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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

As potências da Alma-Terceira Parte- Leon Denis

TERCEIRA PARTE

AS POTÊNCIAS DA ALMA

XX. - A Vontade

XXI. - A consciência. O sentido íntimo

XXII. - O livre-arbítrio

XXIII. - O Pensamento

XXIV. - A disciplina do pensamento e a reforma do caráter

XXV. - O Amor

XXVI. - A Dor

XXVII. - Revelação Pela Dor

Notas de Rodapé

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XX. - A Vontade

O estudo do ser, a que consagramos a primeira parte desta obra, deixou-nos entrever a poderosa rede da força , das energias ocultas em nós. Mostrou-nos que todo o nosso futuro, em seu desenvolvimento ilimitado, lá está contido no gérmen. As causas da felicidade não se acham em lugares determinados no espaço; estão em nós, nas profundezas misteriosas da alma, os que é confirmado por todas as grandes doutrinas.

"O reino dos céus está dentro de vós", disse o Cristo. O mesmo pensamento está por outra forma expresso nos Vedas: "Tu trazes em ti um amigo sublime que não conheces."

A sabedoria persa não é menos afirmativa: "Vós viveis no meio de armazéns cheios de riquezas e morreis de fome à porta." (Suffis Ferdousis.)

Todos os grandes ensinamentos concordam neste ponto: É na vida intima, no desabrochar de nossas e potencias , de nossas faculdades, de nossas virtudes, que está o manancial das felicidades futuras.

Olhemos atentamente para o fundo de nós mesmos, fechemos nosso entendimento às coisas externas e, depois de havermos habituado nossos sentidos psíquicos a escuridade e ao silêncio, veremos surgir luzes inesperadas, ouviremos vozes fortificantes e consoladoras. Mas, há poucos homens que saibam ler em si, que saibam explorar as jazidas que encerram tesouros inestimáveis. Gastamos a vida em coisas banais, improfícuas: percorremos o caminho da existência sem nada saber de nós mesmos, das riquezas psíquicas, cuja valorização nos proporcionaria gozos inumeráveis.

Há em toda alma humana dois centros ou, melhor, duas esferas de ação e expressão. Uma delas, circunscrita à outra, manifesta a personalidade, o "eu", com suas paixões, suas fraquezas, sua mobilidade, sua insuficiência. Enquanto ela for à reguladora de nosso proceder, temos a vida inferior semeada de provações e males. A outra, interna, profunda, imutável, é, ao mesmo tempo, a sede da consciência, a fonte da vida espiritual, o templo de Deus em nós. É somente quando este centro de ação domina o outro, quando suas impulsões nos dirigem, que se revelam nossas potências ocultas e que o Espírito se afirma em seu brilho e beleza. É por ele que estamos em comunhão com "o Pai que habita em nós", segundo as palavras do Cristo, com o Pai que é o foco de todo o amor, o princípio de todas as ações.

Por um, perpetuamo-nos em mundos materiais, onde tudo é inferioridade, incerteza e dor; pelo outro, temos entrada nos mundos celestes, onde tudo é paz, serenidade, grandeza. só pela manifestação crescente do Espírito divino em nós que chegamos a vencer o "eu" egoísta, a associar-nos plenamente à obra universal e eterna, a criar uma vida feliz e perfeita.

Por que meio poremos em movimento as potências internas e as orientaremos para um ideal elevado? Pela vontade! Os usos persistentes, tenazes, desta faculdade soberana permitir-nos-á modificar a nossa natureza, vencer todos os obstáculos, dominar a matéria, a doença e a morte.

E pela vontade que dirigimos nossos pensamentos para um alvo determinado. Na maior parte dos homens os pensamentos flutuam sem cessar. Sua mobilidade constante e sua variedade infinita pequeno acesso oferecem às influências superiores. É preciso saber concentrar pôr o pensamento acorde com o pensamento divino. Então, a alma humana é fecundada pelo Espírito divino, que a envolve e penetra, tornando-a apta a realizar nobres tarefas, preparando-a para a vida do Espaço, cujos esplendores ela, enfraquecidamente, começa a entrever desde este mundo. Os Espíritos elevados vêem e ouvem os pensamentos uns dos outros, com os quais são harmonias penetrantes, ao passo que os nossos são, as mais das vezes, somente discordâncias e confusão. Aprendamos, pois, a servir-nos de nossa vontade e, por ela, a unir nossos pensamentos a tudo o que é grande, à harmonia universal, cujas vibrações enchem o espaço e embalam os mundos.

*

A vontade é a maior de todas as potências; é, em sua ação, comparável ao ímã. À vontade de viver, de desenvolver em nós a vida, atrai-nos novos recursos vitais; tal é o segredo da lei de evolução. A vontade pode atuar com intensidade sobre o corpo fluídico, ativar-lhe as vibrações e, por esta forma, apropriá-lo a um modo cada vez mais elevado de sensações, prepará-lo para mais alto grau de existência.

O princípio de evolução não está na matéria, está na vontade, cuja ação tanto se estende à ordem invisível das coisas como à ordem visível e material. Esta é simplesmente a conseqüência daquela. O princípio superior, o motor da existência, é à vontade. A Vontade Divina é o supremo motor da Vida Universal.

O que importa, acima de tudo, é compreender que podemos realizar tudo no domínio psíquico; nenhuma força fica estéril, quando se exerce de maneira constante, em vista de alcançar um desígnio conforme ao Direito e à Justiça.

É o que se dá com a vontade; ela pode agir tanto no sono como na vigília, porque as almas valorosas, que para si mesma estabeleceu um objetivo, procura-o com tenacidade em ambas às fases de sua vida e determina assim uma corrente poderosa, que mina devagar e silenciosamente todos os obstáculos.

Com a preservação dá-se o mesmo que com a ação. À vontade, a confiança e o otimismo são outras tantas forças preservadoras, outros tantos baluartes opostos em nós a toda causa de desassossego, de perturbação, interna e externa. Bastam, às vezes, por si sós, para desviar o mal; ao passo que o desânimo, o medo e o mau­-humor nos desarmam e entregam a ele sem defesa. O simples fato de olharmos de frente para o que chamamos o mal, o perigo, a dor, a resolução de os afrontarmos, de os vencermos, diminuem-lhes a importância e o efeito.

Os americanos têm, com o nome de mind cure (cura mental) ou ciência cristã, aplicado este método a Terapêuticas e não se pode negar que os resultados obtidos são consideráveis. Este método resume-se na fórmula seguinte: "O pessimismo torna fraco; o otimismo torna forte." Consiste na eliminação gradual do egoísmo, na união completa com a Vontade Suprema, causa das forças infinitas. Os casos de cura são numerosos e apóiam-se em testemunhos irrecusáveis. (188)

Demais, foi esse - em todos os tempos e com formas diversas - o princípio da saúde física e moral.

Na ordem física, por exemplo, não se destroem os infusórios, os infinitamente pequenos, que vivem e se multiplicam em nós; mas se ganham forças para melhor lhes resistir. Da mesma forma, nem sempre é possível, na ordem moral, afastar as vicissitudes da sorte, mas se pode adquirir força bastante para suportá-las com alegria, sobrepujá-las com esforço mental, dominá-las por tal forma que percam todo o aspecto ameaçador, para se transformarem em auxiliares de nosso progresso e de nosso bem.

Em outra parte havemos demonstrado, apoiando-nos em fatos recentes, o poder da alma sobre o corpo na sugestão e auto-sugestão (189). Limitar-nos-emos a lembrar outros exemplos ainda mais concludentes.

Louise Lateau, a estigmatizada de Bois-d'Haine, cujo caso foi estudado por uma comissão da Academia de Medicina da Bélgica, fazia, meditando sobre a Paixão do Cristo, correr à vontade o sangue dos seus pés, mãos e lado esquerdo. A hemorragia durava muitas horas. (190) Pierre Janet observou casos análogos na Salpêtrière, em Paris. Uma extática apresentava estigmas nos pés quando lhos metiam num aparelho. (191)

Louis Vivê, em suas crises, a si mesmo dava ordem de sangrar-se há horas determinadas, e o fenômeno produzia-se com exatidão.

Encontra-se a mesma ordem de fatos em certos sonhos, bem como nos fenômenos chamados "ncevi" ou sinais de nascença (192). Em todos os domínios da observação, achamos a prova de que a vontade impressiona a matéria e pode submetê-la a seus desígnios. Esta lei manifestasse com mais intensidade ainda no campo da vida invisível. É em virtude das mesmas regras que os Espíritos criam as formas e os atributos que nos permitem reconhecê-los nas sessões de materialização.

Pela vontade criadora dos grandes Espíritos e, acima de tudo, do Espírito divino, uma vida repleta de maravilhas desenvolve-se e estende, de degrau em degrau, até ao infinito, nas profundezas do céu, vida incomparavelmente superior a todas as maravilhas criadas pela arte humana e tanto mais perfeita quanto mais se aproxima de Deus.

Se o homem conhecesse a extensão dos recursos que nele germinam, talvez ficasse deslumbrado e, em vez de se julgar fraco e temer o futuro, compreenderia a sua força, sentiria que ele próprio pode criar esse futuro.

Cada alma é um foco de vibrações que a vontade põe em movimento. Uma sociedade é um agrupamento de vontades que, quando estão unidas, concentradas num mesmo fito, constituem centro de forças irresistíveis. As humanidades são focos mais poderosos ainda, que vibram através da imensidade.

Pela educação e exercício da vontade, certos povos chegam a resultados que parecem prodígios.

A energia mental, o vigor de espírito dos japoneses, seu desprezo pela dor, sua impassibilidade diante da morte, causaram pasmo aos ocidentais e foram para eles uma espécie de revelação. O japonês habitua-se desde a infância a dominar suas impressões, a nada deixar trair dos desgostos, das decepções, dos sentimentos por que passa, a ficar impenetrável, a não se queixar nunca, a nunca se encolerizar, a receber sempre com boa cara os reveses.

Tal educação retempera os ânimos e assegura a vitória em todos os terrenos. Na grande tragédia da existência e da História, o heroísmo representa o papel principal e é a vontade que faz os heróis.

Este estado de espírito não é privativo dos japoneses. Os hindus chegam também, com o emprego do que eles chamam a "hatha-yoga", ou exercício da vontade, a suprimir em si o sentimento da dor física.

Numa conferência feita no Instituto Psicológico de Paris e que "Les Annales des Sciences Psychiques", de novembro de 1906, reproduziram, Annie Besant cita vários casos notáveis devidos a estas práticas persistentes.

Um hindu possuirá bastante poder de vontade para conservar um braço erguido até se atrofiar. Outro debitar-se-á numa cama eriçada de pontas de ferro sem sentir nenhuma dor. Encontra-se mesmo este poder em pessoas que não praticaram a "hatha-yoga". A conferencista cita o caso de um de seus amigos que, tendo ido à caça do tigre e tendo recebido, por causa da imperícia de um caçador, uma bala na coxa, recusou submeter-se à ação do clorofórmio para a extração do projétil, afirmando ao cirurgião que teria suficiente domínio sobre si mesmo para ficar imóvel e impassível durante a operação. Esta efetuou-se; o ferido tinha plena consciência de si mesmo e não fez um só movimento. "O que para outro teria sido uma tortura atroz, nada era para ele; havia fixado sua consciência na cabeça e nenhuma dor sentira. Sem ser” yogui “, possuía o poder de concentrar a vontade, poder que, nas Índias, se encontra freqüentemente."

Pelo que se acaba de ler, pode julgar-se quão diferente dos nossos são a educação mental e o objetivo dos asiáticos. Tudo, neles, tende a desenvolver o homem interior, sua vontade, sua consciência, à vista dos vastos ciclos de evolução que se lhes abrem, enquanto o europeu adota, de preferência, como objetivo, os bens imediatos, limitados pelo circulo da vida presente. Os alvos em que se põe à mira nos dois casos, são diferentes; e esta divergência resulta da concepção essencialmente diferente do papel do ser no Universo. Os asiáticos consideraram por muito tempo, com um espanto misturado de piedade, nossa agitação febril, nossa preocupação pelas coisas contingentes e sem futuro, nossa ignorância das coisas estáveis, profundas, indestrutíveis, que constituem a verdadeira força do homem. Daí o contraste surpreendente que oferecem as civilizações do Oriente e do Ocidente. A superioridade pertence evidentemente à que abarca mais vasto horizonte e se inspira nas verdadeiras leis da alma e de seu futuro. Pode ter parecido atrasada aos observadores superficiais, enquanto as duas civilizações fizeram paralelamente sua evolução, sem que entre uma e outra houvesse choques excessivos. Mas, desde que as necessidades da existência e a pressão crescente dos povos do Ocidente forçaram os asiáticos a entrar na corrente dos progressos modernos - tal é o caso dos japoneses, pode ver-se que as qualidades eminentes desta raça, há-se no domínio material, podiam assegurar-lhes igualmente a supremacia. Se este estado de coisas se acentuar, como é de recear, se o Japão conseguir arrastar consigo todo o Extremo Oriente, é possível que mude o eixo da dominação do mundo e passe de uma raça para outra, principalmente se a Europa persistir em não se interessar pelo que constitui o mais alto objetivo da vida humana e em contentar-se com um ideal inferior e quase bárbaro.

Restringindo mesmo o campo de nossas observações à raça branca, aí vamos verificar também que as nações de vontade mais firme, mais tenaz, vão pouco a pouco tomando predomínio sobre as outras.

E o que se dá com os povos anglo-saxônios e germânicos. Estamos vendo o que a Inglaterra tem podido realizar, através dos tempos, para execução de seu plano de ação. A Alemanha, com seu espírito de método e continuidade, soube criar e manter uma poderosa coesão em detrimento de seus vizinhos, não menos bem dotados do que ela, mas menos resolutos e perseverantes. A América do Norte prepara também para si um grande lugar no concerto dos povos.

A França é, pelo contrário, uma nação de vontade fraca e volúvel. Os franceses passam de uma idéia a outra com extrema mobilidade e a este defeito não são estranhas às vicissitudes de sua História. Seus primeiros impulsos são admiráveis, vibrantes de entusiasmo. Mas, se com facilidade empreendem uma obra, com a mesma facilidade a abandonam, quando o pensamento já a vai edificando e os materiais se vão reunindo silenciosamente ao seu derredor. Por isso o mundo apresenta, por toda à parte, vestígios meio apagados de sua ação passageira, de seus esforços depressa interrompidos.

Além disso, o pessimismo e o materialismo, que cada vez mais se alastram entre eles, tendem também a amesquinhar as qualidades generosas de sua raça. O positivismo e o agnosticismo trabalham sistematicamente para apagar o que restava de viril na alma francesa; e os recursos profundos do espírito francês atrofiam-se por falta de uma educação sólida e de um ideal alevantado.

Aprendamos, pois, a criar "uma vontade de potencia", de natureza mais elevada do que a sonhada por Nietzsche. Fortaleçamos em torno de nós os espíritos e os corações, se não quisermos ver nosso país votado à decadência irremediável.

*

Querer é poder! O poder da vontade é ilimitado. 0 homem, consciente de si mesmo, de seus recursos la­tentes, sente crescerem suas forças na razão dos esforços. Sabe que tudo o que de bem e bom desejar há de, mais cedo ou mais tarde, realizar-se inevitavelmente, ou na atualidade ou na série das suas existências, quando seu pensamento se puser de acordo com a Lei Divina. E é nisso que se verifica a palavra celeste: "A Fé transporta montanhas."

Não é consolador e belo poder dizer: Sou uma inteligência e uma vontade livres; a mim mesmo me fiz, inconscientemente, através das idades; edifiquei lentamente minha individualidade e liberdade, e agora conheço a grandeza e a força que há em mim. Amparar-me-ei nelas; não deixarei que uma simples dúvida as empane por um instante sequer e, fazendo uso delas com o auxílio de Deus e de meus irmãos do Espaço, elevar-me-ei acima de todas as dificuldades; vencerei o mal em mim; desapegar-me-ei de tudo o que me acorrenta às coisas grosseiras para levantar o vôo para os mundos felizes'.

Vejo claramente o caminho que se desenrola e que tenho de percorrer. Este caminho atravessa a extensão ilimitada e não tem fim; mas, para guiar-me na Estrada Infinita, tenho um guia seguro - a compreensão da lei de vida, progresso e amor que rege todas as coisas; aprendi a conhecer-me, a crer em mim e em Deus. Possuo, pois, a chave de toda elevação e, na vida imensa que tenho diante de mim, conservar-me-ei firme, inabalável na vontade de enobrecer-me e elevar-me, cada vez mais; atrairei, com o auxílio de minha inteligência, que é filha de Deus, todas as riquezas morais e participarei de todas as maravilhas do Cosmo.

Minha vontade chama-me: "Para frente, sempre para frente, cada vez mais conhecimento, mais vida, vida divina!" E com ela conquistarei a plenitude da existência, construirei para mim uma personalidade melhor, mais radiosa e amante. Saí para sempre do estado inferior do ser ignorante, inconsciente de seu valor e poder; afirmo-me na independência e dignidade de minha consciência e estendo a mão a todos os meus irmãos, di­zendo-lhes:

Despertai de vosso pesado sono; rasgai o véu material que vos envolve, aprendei a conhecer-vos, a conhecer as potências de vossa alma e a utilizá-las. Todas as vozes da Natureza, todas as vozes do Espaço vos bradam : "Levantai-vos e marchai ! Apressai-vos para a conquista de vossos destinos'."

A todos vós que vergais ao peso da vida, que, jul­gando-vos sós e fracos, vos entregais à tristeza, ao desespero ou que aspirais ao nada, venho dizer: "O nada não existe; a morte é um novo nascimento, um encaminhar para novas tarefas, novos trabalhos, novas colheitas; a vida é uma comunhão universal e eterna que liga Deus a todos os seus filhos”

A vós todos, que vos credes gastos pelos sofrimentos e decepções, pobres seres aflitos, corações que o vento áspero das provações secou ; Espíritos esmagados, dilacerados pela roda de ferro da adversidade, venho dizer-vos: “Não há alma que não possa renascer, fazendo brotar novas florescências. Basta-vos querer para sentirdes o despertar em vós de forças desconhecidas. Crede em vós, em vosso rejuvenescimento em novas vidas; crede em vossos destinos imortais. Crede em Deus, Sol dos sóis, foco imenso, do qual brilha em vós uma centelha, que se pode converter em chama ardente e generosa!”.

“Sabei que todo homem pode ser bom e feliz ; para vir a sê-lo basta que o queira com energia e constância. A concepção mental do ser, elaborada na obscuridade das existências dolorosas, preparada pela vagarosa evolução das idades, expandir-se-á à luz das vidas superiores e todos conquistarão a magnífica individualidade que lhes está reservada”.

"Dirigi incessantemente vosso pensamento para esta verdade: - que podeis vir a ser o que quiserdes. E sabei querer ser cada vez maiores e melhores. Tal é a noção do progresso eterno e o meio de realizá-lo; tal é o segredo da força mental, da qual emanam todas as forças magnéticas e físicas. Quando tiverdes conquistado este domínio sobre vós mesmos, não mais tereis que temer os retardamentos nem as quedas, nem as doenças, nem a morte; tereis feito de vosso” eu “inferior e frágil uma alta e poderosa individualidade!"

XXI. - A consciência. O sentido íntimo

A alma é, como nos demonstraram os ensinos precedentes, uma emanação, uma partícula do Absoluto. Suas vidas têm por objetivo a manifestação cada vez mais grandiosa do que nela há de divino, o aumento do domínio que está destinado a exercer dentro e fora de si, por meio de seus sentidos e energias latentes.

Pode alcançar-se esse resultado por processos diferentes, pela Ciência ou pela meditação, pelo trabalho ou pelo exercício moral. O melhor processo consiste em utilizar todos esses modos de aplicação, em completá-los uns pelos outros; o mais eficaz, porém, de todos, é o exame intimo, a introspecção. Acrescentemos o desapego das coisas materiais, a firme vontade de melhorar a nossa união com Deus em espírito e verdade, e veremos que toda religião verdadeira, toda filosofia profunda aí vai buscar sua origem e nessas fórmulas se resume. O resto, doutrinas culturais, ritos e práticas não são mais do que ó vestuário externo que encobre, aos olhos das turbas, a alma das religiões.

Victor Hugo escrevia no "Post scriptum de ma vie" "E dentro de nós que devemos olhar o exterior... Incli­nando-nos sobre este poço, o nosso espírito, avistamos, a uma distância de abismo, em estreito círculo, o mundo imenso."

A alma, dizia também Emerson, é superior ao que se pode saber dela e mais sábia do que nenhuma de suas obras.

As profundezas da alma ligam-na à grande Alma universal e eterna, de que ela é uma como vibração. Essa origem e essa participação da Natureza Divina explicam as necessidades irresistíveis do Espírito em evolução adiantada: necessidade de infinito, de justiça, de luz; necessidade de sondar todos os mistérios, de estancar a sede nos mananciais vivos e inexauríveis cuja existência ele pressente, mas que não consegue descobrir no plano de suas vidas terrestres.

Daí provêm nossas mais altas aspirações, nosso de­sejo de saber, jamais satisfeito, nosso sentimento do Belo e do Bem; daí os clarões repentinos que iluminam de tempos a tempos as trevas da existência e os pressenti­mentos, a previsão do futuro, relâmpagos fugitivos no abismo do tempo, que luzem às vezes para certas inteligências.

Sob a superfície do "eu", superfície agitada pelos desejos, esperanças e temores, está o santuário que encerra a Consciência integral, calma, pacífica, serena, o princípio da Sabedoria e da Razão, de que a maior parte dos homens só tem conhecimento por surdas impulsões ou vagos reflexos entrevistos.

Todo o segredo da felicidade, da perfeição, está na identificação, na fusão em nós destes dois planos ou focos psíquicos; a causa de todos os nossos males, de todas as nossas misérias morais está na sua oposição.

Na "Crítica da Razão Pura", o grande filósofo de Koenigsberg demonstrou que a razão humana, isto é, a razão superficial de que falamos, por si mesma nada podia perceber, nada provar do que respeita às realidades do mundo transcendental, às origens da vida, ao espírito, à alma, a Deus.

