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sábado, 5 de fevereiro de 2011

História do Espiritismo-Parte2-Arthur Conan Doyle

 

íNDICE DO BLOGPARTE 1PARTE 2

em seus joelhos debaixo da mesa e inove mesas e cadeiras com os artelhos”.

Observadores numa sala anexa, olhando através de fendas embaixo das portas viram êsses atos de agilidade sendo executados pelo médium, embora os que com êle se achavam na sala não o percebessem. Parece, entretanto, que houve neste, como em outros casos, ocorrências que tomaram a aparência de fraudes e havia Espíritas entre os que o denunciaram. Numa sessão pública, que se seguiu, para Escrita Espírita Direta, no Palácio da Justiça de Weston, Mr. E. S. Barret descreve como um “espírita” viu e explicou de que forma a impostura de Slade havia sido descoberta. Convidado a explicar-se, Slade parecia mudo e apenas pôde dizer, segundo o relato, que se os seus acusadores tinham sido enganados, êle também o tinha, pois se o engano era coisa sua, o tinha prati­cado inconscientemente.

Mr. J. Simmons, administrador dos negócios de Slade, fêz uma declaração franca, que parece indicar a operação de membros ectoplásmicos, como ficou provado, anos mais tarde, ser o caso com a famosa médium italiana Eusapia PalLadino. Diz êle: “Não duvido que êsses senhores tenham visto aquilo que dizem; mas, ao mesmo tempo, estou convencido de que Slade é inocente da­quilo de que é acusado, assim como o senhor (o redator) teria si­do em similares circunstâncias. Mas sei que minha explicação não teria valor numa Côrte de Justiça. Eu mesmo vi uma mão, que eu juraria ser de Slade, se fôsse possível que sua mão ficasse naquela posição. Quando uma de suas mãos estava sôbre a mesa e a outra segurava a lousa a um canto da mesa, apareceu uma terceira mão com uma escôva de roupa (e que momentos antes me havia escovado do joelho para cima), no meio do lado oposto da mesa, a qual tinha um metro e seis centímetros de comprimento.” Slade e o seu empresário foram presos e sol­tos mediante fiança, mas nenhuma medida posterior foi tomada contra êles.

Também Fruesdell, em seu livro “Spiritualism, Bottom Facts” (10),

10. “Espiritismo, Fatos básicos”. — N. do T.

declara que viu Slade efetuar um movi­mento de objetos com o pé, e pede aos leitores que acreditem que o médium lhe fêz uma completa confissão de como eram produzidas as suas manifestações. Se realmente Slade o fêz, deve levar-se à conta de manifestação de doentia leviandade, procurando enganar um certo tipo de investigador, dizendo-lhe exa­tamente aquilo que êle queria que fôsse dito. A tais exemplos podemos aplicar o julgamento do Professor Zõllner, no inci­dente Lankester: “Os fenômenos físicos por nós observados em tão admirável variedade em sua presença negam em tôda a linha a suposição de que êle, num caso único, tenha recorrido à vo­luntária impostura”. E acrescenta — o que certamente ocorreu naquela circunstância especial — que Slade foi vítima dos limitados conhecimentos de seu acusador e de seu juiz.

Ao mesmo tempo, há muitos indícios de que no fim da vida o caráter de Slade degenerou. Sessões promíscuas, com finalidade comercial, esgotamentos conseqüentes e o estimulo alcoólico, que produz um estimulo passageiro, tudo aquilo agin­do sôbre uma organização muito sensível, teve um efeito dele­tério. Êsse enfraquecimento do caráter, com a correspondente perda da saúde, deve ter conduzido a uma diminuição de suas fôrças psíquicas e aumentado a tentação para usar os truques. Concordando com a dificuldade de distinguir o que é fraude daquilo que é de pura origem psíquica, uma impressão desagra­dável fica em nossa mente pela prova dada pela Comissão Seybert e pelo fato de espíritas locais haverem condenado o seu procedimento. A fragilidade humana, entretanto, é uma coisa e a fôrça psíquica, outra. Os que buscam provas desta última encontrá-las-ão abundantes naqueles anos em que o homem e os seus dons estavam no zênite.

Slade morreu em 1905 num sanatório em Michigan, para onde havia sido mandado pelos Espíritas Americanos, e a notí­cia foi acompanhada pela costumeira espécie de comentários na imprensa londrina. O Star, que tem uma triste tradição em matéria de psiquismo, publicou um artigo sensacional, sob o título de “Spook Swindles” (11)

11. Fraudes de Espírito. — N. do T.

fazendo um relato mutilado da perseguição de Lankester em Bow Street. Referindo-se a isso (12)

12. 1886, página 433.

diz Light:

“Aliás tudo isso é um amontoado de ignorância, de male­volência e de preconceitos. Não nos interessa discutir ou con­traditar. Seria inútil fazê-lo por amor aos malévolos, aos ignorantes e aos preconcebidos; e é desnecessário aos que o sabem. Basta dizer que o Star só um exemplo mais acrescenta sôbre a dificuldade de captar todos os fatos perante o público. Mas os jornais prevenidos têm, êles próprios, de censurar-se por sua ignorância e por sua impressão.

É, novamente, a história dos Irmãos Davenport e de Mas­helyne”.

Se é difícil avaliar a carreira de Slade, sendo-se forçado a admitir que houve uma esmagadora preponderância de resul­tados psíquicos, também houve um resíduo que deixou uma desagradável impressão que o médium suplementava a verdade com a fraude, o mesmo deve ser admitido em relação ao médium Monck, que representou um considerável papel na era dos se­tenta. De todos os médiuns nenhum é mais difícil de julgar, porque, de um lado muitos de seus resultados estão acima de qualquer discussão, enquanto alguns outros parecem absoluta­mente desonestos. Em seu caso, como no de Slade, houve causas físicas que puderam responder por uma degeneração das fôrças morais e psíquicas.

Monck era um clérigo não conformista, discípulo favorito do famoso Spurgeon. De acôrdo com o seu próprio relato, desde a infância tinha sido sujeito a influências psíquicas, que aumentaram com a idade. Em 1873 anunciou sua adesão ao Espiritismo e fêz uma palestra em Cavendish Rooms. Pouco de­pois começou a fazer demonstrações, aparentemente gratuitas e em plena luz. Em 1875 fêz um giro pela Inglaterra e pela Escócia, onde suas demonstrações excitaram muita atenção e de­bates e, em 1876 visitou a Irlanda, onde seus dons foram apli­cados em curas. Assim, ficou geralmente conhecido como o “Doutor Monck”, fato que levantou gerais protestos da classe médica.

O Doutor Alfred Russel Wallace, muito competente e honesto observador, descreveu uma sessão de materialização com Monck, a qual parece uma pedra de toque tanto quanto possível. Ne­nhuma suspeita ou convicção posterior poderá jamais eliminar tão incontestável exemplo de fôrça psíquica. Deve notar-se quan­to os efeitos concordaram com as posteriores demonstrações da expansão ectoplásmica no caso de Eva e de outros médiuns modernos. Os companheiros do Doutor Wallace nessa ocasião eram Mr. Stainton Moses e Mr. Hensleigh Wedgewood. Escreve o Doutor Wallace:

“Era uma brilhante tarde de verão e tudo aconteceu em plena luz do dia. Depois de uma curta conversa, Monck, que estava vestido com o costumeiro hábito clerical negro, pareceu cair em transe; então ficou de pé a alguns passos à nossa frente e, depois de uns instantes, apontou para o lado e disse: “Olhem!”

“Vimos aí uma tênue mancha em seu casaco, ao lado es­querdo. Essa tornou-se mais brilhante; então pareceu ondular e estender-se para cima e para baixo, até que, gradualmente, tomou a forma de uma coluna de névoa, que ia de seu ombro até os pés e junto ao seu corpo.

O Doutor Wallace continua descrevendo como a figura ne­voenta por fim tomou a forma de uma mulher envôlta em panos grossos que, depois de uns instantes, pareceu absorvida no corpo do médium.

E acrescenta: “Todo o processo de formação de uma figura amortalhada era visto em plena luz do dia.”

Mr. Wedgewood assegurou-lhe que tinha tido outras mani­festações dessa espécie ainda mais notáveis com Monck, quan­do o médium estava em transe profundo e todo à vista.

Depois de tal demonstração é quase impossível duvidar ao mesmo tempo dos dons do médium, O arquidiácono Colley, que tinha visto semelhantes exibições, ofereceu um prêmio de mil libras a Mr. J. N. Maskelyne, o famoso ilusionista, para repetir a façanha. O desafio foi aceito por Maskelyne, mas as provas foram que a imitação nenhuma relação tinha com o original. Êle tentou conquistar uma decisão do tribunal, mas a sentença lhe foi desfavorável.

É interessante comparar o relato feito por Russel Wallace e a experiência posterior de um americano muito conhecido, o Juiz Dailey. Escreveu êle: (3)

13. “Banner of Light”, Dec. 15, 1881.

“Lançando o olhar para o Lado do Doutor Monck, notamos algo semelhante a uma massa opalescente de vapor compacto, emer­gindo justamente debaixo do coração, ao lado esquerdo. Aumentou de volume, subindo e crescendo para baixo, enquanto a porção superior tomava a forma da cabeça de uma criança, e a face se distinguia como a de um filho que eu havia perdido há cêrca de vinte anos. Ficou assim apenas por uns instantes e subitamente desapareceu, parecendo ter sido instantaneamente absorvida pelo lado do doutor. Êsse notável fenômeno repe­tiu-se quatro ou cinco vêzes, em cada uma das quais a materia­lização se tornava mais distinta do que nas anteriores. Isto foi testemunhado por todos na sala, com o gás bastante claro para que todos os objetos fôssem bem visíveis.

Era um fenômeno visto raramente e permitiu que todos quan­tos o viram não só atestassem o notável dom do Doutor Monck, como médium de materializações, mas a maravilhosa maneira por que um Espírito muda de posição quando nossas mãos jamais se moveram enquanto eu não desatei as lousas para verificar o resultado.”

Certamente, depois de um tal testemunho, seria vão negar que o Doutor Monck possuísse uma grande fôrça psíquica. Além das materializações, o Doutor era um notável médium para escrita em lousas. Numa carta ao Spectator (14)

14. 7 de outubro de 1877.

diz o Doutor Russel Wallace que com Monck numa casa particular em Richmond, limpou duas lousas e, depois de colocar entre elas um fragmento de lápis, amarrou-as bem com um cordão forte, cruzando-os de maneira a lhes evitar qualquer movimento.

“Então as coloquei sôbre a mesa, sem as perder de vista nem por um instante. O Doutor Monck colocou os dedos de ambas as mãos sôbre elas, enquanto eu e uma senhora sentada do lado oposto púnhamos as suas mãos sobre os cantos das lousas. Nessa posição nossas mãos não se moveram enquanto eu não desatei as lousas para examinar os resultados.”

Monck pediu a Wallace que dissesse uma palavra para ser escrita na lousa. Êle escolheu a palavra Deus e em resposta a um pedido decidiu que a mesma deveria ser escrita longitudi­nalmente na lousa. Ouviu-se o ruído da escrita e quando as mãos do médium foram retiradas, Wallace abriu as lousas e achou na inferior a palavra que tinha pedido e escrita da ma­neira indicada.

Diz o Doutor Wallace:

“Ás precauções essenciais dessa experiência são que eu mesmo limpei e amarrei as lousas; mantive as mãos sôbre elas todo o tempo; elas nem por um instante saíram de minhas vis­tas; e que eu escolhi a palavra a ser escrita e a maneira de escre­vê-la, depois que elas foram amarradas e fixadas por mim.

Mr. Edward T. Benett, secretário-assistente da Sociedade de Pesquisas Psíquicas acrescenta a êsse relato:

“Eu me achava presente nessa ocasião e certifico que o relato de Mr. Walkwe daquilo que ocorreu está correto.”

Outro bom teste é descrito por M. W. PÁGINA Adshead, de Belper, investigador muito conhecido, que diz de uma sessão em Derby, a 18 de setembro de 1876:

“Havia oito pessoas presentes, sendo três senhoras e cinco cavalheiros. Uma senhora a quem o Doutor Monck nunca tinha visto tinha uma lousa que lhe fôra entregue por um dos presentes; examinou-a e achou-a limpa. O lápis que se achava sôbre a mesa poucos minutos antes que nos sentássemos não foi encontrado. Um investigador sugeriu que seria um bom teste se fôsse usado um lápis comum.

Assim, um lápis de grafite foi pôsto sôbre a lousa, e a senhora segurou ambos por baixo da mesa. Instantaneamente ouviu-se o ruído da escrita e em poucos segundos a comuni­cação tinha sido escrita, enchendo um lado da ardósia. A es­crita fôra feita com o lápis, era muito miúda e legível e tratava de assunto estritamente particular.

Eis três testes simultâneos: 1 — a escrita foi obtida sem que o médium tocasse na lousa, do começo ao fim, e nenhuma outra pessoa, a não ser a senhora; 2º — a escrita foi feita com um lápis de grafite, por uma sugestão espontânea de um outro estra­nho; 3º — foi dada como testemunho importante uma comuni­cação sôbre assunto estritamente particular. O Doutor Monck não fêz mais do que tocar na ardósia do comêço ao fim.”

Mr. Adshead também fala dos fenômenos físicos que ocor­reram com êsse médium, quando suas mãos estavam bem pre­sas no aparelho chamado “stocks”, que não permitia o menor movimento em qualquer direção.

Em 1876 Slade estava sendo processado em Londres, como ja ficou dito, e os desmascaramentos estavam no ar. Conside­rando o caso seguinte antes como de perplexidade e certamente suspeito, deve lembrar-se que, quando um homem que se exibe publicamente, que é um ilusionista ou um mesmerista, pode pro­clamar que desmascarou um médium, ganha enorme publicidade e atrai aquela numerosa parte do público que deseja ver o desmascaramento, Mas é preciso ter isto em mente e guardar uma certa média onde existe apenas um conflito de evidência.

Neste caso o ilusionista e o mesmerista era um Lodge, e a ocasião uma sessão realizada a 3 de novembro de 1876, em Huddersfield. Subitamente Mr. Lodge pediu que o médium fôsse examinado. Temendo uma agressão ou uma denúncia de frau­de, Monck correu para cima e trancou-se no quarto. Então pulou pela janela e procurou a delegacia de polícia, onde apresentou queixa. A porta de seu quarto foi forçada, as coisas rebuscadas, sendo encontrado um par de luvas de lã. Monck declarou que essas luvas tinham sido feitas para uma conferência na qual havia exposto a diferença entre prestidigitação e mediunidade. Ainda, conforme observa um jornal espírita da época:

“Os fenômenOS de sua mediunidade não repousam apenas na sua probidade. Se êle fôsse o maior trapaceiro e o mais hábil prestidigitador, simultaneamente, isto não iria explicar as suas manifestações, que têm sido referidas”.

Monck foi condenado a três meses de prisão e diz-se que fêz uma confissão a Mr. Lodge

Depois de solto, Monck realizou um certo número de ses­sões com Stainton Moses, nas quais ocorreram notáveis fenômenos.

“Aquêles cujos nomes referimos como testemunhas da au­tenticidade dos fenômenos mediúnicos do Doutor Monck, são velhos conhecidos dos Espíritas como argutos experimentadores, escru­pulosamente cautelosoS e Mr. Hensleigh Wedgwood é um nome de muita responsabilidade, pois é conhecido como um homem de ciência e era cunhado de Charles Darwin.”

Há um elemento de dúvida quanto ao caso de Hudders­field, sôbre se o acusador era realmente criatura imparcial; mas Sir William Barrett dá o testemunho de que por vêzes Monck descia com sangue frio à trapaça deliberada. Assim escreve Sir William:

Assim comenta Light:

“Apanhei o “Doutor” numa fraude grosseira: um pedaço de musselina branca numa instalação de arame, ligada a um parafuso prêto, sendo empregada pelo médium para simular a ma­terialização parcial”. (15)

15. SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH Proceedings, Volume 4º, página 58. (rodapé).

Tal desmascaramento, vindo de fonte tão segura, produz um sentimento de mal-estar, que nos induz a abandonar toda evi­dência a respeito dêle na cesta de papéis. Contudo, a gente deve ter paciência e ser razoável em tais assuntos. As primeiras sessões de Monck, como ficou claramente demonstrado, foram em plena luz e qualquer mecanismo estava fora de cogitação. Não se deve argumentar que, pelo fato de um homem forjar uma vez, jamais tenha assinado um cheque honesto. Mas devemos admitir claramente que Monck foi capaz de fraudes, que êle se­guia o caminho mais fácil, quando as coisas se tornavam difí­ceis, e que cada uma de suas manifestações deveria ser con­trolada cuidadosamente.

14

Investigações Coletivas sobre o Espiritismo

COMISSÕES diversas têm-se reunido em diferentes ocasiões para examinar o Espiritismo. Dessas as duas mais importantes fo­ram a da Sociedade Dialética, em 1869 a 1770 e a Comissão Seybert em 1884, das quais a primeira era inglêsa e a segunda ameri­cana. A estas deve acrescentar-se uma francesa, o Instituto Geral Psicológico, em 1905 a 1908. A despeito dos intervalos entre essas vá­rias investigações, é conveniente tratá-las num capítulo único, porque certas observações em comum se aplicam a cada uma delas.

Há óbvias dificuldades no caminho das investigações cole­tivas — dificuldades por vêzes tão graves que são quase insuperáveis. Quando um Crookes ou um Lombroso explora o assunto, ou o faz sozinho com o médium, ou tem consigo outras pessoas cujo conhecimento das condições psíquicas, bem como de suas leis po­dem ser um auxílio no trabalho. Geralmente assim não se dá com as comissões. Elas não compreendem que são, elas próprias, parte da experiência e que lhes é possível criar vibrações tão into­leráveis e se cercarem de uma atmosfera tão negativa que essas fôrças exteriores, que são governadas por leis muito definidas, se tornam incapazes de a penetrar. Não é em vão que a palavra “unânimemente” é intercalada no relato da reunião apostólica da sala de cima (1).

1. A expressão do A. é “with one accord” e se refere aos Atos dos Apóstolos, Capítulo 1º, versículo 14. Traduzimo-la por “unâni­memente” por ser esta a expressão usada na versão portuguêsa de Figueiredo, e que, posto não seja literal, bem traduz o pensamento original. Com efeito o texto grego é cutol návtes. — N. do T.

Se uma pequena peça de metal pode perturbar tôda uma instalação magnética, também uma poderosa corrente psíquica adversa pode estragar um círculo psíquico. É por esta razão, e não por qualquer credulidade superior, que os praticantes espíritas freqüentemente alcançam resultados ja­mais obtidos por simples pesquisadores. Também esta deve ser a razão por que uma comissão na qual os espíritas se achavam bem representados foi a única a obter certos resultados positivos. Esta foi a comissão escolhida pela Sociedade Dialética de Londres, a qual iniciou as suas investigações no comêço de 1869 e apresentou o seu relatório em 1871. Se o bom senso e as leis comuns da evidência tivessem sido respeitados na recepção dêsse relatório, o progresso da verdade psíquica teria sido ace­lerado de cinqüenta anos.

Trinta e quatro cavalheiros de posição tinham sido nomea­dos para essa comissão, cujos têrmos de referência eram in­vestigar os fenômenos tidos como manifestações espíritas”. A maioria dos membros certamente tinha disposição para desmas­carar qualquer impostura, mas eles defrontaram uma porção de provas que não podiam ser desprezadas e terminaram convindo que “o assunto era digno de maior atenção e cuidadosa investigação do que tinha recebido até então”. Essa conclusão de tal maneira pasmou a sociedade que êles representavam, que não foi possível dela obter a publicação das observações. Então a comis­são resolveu publicá-la à sua própria custa, oferecendo assim um permanente registro da mais importante investigação.

Os membros da comissão tinham sido escolhidos das mais va­riadas profissões, inclusive um doutor em teologia, dois médicos, dois cirurgiões, dois engenheiros civis, dois membros de sociedades científicas, dois advogados e outros de alta reputação. Charles Bradlaugh, o Racionalista, dela fazia parte. O Pro­fessor Huxley e G. H. Lewes, marido de George Eliot (2)

2. George Eliot é o pseudônimo da notável escritora inglesa Mary Ann Evans — nasceu em 1819 e morreu em 1880. — N. Do T

tinham sido convidados a cooperar, mas ambos recusaram. Huxley, em resposta ao convite, disse que “supondo que os fenômenos sejam verdadeiros, êles não me interessam”, expressão que mostra que êsse grande homem iluminado tinha suas limitações.

As seis subcomissões se reuniram quarenta vêzes para experiências, por vêzes sem o auxílio de um médium profissional e com absoluto senso de responsabilidade concordaram que os seguintes pontos aparentemente tinham sido estabelecidos:

1. “Que sons de um caráter muito variado, aparentemente vindos de móveis, do soalho e das paredes da sala — as vibrações acompanhadas de sons são muitas vêzes distintamente perceptíveis ao tato - ocorrem sem serem produzidos por ação muscular ou dispositivo mecânico.”

2. “Que movimentos de corpos pesados se dão sem dispositivo mecânico de qualquer espécie ou adequada aplicação de fôrça muscular pelas pessoas presentes, e freqüentemente sem contacto ou conexão com qualquer pessoa.”

3. “Que êsses sons e êsses movimentos muitas vêzes ocorrem em ocasiões e da maneira pedida pelas pessoas presentes e, por meio de um simples código de sinais, respondem a per­guntas e deletreiam comunicações coerentes.”

4. “Que as respostas e comunicações assim obtidas são, em sua maioria, constituidas de fatos comuns; mas por vêzes são contados corretamente fatos conhecidos apenas de uma das pessoas presentes”.

5. “Que as circunstâncias sob as quais ocorrem os fenômenos são variáveis e o fato mais importante é que a presença de certas pessoas parece necessária à sua ocorrência e que a de outras, geralmente, é adversa; mas essa diferença não parece depender de nenhuma crença ou descrença relativa ao fenômeno.”

6. “Que, não obstante, a ocorrência dos fenômenos não égarantida pela presença ou ausência de tais pessoas, respec­tivamente.”

O relatório resume em poucas palavras, como se vê adiante, as provas orais ou escritas recebidas, e que não só testemu­nham fenômenos da mesma natureza dos observados pelas sub-comissões, mas outros do mais variado e extraordinário caráter:

1. “Treze testemunhas declaram que viram corpos pesados —nalguns casos homens — erguerem-se lentamente no ar e aí ficarem por algum tempo, sem apoio visível ou tangível”.

2. “Catorze testemunhas atestam terem visto mãos ou rostos, não pertencentes a nenhum ser humano, mas com aparência de vida e cem mobilidade, que por vêzes tocaram ou roça­ram e, assim, estão convencidos que não eram o resultado de impostura, nem de ilusão.”

3. “Cinco testemunhas sustentam que foram tocadas por algum agente invisível, em várias partes do corpo, e onde pediam que o fôssem, quando as mãos de todos eram visíveis.”

4. “Treze testemunhas declaram que ouviram peças de música bem tocadas em instrumentos não manipulados por qualquer agente visível.”

5. “Cinco testemunhas sustentam que viram carvões incandes­centes postos nas mãos e na cabeça de várias pessoas, sem produzir dor ou queimadura, e três testemunhas sustentam que fizeram a mesma experiência em si mesmas, com os mesmos resultados.”

6. “Oito testemunhas declaram que receberam informações precisas através de batidas, de escrita e por outros meios, e cuja exatidão era então desconhecida por elas próprias ou por qualquer dos presentes e que, em investigação posterior, verificaram ser exatas.”

7. “Uma testemunha declara que recebeu uma informação precisa e minuciosa que, não obstante, ficou provado ser inteira­mente inverídica.”

8. “Três testemunhas declaram que se achavam presentes quando, em pouco tempo, foram feitos desenhos a lápis e aqua­rela e em tais condições que a ação humana era impossível.”

9. “Seis testemunhas declaram ter recebido informações de acontecimentos futuros e que, nalguns casos, a hora exata foi predita com precisão, com alguns dias e até com semanas de antecedência.”

Além disso, foram dadas provas de conversa em transe, de curas, de escrita automática, de transporte de flôres e de frutos para recintos fechados, de vozes no ar, de visões em cristais e em espelhos e de alongamento do corpo humano.

O relatório termina com estas observações:

“Apresentando o seu relatório, vossa comissão, levando em consideração o elevado caráter e a grande inteligência de muitas das testemunhas dos mais extraordinários fatos, a extensão que êsse testemunho alcança pelos relatórios das subcomissões, e a ausencia de qualquer prova de impostura ou fraude, no que res­peita a grande parte dos fenômenos; e, além disso, considerando o caráter excepcional dos fenômenos, o grande número de pessoas de várias camadas sociais e acima de tudo o mundo civilizado, que é mais ou menos influenciado pela crença em sua origem sobrenatural, e o fato de que até agora não se chegou à sua explicação filosófica, ela é de opinião que lhe cumpre declarar a sua convicção de que o assunto é digno de mais séria atenção e cuidadosa investigação do que tem tido até agora.”

Entre os que deram provas ou leram trabalhos perante a co­missão, estavam: o Doutor Alfred Russel Wallace, Mrs. Emma Har­dinge, Mr. H. D. Jencken, Mr. Benjamim Coleman, Mr. Cromwell F. Varley, Mr. D. D. Home, e o governador de Lindsay. Foi re­cebida correspondência de Lord Lytton, Mr. Robert Chambers, Doutor Garth Wilkinson, Mr. William Howitt, M. Camille Flammarion e outros.

A comissão teve a felicidade de obter provas dos que acre­ditavam nos fenômenos, mas quase que falhou por completo, como se vê do relatório, quando as quis daqueles que os atribuíam à fraude ou à prestidigitação.

No registro de provas de mais de cinqüenta testemunhas, há um volumoso testemunho da existência de fatos trazidos por cava­lheiros e senhoras de alta reputação. Uma testemunha (3)

3. Grattan Geary

achou que o mais admirável fenômeno revelado pelos trabalhadores da comissão foi o extraordinário número de homens eminentes que se mostraram crentes firmes na hipótese espírita. E uma outra (4)

4. E. L. Blanchard.

declarou que, fôssem quais fôssem as fôrças empregadas em tais manifestações, elas não podiam ser explicadas pelo recurso à impostura, de um lado, e à alucinação, do outro.

Um aspecto interessante do desenvolvimento do movimento é aquêle observado por Mrs. Emma Hardinge de que, ao tempo (1869) apenas conhecia dois médiuns profissionais em Londres, ao passo que conhecia muitos não profissionais. Como ela pró­pria era médium, certamente tinha razão ao se exprimir assim.

Mr. Cromwell Varley constatou que provavelmente não haveria mais que cem médiuns conhecidos em todo o império e acrescen­tou que muito poucos dêsses eram bem desenvolvidos. Temos aqui um testemunho conclusivo para o grande trabalho realizado na Inglaterra por D. D. Home, pois a maioria dos conversos o tinha sido através de sua mediunidade. Outra médium que desempenhou um papel importante foi Mrs. Marshall.

Muitas tes­temunhas falam das sessões convincentes que fizeram em sua casa. Mr. William Howitt, o conhecido escritor, era de opinião que tinha então recebido a consagração de cêrca de vinte mi­lhões de criaturas em tôda a parte, após um exame pessoal.

O que pode ser chamado a prova para a oposição não foi absolutamente formidável. Lord Lytton disse que em sua expe­riência os fenômenos constavam de influências materiais, de cuja natureza nós éramos ignorantes; o Doutor Carpenter defendeu a sua tecla da “cerebração inconsciente”. O Doutor Kidd pensava que em sua maioria os fenômenos eram subjetivos e três teste­munhas, conquanto convencidas da autenticidade dos fatos, os tomavam por ações demoníacas. Essas objeções foram bem respondidas por Mr. Thomas Shoster, autor das “Confessions of a Truth Seeker” (5),

5. “Confissões de um Pesquisador da Verdade”. — N. do T.

e secretário do Colégio dos Trabalhadores, numa admirável análise do relatório em The Spiritual Maga­zine (6).

6. 1872, páginas. 3 a 15.

É digno de nota que, ao ser publicado êsse relatório tão importante quanto ponderado, tivesse sido ridicularizado por uma boa parte da imprensa de Londres. Uma honrosa exceção foi o Spectator.

O noticiarista de The Times considerou-o “nada mais que uma mixórdia de conclusões inconsistentes, adornada por uma porção de monstruosidades sem valor que, para infelicidade nos­sa, jamais se reuniram para um julgamento.”

O Morning Post disse: “O relatório que foi publicado não vale nada.”

O Saturday Review esperava que aquêle relatório “desacre­ditasse um pouco mais uma das mais inequivocamente degradan­tes superstições que jamais circularam entre gente que raciocina.

O Standard fêz uma crítica sólida, que merece ser lembrada. Objetando à observação dos que não acreditam no Espiritismo, embora digam que “existe algo novo” o jornal observou sábia-mente: “Se nisto existe algo além de impostura e imbecilidade, há todo um outro mundo aí”.

O Daily News considera o relatório como “uma importante contribuição para a literatura de um assunto que, mais dia menos dia, pelo próprio número de seus adeptos, exigirá mais longa investigação”.

O Spectator, depois de descrever o livro como extremamente curioso, acrescenta: “Poucos, entretanto, lerão a massa de provas coligidas nesse volume, mostrando a sólida fé na realidade dos supostos fenômenos espíritas, ocorridos com um bom número de individuos de caráter respeitável e sólido, sem concordar, tam­bém, com a opinião de Mr. Jeffrey de que os notáveis fenômenos testemunhados, alguns dos quais não tinham sido inquinados de impostura ou de fraude e o testemunho coletivo de pessoas respei­táveis “justificam a recomendação do assunto a investigações posteriores cautelosas”.

São êstes ligeiros extratos de um noticiário mais longo nal­guns poucos jornais de Londres — pois houve muitos outros — e, ruins como são, não deixam de indicar que nenhuma mudança de atitude houve por parte da imprensa, que habitualmente igno­rava o assunto.

É preciso lembrar que o relatório apenas tratava do aspec­to fenomênico do Espiritismo e êste, na opinião dos dirigentes espíritas, constitui, decididamente, o seu lado menos importante. Apenas no relatório de uma subcomissão se registra que, de um modo geral, o tema central das mensagens era que a morte física não passava de trivial assunto retrospectivo, mas que para o Es­pírito havia um renascimento em novas experiências de existências, que a vida do Espírito era, sob todos os pontos, huma­na; que as relações amigáveis eram tão comuns e agradáveis quanto em vida; que, não obstante os Espíritos demonstrassem grande interêsse pelas coisas mundanas, não desejavam retornar à anterior condição de vida; que a comunicação com os amigos da Terra era agradável e desejada pelos Espíritos, devendo ser por aquêles tomada como uma prova da continuidade da vida, a despeito da dissolução do corpo, e que os Espíritos não pretendiam ter o poder seguro de profetizar. Eis os principais pontos das informações recebidas.

No futuro será reconhecido, de um modo geral, que em seus dias e naquela geração, a Comissão da Sociedade Dialética realizou um trabalho excelente. A grande maioria de seus membros se opunha às alegações psíquicas, mas, em face da evi­dência, com poucas exceções, tais como o Doutor Edmunds, êstes reforçaram o testemunho dos sentidos. Houve poucos exemplos de intolerância, como a infeliz declaração de Huxley e a de Charles Bradlaugh de que nem mesmo examinaria certas coisas, porque se situavam na região do impossível; mas, em con­junto, o trabalho das subcomissões foi excelente.

No relatório da Comissão da Sociedade Dialética há um longo artigo do Doutor Edmunds, adversário do Espiritismo, e das constatações dos colegas. Merece leitura, como típico de uma certa classe de mentalidade. O digno doutor, imaginando-se imparcial, étão absolutamente prevenido que jamais pôde entrar em sua cachola a concebível possibilidade de que os fenômenos fôssem supra-normais. Quando assiste a um dêles com os próprios olhos, per­gunta: “Como foi o truque?” Se não consegue responder àpergunta, não o considera digno de qualquer outra explicação, e apenas registra que não lhe foi possível descobrir o truque. Assim seu testemunho, que é perfeitamente honesto em relação ao fato, registra que algumas flôres e frutas ainda úmidas, caí­ram sôbre a mesa — fenômeno de transporte, tantas vêzes ve­rificado com Mrs. Gupáginasy. O único comentário do doutor é que elas devem ter sido tiradas do aparador, embora se possa ima­ginar que uma cesta de frutas sôbre o aparador deveria ter chamado a atenção e êle não se arrisque a dizer que tinha visto tal objeto. De novo foi fechado na cabine com Davenport e admite que êste nada podia fazer, mas, em todo caso, deve haver um truque de mágica. Então, quando verifica que os médiuns que percebem que a sua atitude mental é de irremediável recusa de examinar novamente o caso, toma a observação como um reconhecimento de culpa. Há um certo tipo de mentalidade cien­tífica que é muito aguda dentro de sua especialidade; mas, fora dela, é a coisa mais maluca e ilógica do mundo.

Para a Comissão Seybert, que estudaremos agora, foi uma infelicidade ter sido composta inteiramente de gente tal, com a exceção de um espírita, um certo Mr. Hazard, que fôra convo­cado por êles e que tinha pouca possibilidade de influenciar a sua atmosfera geral de obstrução. As circunstâncias em que foi nomeada a Comissão foram as seguintes: um tal Henry Seybert, cidadão de Filadélfia havia deixado a soma de sessenta mil dólares com o objetivo de ser criada uma Cadeira de Filosofia na Universidade de Pensilvânia, com a condição que a mes­ma Universidade nomeasse uma comissão para fazer uma com­pleta e imparcial investigação sôbre todos os sistemas morais, religiosos ou filosóficos que pretendem representar a verdade e, particularmente, o Espiritismo”. O pessoal da comissão escolhida é indiferente, não obstante ser intimamente ligado à Universidade, ao Doutor Pepáginaser, deão da Universidade, como presidente hono­rário, ao Doutor Furnnes, como presidente efetivo e ao Professor Fullerton, como secretário. A respeito de que o dever da Co­missão era “fazer uma completa e imparcial investigação” do moderno Espiritismo, o relatório preliminar diz friamente:

“A Comissão é com posta de homens cujos dias já se acham cheios de obrigações, que não podem ser postas de lado e que assim, apenas podem dedicar uma pequena parte de seu tempo a essas investigações”.

O fato de estarem os membros satisfeitos de principiar com essa restrição, mostra quão pouco entendiam a natureza do tra­balho que defrontavam. Em tais circunstâncias o fracasso era inevitável. As reuniões começaram em março de 1884 e um relatório preliminar, ou coisa que o valha, foi publicado em 1887. Pelo que se viu o relatório ficou sendo final, por isso que, reimpresso em 1920, nada lhe foi acrescentado, a não ser um prefácio incolor em três períodos, por um descendente do primeiro presidente. O motivo central dêsse relatório é que a fraude de um lado e a credulidade do outro constituem tudo no Espiritismo e que realmente nada havia de sério que merecesse referência. O documento merece uma leitura completa por todo estudioso de psiquismo. A impressão que fica na mente éque os vários membros da Comissão se achavam em seus cam­pos limitados, esforçando-se honestamente para apreender os fatos, mas que as suas mentes, como a do Doutor Edmunds, eram formadas de tal modo que quando, a despeito de sua atitude repelente e impossível, algum acontecimento psíquico tentava rom­per as suas barreiras, nem por um instante consideravam a pos­sibilidade de que fôsse genuíno, mas simplesmente passavam adian­te como se não existisse. Assim, com Mrs. Fox-Kane obtiveram acentuadissimas batidas mas se satisfazem com a suposição, mi­lhares de vêzes desmentida, de que viessem de dentro de seu próprio corpo e passaram sem comentários sôbre o fato de que por seu intermédio receberam longas mensagens, escritas rapidamente pelo avêsso, de modo que só podiam ser lidas através do espelho. Essa escrita rapidíssima, continha um latim abs­truso, uma sentença que aparentemente estava muito acima da capacidade do médium. Tudo isto ou foi ignorado ou ficou sem explicação.

Novamente, observando Mrs. Lord, a Comissão obteve a Voz Direta e luzes fosforescentes, depois de ter examinado a mé­dium. Temos informações de que a médium produziu “um quase contínuo bater de palmas”, além de que, pessoas mais afastadas parecem ter sido tocadas. O preconceito que presidiu o inquérito pode ser caracterizado pela observação do presidente efetivo W. M. Kewler, que era tido como um fotógrafo de Espíritos, pois “não ficaria satisfeito senão com um querubim em minha cabeça, um em cada membro e um anjo batendo asas na minha frente...” Um Espírita ficaria muito surpreendido se realmente um investigador de maneiras tão frívolas conseguisse resultados. Em tudo, a explicação de que o médium produzia alguma coisa como um mágico. Nunca, por um momento sequer êles admitiram que a simpatia e o consentimento de agentes invisíveis pudesse ser essencial — agentes que se podem curvar ante mentes simples, encolher-se ou fazer o jôgo de quem sabe se divertir.

Enquanto houve alguns resultados que podem ser genuínos, mas que são postos de lado no relatório, houve alguns episó­dios penosos para os espíritas, mas que nem por isso podem ser esquecidos. A Comissão descobriu fraudes óbvias no caso da médium da lousa, Mrs. Patterson e é impossível negar que o caso de Slade seja substancial. Os últimos dias dêsse médium foram certamente sombrios e as fôrças que outrora tinham sido tão notáveis devem ter sido substituidas pelos truques. O Doutor Eurness chega mesmo a asseverar que êsses truques eram admi­tidos, mas a anedota, como é dada no relatório, antes sugere uma leviandade da parte do médium. Que o Doutor Slade pudesse diver­tir-se com o Doutor através de sua janela aberta e imediatamente respondesse a uma frase faceta, admitindo que tôda a sua vida tinha sido uma fraude, é absolutamente inacreditável.

