch., pedindo-lhe, bem entendido, que me desse um esclarecimento.
Em pouco tempo tivemos a satisfação de receber a visita de três pessoas que nos eram muito conhecidas por suas excelentes qualidades e elevada competência: o Sr. A. Akoutine, engenheiro-químico, amigo do governador de Orenbourg; o Sr. N. Savitch, homem de letras; e o médico em questão, o Sr. Ch.
Esses senhores declararam-nos, a princípio, terem vindo por iniciativa própria, na qualidade de amigos, curiosos de estudar os fenômenos. Depois eu soube que foram enviados oficialmente para esse fim, pelo governador, o General Verevkine.”
O Sr. Schtchapov pôs-se inteiramente à disposição dos visitantes; sua mulher também se impôs certos incômodos com o fim de facilitar a seus hóspedes a incumbência que tinham ido desempenhar; assim, ela os autorizou a visitar seu quarto em qualquer ocasião; toda a roupa supérflua foi retirada; o pessoal da casa afastou-se tanto quanto era possível.
“Começou-se por submeter a casa a um exame minucioso. Só ocupávamos no prédio três aposentos, incluindo nesse número o vestíbulo; o resto da casa só era habitado durante o estio e servia de desafogo no inverno.
Como não tínhamos sido incomodados havia já alguns dias, eu não podia afirmar que as manifestações se produziriam. Mas, desde o primeiro dia, tivemos ensejo de ouvir pancadas, de ver a projeção de diversos objetos, etc. No dia seguinte foram instalados os aparelhos de física levados por nossos visitantes; foi preciso levantar parte do soalho no quarto de minha mulher, para assentar longa haste metálica, uma ponta da qual foi enterrada no chão, e a outra, munida de uma ponta, terminava exatamente defronte da porta envidraçada na qual as pancadas eram dadas habitualmente; sobre a vidraça dispôs-se um condensador com lâminas de estanho; esses senhores tinham ainda uma garrafa de Leida, instrumentos científicos cujo emprego eu desconhecia; mas nenhum desses aparelhos serviu para o que quer que fosse, e nada, em todas as suas experiências, permitiu supor que existisse o menor traço de afinidade entre os fenômenos que eles estudavam e a eletricidade ou o magnetismo. As reações químicas que o Sr. Akoutine realizou não indicaram de maneira alguma qualquer tensão particular da eletricidade atmosférica no interior da casa, nem estado algum de saturação de ozona no ar ambiente. Finalmente, seus esforços nesse sentido não chegaram a resultado algum e, entretanto, as manifestações prosseguiam em seu curso, regularmente, todas as noites; nós escrevíamos sistematicamente a sua narração, em ordem cronológica, em um registro especial, e revezávamos a vigília no quarto de minha mulher, onde as pancadas ordinariamente começavam.
Procuramos em primeiro lugar submeter os fenômenos a uma classificação qualquer, dispô-los por categorias, e de cada vez, como se tivesse havido um propósito (e talvez houvesse um), os fatos deram-nos um desmentido. Por exemplo, no começo de nossas observações, seguíamos com a vista os objetos que se elevavam da mesa diante da qual estávamos sentados, tomando o chá, e fizemos a observação de que esses objetos – colheres, tampas de bules etc. – dirigiam-se em todos os sentidos, afastando-se do lugar em que minha mulher se achava; concluímos daí que ela devia ser dotada de uma força repulsiva, uma espécie de corrente negativa; eis que subitamente tivemos que verificar o inverso; ela aproximou-se do armário e, apenas o abriu, uma multidão de objetos se escapou de dentro e caíram-lhe em cima, dirigindo-se em seguida para ponto distante. Mas, acercando-nos completamente de minha mulher, nunca nos foi possível verificar em que momento o objeto deixava seu lugar – nós o percebíamos somente no decurso de seu trajeto ou quando caía. Persistindo em nosso intuito, convidamos minha mulher a tocar nos objetos que estavam no armário, um após outro. Enquanto olhávamos, nenhum deles se movia. De repente uma peça qualquer, um castiçal ou uma quartinha, colocado em um canto do armário e para o qual ninguém olhava, atira-se para minha mulher, passa por cima de nossas cabeças e cai no chão a considerável distância. Nessas condições, foi efetivamente preciso atribuir à minha mulher uma força atrativa. A cada instante se nos deparavam fatos de tal maneira contraditórios que desorientavam todas as nossas suposições.