Dessa argumentação infere-se, lógica e necessariamente, a conseqüência de que existe em nós um princípio, tema razão mais profunda que, por meio da revelação interior, nos inicia nas verdades e leis do mundo espiritual. William James faz a mesma afirmação, nestes ter­mos : "O” eu “consciente faz um só com um” eu “maior, do qual lhe vem o resgate." (193 )

E, mais adiante

"Os prolongamentos do” eu “consciente dilatam-se muito além do mundo da sensação e da razão, em certa região que se pode chamar mística ou sobrenatural. Quando nossas tendências para o Ideal tem sua origem nessa região -- é o caso para a maior parte delas, porque somos possuídos por elas de maneira que não podemos perceber - ali temos raízes mais profundas do que no mundo visível, pois nossas mais altas aspirações são centro da nossa personalidade. Mas, este mundo invisível não é somente ideal, produz efeitos no mundo visível. Pela comunhão com o invisível, o "eu" finito transforma-se; tornamo-nos homens novos e nossa regeneração, modificando nosso proceder, repercute no mundo material. Como, pois, recusar o nome de realidade ao que produz efeitos no seio de uma outra realidade? Com que direito diriam os filósofos que não é real o mundo invisível?"

*

A consciência é, pois, como diria W. James, o centro da personalidade, centro permanente, indestrutível, que persiste e se mantém através de todas as transformações do indivíduo. A consciência é não somente a faculdade de perceber, mas também o sentimento que temos de viver, agir, pensar e una e indivisível. A plura­lidade de seus estados nada prova, como vimos (194 ) , contra essa unidade. Aqueles estados são sucessivos, como as percepções correlativas, e não simultâneos. Para de­monstrar que existem em nós vários centros autônomos de consciência, seria necessário provar também que há ações e percepções simultâneas e diferentes; mas, isso não é exato e não pode ser.

Todavia, a consciência apresenta, em sua unidade, como sabemos, vários planos, vários aspectos. Física, confunde-se com o que a Ciência chama o "sensorium", isto é, a faculdade de concentrar as sensações externas, coordená-las, defini-las, perceber-lhes as causas e deter­minar-lhes os efeitos. Pouco a pouco, pelo próprio fato da evolução, essas sensações vão-se multiplicando e apu­rando, e a consciência intelectual acorda. Daí em diante não terá limites seus desenvolvimentos, pois que poderá abraçar todas as manifestações da vida infinita. Então desabrocharão o sentimento e o juízo e a alma compreen­der-se-á a si mesma; tornar-se-á, ao mesmo tempo, su­jeito e objeto. Na multiplicidade e variedade de suas ope­rações mentais terá sempre consciência do que pensa e quer.

O "eu" afirma-se, desenvolve-se, e a personalidade completa-se pela manifestação da consciência moral ou espiritual. A faculdade de perceber os efeitos do mundo sensível exercer-se-á por modos mais elevados; conver­ter-se-á na possibilidade de sentir as vibrações do mundo moral, de discriminar suas causas e leis.

É com os sentidos internos que o ser humano per­cebe os fatos e as verdades de ordem transcendental. Os sentidos físicos enganam, apenas distinguem a aparência das coisas e nada seriam sem o "sensorium", que agrupa, centraliza suas percepções e as transmite à alma; esta registra tudo e tira o efeito útil. Abaixo, porém, deste "sensorium" superficial, há outro mais fundo, que dis­tingue as regras e as coisas do mundo metafísico. É esse sentido profundo, desconhecido, inutilizado para a maior parte dos homens, que certos experimentadores designa­ram pelo nome de consciência subliminal.

A maior parte das grandes descobertas não foi na ordem física, mais do que a confirmação das idéias percebidas pela intuição ou sentido íntimo. Newton, por exemplo, havia muito tempo que concebera o pensamento da atração universal, quando a queda de uma maçã veio dar a seus sentidos materiais a demonstração objetiva.

Assim como existe um organismo e um "sensorium" físicos, que nos põem em relação com os seres e as coisas do plano material, assim também há um sentido espiri­tual por meio do qual certos homens penetram desde já no domínio da vida invisível. Assim que, depois da morte, cair o véu da carne, esse sentido tornar-se-á o centro único de nossas percepções.

É na extensão e desenvolvimento crescente desse sentido espiritual que está a lei de nossa evolução psí­quica, a renovação do ser, o segredo de sua iluminação interior e progressiva. Por ele nos desapegamos do rela­tivo e do ilusório, de todas as contingências materiais, para nos vincularmos cada vez mais ao imutável e absoluto.

Por isso a ciência experimental será sempre insufi­ciente, a despeito das vantagens que oferece e das con­quistas que realiza, se não for completada pela intuição, por essa espécie de adivinhação interior que nos faz des­cobrir as verdades essenciais. Há uma maravilha que se avantaja a todas as do exterior. Essa maravilha somos nós mesmos; é o espelho oculto no homem e que reflete todo o Universo.

Aqueles que se absorvem no estudo exclusivo dos fenômenos, em busca das formas mutáveis e dos fatos exteriores, procuram, muitas vezes bem longe, essa cer­teza, esse "criterium", que está neles. Deixam de escutar as vozes íntimas, de consultar as faculdades de entendi­mento que se desenvolvem e apuram no estudo silencioso e recolhido. É esta a razão por que as coisas do invisível, do impalpável, do divino, imperceptíveis para tantos sábios, são percebidas às vezes por ignorantes. O mais belo livro está em nós mesmos; o Infinito revela-se nele. Feliz daquele que nele pode ler!

Todo esse domínio fica fechado para o positivista que posterga a única chave, o único instrumento com o auxílio do qual pode penetrar nele ; o positivista afadigasse em experimentar por meio dos sentidos físicos e de instrumentos materiais o que escapa a toda medida objetiva. Por isso, o homem dos sentidos externos racio­cina a respeito do mundo e dos seres metafísicos como um surdo raciocina a respeito das regras da melodia e um cego a respeito das leis da óptica. Desperte, porém, e ilumine-se nele o senso íntimo e, então, comparada a essa luz que o inunda, a ciência terrestre, tão grande, antes, à sua vista, imediatamente se amesquinhará.

O eminente psicólogo americano William James, rei­tor da Universidade de Harvard (195 ) , declara-o, nestes termos

"Posso por na atitude do homem de Ciência e ima­ginar vivamente que nada existe fora da sensação e das leis da Matéria; mas, não posso fazé-lo sem ouvir uma admoestação interior:”Tudo isso é fantasmagoria.”Toda experiência humana, em sua viva realidade, me impele irresistivelmente a sair dos estreitos limites onde pretende encerrar-nos a Ciência. O mundo real é constituído diversamente, é muito mais rico e complexo que o da Ciência."

Depois de Myers e Flournoy, cujas opiniões citamos, W. James estabelece, por sua vez, que a psicologia oficial não pode continuar a desconhecer os recessos da consciência profunda, colocados sob a consciência normal. Ele o diz: formalmente (196 )

"Nossa consciência normal não é mais que um tipo par­ticular de consciência, separado, como por fina membrana, de vários outros que aguardam momento favorável para entrar em jogo. Podemos atravessá-los sem suspeitarmos de sua existência; mas, em presença de estímulo conveniente, mos­tram-se mais reais e complexos."

A propósito de certas conversões acrescenta (197):

"Descobrem-se profundezas novas na alma, à proporção que ela se transforma, como se fosse formada de camadas sobrepostas, cada uma das quais permanece desconhecida, enquanto está coberta por outras."

E, mais adiante (198)

"Quando um homem tende conscientemente para um ideal, é em geral para alguma coisa vaga e indefinida; existem, contudo, bem no fundo de seu organismo, forças que aumentam e caminham em sentido determinado. Os fracos esforços, que esclarecem a sua consciência, suscitam esforços subconscientes, aliados vigorosos que trabalham na sombra; mas, essas forças orgânicas convergem para um resultado que muitas vezes não é o mesmo e que é sempre mais bem determinado que o ideal concebido, meditado, reclamado pela consciência nítida."

Tudo isso confirma que a causa inicial e o princípio da sensação não estão no corpo, mas na alma; os sen­tidos físicos são simplesmente a manifestação externa e grosseira, o prolongamento na superfície do ser, dos sen­tidos íntimos e ocultos. O "Chicago Chronicle", de dezem­bro de 1905, refere um caso extraordinário de manifestação do sexto sentido, que julgamos dever citar aqui. Trata-se de uma menina de 17 anos, cega e surda-muda, desde a idade de 6 anos, e na qual se desenvolveu, dessa época em diante, uma faculdade nova:

“Ella Hopkins pertence a uma boa família de Utica, N. Y. Há três anos foi colocada pelos pais num Instituto de Nova Iorque destinado à instrução dos surdos-mudos. Como as outras crianças daquela casa, ensinaram-lhe a ler, a ouvir e a exprimir-se por meio dos dedos”.

Não somente Ella rapidamente se apropriou dessa lin­guagem, como chegou a perceber o que se passa em volta de si, tão facilmente como se gozasse de seus sentidos normais. Sabe quem entra e sai, se é pessoa conhecida ou estranha; segue e percebe a conversa sustentada em voz baixa no aposento onde se encontra, e, a pedido, a reproduz fielmente por escrito. Não se trata de leitura de pensamento direto, pois que a menina não compreende o pensamento das pessoas presentes senão quando lhe dão uma expressão vocal.

Mas, esta faculdade tem intermitências e mostra-se às vezes com outros aspectos.

A memória de Ella é das mais notáveis. O que aprendeu uma vez, e aprende depressa, nunca mais o esquece. Sen­tada diante da máquina de escrever, com os olhos fixos, como se vissem, com interesse intenso nas teclas do instrumento, do qual se serve com extrema precisão, tem toda a aparência de uma jovem inteligente, em plena posse das faculdades normais. Os olhos são claros e expressivos, a fisionomia ani­mada e variável. Ninguém diria que Ella é cega, surda e muda.

Devemos acreditar que o diretor do Instituto, Sr. Currier, está habituado à manifestação das faculdades anormais nes­tes infelizes, pois que não parece admirar-se com o caso da menina. "Temos todos, diz ele, consciência de certas coisas sem o auxílio aparente dos sentidos ordinários... Aqueles que são privados de dois ou três destes sentidos e obrigados a contar com o desenvolvimento de outras faculdades para os substituir, vêem naturalmente estas se desenvolverem e fortificarem."

Há, na mesma classe de Ella, outras duas mocinhas igualmente cegas, surdas e mudas, que possuem também este "sexto sentido", ainda que em menor grau. Faz gosto, ao que parece, vê-las, todas três, comunicarem-se rapidamente pelo verbo pensamento, tendo apenas necessidade do ligeiro contacto dos dedos sensitivos."

A enumeração destes fatos acrescentaremos um teste­munho de alto valor, o do Prof. César Lombroso, da Universidade de Turim. Escrevia ele na revista italiana "Arena" (junho de 1907):

"Até 1890 fui acérrimo adversário do Espiritismo. Em 1891, porém, tive de combater numa cliente minha um dos fenômenos mais curiosos que jamais se me depararam. Tive de tratar a filha de um alto funcionário de minha cidade natal, a qual, de repente, foi acometida, na época da puberdade, de violento acesso de histeria acompanhado de sintomas de que nem a Patologia nem a Fisiologia podiam dar explicação. Havia momentos em que os olhos perdiam total­mente a faculdade de ver e em compensação a doente via com os ouvidos. Era capaz de ler com os alhos vendados algumas linhas impressas que lhe apresentassem ao ouvido. Quando se lhe punha uma lente entre o ouvido e a luz solar, ela experimentava como que uma queimadura nos olhos; exclamava que queriam cegá-la... Conquanto não fossem novos estes fatos, não deixavam de ser singulares. Confesso que, pelo menos, pareciam-me inexplicáveis pelas teorias fi­siológicas e patológicas estabelecidas até então. Parecia-me bem clara uma única coisa, é que esse estado punha em ação, numa pessoa dantes inteiramente normal, forças singulares em relação com sentidos desconhecidos. Foi então que tive a idéia de que talvez o Espiritismo me facilitasse a aproxi­mação da verdade."

Eis outro exemplo do desenvolvimento dos sentidos psíquicos, para o qual chamamos toda a atenção do leitor. A pessoa de que vamos falar é considerada como uma das maravilhas de nossa época (199):

Helen Keller é também uma menina cega, surda e muda. Não possui, em aparência, senão o sentido do tato para comunicar com o mundo exterior. E, entretanto, pode conversar em três línguas com seus visitantes; sua ba­gagem intelectual é considerável; possui um sentimento estético que lhe permite gozar das obras de arte e das harmonias da Natureza. Pelo simples contacto das mãos, ela distingue o caráter e a disposição de espírito das pes­soas que encontra. Com a ponta dos dedos colhe a palavra nos lábios e lê nos livros apalpando os caracteres salien­tes, especialmente impressos para ela. Eleva-se à con­cepção das coisas mais abstratas e sua consciência ilu­mina-se com claridades que vai buscar às profundezas de sua alma.

Escutemos o que nos diz a Sra. Maëterlinck, depois da visita que lhe fez em Wrentham ( América )

"Helen Keller é um ser superior; vê sua razão equi­librada, tão poderosa e tão sã, sua inteligência tão clara e tão bela, que o problema logo se transmuda. Já não se pro­cura ser compreendido, mas compreender.

Helen possui profundos conhecimentos de Álgebra, de Matemáticas, um pouco de Astronomia, de latim e de grego lë Molière e Anatole France e se exprime em seus idiomas; compreende Geethe, Schiller e Heine em alemão, Shakespeare, Rudyard Kipling, Wells em inglês e escreve ela própria como filósofa, psicóloga e poetisa."

O sentido do tato é impotente para produzir tal es­tado mental, tanto mais que Helen, dizem seus educa­dores, consegue perceber o farfalhar das folhas, o zum­bido das abelhas. Agrada-lhe o correr nos bosques.

Seu biógrafo, Gérard Harry, assegura que a inten­sidade de suas percepções confere-lhe aptidões de uma leitora do pensamento.

Evidentemente, encontramo-nos em presença de um ser evolutivo, revindo à cena do mundo com toda a aqui­sição dos séculos percorridos.

O caso de Helen prova que, por trás dos órgãos mo­mentaneamente atrofiados, existe uma consciência desde muito familiarizada com as noções do mundo exterior. Há, aí, ao mesmo tempo, uma demonstração das vidas anteriores da alma e da existência dos seus próprios sentidos, independentes da matéria, dominando-a e sobre­vivendo a toda desagregação corporal.

Para desenvolver, para apurar a percepção, de modo geral, é preciso, a princípio, acordar o sentido íntimo, o sentido espiritual. A mediunidade demonstra-nos que há seres humanos muito mais bem dotados em relação à visão e audição interiores, que certos Espíritos que vivem no Espaço e cujas percepções são extremamente limita­das em vista da insuficiência de sua evolução.

Quanto mais puros e desinteressados são os pensa­mentos e os atos, numa palavra, quanto mais intensa é a vida espiritual e quanto mais ela predomina sobre a vida física, tanto mais se desenvolvem os sentidos inte­riores. O véu que nos esconde o mundo fluídico adelga­ça-se, torna-se transparente e, por trás dele, a alma dis­tingue um conjunto maravilhoso de harmonias e belezas, ao mesmo tempo que se torna mais apta a recolher e transmitir as revelações, as inspirações dos seres supe­riores, porque o desenvolvimento dos sentidos internos coincide, geralmente, com uma extensão das faculdades do espírito, com uma atração mais enérgica das radia­ções etéreas.

Cada plano do Universo, cada círculo da vida, cor­responde a um número de vibrações, que se acentuam e tornam mais rápidas, mais sutis, à medida que se aproximam da vida perfeita. Os seres dotados de fraco poder de radiação não podem perceber as formas de vida que lhes são superiores, mas todo Espírito é capaz de obter pela preparação da vontade e pela educação dos sentidos íntimos um poder de vibração que lhe permite agir em planos muito extensos. Achamos uma prova da intensidade desta forma de emissão mental no fato de se terem visto moribundos ou pessoas em perigo de morte impressionarem telepaticamente, a grandes distancias, vários indivíduos, ao mesmo tempo. ( 200 )

Na realidade, cada um de nós podia, se quisesse, comunicar a todos os momentos com o mundo invisível. Somos Espíritos. Pela vontade podemos governar a matéria e desprender-nos de seus laços para vivermos numa esfera mais livre, a esfera da vida superconsciente. Para isso é mister uma coisa, espiritualizar-nos, voltar à vida do espírito por uma concentração perfeita de nossas forças interiores. Então, achamo-nos face a face com uma ordem de coisas que nem o instinto, nem a experiência, nem mesmo a razão pode perceber.

A alma, em sua expansão, pode quebrar a parede de carne que a encerra e comunicar por seus próprios sentidos com os mundos superiores e divinos. É o que têm podido fazer os videntes e os verdadeiros santos, os grandes místicos de todos os tempos e de todas as religiões.

William James nota-o nestes termos (201)

"O mais importante resultado do êxtase é fazer cair toda barreira levantada entre o indivíduo e o Absoluto. Por ele percebemos nossa identidade com o Infinito. E a eterna e triunfante experiência do misticismo, que se encontra em todos os climas e em todas as religiões. Todas fazem ouvir as mesmas vozes com imponente unanimidade; todas pro­clamam a unidade do homem com Deus."

Noutro lugar expõe também nestes termos suas vistas sobre o misticismo (202)

"Os estados místicos aparecem no sujet como uma for­ma de conhecimento; revelam-lhe profundezas de verdade, insondáveis, à razão discursiva; é uma iluminação de ri­queza inexaurível, que, sente-se, terá em toda vida imensa repercussão.

Chegados a seu pleno desenvolvimento, estes estados im­põem-se de fato e de direito aos que os experimentam, com absoluta autoridade... Opõem-se ã autoridade da consciência puramente racional fundada unicamente no entendimento e nos sentidos, provando que ela não é mais do que um dos modos da consciência."

William James pensa igualmente que os estados mís­ticos podem ser considerados como janelas que dão para um mundo mais extenso e completo.

*

O Espiritismo demonstra até certo ponto a exatidão destas apreciações. A mediunidade, em suas formas tão variadas, é também a resultante de uma exaltação psí­quica, que permite entrem os sentidos da alma em ação, substituam por um momento os sentidos físicos e per­cebam o que é imperceptível para os outros homens. Caracteriza-se e desenvolve-se segundo as aptidões que tem o sentido íntimo para predominar, de uma forma ou de outra, e manifestar-se por uma das vias habituais da sensação. O Espírito que desejar fazer uma comunicação reconhece, à primeira vista, o sentido orgânico que, no médium, lhe servirá de intermediário e atua sobre este ponto. Umas vezes é a palavra ou também a escrita pela ação mecânica da mão ; outras, é o cérebro, quando se trata da mediunidade intuitiva. Nas incorporações tem­porárias é a posse plena e inteira e a adaptação dos sen­tidos espirituais do possessor aos sentidos físicos do "sujet".

A faculdade mais comum é a clarividência, isto é, a percepção, estando fechados os olhos, do que se passa ao longe, quer no tempo quer no espaço, no passado como no futuro; é a penetração do Espírito do clarivi­dente nos meios fluídicos onde são registrados os fatos consumados e onde se elaboram os planos das coisas futuras. A clarividência exerce-se as mais das vezes inconscientemente, sem preparação alguma. Neste caso resulta da evolução natural do percipiente ; mas, é possível também provocá-la, assim como a visão espírita.

Sobre este assunto, o Coronel de Rochas exprime-se da maneira seguinte ( 203 )

"Mireille descrevia-me assim os efeitos, sobre si, das minhas magnetizações

Quando estou acordada, minha alma está ergastulada ao corpo e eu me sinto como uma pessoa que, encerrada no pavimento térreo de uma torre, não vê o exterior senão atra­vés das cinco janelas dos sentidos, tendo cada uma vidros de cores diferentes. Quando me magnetizais, livrais-me pouco a pouco das minhas cadeias e minha alma, que deseja sempre subir, penetra na escada da torre, escada sem janela, e não percebo que me guiais, senão no momento em que desemboco na plataforma superior. A minha vista estende-se em todas as direções com um sentido único muito aguçado que me põe em relação com objetos que ele não podia perceber atra­vés dos vidras da torre."

Pode também adquirir-se a clariaudiência, a audição das vozes interiores, modo de comunicação possível com os Espíritos. Outra manifestação dos sentidos íntimos é a leitura dos acontecimentos registrados, fotografados de algum modo na ambiência de um objeto antigo ou mo­derno. Por exemplo, um pedaço de arma, uma medalha, um fragmento de sarcófago e uma pedra de ruínas evo­carão na alma do vidente uma série completa de imagens referentes aos tempos e aos lugares a que pertenceram esses objetos. E o que se chama psicometria ( 203-A ) . Acrescentemos também os sonhos simbólicos, os premo­nitórios e mesmo os pressentimentos obscuros que nos advertem de um perigo de que não desconfiamos.

Já dissemos que muitas pessoas têm, sem o sabe­rem, a possibilidade de comunicar com seus amigos do Espaço por intermédio do sentido íntimo. Deste número são as almas verdadeiramente religiosas, isto é, ideali­zadas, em que as provações, os sofrimentos, uma longa preparação moral apuraram os sentidos sutis, tornan­do-os mais sensíveis às vibrações dos pensamentos externos. Muitas vezes, dirigiram-se a mim almas humanas aflitas para, do Além, solicitar avisos, conselhos, indica­ções que não me era possível proporcionar-lhes. Recomendava-las, então, a experiência seguinte que, às vezes, dava bom resultado. Concentrai-vos, dizia-lhes eu, em retiro e no silêncio; elevai os pensamentos para Deus; chamai o vosso Espírito protetor, o guia tutelar, que Deus nos dá para a viagem da Vida. Interrogai-o sobre as questões que vos preocupam, desde que sejam dignas dele, livres de todo o interesse vil ; depois, esperai ! es­cutai em vós mesmos, atentamente, e, ao cabo de um instante, ouvireis nas profundezas de vossa consciência como que o eco enfraquecido de uma voz longínqua ou, antes, percebereis as vibrações de um pensamento mis­terioso que expulsará vossas dúvidas, dissipará vossas angústias, embalar-vos-á e consolará.