Há alguns aspectos nos quais a Comissão — ou pelo menos alguns de seus membros — não procedeu com ingenuidade. As­sim, declaram de início que apóiam o seu relatório em seu pró­prio trabalho e desprezam a massa de material aproveitável. A despeito disso, incorporam um longo relatório adverso, es­crito por seu secretário sôbre as declarações de Zöllner, dado no capítulo que trata das experiências de Slade em Leipzig. Ele teve o cuidado de eliminar o fato de que o maior ilusionista da Alemanha, após considerável investigação, deu um atestado de que os fenômenos de Slade não eram truques. Por outro lado, quando o testemunho de um mágico é contra a explicação espí­rita, como nos comentários de Kellar, esta vem na íntegra, apa­rentemente sem conhecimento de que no caso de um outro mé­dium, Eglinton, êsse mesmo Kellar havia declarado que os resul­tados estavam acima de sua arte.

Na entrada do relatório diz a Comissão: “Sentimo-nos felizes por têr-nos contado, desde o início, com Mr. Thomas R. Hazard, amigo pessoal de Mr. Seybert, como conselheiro, desde que é muito conhecido na região como um espírita convicto”. Evidentemente Mr. Hazard conhecia a importância de garantir as condições adequadas e o exato tipo de assistentes para um trabalho experimental como aquêle. Descrevendo uma entrevista com Mr. Seybert, poucos dias antes de sua morte, quando acei­tou ser seu representante, diz Mr. Hazard que o fêz apenas “com inteira e clara compreensão de que me fôsse permitido indi­car os métodos a seguir na investigação, designar os médiuns que deveriam ser consultados e recusar a presença de pessoas que julgasse em conflito com a harmonia e a boa ordem dos grupos espíritas”. Mas êsse representante de Mr. Seybert parece que ficou inteiramente esquecido pela Universidade. Depois de haver a Comissão realizado algumas sessões, Mr. Hazard ficou descon­tente com alguns de seus membros e com os seus métodos. En­contramo-lo publicando o que se segue em Filadélfia no North American de 18 de maio de 1885, possivelmente depois de vãos contactos com os diretores da Universidade:

“Sem querer atingir, no mínimo que seja, o inatacável ca­ráter moral de cada um dos membros da Faculdade, inclusive a Comissão na estima pública ou no alto padrão social e lite­rário que êles ocupam na sociedade, devo dizer que, com uma es­tranha convicção, um julgamento vesgo ou uma perversão inte­lectual as Autoridades da Universidade colocaram na Comissão de Investigação do Espiritismo uma maioria de membros cuja educação, hábitos mentais e preconceitos os inabilitam singularmente para uma investigação completa e imparcial do assunto que as Autoridades Universitárias por uma questão legal e por uma questão de honra, são obrigadas a fazer; que o objetivo foi diminuir, desacreditar e atrair o desprêzo e a animadiversão geral para a causa que eu sei que o finado Henry Seybert tinha no coração e amava acima de qualquer coisa no mundo. As Au­toridades dificilmente poderiam escolher instrumentos mais ade­quados para o seu objetivo, entre os cidadãos de Filadélfia do que os cavalheiros que constituem a maioria da Comissão Sey­bert. E isto eu repito, não por motivos que lhes afete o padrão moral, social ou literário na sociedade, mas simplesmente devido aos seus preconceitos contra a causa do Espiri­tismo.”

Posteriormente avisou as Autoridades que deveriam ser ex­cluídos da Comissão os senhores Fullerton, Thompson e Koenig.

Mr. Hazard informou que, numa conferência feita a 3 de março de 1885, no Clube da Universidade de Harvard, o Pro­fessor Fullerton havia dito:

“É possível que o meio pelo qual os médiuns contam a vida de uma pessoa seja o processo de transmissão de pensamento, pois cada um que tem noticia dessas coisas vai a um médium pen­sando exatamente naqueles pontos que o médium aborda.

... Quando alguém tem um resfriado, sente um zumbido nos ouvidos, e um louco, constantemente, ouve sons que jamais ouvira. Então é possível que uma doença mental ou dos ouvidos, ou uma forte emoção, sejam a causa de um grande número de fenômenos espíritas.”

Estas palavras foram ditas depois que o Professor tinha servido na Comissão por mais de doze meses.

Mr. Hazard também cita o Doutor George A. Koenig, cujo ponto de vista foi publicado em Philadelphia Press, cêrca de um ano depois de sua nomeação para a Comissão:

“Devo admitir francamente que estou preparado para negar a verdade do Espiritismo, tal qual é agora popularmente enten­dido. É minha convicção que, sem exceção, todos os chama­dos médiuns são charlatães. Jamais vi Slade realizar algum de seus truques; mas, pelas descrições publicadas, convenci-me de que é um impostor, e o mais esperto da turma.

Não penso que a Comissão veja com muito agrado o exame dos chamados médiuns espíritas. Os homens mais sábios são capazes de ser enganados. Numa hora um charlatão pode inventar tantos truques que um homem honesto levará um ano para descobri-los.

Mr. Hazard soube, de fonte que considerava segura, que o Professor Robert E. Thompson era responsável por êsse tópico que apareceu em fevereiro de 1880 no Penn’s Monthly:

“Ainda que o Espiritismo fôsse tudo quanto pretendem os seus campeões, êle nenhuma importância tem para os que prof es­sam a fé cristã. A consideração e a discussão do assunto são comprometedoras de suas noções e arrastam a discussões com as quais nada tem que ver um crente cristão.”

Temos nestas expressões o meio de julgar como estavam capacitados os membros da Comissão para fazer aquilo que pe­dira Mr. Seybert — “uma completa e imparcial” investigação do assunto.

Um periódico espírita americano, o Banner ai Light, co­mentando o comunicado de Mr. Hazard, escreveu:

“Tanto quanto estamos informados, não se tomou conheci­mento do apelo de Mr. Hazard — certamente nenhuma medida, pois os membros citados continuam na Comissão até agora e seus nomes aparecem no relatório preliminar. De fato o Professor Fullerton foi e é ainda o secretário; cento e vinte das cento e cinqüenta páginas do volume que temos sob os nossos olhos são escritos por êle e exibem essa falta excessiva de percepção espiri­tual e de conhecimento do oculto e, podemos ainda dizer, das leis naturais, o que o levou a informar o auditório de estudantes de Harvard que “quando alguém tem um resfriado sente um zumbido nos ouvidos”; que “um louco constantemente ouve sons que jamais ouvira”; e sugere que os fenômenos espíritas devem proceder de tais causas.

E continua o Banner of Light:

“Consideramos que a falta da Comissão Seybert, desaten­dendo o conselho de Mr. Hazard, como era de sua inteira obri­gação, é a chave do fracasso completo de todos os seus subseqüentes esforços. A insignificância dos resultados fenomênicos, aproximando-se daquele que seria desejável, até por um cépti­co, e que são registrados nesse livro, certamente é notável. É um relatório do que não foi feito, mais do que daquilo que foi. Nos memorandos dos registros de cada sessão, redigidos pelo Professor Fullerton, está mais do que visto o esforço para realçar tudo quanto uma mentalidade superficial pode considerar como prova de trapaça do médium e subtrair tudo quanto possa tornar evidente a verdade das alegações... É mencionado que, quando certos membros da Comissão se achavam presentes, os fenômenos cessavam. Isto prestigia a correta posição de Mr. Hazard. E não há ninguém que, tendo experiências com médiuns, bastante para que sua opinião seja tida como valiosa, não a endosse. Os Espíritos sabiam com que elementos se iam encontrar; esforça­ram-se por afastar aquêles que reduziriam as suas experiências; falharam devido à ignorância, à teimosia e aos preconceitos da Comissão, e as experiências falharam. Assim a Comissão, muito “cônscia de si mesma”, decidiu que tudo era fraude.”

Referindo-se ao relatório, diz Light (7)

7. 1887, página 391.

aquilo que se precisa dizer agora, tanto quanto em 1887:

“Noticiamos com alguma satisfação, con quanto sem qual­quer admiração pelo que possa resultar do prosseguimento de maus métodos de investigação, que a Comissão pretende comtinuar o seu inquérito “com a mente tão sincera e honestamente aberta, como até aqui, para a convicção.” Desde que assim é, permitimo-nos oferecer algumas palavras de conselho baseadas numa larga experiência. A investigação dêsses obscuros fenô­menos é conduzida com dificuldades e tôda instrução que possa ser dada se deriva de um conhecimento que é, principalmente, empírico. Sabemos, porém, que prolongadas e pacientes experiên­cias com um grupo constituído adequadamente são uma con­dição sineqüanon. Sabemos que nem tudo depende do médium, mas que o círculo deve ser formado e variado expe­rimentalmente de vez em quando, até que os próprios consti­tuintes sejam garantidos. Não podemos dizer o que sejam êsses elementos na Comissão Seybert. lUes devem descobri-lo por si mesmos. Que estudem a literatura espírita e as variadas caracte­rísticas da mediunidade antes de fazerem experiências pessoais. E quando o tiverem Jeito e, talvez, quando tiverem verificado como assim é fácil conduzir um exame dessa natureza, para chegar a resultados negativos, estarão numa posição melhor para devotarem um cuidado paciente e inteligente a um estudo que não pode ser conduzido com proveito de outra maneira.

Não há dúvida de que o relatório da Comissão Seybert atra­sou por algum tempo a causa da verdade psíquica. Mas o prejuízo real caiu também sôbre a instituição científica que aquêles cavalheiros representavam. Nos dias atuais, quando o ectoplasma, a base física dos fenômenos psíquicos, foi estabelecido acima de qualquer sombra de dúvida para quem quer que examine os fatos, é demasiado tarde para pretender que nada existe a ser examinado.

Agora rara é a capital que não possui a sua so­ciedade de Pesquisas Psíquicas — resposta final à conclusão da Comissão de que não há campo para pesquisas. Se a Co­missão Seybert tivesse tido o efeito de levar a Universidade de Pensilvânia a encabeçar êsse movimento, inspirando-se na gran­de tradição do Professor Hare, como seria brilhante a sua posição final!

Como Newton associou Cambridge com a lei da gravitação, assim Pensilvânia ter-se-ia ligado a um maior avan­ço do conhecimento humano. A vários centros científicos da Europa coube partilhar essa honra.

A restante investigação coletiva é de menor importância, desde que se dedica a um médium particular. Esta foi condu­zida pelo Instituto Geral Psicológico, em Paris. Consistiu em três séries de sessões com a famosa Eusapia Palladino, nos anos de 1905, 1906 e 1907, num total de quarenta e três sessões. Não são conhecidas as listas com os nomes de todos os assisten­tes, nem houve um adequado relatório geral: o único registro é o do secretário. Entre os investigadores incluíam-se figuras dis­tintas, como Charles Richet, o Casal Curie, Bergson, Perrin, o Professor d’Arsonval, do Colégio de França, que era o presi­dente da Sociedade, o Conde de Grammont, o Professor Charpen­tier e o Reitor Debierne, de Sorbonne. O resultado obtido não foi desastroso para a médium, desde que o Professor Richet en­dossou a realidade de sua fôrça psíquica, mas os pequenos des­uses de Eusapia são registrados no subseqüente relato de sua car­reira e bem podemos imaginar o efeito desconcertante que te­riam tido sôbre aquêles para quem essas coisas eram novi­dade.

Está incluída no relatório uma espécie de conversa entre os assistentes, na qual falam do assunto, muitos porém de maneira nebulosa e imprópria para mentes disciplinadas. Não se pode alegar que qualquer luz nova tivesse sido derramada sôbre a médium ou que qualquer novo argumento tivesse sido aduzido, quer pelos cépticos, quer pelos crentes. Entretanto o Doutor Geley, que se aprofundou tanto quanto quem mais o fêz no psiquismo, procla­ma que “as experiências” — e não o relatório — constituem va­liosa contribuição para o assunto (8).

8. L’Ectoplasmie et la Clairvoyance” 1924, página 402.

Baseia-se êle no fato que os resultados verificados, por vêzes, confirmam notàvelmente os obtidos em seu próprio Instituto Metapsíquico, com Kluski, Guzik e outros médiuns. As diferenças, diz êle, são de deta­lhes: nunca essenciais, O contrôle das mãos foi o mesmo em am­bos os casos, onde ambas as mãos eram prêsas. Isto foi mais fácil no caso dos últimos médiuns, especialmente com Kluski em transe, enquanto Eusapia era geralmente muito irrequieta. Pa­rece que o meio têrmo era a condição característica de Eusapia e o que foi observado pelo autor no caso do Frau Silbert, Evan Powell e outros médiuns, onde a personalidade parece normal, e ainda peculiarmente susceptível de sugestão ou outras impressões mentais. A suspeita de fraude pode ser levantada muito facilmente em tais condições, porque o desejo geral da parte da assistência de que aconteça alguma coisa reage fortemente so­bre a mente do médium, que no momento não raciocina. Um amador que tinha alguma fôrça psíquica garantiu ao autor que necessita de considerável inibição para manter tais impulsos latentes e aguardar de fora a verdadeira fôrça. Nesse relatório lemos: “Estando controladas as mãos, os joelhos e os pés de Eusápia, a mesa ergueu-se subitamente, pelos quatro pés, que ficaram acima do chão. Eusapia cerra os punhos e os apóia na mesa, que então se ergue completamente do chão, cinco vêzes seguidas, ao mesmo tempo que eram dadas cinco batidas. É de novo levantada completamente, enquanto cada uma das mãos de Eusapia se apóia na cabeça de um assistente. É levan­tada de cêrca de trinta centímetros do solo e suspensa no ar durante sete segundos, enquanto mantém a mão sôbre a mesa e uma vela acesa é colocada debaixo”, e assim por diante, com pro­vas mais conclusivas com a mesa e outros fenômenos.

A timidez do relatório foi satirizada pelo grande espírita francês Gabriel Delanne. Disse êle:

“O relatório insiste em dizer “parece” e “dá a impressão”, de um homem que não está seguro daquilo que descreve. Os que realizaram quarenta e três sessões, com bons olhos e apa­relhos de verificação devem ter uma opinião firmada — ou, pelo menos, ser capazes de dizer, se consideram determinado fenô­meno como fraudulento; que numa determinada sessão tinham visto o médium em ato de fraude. Mas não há nada disso. O leitor é deixado na incerteza — uma vaga suspeita pairando sôbre tudo, muito embora sem qualquer base séria.

Comentando isto, diz Light (9):

9. 1909, página 356.

“Mostra Delanne, pelos resumos do próprio Relatório, que algumas experiências tiveram êxito, ainda quando as maiores precauções foram tomadas, tais como usar lâmpada escura para verificar-se realmente Eusapia tocara os objetos que se mo­viam.

Deliberadamente o Relatório ainda desconta essas ob­servações diretas e positivas, com exemplos de casos “ocorridos em outras ocasiões e outros lugares”, nos quais “se dizia” ou se pensava” que Eusapia tivesse indevidamente influenciado o fenômeno.

“O relatório Courtier provará cada vez mais ser aquilo que já dissemos ser — “um monumento de inépcia” e a realidade dos fenómenos de Eusapia não pode honestamente ser posta em dúvida por frases sem sentido, con as quais o relatório foi enfeitado com liberalidade.”

Aquilo que pode ser chamado uma investigação coletiva de um médium, foi empreendido nos anos de 1923 a 1925, com Mrs. Crandon, senhora de um médico de Boston, por uma comissão escolhida pelo Scientific Ámerican e depois por uma pequena comissão de homens de Harvard, tendo como chefe o conhe­cido astrônomo Doutor Shapley. A controvérsia sôbre êste inqué­rito ainda ruge e o assunto foi referido no capítulo que trata dos grandes médiuns modernos. Em resumo, pode dizer-se que dos investigadores do Scientif ia American, o secretário, Mr. Mal­colm Bird e o Doutor Hereward Carrington proclamaram a sua com­pleta conversão, Os outros fizeram declarações imprecisas, que envolvem a humilhante confissão de que, após numerosas ses­sões, feitas sob suas próprias condições e em presença de cons­tantes fenômenos, não poderiam dizer se tinham sido enganados ou não.

O defeito da comissão era não contar com um espírita experimentado e familiar com as condições psíquicas. O Doutor Prince era muito surdo, enquanto o Doutor McDougall estava numa situação em que tôda a sua carreira acadêmica se achava amea­çada pela aceitação de uma explicação impopular. A mesma observação se aplica à comissão do Doutor Shapley, tôda composta de rebentos científicos. Sem imputar consciente desonestidade mental, há uma saída subconsciente em busca da segurança. Len­do o relatório dêsses cavalheiros, com sua concordância com tôdas as sessões e seus resultados, e seu veredicto final de fraude, não é possível descobrir nenhum caminho normal para que ti­vessem chegado às suas conclusões.

Por outro lado, o endôsso da mediunidade por gente que não tinha razões pessoais para extrema precaução era freqüente e entusiástico. O Doutor Mark Richardson, de Boston, referiu que tinha estado em mais de trezentas sessões e não tinha a menor dúvida quanto aos resul­tados.

O autor viu numerosas fotografias do fluxo ectoplásmico de “Margery” e, comparando-as com fotografias semelhantes, tira­das na Europa, não hesita em dizer que são inquestionavelmente genuínas, e que o futuro justificará o médium contra os seus críticos insensatos.

15

A Carreira de Eusapia Palladino

A MEDIUNIDADE de Eusapia Palladino marca um estágio importante na história da pesquisa psíquica, porque foi ela a primeira dos médiuns de fenômenos físicos a ser examinada por um grande número de homens de ciência. As principais manifes­tações que ocorreram com ela consistiam no movimento de ob­jetos sem contacto, a levitação de uma mesa e outros objetos, a levitação do médium, o aparecimento de mãos materializadas, de rostos, de luzes, além da execução de músicas em instrumen­tos, mas sem contacto humano.

Todos êsses fenômenos ocorreram, como vimos, muito anteriormente com o médium D. D. Home, mas quando Sir William Crookes convidou seus colegas para que viessem examiná-lo, êles declinaram do convite. Agora, pela primeira vez êsses fatos estranhos eram submetidos a pro­longada investigação por homens de reputação na Europa. Des­necessário é dizer que êsses experimentadores inicialmente eram cépticos no mais alto grau e os chamados testes — freqüente­mente mesquinhas precauções que comprometem o objetivo visa­do — estavam na ordem do dia. Nenhum médium em todo o mundo foi mais duramente examinado do que essa mulher e, desde que foi capaz de convencer a grande maioria dos assis­tentes, é claro que a sua mediunidade não era do tipo comum. Desnecessário dizer que nenhum pesquisador deveria ser admi­tido à sala das sessões sem, pelo menos, um conhecimento ele­mentar das complexidades da mediunidade e das corretas con­dições para a sua manifestação ou sem, por exemplo, uma com­preensão da verdade básica que não é o médium só, mas igual­mente os assistentes, que são fatôres no êxito da experiência. Nem um só homem de ciência em mil reconhece isto; e o fato de ter Eusapia triunfado a despeito dessa tremenda desvantagem, éum eloqüente tributo à sua fôrça.

A carreira mediúnica dessa napolitana humilde e iletrada, de tão grande interêsse e de extrema importância quanto aos resul­tados, ainda oferece outro exemplo da humildade empregada como instrumento para esmagar os sofismas dos sábios. Eusapia nas­ceu a 21 de janeiro de 1854 e morreu em 1918. Sua mediuni­dade começou a manifestar-se quando tinha cêrca de catorze anos. A mãe morrera quando ela nasceu e o pai quando ela estava com doze anos. Em casa de amigos, com quem foi morar, persuadiram-na a que se sentasse à mesa com outras pessoas. No fim de dez minutos a mesa foi levitada, as cadeiras come­çaram a dançar, as cortinas da sala a ser puchadas, os copos e garrafas a se moverem. Cada assistente foi examinado por sua vez, para se descobrir quem era responsável pelos movimentos; no fim constatou-se que Eusapia era o médium. Ela não tomou interêsse nas experiências e só consentiu em fazer novas sessões para agradar aos hóspedes e evitar ser mandada para um con­vento. Só aos vinte e dois ou vinte e três anos é que começou a sua educação espírita e então, de acôrdo com Flammarion, foi dirigida por um ardoroso espírita, Signor Damiam.

Em conexão com êsse período Eusapia relata um incidente interessante. Em Nápoles uma senhora inglêsa que se havia casado com o Senhor Damiani foi aconselhada nossa sessão, por um Espírito que dava o nome de John King, a procurar uma senhora chamada Eusapia, num determinado enderêço. Disse que se tratava de uma poderosa médium, através da qual êle pretendia manifestar-se. A Senhora Damiani foi ao enderêço mar­cado e encontrou Eusapia Palladino, de quem jamais ouvira falar. As duas senhoras fizeram uma sessão e John King controlou a médium, de quem passou, daí em diante, a ser o guia.

Sua primeira apresentação ao mundo científico europeu foi através do Professor Chiaia, de Nápoles, que em 1888 publicou num jornal de Roma uma carta ao Professor Lombroso, dando detalhes de suas experiências e convidando êsse célebre alie­nista a fazer investigações diretas com a médium. Só em 1891 Lombroso aceitou o convite e em fevereiro daquele ano fêz duas sessões com Eusapia, em Nápoles. Converteu-se e escreveu:

“Estou cheio de confusão e lamento haver combatido com tanta persisténcia a possibilidade dos fatos chamados espíritas”. Sua conversão levou muitos cientistas importantes da Europa a in­vestigar e daí em diante a Senhora Palladino estêve ocupada durante muitos anos em sessões experimentais.

As sessões de Lombroso em Nápoles em 1891, foram se­guidas pela Comissão de Milão em 1892, que contava com o Professor Schiaparelli, Diretor do Observatório de Milão, o Professor Gerosa, Catedrático de Física, Ermacora, Doutor em Filosofia Natural, Aksakoff, Conselheiro de Estado do Tzar da Rússia, Charles du Prel, Doutor em Filosofia de Munique, e o Professor Charles Richet, da Universidade de Paris. Foram realizadas dezesseis sessões.

Depois veio a investigação em Nápoles, em 1893; em Roma, entre 1893 e 1894; em Varsóvia e na França em 1894 esta última sob a direção do Professor Ri­chet, de Sir Oliver Lodge, de Mr. F. W. H. Myers e do Doutor Ochorowicz; em 1895, em Nápoles; e no mesmo ano na Ingla­terra, em Cambridge, em casa de Mr. F. W. H. Myers, em pre­sença do Professor e de Mrs. Sidgwick, de Sir Oliver Lodge e do Doutor Richard Hodgson. Foram continuadas em 1895, na França, em casa do Coronel de Rochas; em 1896 em Tremezzo, em Auteuil e em Choisy Yvrac; em 1897 em Nápoles, Roma, Pa­ris, Montfort e em Bordéus; em Paris, em novembro de 1898, em presença de uma comissão de cientistas, composta dos senho­res Flammarion, Charles Richet, A. de Rochas, Victorien Sardou, Jules Claretie, Adolphe Bisson, G. Delanne, G. de Fontenay e ou­tros, também em 1901 no Clube Minerva, de Genebra, em pre­sença dos Professores Porro, Morselli, Bozzano, Venzano, Lombroso, Vassalo e outros. Houve muitas outras sessões experimen­tais com homens de ciência, tanto da Europa quanto da Amé­rica.

Em sua carta ao Professor Lombroso, já referida, o Pro­fessor Chiaia fêz uma vívida descrição dos fenômenos que ocor­riam com Eusapia. Convidou-o a observar um caso especial, que considera digno de atenção da mente de Lombroso, e con­tinua:

“Refiro-me ao caso de uma mulher inválida, da mais humil­de camada social. Tem cêrca de trinta anos e é muito igno­rante; seu olhar nem é fascinante nem dotado daquele poder que os modernos criminalistas chamam irresistível. Mas quando ela quer, seja dia ou noite, pode divertir um grupo durante uma hora ou mais, com os mais curiosos fenômenos. Tanto amarrada a uma cadeira, quanto segura pelas mãos pelos assistentes, atrai a si móveis e objetos que a cercam, levanta-os, mantendo-os suspensos no ar, como o féretro de Maomé, e fá-los descer nova­mente com um movimento ondulatório, como se obedecessem à sua vontade. Aumenta ou diminui à vontade o seu pêso. Ouvem-se arranhaduras e batidas nas paredes, no teto, no soalho, com muito ritmo e cadência. Em resposta a perguntas dos assisten­tes, algo como jatos de eletricidade emana de seu corpo e a envolve ou aos espectadores dessas cenas maravilhosas. Dese­nha sôbre cartões que os outros seguram, aquilo que se deseja —figuras, assinaturas, números, sentenças — apenas estirando a mão na direção indicada.

Se se colocar num canto da sala uma bacia contendo uma camada fina de cal, no fim de algum tempo aí se encontra a im­pressão de uma pequena ou de uma grande mão, um rosto, de frente ou de perfil, do qual se poderia tirar um molde. As­sim têm sido conservados retratos tirados de vários ângulos e os que desejam podem assim fazer sérios estudos.

Essa mulher ergue-se no ar, sejam quais forem as amarras que a sustenham. Parece librar-se no ar como se sôbre um colchão, contrariando tôdas as leis da gravidade. Toca instru­mentos de música — órgãos, sinos, tamborins — como se êles tivessem sido tocados por suas mãos ou movidos pelo sôpro de invisíveis gnomos... Essa mulher por vêzes aumenta a sua estatura de mais de dez centímetros.”

Como vimos, o Professor Lombroso interessou-se bastante por essa descrição e investigou. O resultado foi que se conver­teu. A Comissão de Milão, que foi a seguinte a experimentar, em 1892, assim diz em seu relatório:

“É impossível dizer o número de vêzes que uma mão apa­receu e foi tocada por um de nós. Basta dizer que a dúvida já não era possível. Realmente era uma mão viva que víamos e tocávamos, enquanto, ao mesmo tempo, o busto e os braços do médium estavam visíveis e suas mãos eram seguras pelos que se achavam ao seu lado.”

Muitos fenômenos ocorreram à luz de duas velas ou lâm­padas de óleo e as mesmas ocorrências foram testemunhadas em plena luz, quando o médium estava em transe. O Doutor Ochoro­wicz persuadiu Eusapia a visitar Varsóvia em 1894 e as experiên­cias aí foram feitas em presença de homens e senhoras emi­nentes nos círculos científicos e filosóficos. O relato dessas sessões diz que levitações parciais e completas da mesa e muitos outros fenômenos físicos foram conseguidos. Essas levitações se deram quando os pés do médium eram vistos à luz ou quando eram amarrados e seguros por um assistente ajoelhado debaixo da mesa.

Depois das sessões em casa do Professor Richet, em 1894, na Ilha de Roubaud, fazendo um relatório à Sociedade de Pesquisas da Inglaterra, disse Sir Oliver Lodge:

“Conquanto os fatos devam ser explicados, sou forçado a ad­mitir a sua possibilidade.

Em minha mente não há mais lugar para dúvidas. Qualquer pessoa sem invencível preconceito que te­nha tido a mesma experiência terá chegado à mesma larga con­clusão, isto é, que atualmente acontecem coisas consideradas im­possíveis... O resultado de minha experiência é convencer-me de que certos fenômenos geralmente considerados anormais, per­tencem à ordem natural e, como um corolário disto, que êsses fenômenos devem ser investigados e verificados por pessoas e socie­dades interessadas no conhecimento da natureza (1).

1. Journal SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH Volume 6º - Novembro de 1894. páginas 334 e 360.

Na sessão em que Sir Oliver Lodge leu o seu relatório, Sir William Crookes chamou a atenção para a semelhança entre os fenômenos que ocorriam com Eusapia e os que se davam em pre­sença de D. D. Home.

O relatório de Sir Oliver Lodge foi combatido pelo Doutor Ri­chard Hodgson, então ausente nos Estados Unidos, e, como con­seqüência, Eusapia Palladino e o Doutor Hodgson foram convi­dados para uma série de sessões na Inglaterra, em Cambridge, as quais se realizaram em agôsto e setembro de 1895, em casa de Mr. F. W. II. Myers. Essas “Experiências de Cambridge”, como foram chamadas, na sua maioria foram mal sucedidas e alegou-se que a médium foi seguidamente pilhada em fraude. Escreveu-se muito pró e contra, na acesa controvérsia que se seguiu. Basta dizer que observadores competentes recusaram êsse veredicto contra Eusapia, e condenaram formalmente os méto­dos empregados em Cambridge pelo grupo de experimenta­dores.

É interessante lembrar que um repórter americano, por ocasião da visita de Eusapia aos Estados Unidos em 1910, lhe perguntou à queima-roupa se alguma vez havia sido surpreendida em fraude. Eusapia respondeu francamente: “Muitas vêzes di­zem-me que sim. O senhor vê, é assim. Alguns dos que estão à mesa esperam truques; na verdade os desejam.

Eu estou em transe. Nada acontece. Eles ficam impacientes; pensam em truques, e eu — Eu — automàticamente respondo. Mas não é freqüente. Apenas querem que eu os pratique. Eis tudo”. Isso parece uma engenhosa adaptação de uma defesa, que Eusapia ouviu outros fazerem a favor dela. Ao mesmo tempo há nisso, inquestionàvelmente, um elemento de verdade, que é o aspecto psicológico da mediunidade ainda pouco compreendido.

Em relação ao caso podem ainda fazer-se duas observações importantes. Primeiro, como bem indicou o Doutor Hereward Car­rington, várias experiências conduzidas com o fito de repetir os fenômenos por meios fraudulentos resultaram em completo fracasso em quase todos os casos. Em segundo lugar, ao que parece, os assistentes das sessões de Cambridge eram comple­tamente ignorantes da existência e do modo de agir daquilo que pode ser chamado de “alavanca ectoplásmica”, fenômeno obser­vado no caso de Slade e de outros médiuns. Diz Carrington:

“Tôdas as objeções de Mrs. Sidgwick podem ser resolvidas se ad­mitirmos, em certas ocasiões, um terceiro braço, que produz êsses fenômenos e que se recolhe ao seu próprio corpo quando êsses se realizaram”. Agora, por mais estranho que pareça, é justamente essa a conclusão a que conduzem abundantes indicações. Já em 1884 Sir Oliver Lodge viu aquilo que descreve como uma apa­rência de membros extra”, em continuação do corpo de Eusapia ou muito junto a êste. Com essa segurança que muitas vêzes a ignorância se permite, o comentário editorial no Jornal da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, no qual foi publicado o relato de Sir Oliver, diz: “É absolutamente necessário observar que a continuidade dos membros do “Espírito” com o corpo do médium é, prima facie, uma circunstância altamente sugestiva de fraude”.

Mas, posteriores cientistas investigadores confirmam ampla­mente a suposição de Sir Oliver Lodge. Declara o Professor Botazzi:

“De outra feita, mais tarde, a mesma mão se colocou sôbre o meu antebraço direito, sem fazer pressão. Nessa ocasião não só levei a mão esquerda para o lugar, como olhei, de modo que podia ver e sentir ao mesmo tempo: e vi uma mão humana, de côr natural, e com os meus dedos senti os dedos e as costas de uma mão tépida nervosa e áspera. A mão se dissolveu — eu vi com os próprios olhos — retraindo-se como se para dentro do corpo da senhora Palladino, descrevendo uma curva. Confesso que tive dúvidas se a mão esquerda da senhora Palladino se tinha libertado da minha direita, para alcançar o meu ante braço, mas no mesmo instante fui capaz de provar a mim mesmo que essa dúvida não tinha fundamento, porque nossas duas mãos permaneciam em contacto, como de costume. Se todos os fenômenos observados nessas sete sessões desaparecessem da minha memória, eu jamais esqueceria êste.”

Em 1907 o Professor Galeotti viu aquilo a que chamou o duplo do braço esquerdo do médium. E exclamou: “Olhem! eu vejo dois braços esquerdos, de idêntica aparência! Um está sôbre a mesinha e é tocado pelo senhor Bottazzi e o outro parece que sai de seu ombro — para se aproximar dela, tocá-la e voltar a fundir-se novamente em seu corpo. Isto não é uma alucinação”. Numa sessão em julho de 1905, em casa do senhor Berisso, quando as mãos de Eusapia eram inteiramente controladas e visíveis a todos, o Doutor Venzano e outros presentes “viram dis­tintamente uma mão e um antebraço, coberto por uma manga escura que saia da frente e da parte superior do ombro direito da médium”. Um testemunho muito semelhante poderia ser dado.

Como contribuição para o estudo das complexidades da mediunidade, principalmente de Eusapia, o caso seguinte merece séria atenção. Numa sessão com o Professor Morselli, Eusapia tinha sido apanhada libertando-se da mão do professor e tentando apanhar uma cameta que se achava sõbre a mesa. Foi obstada de o fazer. Então, diz o relatório:

“Neste momento, quando certamente mais rigoroso era o contrôle, a cameta foi erguida da mesa e desapareceu dentro da cabine, passando entre a médium e o Doutor Morselli. Evidentemente a médium tinha tentado fazer com a mão o que a seguir fêz mediunicamente. Um esfôrço tão fútil e tão inútil para fraudar é inexplicável. Não há dúvidas a respeito; desta vez a médium não tocou, nem podia tocar na cameta; e, mes­mo que a tivesse alcançado, não a teria levado para a cabine, que fica às suas costas.”

Deve ser lembrado que o canto da sala tinha uma cortina, que formava a chamada cabine, isto é, um recinto fechado para reunir fôrça, e que Eusapia, ao contrário dos outros médiuns, sentava-se do lado de fora, a cêrca de trinta centímetros, ficando a cortina as suas costas.

Em 1895, a Sociedade de Pesquisas Psíquicas tinha deci­dido que todos os fenômenos de Eusapia eram fraudulentos e não queria mais contacto com ela. Mas no continente europeu grupo após grupo de cientistas investigadores, tomando as mais rigorosas precauções, atestaram os dons de Eusapia. Então em 1908 a Sociedade de Pesquisas Psíquicas decidiu examinar a médium mais uma vez. Nomeou três de seus cépticos mais capa­citados. Um dêles, Mr. W. W. Baggally, membro do Conselho, tinha investigado os fenômenos psíquicos por mais de trinta e cinco anos e, durante êsse tempo — com exceção, talvez, de uns poucos incidentes numa sessão com Eusapia, poucos anos antes — jamais havia testemunhado um único fenômeno físico legítimo. “Em tôdas as suas investigações sempre tinha verifi­cado fraudes e nada mais que fraudes”. Ainda mais, era um hábil ilusionista. Mr. Everard Fielding, secretário honorário da Sociedade, tinha feito investigações por alguns anos, mas “du­rante todo êsse tempo jamais tinha visto um fenômeno físico que lhe parecesse conclusivamente provado” a não ser, talvez, um caso em sessão com Eusapia. O Doutor Hereward Carrington, o ter­ceiro nomeado, conquanto tivesse assistido a inúmeras sessões, po­dia dizer que até assistir a uma sessão com Eusapia, “jamais tinha visto uma única manifestação de ordem física que pudesse consi­derar autêntica”.

À primeira vista êsse registro dos três investigadores parece esmagador para o que pensavam os Espíritas. Mas nas investigações de Eusapia Palladino êsse trio de cépticos teve o seu Waterloo. A história completa de sua longa e paciente pesquisa desse mé­dium em Nápoles encontra-se no livro do Doutor Hereward Car­rington “Eusapia Palladino and Her Phenomena” (1909) (2).

2. Eusapia Palladino e os seus Fenômenos (1909). — N. do T.

Como prova da cuidadosa investigação dos cientistas do con­tinente, devemos lembrar que o Professor Morselli observou nada menos que trinta e nove tipos diversos de fenômenos que se passavam com Eusapia Palladino.

Os incidentes que se seguem devem ser lembrados porque bem podem ser classificados sob o título de “Provas malucas”. De uma sessão em Roma, em 1894, em presença do Professor Ri­chet, do Doutor Schrenck Notzing, do Professor Lombroso e de outros, o relatório diz o seguinte:

“Esperando obter o movimento de um objeto sem contacto, colocamos um pedacinho de papel dobrado em forma de “A” sob um copo em cima de um disco de papelão fino... Nada se tendo verificado, não quisemos fatigar a médium e deixamos as coisas em cima de uma grande mesa. Então tomamos os nos­sos lugares em redor da mesinha, depois de havermos fechado cuidadosamente tôdas as portas, cujas chaves pedimos aos con­vidados que guardassem nos bolsos, para que não nos acusas­sem de não havermos tomado tôdas as precauções.

A luz foi apagada. Logo ouvimos soar o copo sôbre a nossa mesa e, tendo acendido uma luz, encontramo-lo em nosso meio e na mesma posição, emborcado e cobrindo o pedacinho de papel. Só que o papelão estava faltando. Em vão o procura­mos. Terminada a sessão conduzi os convidados mais uma vez para a antecâmara. O Senhor Richet foi o primeiro a abrir a porta, bem aferrolhada por dentro. Qual não foi a sua surprêsa quan­do percebeu, perto da soleira da porta e do outro lado, na caixa da escada, o disco que tanto procuráramos! Apanhou-o e todos reconheceram o papelão que fôra pôsto debaixo do copo.”

Uma forte prova digna de registro é a de que o Senhor de Fon­tenay fotografou várias mãos que apareciam sôbre a cabeça de Eusapia e numa das fotografias as mãos da médium aparecem bem seguras pelos investigadores. Essas fotografias são repro­duzidas nos “Annais of Psychical Science”, de abril de 1908, página 181 e seguintes.

Na sexta e última sessão dessa série em Gênova, com o Professor Morselli, em 1906 e 1907, foi obtida uma prova decisiva. A médium estava amarrada no divã com uma larga faixa, como as camisas de fôrça usadas nos asilos. Morselli, com a expe­riência de um alienista, realizou a operação e ainda amarrou-lhe os punhos e os tornozelos. Depois foi acêsa uma lâmpada ver­melha de dez velas. A mesa, que estava livre de qualquer con­tacto, movia-se de vez em quando, foram vistas pequenas luzes e uma mão. Num dado momento, abriu-se uma cortina em frente à cabine, deixando ver a médium estirada e bem amarrada. Diz o relatório: “Os fenômenos eram inexplicáveis, de vez que, dada a sua posição, qualquer movimento era impossível.