Não posso dizer com exatidão quantos dias passamos dessa maneira, quando se produziu uma coisa mais enigmática ainda do que tudo o que havíamos presenciado até então. Uma noite em que Akoutine estava de vigia perto de minha mulher, chamou-nos baixinho com voz inquieta e nos contou que, ouvindo por muitas vezes repetir-se um roçar estranho no travesseiro e no lençol de minha mulher, tinha tido a lembrança de arranhar com a unha o travesseiro e os lençóis, e que, com surpresa sua, esse ruído foi repetido no mesmo lugar. Ele pediu que nos certificássemos, pois que não pretendia confiar em si próprio. Efetivamente ouvimos, todas as vezes que ele arranhava com a unha no lençol, esse ruído repetir-se imediatamente no mesmo ponto. Se ele passava o dedo duas vezes sobre a fronha do travesseiro, o som repetia-se duas vezes. Sucedia o mesmo exatamente quando ele fazia variações; por exemplo, quando dava duas pancadas fortes e a terceira fraca. Qualquer que fosse o número de pancadas, algumas vezes apenas perceptíveis, dadas quer no travesseiro, quer no lençol, quer na madeira do leito ou numa cadeira, mesmo em lugar distante, eram repetidas o mesmo número de vezes, com a mesma força e no mesmo lugar, ao passo que minha mulher dormia durante todo o tempo, imóvel. Akoutine teve a idéia de perguntar: “Qual de nós bateu?” e nomeava em seguida as pessoas presentes. De cada vez os sons foram repetidos precisamente no momento de pronunciar o nome daquele que os tinha produzido. Durante todo o tempo vigiávamos de perto minha mulher, que dormia sem fazer o mínimo movimento; sua cabeça estava mesmo voltada para a parede, de maneira que ela não teria conseguido ver-nos, ainda mesmo no caso em que tivesse conservado os olhos entreabertos, o que, aliás, não nos teria passado despercebido, pois o quarto estava suficientemente iluminado.
Akoutine estava perplexo. Começou a passear pelo quarto a passos largos e em silêncio. Quando se tranqüilizou, começou a fazer diversas perguntas relativas à política, à literatura, etc. Entre outras, pediu pormenores acerca da guerra franco-alemã, e as respostas que recebia, em relação com os acontecimentos e com as pessoas, por intermédio de pancadas, eram tão precisas e exatas que só um homem muito versado na política e acompanhando atentamente os jornais teria podido fornecê-las; o que certamente não era o caso que se dava com minha mulher, pois que ela nunca lia jornais; aliás, nós não os recebíamos naquela época. Outra particularidade: todas as vezes que insistíamos em receber uma resposta à pergunta propositadamente falsa, não se produzia o mínimo ruído. Akoutine fez ainda perguntas em línguas estrangeiras – em francês e em alemão – e a resposta se dava invariavelmente apropriada e exata, segundo o testemunho do interrogador, pois que os demais desconheciam essas línguas... Interpelei diretamente Akoutine, pedindo uma explicação qualquer dessas coisas; se todo esse arranhar era realmente produzido por minha mulher (nós ainda não estávamos certos do contrário), como era possível que ela, que nunca lia jornais, conhecesse os episódios da guerra, as personagens salientes e em geral diversos acontecimentos dos quais nunca tinha ouvido falar? Ou, ainda melhor, como explicar que ela pudesse responder com exatidão às perguntas em francês e em alemão, ao passo que, na escola, só tivesse aprendido, da língua francesa, apenas o alfabeto (quanto ao alemão, era língua que não lhe tinha sido ensinada absolutamente)? Akoutine parecia mais impressionado que todos nós; pediu-nos que o deixássemos só e ficou o resto da noite a passear no quarto, em profunda meditação.