E esta, com efeito, uma das formas de mediunidade e não é das menos belas. Todos podem obtê-la, partici­pando daquela comunicação dos vivos e dos mortos, que está destinada a estender-se um dia a toda a Humanidade. Pode-se até, por este processo, corresponder com o plano divino. Em circunstâncias difíceis de minha vida, quando hesitava entre resoluções contrárias a respeito da tarefa que me foi confiada, de difundir as verdades consoladoras do Neo-Espiritualismo, apelando para a Entidade Suprema, ouvia sempre ressoar em mim uma voz grave e solene que me ditava o dever. Clara e distinta, contudo, esta voz parecia provir de um ponto muito distante. Seu acento de ternura enternecia-me até às lágrimas.

*

A intuição não é, pois, as mais das vezes, senão uma das formas empregadas pelos habitantes do mundo invisível para nos transmitirem seus avisos, suas instruções. Outras vezes será a revelação da consciência profunda à consciência normal. No primeiro caso pode ser considerada como inspiração. Pela mediunidade o Espírito suas idéias no entendimento do transmissor. Este fornecerá a expressão, a forma, à linguagem e, na capacidade de seu desenvolvimento cerebral, o Espírito achará meios mais ou menos seguros e abundantes para comunicar seu pensamento com todo o desenvolvimento e relevo.

O pensamento do Espírito agente é uno em seu principio de emissão, mas varia em suas manifestações, segundo o estado mais ou menos perfeito dos instrumentos que emprega. Cada médium marca com o cunho de sua personalidade a inspiração que lhe vem de Mais Alto. Quanto mais cultivado e espiritualizado é o intelecto do "suje", tanto mais comprimidos são nele os instintos materiais e com tanto mais pureza e fidelidade será transmitido o pensamento superior.

A larga corrente de um rio não pode escoar-se atra­vés de um canal estreito. O Espírito inspiração não pode, semelhantemente, transmitir pelo organismo do médium senão aquelas de suas concepções que por ele puderam passar.

Por um grande esforço mental, sob a excitação de uma força externa, o médium poderá exprimir concepções superiores a seu próprio saber; mas, na expressão das idéias sugeridas, ir-se-á encontrar seus termos preferidos, seus modos de dizer habituais, ainda que o estimu­lante que nele atua lhe dê, por momentos, mais amplitude e elevação a linguagem.

Vemos, assim, quantas dificuldades, quantos obstá­culos opõe o organismo humano à transmissão fiel e com­pleta das concepções da alma e como é necessária uma longa preparação, uma educação prolongada para o tor­nar flexível e adaptá-lo às necessidades da Inteligência que o move. E isso não se aplica somente ao Espírito desencarnado que quer manifestar-se por meio de um intermediário mortal, mas também à própria alma encar­nada, cujas concepções profundas nunca conseguem vir plenamente à luz no plano terrestre, como o afirmam todos os homens de gênio e, particularmente, os compo­sitores e poetas.

A princípio, a inspiração é consciente; mas, desde que a ação do Espírito se acentua, o médium acha-se sob a influência de uma força que o faz agir independente­mente de sua vontade; ou, então, invade-o uma espécie de peso; velam-se-lhe os olhos e perde a consciência de si mesmo para passar a um domínio invisível. Neste caso, o médium não é mais do que um instrumento, um apa­relho de recepção e transmissão. Qual máquina que obe­dece à corrente elétrica que a põe em movimento, assim também obedece o médium à corrente de pensamentos que o invade.

No exercício da mediunidade intuitiva no estado de vigília, muitos desanimam diante da impossibilidade de distinguir as idéias que nos são próprias das que nos sugeridas. Cremos, todavia, que é fácil reconhecer as idéias de proveniência estranha. Brotam espontanea­mente, de improviso, como clarões súbitos que derivam de foco desconhecido; ao passo que nossas idéias pes­soais, as que provêm do nosso cabedal, estão sempre à nossa disposição e ocupam de maneira permanente nosso intelecto. somente as idéias inspiradas surgem como por encanto, mas seguem, encadeiam-se por si mesmas e exprimem-se com rapidez, às vezes de maneira febril.

Quase todos os autores, escritores, oradores e poetas são médiuns em certos momentos; têm a intuição de uma assistência oculta que os inspira e participa de seus tra­balhos. Eles mesmos assim o confessam nas horas de expansão.

Thomas Paine escrevia:

"Ninguém há que, tendo-se ocupado com os progressos do espírito humano, não tenha feito a observação de que há duas classes bem distintas do a que se chama Idéias ou Pen­samentos : os que em nós mesmos se produzem pela reflexão e os que de per si se precipitam em nosso espírito. Tomei para mim como regra acolher sempre com cortesia estes visitantes inesperados e investigar, com todo o cuidado de que era capaz, se eles mereciam a minha atenção. Declaro que é a estes hóspedes estranhos que devo todos os conhecimentos que possuo."

Emerson fala do fenômeno da inspiração nos seguin­tes termos:

"Os pensamentos não me vêm sucessivamente como num problema de Matemática, mas penetram de per si em meu intelecto, como um relâmpago que brilha na escuridão da noite. A verdade aparece-me, não pelo raciocínio, mas por intuição."

A rapidez com que Walter Scott, "o bardo d'Aven", escrevia seus romances, era motivo de assombro para seus contemporâneos. A explicação do fato é ele mesmo quem a dá

"Vinte vezes encetei o trabalho depois de ter delineado o plano e nunca me foi possível segui-lo. Meus dedos tra­balham independentes de meu pensamento. Foi assim que, depois de ter escrito o segundo volume de Woodstock, não tinha a menor idéia de que a história desenrolar-se-ia numa catástrofe no terceiro volume."

Falando de "L'Antiquaire", diz também

"Eu tenho um plano geral, mas, logo que pego na pena, ela corre com muita rapidez sobre o papel, a ponto que muitas vezes sou tentado a deixá-la correr sozinha para ver se não escreverá tão bem como quando é guiada por meu pensa­mento."

Novalis, cujos "Fragments" e "Disciples de Saïs" ficarão entre os mais poderosos esforços do espírito hu­mano, escrevia:

"Parece ao homem que ele está empenhado numa con­versa e que algum ser desconhecido e espiritual o determina, de maneira maravilhosa, a desenvolver os pensamentos mais evidentes. Esse ente deve ser superior e homogêneo, porque se põe em relação com o homem de tal maneira que não é possível a um ser sujeito aos fenômenos."

Convém lembrar também a célebre inspiração de Jean-Jacques Rousseau descrita por ele próprio e que, por assim dizer, ficou clássica:

"Eu ia ver Diderot, prisioneiro em Vincennes. Tinha no bolso um Mercure de France, que me pus a folhear durante o caminho. Deparou-se-me a questão da Academia de Dijon,que motivou meu primeiro escrito. Se jamais alguma coisa se pareceu com uma inspiração sutil, foi o movimento que se operou em mim com esta leitura. De repente senti o espí­rito deslumbrado por mil luzes. Multidões de idéias vivas apresentam-se ao mesmo tempo com uma força e uma confiança que me lançaram numa perturbação inexprimível. Sinto a cabeça tomada de um atordoamento semelhante ã embriaguez. Oprime-me e anseia-me o peito violenta palpitarão. Não me sendo possível caminhar por não poder respigar, deixo-me cair debaixo de uma árvore da avenida e passo ali meia hora em tal agitação que, ao levantar-me, vi mo­lhada de lágrimas toda a frente do paletó sem ter percebido que houvesse chorado. Oh! Se alguma, vez me tivesse sido possível escrever a quarta parte do que vi debaixo daquela árvore, com que clareza teria feito ver todas as contradições do sistema social, com que força teria exposto todos os abusos de nossas instituições, com que simplicidade teria demons­trado que o homem é naturalmente bom. .. Tudo o que pude reter daquela massa de grandes verdades que, dentro de um quarto de hora, me iluminaram debaixo daquela árvore, foi facilmente disseminado em meus três principais escritos, a saber: este primeiro discurso, o da Desigualdade e o Tratado da Educação... Tudo mais se perdeu e não houve, escrito no próprio lugar, senão a prosopopéia de Fabrícius."

O caso de inspiração mediúnica mais extraordinário, talvez, das tempos modernos é o de Andrew Jackson Davis, chamado também "o vidente de Poughkeepsie".

Esta personagem aparece ao alvorecer do Neo-Espiritua­lismo americano como uma espécie de apóstolo de forte relevo. Graças a uma faculdade que não teve rival, pôde exercer irresistível influência em sua época e em seu país.

Extratamos os seguintes pormenores da obra da Sra. Emma Harding, intitulada "Espiritualismo America­no Moderno":

"Na idade de 15 anos o jovem Davis tornou-se, primeira­mente, célebre em Nova Iorque e no Connecticut por sua habi­lidade em diagnosticar as doenças e prescrever remédios, graças a uma admirável faculdade de clarividência. De temperamento franzino e delicado, o jovem médium possuía um grau de cultura intuitiva que compensava a ausência total de educação e uma facilidade de apresentação que não era de se esperar de sua origem muito humilde, porque era filho e aprendiz de um pobre sapateiro da terra.

Havia sido por acaso magnetizado aos 14 anos por um certo Levingston, de Poughkeepsie, que, descobrindo que o aprendiz de sapateiro possuía admiráveis faculdades de clarividência e um dom extraordinário para curar as doenças tirou da loja fez sócio.

Desde que o acaso fizera Levingston descobrir os dons maravilhosos do jovem Davis, o tempo deste último fora tão bem empregado que nem naquele momento, nem em época de sua carreira, pode ter vagar de acrescentar uma letra ã sua instrução de campônio. A humildade de classe e os meios de seus pais privaram-no de toda probabilidade de cultura, salvo durante cinco meses em que freqüentou a escola da aldeia e os rudes camponeses dos distritos atrasados.

A celebridade extraordinária a que chegou tornou públi­cas as menores particularidades de sua infância. Está, pois, averiguado que sua mais alta ciência, na época que se pode dizer de sua iluminação espiritual, limitava-se a saber ler, escrever e contar sofrivelmente, e toda a sua literatura se resumia num conto chamado Les toes esPagnoles.

Davis tinha 18 anos quando anunciou, ao círculo de admi­radores a quem interessava sua clarividência, que ia ser ins­trumento de uma nova e admirável fase de poder espiritual, começando por uma série de conferências destinadas a pro­duzir considerável efeito no mundo científico e nas opiniões religiosas da Humanidade.

Em cumprimento desta profecia, começou ele o curso de suas conferência e escolheu para magnetizador o Dr. Lyon de Bridgeport, para secretário o Rev. William Fishbough para testemunhas especiais o Rev. J. N. Parcker, R. Laphám, Esq. e o Dr. L. Smith, de Nova Iorque. Além destas, muitas Outras pessoas de alta posição ou de extensos conhecimentos literários e científicos eram convidadas de vez em quando a assistir àquelas conferencia. Assim se produziu a vasta miscelânea de conhecimentos literários, científicos, filosóficos e históricos, intitulada Divinas Revelações da Natureza.

O caráter maravilhoso desta obra, emanada de pessoa tão inteiramente incapaz de produzi-la nas circunstancia ordinárias, excitou a mais profunda admiração em todas as classes sociais.

As Revelações não tardaram a seguir-se ; Grande Amônia, A Idade Presente e a Interior.

Outras volumosas produções, juntas as conferências de Davis, a seus trabalhos de editor, e grupo e à sua larga influencia pessoal, realizaram uma revolução completa nos Estados Unidos, nos espíritos de numerosa classe de pensadores chamados os advogados da filosofia harmônica, e esta revolução deve incontestavelmente sua origem ao pobre aprendiz de sapateiro.

James Victor Wilson, de Nova Orleans, bem conhecido por seus trabalhos literários e autor de um excelente tratado de magnetismo, diz, falando das primeiras conferencia:

"Não tardará que Davis faça conhecer ao mundo a vi­tória da clarividência e será isto uma grande surpresa.

"No decurso do ano passado, este amável rapaz, sem educação, sem preparo, ditou dia a dia um livro extraordinário, bem concebido, bem ligado, tratando das grandes questões da época, das ciências físicas, da Natureza em todas as suas ramificações infinitas, do homem em seus inumeráveis modos de existência, de Deus no abismo insondável de seu amor, de sua sabedoria e de seu poder.

"Milhares de pessoas, que o viram em seus exames mé­dicos, ou em suas exposições cientificas, dão testemunho da admirável elevação de espírito que Davis possui no estado anormal. Seus manuscritos foram muitas vezes submetidos à investigação das mais altas inteligências do Pais, que se certificaram, da maneira mais profunda, da impossibilidade de ele ter adquirido os conhecimentos de que dava prova no estado anormal. O resultado mais claro da vida desta perso­nagem fenomenal foi a demonstração da clarividência e a gloriosa revelação de que a alma do homem pode comunicar espiritualmente com os Espíritos do outro mundo, como com os deste, e aspirar a adquirir conhecimentos que se estendem muito além da esfera terrestre."

*

Falamos incidentemente do método a seguir para o desenvolvimento dos sentidos psíquicos. Consiste em in­sular-se uma pessoa em certas horas do dia ou da noite, suspender a atividade dos sentidos externos, afastar de si as imagens e ruídos da vida externa, o que é possível fazer mesmo nas condições sociais mais humildes, no das ocupações mais vulgares. É necessário, para isso, con­centrar-se e, na calma e recolhimento do pensamento, fazer um esforço mental para ver e ler no grande livro misterioso o que há em nós. Nesses momentos apartai de vosso espírito tudo o que é passageiro, terrestre, va­riável. As preocupações de ordem material criam cor­rentes vibratórias horizontais, que põem obstáculo às radiações etéreas e restringem nossas percepções. Ao contrário, a meditação, a contemplação e o esforço cons­tante para o bem e o belo formam correntes ascensionais, que estabelecem a relação com os planos superiores e facilitam a penetração em nós dos eflúvios divinos. Com este exercício repelido e prolongado, o ser interno acha-se pouco a pouco iluminado, fecundado, regenerado. Esta obra de preparação é longa e difícil, reclama às vezes mais de uma existência. Por isso, nunca é cedo demais para empreendê-la ; seus bons efeitos não tardarão a se fazer sentir.

Tudo o que perderdes em sensações de ordem infe­rior, ganhá-lo-eis em percepções supraterrestres, em equilíbrio mental e moral, em alegrias do espírito. Vosso sentido íntimo adquirirá uma delicadeza, uma acuidade extraordinária; chegareis a comunicar um dia com as mais altas esferas espirituais. Procuraram as religiões constituir estes poderes por meio da comunhão e da prece; mas, a prece usada nas igrejas, conjunto de formulas aprendidas e repetidas mecanicamente durante horas inteiras, é incapaz de dar à alma o vôo necessário, de estabelecer o laço fluídico, o fio condutor pelo qual se estabelecerá a relação. É preciso um apelo, um impulso mais vigoroso, uma concentração, um recolhimento mais profundo. Por isso preconizamos sempre a prece improvisada, o grito da alma que, em sua fé e em seu amor, se lança com todas as forças acumuladas em si para o objeto de seu desejo.

Em vez de convidar por meio da evocação os Espíritos celestes a descerem para nós, aprenderemos assim a desprender-nos e subir para eles.

São, contudo, necessárias certas precauções. O mun­do invisível está povoado de entidades de todas as ordens e quem nele penetra deve possuir uma perfeição sufi­ciente, ser inspirado por sentimentos bastante elevados para o porem a salvo de todas as sugestões do mal. Pelo menos, deve ter em suas pesquisas um guia seguro e esclarecido. É pelo progresso moral que se obtém a autoridade, a energia necessária para impor o devido respeito aos Espíritos levianos e atrasados, que pululam em roda de nós.

A plena posse de nós mesmos, o conhecimento pro­fundo e tranqüilo das leis eternas, preservam-nos dos perigos, dos laços, das ilusões do Além ; proporcionam-nos os meios de examinar as forças em ação sobre o plano oculto.

XXII. - O livre-arbítrio

A liberdade é a condição necessária da alma huma­na que, sem ela, não poderia construir seu destino. em vão que os filósofos e os teólogos têm argumentado lon­gamente a respeito desta questão. A luta têm-na obscurecido com suas teorias e sofismas, votando a Humanidade à servidão em vez de a guiar para a luz libertadora. A noção é simples e clara. Os druidas ha­viam-na formulado desde os primeiros tempos de nossa História. Está expressa nas "Tríades" por estes termos Há três unidades primitivas - Deus, a luz e a liberdade.

Aprendera vista, a liberdade do homem parece muito limitada no círculo de fatalidades que o encerra: neces­sidades físicas, condições sociais, interesses ou instintos. Mas, considerando a questão mais de perto, vê-se que esta liberdade é sempre suficiente para permitir que a alma quebre este círculo e escape às forças opressoras.

A liberdade e a responsabilidade são correlativas no ser e aumentam com sua elevação ; é a responsabilidade do homem que faz sua dignidade e moralidade. Sem ela, não seria ele mais do que um autômato, um joguete das forças ambientes : a noção de moralidade é inseparável da de liberdade.

A responsabilidade é estabelecida pelo testemunho da consciência, que nos aprova ou censura segundo a natureza de nossos atos. A sensação do remorso é uma prova mais demonstrativa que todos os argumentos filo­sóficos. Para todo Espírito, por pequeno que seja o seu grau de evolução, a Lei do dever brilha como um farol, através da névoa das paixões e interesses. Por isso, vemos todos os dias homens nas posições mais humildes e difíceis preferirem aceitar provações duras a se abai­xarem a cometer atos indignos.

Se a liberdade humana é restrita, está, pelo menos em via de perfeito desenvolvimento, porque o progresso não é outra coisa mais do que a extensão do livre-arbí­trio no indivíduo e na coletividade. A luta entre a ma­téria e o espírito tem precisamente como objetivo libertar este último cada vez mais do jugo das forças cegas. A inteligência e a vontade chegam, pouco a pouco, a pre­dominar sobre o que a nossos olhos representa a fata­lidade. O livre-arbítrio é, pois, a expansão da personali­dade e da consciência. Para sermos livres é necessário querer sê-lo e fazer esforço para vir a sê-lo, libertando­-nos da escravidão da ignorância e das paixões baixas, substituindo o império das sensações e dos instintos pelo da razão.

Isto só se pode obter por uma educação e uma pre­paração prolongada das faculdades humanas: libertação física pela limitação dos apetites; libertação intelectual pela conquista da verdade ; libertação moral pela procura da virtude. É esta a obra dos séculos. Mas, em todos os graus de sua ascensão, na repartição dos bens e dos males da vida, ao lado da concatenação das coisas, sem prejuízo dos destinos que nosso passado nos inflige, há sempre lugar para a livre vontade do homem.

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Como conciliar nosso livre-arbítrio com a presciência divina? Perante o conhecimento antecipado que Deus tem de todas as coisas, pode-se verdadeiramente afirmara liberdade humana? Questão complexa e árdua na apa­rência que fez correr rios de tinta e cuja solução é, con­tudo, das mais simples. Mas, o homem não gosta das coisas simples; prefere o obscuro, o complicado, e não aceita a verdade senão depois de ter esgotado todas as formas do erro.

Deus, cuja ciência infinita abrange todas as coisas, conhece a natureza de cada homem e as impulsões, as tendências, de acordo com as quais poderá determinar-se. Nós mesmos, conhecendo o caráter de uma pessoa, pode­ríamos facilmente prever o sentido em que, numa dada circunstância, ela decidirá, quer segundo o interesse, quer segundo o dever. Uma resolução não pode nascer de nada. Está forçosamente ligada a uma série de causas e efei­tos anteriores de que deriva e que a explicam. Deus, conhecendo cada alma em suas menores particularidades, pode, pois, rigorosamente, deduzir, com certeza, do conhe­cimento que tem dessa alma e das condições em que ela é chamada a agir, as determinações que, livremente, ela tomará.

Notemos que não é a previsão de nossos atos que os provoca. Se Deus não pudesse prever nossas resoluções, não deixariam elas, por isso, de seguir seu livre curso.

É assim que a liberdade humana e a previdência divina conciliam-se e combinam, quando se considera o problema à luz da razão.

O círculo dentro do qual se exerce a vontade do homem, é, de mais a mais, excessivamente restrito e não pode, em caso algum, impedir a ação divina, cujos efeitos se desenrolam na imensidade sem limites. O fraco inseto, perdido num canto do jardim, não pode, desarranjando os poucos átomos ao seu alcance, lançar a perturbação na harmonia do conjunto e pôr obstáculos à obra do Di­vino Jardineiro.

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A questão do livre-arbítrio tem uma importância capital e graves conseqüências para toda a ordem social,por sua ação e repercussão na educação, na moralidade, na justiça, na legislação, etc. Determinou duas correntes opostas de opinião - os que negam o livre-arbítrio e os que o admitem com restrição.

Os argumentos dos fatalistas e deterministas resu­mem-se assim : "O homem está submetido aos impulsos de sua natureza, que o dominam e obrigam a querer, determinara-se num sentido, de preferência a outro ; logo, não é livre."

A escola adversa, que admite a livre vontade do homem, em face desse sistema negativo, exalta a teoria das causas indeterminadas. Seu mais ilustre represen­tante, em nossa época, foi Ch. Renouvier.

As vistas desse filósofo foram confirmadas, mais recentemente, pelos belos trabalhos de Wundt, sobre a percepção, de Alfred Fouillée sobre a idéia-força e de Boutroux sobre a contingência da lei natural.

Os elementos que a revelação neo-espiritualista nos traz, sobre a natureza e o futuro do ser, dão à teoria do livre-arbítrio sanção definitiva. Vêm arrancar a consciên­cia moderna à influência deletéria do materialismo e orientar o pensamento para uma concepção do destino, que terá por efeito, como dizia C. du Prel, recomeçar a vida interior da Civilização.

Até agora, tanto sob o ponto de vista teológico como determinista, a questão tinha ficado quase insolú­vel. Nem doutro modo podia ser, pois que cada um daque­les sistemas partia do dado inexato de que o ser humano tem de percorrer uma única existência. A questão muda, porém, inteiramente de aspecto se alargar o círculo da vida e se considerar o problema à luz que projeta a doutrina dos renascimentos. Assim, cada ser conquista a própria liberdade no decurso da evolução que tem de perfazer.