Em conclusão, aqui estão os relatos de dois casos, entre muitos, de materializações convincentes. O primeiro é descrito pelo Doutor Joseph Venzano, nos “Annais of Psychical Science”, volume 6º, página 164, de setembro de 1907. Havia a luz de uma vela, que permitia se visse a figura da médium:

“A despeito da pouca luz, eu podia ver distintamente a Se­nhora Palladino e meus companheiros. De súbito, percebi que detrás de mim havia uma forma, bastante alta, que estava incli­nando a cabeça sôbre o meu ombro esquerdo e soluçando violen­tamente, tanto que os presentes ouviam os soluços: beijava-me repetídas vêzes. Percebi claramente os traços fisionómicos, que me tocavam o rosto e senti os seus cabelos finos e abun­dantes em contacto com a minha face esquerda, de modo que eu tinha certeza que era uma mulher.

Então a mesa começou a mover-se e pela tiptologia deu o nome de uma ligação de famí­lia, de todos desconhecida, exceto por mim. Tinha morrido algum tempo antes e, devido a uma incompatibilidade temperamental houve sérios desacordos com ela. Eu estava tão longe de espe­rar essa resposta tiptológica que a princípio pensei que fôsse mera coincidência de nome; mas enquanto mentalmente eu fazia tal reflexão, senti uma bôca, com o sôpro quente, tocar-me a ore­lha esquerda e sussurrar, em voz baixa, em dialeto genovês, uma porção de frases que os assistentes podiam ouvir. Essas sentenças foram interrompidas por um soluço e o tema era, repetidamente, o pedido de perdão de injúrias feitas a mim, com uma riqueza de detalhes ligados a assuntos familiares que só poderiam ser conhecidos da pessoa em questão. O fenômeno parecia tão real que me vi obrigado a responder aos pedidos de desculpas com frases afetuosas e, por meu turno, pedir perdão se qualquer ressentimento pelos mal-entendidos tinham sido excessivos. Mal eu tinha pronunciado as primeiras sílabas e duas mãos, com excessiva delicadeza, se aplicaram sôbre os meus lábios, evitando que eu continuasse. Então a forma me disse obrigado, abraçou-me, beijou-me e desapareceu.”

Com outros médiuns têm havido melhores materializações do que esta e com melhor luz; mas no caso havia uma prova interior e mental de identidade.

O último exemplo que daremos ocorreu em Paris, em 1898, numa sessão em que se achava presente Flammarion, quando o Senhor Le Bocain se dirigiu em árabe a um Espírito materializado e disse: Rosália, se és tu que te encontras entre nós, puxa-me três vêzes o cabelo na parte posterior da cabeça”. Cêrca de dez minutos depois e quando o Senhor Le Bocain quase havia esquecido o pedido, sentiu que lhe puxavam o cabelo três vêzes, exatamente como havia pedido. E disse: “Certifico êste fato que, além disso, constituiu para mim a mais convincente prova da presença de um Espírito familiar junto a mim”. E acrescenta que é des­necessário dizer que Eusapia não sabe árabe.

Os adversários e uma parte dos pesquisadores de psiquis­mo acham que os fenômenos que ocorrem numa sessão têm pouco valor probante, porque os observadores comuns não conhecem os recursos dos mágicos. Em 1910, em New York, o Doutor Here­ward Carrington levou a uma sessão de Eusapia Mr. Howard Thurston, que descreve como o mais notável mágico da América. Mr. Thurston que, com o seu assistente, controlava as mãos e os pés da médium em boa luz, descreve:

“Fui testemunha pessoal das levitações da mesa da Senho­ra Paladino... e estou. absolutamente convencido de que os fenô­menos que vi não eram devidos à fraude e não foram executados nem por seus pés, nem por seus joelhos ou mãos.”

Ele se prontificou a dar mil dólares a uma instituição de caridade se provassem que essa médium não era capaz de levitar uma mesa sem um dispositivo para truque ou fraude.

Perguntar-se-á qual o resultado de tantos anos de investigação com essa médium. Certo número de cientistas, sustentando com Sir David Brewster que o Espírito seria a última hipótese que admitiriam, inventaram hipóteses engenhosas para explicar os fenômenos, de cuja autenticidade estavam convencidos. O Coronel de Rochas procurou explicá-los pelo que chamou “exteriorização da motricidade”. O Senhor Le Bocain falava de uma teo­ria dinâmica da matéria; outros pensavam numa “fôrça endêmica” e numa “consciência coletiva” ou na ação da mente subconsciente; mas aquêles casos, bem autenticados, onde a operação de uma inteligência independente se mostrava claramente, tornou insus­tentáveis essas tentativas de explicação. Vários experimentadores foram forçados a aceitar a hipótese espírita como a única que explicava todos os fatos de maneira razoável. Diz o Doutor Venzano:

“No maior número das formas materializadas por nós per­cebidas, quer pela vista, quer pelo tato, ou pela audição, foi-nos possível reconhecer pontos de semelhança com pessoas mortas, geralmente nossos parentes, desconhecidos da médium e apenas conhecidos dos presentes relacionados com os fenômenos.”

O Doutor Hereward Carrington vacila. Considerando a opinião de Mrs. Sidgwick de que é inútil especular se os fenômenos são de caráter espírita ou se representam “alguma lei biológica desconhecida”, até que os fatos se hajam estabelecido por si mes­mos, diz: “Devo dizer que, antes de eu mesmo realizar sessões, também concordava com o ponto de vista de Mr. Sidgwick”. E acrescenta: “Minhas próprias sessões me convenceram finalmente e de modo conclusivo de que os fenômenos verdadeiros devem ocorrer, e que, neste caso, a questão de sua interpretação se esclarece á minha frente... Penso que não só a hipótese es­pírita se justifica como uma teoria aceitável, mas que é, de fato, a única capaz de uma explicação racional dos fatos.” (3)

3. “Eusapia Palladino and Her Phenomena”. By Hereward Car­rington Ph. D. páginas 250 e 251.

Como dissemos de início, a mediunidade de Eusapia Palladino era semelhante à de outros, mas tinha ela a vantagem de chamar a atenção de homens de influência, cujo relato público de seus fenômenos teve um prestígio de que não gozaram as des­crições feitas por gente menos conhecida. Especialmente Lom­broso registrou as suas convicções na conhecida obra “Morte — E depois?”, aparecida em 1909. Eusapia foi o instrumento de demonstração de certos fatos não aceitos pela ortodoxia cien­tífica. Para o mundo é mais fácil negar êsses fatos do que os explicar — o que constitui a norma geralmente seguida.

Aquêles que procuram explicar tôda a mediunidade de Eu­sapia por meio do hábito aparente de enganar, consciente ou inconscientemente, os assistentes, apenas procuram enganar-se a si mesmos. Que houve êsses truques é fora de dúvida. E Lom­broso, que endossa a legitimidade de sua mediunidade, assim descreve os truques:

“Muitos são os engenhosos truques que ela emprega, quer no estado de transe, isto é, inconscientemente, quer não. Por exemplo, libertando uma das mãos, seguras pelos controladores, com o objetivo de mover objetos próximos; fazendo toques; levantando devagarinho as pernas da mesa, quer com os joe­lhos, quer com um pé; fingindo arranjar os cabelos e aprovei­tando a circunstância para colocar uma mecha sôbre o prato de uma balança pesa-cartas, a fim de o mover. Foi vista por Faifofer, antes da sessão, colhendo furtivamente flores num jar­dim, para fingir algum transporte, aproveitando a obscuridade da sala... E ainda a sua profunda tristeza é a de ser acusada de trapaça durante a sessão — por vêzes, também, acusada injus­tamente, fôrça é confessar, porque agora temos certeza de que membros fantásticos são ajustados ao seu corpo e atuam como substitutos, quando foram sempre tornados como sendo os seus próprios membros, apanhados no momento de realizar uma trapaça”.

Em sua visita à América, já no seu declínio, quando os seus dons estavam em declínio também, foi pilhada nesses truques e de tal modo ofendeu os assistentes que êstes se afastaram; mas Toward Thurston, o famoso ilusionista, diz que resolveu pôr tudo isto de lado e continuar a sessão, cujo resultado foi uma autên­tica materialização. Outro conhecido assistente depõe que no próprio instante em que a censurava por mover um objeto com a mão, outro objeto, bastante longe dela, moveu-se ao longo da mesa. Seu caso é na verdade peculiar, pois deve ser dito com mais verdade a seu respeito, do que em relação a qualquer outro médium, que ficou provado que possuía poderes psíquicos e tam­bém que, mais do que nenhum outro, aproveitou êsses pode­res para enganar. Nisto, como sempre, o que conta é o resultado positivo.

Eusapia tinha uma depressão característica do parietal, cau­sada, ao que se diz, por um acidente na infância. Tais defeitos físicos muito comumente estão associados com poderosa mediuni­dade. É como se a fraqueza física causasse aquilo que pode ser descrito como um deslocamento da alma, de modo que esta fica mais destacada e capaz de ações independentes.

Assim, a mediunidade de Mrs. Piper seguiu-se a duas operações internas; a de Home acompanhou a sua diátese tuberculosa. Muitos outros casos podem ser citados. Sua natureza era histérica, impetuosa e irrequieta, mas possuía alguns traços bonitos. Dela diz Lom­broso que possuia uma singular bondade de coração, que a levava a distribuir o que ganhava com os pobres e com as crianças, para aliviar os seus infortúnios, o que a impelia a sentir uma ilimitada piedade pelos velhos e pelos doentes, a ponto de pas­sar noites em claro, pensando nêles. A mesma bondade de cora­ção a leva a proteger os animais que estão sendo maltratados, advertindo àsperamente o cruel opressor”. Esta passagem deve chamar a atenção dos que pensam que as fôrças psíquicas cheiram a diabo.

16

Grandes Médiuns de 1870 a 1900: Charles H. Foster, Madame d’Esperamce, William Eglinton, Stainton Moses

HOUVE muitos médiuns notáveis e alguns notórios, no perío­do que vai de 1870 a 1900. Dêstes D. D. Home, Slade e Monck já foram mencionados. Quatro outros, cujos nomes viverão na história do movimento, são o americano C. H. Foster, Madame d’Esperance, Eglinton e o Reverendo W. Stainton Moses. Daremos ago­ra um ligeiro histórico de cada um dêles.

Charles H. Foster teve a sorte de ter um biógrafo que o admirava tanto a ponto de o chamar “o maior médium espírita desde Swedenborg”. Há uma tendência da parte dos escritores de exagerar o valor de um dado sensitivo com que se põem em contacto. Nada obstante, Mr. George C. Bartlett, no seu “The Salem Seer” (1)

1. “O Vidente de Salém”. — N. do T.

mostra que tinha estreita ligação pessoal com Foster, e que êste era realmente um médium muito notável. Sua fama não se limitava à América, pois êle viajou muito e tanto visitou a Austrália quanto a Grã-Bretanha. Neste último país fêz amizade com Bulwer Lytton, visitou Knebworth e foi o mo­dêlo de Margrave em “A Strange Story” (2).

2. “Uma história esquisita”. — N. do T.

Parece que Foster foi um clarividente de grande poder, e ti­nha a faculdade peculiar de dar o nome ou as iniciais do Espírito que descrevia, exibindo nome ou letras sôbre a própria pele, geralmente no antebraço. Êsse fenômeno era tão freqüente­mente repetido e tão severamente examinado que o fato não pôde ser pôsto em dúvida, O que seria a causa do fato é uma outra questão. Havia muitos outros pontos na mediunidade de Foster que sugeriam uma projeção da personalidade antes que uma inteligência exterior. Por exemplo, é francamente incrível que Espíritos dos grandes que se foram, como Virgílio, Camões e Cervantes, tivessem estado à espera dêsse iletrado da Nova Inglaterra, e contudo, para confirmar o fato, temos a auto­ridade de Bartlett, ilustrada com muitas citações, de que manteve conversas com tais entidades, e que lhe eram capazes de citar passagens e qualquer estrofe escolhida de suas copiosas obras poéticas.

Tais exemplos de familiaridade com a literatura, muito aci­ma da capacidade do médium, tem alguma analogia com testes de livros empregados nos últimos anos, onde uma linha de uma obra numa biblioteca é prontamente localizada. Isto não necessita a sugestão da presença do autor de tal volume; deve an­tes depender de algum poder indefinido do eu etérico liberto do médium, ou possivelmente de alguma outra entidade de natu­reza de um guia, que pudesse rapidamente colhêr a informação de maneira supranormal. Os espíritas extremaram tanto o caso que não é possível emprestar a todos os fenômenos psíquicos o valor que lhes atribuem; e o autor confessa ter observado com freqüência que algures, em data anterior, o médium consul­tou impressos ou escritos que nos são trazidos depois fora das condições normais.

O dom peculiar de Foster, pelo qual as iniciais eram es­tampadas em sua carne, tinha resultados cômicos. Bartlett conta como um certo Mr. Adams consultou a Foster. “Quando ia sain­do, Mr. Foster lhe disse que em tôda a sua experiência jamais tinha visto um indivíduo trazer tantos Espíritos... A sala estava literalmente cheia dêles, indo e vindo. Às duas da manhã seguinte Mr. Foster me chamou.. - dizendo: “George, quer fazer o favor de acender o gás? Eu não posso dormir: o quarto está cheio da família Adams e parece que estão escrevendo seus nomes em mim.” E com grande admiração minha, a lista de nome da família de Adams estava gravada em seu corpo. Contei onze nomes diferentes: um estava escrito na testa, outros nas costas. Tais anedotas certamente contribuem para as piadas dos trocistas, mas nós temos aqui uma prova de que o senso de humor, será maior do Outro Lado.

O dom das letras escarlates sôbre a pele de Foster parece bem comparável ao conhecido fenômeno dos estigmas que apa­recem nas mãos e nos pés das beatas. Num caso, a concentração do pensamento do indivíduo sôbre um assunto teve um resul­tado. No outro, pode ser que a concentração de uma entidade invisível tenha um efeito semelhante. Devemos lembrar-nos que somos todos Espíritos, dentro ou fora do corpo, e temos os mesmos poderes, em graus variáveis.

A opinião de Foster sôbre sua própria condição parece ter sido muito contraditória, pois freqüentemente declarava, como Margaret Fox-Kane e os Davenport, que não se arris­cava a dizer que seus fenômenos eram devidos a sêres espiri­tuais, quando, por outro lado, tôdas as suas sessões eram con­duzidas na clara suposição de que o eram. Assim, descrevia êle minuciosamente a aparência do Espírito e dava mensagens em seu nome para os parentes vivos. Como D. D. Home, era exces­sivamente crítico dos outros médiuns, e não acreditava no poder fotográfico de Mumler, embora tal poder fôsse bem atestado em si próprio. Parece que possuía, em grau exagerado, o espí­rito volátil do médium típico, facilmente influenciável para o bem e para o mal. Seu amigo, que era claramente um obser­vador atento, dêle diz:

“Era extravagantemente dúplice. Não era apenas Doutor Je­kyll e Mr. Hyde, mas representava meia dúzia de diferentes Je­kylls e Hydes. Era estranhamente dotado e, por outro lado, la­mentàvelmente deficiente. Era um gênio desequilibrado e, por vêzes, eu o diria insano. Tinha um coração realmente tão grande que abarcava o mundo: lágrimas pelos aflitos; dinheiro para os pobres; e as fibras de seu coração eram tocadas pelas alheias misérias. Outras vêzes seu coração se encolhia como se desapare­cesse. Tornava-se desalmado e petulante como uma criança, até abusar dos melhores amigos. Atirou fora muitos amigos, como um bagual indomável. Não havia freios que lhe servissem. Foster não era vicioso, mas era absolutamente incontrolável. Tinha que seguir o seu caminho, muitas vêzes um caminho errado. Como uma criança, parecia nada prever. Dava a impressão de viver para o dia, despreocupado com o amanhã. Se fôsse possível, fazia exatamente o que queria, sem olhar as conseqüências. Não ouvia conselhos de ninguém, apenas porque não podia. Parecia impermeável ás opiniões alheias e aparentemente cedia aos desejos alheios; mas apesar de tudo não se estragou muito e continuou em perfeita saúde até o fim. Quando se lhe perguntava “Como vai a saúde?” sua resposta favorita era “Excelente. Estou apenas vendendo saúde”. A mesma natureza dúplice mostrou em seu trabalho. Por vêzes era capaz de sentar-se a uma mesa o dia inteiro e entrar pela noite, sob um tremendo esfôrço mental. E o fazia dia após dia, noite após noite. Então vinham dias e semanas em que não fazia absolutamente nada — jogando centenas de dóla­res e agastando as pessoas sem razão aparente, a não ser que se encontrasse em disposição folgazã.”

Madame d’Esperance, cujo verdadeiro nome era Mrs. Hope, nasceu em 1849 e sua carreira se estendeu por mais de trinta anos, numa atividade que alcançou o continente e a Grã-Bretanha. Apa­receu em público graças a T. P. Barkas, cidadão muito conhe­cido em New Castle. A médium era então uma mocinha de edu­cação da classe média. Entretanto, quando em semitranse, demonstrava em grau notável aquêle dom de sabedoria e conhecimento que São Paulo coloca no tôpo de sua categoria espiritual. Barkas descreve como preparava extensas listas de perguntas que co­briam quase todos os setores da ciência e como as respostas eram escritas ràpidamente pela médium, geralmente em inglês, mas por vêzes em alemão ou mesmo em latim. Resumindo essas sessões, diz Mr. Barkas (3)

3. Psychological Review, Volume 1º, página 224.

“Deve ser geralmente admitido que ninguém pode, por um es­fôrço normal, responder com detalhes a perguntas críticas ou obs­curas, em muitos setores difíceis da ciência com que se não é fami­liarizado. Além disso deve admitir-se que ninguém pode ver nor­malmente e desenhar com minuciosa precisão em completa obs­curidade; que ninguém pode, por meios normais da visão ler o conteúdo de uma carta fechada no escuro; que ninguém que ignore a língua alemã possa escrever com rapidez e exatidão lon­gas comunicações em alemão. Entretanto todos êsses fenômenos foram verificados com êsse médium e são tão acreditados quanto as ocorrências normais da vida diária”.

Deve admitir-se, entretanto, que enquanto não conhecermos os limites a que pode chegar a fôrça produzida pela libertação par­cial ou total do corpo etérico, não podemos com segurança atribuir tais manifestações à intervenção dos Espíritos. Eles mostra­ram uma notável individualidade psíquica muito pessoal e, possi­velmente, nada mais que isso.

Mas a fama de Madame d’Esperance como médium depende de muitos dons que eram, sem dúvida, mais espirituais. Temos um relato muito completo dêsses dons, pela sua própria pena, pois ela escreveu um livro intitulado “Shadow Land” (4),

4. “Região das Sombras” — N. do T.

que se pode alinhar com o “Magic Staji” (5)

5. “Comando Mágico” — N. do T.

de A. J. Davis, e com “The Beginnings o/ Seership” (6),

6. “Os princípios da Vidência” — N. do T.

de Turvey, assim como entre as mais notáveis autobiografias psíquicas de nossa literatura. Não épossível lê-lo sem se ficar impressionado pelos bons sentimentos e pela honestidade da escritora.

Como outros sensitivos o fizeram, ela narra como em sua infância brincava com Espíritos de crianças, que lhe eram tão reais quanto as vivas. Essa fôrça de clarividência permaneceu em tôda a sua vida, mas o dom mais raro da materialização lhe foi adicionado. O citado livro contém fotografias de Yolanda, uma bonita môça árabe, que era para essa médium o que Kate King foi para Florence Cook. Não era raro que se materializasse quan­do Madame d’Esperance estava sentada fora da cabine, sendo vista inteiramente pelos assistentes. Assim, a médium podia ver a sua própria emanação estranha, tão íntima e, contudo, tão distinta. Eis a sua própria descrição:

“Sua roupagem leve permitia que se visse muito bem a bela cor azeitonada de seu pescoço, dos ombros, dos braços e dos tornozelos. Os longos cabelos negros e ondulados desciam pelos seus ombros até abaixo do peito e eram atados por uma espécie de turbante pequenino. Suas feições eram miúdas, corretas e gra­ciosas; os olhos eram negros, grandes e vivos; todos os seus movi­mentos eram cheios daquelas graças infantis ou como os de uma jovem gazela, quando a vi, entre tímida e decidida, por entre as cortinas.

Descrevendo as suas impressões durante uma sessão. Madame d’Esperance fala da sensação de uma como que teia de aranha, que estivesse em tôrno de seu rosto e de suas mãos. Quando uma fraca luz penetrou por entre as cortinas da cabine, ela viu uma massa vaporosa esbranquiçada, flutuando em seu redor, como o vapor de uma locomotiva e, além disso, evoluindo para uma for­ma humana. Uma sensação de vazio começou, assim que aquilo que ela chamou de teia de aranha se apresentou. Então perdeu o contrôle de seus membros.

O Hon. Alexander Aksakof, de São Petersburgo, conhecido pesquisador do psiquismo e redator do Psychische Studien, descre­veu em seu livro “Um Caso de Desmaterialização Parcial”, uma sessão extraordinária, na qual o corpo dessa médium dissolveu-se parcialmente. Comentando o fato, observa êle: “O fato freqüente­mente notado, da semelhança da forma materializada com a médium, tem aqui a sua explicação natural. Como a forma é apenas um duplo da médium, é natural que lhe tenha todos os aspectos

E, diz Aksakoff, isto deve ser natural; mas é igualmente na­tural que provoque o ridículo dos cépticos. Uma experiência mais ampla, entretanto, os convenceria de que o cientista russo está certo. O autor assistiu a sessões de materialização onde viu os duplos do rosto da médium tão claramente à sua frente que estava pronto para denunciar um procedimento fraudulento; mas, com paciência e um acúmulo maior de fôrça, viu mais tarde que outros rostos se formavam e que nenhum esfôrço mental poderia identificar ao da médium. Em alguns casos pareceu-lhe que fôrças invisíveis, dessas que produzem os seus efeitos sem se importarem com os equívocos daí resultantes, usaram a atual face física da médium inconsciente e a enfeitaram com apêndices ectoplásmicos, a fim de o transformarço Noutros casos podia-se pensar que o duplo etérico da médium tivesse sido a base para uma nova criação. As­sim acontecia algumas vêzes com Katie King, que ocasionalmente se parecia com Florence Cook quanto às feições, ainda quando diferisse profundamente na estatura e na coloração. Em outras ocasiões a figura materializada é absolutamente diferente. O autor observou as três fases da construção do Espírito, no caso da médium americana, Miss Ada Besinnet, cuja figura ectoplásmica por vêzes tomava a forma de um índio musculoso e bem desen­volvido. A história de Madame d’Esperance corresponde muito exatamente a essas variedades de poder.

Mr. William Oxley, compilador e editor de um notável traba­lho em cinco volumes, intitulado “Angelic Revelations”, descreveu vinte e sete rosas produzidas numa sessão por Yolanda, a figura materializada, e a materialização de uma planta rara em flor. Diz Mr. Oxley:

“Eu tinha fotografado a planta — Ixora crocata — na ma­nhã seguinte, depois do que trouxe para casa e a coloquei na minha estufa, aos cuidados do jardineiro. Ela viveu três meses, depois murchou. Tomei as fôlhas, muitas das quais abandonei, exceto a flor e três brotos que o jardineiro cortou, quando cuidava da planta”.

Na sessão de 28 de julho de 1890, na presença do Senhor Aksakoff e do Professor Butlerof, de São Petersburgo, um lírio dou­rado, de sete pés de altura, ao que se diz, foi materializado. Foi conservado durante uma semana, durante a qual foram tiradas seis fotografias, depois do que dissolveu-se e desapareceu. Uma dessas fotografias aparece em “Shadow Land”, após a página 328.

Uma forma feminina, um pouco mais alta que a médium, e conhecida pelo nome de Y-Ay-Ali, provocava a maior admiração. Diz Mr. Oxley: “Vi muitas formas de Espíritos materializados; mas a perfeição de simetria no rosto e a beleza da atitude jamais igualava a dêste”. A figura lhe deu a planta que havia materiali­zado; então jogou para trás o véu; deu-lhe um beijo na mão e estendeu a sua, que êle beijou.

“Como estava exposta à luz, eu via perfeitamente a sua face e as mãos. O rosto era belo e as mãos macias, quentes e perfeitamente naturais, e, a não ser pelo que se seguiu, eu teria pensado estar segurando a mão de uma senhora permanentemente encar­nada, perfeitamente natural, pôsto que exquisitamente bela e pura.

Prossegue descrevendo como ela se afastou dois pés da mé­dium, na cabine e, à vista de todos, “desmaterializou-se gradativa­mente, fundindo-se de cima para baixo, até que só a cabeça fôsse vista no soalho; então essa diminuiu até que ficou um ponto branco, que desapareceu depois de alguns momentos -

Na mesma sessão materializou-se uma forma de criança e pôs três dedos de sua mãozinha na de Mr. Oxley. Depois êste a segu­rou e beijou-a. Foi em agôsto de 1880.

Mr. Oxley registra um fato muito interessante e de grande valor probante. Quando Yolanda, a môça árabe, estava falando com uma senhora na assistência, “a parte superior de seu vestido caiu e mostrou as suas formas. Verifiquei que as formas eram im­perfeitas, pois o busto não era desenvolvido e o peito não era acentuado, o que constitui uma prova de que a forma não era uma figura preparada.” Ele poderia ter acrescentado que também não era a da médium.

Escrevendo sôbre “Como um médium se sente numa materiali­zação”, Madame d’Esperance lança alguma luz sôbre a curiosa simpatia que constantemente se nota entre o médium e a forma espiritual. Descrevendo uma sessão na qual estava sentada fora da cabine (7)

7. “Médium and Daybreak, 1893, página 46.

diz ela:

“E agora aparece outra pequena forma delicada, com os bra­cinhos estendidos. Alguém colocado do outro lado do grupo le­vanta-se, aproximam-se e abraçam-se. Ouço sons inarticulados:

“Anna, oh! Anna, minha filha, querida filhinha!” Então outra pessoa se ergue e cerca o Espírito com os braços; nessa ocasião ouço soluços e exclamações, de mistura com bênçãos.

Sinto meu corpo mover-se de um para outro lado; tudo se torna escuro aos meus olhos. Sinto o braço de alguém em tôrno aos meus ombros; o coração de alguém bate contra o meu peito. Parece que algo acontece. Ninguém está junto a mim; ninguém me presta a me­nor atenção. Todos os olhares estão lixados naquela figurinha branca e esguia, nos braços das duas mulheres em pranto.

Deve ser o meu coração que ouço batendo tão distintamente e, certamente, o braço de alguém ainda em meu redor. Jamais senti mais completamente um abraço. Começo a pensar. Quem sou eu? Sou aquela branca aparição, ou sou eu quem permanece sentada na poltrona? Aquêles são os meus braços em tôrno do pescoço da senhora mais idosa? Ou os meus são os que estão em minha frente, em meu vestido? Sou eu o fantasma? Se sou, como chamarei o ser que jaz na poltrona?

“Certo é que meus lábios são beijados; minhas faces estão orvalhadas de pranto, derramado abundantemente pelas duas senhoras. Mas como pode ser isto? Essa sensação de dúvida relati­vamente à nossa própria identidade é horrível. Desejo estender uma das mãos que se acham no vestido, mas não posso. Desejo tocar alguém para ter absoluta certeza de que eu sou a mesma ou se isto é apenas um sonho; se Anna sou eu ou se eu estou, de certo modo, nela dissolvida”.

Enquanto a médium se acha nesse estado de dúvida, outro pequenino Espírito de criança, que se havia materializado, vem e põe as mãozinhas nas de Madame d’Esperance.

“Como me sinto feliz ao sentir êsse toque, ainda que de uma criancinha! Minhas dúvidas a respeito de quem sou eu e onde me acho se vão. E enquanto experimento tudo isto, a branca forma de Anna desaparece na cabine e as duas senhoras voltam aos seus lugares, chorosas, sacudidas de emoção, mas intensamente felizes.”

Não é para admirar que um assistente das sessões de Madame d’Esperance, segurando a figura materializada, houvesse declarado que era a própria médium. A propósito, o ponto de vista de Aksakoff de um modo geral (8),

8. “A Case of Partial Dematerialization”, página 181.

é o seguinte:

“Alguém pode agarrar a forma materializada, segurá-la e ter a certeza de que não segura senão o médium, em carne e osso. E isto ainda não é uma prova de fraude da parte do médium. De fato, de acôrdo com a nossa hipótese, que é o que poderia aconte­cer se segurássemos o duplo da médium, quando se achasse de tal modo materializado, que não restasse senão o seu simulacro invisível, sentado por detrás da cortina? É óbvio que o simulacro — aquela pequena porção fluida e etérea — seria imediatamente absorvida na forma já completamente materializada, à qual, para ser a médium apenas faltaria aquêle resto invisível.”

Na introdução escrita para o livro “Shadow Land, de Ma­dame d’Esperance, Aksakof rende um alto tributo a ela como mulher e como médium. Diz que tanto quanto êle, ela se achava interessada em achar a verdade. Submetia-se de boa vontade a todos os testes que lhe impusesse.

Um interessante incidente na carreira de Madame d’Esperance foi o seu êxito em reconciliar o Professor Friese, de Breslau, com o Professor Zõllner, de Leipzig. O rompimento dêsses dois amigos ocorrera por fôrça da profissão de fé espírita de Zõllner. Mas o médium inglês foi capaz de dar tais provas a Friese que êle não mais contestou as conclusões de seu amigo.

Devemos salientar que, no curso das experiências de M. Ox­ley com Madame d’Esperance, foram feitos moldes de mãos e de pés de figuras materializadas, com punhos e tornozelos, cujas aberturas eram demasiado estreitas para permitir a saída dos mem­bros, salvo por desmaterialização. Em vista do grande interesse tomado pelas moldagens em parafina, feitas em Paris, em 1922, através do médium Kluski, é curioso observar que a mesma experiência tinha sido feita com sucesso, e apenas noticiada pela imprensa psíquica, por êsse estudante de Manchester já em 1876.

A última parte da vida de Madame d’Esperance, passada prin­cipalmente na Escandinávia, foi amargurada pela doença adquirida no choque que sofreu no chamado “desmascaramento”, quando Yo­landa foi agarrada por um pesquisador desavisado de Helsingfors, em 1893. Ninguém mais do que ela demonstrou mais claramente quanto os sensitivos sofrem a ignorância do mundo que os rodeia. No último capítulo de seu notável livro o assunto é abordado. Conclui ela: “Os que vierem depois de mim talvez venham a sofrer quanto eu tenho sofrido pela ignorância das leis de Deus. Quan­do o mundo fôr mais sábio do que no passado, é possível que os que tomarem as tarefas na nova geração não tenham que lutar, como lutei, contra o fanatismo estreito e os julgamentos duros dos adversários.”

Cada um dos médiuns focalizados neste capítulo teve um ou mais livros dedicados à sua carreira. No caso de William Eglin­ton há um notável volume — Twist Two Worlds por J. E. Farmer (9),

9. “Entre dois Mundos” — N. do T.

que encerra quase tôda a sua atividade. Quando rapazinho, era muito imaginoso, sonhador e sensitivo mas, como tantos outros grandes médiuns na adolescência, não deu sinais de possuir qualquer dom psíquico. Em 1874, portanto aos dezes­sete anos de idade, Eglinton entrou no grupo da família em cujo meio seu pai investigava os supostos fenômenos espíritas. Até então o grupo não havia obtido resultados; quando, porém, o rapaz a êle se ligou, a mesa ergueu-se ràpidamente do chão a ponto dos assistentes terem que se pôr de pé a fim de manter as mãos sôbre ela. Para satisfação dos presentes as perguntas eram respondidas. Na sessão seguinte, logo na noite imediata, o rapaz caiu em transe e foram recebidas comunicações evidentes de sua falecida mãe. Em poucos meses sua mediunidade se havia desen­volvido, e ocorriam manifestações mais fortes. Sua fama de médium espalhou-se e êle recebeu numerosos convites para sessões, mas resistiu a todos os esforços para o transformar em médium profissional. Finalmente cedeu em 1875.

Assim descreve Eglinton as suas sensações antes de entrar pela primeira vez na sala das sessões e a mudança que nele se operou:

“Minhas maneiras, antes de entrar nisto, eram as de um rapaz alegre; mas assim que me vi em presença dos investigadores, uma sensação estranha e misteriosa se apoderou de mim e eu não a podia superar. Sentei-me à mesa, resolvido a impedir qualquer manifes­tação, caso algo acontecesse. Êsse algo aconteceu mas eu não tinha fôrças para o evitar. A mesa começou a dar sinais de vida e de vigor; subitamente ergueu-se do solo e pairou no ar, tanto que tínhamos de ficar de pé para ter as mãos sôbre ela. Isto se deu em plena luz do gás. Depois respondeu inteligentemente às perguntas que lhe eram feitas e deu várias provas às pessoas presentes.

A noite seguinte nos encontrou ansiosos por novas manifes­tações e com um grupo maior, pois a notícia se havia espalhado de que “tínhamos visto fantasmas e falado com êles”, e outras coisas parecidas.

Depois de havermos lido a prece costumeira, em breve me pareceu que não era dêste mundo. Veio-me uma sensação de êxtase e logo passei ao transe - Todos os meus amigos eram novatos no assunto e procuraram vários meios de me despertar, mas sem resultado. No fim de meia hora voltei ao estado consciente, sen­tindo um forte desejo de voltar àquele estado. Tivemos comu­nicações que, em minha opinião, provaram conclusivamente que o Espírito de minha mãe realmente tinha voltado ao nosso meio... Então comecei a verificar quanto estivera enganado — quão ter­rivelmente vazia e material tinha sido a minha vida até então e senti um prazer inacreditável em saber, sem sombra de dúvida, que aquêles que deixaram a Terra poderiam voltar novamente e provar a imortalidade da alma. Na quietude de nosso grupo fa­miliar... gozamos ao máximo a nossa comunicação com os tres­passados e muitas foram as horas felizes que assim passei.”

Sob dois aspectos, os seus trabalhos se assemelham aos de D. D. Home. Suas sessões geralmente eram feitas em plena luz e êle sempre se submetia de boa mente aos testes propostos. Posteriormente, um forte ponto de semelhança se estabeleceu: é que os fenômenos eram observados e registrados por muitos homens eminentes e por boas testemunhas críticas.

Como Home, Eglinton viajou muito e sua mediunidade foi ob­servada em muitos lugares.

Em 1878 viajou para a África do Sul. No ano seguinte visitou a Suécia, a Dinamarca e a Ale­manha. Em fevereiro de 1880 foi à Universidade de Cambridge e realizou sessões sob os auspícios da Sociedade de Psicologia. Em março viajou para a Holanda, de onde seguiu para Leipzig, onde realizou sessões com o Professor Zõllner e outros ligados à Uni­versidade. Seguiram-se Dresden e Praga, e em Viena, em abril, foram realizadas mais de trinta sessões, assistidas por muitos mem­bros da aristocracia. Em Viena foi hóspede do Barão de Hellen­bach, conhecido escritor, que, em sua obra “Preconceitos da Humanidade” descreveu os fenômenos então verificados. Voltando à Inglaterra viajou para os Estados Unidos a 12 de fevereiro de 1881, demorando-se então três meses. Em novembro do mesmo ano foi à Índia e, depois de realizar numerosas sessões em Cal­cutá, regressou em abril de 1882. Em 1883 visitou novamente Paris, e em 1885 estêve ainda em Viena e em Paris. A seguir foi a Veneza, que descreve como um “verdadeiro viveiro do Espiri­tism o.”

Em 1885 Eglinton encontrou em Paris M. Tissot o famoso ar­tista que assistiu às suas sessões e a seguir o visitou na Inglater­ra. Uma notável sessão de materialização, em que duas figuras foram vistas completamente, uma das quais, uma senhora, reco­nhecida como uma parenta, foi imortalizada por Tissot numa tela intitulada “Aparição Medianímica”. Esse belo e artístico trabalho de que há uma cópia na Aliança Espírita de Londres, mostra as duas figuras iluminadas por luzes espirituais, que carregam nas mãos. Tissot também fêz uma água-forte do médium, que é repro­duzida no frontispício de livro de Farmer, “Entre Dois Mundos”.

Um exemplo típico de sua iniciação mediúnica é dado por Miss Kingsbury e pelo Doutor Carter Blake, Docente de Anatomia no Westminster Hospital, nestes têrmos (10).

10. The Spiritualist, May 12, 1876, página 221.

“As mangas do casaco de Mr. Eglinton tinham sido costura­das às suas costas, perto dos punhos, com um cordão branco de algodão; os encarregados dêsse trabalho o amarraram depois à cadeira, passando a fita perto do pescoço e o colocaram junto a cortina da cabine e por detrás desta, defrontando a assistência, tendo os joelhos e os pés à vista. Uma mesinha redonda com vários objetos foi posta em frente ao médium, fora da cabine e à vista dos assistentes; um pequeno instrumento de cordas, conhecido como Oxford Chimes (11),

11. Espécie de bandolim. — N. do T.

foi pôsto emborcado sôbre as suas pernas, sôbre êle um livro e sôbre êste uma campainha. Em poucos momentos as cordas foram tocadas, sem que mão alguma­ visível as tocasse; o livro, cuja lombada se voltava para os assistentes foi invertido, aberto e fechado repetidas vêzes, de mo­do que os presentes viram a experiência com tôda segurança; e a campainha foi tocada de dentro, isto é, sem serem levantadas as suas bordas. A caixa de música colocada perto da cortina, mas inteiramente à vista, foi parada e depois dada a marcha, enquanto a tampa continuava fechada; de vez em quando dedos e, algumas vêzes mãos se introduziam pelas cortinas. Depois que uma destas apareceu, pediram ao Capitão Rolleston que pas­sasse o braço pela cortina e verificasse se a amarração e a cos­tura estavam como de início. Êle verificou que estavam e o mes­mo testemunho foi dado por outro cavalheiro, pouco depois.”

Esta foi uma, de uma série de sessões excepcionais, realizadas sob os auspícios da British National Association of Spiritua­lists, em sua sede em Londres, 38 Great Russel Street. Referindo-se a elas diz lhe Spiritualist (12).

12. May, 12, 1876.

“O ensaio de manifestações por Mr. Eglinton tem grande valor, não porque outros médiuns não possam, igualmente, obter resultados conclusivos, mas porque em seu caso tinham sido obser­vadas e controladas por um bom número de testemunhas críti­cas, cujo depoimento pesará diante do público”.