No dia seguinte, tomando o chá, propositadamente dirigiu a conversação para o terreno da política, e interrogou minha mulher acerca de pormenores universalmente conhecidos relativos à guerra, e pôde verificar que ela estava em completa ignorância acerca das respostas obtidas na véspera por intermédio de arranhadelas, e que apenas sabia que tinha havido uma guerra entre os franceses e os alemães. Efetivamente, desde o seu casamento, minha mulher só cuidava dos filhos e do serviço doméstico.
Akoutine foi, pois, coagido a convir em que os fenômenos não podiam ser produzidos pela eletricidade ou pelo magnetismo, mas que podiam ser o resultado de uma força análoga qualquer; supôs que, durante o sono, minha mulher se achava em um estado particular de clarividência; que ao receber as impressões vindas do exterior, a elas respondia, por assim dizer, interiormente, psiquicamente. Isso era bem extraordinário, para Akoutine como para todos nós, pois naquela época não se falava em fenômenos psíquicos.
Akoutine declarou: visto que esses fenômenos não podiam ser classificados em nenhuma das categorias definidas pela ciência, visto que os fatos eram evidentes e que a realidade deles era indiscutível, abstinha-se, naquela ocasião, de aplicar-lhes uma teoria científica qualquer e limitava-se a designá-los sob o nome de “Helenismo”, de acordo com o nome de minha mulher: Helena. Ele tinha a intenção de mandar a esse respeito um artigo para um jornal alemão. A fim de tornar os fatos mais concludentes ainda, pediu-nos que transferíssemos as experiências para a povoação de Iletzk e, por conseguinte, nos instalamos ali em nossa casa. Ali as mesmas manifestações se produziram, porém mais fracamente; as pancadas só se faziam ouvir no soalho, nas proximidades de minha mulher, como se se utilizassem dela. Nas paredes de tijolos nada se ouvia...
Mas, por ocasião de nosso regresso à herdade, logo nos primeiros dias de março, as manifestações recomeçaram com maior desenvolvimento, e dessa vez se produziram independentemente da presença de minha mulher. Certo dia, à tardinha, vi uma pesada espreguiçadeira dar saltos para o ar e cair de novo sobre os quatro pés, enquanto minha mulher estava deitada em cima dela, com grande terror seu, naturalmente. Dou a esse caso uma importância especial, porque até então, se bem eu não tivesse mais dúvida, sentia-me um pouco sob a influência das pessoas estranhas que observavam os fatos ao mesmo tempo que eu; mas eis que em pleno dia, quando eu podia ver distintamente a espreguiçadeira e capacitar-me de que ninguém se achava debaixo dela e que minha mãe estava deitada nela, tranqüilamente, e só eu e o criado de recados nos achávamos no aposento, estando este último no corredor perto da porta, eis que essa espreguiçadeira, de 90 a 100 quilogramas, começa a dançar, elevando-se completamente no espaço, com minha mãe! Isso não era certamente uma alucinação.
Nessa mesma tarde – ou no dia seguinte –, quando nos tínhamos reunido na sala nobre, uma faísca azulada apareceu embaixo do lavatório, no aposento vizinho, dirigindo-se para o quarto de minha mulher (que não estava lá naquela ocasião), e simultaneamente nos apercebemos de que alguma coisa se tinha inflamado neste último aposento. No mesmo instante me dirigi precipitadamente para ali e vi que ardia um vestido de algodão que estava em confecção. Minha sogra, que se achava no aposento, me tinha precedido e estava ocupada em apagar o fogo: ela havia atirado uma bilha d’água. Detive-me na entrada, não deixando que ninguém passasse, e comecei a examinar se o fogo tinha sido produzido por uma outra causa que não a faísca que tínhamos visto, por uma vela, por exemplo, ou um fósforo; mas não pude descobrir coisa alguma. Um cheiro ativo de enxofre enchia o quarto, exalando-se do vestido queimado, cujas partes carbonizadas ainda estavam quentes e desprendiam vapor, como se se acabasse de borrifar um pedaço de ferro aquecido ao rubro.