Suprida, a princípio, pelo instinto, que pouco a pouco desaparece para dar lugar à razão, nossa liberdade é muito escassa nos graus inferiores e em todo o período de nossa educação primária. Toma extensão considerável, desde que o Espírito adquire a compreensão da lei.

E sempre, em todos os graus de sua ascensão, na hora das resoluções importantes, será assistido, guiado, acon­selhado por Inteligências superiores, por Espíritos maio­res e mais esclarecidos do que ele.

O livre-arbítrio, a livre vontade do Espírito exer­ce-se principalmente na hora das reencarnações. Esco­lhendo tal família, certo meio social, ele sabe de antemão quais são as provações que o aguardam, mas compreende, igualmente, a necessidade destas provações para desen­volver suas qualidades, curar seus defeitos, despir seus preconceitos e vícios. Estas provações podem ser tam­bém conseqüência de um passado nefasto, que é preciso reparar, e ele aceita-as com resignação e confiança, porque sabe que seus grandes irmãos do Espaço não 0 abandonarão nas horas difíceis.

O futuro aparece-lhe então, não em seus pormeno­res, mas em seus traços mais salientes, isto é, na medida em que esse futuro é a resultante de atos anteriores. Estes atos representam a parte de fatalidade ou "a pre­destinação" que certos homens são levados a ver em todas as vidas. São simplesmente, como vimos, efeitos ou reações de causas remotas. Na realidade, nada há de fatal e, qualquer que seja o peso das responsabilidades em que se tenha incorrido, pode-se sempre atenuar, mo­dificar a sorte com obras de dedicação, de bondade, de caridade, por um longo sacrifício ao dever.

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O problema do livre-arbítrio tem, dizíamos, grande importância sob o ponto de vista jurídico. Tendo, não obstante, em conta o direito de repressão e preservação social, é muito difícil precisar, em todos os casos que dependem dos tribunais, a extensão das responsabilida­des individuais. Não é possível fazê-lo senão estabele­cendo o grau de evolução dos criminosos. O neo-espiri­tualismo fornecer-nos-ia talvez os meios; mas, a justiça humana, pouco versada nestas matérias, continua a ser cega e imperfeita em suas decisões e sentenças.

Muitas vezes o mau, o criminoso não é, na realidade, mais do que um Espírito novo e ignorante em que a razão não teve tempo de amadurecer. "O crime, diz Duclos, é sempre o resultado dum falso juízo." É par isso que as penalidades infligidas deveriam ser estabelecidas de modo que obrigassem o condenado a refletir, a ins­truir-se, a esclarecer-se, a emendar-se. A sociedade deve corrigir com amor e não com ódio, sem o que se torna criminosa.

As almas, como demonstramos, são equivalentes em seu ponto de partida. São diferentes por seus graus infinitos de adiantamento : umas novas ; outras velhas, e, por conseguinte, diversamente desenvolvidas em mora­lidade e sabedoria, segundo a idade. Seria injusto pedir ao Espírito infantil méritos iguais aos que se podem esperar de um Espírito que viu e aprendeu muito. Daí uma grande diferenciação nas responsabilidades.

O Espírito só está verdadeiramente preparado para a liberdade no dia em que as leis universais, que lhe são externas, se tornem internas e conscientes pelo fato de sua evolução. No dia em que ele se penetrar da lei e fizer dela a norma de suas ações, terá atingido ponto moral em que o homem se possui, domina e go­verna a si mesmo.

Daí em diante já não precisará do constrangimento e da autoridade sociais para corrigir-se. E dá-se com a coletividade o que se dá com o indivíduo. Um povo só verdadeiramente livre, digno da liberdade, se aprendeu a obedecer a essa lei interna, lei moral, eterna e univer­sal, que não emana nem do poder de uma casta, nem da vontade das multidões, mas de um Poder mais alto. Sem a disciplina moral que cada qual deve impor a si mesmo, as liberdades não passam de um logro ; tem-se a aparên­cia, mas não os costumes de um povo livre. A sociedade fica exposta pela violência de suas paixões, e a intensi­dade de seus apetites, a todas as complicações, a todas as desordens.

Tudo o que se eleva para a luz eleva-se para a liber­dade. Esta se expande plena e inteira na vida superior.

A alma sofre tanto mais o peso das fatalidades mate­riais, quanto mais atrasada e inconsciente é, tanto mais livre se torna quanto mais se eleva e aproxima do divino.

No estado de ignorância, é uma felicidade para ela estar submetida a uma direção. Mas, quando sábia e per­feita, goza da sua liberdade na luz divina.

Em tese geral, todo homem chegado ao estado de razão é livre e responsável na medida do seu adianta­mento. Passo em claro os casos em que, sob o domínio de uma causa qualquer, física ou moral, doença ou obses­são, o homem perde o uso de suas faculdades. Não se pode desconhecer que o físico exerce, às vezes, grande influência sobre o moral; todavia, na luta travada entre ambos, as almas fortes triunfam sempre. Sócrates dizia que havia sentido germinar em si os instintos mais per­versos e que os domara. Havia neste filósofo duas cor­rentes de forças contrárias, uma orientada para o mal, outra para o bem. Era a última que predominava. Há também causas secretas, que muitas vezes atuam sobre nós. As vezes a intuição vem combater o raciocínio, im­pulsos partidos da consciência profunda nos determinam num sentido não previsto. Não é a negação do livre-arbí­trio; é a ação da alma em sua plenitude, intervindo no curso de seus destinos, ou, então, será a influência de nossos Guias invisíveis, que se exerce e nos impele no sentido do plano divino, a intervenção de uma Inteligên­cia que, vindo de mais longe e mais alto, procura arran­car-nos às contingências inferiores e levar-nos para as cumeadas. Em todos estes casos, porém, é só nossa von­tade que rejeita ou aceita e decide em última instância.

Em resumo, em vez de negar ou afirmar o livre­-arbítrio, segundo a escola filosófica a que se pertença, seria mais exato dizer: "O homem é o obreiro de sua libertação." O estado completo de liberdade atinge-o no cultivo íntimo e na valorização de suas potências ocultas. Os obstáculos acumulados em seu caminho são meramente meios de o obrigar a sair da indiferença e a utili­zar suas forças latentes. Todas as dificuldades materiais podem ser vencidas.

Somos todos solidários e a liberdade de cada um liga-se à liberdade dos outros.

Libertando-se das paixões e da ignorância, cada ho­mem liberta seus semelhantes. Tudo o que contribui para dissipar as trevas da inteligência e fazer recuar o mal,torna a Humanidade mais livre, mais consciente de si mesma, de seus deveres e potências.

Elevemo-nos, pois, à consciência do nosso papel e fim, e seremos livres. Asseguraremos com os nossos es­forços, ensinamentos e exemplos a vitória da vontade assim como do bem e, em vez de formarmos seres pas­sivos, curvados ao jugo da matéria, expostos à incerteza e inércia, teremos feito almas verdadeiramente livres, soltas das cadeias da fatalidade e pairando acima do mundo pela superioridade das qualidades conquistadas.

XXIII. - O Pensamento

O pensamento é criador. Assim como o pensamento do Eterno projeta sem cessar no espaço os germens dos seres e dos mundos, assim também o do escritor, do ora­dor, do poeta, do artista, faz brotar incessante flores­cência de idéias, de obras, de concepções, que vão in­fluenciar, impressionar para o bem ou para o mal, se­gundo sua natureza, a multidão humana.

Aqui a missão dos obreiros do pensamento é ao mesmo tempo grande, temível e sagrada.grande e sagrada, porque o pensamento dissipa as sombras do caminho, resolve os enigmas da vida e traça o caminho da Humanidade ; é a sua chama aquece as almas e ilumina os desertos da existência. temível, porque seus efeitos são poderosos tanto para a descida como para a ascensão.

Mais cedo ou mais tarde todo produto do espírito reverte para seu autor com suas conseqüências, acarre­tando-lhe, segundo o caso, o sofrimento, uma diminuição,uma privação de liberdade, ou, então, satisfações íntimas, uma dilatação, uma elevação do ser.

A vida atual é, como se sabe, um simples episódio de nossa longa história, um fragmento da grande cadeia que se desenrola para todos através da imensidade. E constantemente recaem sobre nós, em brumas ou clari­dades, os resultados de nossas obras. A alma humana percorre seu caminho cercada de uma atmosfera brilhan­te ou turva, povoada pelas criações de seu pensamento. isto, na vida do Além, sua glória ou sua vergonha.

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Para dar ao pensamento toda a força e amplitude, nada há mais eficaz do que a investigação dos grandes problemas.

Por bem dizer, é preciso sentir com veemência; para saborear as sensações elevadas e profundas, é necessário remontar à nascente de que deriva toda a vida, toda a harmonia, toda a beleza.

O que há de nobre e elevado no domínio da inteli­gência emana de uma causa eterna, viva e pensante. Quanto mais largo é o vôo do pensamento para essa causa, tanto mais alto ela paira, tanto mais radiosas também são as claridades entrevistas, mais inebriantes as alegrias sentidas, mais poderosas as forças adquiridas, mais geniais as inspirações! Depois de cada vôo, o pensamento torna a descer vivificado, esclarecido para o campo terrestre, a fim de prosseguir a tarefa pela qual continuará a desenvolver-se, porque é o trabalho que faz a inteligência como é a inteligência que faz a beleza, o esplendor da obra acabada.

Eleva teu olhar, ó pensador, ó poeta! Lança teu brado de apelo, de aspiração e prece! Diante do mar de reflexos variáveis, à vista de brancos cimos longínquos ou do infinito estrelado, não passaste nunca horas de êxtase e embriaguez, em que a alma se sente imersa num sonho divino, em que a inspiração chega poderosa como um relâmpago, rápido mensageiro do Céu à Terra?

Escuta bem ! Nunca ouviste, no fundo de teu ser, vibrarem as harmonias estranhas e confusas, os rumores do mundo invisível, vozes de sombra que te acalentam pensamento e o preparam para as intuições supremas?

Em todo poeta, artista ou escritor há germens de mediocrdade inconsciente, incalculáveis, e que desejam desabrochar; por eles o obreiro do pensamento entra com o manancial inexorável e recebe sua parte de revelação. Esta revelação de estética, apropriada à sua natureza, ao gênero de seu talento, tem ele por missão exprimi-la em obras que farão penetrar na alma das multidões uma vibração das forças divinas, uma radiação das verdades eternas.

É na comunhão freqüente e consciente com o mundo dos Espíritos que os gênios do futuro hão de encontrar os elementos de suas obras. Desde hoje, a penetração dos segredos de sua dupla vida vem oferecer ao homem socorros e luzes que as religiões desfalecidas já lhe não podem proporcionar.

Em todos os domínios, a idéia espírita vai fecundar o pensamento em atividade.

A Ciência dever-lhe-á a renovação completa de suas teorias e métodos. Dever-lhe-á a descoberta de forças incalculáveis e a conquista do universo oculto. A Filo­sofia obterá um conhecimento mais extenso e preciso da personalidade humana. Esta, no transe e na exterioriza­ção, é como uma cripta que se abre, cheia de coisas estra­nhas e onde está escondida a chave do mistério do ser.

As religiões do futuro hão de encontrar no Espiri­tismo as provas da sobrevivência e as regras da vida no Além, ao mesmo tempo que o princípio de uma união das duas humanidades, visível e invisível, em sua ascensão para o Pai comum.

A Arte, em todas as suas formas, descobrirá nele mananciais inexauríveis de inspiração e emoção.

O homem do povo, nas horas de cansaço, beberá nele a coragem moral. Compreenderá que a alma pode desen­volver-se tanto pela lide humilde como pela obra majes­tosa e que não se deve desprezar dever algum ; que a inveja é irmã do ódio e que, muitas vezes, o ser é menos feliz no luxo que na mediocridade. O poderoso aprenderá nele a bondade com o sentimento da solidariedade que a todos liga através de nossas vidas e pode obrigar-nos voltar pequenos para adquirirmos as virtudes modes­tas. O céptico achará nele a fé; o desanimado as espe­ranças duradouras e as resoluções viris; todos os que sofrem encontrarão a idéia profunda de que uma lei de justiça preside a todas as coisas, de que não há, em nenhum domínio, efeito sem causa, parto sem dor, vitó­ria sem combate, triunfo sem rudes esforços, mas que, acima de tudo, reina uma perfeita e majestosa sanção e que ninguém está abandonado por Deus, de que é uma parcela.

Assim, vagarosamente se operará a renovação da Humanidade, tão nova ainda, tão ignorante de si mesma, mas cujos desejos se dirigem pouco a pouco para a com­preensão de sua tarefa e de seu fim, ao mesmo tempo que se alarga seu campo de exploração e a perspectiva de um futuro ilimitado. E em breve eis que ela avançará mais consciente de si mesma e de sua força, consciente de seu magnífico destino. A cada passo que transpõe, vendo e querendo mais, sentindo brilhar e avivar-se o foco que arde em si, vê também as trevas recuarem, fun­direm-se, resolverem-se os sombrios enigmas do mundo e iluminar-se o caminho com um raio poderoso.

Com as sombras, desvanecem-se pouco a pouco os preconceitos, os vãos terrores; as contradições aparentes do Universo dissipam-se; faz-se a harmonia nas almas nas coisas. Então, a confiança e a alegria penetram­-lhe e o homem sente desenvolver-se-lhe o pensamento e o coração. E de novo avança pelo caminho das idades para o termo de sua obra; mas, esta não tem termo. Porque, de cada vez que a Humanidade se eleva para um novo ideal, julga ter alcançado o ideal supremo, quando, na realidade, só atingiu a crença ou o sistema correspondente ao seu grau de evolução. Mas, de cada vez também, de seus impulsos e de seus triunfos decorrem­-lhe felicidades e forças novas, e ela encontra a recom­pensa de seus labores e angústias no próprio labor, na alegria de viver e progredir, que é a lei dos seres, comunhão mais íntima com o Universo, numa posse mais completa do Bem e do Belo.

Os , poetas, vós, cujo número au­menta todos os dias, cujas produções se multiplicam e sobem como a maré, belas muitas vezes pela forma, mas fracas no fundo, superficiais e materiais, quanto talento não gastais com coisas medíocres! Quantos esforços des­perdiçados e postos ao serviço de paixões nocivas, de volúpias inferiores e interesses vis!

Quando vastos e magníficos horizontes se desdo­bram, quando o livro maravilhoso do Universo e da alma se abre de par em par diante de vós e o Gênio do pensa­mento vos convida para nobres tarefas, para obras cheias de seiva, fecundas para o adiantamento da Humanidade, vós vos comprazeis bastas vezes com estudos pueris e estéreis, com trabalhos em que a consciência se estiola, em que a inteligência se abate e definha no culto exage­rado dos sentidos e dos instintos impuros.

Quem de vós dirá a epopéia da alma lutando pela conquista de seus destinos no ciclo imenso das idades e dos mundos, suas dores e alegrias, suas quedas e levan­tamentos, a descida aos abismos da vida, o bater de asas para a luz, as imolações, os holocaustos que são um res­gate, as missões redentoras, a participação cada vez maior das concepções divinas!

Quem dirá também as poderosas harmonias do Uni­verso, harpa gigantesca vibrando ao pensamento de Deus, o canto dos mundos, o ritmo eterno que embala a gênese dos astros e das humanidades! Ou, então, a lenta elabo­ração, a dolorosa gestação da consciência através dos estádios inferiores, a construção laboriosa de uma indi­vidualidade, de um ser moral!

Quem dirá a conquista da vida, cada vez mais com­pleta, mais ampla, mais serena, mais iluminada pelos raios do Alto, a marcha, de cimo em cimo, em busca da felicidade, do poder e do puro amor? Quem cantará a obra do homem, lutador imortal, erguendo, através de suas dúvidas, dilaceramentos, angústias e lágrimas o edi­fício harmônico e sublime de sua personalidade pensante e consciente ? Sempre para a frente, para mais longe e para mais alto! Responderão: Não sabemos. E perguntam: Quem nos ensinará essas coisas?

Quem? As vozes interiores e as vozes do Além. Aprendei a abrir, a folhear, a ler o livro oculto em vós, o livro das metamorfoses do ser. Ele vos dirá o que fostes e o que sereis, ensinar-vos-á o maior dos mistérios, a criação do "eu" pelo esforço constante, a ação sobe­rana que, no pensamento silencioso, faz germinar a obra e, segundo vossas aptidões, vosso gênero de talento, far-vos-á pintar as telas mais encantadoras, esculpir as mais ideais formas, compor as sinfonias mais harmonio­sas, escrever as páginas mais brilhantes, realizar os mais belos poemas.

Tudo está aí, em vós, em roda de vós. Tudo fala, tudo vibra, o visível e o invisível, tudo canta e celebra a glória de viver, a ebriedade de pensar, de criar, de associar-se à obra universal. Esplendores dos mares e do céu estrelado, majestade dos cimos, perfumes das flores­tas, melodias da terra e do espaço, vozes do invisível que falam no silêncio da noite, vozes da consciência, eco da voz divina, tudo é ensino e revelação para quem sabe ver, escutar, compreender, pensar, agir !

Depois, acima de tudo, a Visão Suprema, a visão sem formas, o Pensamento incriado, verdade total, harmonia final das essências e das leis que, desde o fundo de nosso ser até a estrela mais distante, liga tudo e todos em sua unidade resplandecente. ~ a cadeia de vida, que se eleva e desenrola no Infinito, escada das potências espirituais que levam a Deus os apelos do homem pela oração e trazem ao homem as respostas de Deus pela inspiração.

Agora, uma última pergunta. Por que é que, no meio do imenso labor e da abundante produção intelectual que caracterizam nossa época, se encontram tão poucas obras viris e concepções geniais ? Porque deixamos de ver as coisas divinas com os olhos da alma! Porque deixamos de crer e amar!

Remontemos, pois, às origens celestes e eternas; é o único remédio para nossa anemia moral. Dirijamos pensamento para as coisas solenes e profundas. Ilumi­ne-se e complete-se a Ciência com as intuições da cons­ciëncia e as faculdades superiores do espírito. O Espiri­tualismo moderno a auxiliará.

XXIV. - A disciplina do pensamento e a reforma do caráter

O pensamento, dizíamos, é criador. Não atua somen­te em roda de nós, influenciando nossos semelhantes para o bem ou para o mal; atua principalmente em nós; gera nossas palavras, nossas ações e, com ele, construímos, dia a dia, o edifício grandioso ou miserável de nossa vida presente e futura. Modelamos nossa alma e seu invólucro com os nossos pensamentos; estes produzem formas, ima­gens que se imprimem na matéria sutil, de que o corpo fluídico é composto. Assim, pouco a pouco, nosso ser povoa-se de formas frívolas ou austeras, graciosas ou terríveis, grosseiras ou sublimes; a alma se enobrece, em­beleza ou cria uma atmosfera de fealdade. Segundo ideal a que visa, a chama interior aviva-se ou obscurece-se.

Não há assunto mais importante que o estudo do pensamento, seus poderes e ação. É a causa inicial de nossa elevação ou de nosso rebaixamento; prepara todas as descobertas da Ciência, todas as maravilhas da Arte, mas também todas as misérias e todas as vergonhas da Humanidade. Segundo o impulso dado, funda ou destrói as instituições como os impérios, os caracteres como as consciências. O homem só é grande, só tem valor pelo seu pensamento; por ele suas obras irradiam e se perpetuam através dos séculos. O Espiritualismo experimental, muito melhor que as doutrinas anteriores, permite-nos perce­ber, compreender toda a força de projeção do pensamen­to, que é o princípio da comunhão universal. Vemo-lo agir no fenômeno espírita, que facilita ou dificulta; seu papel nas sessões de experimentação é sempre considerável. A Telepatia demonstrou-nos que as almas podem impres­sionar-se, influenciar-se a todas as distâncias; é o meio de que se servem as humanidades do Espaço para comunicarem entre si através das imensidades siderais. Em qualquer campo das atividades sociais, em todos os do­mínios do mundo visível ou invisível, a ação do pensa­mento é soberana; não é menor sua ação, repetimos, em nós mesmos, modificando constantemente nossa natureza íntima.

As vibrações de nossos pensamentos, de nossas pa­lavras, renovando-se em sentido uniforme, expulsam de nosso invólucro os elementos que não podem vibrar em harmonia com elas; atraem elementos similares que acentua as tendências do ser. Uma obra, muitas vezes in­consciente, elabora-se; mil obreiros misteriosos traba­lham na sombra; nas profundezas da alma esboça-se um destino inteiro; em sua ganga o diamante purifica-se ou perde o brilho.

Se meditarmos em assuntos elevados, na sabedoria, no dever, no sacrifício, nosso ser impregna-se, pouco a pouco, das qualidades de nosso pensamento. E por isso que a prece improvisada, ardente, o impulso da alma para as potências infinitas, tem tanta virtude. Nesse diálogo solene do ser com sua causa, o influxo do Alto invade­-nos e desperta sentidos novos. A compreensão, a cons­ciência da vida aumenta e sentimos, melhor do que se pode exprimir, a gravidade e a grandeza da mais humilde das existências. A oração, a comunhão pelo pensamento com o universo espiritual e divino é o esforço da alma para a Beleza e para a Verdade eternas; é a entrada, por um instante, nas esferas da vida real e superior, aquela que não tem termo.

Se, ao contrário, nosso pensamento é inspirado por maus desejos, pela paixão, pelo ciúme, pelo ódio, as ima­gens que cria sucedem-se, acumulam-se em nosso corpo fluídico e o entenebrecem. Assim, podemos à vontade fazer em nós a luz ou a sombra. o que afirmam tantas comunicações de além-túmulo. Somos o que pensamos, com a condição de pensarmos com força, vontade e per­sistência. Mas, quase sempre, nossos pensamentos pas­sam constantemente de um a outro assunto. Pensamos raras vezes por nós mesmos, refletimos os mil pensa­mentos incoerentes do meio em que vivemos. Poucos homens sabem viver do próprio pensamento, beber nas fontes profundas, nesse grande reservatório de inspira­ção que cada um traz consigo, mas que a maior parte ignora. Por isso criam um invólucro povoado das mais disparatadas formas. Seu Espírito é como uma habitação franca a todos os que passam. Os raios do bem e as sombras do mal lá se confundem, num caos perpétuo. o combate incessante da paixão e do dever em que, quase sempre, a paixão sai vitoriosa. Primeiro que tudo, é pre­ciso aprender a fiscalizar os pensamentos, a discipli­ná-los, a imprimir-lhes uma direção determinada, um fim nobre e digno.