A princípio as materializações de Eglinton eram obtidas àluz da Lua, enquanto os presentes se sentavam a uma mesa e não havia cabine. Também o médium ficava, em geral, consciente. Foi induzido a fazer sessões no escuro, a fim de obter manifes­tações, por um amigo que havia assistido a sessões de um médium profissional. Tendo começado assim, sentia-se obrigado a conti­nuar, mas verificou que os resultados alcançados eram menos espirituais. Uma característica dessas sessões de materialização era o fato de sentar-se entre os presentes e de serem as suas mãos seguradas. Nessas condições, materializações completas foram vis­tas à luz apenas suficiente para o reconhecimento das apari­ções.

Em janeiro de 1877 Eglinton fêz uma série de sessões não pro­fissionais, em casa de Mrs. Macdougall Gregory, viúva do Pro­fessor Gregory, de Edimburgo, perto do Park Lane. Foram assis­tidas por Sir Patrick e Lady Colquhoun, Lord Borthwick, Lady Jenkinson, Reverendo Maurice Davies, D.D., Lady Archibald Camphell, Sir William Fairfax, Lord e Lady Mount-Temple, General Brews­ter, Sir Garnet e lady Wolseley, Lord e Lady Avonmore, Profes­sor Blackie e muitos outros. Mr. W. Harrison, redator de The Spi­ritualist (13)

13. “The Spiritualist”, Feb. 23, 1877, página 96.

assim descreve uma dessas sessões:

“Na noite de segunda-feira última dez ou doze amigos se reu­niram em volta de uma grande mesa circular, com as mãos juntas, em cujas condições o médium Mr. W. Eglinton ficava seguro pelos dois lados. Não havia outras pessoas na sala além das que estavam sentadas à mesa. Um fogo que se apagava dava uma luz fraca, que apenas permitia que se vissem as silhuetas dos objetos. O médium estava na parte da mesa mais próxima do fogo, de modo que suas costas ficavam para a luz. Uma forma, na inteira proporção de um homem, ergueu-se lentamente do chão até ao nível da borda da mesa; estava a cêrca de trinta centímetros atrás do cotovêlo direito do médium. O assistente mais próximo era Mr. Wiseman, de Orme Square, Bayswater. A forma estava coberta com um pano branco, e as feições não eram visíveis. Como se achava próximo ao jogo, podia ser vista distintamente pelos que se achavam mais próximos. Foi observado por todos que assim estavam que o canto da mesa ou os assistentes não tapavam a vista da forma; assim, foi observada por quatro ou cinco pessoas e isto não foi resultado de impressões subjetivas. Depois de erguer-se até o nível da mesa, mergulhou e não mais foi vista, ao que parece tendo esgotado as fôrças. Mr. Eglinton estava numa casa estranha e vestido a rigor. De um modo geral foi um teste de manifestação que não podia ser produzido por meios artificiais”.

Uma sessão descrita por Mr. Dawson Rogers apresentou ca­racterísticas notáveis. Foi a 17 de fevereiro de 1885, em pre­sença de catorze pessoas, em condições de prova. Conquanto um quarto interno tivesse sido usado como cabine, Mr. Eglinton ai não ficou — mas entre os assistentes, cujos assentos tinham sido dispostos em forma de ferradura. Uma forma se materia­lizou e passeou pela sala, dando a mão a cada um dos presentes. Depois aproximou-se de Mr. Eglinton, que em parte estava sendo sustentado por Mr. Rogers, para que não caísse e, tomando o médium pelos ombros, levou-o para a cabine. Diz Mr. Rogers: “A forma era de um homem algumas polegadas mais alto, e mais velho que o médium. Vestia uma túnica flutuante, era cheio de vida e de animação e uma vez ficou a três metros do médium”.

Há um particular interêsse ligado a essa fase de sua vida no aspecto de mediunidade psicográfica, ou de escrita em lousas. A êsse respeito existe uma esmagadora massa de testemunhas. À vista dos maravilhosos resultados que obtinha, é digno de nota que fêz sessões por mais de três anos sem obter a escrita de uma única letra. Foi a partir de 1884 que êle concentrou sua fôrça nessa forma de manifestação, que era considerada a mais adequada aos principiantes, especialmente porque tôdas as sessões se rea­lizavam às claras. Recusando-se a fazer sessões de materialização para um grupo de investigadores que não tinham, então, qual­quer experiência, Eglinton assim justificou a sua atitude: “Sustento que um médium é colocado numa posição de muita responsa­bilidade, e que tem o dever de satisfazer, tanto quanto lhe seja possível, aquêles que o procuram. Agora, a minha experiência, um tanto variada, leva-me à conclusão de que nenhum céptico, por melhor intencionado e honesto que seja, pode ficar convencido nas condições prevalecentes nas sessões de materialização, e o resultado é um maior cepticismo de sua parte e a condenação do médium. As coisas são diferentes quando há um grupo para testemunhar tais fenômenos, e com os quais sempre terei prazer em fazer sessões. Mas um neófito deve ser preparado por outros métodos. Se o seu amigo se interessa em comparecer a uma sessão de escrita na ardósia eu terei o prazer de arranjar uma hora; do contrário deverei declinar da sessão, pelas razões acima, e que se recomen­dam por si mesmas a você e a todos os pensadores espíritas”.

No caso de Eglinton, é preciso dizer que eram usadas lousas comuns de escola e que os assistentes tinham a liberdade de trazer as suas próprias lousas e que, depois de lavadas, um fragmento de lápis para ardósia era colocado em cima desta e que esta era colocada debaixo do tampo da mesa, fazendo-se pressão contra o mesmo; que a ardósia era segurada pelo médium, mas de modo que o seu polegar fôsse visível na parte superior do tampo. En­tão o som da escrita era ouvido e, a um sinal consistente de três batidas, a lousa era examinada, verificando-se que continha uma mensagem. Do mesmo modo duas lousas do mesmo tamanho eram usadas, superpostas e amarradas, como também se usavam as lousas-caixas, às quais se ligavam cadeados com chave. Em mui­tas ocasiões foram obtidas escritas numa única lousa posta em cima da mesa, com um lápis em cima da mesa, mas debaixo da ardósia.

Mr. Gladstone fêz uma sessão com Eglinton a 29 de outubro de 1884, e mostrou-se muito interessado pelo que aconteceu. Quan­do Light publicou um relato dessa sessão, foi transcrito na maioria dos jornais de importância no país e o movimento ganhou consi­deràvelmente com essa publicidade. Consta que ao terminar a ses­são Mr. Gladstone teria dito: “Sempre pensei que os homens de ciência correm muito por uma trilha. Fazem um trabalho nobili­tante na sua própria linha especial de pesquisa, mas, muito fre­qüentemente se sentem sem disposição para um pouco de atenção a assuntos que aparentemente estão em conflito com a sua maneira de pensar. Na verdade não é raro que tentem negar coisas que jamais investigaram, pois não meditam bastante que possa haver fôrças de cuja natureza êles nada sabem”. Pouco depois, Mr. Gladstone, pôsto que jamais se tivesse confessado espírita, mostrou um firme interêsse no assunto, ao se associar à Society for Psychical Research.

Eglinton não se subtraiu aos ataques costumeiros. Em junho de 1886 Mrs. Sidgwick, espôsa do Professor Sidgwick, de Cam­bridge, sócia fundadora da Society for Psychical Research (SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH), publicou um artigo no Jornal dessa sociedade, sob o título de “Mr. Eglinton” (14),

14. Junho de 1886, páginas 282-324.

no qual, depois de transcrever descrições feitas por outros, relativas a mais de quarenta sessões para escrita na ardósia com êsse médium, diz: “Para mim, agora não hesito em atribuir tais realizações a truques hóbeis”.

Ela não tinha qualquer experiência pessoal com Eglinton, mas baseou a sua opinião na im­possibilidade de manter uma observação contínua durante as ma­nifestações. Pelas colunas de Light (15)

15. 1886, página 309.

Eglinton convidou teste­munhas que estavam convictas da legitimidade de sua mediunidade e, posteriormente, num suplemento especial, o mesmo jornal deu a resposta de muitos, dos quais um bom número, composto de mem­bros ou sócios da SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH O Doutor George Herschell, provecto mago amador, com uma experiência de catorze anos, deu uma das mais convincentes respostas a Mrs. Sidgwick.

Também a Society for Psychical Research publicou relatos minuciosos dos resultados obti­dos por Mr. J. S. Davey, que declarava conseguir tais resultados pela fraude e resultados ainda mais maravilhosos do que os de Eglinton quanto à escrita na ardósia (16).

16. SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH Proceedings, Volume 4º, páginas 416 e 487.

Mr. C. C. Massey, advogado, observador muito competente e experimentado, sócio da SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH, subscreveu o ponto de vista de muita gente, quando es­creveu a Eglinton, com referência ao artigo de Mrs. Sidgwick:

“Estou de acôrdo com você, quando diz que ela “não aduz a menor prova” em apoio a êsse injurioso julgamento que opõe a um grande número de excelentes testemunhos. A êstes só se opõem presunções que, segundo me parece, são contrárias ao bom senso e a tôda experiência.”

De um modo geral, o rude ataque de Mrs. Sidgwick contra aquêle médium teve um bom resultado, porque determinou o apa­recimento de um volume de testemunhos mais ou menos valiosos em favor da autenticidade das manifestações que com êle ocorriam.

Como muitos outros médiuns de manifestações físicas, Eglinton teve os seus “desmascaramentos”. Um dêstes foi em Munique, onde tinha sido convidado a fazer uma série de doze sessões. Dez delas tinham tido um grande sucesso, mas na décima primeira foi descoberto um sapo mecânico na sala e, conquanto as mãos do médium estivessem prêsas, foi acusado de fraude porque o ins­trumento de música tinha sido escurecido secretamente e pó preto foi encontrado nêle. Três meses depois um assistente confessou que tinha trazido o brinquedo mecânico para a sala. Nenhuma explicação para o pó prêto foi dada, mas o fato de estarem segu­ras as mãos do médium constituíram refutação suficiente.

Um conhecimento mais completo desde então tem mostrado que os fenômenos físicos dependem do ectoplasma e que êsse ecto­plasma é absorvido no corpo do médium, lavando e colorindo a matéria. Assim, no caso de Miss Goligher, depois de uma experiência com carmin, o Doutor Crawford encontrou manchas de car­mim em várias partes de sua pele.

Assim, tanto no caso do sapo mecânico, quanto no do pó prêto, como tantas vêzes acon­tece, os desmascaradores é que estavam errados, e não o infeliz médium.

Uma acusação mais séria contra êle foi feita pelo Arquidiácono Colley, que declarou (17)

17. “Médium and Daybreak”, 1878, páginas 698-730. The Spiritualist. 1879, Volume 14º, páginas 83, 135.

que em casa de Mr. Owen Harries, onde Eglinton fazia uma sessão, havia descoberto no sobre­tudo do médium pedaços de musselina e uma barba, que corres­pondiam a pedaços e cabelos cortados de supostas formas mate­rializadas. Mrs. Sidgwick em seu artigo no SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH Journal, reproduziu as acusações do Arquidiácono Colley, e Eglinton, em sua resposta geral a ela, se limita a uma negação simples, fazendo notar que ela se achava ausente na África do Sul, quando as acusa­ções foram publicadas e que não as viu senão anos depois.

Discutindo o incidente, diz Light num artigo de fundo, que as acusações em questão foram minuciosamente investigadas pelo Conselho da British National Association of Spiritualists e abando­nadas, sob o fundamento de que o Conselho não podia de modo algum obter provas diretas dos acusadores. E assim continua (18).

18. 1886, página 324.

“Mrs. Sidgwick suprimiu, muitos fatos em sua citação publi­cada no Jornal. Em primeiro lugar as alegadas circunstâncias ocorreram dois anos antes da carta em que fêz a acusação; du­rante êsse tempo êle não fêz nenhum movimento público na maté­ria e só o fêz em conseqüência da atitude pessoal contra o Con­selho da BNAS. Em segundo lugar as partes da carta supri­mida por Mrs. Sidgwick lançam-lhe em rosto a marca de des­valia. Afirmamos que ninguém acostumado a examinar e ava­liar as provas de maneira científica teria concedido à correspon­dência a mais ligeira atenção sem o mais claro testemunho cor­roborante.

Não obstante admitir-se que um espírita de coração como o arquidiácono Colley fizesse uma acusação tão concreta, temos uma questão muito grave que não pode ser levianamente pos­ta de lado. Há sempre a possibilidade de um grande médium, ao verificar que perde os seus dons — como por vêzes acontece — recorrer à fraude para dissimular a deficiência, até que os dons retornem. Home descreveu como de súbito perdia as fôrças du­rante um ano, para depois voltarem em tôda a plenitude. Se um médium viver da sua mediunidade, tal hiato pode ser uma coisa séria e uma tentação à fraude. Como quer que tenha sido nesse caso especial, o que é certo é que, como foi mostrado nestas pági­nas, há uma massa de provas em favor da realidade dos dons de Eglinton, que não podem ser abaladas. Entre outras testemu­nhas de sua fôrça está Kellar, o famoso ilusionista, que admitia, bem como muitos outros ilusionistas, que os fenômenos físicos ultrapassam as possibilidades dos prestidigitadores.

Não há escritor que tivesse deixado tão fortemente a sua marca sôbre o lado religioso do Espiritismo quanto o Reverendo W. Stainton Moses. Seus escritos confirmam o que já era aceito e definem muito do que era nebuloso. Êle é geralmente conside­rado pelos Espíritas como o mais alto expoente de seus pontos de vista. Entretanto não o julgam o último e infalível; em comu­nicações póstumas, que têm forte indício de autenticidade, êle declarou que sua experiência se ampliara, modificando o seu ponto de vista sôbre certos assuntos. Isto é o inevitável resultado da nova vida para cada um de nós. Êsses pontos de vista religiosos serão abordados em capítulo à parte, que trata da religião dos Espíritas.

Além de ser um inspirado pregador religioso, Stainton Moses era um poderoso médium, de modo que foi um dos poucos homens que puderam seguir o preceito apostólico e o demonstrar por palavras e, também, pelo poder. Neste ligeiro relato é o aspecto físico que deve ser destacado.

Stainton Moses nasceu em Lincolnshire, a 5 de novembro de 1839, e foi educado em Bedford Grammar School e no Exeter College de Oxford. Voltou-se para o ministério religioso e, de­pois de alguns anos de trabalho como cura na Ilha de Mau e alhures, tornou-se professor na University College School. É notável o fato que, durante o seu ano de viagem, tenha visitado o mosteiro do Monte Athos, e aí tenha passado seis meses — rara experiência para um protestante inglês. Mais tarde teve a certeza de que isso fôra o início de sua carreira psíquica.

Enquanto cura, teve oportunidade de mostrar a sua coragem e o senso de dever. Uma grande epidemia de varíola espalhou-se na sua paróquia, que não dispunha de médico. Diz o seu biógrafo:

“Dia e noite estava êle à cabeceira de doentes pobres; por vêzes, depois de haver assistido a um moribundo, se via obrigado a unir as tarefas de sacerdote às de coveiro, e êle próprio transportar os cadáveres”. Não é de admirar que ao se retirar tenha recebido uma grande manifestação de reconhecimento dos habitantes, que pode ser resumida nestas palavras: “Quanto mais o conhecemos e quanto mais vimos o seu trabalho, tanto maior é a nossa saudade do senhor”.

Em 1872 é que sua atenção se voltou para o Espiritismo, por meio de sessões com Williams e Miss Lottie Fowler. Muito antes havia êle verificado que possuía o dom da mediunidade de maneira invulgar. Ao mesmo tempo se havia prontificado a fazer um estudo completo do assunto, pondo sua poderosa inteligência a êsse serviço. Seus escritos, com o pseudônimo de M. A. Oxon, são clássicos no Espiritismo. Incluem os “Ensinos Espiritualistas”, elevados aspectos do Espiritismo, e outros trabalhos. Finalmente tornou-se redator de Light e durante muitos anos sustentou as suas altas tradições. Sua mediunidade progrediu ràpidamente até que abarcou quase todos os fenômenos físicos conhecidos.

Esses resultados não foram conseguidos antes que êle pas­sasse por um período de preparação. Diz êle:

“Durante muito tempo falhou-me a prova desejada. E, se tivesse feito como a maioria dos investigadores, teria desesperado e abandonado a investigação. Meu estado mental era muito positivo e eu era obrigado a algum sofrimento pessoal antes de conse­guir o que desejava. Pouco a pouco, um pedacinho aqui, outro ali, veio a prova, quando minha mente se abriu para a receber. Cêrca de seis meses haviam sido aplicados em persistentes esforços para que me fôsse dada a prova da eterna existência de Espíritos humanos e de seu poder de comunicação.”

Em presença de Stainton Moses erguiam-se no ar mesas pe­sadas, livros e cartas eram trazidos de uma sala para outra em plena luz. Há testemunhos independentes dessas manifestações, por pessoas fidedignas. Em seu lIvro “What ani 1?” (19),

19. "Que Sou Eu?". - N. do T.

o fina­do Serjeant Cox registra o seguinte incidente, ocorrido com Stainton Moses:

“Têrça-feira, 2 de junho de 1873, um amigo pessoal, ca­valheiro de alta posição social, formado em Oxford, veio à mi­nha residência em Russel Square, vestir-se para um jantar a que tínhamos sido convidados. Êle havia demonstrado antes notável fôrça psíquica. Como tínhamos meia hora de espera, fomos à sala de jantar. Eram exatamente seis horas e, aliás, estava claro. Eu abria cartas e êle lia The Times. Minha mesa de jantar é de mogno, muito pesada, antiga, e tem um metro e oitenta por dois e setenta. Está sôbre um tapête turco, o que aumenta a dificuldade de a mover. Uma tentativa mais tarde mostrou que os esforços combinados de dois homens fortes apenas a moviam uma polegada. Estava sem toalha e a luz caía em cheio sôbre ela. Ninguém se achava na sala, exceto eu e meu amigo. Subitamente, enquanto es­távamos sentados, ocorreram batidas altas e freqüentes sôbre a me­sa. Meu amigo estava sentado e segurava o jornal com ambas as mãos, tendo um braço apoiado na mesa e o outro no espaldar da cadeira; sentava-se de lado, de modo que as pernas e os pés não se achavam debaixo da mesa, mas de lado. Então a mesa estremeceu, como se estivesse com sezões; depois oscilou para um lado e para o outro tão violentamente, quase deslocando as pesadas colunas, em número de oito, que lhe serviam de pernas. Em segui­da, moveu-se para a frente cêrca de três polegadas. Olhei para baixo dela, para me assegurar de que não era tocada; mas ainda se moveu e continuaram as batidas no seu tampo.

Êsse súbito acesso de tal fôrça, àquela hora e naquele lugar, sem ninguém mais, além de mim e de meu amigo, e sem qualquer idéia de a invocar, causou-nos a maior admiração. Meu ami­go disse que jamais lhe acontecera algo no gênero. Então sugeri que talvez fôsse uma rara oportunidade, com tamanha fôrça em ação, para fazer uma tentativa de movimento sem contacto, quan­do a presença de apenas duas pessoas, a luz do dia, o lugar, o tamanho e o pêso da mesa tornavam a experiência de suma im­portância. Em conseqüência ficamos de pé, êle de um lado da mesa, eu, do outro. Estávamos afastados dela cêrca de sessenta centímetros e mantínhamos as mãos cêrca de vinte centímetros aci­ma dela. Em um minuto ela se abalou violentamente; depois mo­veu-se sôbre o tapête a uma distância de uns dezoito centímetros. Depois levantou-se cêrca de sete centímetros, do lado em que se achava o meu amigo; a seguir ergueu-se igualmente do meu lado. Finalmente, meu amigo baixou a mão até dez centímetros aci­ma da ponta da mesa, e pediu que ela se erguesse e tocasse em sua mão. Assim se fêz. E então, conforme o pedido, ela se er­gueu até a minha mão, que do outro lado se achava à mesma al­tura e da mesma maneira.

Em Douglas, na Ilha de Man, num domingo de agôsto de 1872, foi feita notável exibição de fôrça de um Espírito. Os fatos des­critos por Stainton Moses são confirmados pelo Doutor Speer e sua senhora, em cuja residência ocorreram os fenômenos, que dura­ram desde o almôço até às dez da noite. Batidas acompanhavam o médium para onde quer que êle fosse, até mesmo na igreja e o Doutor Speer e a senhora as ouviam quando sentados em seus lugares. Ao regressar da igreja, Stainton Moses verificou em seu quarto que os objetos tinham sido tirados da penteadeira para a cama, onde tinham sido dispostos em forma de cruz. Foi avisar o Doutor Speer, para que testemunhasse o que tinha aconte­cido e ao voltar ao quarto verificou que o seu cabeção, que tinha tirado poucos instantes antes, havia sido colocado, na sua ausência, em redor do tôpo da cruz. Ele e o Doutor Speer trancaram a porta do quarto e desceram para o lanche, mas durante a refei­ção batidas fortes se produziram e a pesada mesa de jantar foi movida três ou quatro vêzes. Num exame posterior no quarto acha­ram que dois outros objetos tirados das gavetas tinham sido adicionados à cruz, O quarto foi trancado novamente e em três visitas subseqüentes novos objetos tinham ampliado a cruz. Dis­seram-nos que, na primeira ocasião, em casa não estava ninguém que fôsse capaz de fazer tais brincadeiras e que depois pre­cauções adequadas haviam sido tomadas para evitar essas coisas.

Assim Mrs. Speer descreveu a série de acontecimentos:

“Enquanto estávamos na igreja foram ouvidas pancadas por todos os membros do grupo, em diversas partes do banco onde estávamos sentados, De volta Mr. S. M. encontrou em sua cama três coisas tiradas de sua penteadeira e colocadas sôbre a sua cama em forma de cruz. Chamou o Doutor S. ao seu quarto, para que visse o que havia acontecido em sua ausencia. O Doutor S. ouviu batidas fortes no pé da cama. Então trancou a porta, meteu a chave no bôlso e deixou o quarto vazio por algum tempo. Fo­mos jantar e, durante a refeição, a grande mesa de jantar, cheia de cristais, porcelanas, etc., moveu-se várias vêzes, trepidou e deu batidas. Parecia cheia de vida e movimento.

Batidas acompanharam o hino que nossa filhinha estava can­tando, e batidas inteligentes acompanhavam a nossa conversa. Várias visitas foram feitas ao quarto fechado e de cada vez verificávamos que algo tinha sido adicionado à cruz. O Doutor S. tomou a chave, abriu a porta e saiu por último. Finalmente tudo ces­sou. A cruz foi colocada abaixo do centro da cama; todos os objetos de uso tinham sido tirados da valise do nosso amigo. Cada vez que iam os ao quarto ouviam-se as batidas. Em nossa última visita foi lembrado deixar uMa fôlha de papel e um lápis na cama e, quando voltamos novamente, encontramos as iniciais de três amigos de Mr. S. M., todos mortos, e desconhecidos de quem quer que fôsse na casa, exceto ele próprio. A cruz era perfeitamente simétrica e tinha sido feita num quarto fechado, onde ninguém poderia ter entrado e era, realmente, uma notável mani­festação da fôrça do Espírito”.

Um desenho mostrando os vários objetos de toucador e sua disposição é dado à página 72 do livro de Arthur Lillie “Modern Mystics and Modern Magic” (20).

20. "Mística moderna e Magia moderna". - N. do T.

Outros exemplos são citados no apêndice.

Em suas sessões com o Doutor Speer e senhora, muitas comu­nicações foram recebidas, dando provas de identidade de Espí­ritos, sob a forma de nomes, datas e lugares, desconhecidos dos presentes e verificados posteriormente.

Diz-se que um grupo de Espíritos estava ligado à sua mediunidade. Por seu intermédio um corpo de doutrina foi comunicado por meio da escrita automática, começando a 30 de março de 1873 e continuando até o ano de 1880. Uma seleção dêstes escritos constitui os “Ensinos Espiritistas”. Na sua Introdução diz Stainton Moses:

“O tema central foi sempre de caráter puro e elevado, em grande parte de aplicação pessoal, visando minha própria dire­ção e orientação. Posso dizer que através de tôdas essas comu­nicações escritas, que vão, ininterruptamente até 1880, não há leviandades, nem brincadeiras, não há vulgaridades nem incon­gruências, não há falsidades nem enganos, tanto quanto eu saiba ou tenha podido descobrir. Nada incompatível com o objetivo visado, sempre e sempre repetido, de instrução, de esclarecimento e de orientação por Espíritos escolhidos para essa tarefa. Jul­gados como eu mesmo desejo ser julgado, êles foram o que dese­javam ser. Suas palavras eram de sinceridade e de objetivos sóbrios e sérios.

Um relato minucioso das pessoas que se comunicaram, muitas das quais tinham nomes importantes, se acha no livro de Mr. A. W. Trethewy “The Controls of Stainton Moses” (1923) (21):

21. "Os Guias de Stainton Moses". - N. do T.

Stainton Moses contribuiu para a formação da Society for Psychical Research em 1882, mas se demitiu em 1886, desgos­toso com a maneira por que foi tratado o médium William Eglin­ton. Foi o primeiro presidente da London Spiritualist Alliance, formada em 1884, posição que ocupou até à morte.

Além das obras “Spirit Identity” (1879) ; “Higer Aspects of Spiritualism” (1880) ; “Psycography” 2ª ed. (1882) ; e “Spirit Teachings” (1883) (22),

22. “identidade dos Espíritos” (1879); “Aspectos mais elevados do Espiritismo” (1880); “Psicografia” (2ª ed. 1882); e “Ensinos Espiritistas” 1883. — N. do T.

contribuiu freqüentemente para a imprensa espírita, bem como para o Saturday Review, para o Punch e vários outros jornais de valor.

Um magistral resumo de sua mediunidade foi escrito por Mr.

F. W. H. Myers (23)

23. Volume 9º, páginas 245 e 353 e Volume 11º, páginas 24 e 113.

e publicado pela Society for Psychical Research. Na notícia de sua morte disse Mr. Myers: “Eu pessoalmente considero a sua vida como uma das mais notáveis de nossa geração e de poucos homens ouvi, em primeira mão, fatos mais notáveis do que os que dêle ouvi.”

Os vários médiuns referidos neste capítulo — pode dizer-se — cobrem diversos tipos de mediunidade, predominantes du­rante êsse período. Mas houve muitos que foram quase tão conhecidos quanto os aqui citados. Assim, Mrs. Marshall trouxe ensina­mentos a muitos; Mrs. Gupáginasy mostrou poderes que, em certas direções, jamais haviam sido atingidos; Mrs. Everitt, uma ama­dora, continuou por tôda a sua vida, que foi longa, a ser um centro de energia psíquica; e Mrs. Mellon, tanto na Inglaterra quanto na Austrália, foi extraordinária em materializações e em fenômenos físicos.

17

A Sociedade de Pesquisas Psíquicas

QUALQUER descrição minuciosa das atividades da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, cem seu registro estranhamente misturado de utilidades e de obstruções, estaria fora de lugar neste volume. Há alguns pontos, entretanto, que devem ser focalizados e al­guns casos que deveriam ser discutidos. Em certo sentido o tra­balho da sociedade foi excelente; mas desde o comêço ela come­teu o êrro capital de assumir um certo ar carrancudo contra o Espiritismo, o que teve como efeito alienar um certo número de homens que poderiam ter sido valiosos em seu conselho e, acima de tudo, de ofender àqueles médiuns, sem cuja boa vontade de cooperação, o trabalho da sociedade não se teria fanado. Atual­mente a sociedade possui uma excelente sala de sessões, mas a dificuldade está em persuadir qualquer médium a entrar ali.

É o que tinha de acontecer, pois tanto o médium quanto a causa que es­te representa se acham em perigo, quando hipóteses vesgas e acusações injuriosas são feitas tão levianamente quanto no passado. A pesquisa psíquica deveria mostrar algum respeito pelos senti­mentos e pelas opiniões dos Espíritos, pois é bem certo que sem êstes aquela não existiria.

Entre as irritações daquilo que consideram como crítica ofensiva, os Espíritas não deveriam esquecer que, em várias oca­siões, a sociedade fêz excelentes trabalhos. Assim, foi a matriz de outras sociedades que se tornaram mais ativas que ela. Ela também produziu, tanto em Londres, quanto nas suas ramifica­ções na América, um certo número de homens que acompanha­ram as provas e se tornaram sinceros defensores do ponto de vista espírita. Na verdade pode, sem favor, dizer-se que todos os gran­des homens, os homens que deram mostras de poderosa menta­lidade, em setores diversos e dêste assunto particular, adotaram a explicação psíquica. Sir William Crookes, Sir Oliver Lodge, Russell Wallace, Lord Rayieigh, Sir William Barrett, Professor William James, Professor Hyslop, Doutor Richard Hodgson e Mr. F. W. H. Myers estavam todos, em graus diversos, do lado dos anjos.

Houve antes uma sociedade com idênticos objetivos — a So­ciedade Psicológica da Grã-Bretanha — fundada em 1875 por Mr. Serjeant Cox. Com a morte dêsse cavalheiro em 1879, a sociedade se dissolveu. A 6 de janeiro de 1882 foi feita uma reu­nião, por iniciativa de Sir William Barrett, para considerar a formação de uma sociedade nova e a 20 de fevereiro seguinte foi esta instalada. Foi eleito presidente o Professor Henry Sidg­wick, de Cambridge, e entre os vice-presidentes estava o Reverendo Stainton Moses. O conselho contava com representantes espí­ritas, entre os quais Mr. Edmund Dawson Rogers Mr. Hensieigh Wedgewood, Doutor George Wild, Mr. Alexander Caider e Mr. Mo­reli Theobald. No correr do exame de sua história veremos como a Society for Psychical Research alienou gradualmente as sim­patias dêsses membros e levou muitos dêsses a pedir demissão, e como essa clivagem precoce se foi alargando com o correr dos anos.

Diz um manifesto da Sociedade:

“Foi largamente sentido que o presente oferece oportuni­dade para uma tentativa organizada e sistemática de investigar o enorme grupo de fenômenos discutíveis, designados por expres­sões como mesmerismo, psiquismo e espiritismo.”

Em seu primeiro relatório presidencial, em 17 de julho de 1882, falando da necessidade de pesquisa psíquica, diz o Profes­sor Sidgwick:

“Somos todos concordes em que o presente estado de coisas é um escândalo para o período esclarecido em que vivemos; que a discussão sôbre a realidade dêsses maravilhosos fenômenos — cuja importância, científica não será nunca exagerada, se ape­nas a décima parte do que dizem testemunhas geralmente crédulas pudesse ser demonstrada como verdadeira — como ia dizendo, é um escândalo que a discussão sôbre a realidade dêsses fenô­menos ainda perdure; que tantas testemunhas competentes tenham declarado a sua crença nêles; que tantos outros estejam profundamente interessados em esclarecer a questão; e, ainda, que o mundo culto se ache, apenas, numa atitude de incredulidade”.

Assim definida por seu primeiro presidente, a atitude da So­ciedade seria correta e razoável. Respondendo à crítica de que sua intenção era rejeitar como inverídicos os resultados de tôdas as investigações anteriores sôbre fenômenos psíquicos, disse êle:

“Não creio que possa produzir provas de melhor qualidade do que muitas já apresentadas por escritores de indubitável repu­tação científica — homens como Mr. Crookes, Mr. Wallace e o falecido Professor de Morgan. Mas é claro que, de tudo que eu defini como escopo da sociedade, por melhores que sejam algu­mas dessas provas como qualidade, nos é necessário um nú­mero muito maior.”

O mundo culto, como êle diz, ainda não se acha convencido e, assim, mais provas devem ser acumuladas. Não declarou que já houvesse provas abundantes, mas que o mundo não se havia dado ao trabalho de examinar.

Voltando a êsse aspecto, no final de seu discurso, disse:

“A incredulidade científica cresceu durante tanto tempo, e criou tantas e tão fortes raízes, que teremos apenas que a maior, se formos capazes disso, relativamente àquelas questões, enterran­do-a viva, sob um monte de fatos. Devemos plantar balizas, como o disse Lincoln; devemos acumular fatos sôbre fatos, e somar expe­riência a experiência e, diria até, não esbravejarmos demasiada­mente com os incrédulos de fora acêrca do valor probante de cada uma delas, mas acreditar na massa de provas para convic­ção, O mais alto grau de fôrça demonstradora que pudermos obter além de um simples registro de uma investigação é, aliás, limitada pela fidedignidade do investigador. Fizemos tudo quanto era possível quando o crítico nada deixou para alegar senão que o investigador era parceiro no truque. Mas quando não deixou coisa alguma, alegará isso. Devemos levar o opositor a ser forçado a admitir ou que os fenômenos são inexplicáveis, ao me­nos para si, ou a acusar os investigadores de serem mentirosos ou trapaceiros, ou de uma cegueira e um descuido incompatíveis com qualquer condição intelectual fora da idiotia”.

O primeiro trabalho da Sociedade foi dedicado a uma inves­tigação experimental de transmissão de pensamento, assunto que Sir William, então Professor Barrett, tinha apresentado à British Association em 1876. Depois de longa e paciente pesquisa foi considerado que a transmissão de pensamento, ou telepatia, como era chamada por Mr. F. W. H. Myers, era um fato inconteste. No domínio dos fenômenos mentais foi feito um trabalho muito valioso por essa Sociedade, e isso foi registrado de maneira siste­mática e cuidadosa nos “Proceedings” da mesma. Também as suas pesquisas sôbre a chamada “Correspondência Cruzada” constituem fase importante de suas atividades. A investigação da mediunidade de Mrs. Piper foi ainda um trabalho notável e a êle voltaremos mais tarde.

Onde a sociedade foi menos feliz foi no que se refere aos chamados fenômenos físicos do Espiritismo. Mr. E. T. Bennett, que durante vinte anos foi secretário assistente da Sociedade, assim se exprime a respeito:

“É notável, e nós nos inclinamos a dizer que é uma das coisas mais notáveis na história da Sociedade, que êsse ramo de investigações tivesse sido — e não há nisso exagero — absoluta­mente falho de resultados. Também deve ser dito que o resultado foi tanto mais falho quanto maior a simplicidade dos supostos fenômenos. Quanto ao movimento de mesas e outros objetos sem contacto, a produção de batidas audíveis e de luzes visíveis, a opi­nião, mesmo dentro da Sociedade, para não falar das criaturas inteligentes que estão de fora, permanece no mesmo estado caótico de vinte anos passados. A questão do movimento das mesas sem contacto está exatamente no ponto em que foi deixado pela So­ciedade Dialética em 1869. Mesmo então, o fato de o movimento de uma pesada mesa de jantar, que nenhum dos presentes tocava, e não em presença de um médium profissional, foi atestado por numerosas pessoas bem conhecidas. Se era “um escândalo que a discussão sôbre a realidade dêsses fenômenos ainda perdurasse”, quando o Professor Sidgwick leu o seu primeiro relatório presi­dencial, quanto maior será o escândalo agora, depois de um lapso de quase um quarto de século, “que o mundo culto, como um todo, ainda se ache apenas numa atitude de incredulidade”? Em tôda a série de volumes publicados pela Sociedade, nenhuma luz foi derramada sôbre os simples supostos fenômenos de ver e ouvir. Em relação a fenômenos físicos mais elevados, que implicam inteli­gência para a sua produção, tais como a Escrita Direta ou a Fotografia de Espíritos, algumas investigações foram feitas, mas em grande parte com resultados quase que inteiramente negati­vos.” (1)

1. “Twenty Years of Psychical Research” by Edward Bennett (1904), páginas 21 e 22.

Essas vassouradas na Sociedade são feitas por uma crítica amiga. Vejamos como os Espíritas contemporâneos viam as suas atividades. Para começar, logo no início, já em 1883, en­contramos — justamente um ano depois de fundada — um correspondente a escrever à Light, perguntando: “Qual a diferença entre a “Sociedade de Pesquisas Psíquicas” e a “Associação Central dos Espíritas?” E quer saber se existe algum antagonis­mo entre as duas organizações. A resposta foi dada num artigo de fundo (2),

2. Light, 1883, página 54.

do qual fazemos êste extrato. Com o nosso retros­pecto de quarenta anos, é êle de interêsse histórico:

“Os Espíritas não podem duvidar qual será o objetivo —não podem duvidar de que, com o tempo, a Sociedade de Pes­quisas Psíquicas dará provas tão claras e insofismáveis de clarivi­dência, de escrita mediúnica, de aparições de Espíritos e de várias formas de fenômenos físicos do mesmo modo que vitoriosamente as deu de transmissão de pensamento.

Há, porém, uma clara linha de separação entre a Sociedade de Pesquisas Psíquicas e a Associação Central dos Espíritas. Os Espíritas têm uma fé estabelecida — ainda mais, um certo conhecimento — em relação aos fatos, a respeito dos quais a Sociedade de Pesquisas Psíqui­cas ainda não pode confessar possuir qualquer conhecimento. A Sociedade de Pesquisas Psíquicas está preocupada apenas com os fenômenos, buscando provas de sua realidade... Para êles, a idéia da comunicação dos Espíritos, de uma suave conversa com os mortos queridos — tão preciosas para os Espíritas, não apresenta interêsse atual. Falamos dêles, como uma Sociedade — e não como membros individuais. Como Sociedade estão estudando ossos e músculos: ainda não chegaram ao coração e a alma”.

Continuando, o articulista dá um mergulho no futuro, em­bora não pudesse ver quando a prova iria ser feita:

“Como Sociedade, ainda não se podem dizer espíritas. Como Sociedade, e à medida que as provas se acumularem, provavelmente êles se dirão, primeiro, “Espíritos sem Espíritos”; por fim — exatamente como os outros Espíritos, com o acréscimo de satis­fação de, ao chegar a essa posição, terem feito bem cada etapa de seu caminho, á medida que avançavam e, por sua conduta cautelosa, terem induzido muitas criaturas nobres e lúcidas a pal­milhar o mesmo caminho.”

Em conclusão, o correspondente é informado de que não há antagonismo entre as duas Sociedades e de que os Espíritas con­fiam que a Sociedade de Pesquisas Psíquicas esteja fazendo um trabalho muito útil.