Certo dia, fui obrigado a ausentar-me por causa de um negócio urgente. Foi com grande pesar que deixei minha família em momento tão precário e, para maior tranqüilidade, pedi a um moço de nossa vizinhança, o Sr. P., que ficasse em casa durante minha ausência.
Depois do meu regresso, encontrei minha família prestes a fechar as malas: os trastes estavam arrumados em carroças e prontos para a partida. Declararam-me que era impossível habitar por mais tempo naquela casa: os objetos inflamavam-se uns após outros e, de mais, o vestido de minha mulher tinha começado a arder na véspera; o Sr. P., que se tinha precipitado para apagar o fogo, ficara com as mãos queimadas. Notei, efetivamente, que ambas as suas mãos, envoltas em panos, estavam cobertas de empolas. O Sr. P. fez-me a narração seguinte: Na noite de minha partida, as manifestações eram acompanhadas de globos luminosos que apareciam defronte da janela que se abria no corredor externo; apareceram muitos, de tamanho que variava entre uma batata grande e uma noz; eram de cor vermelha intensa e violeta clara, antes opacos do que transparentes. Esses meteoros se sucederam durante muito tempo. Acontecia que um desses globos de fogo, aproximando-se da janela, girava durante algum tempo do lado de fora dos vidros e desaparecia sem o menor ruído, e que imediatamente era substituído por outro globo, que chegava do lado oposto do corredor, e assim por diante. Apareciam mesmo muitos deles ao mesmo tempo.
Esses globos, tais como fogos fátuos, pareciam ter tendência a penetrar na casa. Minha mulher não dormia ainda. Aconteceu na noite seguinte, quando minha família estava acomodada nos degraus da entrada exterior (a estação tornava-se quente), que o Sr. P., entrando em casa, visse um dos leitos ardendo. Ele gritou por socorro, apressou-se em atirar ao chão cobertor e lençóis e, depois de ter apagado o incêndio que começara a fazer progressos, e verificado cuidadosamente se tinha ficado uma faísca qualquer, saiu para dar parte do que tinha acontecido. Estávamos comentando como o fogo tinha podido atear-se, não havendo no quarto nem vela, nem fósforo, nem chama qualquer... quando começamos a sentir subitamente um cheiro de incêndio que saía do quarto. Dessa vez era o colchão que ardia por baixo e o incêndio já tinha destruído a crina a tal ponto que era impossível atribuí-lo a uma falta de cuidados, no momento da primeira aspersão.
Fatos ainda mais graves se verificaram, em conseqüência dos quais a permanência naquela casa se tornava impossível daí em diante; era preciso a todo custo mudar de residência imediatamente, apesar dos obstáculos que teríamos de afrontar em virtude do degelo e das enchentes que tinham sobrevindo.
Cito as palavras do Sr. P.: “Eu estava sentado tranqüilamente, tocando guitarra. Um vizinho, o moleiro que tinha ido visitar-nos, acabava de deixar-nos. Alguns instantes depois, Helena Efimovna (minha mulher) saiu também. Apenas ela tinha fechado a porta após a sua passagem, meus ouvidos foram impressionados por uma espécie de gemido queixoso e surdo, que parecia vir de longe. Julguei reconhecer aquela voz e, depois de um momento de torpor, sob a impressão de vago sentimento de terror, precipitei-me para o vestíbulo de entrada e divisei uma coluna de fogo no meio da qual se achava Helena Efimovna; seus vestidos ardiam pela parte inferior e ela estava rodeada de chamas.
Compreendi, à primeira vista, que o fogo não podia ser muito intenso. Como o vestido era muito fino e leve, precipitei-me para apagá-lo com as mãos, porém senti um calor atroz, como se tocasse em cera em fusão... Subitamente um estalido se fez ouvir em baixo do soalho, que se abalava e vacilava durante todo o tempo. Nesse momento, o moleiro correu em meu auxílio, e ambos conseguimos transportar minha mulher, que tinha perdido os sentidos.”