A fiscalização dos pensamentos implica a fiscaliza­ção dos atos, porque, se uns são bons, os outros sê-lo-ão igualmente, e todo o nosso procedimento achar-se-á regu­lado por uma concatenação harmônica. Ao passo que, se nossos atos são bons e nossos pensamentos maus, apenas haverá uma falsa aparência do bem e continuaremos a trazer em nós um foco malfazejo, cujas influências, mais cedo ou mais tarde, derramar-se-ão fatalmente sobre nossa vida.

As vezes observamos uma contradição surpreendente entre os pensamentos, os escritos e as ações de certos homens, e somos levados, por esta mesma contradição, a duvidar de sua boa-fé, de sua sinceridade. Muitas vezes não há mais do que uma interpretação errônea de nossa parte. Os atos desses homens resultam do impulso surdo dos pensamentos e das forças que eles acumularam em si no passado. Suas aspirações atuais, mais elevadas, seus pensamentos mais generosos traduzir-se-ão em atos no futuro. Assim, tudo se combina e explica quando se con­sideram as coisas do largo ponto de vista da evolução; ao passo que tudo fica obscuro, incompreensível, contra­ditório com a teoria de uma vida única para cada um de nós.

O contacto pelo pensamento com os escritores de gênio, com os autores verdadeiramente grandes de todos os tempos e países, lendo, meditando suas obras, impregnando todo o nosso ser da substância de sua alma. As radiações de seus pensamentos desper­tarão em nós efeitos semelhantes e produzirão, com o tempo, modificações de nosso caráter pela própria natu­reza das impressões sentidas.

E necessário escolhermos com cuidado nossas leitu­ras, depois amadurecê-las e assimilar-lhes a quintessên­cia. Em geral lê-se demais, lê-se depressa e não se medita. Seria preferível ler menos e refletir mais no que meio seguro de fortalecer nossa inteligência, de colher os frutos de sabedoria e beleza que podem conter nossas leituras. Nisso, como em todas as coisas, o belo atrai e gera o belo, do mesmo modo que a bondade atrai a felicidade, e o mal o sofrimento.

O estudo silencioso e recolhido é sempre fecundo para o desenvolvimento do pensamento. É no silêncio que se elaboram as obras fortes. A palavra é brilhante, mas degenera demasiadas vezes em conversas estéreis, às vezes maléficas; com isso, o pensamento se enfraquece e a alma esvazia-se. Ao passo que na meditação o Espírito se con­centra, volta-se para o lado grave e solene das coisas; a luz do mundo espiritual banha-o com suas ondas. Há em roda do pensador grandes seres invisíveis que só querem inspirá-lo ; é à meia-luz das horas tranqüilas ou então à claridade discreta da lâmpada de trabalho que melhor podem entrar em comunhão com ele. Em toda a parte e sempre uma vida oculta mistura-se com a nossa. Evi­temos as discussões ruidosas, as palavras vãs, as leituras frívolas. Sejamos sóbrios de jornais. A leitura dos jornais, fazendo-nos passar continuamente de um assunto para outro, torna o Espírito ainda mais instável. Vive­mos numa época de anemia intelectual, que é causada pela raridade dos estudos sérios, pela procura abusiva da palavra pela palavra, da forma enfeitada e oca, e, princi­palmente, pela insuficiência dos educadores da mocidade. Apliquemo-nos a obras mais substanciais, a tudo o que pode esclarecer-nos a respeito das leis profundas da vida e facilitar nossa evolução. Pouco a pouco, ir-se-ão edifi­cado em nós uma inteligência e uma consciência mais fortes, e nosso corpo fluídico iluminar-se-á com os reflexos de um pensamento elevado e puro.

Dissemos que a alma oculta profundezas onde o pen­samento raras vezes desce, porque mil objetos externos ocupam-no incessantemente. Sua superfície, como a do mar, é muitas vezes agitada; mas, por baixo, se estendem regiões inacessíveis às tempestades. Aí dormem as po­tências ocultas, que esperam nosso chamamento para emergirem e aparecerem. O chamamento raras vezes se faz ouvir e o homem agita-se em sua indigência, igno­rante dos tesouros inapreciáveis que nele repousam.

E necessário o choque das provações, as horas tris­tes e desoladas para fazer-lhe compreender a fragilidade das coisas externas e encaminhá-lo para o estudo de si mesmo, para a descoberta de suas verdadeiras riquezas espirituais.

É por isso que as grandes almas se enobrecem e embelezam tanto mais quanto mais vivas são suas dores. A cada nova desgraça que as fere têm a sensação de se haverem aproximado um pouco mais da verdade e da perfeição e, a este pensamento, experimentam uma como volúpia amarga. Levantou-se uma nova estrela no céu de seu destino, estrela cujos raios trêmulos penetram no santuário de sua consciência e lhe iluminam os recôndi­tos. Nas inteligências de cultura elevada faz sementeira a desgraça: cada dor é um sulco onde se levanta uma seara de virtude e beleza.

Em certas horas de nossa vida, quando nos morre nossa mãe, quando se desmorona uma esperança arden­temente acariciada, quando se perde a mulher, o filho amado, de cada vez que se despedaça um dos laços que nos ligavam a este mundo, uma voz misteriosa eleva-se nas profundezas de nossa alma, voz solene que nos fala de mil leis augustas, mais veneráveis que as da Terra e entreabre-se todo um mundo ideal. Mas, os ruídos do exterior abafam-na bem depressa e o ser humano recai quase sempre em suas dúvidas, em suas hesitações, na rara vulgaridade de sua existência.

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Não há progresso possível sem observação atenta de nós mesmos. necessário vigiar todos os nossos atos impulsivos para chegarmos a saber em que sentido de­vemos dirigir nossos esforços para nos aperfeiçoarmos. Primeiramente, regular a vida física, reduzir as exigên­cias materiais ao necessário, a fim de garantir a saúde do corpo, instrumento indispensável para o desempenho de nosso papel terrestre. Depois disciplinar as impres­sões, as emoções, exercitando-nos em dominó-las, em utili­zá-las como agentes de nosso aperfeiçoamento moral; aprender principalmente a esquecer, a fazer o sacrifício do "eu", a desprender-nos de todo o sentimento de egoís­mo. A verdadeira felicidade neste mundo está na pro­porção do esquecimento próprio.

Não basta crer e saber, é necessário viver nossa crença, isto é, fazer penetrar na prática diária da vida os princípios superiores que adotamos; é necessário habi­tuarmo-nos a comungar pelo pensamento e pelo coração com os Espíritos eminentes que foram os reveladores, com todas as almas de escol que serviram de guias à Huma­nidade, viver com eles numa intimidade cotidiana, inspi­rar-nos em suas vistas e sentir sua influência pela per­cepção íntima que nossas relações com o mundo invisível desenvolvem.

Entre estas grandes almas é bom escolher uma como exemplo, a mais digna de nossa admiração e, em todas as circunstâncias difíceis, em todos os casos em que nossa consciência oscila entre dois partidos a tomar, inquirir­mos o que ela teria resolvido e procedermos no mesmo sentido.

Assim, pouco a pouco, iremos construindo, de acordo com esse modelo, um ideal moral que se refletirá em todos os nossos atos. Todo homem, na humilde realidade de cada dia, pode ir modelando uma consciência sublime. A obra é vagarosa e difícil, mas, por isso, são-nos dados os séculos.

Concentremos, pois, muitas vezes, nossos pensamen­tos, para dirigi-los, pela vontade, em direção ao ideal sonhado. Meditemos nele todos os dias, à hora certa, de preferência pela manhã, quando tudo está sossegado e repousa ainda em roda de nós, nesse momento a que o poeta chama "a hora divina", quando a Natureza, fresca e descansada, acorda para as claridades do dia.

Nas horas matinais, a alma, pela oração e pela me­ditação, eleva-se com mais fácil impulso até às alturas donde se vê e compreende que tudo - a vida, os atos, os pensamentos - está ligado a alguma coisa grande e eterna e que habitamos um mundo em que potências invisíveis vivem e trabalham conosco. Na vida mais sim­ples, na tarefa mais modesta, na existência mais apagada, mostram-se, então, faces profundas, uma reserva de ideal, fontes possíveis de beleza. Cada alma pode criar com seus pensamentos uma atmosfera espiritual tão bela, tão resplandecente, como nas paisagens mais encantadoras; e, na morada mais mesquinha, no mais miserável tugúrio, há frestas para Deus e para o Infinito!

*

Em todas as nossas relações sociais, em nossas re­lações com os nossos semelhantes, é preciso nos lembre­mos constantemente disto : Os homens são viajantes em marcha, ocupando pontos diversos na escala da evolução pela qual todos subimos. Por conseguinte, nada devemos exigir, nada devemos esperar deles, que não esteja em relação com seu grau de adiantamento.

A todos devemos tolerância, benevolência e até per­dão; porque, se nos causam prejuízo, se escarnecem de nós e nos ofendem, é quase sempre pela falta de com­preensão e de saber, resultantes de desenvolvimento insu­ficiente. Deus não pede aos homens senão o que eles têm podido adquirir à custa de lentos e penosos trabalhos.

Não temos o direito de exigir mais. Não fomos seme­lhantes aos mais atrasados deles ? Se cada um de nós pudesse ler em seu passado o que foi, o que fez, quanto não seria maior nossa indulgência para com as faltas alheias! As vezes também carecemos da mesma indul­gência que lhes devemos. Sejamos severos conosco e tole­rantes com os outros. Instruamo-los, esclareçamo-los, guiemo-los com doçura, é o que a lei de solidariedade nos preceitua.

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Enfim, é preciso saber suportar todas as coisas com paciência e serenidade. Seja qual for o procedimento de nossos semelhantes para conosco, não devemos conceber nenhuma animosidade ou ressentimento; mas, ao contrário, saibamos fazer reverter em benefício de nossa própria educação moral todas as causas de aborrecimen­to e aflição. Nenhum revés poderia atingir-nos, se, por nossas vidas anteriores e culpadas, não tivéssemos dado margem à adversidade. É isto o que muitas vezes se deve repetir. Chegaremos, assim, a aceitar todas as provações sem amargura, considerando-as como reparação do pas­sado ou como meio de aperfeiçoamento.

De grau em grau chegaremos, assim, ao sossego de espírito, à posse de nós mesmos, à confiança absoluta no futuro, que dão a força, a quietação, a satisfação íntima, permitindo-nos ficar firmes no meio das mais duras vicissitudes.

Quando chega a idade, as ilusões e as esperanças vãs caem como folhas mortas; mas, as altas verdades apare­cem com mais brilho, como as estrelas no céu de inverno através dos ramos nus de nossos jardins.

Pouco importa, então, que o destino não nos tenha oferecido nenhuma glória, nenhum raio de alegria, se tiver enriquecido nossa alma com mais uma virtude, com alguma beleza moral. As vidas obscuras e atormentadas são, às vezes, as mais fecundas, ao passo que as vidas suntuosas nos prendem, bastas vezes e por muito tempo, na corrente formidável de nossas responsabilidades.

A felicidade não está nas coisas externas nem nos acasos do exterior, mas somente em nós mesmos, na vida interna que soubermos criar. Que importa que o céu esteja escuro por cima de nossas cabeças e os homens sejam ruins em volta de nós, se tivermos a luz na fronte, alegria do bem e a liberdade moral no coração? Se, porém, eu tiver vergonha de mim mesmo, se o mal tiver invadido meu pensamento, se o crime e a traição habi­tarem em mim, todos os favores e todas as felicidades da Terra não me restituirão a paz silenciosa e a alegria da consciência. O sábio cria, desde este mundo, para si mesmo, um refúgio seguro, um lugar sagrado, um retiro profundo onde não chegam as discórdias e as contrarie­dades do exterior. Do mesmo modo, na vida do Espaço a sanção do dever e a realização da justiça são de ordem inteiramente íntima; cada alma traz em si sua claridade ou sua sombra, seu paraíso ou seu inferno. Mas, lembre­mo-nos de que nada há irreparável; a situação atual do Espírito inferior não é mais que um ponto quase imper­ceptível na imensidade de seus destinos.

XXV. - O Amor

O amor, como comumente se entende na Terra, é um sentimento, um impulso do ser, que o leva para outro ser com o desejo de unir-se a ele. Mas, na realidade, o amor reveste formas infinitas, desde as mais vulgares até as mais sublimes. Princípio da vida universal, pro­porciona à alma, em suas manifestações mais elevadas e puras, a intensidade de radiação que aquece e vivifica tudo em roda de si ; é por ele que ela se sente estreita­mente ligada ao Poder Divino, foco ardente de toda a vida, de todo o amor.

Acima de tudo, Deus é amor. Por amor, criou os seres para associá-los às suas alegrias, à sua obra. O amor é um sacrifício; Deus hauriu nele a vida para dá-la às almas. Ao mesmo tempo que a efusão vital, elas receberiam o princípio afetivo destinado a germinar e expandir-se pela provação dos séculos, até que tenham aprendido a dar-se por sua vez, isto é, a dedicar-se, a

sacrificar-se pelas outras. Com este sacrifício, em vez de se amesquinharem, mais se engrandecem, enobrecem e aproximam do Foco Supremo.

O amor é uma força inexaurível, renova-se sem ces­sar e enriquece ao mesmo tempo aquele que dá e aquele que recebe pelo amor, sol das almas, que Deus mais eficazmente atua no mundo. Por ele atrai para si todos os pobres seres retardados nos antros da paixão, os Espí­ritos cativos na matéria; eleva-os e arrasta-os na espiral da ascensão infinita para os esplendores da luz e da liberdade.

O amor conjugal, o amor materno, o amor filial ou fraterno, o amor da pátria, da raça, da Humanidade, são refrações, raios refratados do amor divino, que abrange, penetra todos os seres, e, difundindo-se neles, faz rebentar e desabrochar mil formas variadas, mil esplêndidas florescências de amor.

Até às profundidades do abismo de vida, infiltram-se as radiações do amor divino e vão acender nos seres rudimentares, pela afeição à companheira e aos filhos, as primeiras claridades que, nesse meio de egoísmo feroz, serão como a aurora indecisa e a promessa de uma vida mais elevada.

É o apelo do ser ao ser, é o amor que provocará, no fundo das almas embrionárias, os primeiros rebentos do altruísmo, da piedade, da bondade. Mais acima, na escala evolutiva, entreverá o ser humano, nas primeiras felicidades, nas únicas sensações de ventura perfeita que lhe é dado gozar na Terra, sensações mais fortes e suaves que todas as alegrias físicas e conhecidas somente das almas que sabem verdadeiramente amar.

Assim, de grau em grau, sob a influência e irradia­ção do amor, a alma desenvolver-se-á e engrandecerá, verá alargar-se o círculo de suas sensações. Lentamente, o que nela não era senão paixão, desejo carnal, ir-se-á depurando, transformando num sentimento nobre e desin­teressado; a afeição a um só ou a alguns converter-se-á na afeição a todos, à família, à pátria, à Humanidade.

E a alma adquirirá a plenitude de seu desenvolvimento quando for capaz de compreender a vida celeste, que é toda amor, e a participar dela.

O amor é mais forte do que o ódio, mais poderoso do que a morte. Se o Cristo foi o maior dos missionários e dos profetas, se tanto império teve sobre os homens, foi porque trazia em si um reflexo mais poderoso do Amor Divino. Jesus passou pouco tempo na Terra; foram bas­tantes três anos de evangelização para que o seu domínio se estendesse a todas as nações. Não foi pela Ciência nem pela arte oratória que ele seduziu e cativou as mul­tidões; foi pelo amor! Desde sua morte, seu amor ficou no mundo como um foco sempre vivo, sempre ardente. Por isso, apesar dos erros e faltas de seus representantes, apesar de tanto sangue derramado por eles, de tantas fogueiras acesas, de tantos véus estendidos sobre seu ensino, o Cristianismo continuou a ser a maior das reli­giões; disciplinou, moldou a alma humana, amansou a índole feroz dos bárbaros, arrancou raças inteiras à sen­sualidade ou à bestialidade.

O Cristo não é o único exemplar a apresentar. Po­de-se, de um modo geral, verificar que das almas emi­nentes se desprendem radiações, eflúvios regeneradores, que constituem uma como atmosfera de paz, uma espécie de proteção, de providência particular. Todos aqueles que vivem sob esta benéfica influência moral sentem uma calma, um sossego de espírito, uma espécie de serenidade que dá um antegozo das quietações celestes. Esta sensação é mais pronunciada ainda nas sessões espíritas dirigidas e inspiradas por almas superiores; nós mesmos o experimentamos muitas vezes em presença das entida­des que presidem aos trabalhos do nosso grupo de Tours. (204)

Essas impressões vão-se encontrando cada vez mais vivas à medida que se afastam dos planos inferiores onde reinam as impulsões egoístas e fatais e se sobem os degraus da gloriosa hierarquia espiritual para aproxi­mar-se do Foco Divino ; pode-se assim verificar, por uma experiência que vem completar as nossas intuições, que cada alma é um sistema de força e um gerador de amor, cujo poder de ação aumenta com a elevação.

Por isto também se explicam e se afirmam a soli­dariedade e fraternidade universais. Um dia, quando a verdadeira noção do ser se desembaraçar das dúvidas e incertezas que obsidiam o pensamento humano, com­preender-se-á a grande fraternidade que liga as almas. Sentir-se-á que são todas envolvidas pelo magnetismo divino, pelo grande sopro de amor que enche os Espaços.

A parte este poderoso laço, as almas constituem também agrupamentos separados, famílias que se foram pouco a pouco formando através dos séculos, pela comu­nidade das alegrias e das dores. A verdadeira família é a do Espaço; a da Terra não é mais do que uma ima­gem daquela, redução enfraquecida, como o são as coisas deste mundo comparadas com as do Céu. A verdadeira família compõe-se dos Espíritos que subiram juntos as ásperas sendas do destino e são feitas para se compreen­derem e amarem.

Quem pode descrever os sentimentos ternos, íntimos, que unem esses seres, as alegrias inefáveis nascidas da fusão das inteligências e das consciências, a união das almas sob o sorriso de Deus?

Estes agrupamentos espirituais são os centros aben­çoados onde todas as paixões terrestres se apaziguam, onde os egoísmos se desvanecem, onde os corações se dilatam, onde vêm retemperar-se e consolar-se todos aqueles que têm sofrido, quando, livres pela morte, tor­nam a juntar-se com os bem-amados, reunidos para festejarem seu regresso.

Quem pode descrever os êxtases que proporciona às almas purificadas, que chegaram às cumeadas luminosas, a efusão nelas do amor divino e os noivados celestes pelos quais dois Espíritos se ligam para sempre no seio das famílias do Espaço, reunidas para consagrarem com um rito solene essa união simbólica e indestrutível ? Tal é o himeneu verdadeiro, o das almas irmãs, que Deus reúne eternamente com um fio de ouro. Com essas fes­tas do amor, os Espíritos que aprenderam a tornar-se livres e a usar de sua liberdade fundem-se num mesmo fluido, à vista comovida de seus irmãos. Daí em diante, seguirão uns aos outros em suas peregrinações através dos mundos; caminharão, de mãos dadas, sorrindo à des­graça e haurindo na ternura comum a força para su­portar todos os reveses, todas as amarguras da sorte. Algumas vezes, separados pelos renascimentos, conser­varão a intuição secreta de que seu insulamento é ape­nas passageiro; depois das provas da separação, entre­vêem a embriaguez do regresso ao seio das imensidades.

Entre os que caminham neste mundo, solitários, en­tristecidos, curvados sob o fardo da vida, há os que conservam no fundo do coração a vaga lembrança da sua família espiritual. Estes sofrem cruelmente da nostalgia dos Espaços e do amor celeste, e nada entre as alegrias da Terra os pode distrair e consolar. Seu pensamento vai muitas vezes, durante a vigília, e, mais ainda, durante o sono, reunir-se aos seres queridos que os esperam na paz serena do Além. O sentimento profundo das compensa­ções que os .aguardam explica sua força moral na luta e sua aspiração para um mundo melhor. A esperança semeia de flores austeras os atalhos que eles percorrem.

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Todo o poder da alma resume-se em três palavras: - Querer, Saber, Amar!

Querer, isto é, fazer convergir toda a atividade, toda a energia, para o alvo que se tem de atingir, desenvol­ver a vontade e aprender a dirigi-la.

Saber, porque sem o estudo profundo, sem o conhe­cimento das coisas e das leis, o pensamento e a vontade podem transviar-se no meio das forças que procuram conquistar e dos elementos a quem aspiram governar.

Acima, porém, de tudo, é preciso amar, porque, sem o amor, a vontade e a ciência seriam incompletas e mui­tas vezes estéreis. O amor ilumina-as, fecunda-as, centuplica-lhes os recursos. Não se trata aqui do amor que contempla sem agir, mas do que se aplica a espalhar o bem e a verdade pelo mundo. A vida terrestre é um con­flito entre as forças do mal e as do bem. O dever de toda alma viril é tomar parte no combate, trazer-lhe todos os seus impulsos, todos os seus meios de ação, lutar pelos outros, por todos aqueles que se agitam ainda na via escura.

O uso mais nobre que se pode fazer das faculdades é trabalhar por engrandecer, desenvolver, no sentido do belo e do bem, a Civilização, a sociedade humana, que tem as suas chagas e fealdades, sem dúvida, mas que é rica de esperanças e magníficas promessas; essas pro­messas transformar-se-ão em realidade vivaz no dia em que a Humanidade tiver aprendido a comungar, pelo pen­samento e pelo coração, com o foco de amor, que é o esplendor de Deus.