O extrato é instrutivo, pois mostra os delicados sentimentos do principal órgão dos Espíritas para com a nova sociedade. A profecia que o acompanha, entretanto, está longe de se realizar. Numa exagerada aspiração pelo que era considerado uma atitude científica imparcial, um pequeno grupo dentro da sociedade con­tinuou, durante muitos anos, a manter uma posição, senão de hostilidade, ao menos de negação da realidade das manifestações físicas observadas com médiuns particulares. Ela não sopesou a importância do testemunho que viria de homens fidedignos, cujos títulos e cuja experiência os tornou dignos de crédito.

Assim que a Sociedade de Pesquisas Psíquicas passou a considerar êsse testemunho ou, mais raramente, a conduzir ela própria as investigações, ou foram feitas abertamente acusações de fraude contra os médiuns, ou foi admitido que os resultados deveriam ter sido obtidos por outros meios que não os supranormais sugeridos. As­sim, temos Mrs. Sidgwick, que é um dos piores ofensores a êsse respeito, dizendo de uma sessão com Mrs. Jencken (Kate Fox), realizada em plena luz, que foi julgada bastante para se lerem impressos, e na qual foi obtida a escrita direta numa fôlha de papel fornecida pelos assistentes e colocada debaixo da mesa, escreveu: “Pensamos que Mrs. Jencken deve ter escrito com o pé. De Henry Slade disse: “A impressão que tenho, depois de dez ses­sões com o Doutor Slade... é que os fenômenos são produzidos por truques”. Da escrita na lousa, por William Eglinton, escreveu:

Por mim não hesito em atribuir as realizações a finas mágicas”. Uma senhora médium, filha de conhecido professor, descreveu ao autor como era impossível e, na verdade, como era incons­cientemente insultuosa, a atitude de Mrs. Sidgwick em tais ocasiões.

Muitas outras citações do mesmo tipo poderiam ser dadas em relação a outros médiuns famosos. Mr. Sidgwick contribuiu com um trabalho intitulado “Mr. Eglinton”, publicado no Jor­nal, órgão da Sociedade, em 1886, e que provocou uma tempes­tade de críticas acerbas e um suplemento especial de Light, dedi­cado a cartas de protesto. Num comentário editorial, da pena de Mr. Stainton Moses, êste jornal, que antes havia mostrado uma simpatia igual à novel sociedade, assim se expressa:

“A Sociedade de Pesquisas Psíquicas em mais de um as­pecto colocou-se numa posição falsa e quando sua atenção era chamada para o fato permitiu-se considerá-lo fraudulento.

Na verdade, a história secreta da “Pesquisa Psíquica” na Inglaterra, se fôr escrita, provará uma descrição muito instrutiva e suges­tiva. Além disso — pesa-nos dizê-lo e o fazemos com inteiro senso de gravidade de nossas palavras — até onde toca a discussão livre e completa, sua política tem sido obstrucionista... Nestas circunstâncias, pois, cabe à Sociedade de Pesquisas Psíquicas deci­dir se o atrito atualmente existente será aumentado ou se um “modus vivendi” entre ela e a Sociedade Espírita poderá ser esta­belecido. Nenhuma desaprovação oficial foi feita do ponto de vista da sociedade. Entretanto êste seria o primeiro passo.

A situação aqui indicada no quarto ano de vida da sociedade continuou com pequenas alterações até agora. Podemos vê-la bem descrita por Sir Oliver Lodge (3),

3. “The Survtval of Man” (1909), página 6.

que diz da Sociedade, embora não concordando com o que se diz: “Ela tem sido cha­mada de sociedade para a supressão dos fatos, para a impu­tação geral de impostura, para o desencorajamento dos sensitivos e para o repúdio de tôda revelação daquela espécie que desce das regiões da luz e do conhecimento sôbre a humanidade”.

Uma das primeiras atividades públicas da SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH foi a via­gem à Índia de seu representante Doutor Richard Hodgson, com o fito de investigar os supostos milagres que se davam em Adyar, quartel general de Madame Blavatsky, que havia desempenhado papel tão preeminente na ressurreição da antiga sabedoria do Oriente, sistematizando-a sob o nome de Teosofia, num sistema fi­losófico inteligível e aceitável pelo Ocidente. Não é aqui o lugar para discutir o caráter misto dessa notável senhora: basta dizer que o Doutor Hodgson formou opinião absolutamente contrária a ela e aos seus supostos milagres. Por algum tempo parecia que essa conclusão era definitiva; mas, posteriormente, certas razões forçaram a sua reconsideração, de que temos o melhor resumo na defesa feita pela Senhora Besant (4).

4. “H. PÁGINA Blavatsky and the Masters of Wisdom” (Theosophical Publishing House).

O ponto principal da Se­nhora Besant é que as testemunhas eram completamente maliciosas e corruptas e que muitos dos testemunhos eram claramente manipulados. O resultado líquido é que quando ocorrem episódios se­melhantes, que maculam a reputação de Madame Blavatsky, não se pode dizer que se haja obtido uma prova definitiva.

Neste, como noutros casos, o padrão dos argumentos da Sociedade, a fim de provar que houve fraude, é muito mais elástico do que quando ela examina os supostos fenômenos psíquicos.

É mais interessante voltarmo-nos para um exame completo da mediunidade de Mrs. Leonora Piper, a célebre sensitiva de Boston, E.U.A., porque ela se alinha entre os mais belos resulta­dos obtidos pela Sociedade de Pesquisas Psíquicas. Ela se exer­ceu por um período de mais de quinze anos e os relatos são volumosos. Entre os investigadores estavam homens conhecidos e competentes, como o Professor William James, da Universidade de Harvard, o Doutor Richard Hodgson e o Professor Hyslop, da Universidade de Columbia. Êsses três estavam convencidos da au­tenticidade dos fenômenos que ocorriam em sua presença e todos foram favoráveis à sua interpretação espírita.

Naturalmente os Espíritas ficaram jubilosos com a confirma­ção de suas alegações. Mr. E. Dawson Rogers, Presidente da London Spiritualist Alliance, numa reunião dessa sociedade, em 24 de outubro de 1901, (5)

5. Light, 1901, página 523.

disse:

“Nos últimos dias deu-se um pequeno fato que, segundo pen­sam alguns, reclama algumas palavras minhas. Como muitos sa­bem, nossos amigos da Sociedade de Pesquisas Psíquicas — ou alguns dêles — passaram para o nosso lado. Isto não quer dizer que aderiram à Aliança Espírita de Londres — quero dizer que alguns se riam e zombavam de nós há alguns anos, agora se dizem adesos ao nosso credo, isto é, aderentes à hipótese ou teoria de que o homem continua a viver depois da morte e que, sob certas condições, lhe é possível comunicar-se com os que aqui ficaram.

Bem, agora tenho uma dolorosa recordação dos primeiros tempos da Sociedade de Pesquisas Psíquicas. Felizmente, ou infe­lizmente, fui membro do seu primeiro Conselho, em companhia do nosso saudoso amigo W. Stainton Moses. Reuníamo-nos e ficávamos tristes pela maneira com que o Conselho da Sociedade de Pesquisas Psíquicas recebia qualquer sugestão relativa à possibilidade de demonstrar a continuação da existência do ho­mem após a chamada morte. O resultado foi que, não podendo sofrer isto por mais tempo, Mr. Stainton Moses e eu resignamos os nossos cargos no Conselho. Entretanto o tempo exerceu a sua vingança. Naquela época os nossos amigos se diziam ansiosos por descobrir a verdade; mas esperavam e esperavam ansio­samente — que a verdade fôsse que o Espiritismo era uma fraude...

Passaram, felizmente, aquêle tempo e aquela atitude; ago­ra podemos considerar a Sociedade de Pesquisas Psíquicas como uma excelente amiga. Ela se pôs ao trabalho assídua e intensa­mente e provou a nossa tese — se e que provas eram necessá­rias — à sociedade. Em primeiro lugar temos o nosso amigo Mr. F. W. H. Myers, cuja memória todos veneramos, e não esquecemos que Mr. Myers declarou plenamente que havia che­gado à conclusão de que a hipótese espírita era a única admis­sível para explicar os fenômenos que havia testemunhado. De­pois vem o Doutor Hodgson. Todos quantos conhecem o assunto de longa data se lembram quanto êle perseguia tenazmente os que professavam o Espiritismo. Era um autêntico Saulo a per­seguir os cristãos. E êle próprio, por fôrça da investigação dos fenômenos que se davam em presença de Mrs. Leonora Piper, veio para o nosso lado e, honestamente, destemerosamente, decla­rou-se convertido à hipótese espírita. E agora, nestes últimos dias, tivemos um notável volume de autoria do Professor Hyslop, da Universidade de Colúmbia, New York, publicado pela Sociedade de Pesquisas Psíquicas — um livro de 650 páginas, que mostra que, também êle, um Vice-Presidente da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, está convencido de que a hipótese espírita é a única capaz de explicar os fenômenos de que foi testemunha. Todos estão rindo; e eu estou começando a ter esperanças em nosso bom amigo Mr. Podmore”.

Da nossa posição privilegiada dêstes últimos vinte anos sin­gulares, vemos que o vaticínio era muito otimista. Mas o tra­balho de Mrs. Piper está acima de contestação.

O Professor James tomou contacto com Mrs. Piper em 1885, ao saber da visita de um seu parente, que obtivera resultados muito interessantes. Conquanto fôsse antes céptico, resolveu-se a investigar diretamente. Conseguiu bom número de mensagens probantes. Por exemplo, sua sogra havia perdido seu talão de cheques, mas o Doutor Phinuit, guia de Mrs. Piper, a quem haviam pedido que ajudasse a encontrá-Lo, disse onde estava e a infor­mação estava certa. Em outra ocasião êsse guia disse ao Professor James: “Sua filha tem um rapaz, chamado Robert F., como companheiro em nosso mundo”. Os Fs. eram primos de Mrs. James e viviam em outra cidade. O professor James con­tou a sua senhora que o Doutor Phinuit tinha cometido um engano quanto ao sexo da criança morta dos Fs, pois havia dito que era um rapaz. Mas o Professor James estava enganado: a criança era um rapaz e a informação dada estava certa. Aqui, pois, não podia ser uma questão de leitura do pensamento dos assis­tentes. Muitos outros exemplos de comunicações verídicas po­diam ser aduzidos. O Professor James descreve Mrs. Piper como uma criatura absolutamente simples e honesta e diz de sua inves­tigação: “O resultado é fazer-me sentir, tão absolutamente certo quanto estou de qualquer fato pessoal no mundo, que em seus transes ela sabe de coisas que não seria possível ter ouvido quan­do desperta.”

Depois da morte do Doutor Richard Hodgson, em 1905, o Pro­fessor Hyslop obteve, por intermédio de Mrs. Piper, uma série de comunicações probantes, que o convenceram de que realmente se achava em contacto com seu amigo e companheiro de tra­balho. Por exemplo, Hodgson lhe lembrou um médium parti­cular, a respeito de cujos dons os dois homens haviam discordado. Disse que o tinha visitado e acrescentou: “Achei as coisas melhor do que pensava”. Falou de um ensaio com água corada, que êle e Hyslop tinham usado para experimentar um médium a quinhentas milhas de Boston, e acêrca do qual Mrs. Piper nada sabia. Houve também referência a uma discussão que êle tinha tido com Uyslop a respeito de certo manuscrito de um dos li­vros de Hyslop. O céptico poderá objetar que êsses fatos estavam dentro do conhecimento do Professor Hyslop, de quem Mrs. Piper os teria obtido por meio da telepatia. Mas, acompanhando as comu­nicações, havia muitas provas de peculiaridades pessoais do Doutor Hodgson, que foram reconhecidas pelo Professor Hyslop.

A fim de permitir que o leitor julgue a consistência de algumas das provas dadas por intermédio de Mrs. Piper, sob a ação do guia Phinuit, citamos o seguinte caso (6).

6. “Proceedings” of SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH Volume 6º, página 509. Quoted in M. Sages “Mrs. Piper and the SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH”

Na 45ª sessão na Inglaterra, a 24 de dezembro de 1889, quando Messrs. Oliver e Alfred Lodge e Mr. Thompson e senho­ra eram assistentes, de súbito disse Phinuit:

“Conhece Richard, Rich, Mr. Rich?”

— “Não muito bem”, respondeu Mrs. Thompson. “Conheci um Doutor Rich”.

“— É este. Morreu. Está mandando saudades a seu pai”.

Na 83ª sessão, quando Mr. Thompson e a senhora se achavam presentes novamente, Phinuit disse de repente:

— “Aqui está o Doutor Rich!”

Então o Doutor Rich começou a falar.

— “É muita bondade dêste cavalheiro”. (Referia-se ao Doutor Phinuit), “deixar que eu vos fale. Mr. Thompson, desejo que leve uma mensagem a meu pai.”

— “Levá-la-ei”, respondeu Mr. Thompson.

— “Agradeço milhares de vêzes”, respondeu o Doutor Rich. “É muita bondade. Como vêdes, passei subitamente. Meu pai ficou muito perturbado com isto e ainda se acha perturbado. Não se recuperou. Diga-lhe que estou vivo; que lhe mando a minha afeição. Onde estão os meus óculos?”

A médium passa a mão sôbre os olhos.

— “Eu usava óculos”. (Era verdade). “Penso que êle os guarda, bem como alguns de meus livros. Havia uma pequena caixa preta, que eu tinha — penso que está com êle. Não desejo que se perca. Ás vêzes êle é perturbado por um zum­bido na cabeça — fica nervoso — mas isto não tem importância.”

— “Que faz o seu pai?” pergunta Mr. Thompson.

A médium tomou um cartão e parecia escrever nêle: parecia pôr um sêlo no canto.

— “Êle se ocupa com estas coisas. Mr. Thompson, se o senhor lhe der esta mensagem, eu o ajudarei de muitas ma­neiras. Posso e quero.”

A respeito dêste incidente, observa o Professor Lodge:

“Mr. Rich, pai, é administrador dos Correios de Liverpool... Meu filho, o Doutor Rich, era quase estranho a Mr. Thompson e quase estranho para mim. O pai tinha ficado muito chocado com a morte do filho, como verificamos. Mr. Thompson o havia pro­curado e dado o recado. Mr. Rich, pai, considera o episódio extra­ordinário e inexplicável, salvo por alguma espécie de fraude. A frase “agradeço milhares de vezes — concordou o velho —é característica e admite que recentemente sofreu de zumbidos”. Mr. Rich não soube a que caixa preta o filho se referia. A única pessoa que podia dar informações a respeito achava-se então na Alemanha. Mas foi verificado que, em seu leito de morte, o Doutor Rich falava constantemente de uma caixa preta.

Assim comenta M. Sage: “Sem dúvida Mr. Thompson e a senhora conheceram o Doutor Rich, pois o encontraram uma vez. Mas eram perfeitamente ignorantes de todos os detalhes dados aqui. Onde os colheu a médium? Não da influência deixada num objeto qualquer, pois não havia tal objeto na sessão.

Mrs. Piper teve vários guias em diversas etapas de sua longa carreira, O primeiro dêles foi o Doutor Phinuit, que dizia ter sido um médico francês, mas cujo relato de sua vida terrena era contraditório e insuficiente. Nada obstante, sua atuação foi muito notável e êle convenceu a muita gente de que então era um intermediário entre os vivos e os mortos.

Algumas obje­ções contra êle, entretanto, tinham fôrça, pois, conquanto seja muito possível que uma prolongada experiência das condições do outro mundo apague a nossa lembrança das coisas terrenas, é pouco admissível que assim fôsse até o ponto que a experiência o demonstrou. Por outro lado, a alternativa de que fôsse uma segunda personalidade de Mrs. Piper, um simples fio, se assim se pode dizer, separado do tecido da sua individualidade, abre dificuldades ainda maiores, desde que foi dada tanta coisa que se achava acima do possível conhecimento da médium.

Estudando êsses fenômenos o Doutor Hodgson, que tinha sido um dos mais severos críticos de tôdas as explicações transcen­dentes, foi pouco a pouco forçado a aceitar a hipótese espírita como a única capaz de abarcar os fatos. Achou que a telepatia entre assistente e médium não bastava. Verificou impressio­nado que, quando a inteligência comumente tinha tido um dis­túrbio mental antes de morrer, as mensagens posteriores eram obscuras e grosseiras. Isto seria inexplicável se as mensagens fôssem meros reflexos mentais dos assistentes. Por outro lado, havia casos, como de Hannah Wild, em que uma mensagem selada em vida, não pôde ser dada depois de morta. Admitindo valor a tais objeções, não podemos senão repetir que nos cin­giríamos aos resultados positivos e esperamos que conhecimentos mais completos possam dar-nos a chave que explicará aquêles que se afiguram negativos. Como podemos imaginar quais sejam as leis e quais as dificuldades especiais em tais experiências?

Em março de 1892 o guia Phinuit foi avantajado pelo guia George Pelham e o tom das comunicações mudou com a troca. George Pelham era um jovem literato, morto aos trinta e dois anos, numa queda de cavalo. Tinha-se interessado pelos estu­dos psíquicos e então havia prometido ao Doutor Hodgson que se morresse iria esforçar-se por se manifestar. Foi uma promessa que cumpriu vantajosamente e o autor destas linhas deseja aqui consignar a sua gratidão, porque foi o estudo das manifestações de George Pelham (7)

7. Doutor Hodgsons Report. Proceedings, of SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH Volume 13º, páginas 284-582.

que tornaram a sua mente receptiva e sim­pática até que as provas finais lhe vieram durante a Grande Guerra.

Pelham preferia escrever pela mão de Mrs. Piper. E não era raro que enquanto Phinuit falava, Pelham estivesse escre­vendo. Pelham estabeleceu sua identidade encontrando trinta velhos amigos, desconhecidos da médium; reconheceu-os a todos e a cada um se dirigiu no tom costumeiro de quando era vivo. Nunca tomou um estranho por um amigo. É difícil imaginar como a continuidade de identidade e o poder de comunicabi­lidade — duas coisas essenciais no Espiritismo poderiam ser melhor estabelecidos do que em tais registros. É instrutivo que o ato de se comunicar era muito agradável a Pelham. “Sinto-me feliz aqui, e mais ainda desde que me posso comunicar com você. Lamento os que não podem falar.” Por vêzes mostrava ignorância do passado. Comentando isto, diz M. Sage: “Se há um outro mundo, os Espíritos não vão para lá a fim de ruminar o que aconteceu em nossa vida incompleta: vão para serem arrastados no vórtice de uma atividade maior e mais alta. Se, por vêzes se esquecem, não é de admirar. Não obstante, parece que esquecem menos do que nós”. (8)

8. M. Sage “Mrs. Ptper and SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH, página 98.

É claro que se Pelham estabeleceu a sua identidade, tudo quanto nos possa dizer de sua experiência atual no outro mundo é da mais alta importância. É aqui que o lado fenomênico do Espiritismo dá lugar ao lado religioso, pois, que segurança dos mais veneráveis mestres, ou dos escritos, pode dar-nos a mes­ma convicção que um relato de primeira mão, de alguém que conhecemos e que vive atualmente a vida que descreve? Êste assunto é tratado mais completamente em outro lugar. As­sim, basta dizer aqui que a descrição de Pelham, de um modo geral, é a mesma que tantas vêzes temos recebido, e que pinta uma vida de evolução gradativa, que é a continuação da vida terrena e apresenta, de muito, os mesmos aspectos, pôsto que, em geral, de forma mais agradável. Não é uma vida de mero prazer e de preguiça egoística, mas uma vida na qual tôdas as nossas faculdades pessoais têm um imenso campo de ação.

Em 1898, James Hervey Hyslop, Professor de Lógica e Êtica na Universidade de Colúmbia, substituiu o Doutor Hodgson como chefe experimentador. Começando na mesma posição de cepticismo, aos poucos foi levado pelas próprias experiências à mes­ma conclusão.

É impossível ler os seus relatórios, publicados em vários livros e, também, no Volume 16º dos “Proceedings” da SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH sem sentir que talvez êle não suportasse a evidência. Seu pai e muitos parentes voltaram e mantiveram palestras que estavam muito acima da alternativa de personalidade secundária ou de telepatia. Ele não discute o obscuro em sua conversação, mas diz: “Estive conversando com meu pai, meu irmão, meus tios” e quem quer que leia a sua descrição será forçado a con­cordar com êle.

Como essa Sociedade pode ter tais provas em seus próprios “Proceedings” e ainda, até onde a maioria de seu Conselho é responsável, continuar não convertida ao ponto de vista Espírita, é um mistério. Isto apenas pode ser expli­cado pelo fato de haver um tipo de mente egocêntrica e limitada - embora possivelmente aguda — que absolutamente não recebe impressões do que acontece aos outros e, ainda, é cons­tituída de tal modo que é o último tipo de mente a conven­cer-se por si mesma, devido ao seu efeito sôbre o material de que depende a prova. Nisto está a razão por que de outro modo seria inexplicável.

As lembranças do velho Hyslop não eram muito minuciosas nem muito definitivas para alcançar o seu filho. Muitos fatos haviam sido esquecidos e alguns jamais tinham chegado ao co­nhecimento dêste. Dois vidros em sua escrivaninha, seu cani­vete castanho, sua caneta com pena de pato, o nome de seu pi­quira, seu boné prêto a gente pode considerar estas coisas triviais, mas elas são essenciais à comprovação da perso­nalidade. Êle tinha sido membro ativo de uma pequena seita. Apenas nisto parece que havia mudado. “A ortodoxía nada tem com isto. Eu podia ter mudado de idéia em muitas coisas, se as tivesse conhecido.”

É interessante notar que quando, em sua décima sexta sessão, o Professor Hyslop adotou os métodos dos Espíritas, con­versando livremente e sem testes, obteve uma corroboração mais efetiva do que nas quinze sessões em que havia tomado precau­ções. O fato confirma a observação de que quanto menor o constrangimento em tais entrevistas, mais positivos são os resultados, e que o pesquisador meticuloso muitas vêzes estraga a própria sessão. Hyslop registrou que em 205 incidentes mencio­nados nessas conversas foi-lhe possível verificar a exatidão de nada menos que 152.

Talvez a mais interessante e dramática conversação jamais obtida através de Mrs. Piper seja a que se deu entre seus dois investigadores, após a morte de Richard Hodgson, em 1905.

Temos aqui dois cérebros de primeira classe — Hodgson e Hyslop — um “morto” e o outro na plenitude de suas facul­dades, mantendo uma palestra no seu nível habitual, pela bôca e pela mão dessa mulher meio deseducada e em transe. É uma situação maravilhosa e quase que inconcebível que êle, que duran­te tanto tempo estivera estudando o Espírito através dessa mu­lher, deveria agora ser o Espírito que usasse a mesma mulher e, por seu turno, fôsse examinado por seu velho colega. O episó­dio merece um estudo cuidadoso (9).

9. “The Psychical Riddle”. Funk, página 58 e seguintes.

Assim também é a mensagem atribuida a Stainton Moses. A seguinte passagem dá o que pensar a muitos dos nossos mais materiais investigadores do psiquismo. O leitor dirá se ela pode ter brotado do cérebro de Mrs. Piper:

“Desejamos incutir êsse pensamento no vosso cérebro e no dos amigos terrenos: há uma diferença entre a entrada no Mundo dos Espíritos daqueles que buscam o desenvolvimento espiritual, e o daqueles que apenas buscam o conhecimento científico. Pede o Doutor Hodgson que vos diga que ele cometeu um grande êrro em ficar tanto tempo aferrado à vida e às coisas materiais. Com­preendereis que ele quer dizer que não se interessou pelo mundo mais alto ou espiritual. Êle não viu êsses assuntos psíquicos do mesmo ponto de vista que eu. Êle procurou basear tudo em fatos materiais e não procurou interpretar coisa alguma como um todo espiritual. Aquêle que chega onde êle chegou é transplan­tado de uma para outra esfera da vida, como uma criança recém-nascida. Êle tem sido crivado de mensagens vindas de vosso lado. Os mensageiros lhe têm trazido tôda sorte de men­sagens. Tudo em vão: êle não pode responder. E repete que eu vos devo dizer que agora se dá conta de que apenas viu um lado dessa magna questão a que era menos importante”.

Uma descrição dessa notável médium deve interessar ao leitor. Dela assim fala Mr. A. J. Philpott:

“Pareceu-me uma senhora de meia-idade, agradável, bem feita e saudável; acima da estatura média, cabelos castanhos e uma atitude equilibrada e de uma matrona. Parecia uma cria­tura bem educada, sem quaisquer características marcantes, in­telectuais ou outras. Aliás eu esperava encontrar um tipo diferente, alguém que mostrasse o sistema nervoso com mais efi­ciência. Essa senhora parecia tão calma e fleugmática quanto uma caseira alemã.

Evidentemente nunca se havia preocupado com problemas metafísicos ou de qualquer outra espécie e de caráter vago e abstrato. De qualquer modo lembrou-me uma en­fermeira que certa vez eu havia visto num hospital — uma mu­lher calma e senhora de si.”

Como muitos outros grandes médiuns, tal como Margaret Fox-Kane, era agnóstica relativamente à origem de suas fôrças, o que é mais natural em seu caso, desde que caía sempre em profundo transe e apenas de segunda mão é que lhe vinha o relato do que se passava. Inclinava-se para uma grosseira e superficial explicação baseada na telepatia. Como no caso de Eusapia Palladino, sua mediunidade, desabrochou após um aci­dente na cabeça. Parece que suas fôrças a deixaram de súbito, como tinham chegado. O autor encontrou-a em New York, em 1922, quando parecia ter perdido completamente suas faculda­des, embora conservasse interêsse pelo assunto.

A Sociedade dedicou muito trabalho àquilo que se costu­ma chamar “correspondência cruzada”. Centenas de páginas dos “Proceedings” são dedicadas ao assunto, que despertou aca­lorada controvérsia.

Foi sugerido que o esquema se havia originado no Outro Lado, por F. W. H. Myers, como um método de comunicação que eliminava o bicho-papão de tantos pesquisadores do psiquis­mo — a telepatia dos vivos. Pelo menos existe a certeza de que, quando vivo, Myers havia considerado o projeto de maneira mais simplista, qual fôsse a de obter a mesma palavra ou men­sagem através de dois médiuns.

Mas a correspondência cruzada da SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH tem, de um modo geral, um caráter muito mais complicado. Nesta um escrito não é a mera reprodução de declarações feitas em outro; os escritos parece que representam antes aspectos diversos da mesma idéia e, muitas vêzes, a informação em um é explanatória, mas complementar no outro.

Mrs. Alice Johnson, encarregada da pesquisa pela SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH, foi a primeira a notar êsse elo entre os escritos. Ela cita êste simples exemplo:

“Num caso o escrito de Mrs. Forbes, supostamente ditado por seu filho Talbot, afirmava que era o momento de a deixar, uma vez que buscava um sensitivo que escrevesse automaticamente, a fim de que pudesse conseguir a confirmação do próprio escrito.

“No mesmo dia Mrs. Verrall escreveu sôbre uma árvore — um abeto — plantada num jardim e a descrição foi assinada com, uma espada e uma corneta pendurada nela. A corneta fazia parte do distintivo do regimento a que Talbot havia pertencido; e em seu jardim Mrs. Forbes tinha alguns abetos, originários de sementes que o filho lhe enviara. Êsses fatos eram desconhe­cidos de Mrs. Verall.”

Mrs. Johnson, que fêz um minucioso estudo das mensa­gens recebidas por Mrs. Thompson, Mrs. Forbes, Mrs. Verall, Mrs. Willett, Mrs. Piper e outras, chegou à seguinte conclu­são:

“A característica dêstes casos — ou, pelo menos, alguns dêles — é que não encontramos na escrita de um médium auto­mático nada parecido com uma reprodução”verbum ad verbum” das frases do outro. Também não captamos a mesma idéia ex­pressa de diversas maneiras — como bem poderia resultar da telepatia direta entre os médiuns. O que colhemos é uma reprodução produção fragmentária num escrito, que não parece ter um ponto particular ou significação e uma outra informação fra gmen­tária no outro, igualmente sem uma característica especial; mas quando unimos os dois escritos, vemos que se completam e que, aparentemente, há uma idéia coerente ligando os dois, mas ape­nas parcialmente expressa em cada um dêles.”

Diz ela (10)

10. SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH Proceedings, Volume 21º, página 375.

o que não é o caso, pois centenas de casos contrários podem ser citados — o seguinte:

“O ponto fraco de todos os casos bem autenticados de aparente telepatia dos mortos é, aliás, que êles podem ser ex­plicados pela telepatia entre os vivos.

E acrescenta:

“Nessas correspondências cruzadas, entretanto, encontramos, aparentemente, telepatia referente ao presente — isto é, as infor­mações correspondentes são mais ou menos contemporâneas e sôbre fatos do presente que, de qualquer modo, são desconhe­cidos de qualquer pessoa viva, desde que a significação e a pas­sagem da mensagem muitas vêzes não é compreendida para cada médium automático até que a solução seja encontrada quando se juntam os dois escritos.”

O estudioso que tomar a peito o imenso trabalho de exa­minar cuidadosamente essas mensagens — que se estendem por centenas de páginas — talvez se satisfaça com a prova apresentada.

Mas, na verdade, verificamos que muitos pesquisadores de psiquismo, experimentados e capazes, as consideram insufi­cientes. Eis algumas opiniões a respeito.

Diz Richet: (11)

11. “Thirty Years of Psychical Research”.

“Certamente êstes são casos bem marcados de criptestesia; mas, se há criptestesia, ou lucidez, ou telepatia, isto de modo al­gum implica a sobrevivência de uma personalidade consciente”.

Deve, entretanto, lembrar-se que Richet não é um contro­vertista imparcial, de vez que qualquer admissão de Espírito seria contrária aos ensinamentos de tôda a sua vida.

Da mesma escola de Richet é o Doutor Joseph Maxwell, que diz:

“É impossível admitir a intervenção de um Espírito. Queremos provar os fatos, e o sistema de correspondência cruzada se funda em fatos negativos, o que é uma base instável.

Só os fatos positivos têm valor intrínseco, que as correspondências cru­zadas não apresentam, pelo menos, na atualidade.”

É de notar-se que Maxwell, como Richet, fêz depois uma longa caminhada para o Espiritismo.

Encontramos isto discutido com a necessária gravidade, no Spectator, de Londres, que diz:

“Ainda que essas coisas (isto é, as correspondências cru­zadas de tipo complexo) fôssem comuns, não se poderia argu­mentar que seriam apenas uma prova de que algum ser consciente as produzisse; que dificilmente provariam que êsse ser cons­ciente estivesse “no espírito”; que certamente não provariam que fôsse uma determinada pessoa morta qual a que tal se diz? Uma correspondência cruzada é uma possível prova de organização, mais não de identidade.”

É verdade que muita gente capaz, como Sir Oliver Lodge e Mr. Gerald Balfeur, aceitam a prova das correspondências cru­zadas. Mas se estas satisfazem comparativamente a poucas pessoas, então o seu objetivo não foi atingido.

Eis uns poucos exemplos dos mais simples, tomados da SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH, em seus “Proceedings”. Como nada menos de que 50 a 100 páginas impressas são dedicadas a um dos mais complicados casos, é difícil resumi-las adequadamente em poucas linhas e desnecessário declarar quão cansativos são para o leitor se trans­critos integralmente.

A 11 de março de 1907, à uma hora, disse Mrs. Piper ao despertar:

“Violetas”.

No mesmo dia, às 11:00 da manhã Mrs. Verall escreveu automàticamente:

“Suas cabeças foram coroadas com botões de violetas”.

“Violaceae odores” (cheiro de violetas).

“Fôlhas de violetas, de oliveira, vermelho e branco”. “A cidade das violetas. .

A 8 de abril de 1907, o suposto Espírito de Myers, atra­vés de Mrs. Piper, disse a Mrs. Sidgwick:

“Lembra-se de Eurípides ?... Lembra-se do Espírito e do anjo? Dei a ambos... Quase tôdas as palavras que hoje escre­vi se referem a mensagens que estou tentando transmitir atra­vés de Mrs. V.”

A 7 de março, no curso de uma escrita automática, Mrs. Verall tinha as palavras “Hércules Furens” e “Eurípides”. E a 25 de março Mrs. Verall havia escrito:

“Ali está o drama de Hércules e o roteiro está no de Eurí­pides; se ao menos você pudesse vê-lo..

Certamente isto escapa da coincidência.

Novamente, a 16 de abril de 1907, estando na Índia, Mrs. Holland recebeu uma mensagem na qual aparecem as palavras “Mors” e “A Sombra da Morte”.

No dia seguinte Mrs. Piper pronunciou a palavra Tanatos — naturalmente uma pronúncia imperfeita de Thanatos — voz grega que, como a latina Mors, significa a Morte.

A 29 de abril Mrs. Verall escreveu tôda uma mensagem versando a idéia da Morte, com citações de Landor, Shakespeare, Virgílio e Horácio, tôdas envolvendo a idéia da Morte.

A 30 de abril Mrs. Piper, despertando, repetiu três vêzes, dentro de poucos instantes a palavra Thanatos.

Aí novamente a teoria da coincidência fica demasiado afas­tada.

Outra correspondência cruzada relativa à frase Ave Roma immortalis é demasiado longa.

Mr. Gerald Balfour, ao discutí-la (12),

12. SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH Proceedings, Volume 25º, página 54.

diz que a idéia com­pleta é o conhecido quadro existente no Vaticano.

A mensagem de Mrs. Verall deu detalhes dêsse quadro, para ela sem sentido, mas esclareceu pela frase Ave Roma Immortalis, que surgiu poucos dias depois, na mensagem por Mrs. Holland.

Um aspecto interessante foi a aparente compreensão do guia daquilo que estava acontecendo.

A 2 de março, quando começou a correspondência cruzada, Mrs. Verall escreveu que tinha mandado “através de outra senho­ra”, a palavra “que elucidaria as questões”. A 7 de março, quando começou a correspondência, a contribuição de Mrs. Holland foi seguida por estas palavras: “Como poderia eu ter tornado mais claro sem lhe dar um roteiro?”

Com razão considera Mr. Gerald Balfour que êsses dois comentários mostram que essa correspondência cruzada estava sendo conduzida com propósito deliberado.

Sir Oliver Lodge, comentando a maneira por que o sentido é disfarçado nessas correspondências cruzadas, diz de uma delas:

“A habilidade, a sutileza e a alusão literária tornaram a mensagem difícil de ler, mesmo quando decifrada e apresen­tada pelo talento de Mr. Piddington.”

Essa crítica, feita por quem se convenceu de seu verdadeiro caráter, é uma indicação bastante de que as correspondências cruzadas não podem fazer mais que um limitado serviço.

Para o comum dos Espíritas parece um método demasiadamente complicado para demonstrar aquilo que pode ser demonstrado por métodos mais fáceis e convincentes. Se um homem tentas­se demonstrar a existência da América apanhando nas praias da Europa madeira arrastada pelas correntes marinhas, como o fêz Colombo, em lugar de tomar contacto com a terra e os seus habitantes, apresentaria uma grosseira analogia com êsses processos indiretos de investigação.

Além das mensagens de correspondência cruzada, muitas ou­tras foram minuciosamente analisadas pela SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH, das quais a mais notável e convincente foi a que se chamou “O Ouvido de Dionysius”. É preciso convir que, depois da inferior e, oca­sionalmente, sórdida atmosfera dos fenômenos físicos, essas in­cursões intelectuais nos levantam para uma atmosfera mais pura e mais rarefeita. As correspondências cruzadas foram muito pro­longadas e complexas para conquistar simpatias e tinham uma penosa semelhança a um pedante jõgo de salão. Já é diferente com o Ouvido de Dionysius. Este naturalmente assume um tom acadêmico, desde que é um assunto clássico, presumivel­mente manejado por dois professôres, mas é uma tentativa mui­to direta e muito clara para provar a sobrevivência, mostrando que ninguém, a não ser aquêles dois homens, poderia ter escrito a mensagem e que esta certamente estava acima do conheci­mento e das faculdades de quem escreve.

Esse escritor, que preferiu tomar o nome de Mrs. Willet, em 1910 escreveu a frase “Ouvido de Dionysius. O Lóbulo”. Acon­teceu que se achava presente Mrs. Verall, espôsa de um famoso homem de letras. Ela levou a frase ao seu marido. Êle expli­cou que o nome era dado a uma enorme pedreira abandonada em Siracusa, que tinha a forma aproximada de uma orelha de jumento. Nesse lugar os infelizes atenienses prisioneiros tinham sido confinados, depois daquela famosa derrota que foi imor­talizada por Tucídides; tinha recebido aquêle nome porque as suas peculiares condições acústicas tinham permitido que o Tirano Dionysius ouvisse a conversa de suas vítimas.

O Doutor Verall morreu pouco depois. Em 1914 as mensa­gens de Mrs. Willett começaram a encerrar muitas referências ao “Ouvido de Dionysius”. Esta pareciam provir do ilustre morto. Por exemplo, uma sentença dizia: “Lembra-se de que você não sabia e eu lamentei a sua ignorância dos clássicos? Ela se re­feria a um lugar onde foram postos os escravos e se liga à escuta também à acústica. Pense na galeria dos cochichos”.

Algumas das alusões, como as citadas, indicavam o Doutor Ve­rall, enquanto outras pareciam associadas a um outro cientista morto em 1910. Era o Professor S. H. Butcher, de Edim­burgo. A mensagem dizia assim: “Pai Cam passeando de braço dado com o Canongate”, isto é, Cambridge com Edimburgo. Esse estranho mosaico foi descrito por um guia como “uma associação literária de idéias, indicando a influência de duas mentes desencarnadas”. Essa idéia certamente foi desenvolvida, e nin­guém poderá ler cuidadosamente o resultado sem se convencer de que ela tem sua origem nalguma coisa absolutamente dis­tante de quem escreve. Tão recônditas eram as alusões clássicas que mesmo os melhores cientistas por vêzes eram vencidos; e um dêles declarou que nenhum cérebro de seu conhecimento, a não ser os de Verrall ou de Butcher, poderia ter produzido aquilo.