Eis agora a narração de minha mulher: Quando ela transpusera a entrada da porta que se abria para o vestíbulo, o soalho cedeu sob seus passos; um ruído ensurdecedor retumbou no aposento e ela viu aparecer uma faísca azulada, semelhante à que tínhamos visto sair de sob o lavatório. Ela teve apenas tempo de dar um grito e viu-se imediatamente envolta em chamas. Perdeu os sentidos. Coisa curiosa, ela não apresentava nenhuma queimadura, mas seu vestido estava queimado, até acima dos joelhos.
Que nos restava a fazer? Examinando as mãos queimadas do Sr. P. e o vestido de minha mulher consumido em parte, sem poder descobrir ali vestígio algum de um líquido inflamável, decidi que efetivamente nada mais tínhamos a fazer do que fugir daquela casa, o que resolvemos naquele mesmo dia. Provemo-nos de móveis em casa de um habitante da aldeia vizinha, um cossaco, onde permanecemos, sem incidente de qualquer natureza, até o fim da estação das chuvas.
Depois do regresso a nossa casa, os fenômenos não se reproduziram mais. Entretanto, resolvi mandar demolir o prédio.”
Citarei ainda uma observação mui interessante acerca das materializações, feita pelo Sr. Schtchapov no final de seu artigo. Esse caso não se refere precisamente ao assunto de que me ocupo neste lugar, mas tem grande valor em razão da sua raridade:
“Eu me tinha esquecido de mencionar que por duas vezes tive ocasião de verificar o que se chama presentemente fenômenos de materialização (nós chamávamos àquilo “diabruras”).
Certo dia minha mulher divisou pela janela, do lado de fora, mão rósea, delicada, como a de uma criança, de unhas lustrosas, que tocava tambor nos vidros. Na mesma janela, em outro dia, ela se surpreendeu com o aparecimento de duas pequenas formas vivas que tinham muita semelhança com sanguessugas; essa aparição desagradável produziu-lhe uma impressão tal que ela perdeu os sentidos. De outra vez fui testemunha de fenômeno semelhante: eu estava só em casa, minha mulher dormia e eu acabava de passar muitas horas à espreita, para descobrir o autor das pancadas que ouvia dar no soalho do quarto de minha mulher (tinha a suspeita de que ela mesma podia produzi-las, fingindo estar completamente adormecida). Por muitas vezes deslizei de mansinho até à sua porta, mas, todas as vezes que eu olhava furtivamente para dentro do quarto, o ruído cessava, para recomeçar desde que eu me afastava, ou mesmo desde que desviava os olhos. Era como de propósito para incomodar.
Mas, de uma vez – foi a vigésima, se não me engano – fiz uma entrada brusca no quarto, no momento em que as pancadas recomeçavam... e estaquei, gelado de terror: uma pequena mão rósea, quase infantil, elevou-se subitamente do soalho, desapareceu entre o cobertor de minha mulher adormecida e escondeu-se nas dobras, perto de sua espádua, e eu pude ver, distintamente, o cobertor ondular de maneira inexplicável, desde sua extremidade até o lugar, perto da espádua, onde a mão se tinha contraído. Não havia, parece, motivo para um terror exagerado, e entretanto, repito-o, fiquei petrificado de terror, pois essa mão não era a de minha mulher (se bem que a sua também fosse pequena). O que eu tinha visto, vi-o mui distintamente. Aliás, a posição na qual minha mulher estava deitada (sobre o lado esquerdo, voltada para a parede), sem fazer movimento algum, não lhe teria permitido levar a mão até o chão e muito menos levantá-la tão rapidamente, em linha reta para a espádua. Que era pois? Uma alucinação? Não. Mil vezes não! Não sou sujeito a essa espécie de coisas. Talvez fosse uma mistificação da parte de minha mulher, obedecendo a uma inclinação mórbida de enganar? Mas a forma, a cor, a exigüidade da mão aparecida, não me permitiam deter-me nessa suposição. E depois a minha defunta era uma mulher de princípios, de caráter sério, esposa e mãe exemplar, religiosa, e não sofreu de espécie alguma de acessos até à morte (ela faleceu em abril de 1879, de complicações de parto).