Amemos, pois, com todo o poder do nosso coração ; amemos até ao sacrifício, como Joana d'Arc amou a França, como o Cristo amou a Humanidade, e todos aqueles que nos rodeiam receberão nossa influência, sentir-se-ão nascer para nova vida.

Õ homem, procura em volta de ti as chagas a pen­sar, os males a curar, as aflições a consolar. Alarga as inteligências, guia os corações transviados, associa as forças e as almas, trabalha para ser edificada a alta ci­dade de paz e de harmonia que será a cidade de amor, a cidade de Deus ! Ilumina, levanta, purifica ! Que im­porta que se riam de ti ! Que importa que a ingratidão e a maldade se levantem na tua frente! Aquele que ama não recua por tão pouca coisa; ainda que colha espinhos e silvas, continua sua obra, porque esse é seu dever, sabe que a abnegação o engrandece.

O próprio sacrifício também tem suas alegrias; feito com amor, transforma as lágrimas em sorrisos, faz nas­cer em nós alegrias desconhecidas do egoísta e do mau. Para aquele que sabe amar, as coisas mais vulgares são de interesse ; tudo parece iluminar-se ; mil sensações novas despertam nele.

São necessários à sabedoria e à Ciência longos esfor­ços, lenta e penosa ascensão para conduzir-nos às altas regiões do pensamento. O amor e o sacrifício lá chegam de um só pulo, com um único bater de asas. Na sua impulsão conquistam a paciência, a coragem, a benevo­lência, todas as virtudes fortes e suaves. O amor depura a inteligência, põe à larga o coração e é pela soma de amor acumulada em nós que podemos avaliar o caminho que temos andado para Deus.

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A todas as interrogações do homem, a suas hesita­ções, a seus temores, a suas blasfêmias, uma voz grande, poderosa e misteriosa responde: Aprende a amar! O amor é o resumo de tudo, o fim de tudo. Dessa maneira, esten­de-se e desdobra-se sem cessar sobre o Universo a imen­sa rede de amor tecida de luz e ouro. Amar é o segredo da felicidade. Com uma só palavra o amor resolve todos os problemas, dissipa todas as obscuridades. O amor sal­vará o mundo; seu calor fará derreter os gelos da dú­vida, do egoísmo, do ódio; enternecerá os corações mais duros, mais refratários.

Mesmo em seus magníficos derivados, o amor é sem­pre um esforço para a beleza. Nem sequer o amor sexual, o do homem e da mulher, deixa, por mais material que pareça, de poder aureolar-se de ideal e poesia, de perder todo o caráter vulgar, se, de mistura com ele, houver um sentimento de estética e um pensamento superior. E isto depende principalmente da mulher. Aquela que ama, sente e vê coisas que o homem não pode conhecer, possui em seu coração inexauríveis reservas de amor, uma espé­cie de intuição que pode dar idéia do Amor Eterno.

A mulher é sempre, de qualquer modo, irmã do mis­tério e a parte de seu ser que toca o infinito parece ter mais extensão do que em nós. Quando o homem responde como a mulher aos apelos do invisível, quando seu amor é isento de todo desejo brutal, se não fazem mais do que um pelo espírito como pelo corpo, então, no abraço desses dois seres que se penetram, se completam para transmitir a vida, passará como um relâmpago, como uma chama, o reflexo de mais altas felicidades entrevistas. São, toda­via, passageiras e misturadas de amarguras as alegrias do amor terrestre ; não andam desacompanhadas de de­cepções, retrocessos e quedas. Somente Deus é o amor na sua plenitude ; é o braseiro ardente e, ao mesmo tempo, o abismo de pensamento e luz, donde dimanam e para quem ascendem eternamente os quentes eflúvios de todos os astros, as ternuras apaixonadas de todos os corações de mulheres, de mães, de esposas, de afeições viris de todos os corações de homens. Deus gera e chama o amor, porque é a Beleza infinita, perfeita, e é proprie­dade da beleza provocar o amor.

Quem, pois, num dia de verão, quando o Sol irradia, quando a imensa cúpula azulada se desenrola sobre nossas cabeças e dos prados e bosques, dos montes e do mar sobem a adoração, a prece muda dos seres e das coisas, quem, pois, deixará de sentir as radiações de amor que enchem o Infinito?

E preciso nunca ter aberto a alma a estas influências sutis para ignorá-las ou negá-las. Muitas almas terres­tres ficam, é verdade, hermeticamente fechadas para as coisas divinas ou, então, se sentem suas harmonias e belezas, escondem cuidadosamente o segredo de si mes­mas; parecem ter vergonha de confessar o que conhecem ou o que de maior e melhor experimentam.

Tentai a experiência'. Abri o vosso ser interno, abri as janelas da prisão da alma aos eflúvios da vida univer­sal e, de súbito, essa prisão encher-se-á de claridades, de melodias; um mundo todo de luz penetrará em vós. Vossa alma arrebatada conhecerá êxtases, felicidades que não se podem descrever; compreenderá que há em seu der­redor um oceano de amor, de força e de vida divina no qual ela está imersa e que lhe basta querer para ser banhada por suas águas regeneradoras. Sentirá no Uni­verso um Poder soberano e maravilhoso que nos ama, nos envolve, nos sustenta, que vela sobre nós como 0 avarento sobre a jóia preciosa, e, invocando-o, dirigin­do-lhe um apelo ardente, será logo penetrada de sua pre­sença e de seu amor. Estas coisas se sentem e exprimem dificilmente ; só as podem compreender aqueles que as saborearam. Mas, todos podem chegar a conhecê-las, a possuí-las, despertando o que há em si de divino. Não há homem, por mais perverso, por pior que seja, que numa hora de abandono e sofrimento, não veja abrir-se uma fresta por onde um pouco da claridade das coisas supe­riores e um pouco de amor se filtrem até ele.

Basta ter experimentado uma vez só estas impres­sões para não as esquecer mais. E quando chega o declí­nio da vida com suas desilusões, quando as sombras crepusculares se acumulam sobre nós, então estas pode­rosas sensações acordam com a memória de todas as alegrias sentidas, e a lembrança das horas em que ver­dadeiramente amamos cai como delicioso orvalho sobre nossas almas dissecadas pelo vento áspero das prova­ções e da dor.

XXVI. - A Dor

Tudo o que vive neste mundo, natureza, animal, ho­mem, sofre e, todavia, o amor é a lei do Universo e por amor foi que Deus formou os seres. Contradição apa­rentemente horrível, problema angustioso, que perturbou tantos pensadores e os levou à dúvida e ao pessimismo. O animal está sujeito à luta ardente pela vida. Entre as ervas do prado, as folhas e a ramaria dos bosques, nos ares, no seio das águas, por toda a parte desenro­lam-se dramas ignorados. Em nossas cidades prossegue sem cessar a hecatombe de pobres animais inofensivos, sacrificados às nossas necessidades ou entregues nos laboratórios ao suplício da vivisseção.

Quanto à Humanidade, sua história não é mais que um longo martirológio. Através dos tempos, por cima dos séculos, rola a triste melopéia dos sofrimentos humanos; o lamento dos desgraçados sobe com uma intensidade dilacerante, que tem a regularidade de uma vaga.

A dor segue todos os nossos passos; espreita-nos em todas as voltas do caminho. E, diante desta esfinge que o fita com seu olhar estranho, o homem faz a eterna pergunta: Por que existe a dor?

Ë, no que lhe concerne, uma punição, uma expiação, como o dizem alguns

É a reparação do passado, o resgate das faltas cometidas ?

Fundamentalmente considerada, a dor é uma lei de equilíbrio e educação. Sem dúvida, as falhas do passado recaem sobre nós com todo o seu peso e determinam as condições de nosso destino. O sofrimento não é, muitas vezes, mais do que a repercussão das violações da ordem eterna cometidas; mas, sendo partilha de todos, deve ser considerado como necessidade de ordem geral, como agente de desenvolvimento, condição do progresso. Todos os seres têm de, por sua vez, passar por ele. Sua ação é benfazeja para quem sabe compreendê-lo; mas, somente podem compreendê-lo aqueles que lhe sentiram os pode­rosos efeitos. principalmente a esse, a todos aqueles que sofrem, têm sofrido ou são dignos de sofrer que dirijo estas páginas.

A dor e o prazer são as duas formas extremas da sensação. Para suprimir uma ou outra seria preciso su­primir a sensibilidade. São, pois, inseparáveis em princí­pio e ambos necessários à educação do ser, que, em sua evolução, deve experimentar todas as formas ilimitadas, tanto do prazer como da dor.

A dor física produz sensações; o sofrimento moral produz sentimentos. Mas, como já vimos ( 205 ) , no sen­sório íntimo, sensação e sentimento confundem-se e são uma só e mesma coisa.

O prazer e a dor estão, pois, muito menos nas coisas externas do que em nós mesmos; incumbe, pois, a cada um de nós, regulando suas sensações, disciplinando seus sentimentos, dominar umas e outras e limitar-lhes os efeitos.

Epicteto dizia: "As coisas são apenas o que imagi­namos que são." Assim, pela vontade podemos domar, vencer a dor ou, pelo menos, fazê-la redundar em nosso proveito, fazer dela meio de elevação.

A idéia que fazemos da felicidade e da desgraça, da alegria e da dor, varia ao infinito segundo a evolução individual. A alma pura, boa e sábia não pode ser feliz à maneira da alma vulgar. O que encanta uma, deixa a outra indiferente,. A medida que se sobe, o aspecto das coisas muda. Como a criança que, crescendo, deixa de lado os brinquedos que a cativaram, a alma que se eleva procura satisfações cada vez mais nobres, graves e pro­fundas. O Espírito que julga com superioridade e consi­dera o fim grandioso da vida achará mais felicidade, mais serena paz num belo pensamento, numa boa obra, num ato de virtude e até na desgraça que purifica, do que em todos os bens materiais e no brilho das glórias terres­tres, porque estas o perturbam, corrompem, embriagam ficticiamente,difícil fazer entender aos homens que o sofrimento é bom. Cada qual quereria refazer e embele­zar a vida à sua vontade, adorná-la com todos os deleites, sem pensar que não há bem sem dor, ascensão sem suores e esforços.

A tendência geral consiste em fecharmo-nos no es­treito círculo do individualismo, do cada um por si; por esta forma, o homem abate-se, reduz a estreitos limites tudo quanto nele é grande, quanto está destinado a de­senvolver-se, a estender-se, a dilatar-se, a desferir vôo; o pensamento, a consciência, numa palavra, toda a sua alma. Ora, os gozos, os prazeres e a ociosidade estéril não fazem mais do que apertar esses limites, acanhar nossa vida e nosso coração. Para quebrar esse círculo, para que todas as virtudes ocultas se expandam à luz, é necessária a dor. A desgraça e as provações fazem jor­rar em nós as fontes de uma vida desconhecida e mais bela. A tristeza e o sofrimento fazem-nos ver, ouvir, sentir mil coisas, delicadas ou fortes, que o homem feliz ou o homem vulgar não podem perceber. Obscurece-se o mundo material; desenha-se outro, vagamente a princí­pio, mas que cada vez se tornará mais distinto, à medida que as nossas vistas se desprenderem das coisas inferio­res e mergulharem no ilimitado.

O gênio não é somente o resultado de trabalhos se­culares; é também a apoteose, a coroação de sofrimen­to. De Homero a Dante, a Camões, a Tasso, a Milton, todos os grandes homens, como eles, têm sofrido. A dor fez-lhes vibrar a alma, inspirou-lhes a nobreza dos senti­mentos, a intensidade da emoção que souberam traduzir com os acentos do gênio e que os imortalizou. É na dor que mais sobressaem os cânticos da alma. Quando ela atinge as profundezas do ser, faz de lá saírem os gritos eloqüentes, os poderosos apelos que comovem e arras­tam as multidões.

Dá-se o mesmo com todos os heróis, com todos os grandes caracteres, com os corações generosos, com os espíritos mais eminentes. Sua elevação mede-se pela soma dos sofrimentos que passaram. Ante a dor e a morte, a alma do herói e do mártir revela-se em sua beleza comovedora, em sua grandeza trágica, que toca às vezes o sublime e o nimba de uma luz inextinguível.

Suprimi a dor e suprimireis, ao mesmo tempo, o que é mais digno de admiração neste mundo, isto é, a cora­gem de suportá-la. O mais nobre ensinamento que se pode apresentar aos homens não é a memória daqueles que sofreram e morreram pela verdade e pela justiça? Há coisa mais angusta, mais venerável que seus túmulos ? Nada iguala o poder moral que daí provém. As almas que deram tais exemplos avultam aos nossos olhos com os séculos e parecem, de longe, mais imponentes ainda; são outras tantas fontes de força e beleza onde vão re­temperar-se as gerações. Através do tempo e do espaço, sua irradiação, como a luz doa astros, estende-se sobre a Terra. Sua morte gerou a vida, e sua lembrança, como aroma sutil, vai lançar em toda a parte a semente dos entusiasmos futuros.

E, como nos ensinaram essas almas, pela dedicação, pelo sofrimento dignamente suportados que se sobem os caminhos do Céu. A história do mundo não é outra coisa mais que a sagração do espírito pela dor. Sem ela, não pode haver virtude completa, nem glória imperecível.

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necessário sofrer para adquirir e conquistar. Os atos de sacrifício aumentam as radiações psíquicas. Há como que uma esteira luminosa que segue, no Espaço, os Espíritos dos heróis e dos mártires.

Aqueles que não sofreram, mal podem compreender estas coisas, porque, neles, só a superfície do ser está arroteada, valorizada. Há falta de largueza em seus co­rações, de efusão em seus sentimentos; seu pensamento abrange horizontes acanhados. São necessários os infor­túnios e as angústias para dar à alma seu aveludado, sua beleza moral, para despertar seus sentidos adorme­cidos. A vida dolorosa é um alambique onde se destilam os seres para mundos melhores. A forma, como o cora­ção, tudo se embeleza por ter sofrido. Há, já nesta vida, um não sei quê de grave e enternecido nos rostos que as lágrimas sulcaram muitas vezes. Tomam uma expressão de beleza austera, uma espécie de majestade que impres­siona e seduz.

Michelangelo adotara como norma de proceder os preceitos seguintes: "Concentra-te e faze como o escultor faz à obra que quer aformosear. Tira o supérfluo, aclara obscuro, difunde a luz por tudo e não largues o cinzel." Máxima sublime, que contém o princípio de todo 0 aperfeiçoamento íntimo. Nossa alma é nossa obra, com efeito, obra capital e fecunda, que sobrepuja em gran­deza todas as manifestações parciais da Arte, da Ciência, do gênio.

Todavia, as dificuldades da execução são correlati­vas ao esplendor do objetivo e, diante da penosa tarefa da reforma interior, do combate incessante travado com as paixões, com a matéria, quantas vezes o artista não desanima? Quantas vezes não abandona o cinzel? É então que Deus lhe envia um auxílio - a dor! Ela cava ousa­damente nas profundezas da consciência a que o trabalhador hesitante e inábil não podia ou não sabia chegar; desobstrui-lhe os recessos, modela-lhe os contornos; eli­mina ou destrói o que era inútil ou ruim e, do mármore frio, informe, sem beleza, da estátua feia e grosseira, que nossas mãos mal tinham esboçado, faz surgir com o tempo à estátua viva, a obra-prima incomparável, as formas harmoniosas e suaves da divina Psique.

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A dor não fere somente os culpados. Em nosso mundo, o homem honrado sofre tanto como o mau, o que é explicável. Em primeiro lugar, a alma virtuosa é mais sensível por ser mais adiantado o seu grau de evolução; depois, estima muitas vezes e procura a dor, por lhe conhecer todo o valor.

Há dessas almas que só vêm a este mundo para dar o exemplo da grandeza no sofrimento; são, por sua vez, missionários e sua missão não é menos bela e comovedora que a dos grandes reveladores. Encontram-se em todos os tempos e ocupam todos os planos da vida; estão em pé nos cimos resplandecentes da História, e, para encon­trá-las, é preciso ir procurá-las no meio da multidão onde se acham, escondidas e humildes.

Admiramos o Cristo, Sócrates, Antígono, Joana d'Arc ; mas, quantas vítimas obscuras do dever ou do amor caem todos os dias e ficam sepultadas no silêncio e no esquecimento ! Entretanto, não são perdidos seus exemplos; eles iluminam toda a vida dos poucos homens que os presenciaram.

Para que uma vida seja completa e fecunda, não é necessário que nela superabundem os grandes atos de sacrifício, nem que a remate uma morte que a sagre aos olhos de todos. Tal existência, aparentemente apagada e triste, indistinta e despercebida, é, na realidade, um esforço contínuo, uma luta de todos os instantes contra a desgraça e o sofrimento. Não somos juízes de tudo o que se passa no recôndito das almas; muitas, por pudor, escondem chagas dolorosas, males cruéis, que as torna­riam tão interessantes aos nossos olhos como os mártires mais célebres. Fá-las também grandes e heróicas, a essas almas, o combate ininterrupto que pelejam contra o destino! Seus triunfos ficam ignorados, mas todos os tesouros de energia, de paixão generosa, de paciência ou amor, que elas acumulam nesse esforço de cada dia, constituir-lhes-ão um capital de força, de beleza moral que pode, no Além, fazê-las iguais às mais nobres figuras da História.

Na oficina augusta, onde se forjam as almas, não são suficientes o gênio e a glória para fazê-las verda­deiramente formosas. Para dar-lhes o último traço su­blime tem sido sempre necessária a dor. Se certas exis­tências se tornaram, de obscuras que eram, tão santas e sagradas como dedicações célebres, é que nelas foi con­tínuo o sofrimento. Não foi somente uma vez, em tal circunstância ou na hora da morte, que a dor as elevou acima de si mesmas e as apresentou à admiração dos séculos; foi por toda a sua vida ter sido uma imolação constante.

E esta obra de longo aperfeiçoamento, este lento desfilar das horas dolorosas, esta afinação misteriosa dos seres que se preparam, assim, para as derradeiras ascen­sões, força a admiração dos próprios Espíritos. É esse espetáculo comovedor que lhes inspira a vontade de re­nascerem entre nós, a fim de sofrerem e morrerem outra vez por tudo o que é grande, por tudo o que amam e para, com este novo sacrifício, tornarem mais vivo 0 próprio brilho.

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Feitas estas considerações de ordem geral, retome­mos a questão nos seus elementos primários.

A dor física é, em geral, um aviso da Natureza, que procura preservar-nos dos excessos. Sem ela, abusaría­mos de nossos órgãos até ao ponto de os destruirmos antes do tempo. Quando um mal perigoso se vai insi­nuando em nós, que aconteceria se não lhe sentíssemos logo os efeitos desagradáveis? Iria cada vez lavrando mais, invadir-nos-ia e secaria em nós as fontes da vida.

Ainda quando, persistindo em desconhecer os avisos repetidos da Natureza, deixamos a doença desenvolver-se em nós, pode ela ser um benefício, se, causada por nossos abusos e vícios, nos ensinar a detestá-los e a corrigir-nos deles. É necessário sofrer para nos conhecermos e conhe­cermos bem a vida.

Epicteto, que gostamos de citar, dizia também: " falso dizer-se que a saúde é um bem e a doença um mal. Usar bem da saúde é um bem ; usar mal é um mal. De tudo se tira o bem, até da própria morte."

As almas fracas, a doença ensina a paciência, a sa­bedoria, o governo de si mesmas. As almas fortes pode oferecer compensações de ideal, deixando ao Espírito 0 livre vôo de suas aspirações até ao ponto de esquecer os sofrimentos físicos.

A ação da dor não é menos eficaz para as coleti­vidades do que o é para os indivíduos. Não foi graças a ela que se constituíram os primeiros agrupamentos humanos? Não foi a ameaça das feras, da fome, dos flagelos que obrigou o indivíduo a procurar seu seme­lhante para se lhe associar? Foi da vida comum, dos sofrimentos comuns, da inteligência e labor comuns que saiu toda a Civilização, com suas artes, ciências e in­dústrias!

A dor física, pode-se também dizer, resulta da des­proporção entre nossa fraqueza corporal e a totalidade das forças que nos cercam, forças colossais e fecundas, que são outras tantas manifestações da vida universal. Apenas podemos assimilar ínfima parte delas, mas, atuando sobre nós, elas trabalham por aumentar, por alargar incessantemente a esfera de nossa atividade e a gama de nossas sensações. Sua ação sobre o corpo orgânico repercute na forma fluídica; contribui para enriquece-la, dilatá-la, torná-la mais impressionável, numa pa­lavra, apta para novos aperfeiçoamentos.

O sofrimento, por sua ação química, tem sempre um resultado útil, mas esse resultado varia infinitamente segundo os indivíduos e seu estado de adiantamento. Apurando o nosso invólucro material, dá mais força ao ser interior, mais facilidade para se desapegar das coisas terrenas. Em outros, mais adiantados no seu grau de evolução, atuará no sentido moral. A dor é como uma asa dada à alma escravizada pela carne para ajudá-la a desprender-se e a elevar-se mais alto.

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O primeiro movimento do homem infeliz é revoltar-se sob os golpes da sorte. Mais tarde, porém, depois de o Espírito ter subido os aclives e quando contempla o escabroso caminho percorrido, o desfiladeiro movediço de suas existências, é com um enternecimento alegre que se lembra das provas, das tribulações com cujo auxílio pôde alcançar o cimo.

Se, nas horas da provação, soubéssemos observar o trabalho interno, a ação misteriosa da dor em nós, em nosso "eu", em nossa consciência, compreenderíamos melhor sua obra sublime de educação e aperfeiçoamento. Veríamos que ela fere sempre a corda sensível. A mão que dirige o cinzel é a de um artista incomparável, não se cansa de trabalhar, enquanto não tem arredondado, polido, desbastado as arestas de nosso caráter. Para isso voltará tantas vezes à carga quantas sejam necessárias. E, sob a ação das marteladas repetidas, forçosamente a arrogância e a personalidade excessiva hão de cair neste indivíduo; a moleza, a apatia e a indiferença desapare­cerão em outro; a dureza, a cólera e o furor, num tercei­ro. Para todos terá processos diferentes, infinitamente variados segundo os indivíduos, mas em todos agirá com eficácia, de modo a provocar ou desenvolver a sensibi­lidade, a delicadeza, a bondade, a ternura, a fazer sair das dilacerações e das lágrimas alguma qualidade desco­nhecida que dormia silenciosa no fundo do ser ou então uma nobreza nova, adorno da alma, para sempre adquirida.