Depois de minucioso exame das mensagens, Mr. Gerald Balfour declarou que estava disposto a aceitar aquêles dois sábios como “os verdadeiros autores do curioso quebra-cabeça literário”. Os mensageiros invisíveis parece que se fatigaram de tão complica­dos métodos e a Butcher é atribuida esta expressão: “Oh! essa velha atrapalhação é tão fatigante!” Não obstante, o resul­tado alcançado é um dos mais marcantes êxitos nas pesquisas pu­ramente intelectuais da SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH

O trabalho da SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH durante os recentes anos não tem melhorado a sua reputação e é com relutância que o autor, um dos seus mais velhos membros, é obrigado a dizê-lo. O meca­nismo central da sociedade caiu nas mãos de um grupo de homens cujo único cuidado parece ser não provar a verdade, mas desacreditar o que parece sobrenatural. Dois grandes homens, Lodge e Barrett, enfrentaram a onda, mas foram vencidos pelos obstrucionistas. Os Espíritas e especialmente os médiuns, tinham aversão aos investigadores e a seus métodos - Parece que nun­ca ocorreu àquela gente que os médiuns são, ou deveriam ser, inertes, e que deveria haver uma fôrça inteligente por detrás do médium, o qual apenas pode ser aconselhado e encorajado por uma simpatia suave e raciocinada, por uma atitude cheia de tato.

Eva, médium de materializações, veio à França, mas os resultados foram parcos e as precauções exageradas comprometeram os resultados que se tinham em vista. O relatório em que a comissão dá as suas conclusões é um documento contraditório, pois que, enquanto o ocasional leitor fica sabendo de seu texto que não houve resultados — pelo menos dignos de registro — o texto se acha ilustrado com fotografias de der­rame de ectoplasma, exatamente — em ponto menor — aos que foram obtidos em Paris. Madame Bisson, que acompanhou a sua protegida a Londres, para infelicidade de ambas, naturalmente ficou indignada com tal resultado e o Doutor Geley publicou um trabalho incisivo no Boletim do Instituto de Metapsíquica, no qual expôs os erros da investigação e a desvalia do relatório. Os Professôres da Sorbonne devem ser desculpados por terem manejado Eva sem o menor respeito às leis psíquicas, mas os representantes de um organismo de psiquismo científico deveriam ter mostrado maior compreensão.

O ataque a Mr. Hope, o fotógrafo do psiquismo, foi exa­minado por uma comissão muito independente e ficou demons­trado que era inconsistente e, até, tinha sinais de uma conspirata contra o médium. Nesse caso tortuoso a sociedade foi im­plicada diretamente, desde que um de seus diretores participou das investigações e reportou os resultados no jornal, órgão oficial da sociedade. Tôda essa história, inclusive a recusa da sociedade de enfrentar os fatos que lhe eram apontados, deixam uma sombra sôbre tudo que lhes diz respeito.

A despeito de tudo que foi dito e feito, o mundo tem favorecido a existência da SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH Ela tem sido uma espécie de banco de redesconto para as idéias sôbre psiquismo e um pouso para os que foram atraidos para o assunto embora ainda temessem um contacto mais íntimo com uma filosofia tão radical quanto a Filosofia Espírita. Houve um constante movimento entre os membros da direita no sentido da negação e da esquerda no sentido da aceitação. O simples fato da substituição de presi­dentes por Espíritas profundos é um sinal de que o elemento anti-espiritual não era muito intolerante ou intolerável. De um modo geral, como tôda instituição humana, ela está aberta para o elogio e para a censura. Se teve suas passagens sombrias, também foi ocasionalmente iluminada por períodos brilhantes. Constantemente tem lutado contra a acusação de ser uma mera sociedade espírita, o que a privaria da posição de judiciosa im­parcialidade, que pretende ter, mas que nem sempre exercitou. Sua situação por vêzes foi difícil e o simples fato de que a socie­dade se tem mantido por tantos anos é uma prova de que tem havido alguma sabedoria em sua atitude; e de que podemos esperar que o período de esterilidade e de mirrada crítica nega­tiva esteja marchando para o seu têrmo. Enquanto isto, o Psychic College, uma instituição fundada pelo trabalho de auto-sacrifício de Mr. Hewat McKenzie e sua senhora, tem mostrado am­plamente que um severo interêsse pela verdade e pelas exigências necessárias quanto às provas não é incompatível com um tratamento humano aos médiuns e uma atitude geralmente sim­pática em relação ao ponto de vista espírita.

18

Ectoplasma

DESDE os primeiros dias, os Espírítas têm sustentado que há uma base física material para os fenômenos. Na incipiente lite­ratura espírita encontram-se centenas de vêzes as descrições de um denso vapor semiluminoso, que flui do lado ou da bôca do médium e é fracamente visível no escuro. Tinham ido mais longe: observaram como êsse vapor às vêzes se solidifica numa subs­tância plástica, de que são feitas as várias estruturas na sala da sessão.

Uma observação científica mais rigorosa apenas confirmou o que êsses pioneiros haviam verificado.

Para citar alguns exemplos: o Juiz Peterson declara que em 1877 viu com o médium W. Lawrence “uma nuvem floculenta”, que parecia sair do lado do médium e que, gradati­vamente, formava um corpo sólido (1).

1. “Essays from the Unseen”.

Também fala de uma figura surgindo de “uma bola de luz”. James Curtis viu com Slade, na Austrália, em 1878, “uma como que nuvem de vapor branco-acinzentado” se formando e aumentando, antes do aparecimento de uma figura inteiramente materializada. Alfred Russel Wallace descreve ter visto com o Doutor Monck, primeiro “uma mancha branca” que gradativamente se transformou numa “colu­na nevoenta”. Essa mesma expressão é usada por Mr. Alfred Smedley, em relação a uma aparição com o médium Williams, quando John King se manifestou; fala também de “uma nu­vem fracamente iluminada”. Com o médium D. D. Home, Sir William Crookes viu “uma nuvem luminosa”, que se condensou numa mão perfeita. Mr. E. A. Brackett viu com a médium Helen Barry, em 1885, nos Estados Unidos, “uma pequena subs­tância branca, como uma nuvem”, que se expandiu até ficar com quatro a cinco pés de altura “quando de súbito dela saiu a forma total, sólida, como uma sílfide, de Berthri” (2).

2. “Materialized Apáginasaritions”, página 106.

Mr. Edmund Dawson Rogers, descrevendo uma sessão com Eglin­ton, em 1885, diz ter visto surgir do lado do médium “uma substância esbranquiçada e fumacenta”, que oscilava e pulsava. Mr. Vincent Turvey, o conhecido sensitivo de Bournemouth, fala de uma “substância vermelha, viscosa”, (3),

3. “Beginnings of Seership”, página 55.

saindo do médium. Um particular interêsse é ligado a uma descrição dada pela maravilhosa médium de materializações, Madame d’Esperance, que diz: “Parecia-me sentir que fios muito finos me saíam pelos poros da pele.” (4).

4. “Shadow Land”, página 229.

Isto tem um importante contacto com as pesquisas do Doutor Crawford e suas observações sôbre os “bastões psíquicos” e a matéria como esporos. Também en­contramos em The Spiritualist que, quando o Espírito materiali­zado de Katie King se manifestava através de Miss Florence Cook era ligado à médium por meio de fios nevoentos e fracamente luminosos”. (5)

5. “The Spiritualist”, 1873, página 83.

Para contrabalançar essas referências abreviadas, vamos dar em detalhe três experiências da formação de ectoplasma. Um dos assistentes do grupo de Madame d’Esperance, deu a seguinte descrição:

“Primeiro foi observada no chão, em frente à cabine, uma mancha como uma fita nevoenta e esbranquiçada. Aumentou gradualmente, estendendo-se visivelmente como se fôsse uma man­cha animada de musselina, jazendo camada sôbre camada no chão, até se estender por cêrca de três pés e com uma profundi­dade de algumas polegadas — talvez seis ou mais. Então co­meçou a se erguer lentamente, mais ou menos ao centro, como se uma cabeça estivesse por baixo, ao passo que a fita nevoenta no chão começou a parecer mais com musselina caindo em do­bras junto da porção que se erguia misteriosamente. Depois atingiu dois pés ou um pouco mais e parecia que uma criança estava debaixo dela, movendo os braços em tôdas as direções, como se por baixo estivesse manipulando alguma coisa. Con­tinuava a se erguer, por vêzes mergulhando um pouco para nova­mente se erguer mais, até atingir uma altura de cinco pés, quando sua forma pôde ser vista como se arranjando as dobras do panejamento em redor de sua forma. Então os braços se ergueram consideravelmente acima da cabeça e se abriram atra­vés de uma massa nebulosa de um panejamento espiritual, e Yolanda se apresentou desvelada, graciosa e bela, com cêrca de cinco pés de altura, com uma espécie de turbante na cabeça, do qual caíam sôbre os ombros e as costas seus longos cabelos negros... O excesso de panejamento esbranquiçado se compôs em redor dela ou projetou-se no tapête, até ser utilizado nova­mente. Tudo isto se realizou em cerca de quinze minutos”. (6)

6. “Shadow Land”, by E. d’Esperance (1887), páginas 254 e 255.

O segundo relato é de Mr. Edmund Dawson Rogers (7).

7. “Life and Experience”, página 58.

Diz que na sessão exclusiva de Mr. Eglinton, havia catorze pes­soas presentes, tôdas bem conhecidas e que havia luz suficiente para permitir que o escrevente do relatório “observasse bem a todos e a tudo na sala” e quando a “forma” ficou à sua frente êle era “perfeitamente capaz de notar todos os detalhes”. Em estado de transe Mr. Eglinton passeou pela sala, entre os assis­tentes, durante cinco minutos, e então...

“Começou delicadamente a tirar de seu lado e a atirar em ângulo reto uma substância fumacenta e esbranquiçada, que caía á sua esquerda. A massa de matéria branca no chão ia aumen­tando de largura, começou a pulsar e a se mover para cima e para baixo, oscilando para um lado e para o outro, como se a fôrça motora estivesse por baixo. A massa cresceu até três pés de altura e logo depois a forma cresceu ràpidamente, silenciosa-mente até a plena estatura. Por um rápido movimento das mãos Mr. Eglinton separou o material branco que cobria a cabeça da forma e aquêle caiu para trás, sôbre os ombros, tornando parte da indumentária do visitante, O laço de ligação — o fio es­branquiçado que saía do lado do médium — foi cortado ou se tornou invisível, e a forma avançou para Mr. Everitt, deu-lhe um apêrto de mão e correu todo o círculo, tratando cada um da mesma maneira”.

Isto aconteceu em Londres, em 1885.

A última descrição é de uma sessão em Argel, em 1905, com Eva C., então conhecida como Marthe Béraud. Assim descreve Madame 10º (8):

8. “Annals of Psychical Science”, Volume 2º, página 305.

“Marthe estava só na cabine, nessa ocasião. Depois de esperar cerca de vinte minutos, ela mesma abriu completa­mente a cortina e sentou-se em sua cadeira. Quase imediatamen­te — estando Marthe bem à vista dos assistentes, suas mãos, a cabeça e o corpo bem visíveis — vimos uma coisa branca, de aparência disforme, se formando junto a ela. A princípio parecia uma grande mancha nevoenta perto do cotovelo direito de Marthe e parecia ligada a seu corpo. Era muito móvel e crescia rapidamente para cima e para baixo, assumindo finalmente uma aparência de certo modo amorfa de uma coluna ne­voenta, que ia desde cêrca de dois pés acima da cabeça de Mar­the até os seus pés. Não me era possível distinguir nem as mãos nem a cabeça; o que eu via era semelhante a nuvens bran­cas e floculentas, de brilho variável, que se iam condensando gradualmente, e se concentrando como que em redor de um corpo para mim invisível”.

Eis um relato que se pode comparar de modo maravilhoso com os que foram citados, de sessões realizadas há muitos anos.

Quando examinamos as descrições do aparecimento de ectoplasma em grupos espíritas há quarenta ou cinqüenta anos, e as comparamos com o que ocorre em nossos dias, vemos como os primeiros resultados eram mais ricos. Os métodos não cien­tíficos estavam em voga, conforme o ponto de vista de muitos modernos investigadores do psiquismo. Contudo, os primeiros investigadores pelo menos observaram uma regra de ouro. Cer­cavam o médium de uma atmosfera de amor e simpatia. Dis­cutindo as primeiras manifestações ocorridas na Inglaterra, diz The Spiritualist, num artigo de fundo (9):

9. 1873, páginas 82 e 83.

“A influência do estado espiritual dos observadores encontra uma expressão ótica nas sessões de materializações. A gente mundana e suspeitosa consegue as manifestações mais fracas; então os Espíritos por vêzes têm apenas uma expressão, como de cos­tume, quando a fôrça é pouca.

Isto é síngularmente exato como descrição de muitos rostos em sessões com Eva C.

A gente espírita, em cuja presença os médiuns se sentem muito felizes, vêm muito mais e melhores manifestações... Con quanto os fenômenos espíritas sejam regidos por leis fixas, aquelas leis funcionam de certa maneira na prática que, inquestio­nàvelmente, o Espiritismo assume mais o caráter de uma relação especial para gente escolhida”.

Mr. E. A. Brackett, autor daquele notável livro que é“Materialized Apáginasaritions” (10),

10. “Aparições Materializadas”. - N. do T.

exprime a mesma verdade por outras palavras. Aliás o seu ponto de vista excita a ironia dos chamados círculos científicos, mas encerra uma verdade pro­funda. É antes o espírito de suas palavras do que a sua signi­ficação literal que êle quer exprimir:

“A chave que abre as portas de uma outra vida é pura afeição, simples e confiada como aquela que leva a criança a atirar os braços em redor do pescoço de sua mãe. Para aquêles que se prezam acima de seu alcance espiritual, isto pode pa­recer uma submissão àquilo a que chamam faculdades mais altas. Neste caso posso dizer verdadeiramente que enquanto adotei essa atitude, sinceramente ou sem reservas, nada aprendi a res­peito dessas coisas. Em vez de obumbrar a minha razão e o meu raciocínio, isso abriu a minha mente a uma percepção mais clara e mais inteligente do que ocorria à minha frente. Êsse espírito de delicadeza, de bondade amorosa que, mais do que qualquer outra coisa, coroa de eterna beleza os ensinos do Cristo, de­veria encontrar completa expressão em nosso contacto com aque­les seres.”

Se alguém, ao ler esta passagem, pensasse que o autor era um pobre maluco fanático, sôbre o qual qualquer médium deso­nesto pudesse impor-se fàcilmente, um relance sôbre o seu exce­lente livro provaria o contrário imediatamente.

­ Além disso o seu método deu resultados. Estava êle lutan­do com a dúvida e a perplexidade quando, a um terno conse­lho de um Espírito materializado, decidiu pôr de lado tôda a reserva “e saudar essas formas como queridos amigos mortos, que tinham vindo de longe e tinham lutado para chegar a mim”. A mudança foi instantânea.

“Desde aquêle instante as formas, ás quais parecia faltar vitalidade, tornaram-se animadas de uma fôrça maravilhosa. Êles avançaram para me cumprimentar; braços delicados me enlaçaram; formas que tinham sido quase mudas durante a mi­nha investigação agora falavam livremente; rostos que tinham revestido mais o aspecto de máscara, do que de vida real, agora irradiavam, beleza. Aquilo que se dizia minha sobri­nha... cumulou-me de demonstrações de carinho. Lançando os braços em redor de mim e debruçando a cabeça sôbre o meu ombro, olhou para cima e disse: “Agora podemos vir tão perto do senhor!”

Foi uma pena que Eva C. não tivesse tido uma oportuni­dade de exibir seus dons numa atmosfera amorosa, numa sessão a velha moda espírita. É muito provável que o resultado tives­se sido muito diverso quanto às materializações. Como prova disso, Madame Bisson, numa íntima sessão particular com ela, obteve maravilhosos resultados, jamais alcançados através dos métodos desconfiados dos investigadores científicos.

O primeiro médium de materializações que se pode dizer que tenha sido investigado com cuidados científicos foi essa môça Eva, ou Eva C., como é geralmente chamada, pois seu nome era Carriere. Em 1903 foi examinada numa série de sessões em Villa Carmen, em Argel, pelo Professor Charles Richet; e foi a sua observação dêsse material esbranquiçado, que parecia sair do médium, que o levou a cunhar o vocábulo “ectoplasma”. Eva tinha então dezenove anos e estava no auge de suas fôrças, que foram gradativamente minadas por longos anos de investigação sob constrangimento. Tentaram pôr em dúvida os resultados constatados por Charles Richet, pretendendo que as figuras ma­terializadas eram, na verdade, um disfarce doméstico; mas a resposta final foi que as experiências tinham sido realizadas a portas fechadas e que semelhantes resultados tinham sido obti­dos muitas vêzes. É uma justiça poética pensar que o Profes­sor Richet tenha sido submetido a essa crítica deselegante e deprimente, porque em seu grande livro “Trinta Anos de Pes­quisas Psíquicas”, é êle ainda mais deselegante para com os médiuns, acreditando em cada história para seu descrédito e agindo continuamente de acôrdo com o princípio de que ser acusado é o mesmo que ser condenado.

Em seu primeiro relatório, publicado em “Anais da Ciên­cia Psíquica”, Richet descreve minuciosamente a aparência com o médium Eva C., da forma materializada de um homem que dizia chamar-se “Bien Boa”. Diz o Professor que essa forma possuía todos os atributos de vida. “Anda, fala, move-se e respira como um ser humano. O corpo é resistente e tem uma certa fôrça muscular. Nem é uma figura de gesso, nem uma boneca ou uma imagem refletida num espelho; é um ser vivo; é um homem vivo; e há razões para resolutamente pôr de lado qualquer outra suposição que uma ou outra dessas hipóteses — de que seja um fan­tasma com atributos de vida; ou de que seja uma pessoa viva, fazendo o papel de um fantasma”. (11)

11. “Annals of Psychical Science”, Volume 2º página 273.

Ele discute minuciosa­mente as suas razões para afastar a possibilidade de ser um caso de desdobramento da personalidade.

Descrevendo o desaparecimento da forma, diz êle:

“Bien Boa procura, segundo me parece, vir ao nosso meio, mas anda coxeando e hesitante. Não poderia dizer se êle anda ou desliza. Em certa ocasião escorrega e quase cai, mancando como se a perna não pudesse suportá-lo. (Dou a minha própria impressão). Então se encaminha para a abertura da cortina e subitamente mergulha, desaparecendo no chão; ao mesmo tempo ouve-se um “clac! clac!” como o ruido de um corpo atirado no chão.”

Enquanto isto acontecia, a médium era vista perfeitamente na cabine por um outro assistente, Gabriel Delanne, editor da Revue du Spiritisme.

Continua Richet:

“Pouco tempo depois, — dois ou três minutos — bem aos pés do General, à abertura da cortina, vemos novamente a mes­ma bola branca — a sua cabeça? — no chão. Sobe rápida-mente, quase vertical, atinge a altura de um homem, então de súbito cai no chão, com o mesmo barulho de “clac! clac!” de um corpo que cai no chão. O General sentiu o choque dos mem­bros que, caindo, bateram violentamente em suas pernas.

O súbito aparecimento e desaparecimento parecia tanto uma ação através de uma porta falsa que no dia seguinte Richet fêz minuciosa observação nos ladrilhos do piso, bem como no teto da garage que ficava embaixo, mas não encontrou o mais leve indício de uma porta falsa. Para afastar os rumores de sua existência obteve posteriormente um certificado do arquiteto.

O interêsse dêsses registros das primeiras manifestações au­mentou pelo fato de que, ao tempo, a médium obtinha materiali­zações completas, enquanto posteriormente, em Paris, estas eram extremamente raras em suas sessões.

Uma curiosa experiência com Bien Boa foi tentar que êle soprasse num frasco contendo uma solução de barita, para ver se a respiração mostrava óxido de carbono. Com dificuldade a forma fêz o que lhe pediam e o líquido mostrou a reação es­perada. Durante essa experiencia as formas da médium e de uma nativa que se sentava com ela na cabine foram vistas claramente.

Richet registra um incidente divertido durante essa expe­riência. Quando a solução de barita se tornou branca, os assis­tentes gritaram “Bravo! “, com o que a forma de Bien Boa apa­receu três vêzes à abertura da cortina, curvou-se como um ator no teatro, ao ser chamado a cena.

Richet e Delanne tomaram muitas fotografias de Bien Boa, as quais são descritas por Sir Oliver Lodge como as melhores que êle tinha visto no gênero. Uma particularidade interessante a êsse respeito é que um braço da médium se apresenta achatado, indicando um processo de desmaterialização tão bem observado com outra médium, Madame d’Esperance. Richet observa com muita finura (12)

12. “Annals of Psychical Science, Volume 2º, página 288.

“Não receio dizer que o vazio da manga, longe de demonstrar a presença de uma fraude, ao contrário estabelece que não houve fraude; também que isto parece depor em favor de uma espécie de desagregação material da médium, que ela própria era incapaz de suspeitar.”

Em seu último livro, já referido, Richet publica pela pri­meira vez a história de uma esplêndida materialização a que êle próprio assistiu em Villa Carmen.

“Quase no mesmo momento em que as cortinas foram bai­xadas, foram reabertas e entre elas apareceu o rosto de uma mulher jovem e bonita, com uma espécie de fita dourada ou diadema, cobrindo seu bonito cabelo e o alto da cabeça. Ria gostosamente e parecia muito satisfeita; ainda me recordo per­feitamente de seu riso e das pérolas que eram os seus dentes.

Apareceu duas ou três vêzes, mostrando a cabeça e escon­dendo-a, como uma criança brincando de esconde-esconde”.

Pediram-lhe que trouxesse uma tesoura no dia seguinte, quando lhe permitiriam cortar uma mecha de cabelos dessa rai­nha egípcia, como era ela chamada. E assim aconteceu.

“A rainha egípcia voltou mas só mostrou a coroa de sua cabe­ça com cabelos muito bonitos e abundantes; estava ansiosa por saber se eu tinha trazido a tesoura. Então tomei uma mão-cheia de seus longos cabelos, mas dificilmente lhe podia ver o rosto, que ela escondia por detrás da cortina. Quando eu ia cortar uma longa mecha, uma mão firme, por detrás da cortina, baixou a minha, de modo que apenas cortei uma ponta de quinze centí­metros. Mas como eu demorasse para fazer isso, ela disse em voz baixa: “Depressa, depressa!” e desapareceu. Eu havia tomado a mécha; o cabelo é muito fino, sedoso e vivo, O exame micros­cópico mostrou que era cabelo autêntico; e me informam que um postiço daqueles custaria uns mil francos. O cabelo de Marthe é muito escuro e ela os corta bem curtos”. (13)

13. “Thirty Years of Psychical Research” página 508.

Cabe aqui uma referência àquilo a que o Professor Richet denomina “histórias de jornais ignóbeis”, de uma suposta con­fissão de fraude pela médium e ainda a informação de um cocheiro árabe, empregado pelo General Noel, que teria representado o papel de Espírito em Vila Carmen. Em relação a êste último, a verdade é que jamais foi êle admitido na sala das ses­sões; e quanto a ela, negou públicamente a acusação. Observa Richet que, ainda quando verdadeira a acusação, os pesquisadores psíquicos estavam advertidos do valor que deviam emprestar a tais revelações, que apenas mostram a instabilidade dos mé­diuns.

Assim resume Richet:

As materializações produzidas por Marthe Béraud têm a mais alta importância. Apresentaram numerosos fatos que ilus­trem o processo geral das materializações, e forneceram à ciência metapsíquica dados inteiramente novos e imprevistos.”

Eis o seu raciocinado julgamento final.

A primeira investigação sistemática e prolongada do ecto­plasma foi empreendida por uma senhora francesa, Madame Bisson, viúva de Adolphe Bisson, conhecido homem público.

É possível que Madame Bisson venha a ocupar um lugar ao lado de sua compatriota Madame Curie nos anais da ciência. Madame Bisson adquiriu considerável influência sôbre Eva que, após as experiências de Argel, tinha sido vítima das costumeiras perseguições.

Tomou-a aos seus cuidados e proveu-a de tudo. Então começou uma série de experiências que duraram cinco anos e que produziram resultados tão sólidos que no futuro, não uma ciência, mas várias, marcarão daí a sua origem. Nes­sas experiências associou-se com o Doutor Schrenck Notzing, um cientista alemão de Munique, cujo nome também será imperecível, no que se relaciona com a original investigação do ecto­plasma. Seus estudos se realizaram entre 1908 e 1913 e se acham registrados em seu livro “Os Chamados Fenômenos de Materia­lização” e em “Fenômenos de Materialização”, de Schrenck Notzing, ambos em francês, e êste último vertido para o in­glês.

Seu método consistia em fazer Eva C. mudar tôda a roupa, sob contrôle, e vestir uma espécie de camisola sem botões, e fecha­da pelas costas. Apenas as mãos e os pés ficavam livres. Assim era levada para a sala de experiências, onde não entrava senão nessa ocasião.

Numa das extremidades da sala havia um recanto fechado por cortinas, por detrás, pelos lados e por cima, mas aberto pela frente. Isto era chamado a cabine e a sua finali­dade era concentrar os vapôres de ectoplasma.

Descrevendo os seus resultados conjugados, diz o cientista alemão: “Muitas vêzes fomos capazes de verificar que, por um processo biológico desconhecido, vem do corpo da médium um material, a princípio semifluído, que possui algumas das propriedades da substância viva, principalmente a do poder de transformação, de movimento e de aquisição de formas definidas”. E acrescenta: “Poderia duvidar-se da verdade desses fatos, se os mesmos não tivessem sido verificados centenas de vêzes no curso de laboriosos ensaios sob variadas e estritas con­dições”. Poderia haver, no que diz respeito a essa substância, mais completa vingança para os Espíritas que, durante duas gerações suportaram o ridículo do mundo? Schrenck Notzing termina o seu digno prefácio exortando os seus companheiros de trabalho a tomarem coragem. “Não permitais o desenco­rajamento nos vossos esforços para abrir um novo domínio à ciência, nem pelos ataques malucos, nem pelas calúnias covardes, nem pela falsificação dos fatos, nem pela violência dos malévolos ou por qualquer espécie de intimidação. Avançai sempre pelo caminho que abristes, tendo em mente aquelas palavras de Fa­raday: “Nada é demasiado maravilhoso para ser verdadeiro.

Os resultados estão entre os mais notáveis de tôdas as in­vestigações de que temos notícia.

Foi verificado por numerosas testemunhas competentes e confirmado por fotógrafos que da bôca, dos ouvidos, do nariz, dos olhos e da pele dos médiuns fluía êsse extraordinário material gelatinoso. As figuras são estranhas e repulsivas; mas muitos dos processos da Natureza assim se apresentam aos nossos olhos. A gente pode ver essa coisa como filamentos viscosos, como água de súbito congelada, pendente do queixo, caindo pelo corpo, formando um avental branco ou se projetando sem forma pelos orifícios da face. Quando tocada, ou quando uma luz inadequada a atinge, ela se recolhe tão ràpidamente e tão maravilhosamente quanto os tentáculos de um polvo invisível. Se agarrada e apertada, o médium gritará. Ela sai pelas roupas e some-se de novo, quase sem deixar traços. Com o consentimento do médium foi cortada uma pequena porção. Dissolveu-se na caixa em que foi colocada, como se fôsse neve, deixando umidade e algumas células que poderiam provir de um fungo. O microscópio demonstrou célu­las epiteliais da membrana mucosa, das quais a coisa parecia originar-se.

A produção dêsse estranho ectoplasma basta, por si só, para tornar essas experiências revolucionárias e marcantes de uma época, mas o que se segue é demasiado estranho e responde­rá à pergunta que se ergue na mente do leitor: “Que tem tudo isso que ver com os Espíritos?“ Por mais incrível que isto possa parecer, depois de se formar, essa substância começa, nalguns médiuns — Eva entre êstes — a tomar formas definidas e essas formas são membros humanos, são rostos, a princípio vistos em duas dimensões, mas depois se modelando nos contornos até se tornarem destacados e completos. Muitíssimas fotografias mostram esses estranhos fantasmas, por vêzes muito menores do que na vida real. Algumas dessas faces talvez represen­tem pensamentos — formas do cérebro de Eva, tornando-se visíveis e uma clara semelhança foi notada entre algumas delas e retratos que ela deve ter visto e cujos traços teria conservado na memória. Uma, por exemplo, parece um Presidente Wilson muito janota, de bigodes, enquanto outra parece uma reprodução feroz de Mr. Poincaré. Uma delas mostra a palavra “Miroir” (Espelho) impressa na cabeça da médium, que alguns críticos pretendem que ela tivesse surrupiado do jornal daquele nome, a fim de o exibir, muito embora não expliquem qual teria sido o objetivo. Sua própria explicação é que, de algum modo os guias fizeram o transporte daquela legenda, possivelmente para despertar a idéia de que aquêles rostos e aquelas figuras não são os seus sêres reais, mas como se fôssem vistos através de um espelho.

Mesmo assim o leitor não descobre uma óbvia conexão com o Espiritismo; mas na etapa seguinte todos vemos o caminho. Quando Eva se acha em sua melhor disposição — o que só se verifica em longos intervalos e à custa de sua saúde — for­mam-se figuras completas; estas são modeladas à semelhanças de pessoas mortas; o cordão que as liga à médium parte-se; a personalidade que é ou pretende ser a de um morto toma posse da figura e um sôpro de vida passa pela imagem de tal maneira que ela se move, fala e exprime as emoções do Espírito. As últimas palavras de Mr. Bisson dizem isto: “Desde que se iniciaram estas sessões — e em numerosas ocasiões — o fantasma se mostrou todo inteiro, saiu da cabine, começou a falar e aproximou-se de Ma­dame Bisson, que beijou no rosto, O som dêsse beijo foi audível”.

Porventura já houve mais estranho desfecho de uma investi­gação científica? Ela pode ilustrar como é impossível, mesmo para o mais esperto materialista, encontrar qualquer explicação para tais fatos de acôrdo com as suas teorias. A única que Mr. Joseph Mc Cabe, em seu recente debate público, pôde apre­sentar, foi a de um caso de vômitos dos alimentos.

Parece que êle não se apercebeu de que um véu cobria o rosto do médium nalgumas experiências, sem obstar no mínimo o fluxo do ecto­plasma.

Conquanto controlados de todos os modos possíveis, êsses resultados são tão admiráveis que o investigador tinha o di­reito de manter o seu julgamento em suspenso até que os mesmos fôssem confirmados. Mas isto já o foi inteiramente. O Doutor Schrenck Notzing voltou a Munique e aí teve a grande sorte de encontrar outra médium, uma senhora polonesa, que pos­suía a faculdade de materializações. Com ela fêz uma série de experiências que relatou no já mencionado livro. Trabalhando com Stanislawa, a médium polonesa, e adotando os mesmos rigo­rosos métodos que nas de Eva, conseguiu exatamente os mesmos resultados.

Seu livro supera o de Madame Bisson, por isso que, relatando as experiências de Paris, dá uma parte mais im­portante, que é a sua confirmação fornecida pelas experiências de contrôle, feitas no verão de 1912, em Munique. As várias fotografias do ectoplasma dificilmente se distinguem das já obti­das. Assim, a hipótese de uma fraude preparada por Eva, conduz à mesma fraude por parte de Stanislawa. Muitos observadores alemães controlaram essas sessões.

Seguindo os métodos alemães, Schrenck Notzing foi mais a fundo no assunto do que Madame Bisson. Obteve cabelos de uma forma materializada e os comparou microscôpicamente com os cabelos de Eva (ocorrência verificada na série de ensaios na França) mostrando que não podiam ser da mesma pes­soa. Também deu os resultados do exame químico de uma certa porção de ectoplasma, que foi reduzida a cinzas, com o cheiro de chifre queimado. Entre os seus elementos constituintes foram encontrados cloreto de sódio (sal de cozinha) e fosfato de cálcio. Finalmente obteve a filmagem do ectoplasma fluindo da bôca da médium. Parte de tudo isto é reproduzida em seu livro.

Deve explicar-se que, enquanto a médium estivesse em transe durante essas experiências, de modo algum ficava inani­mada: uma outra personalidade parecia empolgá-la, e que po­deria ser tomada como uma de suas individualidades secun­dárias, ou uma momentânea obsessão externa. Essa personali­dade costumava referir-se à médium com severidade, dizendo a Madame Bisson que era preciso disciplina e que ela devia man­tê-la em trabalho.

Ocasionalmente essa personalidade dava sinais de clarividência, explicando corretamente, por exemplo, o que tinha ocorrido com um aparelho elétrico que havia deixado de funcionar. Um contínuo acompanhamento de gemidos e pro­testos do corpo de Eva parece que eram puramente animais e independentes de sua inteligência.

Os resultados foram corroborados uma vez mais pelo Doutor Gustave Geley, cujo nome viverá para sempre nos anais das pesquisas psíquicas. O Doutor Geley era um pesquisador geral em Annecy, onde cumpria as elevadas promessas que havia feito em sua vida acadêmica em Lyon. Foi atraído pela ciência nas­cente e foi sàbiamente nomeado por Mr. Jean Meyer diretor do Instituto de Metapsíquica. Seu trabalho e os seus métodos serão sempre um exemplo para os continuadores, pois cedo mostrou que não só era um experimentador genial e um observador rigoroso, como um profundo pensador e filósofo. Seu grande livro “Do Inconsciente ao Consciente” certamente resistirá ao teste do tempo. Foi assaltado pelos costumeiros mosquitos humanos, que aborrecem os primeiros pioneiros que avançam pela flo­resta virgem do pensamento. Mas os enfrentou com bravura e bom humor.

Sua morte foi súbita e trágica. Tinha estado em Varsóvia e conseguido algumas novas moldagens ectoplásmicas com o médium Kluski. Infelizmente o aeroplano em que viajava espatifou-se e Geley morreu. Foi uma perda irreparável para a ciência psíquica.

A comissão do Instituto de Metapsíquica, que era reco­nhecida pelo Govêrno Francês como de utilidade pública, in­cluía o Professor Charles Richet; o Professor Santolíquido, ministro da Saúde Pública da Itália; o Conde de Grammont, do Instituto de França; o Doutor Calmette, Inspetor-Geral médico; o Senhor Camille Flammarion, o Senhor Jules Roche, ex-ministro de Estado; o Doutor Treissier, do Hospital de Lyon; tendo o Doutor Gustave Geley como diretor. Entre êstes posteriormente tinham sido incorporados a comissão: Sir Oliver Lodge, o Professor Bozzano, e o Profes­sor Leclainche, membro do Instituto de França e Inspetor Geral dos Serviços Sanitários do Ministério da Agricultura. O Ins­tituto está equipado com um bom laboratório para pesquisas psíquicas e tem uma biblioteca, uma sala de leitura, e salões de recepção e de conferências. Os trabalhos realizados são pu­blicados na sua revista, denominada La Revue Métapsychique.

Um aspecto importante da atividade do Instituto tem sido o convite a eminentes homens públicos em ciência e em litera­tura para testemunharem as investigações metapsíquicas que se realizam. Mais de cem dêstes homens têm tido provas em primeira mão e, em 1923, trinta dêles, inclusive dezoito médicos de destaque, assinaram e permitiram que fôsse publicada uma de­claração de sua crença na autenticidade das manifestações assis­tidas sob rigoroso contrôle.

Certa vez o Doutor Geley realizou uma série de sessões com Eva, convidando cem homens de ciência para que testemunhassem uma ou outra sessão. Tão rigorosos eram os seus testes que êle pôde proclamar: “Não direi apenas que não há fraudes. Direi que não há possibilidade de fraudes”. Novamente percorreu o antigo caminho e obteve os mesmos resultados, a não ser que em suas experiências o fantasma tomava formas femininas, por vêzes belas e, como êle próprio garantiu ao autor, para êle desconhe­cidas. Podem ser pensamentos-formas de Eva, pois em nenhum de seus resultados registados conseguiu um Espírito absolutamente vívido. Havia, porém, o suficiente para que o Dr. Geley dissesse:

“Aquilo que vimos mata o materialismo. Já não há mais lugar para ele no mundo”. Refere-se êle, assim, ao velho materialismo clássico do período vitoriano, para o qual o pensamento era uma secreção da matéria. Tôdas as novas provas apontam a matéria como uma resultante do pensamento. E’ sómente quando se pergunta de quem é o pensamento que se cai num terreno de debate.

Depois de suas experiências com Eva, o Dr. Geley conseguiu resultados ainda mais maravilhosos com Frank Kluski, um polo­nês, com o qual as formas ectoplásmicas eram tão sólidas que era possível tirar moldagens de suas mãos em parafina. Essas luvas de parafina, que são exibidas em Londres (14),

14. Luvas semelhantes acham-se no Psychic College, 595 Holland Park, W. ou no Psychic Museum, Abbey House, Victoria Street, Westminster.

são tão pequenas no pulso que a mão não poderia passar pela abertura sem romper o molde. Só poderia ter sido feita por desmateriali­zação — qualquer outro meio seria impossível. Essas experiên­cias foram dirigidas por Geley, Richet e o Conde de Graminont, três homens competentíssimos. Uma descrição mais detalhada destas e de outras moldagens, tiradas de figuras ectoplásmicas, se acha adiante, no Capítulo XX. São muito importantes, por serem as mais permanentes e inegáveis provas, jamais obtidas des­sas estruturas. Até agora nenhuma crítica racional lhes foi feita.

Outro médium polonês, chamado Jean Guzik, foi examinado em Paris, no Instituto, pelo Dr. Geley. As manifestações consis­tiam em luzes, mãos e rostos ectoplásmicos. Sob o mais severo contrôle, trinta e quatro pessoas distintas de Paris, muitas das quais inteiramente cépticas, afirmaram, depois de longa e minu­ciosa investigação, a sua crença na autenticidade dos fenômenos observados com êsse médium. Entre elas se achavam membros da Academia Francesa, da Academia de Ciências, da Academia de Me­dicina, doutôres em medicina e em direito e técnicos de polícia.