Entretanto, a maior parte dos fenômenos que se produziram – deslocamento de objetos, pancadas – ocultavam-se por assim dizer atrás dela, razão pela qual muitas pessoas estavam persuadidas de que essas manifestações eram obra sua, não querendo levar em conta numerosos casos em que sua intervenção teria sido materialmente impossível; por exemplo, quando os diversos objetos e utensílios eram arremessados do interior de armários fechados, de cofres, etc., nos quais ela não tocava naquela ocasião. Certo dia em que acabávamos de sentar-nos em torno da mesa com os três membros da comissão, dos quais já falei, e com outros convidados, e quando minha mulher, voltando do guarda-comida, conduzindo muitos púcaros com peixe de salmoura, se preparava para abrir a porta exterior do vestíbulo, precisamente defronte da mesa, nesse momento exato recebemos uma multidão de objetos miúdos, tais como: balas de chumbo, pregos velhos enferrujados e outras coisas usadas que tinham sido atiradas numa velha caixa em um quarto que servia de dispensa (como tive ocasião de lembrar-me mais tarde), e que iam naquele momento cair com uma rapidez fulminante em cima da mesa diante da qual estávamos sentados. O criado, que acompanhara minha mulher, afirmou formalmente que ninguém havia tocado naquela caixa. Além disso, ter-lhe-ia sido impossível atirar todos esses objetos através do aposento que nos separava, tanto mais quanto ela estava com as mãos ocupadas.
É curioso notar que, apesar da força com a qual esses objetos pesados caíram em cima dos pratos, não se quebrou um só. Apesar de tudo, as circunstâncias eram de natureza a fazer desconfiar que minha mulher nos tinha pregado aquela peça, se bem que nenhum de nós a tivesse visto fazer o mínimo gesto ou esforço necessário para produzir esse resultado. Repito-o, aquela força misteriosa parecia insistir em comprometer a médium.”
No Rebus podem ler-se numerosos exemplos análogos, que se deram na Rússia, e onde as manifestações mediúnicas tiveram o caráter de verdadeiras perseguições. Citarei ainda um caso, que não deixou de atrair a atenção geral, porque é único no gênero, pois que os fenômenos foram verificados por um inquérito administrativo e judiciário. O fato passava-se em 1853, em Lipzy, perto de Kharkov. Os autos desse caso tinham sido conservados nos arquivos (atualmente suprimidos) do batalhão da guarnição de Kharkov; tinham por título: “Processo no Tribunal do Distrito de Kharkov: manifestações que ocorreram no aposento do chefe do corpo de ranchos a cavalo, em Lipetzk, o Capitão Jandatchenyo; incêndio que se declarou em conseqüência dessas manifestações, a 25 de julho de 1853, na povoação de Lipzy”. O Rebus publicou em 1884 (pág. 4) um resumo desse processo, segundo os documentos autênticos que estão em meu poder.
Mencionarei ainda um exemplo de “perseguições” semelhantes; ocorreu em 1862, em Tachilk, pequena povoação do Governo de Kiev, na família da Sra. Plot. Uma descrição circunstanciada desse caso foi comunicada ao Rebus (1888, pág. 120), pelo Dr. Kousnetzov.
Coisa curiosa, no mesmo ano, perseguições da mesma natureza, sofridas pela família do respeitável Sr. Joller, na Suíça, coagiram-no a abandonar a casa de seus pais. No caso da Sra. Plot, a prece mudou completamente o caráter das manifestações; mas, em casa do Sr. Joller, não se recorreu à prece (apesar das instâncias dos Espíritos), e os resultados foram completamente diversos. Os leitores encontrarão a esse respeito pormenores interessantes na pequena brochura do Sr. Joller: Darstellung selbsterlebter mysticher Erscheinungen, Zurique, 1863. Veja-se também, acerca do mesmo assunto, os artigos publicados no The spiritual Magazine, 1862, pág. 499, e 1863, pág. 48; Human Nature, 1875, pág. 175, e um artigo sobre O Espírito Batedor (Polter-Geist), em Light, 1883, pág. 125.