Quanto mais esta sobe, cresce, se faz bela, tanto mais a dor se espiritualiza e torna sutil. Os maus precisam de numerosas operações como as árvores de muitas flores para produzirem alguns frutos. Porém, quanto mais o ser humano se aperfeiçoa, tanto mais admiráveis se tornam nele os frutos da dor. As almas gastas, mal desbastadas, tocam os sofrimentos físicos, as dores violentas; às egoístas, às avarentas hão de caber as perdas de fortuna, as negras inquietações, os tormentos do espírito. Depois, aos seres delicados, às mães, às filhas, às esposas, as torturas ocultas, as feridas do coração. Aos nobres pen­sadores, aos inspiradores, a dor sutil e profunda que faz brotar o grito sublime, o relâmpago do gênio !

Assim, por trás da dor, há alguém invisível que lhe dirige a ação e a regula segundo as necessidades de cada um, com uma arte, uma sabedoria infinitas, trabalhando por aumentar nossa beleza interior nunca acabada, sem­pre continuada, de luz em luz, de virtude em virtude, até que nos tenhamos convertido em Espíritos celestes.

Por mais admirável que possa parecer à primeira vista, a dor é apenas um meio de que usa o Poder Infi­nito para nos chamar a si e, ao mesmo tempo, tornar-nos mais rapidamente acessíveis à felicidade espiritual, única duradoura. É, pois, realmente, pelo amor que nos tem, que Deus envia o sofrimento. Fere-nos, corrige-nos como a mãe corrige o filho para educá-lo e melhorá-lo; traba­lha incessantemente para tornar dóceis, para purificar e embelezar nossas almas, porque elas não podem ser verdadeiras, completamente felizes, senão na medida cor­respondente às suas perfeições.

Para isso pôs Deus, nesta terra de aprendizagem, ao lado das alegrias raras e fugitivas, dores freqüentes e prolongadas, para nos fazer sentir que o nosso mundo é um lugar de passagem e não o ponto de chegada. Gozos e sofrimentos, prazeres e dores, tudo isto Deus distribuiu na existência como um grande artista que, na tela, com­bina a sombra e a luz para produzir uma obra-prima.

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O sofrimento, nos animais, é já um trabalho de evo­lução para o princípio de vida que existe neles; adqui­rem, por esse modo, os primeiros rudimentos de consciên­cia; e o mesmo sucede com o ser humano nas suas reen­carnações sucessivas. Se, desde as primeiras estadas na Terra, a alma vivesse livre de males, ficaria inerte, pas­siva, ignorante das coisas profundas e das forças morais que nela jazem.

O alvo a que nos dirigimos está à nossa frente; nosso destino é caminhar para ele sem nos demorarmos no caminho. Ora, as felicidades deste mundo imobiliza­ram-nos, há atrasos, há esquecimentos; mas, quando a demora é excessiva, vem a dor e impele-nos para a frente.

Desde que para nós se abre uma fonte de prazeres, por exemplo, na mocidade o amor, o matrimônio, e nos inebriamos no encanto das horas abençoadas, é bem raro que pouco depois não sobrevenha uma circunstância imprevista e o aguilhão faz-se sentir.

A medida que avançamos na vida, as alegrias dimi­nuem e as dores aumentam; o corpo e o fardo da vida tornam-se mais pesados. Quase sempre a existência co­meça na felicidade e finda na tristeza. O declínio traz, para a maior parte dos homens, o período moroso da velhice com suas lassidões, enfermidades e abandonos. As luzes apagam-se ; as simpatias e as consolações re­tiram-se ; os sonhos e as esperanças desvanecem-se ; abrem-se, cada vez mais numerosas, as covas em roda de nós. É então que vêm as longas horas de imobilidade, inação, sofrimento; obrigam-nos a refletir, a passar muitas vezes em revista os atos e as lembranças de nossa vida. uma prova necessária para que a alma, antes de deixar seu invólucro, adquira a madureza, o critério e a clarividência das coisas que serão o remate de sua car­reira terrestre. Por isso, quando amaldiçoamos as horas aparentemente estéreis e desoladas da velhice enferma, solitária, desconhecemos um dos maiores benefícios que a Natureza nos proporciona; esquecemos que a velhice dolorosa é o cadinho onde se completam as purificações.

Nesse momento da existência, os raios e as forças que, durante os anos da juventude e da virilidade, dis­persávamos para todos os lados em nossa atividade e exuberância, concentram-se, convergem para as profun­dezas do ser, ativando a consciência e proporcionando ao homem mais sabedoria e juízo. Pouco a pouco vai-se fazendo a harmonia entre os nossos pensamentos e as radiações externas; a melodia íntima afina com a melo­dia divina.

Há, então, na velhice resignada, mais grandeza e mais serena beleza que no brilho da mocidade e no vigor da idade madura. Sob a ação do tempo, o que há de pro­fundo, de imutável em nós, desprende-se e a fronte dos velhos aureola-se de claridades do Além.

A todos aqueles que perguntam : Para que serve a dor? respondo: Para polir a pedra, esculpir o mármore, fundir o vidro, martelar o ferro. Serve para edificar e ornar o templo magnífico, cheio de raios, de vibrações, de hinos, de perfumes, onde se combinam todas as artes para exprimirem o divino, prepararem a apoteose do pensamento consciente, celebrarem a libertação do Es­pírito !

E vede qual o resultado obtido! Com o que eram em nós elementos esparsos, materiais informes e, às vezes até, no vicioso e decaído, ruínas e destroços, a dor le­vantou, construiu no coração do homem um altar esplendido à Beleza Moral, à Verdade Eterna!

A estátua, nas suas formas ideais e perfeitas, está escondida no bloco grosseiro. Quando o homem não tem a energia, o saber e a vontade de continuar a obra, então, dissemos, vem a dor. Ela pega no martelo, no cinzel e, pouco a pouco, a golpes violentos, ou, então, sob o vaga­roso e persistente trabalho do buril, a estátua viva dese­nha-se em seus contornos flexíveis e maravilhosos. Sob o quartzo despedaçado, cintila a esmeralda!

Sim, para que a forma se desenvolva em suas linhas puras e delicadas, para que o espírito triunfe da subs­tância, para que o pensamento rebente em ímpetos subli­mes e o poeta ache os acentos imortais, o músico os sua­~es acordes, precisam nossos corações do aguilhão do destino, do luto e das lágrimas, da ingratidão, das trai­ções da amizade e do amor, das angústias e das dilace­rações; são precisos os esquifes adorados que descem à, terra, a juventude que foge, a gelada velhice que sobe, as decepções, as tristezas amargas que se sucedem. O homem precisa do sofrimento como o fruto da vide precisa do lagar para se lhe extrair o licor precioso!

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Consideremos ainda o problema da dor sob o ponto de vista das sanções penais.

Censuraram a Allan Kardec por ter em suas obras repisado a idéia de castigo e expiação, que suscitou nu­merosas críticas. Diz-se que ela dá uma falsa noção da ação divina; implica um luxo de punições incompatível com a Suprema Bondade.

Esta apreciação resulta de um exame muito super­ficial das obras do grande iniciador. A idéia, a expressão de castigo, excessiva talvez quando ligada a certas pas­sagens insuladas, mal interpretadas em muitos casos, atenua-se e apaga-se quando se estuda a obra inteira. E principalmente na consciência, bem o sabemos, que está a sanção do bem o do mal. Ela registra minuciosa­mente todos os nossos atos, e, mais cedo ou mais tarde, erige-se em juiz severo para o culpado que, em conse­qüência de sua evolução, acaba sempre por lhe ouvir a voz e sofrer as sentenças. Para o Espírito, as lembranças do passado unem-se no Espaço ao presente e formam um todo inseparável; vive ele fora da duração, além dos limites do tempo, e sofre tão vivamente pelas faltas há muito cometidas como pelas mais recentes; por isso pede muitas vezes uma reencarnação rápida e dolorosa, que resgatará o passado, conquanto dê tréguas às recorda­ções importunas.

Com a diferença de plano, o sofrimento mudará de aspecto. Na Terra será simultaneamente físico e moral e constituirá um modo de reparação; mergulhará o culpa­do em suas chamas para purificá-lo; tornará a forjar a alma, deformada pelo mal, na bigorna das provas. Assim, cada um de nós pode ou poderá apagar seu pas­sado, as tristes páginas do princípio da sua história, as faltas graves cometidas quando era apenas Espírito ignorante ou arrebatado. Pelo sofrimento aprendemos a humildade, ao mesmo tempo que a indulgência e a com paixão para com todos os que sucumbem em volta de nós sob o impulso dos instintos inferiores, como tantas vezes nos sucedeu a nós mesmos outrora.

Não é, pois, por vingança que a Lei nos pune, mas porque é bom e proveitoso sofrer, pois que o sofrimento nos liberta, dando satisfação à consciência, cujo veredicto ela executa.

Tudo se resgata e repara pela dor. Há, vimos, uma arte profunda nos processos que ela emprega para mo­delar a alma humana e, quando esta se transvia, recon­duzi-la à ordem sublime das coisas.

Tem-se falado muitas vezes de uma pena de talião. Na realidade, a reparação não se apresenta sempre sob a mesma forma que a falta cometida; as condições sociais e a evolução histórica opõem-se a isso. Ao mesmo tempo que os suplícios da Idade Média, têm desaparecido muitos flagelos; todavia, a soma dos sofrimentos humanos apre­senta-se, sob as suas formas variadas, inumeráveis, sem­pre proporcionada à causa que os produz. Debalde se realizam progressos, se estende à civilização, se desen­volvem a higiene e o bem-estar; doenças novas aparecem e o homem é impotente para curá-las. Cumpre reconhe­cer nisso a manifestação da lei superior de equilíbrio, da qual havemos falado. A dor será necessária enquanto homem não tiver posto o seu pensamento e os seus atos de acordo com as leis eternas; deixará de se fazer sentir logo que se fizer a harmonia. Todos os nossos males provêm de agirmos num sentido oposto à corrente divi­na; se tornarmos a entrar nessa corrente, a dor desa­parece com as causas que a fizeram nascer.

Por muito tempo ainda a Humanidade terrestre, ignorante das leis superiores, inconsciente do futuro e do dever, precisará da dor para estimulá-la na sua via, para transformar o que nela predomina, os instintos primiti­vos e grosseiros, em sentimentos puros e generosos. Por muito tempo terá o homem de passar pela iniciação amarga para chegar ao conhecimento de si mesmo e do alvo a que deve mirar. Presentemente ele só cogita de aplicar suas faculdades e energias em combater o sofri­mento no plano físico, a aumentar o bem-estar e a ri­queza, a tornar mais agradáveis as condições da vida material; mas, será em vão. Os sofrimentos poderão variar, deslocar-se, mudar de aspecto ; a dor persistirá, enquanto o egoísmo e o interesse regerem as sociedades terrestres, enquanto o pensamento se desviar das coisas profundas, enquanto a flor da alma não tiver desa­brochado.

Todas as doutrinas econômicas e sociais serão im­potentes para reformar o mundo, para aliviar os males da Humanidade, porque assentam em base muito aca­nhada e porque põem só na vida presente a razão de ser, o fim da existência e de todos os esforços. Para acabar com o mal social é necessário elevar a alma humana. à consciência do seu papel, fazer-lhe compreender que sua sorte somente dela depende e que sua felicidade será sempre proporcional à extensão de seus triunfos sobre si mesma e de sua dedicação às outras. Então a questão social será resolvida por meio da substituição do perso­nalismo exclusivo e apertado, pelo altruísmo. Os homens sentir-se-ão irmãos, irmãos e iguais perante a Lei Divina, que distribui a cada um os bens e os males necessários à sua evolução, os meios de vencer-se e acelerar sua ascensão. Somente daí em diante a dor verá seu império restringir-se. Fruto da ignorância e da inferioridade, fruto do ódio, da inveja, do egoísmo, de todas as paixões animais que se agitam ainda no fundo do ser humano, desaparecerá com as causas que a produzem, graças a uma educação mais elevada, à realização em nós da be­leza moral, da justiça e do amor.

O mal moral existe na alma somente em suas disso­nâncias com a harmonia divina. Mas, à medida que ela sobe para uma claridade mais viva, para uma verdade mais ampla, para uma sabedoria mais perfeita, as causas do sofrimento vão-se atenuando, ao mesmo tempo que se dissipam as ambições vãs, os desejos materiais. E de estância em estância, de vida em vida, ela penetra na grande luz e na grande paz onde o mal é desconhecido e onde só reina o bem!

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Muitas vezes tenho ouvido dizer a certas pessoas, cuja existência foi penosa e eriçada de provações: Eu não queria renascer numa vida nova; não quero voltar à Terra. Quando se sofreu muito, quando se foi violenta­mente sacudido pelas tempestades do mundo, é muito legítima a aspiração ao descanso. Compreendo que uma alma acabrunhada recue perante o pensamento de tornar a começar esta batalha da vida em que recebeu feridas que ainda sangram. Mas, a lei é inexorável. Para subir um pouco na hierarquia dos mundos, é preciso ter dei­xado neste a embaraçosa bagagem dos gostos e dos ape­tites que nos prendem à Terra. Estes laços muitas vezes os levamos conosco para o Além; e são eles que nos retêm nas baixas regiões. Ãs vezes julgamo-nos capazes e dignos de chegar às grandes altitudes, e, sem o saber­mos, mil cadeias acorrentam-nos ainda a este planeta inferior. Não compreendemos o amor em sua essência sublime, nem o sacrifício como é praticado nas Huma­nidades purificadas, em que ninguém vive para si ou para alguns, mas para todos. Ora, só os que estão preparados para tal vida podem possuí-la. Para nos tornarmos dignos dela, será preciso desçamos de novo ao cadinho, à fornalha, onde se fundirão como cera as durezas do nosso coração. E, quando tiverem sido rejeitadas, eliminadas as escórias de nossa alma, quando nossa essência estiver livre de liga, então Deus nos chamará para uma vida mais elevada, para uma tarefa mais bela.

Acima de tudo cumpre aquilatar em seu justo valor os cuidados e as tristezas deste mundo. Para nós são coisas muito cruéis ; mas, como tudo isto se amesquinha e apaga, se for observado de longe, se o Espírito, ele­vando-se acima das miudezas da existência, abarcar com um só olhar as perspectivas de seu destino! Só este sabe pesar e medir as coisas que existem nos dois oceanos do Espaço e do Tempo - a imensidade e a eternidade, oceanos que o pensamento sonda sem se perturbar!vós todos que vos queixais amargamente das de­cepções, das pequeninas misérias, das tribulações de que está semeada toda a existência e que vos sentis invadi­dos pelo cansaço e pelo desânimo : se quereis novamente achar a resolução e a coragem perdidas, se quereis aprender a afrontar alegremente a adversidade, a suportar resignados a sorte que vos toca, lançai um olhar atento em roda de vós!

Considerai as dores tantas vezes ignoradas dos pe­quenos, dos deserdados, os sofrimentos de milhares de seres que são homens como vós ; considerai estas aflições sem conta; cegos privados do raio que guia e conforta, paralíticos impotentes, corpos que a existência torceu, ancilosou, quebrou, que padecem de males hereditários! E os que carecem do necessário, sobre quem sopra, gla­cial, o inverno'. Pensai em todas essas vidas tristes, obscuras, miseráveis; comparai vossos males muitas vezes imaginários com as torturas de vossos irmãos de dor, e julgar-vos-eis menos infelizes, ganhareis paciência e cora­gem e de vosso coração descerá sobre todos os peregri­nos da vida, que se arrastam acabrunhados no caminho árido, o sentimento de uma piedade sem limites e de um amor imenso !

XXVII. - Revelação Pela Dor

É principalmente perante o sofrimento que se mostra a necessidade, a eficácia de uma crença robusta, pode­rosamente assente, ao mesmo tempo, na razão, no senti­mento e nos fatos, e que explique o enigma da vida, o problema da dor.

Que consolações podem o Materialismo e o Ateísmo oferecer ao homem atacado de um mal incurável? Que dirão para acalmar os desesperos, preparar a alma da­quele que vai morrer? De que linguagem usarão com o pai e com a mãe ajoelhados diante do berço do filhinho morto, com todos aqueles que vêem descer à cova os esquifes dos entes queridos? Aqui se mostra toda a po­breza, toda a insuficiência das doutrinas do Nada.

A dor não é somente o critério, por excelência, da vida, o juiz que pesa os caracteres, as consciências e dá a medida da verdadeira grandeza do homem. É também um processo infalível para reconhecer o valor das teorias filosóficas e das doutrinas religiosas. A melhor será, evi­dentemente, a que nos conforta, a que diz por que as lá­grimas são quinhão da Humanidade e fornece os meios de estancá-las. Pela dor descobre-se com mais segurança o lugar onde brilha o mais belo, o mais doce raio da verdade, aquele que não se apaga.

Se o Universo não é mais do que um campo fechado, unicamente acessível às forças caprichosas e cegas da Natureza, uma odiosa fatalidade nos esmaga; se não há nele nem consciência, nem justiça, nem bondade, então a dor não tem sentido, não tem utilidade, não comporta consolações ; só resta impor silêncio ao nosso coração despedaçado, porque seria pueril e vão importunar os homens e o Céu com os nossos lamentos!

Para todos aqueles cuja vida é limitada pelos estrei­tos horizontes do materialismo, o problema da dor é inso­lúvel; não há esperança para aquele que sofre.

Não é verdadeiramente coisa estranha a impotência de tantos sábios, filósofos, pensadores, há milhares de anos, para explicarem e consolarem a dor, para no-la fazerem aceitar quando é inevitável ! Uns a negaram, o que é pueril ; outros aconselharam o esquecimento, a dis­tração, o que é vão, o que é cobarde, quando se trata da perda dos que amamos. Em geral, têm-nos ensinado a temê-la, a receá-la e detestá-la. Bem poucos a têm com­preendido, bem poucos a têm explicado.

Por isso, em torno de nós, nas relações cotidianas pobres, banais e infantis se têm tornado as pala­vras de simpatia, as tentativas de consolação prodigali­zadas àqueles que a desgraça tocou! Que frias palavras nos lábios, que falta de calor e de luz nos pensamentos e nos corações! Que fraqueza, que inanidade nos pro­cessos empregados para confortar as almas enlutadas, processos que antes lhes agravam e redobram os males, a tristeza. Tudo isto resulta unicamente da obscuridade que envolve o problema da dor, dos falsos dados vulgari­zados pelas doutrinas negativistas e por certas filosofias espiritualistas. Com efeito, é próprio das teorias errôneas desanimarem, acabrunharem, ensombrarem a alma nas horas difíceis, em vez de lhe proporcionarem os meios de fazer frente ao destino,. com firmeza.

E as religiões? podem perguntar-me. Sim, sem dú­vida, as religiões acharam socorros espirituais para as almas aflitas; todavia, as consolações que oferecem assen­tam numa concepção demasiadamente acanhada do fim da vida e das leis do destino, como já por nós foi sufi­cientemente demonstrado.

As religiões cristãs, principalmente, compreenderam o papel grandioso do sofrimento, mas exageram-no, des­naturam-lhe o sentido. O Paganismo exprimia a alegria; seus deuses coroavam-se de flores e presidiam às festas; entretanto, os estóicos e, com eles, certas escolas secre­tas, consideravam já a dor como elemento indispensável à ordem do mundo. O Cristianismo glorificou-a, deificou-a no pessoa de Jesus. Diante da cruz do Calvário, a Huma­nidade achou menos pesada a sua. A recordação do grande supliciado ajudou os homens a sofrer e a morrer; toda­via, levando as coisas ao extremo, o Cristianismo deu à vida, à morte, à Religião, a Deus, aspectos lúgubres,às vezes terrificantes. necessário reagir e restituir as coisas a seus termos, porque, em razão dos próprios excessos das religiões, estas vêem todos os dias ir-se-lhes restringindo o império. O Materialismo vai conquistando pouco a pouco o terreno que elas têm perdido; a consciên­cia popular se obscurece e a noção do dever desfaz-se por falta de uma doutrina adaptada às necessidades do tempo e da evolução humana.

Diremos, por isso, aos sacerdotes de todas as reli­giões Alargai o círculo de vossos ensinamentos; dai ao homem uma noção mais extensa de seus destinos, uma vista mais clara do Além, uma idéia mais elevada do alvo que ele deve atingir. Fazei-lhe compreender que sua obra consiste em construir por suas próprias mãos, com a ajuda da dor, a sua consciência, a sua personalidade moral, e isso através do infinito do tempo e do espaço. Se, na hora atual, vossa influência se enfraquece, se vosso poder está abalado, não é por causa da moral que ensi­nais, é por causa da insuficiência de vossa concepção da vida, que não mostra nitidamente a justiça nas leis e nas coisas e, por conseguinte, não mostra Deus. Vossas teolo­gias encerraram o pensamento num círculo que o abafa; fixaram-lhe uma base demasiadamente restrita e, sobre essa base, todo o edifício vacila e ameaça desabar. Dei­xai-vos de discutir textos e de oprimir as consciências; saí das criptas onde sepultastes o pensamento; caminhai e agi !

Ergue-se, cresce e se alastra uma nova doutrina, que vem ajudar o pensamento a executar sua obra de transformação. Este novo espiritualismo contém todos os recursos necessários a consolar as aflições, enriquecer a Filosofia, regenerar as religiões, atrair conjuntamente a estima do discípulo mais humilde e o respeito do gênio mais altivo.

Pode satisfazer aos mais nobres impulsos da inteli­gência e às aspirações do coração, explica, a,o mesmo tempo, a fraqueza humana, o lado obscuro e atormentado da alma inferior entregue às paixões e proporciona-lhe os meios de elevar-se ao conhecimento e à plenitude.

Finalmente, constitui o remédio moral mais pode­roso contra a dor. Na explicação que dá, nas consolações que vem oferecer ao infortúnio, acha-se a prova mais evidente, mais tocante de seu caráter verídico e de sua solidez inabalável.