O ectoplasma é a mais protéica das substâncias e pode ma­nifestar-se de muitas maneiras e com propriedades variadas. Isso foi demonstrado pelo Doutor W. J. Crawford, Professor de Engenha­ria Mecânica na Queen’s University, de Belfast. Dirigiu uma im­portante série de experiências de 1914 a 1920, com a médium Kathleen Goligher. Fêz o seu relato em três livros, que são: “lhe Reality of Psychic Phenomena” (1917), “Experiments in Psychical Science”, em 1910 e “lhe Psychic Structures at Lhe Goligher Circle” em 1921. (15)

15. “A Realidade dos Fenômenos Psíquicos” (1917); “Experiên­cias em Ciéncia Psíquica” (1919) e “As Estruturas Psí­quicas no Grupo Goligher”, em 1921. — N. do T.

O Doutor Crawford morreu em 1920, mas deixou um monumento imperecível nesses três livros de original pesquisa experimental que, provavelmente, fizeram tanto para colocar a ciência psíquica numa base sólida quanto quaisquer outros trabalhos no gênero.

Para entendermos completamente as conclusões a que che­gou, seus livros devem ser lidos; mas aqui diremos resumida­mente que êle demonstrou que a levitação da mesa, as batidas no chão e o movimento dos objetos na sala das sessões eram devidos à ação das “alavancas psíquicas”, ou, conforme passou a designá-las em seu último livro, às “estruturas psíquicas”, que ema­navam do corpo da médium. Quando a mesa é levitada, essas alavancas são operadas em dois sentidos. Se a mesa fôr leve, a alavanca ou estrutura não toca no solo, mas é “um modilhão fixado firmemente no corpo da médium por uma extremidade e suspendendo a superfície inferior ou as pernas da mesa, pela extremi­dade livre”. No caso de uma mesa pesada, a reação, em vez de ser aplicada na médium, o é no piso da sala, formando uma espécie de suporte entre a face inferior da mesa levitada e o piso. A médium foi colocada numa balança e, quando a mesa era levitada, observava que ela aumentava de pêso.

O Doutor Crawford apresenta esta interessante hipótese para o processo de formação de ectoplasma no grupo. É preciso enten­der-se que o que êle chama “operadores” são os. Espíritos que tra­balham controlando os fenômenos.

“Os operadores atuam no cérebro dos assistentes e, pois, em seu sistema nervoso.

Pequenas partículas, mesmo moléculas, são expelidas do sistema nervoso dos corpos dos assistentes, pelos punhos, pelas mãos, pelos dedos ou por outras partes. Essas pequenas partículas, agora livres, têm uma enorme quantidade de fôrça latente, que lhes é inerente, uma energia que pode reagir em qualquer sistema nervoso humano com o qual se ponham em contacto. Essa corrente de partículas energizadas flui em tôrno do grupo, talvez pela periferia de seus corpos. Pelo aumento gradativo produzido pelos assistentes, a corrente alcança o médium num alto grau de tensão, energiza o médium, de quem recebe in­cremento, atravessa novamente o círculo e assim por diante. Finalmente quando a tensão é bastante grande, cessa o processo cir­culatório e as partículas energizadas se reúnem, ou são ligadas ao sistema nervoso do médium, que então dispõe de um reserva­tório onde a buscar. Tendo assim um bom suprimento de ener­gia adequada ao seu dispor, como, por exemplo, energia ner­vosa, podem atuar sôbre o corpo do médium, que é de tal modo constituído que enorme quantidade de matéria de seu corpo, por meio da tensão nervosa que lhe é aplicada, pode ser então des­tacada temporàriamente da sua posição normal e projetada na sala da sessão.” (16)

16. “The Reality of Psychic Phenomena”, página 243.

Esta será, provàvelmente, a primeira tentativa de uma expli­cação clara do que ocorre numa sessão de fenômenos físicos, e épossível que descreva com muita precisão aquilo que realmente ocorre. No seguinte resumo o Doutor Crawford faz uma importante comparação entre as primeiras e as últimas manifestações psí­quicas e ainda enuncia uma audaciosa mas compreensível teoria para todos os fenômenos psíquicos:

“Comparei aquela matéria esbranquiçada e semelhante a uma nuvem, quanto a estrutura, com fotografias de fenômenos de ma­terialização em vários estágios e obtidos com muitos médiuns, diferentes em todo o mundo. Cheguei á conclusão de que êsse material é muito semelhante, senão idêntico ao material usado em tais fenômenos de materializações.

De fato, não é fora de propósito considerar êsse material esbranquiçado, translúcido e nebuloso como a base de todos os fenômenos psíquicos de ordem física. Sem êle, até certo ponto não é possível qualquer fenômeno físico. É êle que dá consistência ás estruturas de tôda sorte eri­gidas pelos operadores nas câmaras de sessões; é êle que, quando convenientemente manipulado e aplicado, permite que as estru­turas se ponham em contacto com as formas ordinárias da maté­ria que nos são familiares, ainda que tais estruturas, sejam seme­lhantes àquelas a que me refiro particularmente, ou quando se­jam materializações de formas corpóreas, como mãos ou rostos. Além disso, parece-me que essa matéria será, eventualmente, a base de estruturas aparentemente construídas para a manifestação daquela forma particular de fenômeno, conhecido como Voz Direta, enquanto que os fenômenos ditos Fotografia de Espíritos também parecem ter a mesma base”. (17)

17. “The Psychic Structures at the Goligher Circle”, página 19.

Enquanto Crawford trabalhava com as alavancas ectoplásmicas em Belfast, o Doutor Geley controlava os resultados obtidos de Eva C. por uma nova série de experiências. Assim resume êle as suas observações sôbre os fenômenos observados:

“Uma substância emana do corpo da médium; exterioriza-se; é amorfa ou polimorfa à primeira vista. Essa substância toma várias formas, mas em geral mostra órgãos mais ou menos com­pósitos. Podemos distinguir: 1 — a substância como um trato da materialização; 2 — seu desenvolvimento organizado. Seu aparecimento em geral é anunciado pela presença do fluído, co­mo flóculos esbranquiçados e luminosos, que vão desde o tamanho de uma ervilha até o de uma moeda de cinco francos e distribuídos aqui e ali, sôbre o vestido prêto da médium, principalmente do lado direito... A própria substância emana de todo o corpo da médium, mas especialmente dos orifícios naturais e das extremidades, do tôpo da cabeça, do peito e das pontas dos dedos. A origem mais comum, a mais facilmente observada, é a bôca...

A substância aparece de várias formas, por vêzes como uma pasta dúctil outras vêzes como verdadeira massa protoplásmica ou em forma de numerosos fios muito finos ou de cordas de várias grossuras, ou, ainda, como raios estreitos e rígidos, como faixas lar­gas, como uma membrana, como um material de lã, de linhas indefinidas e irregulares. A mais curiosa aparência é apresentada por uma membrana muito espichada, com franjas e dobras e com a aparência de um alçapão.

A quantidade de matéria exteriorizada varia dentro de largos limites. Nalguns casos envolve completamente a médium num manto. Pode ter três côres diferentes: branco, prêto e cinza. A côr branca é mais freqüente, talvez por ser mais facilmente observável. Por vezes as três côres aparecem simultaneamente. A visibilidade da substância varia muito e pouco a pouco pode crescer ou diminuir de intensidade. Dá várias impressões ao toque. Por vêzes é fria e úmida; outras vêzes viscosa e consis­tente; mais raramente sêca e dura. .. A substância é móvel. Por vêzes se move lentamente, para cima e para baixo, através do médium, nos ombros, no peito, nos joelhos, num movimento si­nuoso de réptil. Outras vêzes os movimentos são súbitos e rápi­dos. A substância aparece e desaparece como relâmpago e é extraordinariamente sensitiva. É sensitiva á luz.”

Só nos foi possível dar uma parte da magistral análise des­crita pelo Doutor Geley. Sua passagem final trata de um aspecto importante:

“Durante todo o fenômeno da materialização, o produto for­mado está em óbvia conexão fisiológica e psíquica com a médium. A conexão fisiológica por vêzes é perceptível sob a forma de um fino cordão, ligando a estrutura á médium, o que pode ser com­parado ao cordão umbilical, que liga o feto à mãe. Mesmo quan­do êsse cordão não é visível, a relação fisiológica é sempre estreita. Cada impressão recebida através do ectoplasma reage sôbre a médium e vice-versa. A sensação reflexa da estrutura coexiste com a da médium. Numa palavra, tudo prova que o ectoplasma é a parte exteriorizada da própria médium.”

Comparando as minúcias desta descrição com as que foram dadas à entrada dêste capítulo, ver-se-á imediatamente quão nume­rosos são os pontos de semelhança. O ectoplasma sempre foi, fundamentalmente, a mesma coisa. Depois dessas afirmações não será o cepticismo, mas a pura ignorância que negará a exis­tência dêsse estranho material.

Eva C. veio a Londres, como foi dito, e realizou trinta e oito sessões sob os auspícios da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, mas o relatório (18)

18. SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH Proceedings, volume 32º, páginas. 209 e 343.

é um documento muito contraditório e insa­tisfatório. O Doutor Schrenck Notzing pôde ainda demonstrar, através de um outro médium, a existência do ectoplasma, e os resultados corresponderam, de um modo geral, aos obtidos em Paris. Era um rapazinho de catorze anos, chamado Willie S. No caso de Willie, mostrou o Doutor Schrenck Notzing essa substância a uma cen­tena de agudos observadores, nenhum dos quais foi capaz de negar a evidência de seus próprios sentidos. Entre os que assinaram uma declaração afirmativa estavam os professôres ou ex-professôres de Jena, Giessen, Heidelberg, Munique, Tübingen, Upsala, Fri­burgo, Basiléia e outras universidades, além de bom número de famosos físicos, neurologistas e cientistas de tôda espécie.

Assim, não se pode dizer que haja dúvida quanto à sua existência. Contudo, não pode ser produzido por ordem nossa. É uma operação delicada, que pode falhar. Assim vários experimentadores, principalmente um pequeno grupo da Sorbonne, falhou. Aprendemos que são exigidas pessoas adequadas e condições apropriadas, e que estas mais mentais e espirituais do que químicas. Uma atmosfera harmoniosa favorece, ao passo que uma desafinada ou antagônica prejudicará ou inutili­zará totalmente a sua manifestação. Nisto êle mostra as suas afini­dades espirituais e que também difere dos produtos puramente físicos.

Que é êle? Êle toma forma. Quem determina essa forma? Será a mente do médium em transe? A mente dos observa­dores? Ou alguma outra mente independente? Entre os experimentadores temos uma escola material que insiste em que esta­mos encontrando uma extraordinária propriedade latente do corpo normal; temos uma outra escola, a qual pertence o autor, que acredita que estamos atingindo um elo que deve ser parte de uma cadeia que nos conduz a uma nova ordem de vida. Deveria acrescentar-se que nada de tudo isto foi desconhecido dos velhos alquimistas da Idade Média. Êsse fato interessantíssimo foi tra­zido à luz por Mr. Foster Damon, da Universidade de Harvard, que publicou uma série de resumos dos trabalhos de Vaugham, filósofo que viveu pelas alturas de 1650, nos quais sob o nome de “Matéria-Prima”, ou de “Mercúrio” é descrita uma subs­tância que possui tôdas as características do ectoplasma. Eram aquêles dias em que, entre a Igreja Católica de um lado, e os descobridores de feiticeiros dos Puritanos, do outro, os cami­nhos dos pesquisadores psíquicos se tornavam muito difíceis. Eis porque os químicos. daqueles dias disfarçavam o seu saber sob nomes fantásticos, em conseqüência do que morreu aquêle conhecimento.

Quando verificamos que pelo Sol significavam o operador, pela Lua o paciente, pelo Fogo, a fôrça mesmérica ou magnética, e pelo Mercúrio o ectoplasma resultante, adquirimos a chave de alguns de seus segredos.

O autor tem visto com freqüência o ectoplasma em forma vaporosa, mas apenas uma vez solidificado (19).

19. Salvo os numerosos casos de materializações ocasionais de mãos e de rostos.

Foi numa sessão com Eva C., sob a direção de Madame Bisson.

Naquela ocasião essa estranha e variável substância apareceu como um pedaço de matéria de quinze centímetros, não muito diverso de um seg­mento de cordão umbilical, aderente às roupas na região infe­rior do estômagosto Era visível em boa luz e o autor teve licença de o examinar entre os dedos, quando lhe foi dada a impres­são de substância viva, que se encolhia e pulsava sob o toque. Nessa ocasião não havia a menor possibilidade de fraude.

É impossível contemplar os fatos conhecidos acêrca do ecto­plasma sem ver como se apresentam na fotografia psíquica. As figuras fotografadas junto a Eva, com a sua vaporosa aparência de lã, são muitas vêzes absolutamente como as fotografias obti­das por Mr. Hope e outros. A mais racional opinião parece ser que, uma vez formado, o ectoplasma pode ser modelado pelo pensamento e que êsse pensamento, nos casos mais simples, será apenas a mente inconsciente do médium. Por vêzes nós mesmos nos esquecemos de que somos Espíritos e de que um Espírito num corpo possivelmente tem poderes semelhantes ao de um Espírito fora do corpo. Nos casos mais complexos, e especialmente na fotografia psíquica, é demasiadamente claro que não é o espírito da médium que está operando, mas sim, alguma fôrça mais poderosa e propositada que intervém.

Pessoalmente o autor é de opinião que muitas formas dife­rentes de plasma, com atividades diversas serão descobertas, tudo isto constituindo uma especial ciência no futuro, e que bem pode ser chamada Plasmologia. Pensa êle também que todos os fenômenos psíquicos externos ao médium, inclusive a clarivi­dência, podem ser referidos a essa fonte.

Assim, o médium clari­vidente pode muito bem ser quem emite essa ou outra subs­tância análoga, que constrói em redor dêle uma atmosfera especial que possibilita que o Espírito se manifeste àqueles que têm poder de recepção. Assim como ao passar pela atmosfera da Terra um aerólito é visível por um momento entre duas eternidades de invisibilidade, também pode ser que o Espírito, ao passar pela atmosfera psíquica do médium de ectoplasma, pode por momen­tos indicar a sua presença. Tais especulações estão acima das provas atuais, mas Tyndall mostrou como tais hipóteses exploratórias podem tornar-se pontas de lança da verdade. A razão por que umas pessoas vêem um fantasma e outras não, talvez seja porque algumas forneçam bastante ectoplasma para uma mani­festação e outras não, enquanto a sensação de frio, o tremor e o subseqüente desmaio, talvez sejam devidos não a um simples terror, mas parcialmente a uma súbita descarga de elementos psíquicos.

De lado essas especulações, o sólido conhecimento do ecto­plasma, que já foi adquirido, dá-nos, finalmente, uma sólida base material para a pesquisa psíquica. Quando o Espírito desce a matéria, necessita dessa base material, sem o que lhe é impossível impressionar os nossos sentidos materiais. Já em 1891 Stainton Moses, pioneiro do psiquismo em seus dias, foi forçado a dizer:

“Não sei mais nada, a res peito do método ou métodos pelos quais são produzidas as formas materializadas, do que sabia quan­do as vi pela primeira vez”. Se ainda estivesse vivo, dificilmente diria isso agora.

Êsse conhecimento novo e preciso teve a utilidade de nos dar uma explicação racional daquelas batidas, que foram os pri­meiros fenômenos a chamar a atenção. Seria prematuro dizer que elas só por uma maneira podem ser produzidas; mas, ao menos, pode dizer-se que o seu processo usual de produção é o da extensão de uma alavanca de ectoplasma, que pode ser visível ou não, e pela sua percussão nalgum objeto sólido. É provável que essas alavancas sejam os condutores de fôrça e não fôrças prôpriamente ditas, do mesmo modo que um fio de cobre pode levar uma descarga elétrica, que desintegra um navio de guerra. Numa de suas admiráveis experiências, Crawford, verifi­cando que as alavancas vinham do peito da médium, molhou a sua blusa com um líquido carmesim e depois pediu que batessem na parede fronteira. Então foi verificado que o muro estava com alguns pontos vermelhos, pois a projeção ectoplásmica havia carregado consigo a tinta através, da qual havia passado. Do mesmo modo, quando autênticas, as batidas na mesa parecem devidas a uma acumulação de ectoplasma em sua superfície, retirada dos vários assistentes e depois utilizada pela inteligência que preside. Crawford admitia que as projeções por vezes deveriam possuir ventosas ou garras nas extremidades, de modo a mover ou levantar objetos; e o autor, posteriormente, obteve várias fotografias dessas formações, que mostram clara­mente que terminam com o tôpo plano, que se presta a tal objetivo.

Crawford deu grande importância à correspondência entre o pêso do ectoplasma emitido e a perda de pêso do médium. Suas experiências parecem mostrar que todos são médiuns; que cada um perde pêso numa sessão de materialização, e que o médium principal apenas difere dos outros pela circunstância de poder desprender muito maior quantidade de ectoplasma. Se pergun­tarmos por que um ser humano terá que ser diferente de outro a êsse respeito, chegamos à eterna controvérsia do por que êste tem um ótimo ouvido para a música, enquanto aquêle é uma negação. Devemos considerar êsses atributos pessoais. tais quais os encontramos. Nas experiências de Crawford, habitualmente a médium perdia de 10 a 15 libras numa sessão — pêso que se restaurava assim que o ectoplasma era reabsorvido.

Numa ocasião foi registrada a enorme perda de cinqüenta e duas libras. Poder-se-ia pensar que as balanças então estivessem descalibradas, se se não tivessem registrado perdas ainda maiores, com outros médiuns, como foi o caso descrito nas experiências de Olcott com os Eddys.

Há outras propriedades das projeções ectoplásmicas que deve­riam ser notadas. Não só a luz lhes é destrutiva, a menos que sejam gradativamente alimentadas e especialmente preparadas com antecedência pelos guias, mas o efeito de um súbito jato de luz faz a substância recuar para o médium, com á fôrça de um elástico. Isto não é absolutamente uma alegação falsa, visando proteger o médium contra uma surprêsa: é um fato certo, que tem sido verificado por muitos observadores. Qualquer esper­teza com ectoplasma, a menos que se tenha certeza de que haja fraude na sua produção, deve ser evitada, e agarrar à fôrça uma trombeta ou qualquer outro objeto sustentado pelas alavan­cas ectoplásmicas é quase tão perigoso quanto a sua exposição à luz. O autor se lembra de um caso onde um assistente igno­rante arrancou a trombeta, que flutuava no ar, a sua frente, den­tro do círculo. Fê-lo em silêncio; ninguém sofreu com isto senão o médium, que se queixou de dores e prostrou-se durante alguns dias. Outro médium sentiu uma irritação superficial, do peito ao ombro, causada pela retração da faixa ectoplásmica, quando um pretenso investigador acendeu uma lanterna elétrica. Quando o ectoplasma se retrai sôbre uma superfície mucosa, pode determinar uma forte hemorragia, como tem notícia o autor de numerosos casos semelhantes. Num dêles, o de Susanna Harris, em Melbourne, a médium ficou de cama uma semana depois de tal experiência.

É impossível, num simples capítulo de um trabalho que cobre tão vasto assunto, dar pontos de vista minuciosos de uma seção dêsse assunto, que se pode desenvolver num volume. Nosso conhecimento dessa substância enganadora, protéica, onímoda, aumenta de ano para ano e pode profetizar-se que se a última geração se preocupou com o protoplasma, a futura geração será aumen­tada com o seu equivalente psíquico que, assim o esperamos, reterá o nome de ectoplasma, dado por Charles Richet, embora vários outros vocábulos, como plasma, teleplasma e ideoplasma infelizmente tenham entrado em circulação.

Depois que êste capítulo foi escrito, novas demonstrações do ectoplasma foram realizadas em diversas partes do mundo. A mais notável, entretanto, foi a de “Margery” ou de Mrs. Crandon, de Boston, cujos dons foram tratados no livro de Mr. Malcolm Bird, que traz aquêle nome.

19

Fotografia Espírita

O PRIMEIRO relato autêntico da produção daquilo que é chamado fotografia espírita data de 1861. O resultado foi obtido por William H. Mumler, em Boston, nos Estados Unidos. Diz-se que em 1851, na Inglaterra, Richard Boursnell fêz uma experiên­cia semelhante, mas nenhuma fotografia dessa natureza foi con­servada. O primeiro exemplo na Inglaterra que se pode cons­tatar ocorreu em 1872, com o fotógrafo Hudson.

Como o progresso do moderno Espiritismo, êsse novo desen­volvimento foi predito pelo Outro Lado. Em 1856 Mr. Thomas Sla­ter, um óptico residente em Euston Road 136, em Londres, realizava uma sessão com Lord Brougham e Mr. Robert Owen, quando, por batidas, foi dito que chegaria o dia em que Mr. Slater faria fo­tografias de Espíritos. Mr. Owen observou que se estivesse no mundo dos Espíritos quando chegasse aquêle dia, iria aparecer numa chapa. Em 1872, quando Mr. Slater fazia experiências de fotografia espírita, ao que se diz, obteve numa chapa o rosto de Mr. Robert Owen, bem como o de Lord Brougham (1).

1. The Spiritualist, Novembro de 1873.

Alfred Russel Wallace viu essas chapas mostradas por Mr. Slater, e escreve (2).

2. “Miracles and Modern Spiritualism”, 1901, página 198.

“O seu primeiro êxito consistiu em dois rostos obtidos ao lado do retrato de sua irmã.

Uma dessas cabeças, sem sombra de dúvida, é de Lord Brougham; a outra, muito menos distinta, é reconhecida por Mr. Slater como a de Robert Owen, que êle conhecia intimamente. até o momento de sua morte.”

Depois de descrever outras fotografias de Espíritos, obtidos por Mr. Slater, continua o Doutor Wallace:

“Agora, se essas figuras estão ou não identificadas correta­mente não é ponto essencial.

O fato de que algumas figuras, tão claras e indiscutivelmente humanas como essas, aparecem em cha­pas batidas no estúdio particular de um óptico experimentado e fotógrafo amador que fabrica os seus próprios aparelhos, e sem ninguém presente a não ser a sua própria família, — constitui verdadeira maravilha. Num caso, um segundo rosto apareceu numa chapa com êle, tomada por Mr. Slater quando se achava absolutamente só, pelo simples processo de ocupar a cadeira de um assistente depois de preparada a máquina...

O próprio Mr. Slater mostrou-me tôdas essas fotografias e explicou as condições em que foram obtidas. É certo que não se trata de uma impostura e como primeiras confirmações inde­pendentes do que antes havia sido obtido por fotógrafos profis­sionais, seu valor é inestimável”.

De Mumler, em 1861 a William Hope, em nossos dias, apare­ceram de vinte a trinta médiuns reconhecidos para fotografia espí­rita que, ao todo, produziram centenas de resultados supranor­mais, que chegaram a ser considerados “extras”. O mais conhe­cido dêsses sensitivos, além de Hope e de Mrs. Deane, são Hud­sou, Parkes, Willie, Buguet, Boursnell e Duguid.

Mumler, que trabalhava como gravador numa das principais joalherias de Boston, não era espírita nem fotógrafo profissional. Em horas de folga, quando tentava tirar fotografias de si mesmo, no atelier de um amigo, obteve numa chapa o contôrno de uma outra figura. O método que empregava era focalizar uma cadeira vazia e, depois de descobrir a objetiva, alcançar a cadeira esco­lhida e aí ficar durante o tempo necessário à exposição. Nas costas da fotografia Mr. Mumler tinha escrito:

“Esta fotografia foi feita por mim mesmo, de mim mesmo, num domingo, quando não havia viva alma na sala — por assim dizer. A forma à minha direita reconheço como minha prima, morta há doze anos. - W. H. MUMLER”

A forma é de uma mocinha, que aparece sentada na cadeira. A cadeira é vista com nitidez através do corpo e dos braços, como também a mesa na qual ela apóia o braço. Abaixo do peito, diz um relato contemporâneo, a forma (que parece usar um vestido decotado e sem mangas) se desagrega num tênue vapor, co­mo simples nuvens na parte inferior do retrato. É interessante notar pormenores nessa primeira fotografia espírita, que se repetiram muitas vêzes nas que foram obtidas posteriormente por outros operadores.

Logo correu a notícia do que havia acontecido a Mumler e êle foi assediado por pedidos de sessões. A princípio recusou-se, mas finalmente concordou e quando, posteriormente, outros extras” foram obtidos, e sua fama se espalhou, foi então compelido a abandonar o seu negócio e a dedicar-se a êsse novo trabalho. Como, de um modo geral, as suas experiências foram como as de todos os fotógrafos psíquicos que o sucederam, podemos consi­derá-las rapidamente.

Investigadores particulares de boa reputação obtiveram retra­tos absolutamente reconhecíveis de amigos e parentes e ficaram inteiramente satisfeitos porque os resultados eram genuínos. Então vieram os fotógrafos profissionais, convencidos de que havia tru­ques e que se lhes dessem oportunidade de fazer experiências, sob suas próprias condições, seriam capazes de descobrir como a coisa era feita. Vieram, um após outro, nalguns casos com as suas próprias chapas, máquinas, reveladores e fixadores, mas depois de dirigirem e fiscalizarem tôdas as operações, foram in­capazes de descobrir qualquer truque. Mumler também foi aos seus ateliers e lhes permitiu fazer todo o manejo bem como a revelação das chapas, com os mesmos resultados. Andrew Jackson, que era então redator-chefe do Herald of Progress, em New York, mandou um fotógrafo profissional, Mr. William Guay, fazer uma investigação completa. Êste contou que, depois de lhe haver sido permitido o inteiro contrôle de todo o processo foto­gráfico, apareceu na chapa o retrato do Espírito. Experimentou com êsse médium em várias outras ocasiões e ficou convencido de sua autenticidade.

Outro fotógrafo, Mr. Horace Weston, foi mandado a inves­tigar por Mr. Black, famoso fotógrafo retratista de Boston. Quan­do voltou, depois de haver obtido uma fotografia de Espírito, disse que não tinha verificado coisa alguma nas operações que fôsse diferente dos que se fazia no trabalho ordinário dos fotógrafos. Então Black foi em pessoa e fêz tôdas as manipulações das chapas, bem como a sua revelação. Quando examinava a reve­lação de uma delas, viu aparecer uma forma além da sua e, finalmente, viu que era um homem que apoiava o braço sôbre o seu ombro e exclamou, entusiasmado: “Meu Deus! é possível?”

Mumler teve mais convites para sessões do que lhe era possível atender e os compromissos eram marcados com semanas de ante­cedência. Vinham de tôdas as classes: ministros, doutôres, advo­gados, juizes, prefeitos, professôres e homens de negócio eram contados entre as pessoas interessadas. Um relatório extenso dos vários resultados positivos obtidos por Mumler se encontra na imprensa da época (3).

3. The Spiritual Magazine, 1862, página 562; 1863, páginas 34 a 41.

Em 1863 Mumler, como tantos outros médiuns para fotogra­fia espírita desde a sua época, encontrou nas suas chapas “extras” de pessoas vivas. Seus maiores defensores foram incapazes de acei­tar esse novo e estranho fenômeno e, conquanto mantivessem a crença em seus dons, ficaram convencidos de que êle recorria aos truques. Numa carta ao Banner of Light, de Boston, de 20 de fevereiro de 1863, referindo-se a êsse novo desenvolvimento, escre­ve o Doutor Gardner:

“Conquanto eu esteja inteiramente convencido de que, atra­vés de sua mediunidade, foram tomados retratos de Espíritos, pelo menos em dois casos me foram dadas provas de fraude, o que é perfeitamente conclusivo... Mr. Mumler, ou alguém em contato na sala de Mrs. Stuart, é responsável pela trapaça contra as autênticas fotografias de Espíritos, substituidas pelas de pes­soas vivas desta cidade.”

O que tornou o caso ainda mais convincente para os acusa­dores foi o fato de o mesmo “extra” de uma pessoa viva apa­recer em duas chapas. Esta falcatrua ultrapassou as medidas da opinião pública contra êle e em 1868 Mumler partiu para New York. Aí o seu negócio prosperou durante algum tempo, até que foi prêso por ordem do prefeito de New York, a pedido do repórter de um jornal, que havia recebido uma fotografia com um “extra” irreconhecível. Depois de um processo moroso foi absol­vido, sem mancha no seu caráter. As provas dos fotógrafos profissionais, que não eram espíritas, eram fortemente favoráveis a Mumler.

Assim testemunhou Mr. Jeremiah Gurney:

“Sou fotógrafo há vinte e oito anos; testemunhei os proces­sos de Mumler; e, con quanto tivesse ido preparado para exami­nar a coisa, nada achei que cheirasse a fraude ou truque... A única coisa fora da nossa rotina foi o fato do operador manter a mão sôbre a máquina.”

Mumler, que morreu pobre em 1884, deixou uma narrativa interessante e convincente de sua carreira, em seu livro “Personal Experiences of William H. Muinler in Spirit Photography” (4)

4. Experiências Pessoais de William H. Mumler com Fotografia de Espíritos”. Boston, 1875. — N. do T.

de que existe um exemplar no Museu Britânico.

Hudson, que obteve a primeira fotografia espírita na Inglaterra e da qual temos prova objetiva, teria então sessenta e cinco anos de idade (em março de 1372). A experiência era conduzida por Miss Georgiana Houghton, que descreveu minuciosa­mente o incidente (5).

5. “Chronicles of the Photographs of Spiritual Beings”, etc. 1882, página 2.

Há um testemunho abundante do traba­lho de Hudson. Mr. Thomas Slater, já citado, levou sua pró­pria máquina e chapas e, depois de minuciosa observação, rela­tou que “trapaça ou truque estavam fora de cogitação”. Mr. William Howitt, desconhecido do médium, não foi anunciado; mas recebeu e reconheceu numa fotografia “extras” de seus dois filhos mortos. E disse que as fotografias eram “perfeitas e inconfun­díveis”.

O Doutor Alfred Russel Wallace obteve uma boa fotografia de sua mãe. Descrevendo sua visita (6)

6. “Miracles and Modern Spiritualism”. (Revised Edition 1901), páginas 196 e 197.

diz êle:

“Estive em três sessões, em tôdas escolhendo o meu próprio lugar. De cada vez uma segunda figura apareceu no negativo comigo. A primeira era uma figura masculina, com um punhal; a segunda era um corpo inteiro, aparentemente a alguns pés para o lado e por trás de mim, olhando para baixo para mim e sustentando um ramo de flôres. Numa terceira sessão, depois de me colocar e depois que a chapa fôra colocada na máquina, pedi que a figura viesse para junto de mim. A terceira chapa mostrou uma figura feminina, de pé, junto e em frente a mim, de modo que o panejamento cobriu a parte inferior de meu corpo. Assisti à revelação de tôdas as chapas e em cada caso a figura “extra” começou a aparecer no momento em que o revelador era despejado, enquanto o meu retrato só se tornava visível cêrca de vinte segundos depois. Não reconheci nenhuma das figuras nos negativos; mas no momento em que tirei as provas, ao primeiro relance a terceira chapa mostrou um inconfundível retrato de minha mãe — como era, na atitude e na expressão; não aquela semelhança de um retrato feito em vida, mas algo pensa­tiva, uma semelhança ideal — ainda assim, para mim, uma seme­lhança inconfundível”.

Conquanto indistinto, o segundo retrato foi reconhecido pelo Doutor Wallace como sendo de sua mãe. O primeiro “extra” de um homem não foi reconhecido.

Mr. J. Traill Taylor, então redator do British Journal oJ photography, testemunhou (7)

7. “British Journal of Photography”, Agosto, 1873.

que tinha obtido resultados supra-normais com êsse médium, usando as suas próprias chapas “e que em nenhuma ocasião, durante a preparação, a exposição ou a revelação dos retratos, Mr. Hudson se achava a menos de três metros da máquina ou da câmara escura - Por certo isto deve ser aceito como prova.

Mr. F. M. Parkes, residente em Grove Road, Bow, no East End de Londres, era um médium natural, que tinha visões verí­dicas desde a infância. Nada sabia de Espiritismo até 1871 e no comêço do ano seguinte fêz experiências de fotografia com seu amigo, Doutor Reeves, proprietário de um restaurante perto de King’s Cross. Tinha então trinta e nove anos de idade. A princípio apenas marcas irregulares e manchas de luz apareciam nas cha­pas; mas depois de três meses foi obtido um Espírito, logo reco­nhecido, estando presentes o Doutor Sexton e o Doutor Clarke, de Edimburgo. O Doutor Sexton convidou Mr. Bowman, de Glasgow, fotógrafo experimentado, o qual fêz um minucioso exame da máquina, da câmara escura e do material usado. Feito isso, foi declarada impossível qualquer fraude da parte de Parkes. Du­rante alguns anos êsse médium não recebeu remuneração por seus serviços. Mr. Stainton Moses, que dedicou um capítulo a Mr. Parkes (8),

8. Human Natura, 1875, página 152.

assim escreve:

“Folheando o álbum de Mr. Parkes, o mais notável ponto é a enorme variedade das figuras; o seguinte é a dissemelhança entre todos êles e a forma convencional dos fantasmas.

Em cento e dez retratos que tenho diante dos olhos, começados em abril de 1872 e, com ligeiros intervalos, obtidos até agora, não há dois parecidos — raramente dois apresentam alguma semelhança entre si. Cada desenho é peculiar e tem no rosto uma individualidade diferente”.

Afirma que um bom número dessas fotografias, foi identi­ficado pelos assistentes.

Mr. Ed. Buguet, fotógrafo de Espíritos, era francês e visitou Londres em junho de 1874; em seu estúdio, situado em Baker Street 33, houve muitas sessões notáveis. Mr. Harrison, redator de The Spiritualist, fala de um teste empregado por êsse fotógrafo, que consistia em quebrar um canto da chapa e ajustar o pedaço, depois que aquela era revelada. Mr. Stainton Moses descreve Buguet como um homem magro e alto, de rosto inteligente e fei­ções bem marcadas, com abundante cabeleira negra. Diz-se que durante a exposição da chapa êle ficava em semitranse. Os re­sultados psíquicos obtidos eram de mais alta qualidade artística e de maior distinção que os obtidos por outros médiuns. Também uma grande percentagem de Espíritos era reconhecida. Um curioso aspecto com Buguet era que de conseguia numerosos retratos do “duplo” dos assistentes, tanto quanto de pessoas vivas mas não presentes, aparecendo com êle no estúdio. Assim, en­quanto se achava em Londres no estado de transe, o retrato de Stainton Moses apareceu em Paris quando Mr. Gledstones fazia uma experiência (9).

9. Human Natura, Volume 9º, página 97.

Em abril de 1875 Buguet foi prêso e acusado pelo govêrno francês de produzir fraudulentas fotografias de Espíritos. Para salvar-se confessou que todos os resultados obtidos eram truques. Foi condenado a pagar quinhentos francos de multa e a um ano de prisão. Durante o processo um certo número de conhecidos homens públicos sustentaram a sua opinião quanto à autentici­dade dos “extras” que haviam obtido, a despeíto de se dizer que Buguet havia usado comparsas para fingirem de Espíritos. A verdade sôbre fotografias espíritas não pára aí: os que têm interêsse em ler tôda a história de sua prisão e seu processo (10)

10. The Spiritualist, Volumes 6º e 7º (1875) and Humau Nature, Volume 9º, página 334.

po­dem assim formar a própria opinião. Escrevendo depois do pro­cesso, diz Mr. Stainton Moses: “Não só acredito — mas sei, tão certo como sei outras coisas, que algumas das fotografias de Buguet eram autênticas”.

Entretanto diz Coates que Buguet era um tipo sem valor. Certamente a posição de um homem que apenas pode provar que não é um patife pelo fato de haver feito uma falsa confissão por mêdo é um tanto fraca. O caso para a fotografia espírita, sem êle, ficaria mais valorizado. Quanto à sua confissão, foi ela arran­cada criminosamente pelo Arcebispo da Igreja Católica de Toulouse, numa ação contra a Revue Spirite, quando seu redator, Ley­marie, foi acusado e condenado. Disseram a Buguet que a sua salvação estava em confessar.

Assim constrangido, fêz o que antes haviam feito tantas vítimas da Inquisição: uma confissão forçada que, entretanto, não o salvou de doze meses de cadeia.

Richard Boursnell (1832-1900) ocupou uma posição preemi­nente no período médio da história da fotografia espírita. For­mava uma parceria com um fotógrafo profissional em Fleet Street e dizem que tinha faculdades psíquicas e que eventualmente mãos e rostos apareciam em suas chapas, já em 1851. Seu compa­nheiro o acusou de não lavar convenientemente as chapas, ao tempo do processo coloidal e, após uma discussão violenta, Boursnell disse que não mais continuaria com êsse negócio. Só quarenta anos mais tarde é que novamente apareceram figuras psíquicas e, então, com formas extras, em suas fotografias, para seu desapon­tamento, porque prejudicaram o seu negócio e ocasionaram a destruição de muitas chapas. Foi com muita dificuldade que Mr. W. F. Stead o persuadiu a realizar algumas sessões. Nas suas próprias condições, Mr. Stead obteve repetidamente aquilo que o velho fotógrafo chamava “retratos de sombras”. A princípio não eram reconhecidas, mas, por fim, foram obtidas algumas bem identificadas. Mr. Stead forneceu detalhes das precauções observadas no preparo das chapas, etc., mas diz que liga pouca im­portância a estas, considerando que o aparecimento numa chapa de uma semelhança de um parente desconhecido ou de um assis­tente desconhecido é um teste muito superior às precauções que um mágico hábil ou um fotógrafo de truques pode ludibriar. E diz:

“De vez em quando eu enviava amigos a Mr. Boursnell, sem o informar quem eram êles, nem lhes dizer coisa alguma acêrca da identidade de pessoas mortas parentas ou amigas dos recomen­dados, cujo retrato queriam obter; e, ao revelar as chapas, os retratos apareciam, por vezes atrás, outras vezes em frente ao interessado. Isso acontecia com tanta freqüência que estou con­vencido de que qualquer fraude era impossível. Uma vez aconte­ceu que um editor francês descobrisse o retrato de sua falecida espôsa num negativo que fôra revelado; e ficou tão encantado que insistiu em beijar o velho fotógrafo, com o que o deixou muito embaraçado. De outra feita foi um engenheiro do Lancashire, também fotógrafo, que marcou as chapas e tomou outras pre­cauções. Obteve retratos de dois parentes e um outro de eminente personagem com quem havia mantido estreitas relações. Ainda de outra foi um vizinho próximo que, indo como um desco­nhecido, obteve o retrato de sua filha morta”.