* * *
Não compreendo de que maneira os fenômenos que acabo de enumerar poderiam harmonizar-se com as teorias do Sr. Hartmann, pois que, segundo a sua opinião, todas as manifestações espíritas não passam de manifestações da consciência sonambúlica, produzindo-se, quer por intermédio dos músculos do médium, quer por intermédio de sua força nervosa. A consciência sonambúlica não é, como o vimos, mais do que uma função das partes médias do cérebro, e acha-se sob a dependência “dessa parte da crosta cerebral, que é a sede da vontade consciente”..., “o funcionamento dessas partes médias só tem importância como ato preparatório ou executivo”; mais adiante o Sr. Hartmann diz também: “ainda que essas partes médias do cérebro sejam a sede da memória, da inteligência e dos desejos, os resultados de seu funcionamento podem muito bem ser considerados como se emanassem de uma individualidade inteligente”, pois que, “em certas naturezas anormais, as partes médias do cérebro podem atingir um grau bastante elevado de independência, em relação à sede da vontade consciente” (pág. 26).
Como se acaba de ver, essa teoria não permite que se atribua às partes médias do cérebro mais do que uma “independência relativa” que reveste as aparências de uma personalidade inteligente e sensível, distinta do médium. É o que admitimos também para grande parte das manifestações. Mas não se pode compreender nem admitir: que as partes subalternas do cérebro se revoltem contra as partes superiores e que não obedeçam às “solicitações” da consciência desperta, enunciadas de maneira categórica; que a consciência sonambúlica declare-se em oposição direta à consciência normal; e, finalmente, que a vontade inconsciente prepondere sobre a vontade consciente, e não só com o desejo do bem, mas ainda com o desejo do mal, a ponto de perseguir e maltratar o indivíduo autoconsciente.
No livro do Sr. Hartmann, a passagem seguinte é a única que poderia referir-se à categoria dos fenômenos de que acabo de falar:
“Sucede freqüentemente ouvirem-se em uma casa, a horas mortas, em dias determinados, ou em certas semanas, o tilintar de campainhas... ou um prédio ser positivamente atacado por pedradas, fragmentos de carvão ou por outros objetos existentes nas imediações... As autoridades, bem como os particulares, inclinam-se mais a atribuir essas desordens a assombrações de fantasmas do que à ação inconsciente do médium.” (pág. 42).
Esta passagem nada explica; não se compreende como o médium procede para carregar de força nervosa as pedras que estão na rua e lhes faz descrever parábolas, e muito menos ainda por que ele ataca com essas pedras sua própria casa; e depois, uma “desordem” não é uma manifestação positivamente contrária à vontade do médium nem uma perseguição dirigida contra sua própria pessoa.
Uma outra dificuldade: segundo o Sr. Hartmann, é certo que o grau de “independência relativa” das funções sonambúlicas produz-se à custa da consciência em estado de vigília, isto é, o grau máximo de independência da personalidade sonambúlica produz-se no mais baixo grau da consciência em estado de vigília, ou seja, quando essa consciência está entorpecida; o próprio Sr. Hartmann não declara que “os fenômenos físicos, que exigem uma tensão extraordinária da força nervosa, se produzem quando os médiuns caem em estado de sonambulismo aparente.” (pág. 31). Não se contestará que as manifestações em casa dos Fox, Phelps, Schtchapov, etc., deveriam ter exigido o desenvolvimento do mais alto grau de “tensão da força nervosa” e, entretanto, elas nem sempre são produzidas, enquanto os médiuns estavam em seu estado normal. Deveríamos, pois, admitir, conforme o Sr. Hartmann, uma atividade simultânea, plena e completa de duas consciências, lutando uma com a outra, e até supor que a consciência sonambúlica prepondera sobre a consciência em estado de vigília para lhe fazer experimentar todas as espécies de sofrimentos!...