Melhor que qualquer outra doutrina filosófica ou reli­giosa, revela-nos o grande papel do sofrimento e ensi­na-nos a aceitá-lo. Fazendo dele um processo de educação e reparação, mostra-nos a intervenção da justiça e do amor divinos em nossas próprias provações e males. Em vez dos desesperados, que as doutrinas negativistas fazem de nós, em vez de decaídos, de réprobos ou maldi­tos, o Espiritismo apresenta, nos desgraçados, simples aprendizes, simples neófitos que a dor ilumina e inicia, candidatos à perfeição, à felicidade.

Dando à vida um alvo infinito, o novo Espiritua­lismo oferece-nos uma razão de viver e de sofrer que nos faz reconhecer meritório se viva e sofra, numa palavra, um objetivo digno da alma e digno de Deus. Na desor­dem aparente e na confusão das coisas, mostra-nos a ordem que, lentamente, se vai esboçando e realizando, o futuro que se vai elaborando no presente e, acima de tudo, a manifestação de uma imensa e divina harmonia!

E vede as conseqüências deste ensinamento. A dor perde o seu aspecto terrífico; deixa de ser um inimigo, um monstro temível ; torna-se um auxiliar e o seu papel é providencial. Purifica, engrandece e refunde o ser em sua chama, reveste-o de uma beleza que não se lhe conhecia. O homem, a princípio admirado e inquieto com o seu aspecto, aprende a conhecê-la, a apreciá-la, a fami­liarizar-se com ela; acaba quase por amá-la. Certas almas heróicas, em vez de se afastarem dela, de a evitarem, vão-lhe ao encontro para nela livremente se embeberem e regenerarem.

O destino, em virtude de ser ilimitado, prepara-nos possibilidades sempre novas de melhoramento. O sofri­mento é apenas um corretivo aos nossos abusos, aos nossos erros, incentivo para a nossa marcha. Assim, as leis soberanas mostram-se perfeitamente justas e boas; não infligem a ninguém penas inúteis ou imerecidas. O estudo do Universo moral enche-nos de admiração pelo Poder que, mediante o emprego da dor, transforma pouco a pouco as forças do mal em forças do bem, faz sair do vício a virtude, do egoísmo o amor !

Daí em diante, certo do resultado de seus esforços, o homem aceita com coragem as provas inevitáveis. Pode vir a velhice, a vida declinar e rolar pelo declive rápido dos anos; sua fé ajuda-o a atravessar os períodos aci­dentados e as horas tristes da existência. A medida que esta decai e se vai envolvendo de névoas, vai-se fazendo mais viva a grande luz do Além e os sentimentos de justiça, de bondade e de amor, que presidem ao destino de todos os seres, tornam-se para ele força nas horas de desalento e tornam-lhe mais fácil a preparação para a partida.

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Para o materialista e até para muitos crentes, o falecimento dos seres amados cava entre eles e nós um abismo que nada pode encher, abismo de sombra e treva onde não brilha nenhum raio, nenhuma esperança. O protestante, incerto do destino deles, nem mesmo por seus mortos ora. O católico, não menos ansioso, pode recear para os seus o juízo que para sempre separa os eleitos dos réprobos.

Aí está, porém, a nova doutrina com suas certezas inabaláveis. Para aqueles que a têm adotado, a morte, como a dor, não traz pavores. Cada cova que se abre é uma porta de libertação, uma saída franca para a liber­dade dos Espaços; cada amigo que desaparece vai pre­parar a morada futura, balizar a estrada comum em que todos nos havemos de reunir; só aparentemente há separação. Sabemos que essas almas não nos deixarão para sempre; íntima comunhão pode estabelecer-se entre elas e nós. Se suas manifestações na ordem sensível encontram obstáculos, podemos pelo menos correspon­der-nos com elas pelo pensamento. '

Conheceis a lei telepática; não há grito, lágrima, apelo de amor, que não tenha sua repercussão e sua res­posta. Solidariedade admirável das almas por quem ora­mos e que oram por nós, permutas de pensamentos vi­brantes e de chamamentos regeneradores, que atravessam o espaço e embebem os corações angustiados em radia­ções de força e esperança e nunca deixam de chegar ao alvo !

Julgáveis sofrer sozinhos, mas não é assim. Junto de vós, em roda de vós e até na extensão sem limites, há seres que vibram ao vosso sofrer e participam de vossa dor. Não a torneis demasiadamente viva, por amor deles.

A dor, à tristeza humana, deu Deus por companheira a simpatia celeste, e essa simpatia toma, muitas vezes, a forma de um ser amado que, nos dias de provação, desce, cheio de solicitude, e recolhe cada uma das nossas dores para com elas nos tecer uma coroa de luz no Espaço.

Quantos esposos, noivos, amantes, separados pela morte, vivem em nova união mais apertada e infinita! Nas horas de aflição, o Espírito de um pai, de uma mãe, todos os amigos do Céu se inclinam para nós e nos ba­nham as frontes com seus fluidos suaves e afetuosos; envolvem-nos os corações em tépidas palpitações de amor. Como nos entregarmos ao mal ou ao desespero, em pre­sença de tais testemunhas, certos de que elas vêem as nossas inquietações, lêem nossos pensamentos, nos espe­ram e se aprontam para nos receberem nos umbrais da Imensidade !

Ao deixarmos a Terra, iremos encontrá-los todos e, com eles, ainda maior número de Espíritos amigos, que havíamos esquecido durante a nossa estada na Terra, a multidão daqueles que compartilharam das nossas vidas passadas e compõem nossa família espiritual.

Todos os nossos companheiros da grande viagem eterna agrupar-se-ão para nos acolherem, não como pá­lidas sombras, vagos fantasmas, animados de uma vida indecisa, mas na plenitude das suas faculdades aumenta­das, como seres ativos, continuando a interessar-se pelas coisas da Terra, tomando parte na obra universal, cooperando em nossos esforços, em nossos trabalhos, em nossos projetos.

Os laços do passado reatar-se-ão com maior força. O amor, a amizade, a paternidade, outrora esboçados em múltiplas existências, cimentar-Se-ão com os compromis­sos novos tomados, em vista do futuro, a fim de aumen­tar incessantemente e de elevar à suprema potência os sentimentos que nos unem a todos. E as tristezas das separações passageiras, o afastamento aparente das almas, causados pela morte, fundir-se-ão em efusões de felicidade no enlevo dos regressos e das reuniões inefáveis.

Não deis, pois, crédito algum às sombrias doutrinas que vos falam de leis ferrenhas ou, então, de condena­ção, de inferno e paraíso, afastando uns dos outros e para sempre aqueles que se amaram.

Não há abismo que o amor não possa encher. Deus, que é todo amor, não podia condenar à extinção o senti­mento mais belo, o mais nobre de todos os que vibram no coração do homem. O amor é imortal como a pró­pria alma.

Nas horas de sofrimento, de angústia, de acabru­nhamento, concentrai-vos e, por invocação ardente, atraí a vós os seres que foram, como nós, homens e que são agora Espíritos celestes, e forças desconhecidas pene­trarão em vós e ajudar-vos-ão a suportar vossas misé­rias e males.

Homens, pobres viajantes que trilhais penosamente a subida dolorosa da existência, sabei que por toda parte em nosso caminho seres invisíveis, poderosos e bons, caminham a nosso lado. Nas passagens difíceis seus fluidos amparadores sustentam nossa marcha vacilante. Abri-lhes vossas almas, ponde vossos pensamentos de acordo com os seus e logo sentireis a alegria de sua pre­sença; uma atmosfera de paz e bênção envolver-vos-á; suaves consolações descerão para vós.

No meio das provações, as verdades que acabamos de recordar não nos dispensam das emoções e das lágri­mas; seria contra a Natureza. Ensinam-nos pelo menos a não murmurarmos, a não ficarmos acabrunhados sob o peso da dor, afastam de nós os funestos pensamentos de revolta, de desespero ou de suicídio que muitas vezes enxameiam no cérebro dos niilistas. Se continuamos a chorar, é sem amargura e sem blasfêmia.

Mesmo quando se trata do suicídio de mancebos arrebatados pelo ardor de suas paixões, diante da dor imensa de uma mãe, o Neo-Espiritualismo não fica im­potente, derrama também a esperança nos corações an­gustiados, proporcionando-lhes, pela oração e pelo pensa­mento ardente, a possibilidade de aliviarem essas almas, que flutuam ou ficam agarradas por seus fluidos gros­seiros nas trevas espirituais, entre a Terra e o Espaço, aos meios onde viveram; atenua-lhes a aflição, dizen­do-lhes que nada há de irreparável, nada definitivo no mal. Toda evolução contrariada retoma seu curso quando o culpado pagou sua dívida à justiça.

Por toda a parte e em tudo essa doutrina nos oferece uma base, um ponto de apoio, donde a alma pode levan­tar o vôo para o futuro e se consolar das coisas presen­tes com a perspectiva das futuras. A confiança e a fé em nossos destinos projetam em nossa frente uma luz que ilumina o carreiro da vida, fixa-nos o dever, alarga nossa esfera de ação e nos ensina como devemos proceder com os outros. Sentimos que há no Universo uma força, um poder, uma sabedoria incomparáveis e sentimos também que nós mesmos fazemos parte dessa força e desse poder de que descendemos.

Compreendemos que as vistas de Deus sobre nós, seu plano, sua obra, seu objetivo, tudo tem princípio e origem no seu amor. Em todas as coisas Deus quer nosso bem e para alcançá-lo segue caminhos, ora claros, ora misteriosos, mas constantemente apropriados a nossas necessidades. Se nos separa daqueles que amamos, é para fazer-nos achar mais vivas as alegrias do regresso. Se deixa que passemos por decepções, abandonos, doenças, reveses, é para obrigar-nos a despregar a vista da Terra e elevá-la para Ele, a procurar alegrias superiores àquelas que podemos provar neste mundo.

O Universo é Justiça e Amor. Na espiral infinita das ascensões, a soma dos sofrimentos, divina alquimia, converte-se, lá em cima, em ondas de luz e torrentes de felicidade.

Não tendes notado no âmago de certas dores um travo particular e tão característico que não é possível deixar de reconhecer uma intervenção benfazeja? Algu­mas vezes a alma ferida vê brilhar uma claridade desconhecida, tanto mais viva quanto maior é o desastre. Com um só golpe da dor levanta-se a tais alturas onde seriam necessários vinte anos de estudos e esforços para chegar.

Não posso resistir ao desejo de citar dois exemplos, entre muitos outros que me são conhecidos. Trata-se de dois indivíduos que depois foram meus amigos, pais de duas meninas encantadoras que eram toda a sua alegria neste mundo e que a morte arrebatou brutalmente em alguns dias. Um é oficial superior na Região de Leste. Sua filha mais velha possuía todos os dotes de inteli­gência e de beleza. De caráter sério, desprezava, de bom grado, os prazeres da sua idade, e tomava parte nos tra­balhos de seu pai, escritor, militar e publicista de talento. Havia-lhe ele dedicado, por essa razão, um afeto que ia até ao culto. Em pouco tempo uma doença irremediável arrebatava a donzela à ternura dos seus. Entre os seus papéis foi encontrado um caderno com o seguinte título: "Para meu pai quando eu já não existir." Posto que go­zasse de perfeita saúde no momento em que traçara essas paginas, tinha o pressentimento de sua morte próxima e dirigia ao pai consolações comovedoras.

Graças a um livro que este descobriu na secretária da filha, entramos em relações. Pouco a pouco, proce­dendo com método e persistência, fez-se médium vidente e hoje possui, não somente a graça de estar iniciado nos mistérios da sobrevivência, mas também a de tornar a ver muitas vezes a filha perto de si e de receber os teste­munhos do seu amor. Yvonne( Espírito )comunica-se igualmente com seu noivo e com um de seus primos, oficial subalterno no Regimento de seu pai. Essas mani­festações completam-se e verificam-se umas pelas outras e são também percebidas por dois animais domésticos, assim como o atestam as cartas do general. (206)

O segundo caso, aqui anotado, é o do negociante Debrua, de Valence, cuja única filha, Rose, nascida muitos anos depois do matrimônio, era ternamente ama­da. Todas as esperanças do pai e da mãe concentravam­-se na filha estremecida; mas, aos doze anos, foi a me­nina bruscamente atacada de uma meningite aguda, que a levou. Inexprimível foi o desespero dos pais e a idéia do suicídio mais de uma vez visitou o espírito do pobre pai. Cobrou, porém, ânimo devido a alguns conhecimen­tos que tinha do Espiritismo e teve a alegria de tor­nar-ae médium. Atualmente, comunica com a filha sem intermediário, livremente e com segurança. Esta inter­vém freqüentes vezes na vida íntima dos seus e produz, às vezes, ao redor deles, fenômenos luminosos de grande intensidade.

Uns e outros nada sabiam do Além e viviam numa culpada indiferença a respeito dos problemas da vida futura e do destino. Agora, fez-se para eles a luz. Depois de haverem sofrido, foram consolados e consolam, por sua vez, os outros, trabalhando por difundir a verdade em volta de si, impressionando todos os que deles se aproximam pela elevação de suas vistas e pela firmeza de suas convicções. Suas filhas voltaxam-lhes transfi­guradas e radiantes. E eles chegaram a compreender por que Deus os havia separado e como lhes prepara uma vida comum na luz e na paz dos Espaços. Eis a obra da dor!

*

Para o materialista, convém repeti-lo, não há expli­cação para o enigma do mundo nem para o problema da dor. Toda a magnífica evolução da vida, todas as formas de existência e de beleza lentamente desenvolvidas no decurso dos séculos, tudo isto, a seus olhos, é devido ao capricho de um acaso cego e não tem outra saída além do Nada. No fim dos tempos será como se a Humanidade nunca tivesse existido. Todos os seus esforços para ele­var-se a um estado superior, todas as suas queixas, sofri­mentos, misérias acumuladas, tudo se desvanecerá como uma sombra, tudo terá sido inútil e vão

Nós, porém, em vez da teoria da esterilidade e do desespero, nós, que temos a certeza da vida futura e do mundo espiritual, vemos no Universo o imenso labora­tório onde se afina e apura a alma humana, através das existências alternativamente celestes e terrestres. O obje­tivo das últimas é um só - a educação das Inteligências associadas aos corpos. A matéria é um instrumento de progresso : o que nós chamamos o mal, a dor, é simples­mente um meio de elevação.

O "eu" é coisa odiosa, tem-se dito ; todavia, permi­ta-se-me uma confissão. De cada vez que o anjo da Dor me tocou com a sua asa, senti agitarem-se em mim po­tências desconhecidas, ouvi vozes interiores entoarem o cântico eterno da vida e da luz; agora, depois de ter compartilhado de todos os males de meus companheiros de viagem, bendigo o sofrimento. Foi ele que amoldou meu ser, que me fez obter um critério mais seguro, um sentimento mais exato das altas verdades eternas. Minha vida foi mais de uma vez sacudida pela desgraça, como o carvalho pela tempestade ; mas, nenhuma prova deixou de me ensinar a conhecer-me um pouco mais, a tomar maior posse de mim.

Chega a velhice ; aproxima-se o termo da minha obra. Após cinqüenta anos de estudos, de trabalho, de medi­tação, de experiência, é-me grato poder afirmar a todos aqueles que sofrem, a todos os aflitos deste mundo que há no Universo uma Justiça Infalível. Nenhum de nossos males se perde ; não há dor sem compensação, trabalho sem proveito. Caminhamos todos através das vicissitudes e das lágrimas para um fim grandioso fixado por Deus e temos a nosso lado um guia seguro, um conselheiro invisível para nos sustentar e consolar

Homem, meu irmão, aprende a sofrer, porque a dor é santa! Ela é o mais nobre agente da perfeição. Pene­trante e fecunda, é indispensável à vida de todo aquele que não quer ficar petrificado no egoísmo e na indife­rença. uma verdade filosófica que Deus envia o sofri­mento àqueles a quem ama: "Eu sou escravo, aleijado, dizia Epicteto, um outro Irus em pobreza e miséria e, todavia, amado dos deuses."

Aprende a sofrer. Não te direi : procura a dor. Mas, quando ela se erguer inevitável em teu caminho, acolhe-a como uma amiga. Aprende a conhecê-la, a apreciar-lhe a beleza austera, a entender-lhe os secretos ensinamentos. Estuda-lhe a obra oculta. Em vez de te revoltares contra ela ou, então, de ficares acabrunhado, inerte e fraco de­baixo de sua ação, associa tua vontade, teu pensamento ao alvo a que ela visa, procura tirar dela, em sua pas­sagem por tua vida, todo o proveito que ela pode ofere­cer ao espírito e ao coração.

Esforça-te por seres a teu turno um exemplo para os outros; por tua atitude na dor, pelo modo voluntário e corajoso por que a aceites, por tua confiança no futuro, torna-a mais aceitável aos olhos dos outros.

Numa palavra, faze a dor mais bela. A Harmonia e a Beleza são leis universais e, nesse conjunto, a Dor tem o seu papel estético. Seria pueril enraivecermo-nos contra este elemento necessário à beleza do mundo. Exaltemo-la antes, com vistas e esperanças mais elevadas! Vejamos nela o remédio para todos os vícios, para todas as decadências, para todas as quedas!

Vós todos que vergais sob o peso do fardo de vossas provações ou que chorais em silêncio, aconteça o que acontecer, nunca desespereis.

Lembrai-vos de que nada sucede debalde, nem sem causa; quase todas as nossas dores vêm de nós mesmos, de nosso passado e abrem-nos os caminhos do Céu. O so­frimento é um iniciador; revela-nos o sentido grave, o lado sério e imponente da vida. Esta não é uma comédia frívola, mas uma tragédia pungente ; é a luta para a conquista da vida espiritual e, nessa luta, o que há de maior é a resignação, a paciência, a firmeza, o heroísmo. No fundo, as lendas alegóricas de Prometeu, dos Argo­nautas, dos Niebelungem, os mistérios sagrados do Oriente não têm outro sentido.

Um instinto profundo faz-nos admirar aqueles cuja existência não é senão um combate perpétuo contra a dor, um esforço constante para escalarem as abruptas ladeiras que conduzem aos cimos virgens, aos tesouros inviolados ; e não admiramos somente o heroísmo que se patenteia, as ações que provocam o entusiasmo das mul­tidões, mas também a luta obscura e oculta contra as privações, a doença, a miséria, tudo o que nos desata dos laços materiais e das coisas transitórias.

Dar tensão às vontades; retemperar os caracteres para os combates da vida; desenvolver a força de resis­tência; afastar da alma da criança tudo o que pode amo­lentá-la; elevar o ideal a um nível superior de força e grandeza - eis o que a educação moderna deveria adotar como objetivo essencial; mas, em nossa época, tem-se perdido o hábito das lutas morais para se procurarem os prazeres do corpo e do espírito; por isso a sensuali­dade extravasa de nós, os caracteres aviltam-se, a deca­dência social acentua-se.

Ergamos os pensamentos, os corações, as vontades ! Abramos nossas almas aos grandes sopros do Espaço ! Levantemos nossas vistas para o futuro sem limites; lembremo-nos de que esse futuro nos pertence, nossa tarefa é conquistá-lo.

Vivemos em tempos de crise. Para que as inteli­gências se abram às novas verdades, para que os cora­ções falem, serão necessários avisos ruidosos; serão pre­cisas as duras lições da adversidade. Conheceremos dias sombrios e períodos difíceis. A desgraça aproximará os homens; só a dor verdadeiramente lhes faz sentir que são irmãos.

Parece que a nação segue um caminho orlado de precipícios. O alcoolismo, a imoralidade, o suicídio, o crime e a anarquia fazem as suas devastações. A cada instante, estrugem escândalos, despertando curiosidades novas, remexendo o lodo onde fermentam as corrupções; o pensamento rasteja. A alma da França, que foi muitas vezes a iniciadora dos povos, o seu guia na via sagrada, essa grande alma sofre por sentir que vive num corpo viciado.

Õ alma viva da França, separa-te desse invólucro gangrenado, evoca as grandes recordações, os altos pen­samentos, as sublimes inspirações do teu gênio. Porque o teu gênio não está morto, dormita. Amanhã despertará ! A decomposição precede a renovação. Da fermen­tação social sairá outra vida, mais pura e mais bela. Ao influxo da Idéia Nova, a França encontrará de novo a crença e a confiança. Levantar-se-á maior e mais forte para realizar sua obra neste mundo.

FIM

Notas de Rodapé

(188) Ver W. James, Reitor da Universidade Harvard, L'Expérience Religieuse, págs. 86, 87. Tradução francesa de Abauzit. Félíx Alcan, editor, Paris, 1906.

(189) Ver Depois da Morte, Cap. XXXII, "À vontade e os fluidos" e No Invisível, cap. XV.

(190) Dr. Warlomont - Louise Lateau, Ia stigmatisée de Bois-d'Haine, Bruxelas, 1873.

(191) P. Janet, "Une extatique", Bulletin de 1'Institut Psy­chologique, julho, agosto, setembro de 1901.

(192) Ver, entre outros, o Bulletin de Ia Société Psychique de Marseille, outubro de 1903.

(193) W. James - L'Expérience Religieuse, págs. 421 e 429.

(194) Capitulo III.

(195) W. Tames - L'Expérience Religieuse, pág. 436.

(196) W. James - L'Expérience Religieuse, pág. 329.

(197) Id., pág. 160.

(198) Id., pág. 178.

(199) Ver a obra de Gérard Harry sobre Helen Keller. - Livraria Larousse, com prefácio de Mme. Maëterlinck

(200) Ver Annales des Sciences Peychlques, outubro de 1906, págs. 611, 613.

(201) William James - L'Expérience Religieuee, pág. 355.

(202) Id., págs. 325 e 358.

(203) A. de Rochas - Les Vies Succeseives, pág. 499.

(203-A) Recomendamos, a propósito, o estudo da obra "Enigmas da Psicometria", de Ernesto Bozzano, edição da FEB. (Nota da Editora.)

(204) Ver, No Invisível, cap. XIX.

(205) Cap. XXI - A Consciência, O sentido intimo.

(206) Estas cartas estão publicadas in extenso em minha brochura O Além e a Sobrevivência do Ser, págs. 27 e seguintes.