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Manifestações que são contrárias às convicções do médium
As manifestações desse gênero são numerosas nos anais do Espiritismo. Toda a Doutrina Espírita se formou de acordo com as comunicações contrárias às opiniões religiosas habituais dos médiuns e das massas; haveria nesse ponto matéria para um estudo especial. Vejamos, por exemplo, o que diz, em seu prefácio, o Dr. Dexter, que se tornou, como sabemos, médium a seu pesar:
“Não desejava submeter-me à idéia de que os Espíritos se imiscuíssem com esses acontecimentos... Esse pensamento, de que as almas de nossos amigos falecidos pudessem comunicar conosco na Terra, era incompatível com as noções que me tinham sido incutidas pela educação, contrária a todas as minhas opiniões anteriores e às minhas crenças religiosas... É preciso notar que todas as comunicações, quer por escrito, quer por fenômenos físicos, que são obtidas por meu intermédio, quer esteja só, quer assista a uma sessão de Espiritismo, são absolutamente isentas de qualquer participação de meu próprio espírito... Afirmo-o uma vez mais, a fim de que se compreenda bem que os preceitos, pensamentos e propósitos enunciados nesse volume, e que foram traçados por minha mão, estavam em desacordo completo com as minhas idéias naquela época.” (pág. 95).
O Sr. A. (Oxon), personagem muito conhecida na literatura espírita, apresenta-nos do mesmo modo um exemplo curioso dessas manifestações; ele publicou muitos artigos no Spiritualist de 1874 e dos anos seguintes; depois, esses fragmentos foram reunidos em um volume, que apareceu em 1883, sob o título de Spirit Teachings (Ensinos Espiritualistas). Essa obra tem o mérito especial de nos desvendar todas as peripécias da luta intelectual sustentada pelo médium com a força que o coagia a transmitir, por sua mão, as comunicações que ela lhe impunha; contém as réplicas, objeções e perguntas que lhe suscitavam essas comunicações. Esse médium-autor é um homem de elevada cultura intelectual; suas idéias religiosas eram bem precisas no momento em que suas faculdades mediúnicas se manifestaram, e sua surpresa e consternação foram grandes quando descobriu que as coisas escritas por sua própria mão eram diametralmente opostas às suas convicções mais firmes. Eis como o Sr. A. (Oxon) formulou sua profissão de fé, conforme às idéias que tinha antes dos acontecimentos de 1873:
“Sob o ponto de vista que eu aceitava naquela época, devia qualificar as comunicações que recebia de ateístas ou de diabólicas; em qualquer dos casos, eu as considerava como pertencentes ao “livre pensamento”, pois minhas crenças se aproximavam muito da doutrina ortodoxa. Para acompanhar bem a polêmica que eu ia começar, o leitor deve lembrar-se de que eu tinha sido educado nos princípios da Igreja Protestante, que estudara muito as obras de Teologia das Igrejas Romana e Grega e que aceitara os princípios do rito inglês, chamado anglicano, como os mais conformes, no meu modo de ver pessoal... Na espécie, eu era, para empregar a expressão usada, um consumado high churchman (adepto da Igreja do Estado).” (pág. 53).
Seria impossível reproduzir os pormenores da controvérsia, mas citarei muitas passagens dos raciocínios que o médium-autor opôs aos argumentos de seus interlocutores invisíveis. Eles bastarão para caracterizar essas conversações. Eis por exemplo uma réplica do médium a um argumento comunicado por meio da escrita automática:
“Objetei que essa asserção, que, aliás, não se harmonizava de maneira alguma com as minhas convicções, era incompatível com os ensinos das Igrejas ortodoxas, e ia de encontro a muitos dogmas fundamentais da fé cristã... Os pretendidos “contra-sensos” que parece teres a intenção de querer “dissipar” são precisamente os que os cristãos de todas as idades estão de acordo com considerar a base de suas doutrinas... A fé na divindade do Cristo e em sua expiação pode apenas ser considerada de origem humana.” (pág. 59).