Em 1903 os espíritas de Londres presentearam êsse médium com uma bôlsa de ouro e um documento assinado por mais de cem espíritas notáveis. Nessa ocasião as paredes das salas da Sociedade de Psicologia, em George Street, Portman Square, esta­vam cobertas por trezentas fotografias escolhidas de Espíritos, fei­tas por Boursnell.

Em relação à opinião de Mr. Stead quanto à “reconhecida se­melhança”, declaram os críticos que os assistentes muitas vêzes imaginam a semelhança, e que por vêzes dois assistentes alegam que o mesmo extra” é o seu parente. Em resposta a isto deve dizer-se que o Doutor Alfred Russel Wallace, por exemplo, deve ser o melhor juiz se a figura era ou não parecida com sua mãe, O Doutor Cushman, de quem falaremos adiante, submeteu o “extra” de sua filha Agnes a um certo número de parentes e amigos e todos estavam convencidos da semelhança. Mas, fora de qualquer cer­teza quanto à semelhança, resta a esmagadora prova de que essas fotografias supranormais realmente acontecem e, em milhares de casos, foram identificadas.

Mr. Edward Wyllie, nascido em 1848 e falecido em 1911, tinha genuínos dons mediúnicos, que foram verificados por inú­meros investigadores, qualificados. Nascera em Calcuttá, pois o seu pai, Coronel Robert Wyllie, fôra secretário militar do Governador da Índia. Wyllie, que servira como capitão na guerra Maori, na Nova Zelândia, depois fêz fotografias ali. Em 1886 foi para a Califórnia. Depois de algum tempo começaram a aparecer pontos luminosos em seus negativos e como aumentavam sempre, amea­çavam destruir o seu negócio. Jamais tinha ouvido falar de fotografia de Espíritos, até que uma senhora lhe sugeriu isto como possível explicação. Experimentando com ela apareceram rostos nas chapas nos pontos iluminados. Daí por diante êsses rostos apa­reciam com tanta freqüência com outros assistentes que êle se viu obrigado a deixar o negócio comum e devotar-se à fotografia de Espíritos. Mas então defrontou novas dificuldades. Foi acu­sado de obter fraudulentamente êsses resultados e isso o feriu tanto que tentou ganhar a vida de outra maneira, mas sem resultado. Teve que voltar àquêle trabalho como médium-fotógrafo, como era chamado. A 27 de novembro de 1900 uma comissão da Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Pasadena fêz uma investiga­ção com êle em Los Angeles. Foram respondidas as seguintes perguntas por Wyllie. Aqui as transcrevemos por serem de inte­rêsse histórico.

Pergunta: — O Senhor anuncia ou promete fotografar rostos de Espíritos ou alguma coisa parecida e fora do comum aos seus fregueses?

Resposta: — Absolutamente. Não garanto nem prometo coisa algu­ma. Não tenho contrôle sôbre isto. Apenas cobro o meu tempo e o material, como podem ver pelo quadro que está ali na parede. Cobro um dólar por sessão. E se a primeira não fôr satisfatória, faço uma segunda tentativa sem mais despesas.

Pergunta: — Por vêzes deixa de obter algo de extraordinário?

Resposta: — Oh! sim, muitas vêzes. Sábado passado, trabalhando à noite, fiz cinco sessões e nada obtive.

Pergunta: — Em que proporção são essas falhas?

Resposta: — Diria que num dia comum de trabalho a média éde três a quatro falhas — dias mais, dias menos.

Pergunta: — Em que proporção avalia que os rostos “extras” que aparecem são reconhecidos pelos assistentes ou por seus amigos?

Resposta: - Durante alguns meses do ano passado eu fazia um registro dêsse ponto e achei que em cêrca de dois têrços um ou mais rostos extras eram reconhecidos. Às vêzes havia apenas uma face extra; outras vêzes cinco ou seis, ou mesmo oito e eu não podia fazer um registro delas, mas apenas do número total de sessões, como se vê em meu livro de notas.

Pergunta: — Quando uma sessão é feita o senhor conhece, como sensitivo, se há ou não extras na chapa?

Resposta: — Às vêzes eu vejo luzes em volta do assistente e então tenho certeza de que haverá algo para êle ou para ela; mas não sei exatamente o que será, assim como os senhores não sabem. Não sei o que é enquanto não o vejo na chapa revelada, fixada e examinada à luz.

Pergunta: — Quando um assistente deseja fortemente que um deter­minado amigo desencarnado apareça na chapa é mais provável obter resultado?

Resposta: — Não. Um forte estado de tensão mental, ou de desejo,

quer seja de ansiedade ou de antagonismo, torna mais difícil para

o Espírito o emprêgo do magnetismo do assistente a fim de pro­duzir a manifestação; de modo que é menos provável que, então, apareça um extra na chapa. Uma condição repousante, passiva e à vontade é mais favorável aos bons resultados.

Pergunta: — Os Espíritas conseguem melhores resultados que os descrentes?

Resposta: — Não. Alguns dos melhores resultados que jamais obti­ve ocorreram quando a cadeira era ocupada por gente muito céptica.

Com essa comissão não foram obtidos os extras. Antes, em 1899, outra comissão havia submetido o médium a testes rigorosos e quatro chapas em oito “mostraram resultados que a comissão foi incapaz de explicar.” Depois de minucioso relato das precau­ções tomadas, conclui o relatório:

“Como comissão não temos uma teoria: apenas testemunha­mos “aquilo que sabemos”. Individualmente discordamos quanto às causas prováveis, mas sem prevenção concordamos no que res­peita aos fatos prováveis... Daremos vinte e cinco dólares a qualquer fotógrafo de Los Angeles que, por meio de truque ou de habilidade, produzir resultados semelhantes, em condições simi­lares.”

(assinado)

Julian Mc Crae, P. C. Campbell, I. W. Mackie, W. N. Slocum, John Henley.

David Duguid (nasceu em 1832 e morreu em 1907), conhecido médium de escrita automática e de pintura, foi beneficiado por uma cuidadosa investiga­ção sôbre as suas fotografias de Espíritos, por Mr. J. Traiu Taylor, redator do British Journal of Plzotography, o qual numa conferência lida perante a London and Provincial Photographic Association em 9 de março de 1893, descreveu as recentes pesquisas com esse médium. Diz êle:

“Minhas condições eram muito simples... Admitindo tratar com trapaceiros e para me guardar contra êles, exigi que fôsse usada a minha própria máquina e caixas de chapas compradas em casas de confiança, não permitindo que tais chapas saissem de minhas mãos enquanto não fôssem reveladas, caso não resol­vesse o contrário. Mas, assim como eu os tinha em suspeita, êles suspeitavam de mim. De modo que todos os atos que eu prati­casse deviam sê-lo em presença de duas testemunhas, isto é, que eu devia marcar o tempo na minha própria máquina, obter, por assim dizer, uma duplicata com o mesmo foco — por outras pala­vras, usar uma binocular estereoscó pica e ditar tôdas as condi­ções da operação.”

Depois. de entrar em detalhes quanto ao processo adotado, registra o aparecimento de figuras extras nas chapas e continua:

“Algunws estavam em foco, outras não; umas eram iluminadas pela direita, enquanto o assistente recebia a luz pela esquerda... algumas ocupavam a maior parte da chapa, quase que cobrindo o assistente material; outras eram como retratos em vinhetas hor­rorosas, ou em ovais como que cortados com um abridor de latas e pregadas por detrás do assistente. Mas aqui é que bate o ponto: nenhuma só dessas figuras que apareciam tão forte­mente nos negativos era de qualquer modo visível para mim du­rante o tempo de exposição da máquina e eu declaro peremptoriamente que ninguém manipulou uma chapa antes que ela fosse posta no caixilho ou antes que fôsse revelada. Do ponto de vista fotográfico eram de mau gôsto. Mas como apareceram?”

Outros assistentes bem conhecidos descreveram resultados, no­táveis obtidos com Duguid (11).

11. James Coates, “Photographing the Invisible” (1921) and An­drew Glendinning. “The Veil Lifted” (1894).

Mr. Stainton Moses, na conclusão de seu valioso trabalho sobre a Fotografia de Espíritos (12),

12. Human Nature, Volumes 7º e 9º, 1874 e 1875.

discute a teoria de que as formas extras fotografadas são moldadas de ectoplasma (êle fala de uma “substância fluídica”) pelos operadores invisíveis e faz importantes comparações entre os resultados obtidos por diferen­tes médiuns fotógrafos.

As “valiosas e conclusivas experiências” de Mr. John Beattie, segundo a expressão do Doutor Alfred Russel Wallace, só rápidamente serão tratadas. Mr. Beattie, de Clifton, Bristol, fotógrafo aposentado de vinte anos de atividade, teve dúvidas sôbre a auten­ticidade de muitas fotografias de Espíritos que lhe foram mos­tradas, pelo que resolveu êle próprio examinar o assunto. Sem nenhum médium profissional, mas em presença de um amigo ín­timo, que era um sensitivo de transe, êle e o seu amigo Doutor G. S. Thomson, de Edimburgo, realizaram uma série de experiências em 1872 e obtiveram, inicialmente, manchas nas chapas e, depois, com­pletas figuras extras. Verificaram que êsses extras e as manchas na chapa apareciam muito antes que o assistente material, durante a revelação — peculiaridade frequentemente notada por outros experimentadores. A honestidade de Mr. Beattie é absolutamente endossada pelo redator do British Journal of Photography. Mr. Stainton Moses (13)

13. Human Nature, Volume 8º (1874), página 300 e seguintes.

e outros dão detalhes das experiências acima referidas.

Em 1908 o Daily Mau, de Londres, nomeou uma comissão para fazer “um inquérito sôbre a autenticidade ou não das cha­madas fotografias de Espíritos”, que não chegou a qualquer resul­tado. Era composta de três não espíritas — R. Child Bayley, F. J. Mortimer e E. Sanger-Shepsherd e três defensores da foto­grafia espírita — A. P. Sinnett, E. R. Serocold Skeels e Robert King.

No relatório dêstes três últimos contavam que apenas podem relatar que a comissão falhou na obtenção de provas de que é possível a fotografia espírita, não devido á falta de provas abundantes no particular, mas devido à atitude infeliz e nada prática tomada pelos outros membros da comissão, que não possuíam qualquer experiência do assunto”.

Detalhes sôbre a Comissão podem ser encontrados em Light (14).

14. 1908, página 526 e 1909, páginas 290, 307, 329.

Nos últimos anos a história das fotografias de Espíritos concentrou-se muito em tôrno do que é conhecido por Crewe Cir­de, agora constituído por Mr. William Ilope e Mrs. Buxton, ambos de Crewe. O grupo se constituiu mais ou menos em 1905, mas só atraiu a atenção em 1908. Descrevendo suas primeiras experiências, Mr. Hope diz que, quando trabalhava numa fábrica perto de Manchester, num sábado à tarde fêz uma fotografia de um operário, numa pôse junto a um muro de tijolos. Quando a chapa foi revelada via-se, além do retrato de seu amigo, a forma de uma mulher ao seu lado, vendo-se o muro por transparência. O homem perguntou a Hope como tinha êle pôsto ali o outro re­trato, no qual reconhecia uma irmã falecida havia alguns anos. Diz Mr. Hope:

“Então eu nada sabia a respeito de Espiritismo. Levamos a fotografia aos trabalhadores na segunda-feira, e um deles, espírita, disse que era o que se chamava uma fotografia de Espírito. Su­geriu que no sábado seguinte, no mesmo lugar e com a mesma máquina, tentássemos novamente. Concordamos. E não só a mesma senhora apareceu na chapa, mas uma criancinha com ela. Achei isto muito estranho, fiquei interessado e continuei as experiências.

Durante muito tempo Hope destruia tôdas as chapas de Espíritos, até que o Arquidiácono Colley travou conhecimento com êle e o aconselhou a conservá-las.

O arquidiácono Colley fêz a primeira sessão com o Crewe Circle em 16 de março de 1908. Trouxe a sua própria máquina — uma Lancaster de um quarto de chapa, que Mr. Hope ainda usa — seus caixilhos e suas chapas marcadas a diamante e revelou as chapas com. seus próprios produtos químicos. A única coisa que Mr. Hope fêz foi apertar o botão para a exposição. Numa das chapas apareceram dois Espíritos.

Desde êsse dia Mr. Hope e Mrs. Buxton fizeram milhares de fotografias de Espíritos sob todos os testes imagináveis e se orgulham de poderem dizer que jamais ganharam um tostão por seus trabalhos; apenas cobravam o material usado e o seu tempo.

Mr. M. J. Vearncombe, fotógrafo profissional em Bridge­water, Somerset, teve a mesma perturbadora experiência de Wyllie, Boursnell e outros, ao descobrir inúmeras manchas luminosas nas suas chapas e, como aquêles, chegando a fazer fotografias de Espíritos. Em 1920 Mr. Fred Barlow, de Birmingham, conhe­cido investigador, obteve com êsse médium rostos extras e mensagens escritas, em condições de testes, em chapas que não ha­viam sido expostas na máquina (15).

15. Ver Light, 1929, página 190.

Desde essa data Mr. Vearn. combe obteve muitos resultados probantes.

A mediunidade de Mrs. Deane é de data recente — sua primeira fotografia de Espírito data de junho de 1920. Foram obti­dos muitos extras reconhecíveis em condições de testes e seu trabalho por vêzes é igual aos melhores dos seus predecessores no gênero. Recentemente conseguiu ela dois magníficos resul­tados, O Doutor Allerton Cushman, conhecido cientista americano, Diretor dos National Laboratories, em Washington, fêz uma visita inesperada ao British College of Psychic Science, em Holland Park, em julho de 1921 e obteve através de Mrs. Deane, uma bela fotografia extra, reconhecida como de sua filha morta. Detalhes completos dessa sessão se acham com as fotografias, no Jornal da American Society for Psychical Research (16).

16. March 1922, páginas 132 a 147.

O outro grande resultado foi a 11 de novembro de 1922, por ocasião do Grande Silêncio, no Dia do Armistício, em Whitehall, quando uma fotografia foi tomada da multidão imensa em tôrno no Cenotáfio e na qual aparecem, visíveis, rostos de Espíritos, alguns dos quais foram reconhecidos. Isto se repetiu durante três anos.

As pesquisas modernas provaram que êsses resultados psí­quicos não são obtidos, pelo menos em alguns casos, através das lentes da máquina. Em muitas ocasiões, em condições de testes, êsses retratos supra-normais têm sido conseguidos em caixas fe­chadas de placas fotográficas, mantidas nas mãos de um ou mais assistentes. Também quando tentada a experiência com mais de uma máquina, quando o extra aparece numa máquina, não apa­rece na outra. A teoria sustentada é de que a imagem é precipi­tada na placa fotográfica ou que uma tela psíquica é aplicada à chapa.

Talvez possa o autor dizer algumas palavras de sua experiência pessoal, que foi principalmente com o Crewe Circle e com Mrs. Deane. Neste último caso sempre houve resultados, mas em nenhum os extras foram reconhecidos. O autor está perfeitamente certo da fôrça psíquica de Mrs. Deane, que foi magnifi­camente demonstrada durante uma longa série de experiências feitas por Mr. Warrick, sob tôdas as possíveis condições de teste e que são minuciosamente descritas em Psychic Science (17).

17. Julho, 1925.

En­tretanto a sua experiência pessoal nunca foi evidente e, atendo-se a ela, não se pode falar com segurança. Ele empregou as próprias chapas de Mrs. Deane e tem uma forte impressão de que os rostos podem ter sido precipitados nas chapas nos dias de preparação, quando ela as levava em pacotes. Ela tem a impressão de que facilitava assim os resultados obtidos; mas talvez se enganasse, pois o caso Cushman foi uma surprêsa. Também há a consignar que uma vez ela foi vítima de um truque no Psychic College: seu pacote de chapas foi substituido por outro. Não obstante os extras foram obtidos. Bem que podia ser avisada, pois se abandonasse o método que lhe dá resultados, embora legítimos, seriam êles passíveis de ataque (18).

18. Desde que escreveu esta observação, o autor tem experimen­tado a médium com as suas próprias chapas, fazendo êle próprio a revelação. Obteve seis resultados psíquicos em oito experiências.

Já o caso é diferente com Mr. Hope. Nas várias oportuni­dades em que o autor experimentou com êle, fê-lo com as suas próprias chapas, prêviamente marcadas na câmara escura e mane­jadas e reveladas por êle próprio. Em quase todos os casos um extra foi conseguido; e êsse extra — conquanto não tenha sido claramente reconhecido — certamente foi uma produção anormal. Mr. Hope suportou os costumeiros ataques da ignorância e da malícia, a que se acham expostos todos os médiuns, mas sempre dêles saiu com a honra inatingida.

Uma referência deve ser feita aos notáveis resultados de Mr. Staveley Bulford, talentoso estudante de psiquismo, que pro­duziu os melhores e mais autênticos retratos psíquicos.

Ninguém poderá olhar o seu livro de recortes e notar o gradual desenvolvimento de seus dons, desde as simples manchas de luz até os rostos perfeitos, sem ficar convencido da realidade do processo.

O assunto é ainda obscuro e tôda a experiência pessoal do autor é no sentido de defender o ponto de vista de que num certo número de casos nada de externo foi realizado: o efeito é produzido por uma espécie de raio, que carrega a figura, pene­tra os sólidos, como a parede do caixilho, e a imprime na placa. A experiência já citada, na qual duas máquinas foram usadas simultâneamente, com o médium entre elas, parece conclusiva, de vez que mostra um resultado numa chapa e não na outra. O autor obteve resultados em chapas que jamais saíram do cai­xilho e tão bons quanto os das que haviam sido expostas à luz. É provável que se Hope jamais tivesse tirado a tampa da obje­tiva, por vêzes os seus resultados teriam sido os mesmos.

Seja qual fôr a eventual explicação, a única hipótese que atualmente abarca os fatos é a de uma sábia e invisível Inteli­gência presidindo à operação e trabalhando a sua maneira, e que mostra diferentes resultados em grupos diferentes. Tão padronizados são os métodos de cada um que o autor é capaz de dizer, à primeira vista, qual o fotógrafo que fêz a chapa que lhe apre­sentarem. Supondo que tal Inteligência tenha os poderes que lhe são atribuidos, podemos então ver imediatamente por que cada lei normal de fotografia é violada, por que sombras e luzes não mais concordam e, por fim, por que uma série de armadilhas são preparadas para a generalidade dos críticos convencionais. Tam­bém podemos entender por que, desde que a figura seja simplesmente constituída pela Inteligência e posta na chapa, encontramos resultados que são reproduções de velhos quadros e de fotografias, e porque também é possível que apareça o rosto de uma pessoa viva na chapa do mesmo modo que o de um Espírito desencarnado. Num exemplo, citado pelo Doutor Henslow, a reprodução de um raro escrito grego do Museu Britânico apareceu numa das chapas de Hope, com uma ligeira alteração no grego, o que provava que não era uma cópia (19).

19. “Proofs of the Truths of Spíritualism”, página 218. Henslaw.

Aqui, ao que parece, a Inteligência tinha notado a inscrição, tinha-a gravado na chapa, mas tinha feito um ligeiro lapso de memória na transcrição. Esta explicação tem o desconcertante corolário que o mero fato de têrmos o retrato psíquico de um amigo morto absolutamente não constitui prova de que o mesmo se ache presente. Sómente quando o fato éconfirmado independentemente numa sessão, antes ou depois, é que temos algo da natureza de prova.

Em suas experiências com Hope, o autor teve a impressão de lobrigar o processo pelo qual as fotografias objetivas são construídas — tanto que pôde êle arranjar uma série de dísticos que mostraram os vários estágios. O primeiro dêsses dísticos, —tomado com Mr. William Jeffrey, de Glasgow, como assistente, — mostra uma espécie de casulo de veios finos, um material como fita, que poderemos chamar de ectoplasma, desde que os vários plasmas ainda não foram subdivididos. É tão tênue quanto uma bôlha de sabão e nada contém: isto poderia parecer o envoltório dentro do qual o processo é transportado, estando aí reunidas as fôrças, como se na cabine de um médium. No dístico seguinte vê-se que a face se formou dentro do casulo e que o casulo se abre debaixo do centro. São vistos vários estágios dessa abertura. Finalmente, a face aparece por fora, com o casulo festonado, para trás, e formando um arco sõbre o rosto e um véu pendurado de ambos os lados. Êsse véu é muito carac­terístico nas fotografias de Hope e quando falta em uma podemos sustentar que não houve presença objetiva e que é um puro efeito psicográfico. O véu ou mantilha, de várias formas, podem ser encontrados numa longa série de fotografias anteriores, e e especialmente observável numa tomada de um amador na Costa Ocidental Africana, onde o Espírito escuro tem densas dobras sôbre a cabeça e no chão. Quando semelhantes resultados são alcan­çados em Crewe, ou em Lagos, é simples questão de bom senso convir que se trata de uma lei comum.

Apontando a prova do casulo psíquico, espera o autor haver dado uma pequena contribuição para uma melhor compreensão do mecanismo da fotografia psíquica. É um verdadeiro departamento da ciência psíquica, como verá qualquer investigador sério. Contudo não se pode negar que tenha sido transformado em objeto para patifarias, como não podemos garantir que, por serem genuínos alguns resultados conseguidos por médiuns, tenhamos que aceitar de olhos fechados tudo quanto nos mostrem, venha de onde vier.

20

Vozes Mediúnicas e Moldagens

É IMPOSSÍVEL dedicar capítulos separados a cada forma de fôrça psíquica, pois o resultado exorbitaria dos limites desta obra. Mas os fenômenos de produção de vozes bem como os de moldagens são tão claros e evidentes que não será supérfluo um relato mais desenvolvido.

Milhares de pessoas tornam-se eco daquelas palavras de Job: eu ouvi uma voz”, significando uma voz que não vinha de alguém que vivesse na Terra. E o disse com segura convicção, depois de uma série de testes. A narrativa bíblica é farta em exemplos dêsse fenômeno (1)

1. Veja-se “The Voices”, de Usborne Moore (1913), página 433.

e as constatações psíquicas dos tempos modernos mostram que aqui, como em outras manifesta­ções supra-normais, o que aconteceu na aurora do mundo acontece ainda.

Os exemplos históricos de mensagens faladas são os de Só­crates e de Joana DArc, embora não seja claro que em ambos os casos as vozes tivessem sido audíveis para os outros.

É à luz do inteiro conhecimento que chegamos a concluir, com alguma probabilidade, que as vozes ouvidas eram do mesmo caráter supranormal daquelas com que hoje estamos familiarizados.

Mr. F. W. H. Myers (2)

2. SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH Jornal, Volume 3º (1887) página 131.

faz-nos pensar que o Demônio de Sócrates era “um mais profundo extrato do próprio sábio”, a comunicar-se com “o extrato superficial e consciente”. E do mesmo modo explicaria as vozes que vieram a Joana. Falando assim, entretanto, êle nada explica.

Que devemos pensar da história de que as estátuas antigas falavam? O ilustre autor anónimo, — que se supõe tenha sido o Doutor Leornard Marsh, da Universidade de Vermont, — daquele curioso livro “Apocatastasis”, ou “Progresso Regressivo”, cita as seguintes palavras de Nonnus:

“No que respeita a essa estátua (de Apolo), onde se achava, e como ela falava, eu nada disse. Deve, entretanto, entender-se que havia uma estátua em Delfos, que emitia uma voz inarticu­lada. Porque deveis saber que os Espíritos falam, com vozes inarticuladas, de vez que não possuem órgãos pelos quais possam falar articuladamente”.

Assim o comenta o Doutor Marsh:

“Parece que o autor não estava bem informado relativamente ao poder de falar dos Espíritos, desde que tôda a história antiga declara que muitas vêzes a sua voz era ouvida no ar, falando articuladamente e repetindo as mesmas palavras em diversos luga­res; e essa voz era chamada, e universalmente conhecida, pelo nome de “Vox Divina”.

E prossegue dizendo que com a mencionada estátua o Espí­rito evidentemente estaria experimentando com o grosseiro mate­rial de que era feita — provavelmente de pedra — a ver se poderia produzir sons articulados, mas não o conseguia, pois que a estátua “não possuia laringe ou outros órgãos da voz, como os modernos médiuns”. Em seu livro o Doutor Marsh procura demons­trar que então (1854) os fenômenos espíritas eram crus e ima­turos, em comparação com as manifestações espíritas da antigüi­dade. Os antigos, diz êle, falavam disso como de uma ciência, e declaravam que os, conhecimentos obtidos por seu intermédio eram exatos e controláveis “a despeito de todos os demônios frau­dulentos”. Garantindo que o sacerdote era um médium de vozes, facilmente se explicam os oráculos falantes.

É digno de nota que a Voz, que foi uma das primeiras formas de mediunidade associada ao moderno Espiritismo, é ainda preeminente, ao passo que outros aspectos da mediunidade inicial se tenham tornado raros.

Mas como há um bom número de investigadores competentes que consideram o fenômeno da voz entre as, mais convincentes das manifestações psíquicas, lancemos um olhar sôbre o que há a respeito.

Jonathan Koons, fazendeiro em Ohio, parece ter sido o primeiro dos modernos médiuns com quem isto se verificou. Na choupana já mencionada, chamada a sua “Casa do Espírito” teve êle em 1852, e durante muitos anos, uma porção de fenômenos surpreendentes, entre os quais havia vozes de Espíritos, que falavam através de um pequeno megafone ou trombeta, Mr. Charles Partridge, conhecido homem público, que foi um dos inves­tigadores dos primeiros dias, assim descreve como ouviu o Espí­rito conhecido como John King, falando numa sessão em casa de Koon, em 1855:

“Ao terminar a sessão, como de costume, o Espírito de John King tomou da trombeta e fêz uma pequena palestra através dela — falando clara e distintamente — mostrando o benefício que se colheria no tempo e na eternidade, da conversa com os Espíritos, e nos exortando a sermos discretos e firmes no falar, aplicados em nossas investigações, fiéis às responsabilidades que tais pri­vilégios impunham, caridosos para com os que estão no êrro e na ignorância, temperando o nosso zêlo com a sabedoria, etc.”.

O Professor Mapes, conhecido químico americano, disse que em presença dos Davenport havia conversado durante meia hora com John King, cuja voz era alta e distinta. Mr. Robert Cooper, um dos biógrafos dos Irmãos Davenport, ouviu muitas vêzes a voz de John King à luz do dia, e à luz da lua, quando pas­seando pela rua com os Davenport.

Atualmente chegamos a formar uma idéia de como tais vozes se produzem nas sessões.

Aliás êsse conhecimento foi corroborado pelas, comunicações recebidas dos próprios Espíritos.

Parece que o ectoplasma procedente do médium, mas tam­bém, em menor proporção, dos assistentes, é usado pelos Espíritos operadores na moldagem de uma espécie de laringe humana. E a utilizam para a produção da voz.

Na explicação dada aos Koons pelos Espíritos, êstes, falavam do emprêgo combinado de elementos do corpo espiritual, e o que corresponde ao nosso atual ectoplasma, “uma aura física que emana do médium”. Compare-se isto com a explicação dada através de Mis. Bassett, a conhecida inglêsa médium de vozes, aos setenta anos: “Dizem êles que tomam as emanações do mé­dium e de outros membros da assistência, com o que fazem um aparelho para falar e que o empregam” (3).

3. The Spiritual Magazine, 1872, página 45.

Mrs. Mary Marshall, falecida em 1875, e que foi a primeira dos médiuns públicos inglêses, era canal para vozes vindas de John King e outros. Em 1809, em Londres, Mr. W. Harrisson, redator de The Spiritualist, fêz exaustivos ensaios com ela. Como os espí­ritas eram tidos como gente facilmente impressionável, é interes­sante notar a sua cuidadosa investigação. Falando de Mrs. Mary Marshall, (4)

4. The Spiritualíst, Volume 1º, página 38.

diz êle:

“Mesas e cadeiras moviam-se à luz do dia e por vêzes se erguiam do chão, enquanto que nas sessões ás escuras ouviam-se vozes e viam-se manifestações luminosas. Tôdas estas coisas pareciam vir dos Espíritos. Então resolvi ser um visitante cons­tante das sessões e permanecer no trabalho até verificar se as asserções eram verdadeiras ou descobrir a impostura com bastante precisão e segurança para o denunciar em presença de testemu­nhas e poder publicar os fatos com desenhos completos dos apa­relhos usados.

A voz de John King é inspirada por uma inteligência, ao que parece, inteiramente diferente da maneira da de Mr. e Mrs. Marshall. Entretanto, admiti que Mr. Marshall produziu a voz e, assistindo a algumas sessões, verifiquei que era comum que Mr. Marshall e John King falassem ao mesmo tempo. Assim, fui obrigado a abandonar a minha teoria.

Então admiti que era Mrs. Marshall quem falava, até que uma noite fiquei junto a ela; ela estava à minha direita e eu lhe segurava a mão e o braço e John King veio e falou ao meu ouvido esquerdo, quando Mrs. Marshall estava absolutamente imóvel. Assim se foi minha nova teoria.

Diante disso admiti que um parceiro entre os visitantes do grupo fazia a voz de John King. De modo que fiz uma sessão apenas com Mr. Marshall e sua senhora. John compareceu e falou durante uma hora.

Por fim estabeleci que um parceiro escondido produzia a voz. Então fiz duas sessões nas quais Mrs. Marshall se achava entre estranhos, numa casa estranha, e novamente John King estava mais vivo do que nunca. Finalmente na noite de quinta-feira, 30 de dezembro de 1869, John King veio e falou a onze pessoas, no grupo de Mrs. C. Berry, na ausência de Mr. Marshall e de sua senhora, sendo médium Mrs. Perzin”.

Enquanto Mr. llarrison se satisfez, dêsse modo, de que nenhu­ma criatura humana presente produzia as vozes, não mencionou — o que era o caso — que as vozes freqüentemente davam pro­vas de identidade tais que nem o médium nem um comparsa poderiam ter dado.

O senhor Damiani, conhecido investigador, em sua prova pe­rante a Sociedade Dialética de Londres declarou (5)

5. Report of the London Dialectical Society (1871), página 201.

que as vozes lhe tinham falado em presença de médiuns não estipendiados, de­pois haviam conversado com êle em sessões particulares com Mrs. Marshall e aí “haviam demonstrado as mesmas peculiaridades quanto ao tom, a expressão, o andamento, o volume, a pronúncia, que nas vêzes anteriores”. Essas vozes lhe falavam sôbre assun­tos de natureza tão particular que ninguém, além dêle, podia ter conhecimento. Por vêzes também predisseram acontecimentos que se verificaram em tempo certo.

É natural que aquêLes que tiveram contacto pela primeira vez com o fenômeno das vozes deveriam suspeitar de ventrilo­quia, como uma possível explicação. D. D. Home, com quem essas vozes ocorriam tantas vêzes, tinha cuidado ao encontrar essa obje­ção. Descrevendo a sessão quando Home o visitou em Cupar, em Fife, em 1870, assim escreve o General Boldero (6).

6. SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH Jornal, Volume 4º, página 127.

“Então as vozes foram ouvidas, falando simultaneamente na sala — duas pessoas diversas, a julgar pela entonação. Não nos foi possível guardar as palavras pro feridas, desde que Home per­sistia em falar conosco todo o tempo. Reclamamos contra a sua conversa, mas êle replicou: “Falo de propósito, para que possa convencer-se de que as vozes não são devidas a qualquer ventri­loquia de minha parte, desde que isto é impossível quando alguém está falando com a sua voz natural”. A voz de Home era muito diferente das que se ouviam no ar.

O autor pode corroborar isto com a sua experiência pessoal, pois muitas vêzes ouviu vozes falando ao mesmo tempo. Há exemplos no capítulo sõbre os grandes médiuns modernos.

O almirante Usborne Moore dá o testemunho de ter ouvido simultâneamente, com Mrs. Wriedt, de Detroit, as vozes de três ou quatro Espíritos. Em seu livro “lhe Voices”, de 1913, cita o testemunho da conhecida escritora Miss Edith K. Harper, antes secretária particular de Mr. W. T. Stead. Escreve ela (7):

7. “The Voices”, páginas 324 e 325.

“Depois de examinar um relato de cêrca de duzentas sessões com Mrs. Etta Wriedt, durante as suas três visitas à Inglaterra, cujas notas de sessões gerais bastariam para encher um grosso volume se fôssem escritas in extenso, procurarei relatar, resumi­damente, algumas das mais notáveis experiências que eu e minha mãe tivemos o privilégio de assistir pela mediunidade de Mrs. Wriedt. Examinando as minhas notas de sua primeira visita em 1911, sobressaem os seguintes detalhes entre os principais aspectos das sessões:

1. Jamais Mrs. Wriedt caia em transe; conversava livre­mente com os assistentes; nós a ouvíamos falar também, até mes­mo argumentando com Espíritos, com, cujas opiniões não concor­dava. Lembro-me de uma vez em que Mr. Stend sacudia-se em gargalhadas, ou ouvir a reprimenda de Mrs. Wriedt ao editor do Progressive Thinker por sua atitude contra os médiuns e da evidente confusão de Mr. Francis que, depois de uma tentativa de explicação, derrubou a trombeta e retirou-se aborrecido.

2. Duas, três e até quatro vozes de Espíritos falando simul­taneamente a diversos assistentes.

3. Mensagens dadas em língua estranha — francês, alemão, italiano, espanhol, norueguês, holandês, árabe e outras, com as quais a médium não estava familiarizada. Uma senhora norue­guesa, muito conhecida no mundo das letras e da política, foi abor­dada em norueguês, por uma voz masculina, dizendo-se seu irmão e dando o nome de “P.” Ela conversou com êle e deu mostras de satisfação ante as provas dadas de sua identidade... De outra vez uma voz falou em espanhol fluente, dirigindo-se determina­damente a uma senhora no grupo, que ninguém sabia tivesse ligações com essa língua. Então a senhora estabeleceu uma conversa fluente com o Espírito, em espanhol, com evidente satisfação para êste”.

Mrs. Mary Hollis, depois Mrs. Hollis-Billings, era uma notável médium. Esta americana visitou a Inglaterra em 1874 e também em 1880, quando foi apresentada à sociedade de Londres por destacados Espíritas. Um belo relato de sua variada mediunidade é feito pelo Doutor N. B. Wolfe em seu livro “Startling Facts in Modern Spiritualism” (8).

8. “Fatos admiráveis no Espiritismo Moderno”. - N. do T.

Mrs. Hollis era uma senhora fina e milhares de pessoas tiveram provas e consolações através de seus dons. Seus dois guias Jomes Nolan e um índio chamado Ski falavam livremente em voz direta. Numa de suas sessões, reali­zada em casa de Mrs. Makdougall Gregory, em Grosvenor Square, a 21 de janeiro de 1880, um clérigo da Igreja da Inglaterra (9)

9. Spiritual Notes, Volume 1º, página 262.

“sustentava o fio de uma conversa com um Espírito, a qual havia sido interrompida há sete anos e se confessou muito satisfeito com a autenticidade da voz, que era muito peculiar e perfeita­mente audível para todos os assistentes, de ambos os lados do clé­rigo a quem o Espírito se dirigia”.

Mr. Edward C. Randall conta de uma outra boa médium ame­ricana para vozes diretas, Mrs. Emily S. French, em seu livro “The Dead Have Never Died (10).

10. “Os Mortos Nunca Morreram”. — N. do T.

Ela faleceu em sua casa em Rochester, New York, a 24 de junho de 1912. Mr. Randall investigou as suas faculdades durante vinte anos e se convenceu de que a sua mediunidade era de um altíssimo padrão.

Mrs. Mercia M. Swain, que faleceu em 1900, era uma médium de voz direta cuja instrumentalidade foi aproveitada por um grupo da Califórnia, o Rescue Circle, para ajudar os Espíritos atrasados. Um relato dessas extraordinárias sessões, que eram diri­gidas por Mr. Leander Ficher, de Buffalo, New York, e que se estenderam de 1875 a 1900, se acha no livro do Almirante Usborne Moore “Glimpses of the Next State” (11).

11. “Relances sôbre o novo estado”. — N. do T.

Mrs. Everitt, senhora finíssima e médium não profissional, produziu vozes diretas na Inglaterra em 1867 e por muitos anos depois.

Muitos dos grandes médiuns de efeitos físicos, especialmente os de materializações, produziram os fenômenos de vozes diretas. Estas ocorriam, por exemplo, com Eglinton, Spriggs, Husk, Du­guid, Herne, Mrs. Gupsy e Florence Cook.

Mrs. Elizabeth Blake, de Ohio, que faleceu em 1920, era um dos mais maravilhosos médiuns de voz direta de que temos notícia e, talvez, o de maior valor probante, porque em sua presença as vozes se produziam com regularidade em plena luz do dia. Era pobre, iletrada, vivendo na pequena aldeia de Bradrick, a margem do rio Ohio, do outro lado da cidade de Húntingdon, em West Virginia. Era médium desde criança. Era muito religiosa e pertencia à Igreja Metodista, da qual, como alguns outros, entretanto, foi expulsa devido à sua mediunidade.

Pouco se tem escrito a seu respeito: um único relato minu­cioso é a valiosa monografia do Professor Hyslop (12).

12. Proceedings, American. SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH, Volume 7º (1913) páginas 570 a 578.

Dizem que foi sucessivamente submetida a testes por “cientistas, médicos e outros” e que o fazia de boa vontade. Entretanto, como êsses homens não foram capazes de a pilhar em fraude, não se preocupa­ram em oferecer ao mundo os resultados obtidos. Hysiop teve a sua atenção atraida para ela por ouvir dizer que um muito conhecido mágico americano, com uma experiência de muitos anos, se havia convencido da autenticidade de seus fenômenos e em 1906 foi a Ohio examinar a sua mediunidade.

O volumoso relatório de Hyslop descreve legítimas comunica­ções que ocorreram.

Ele faz essa rara confissão de ignorância do processo do ecto­plasma na produção dos fenômenos das vozes:

“A altura dos sons, nalguns casos, exclui a suposição de que as vozes sejam conduzidas das cordas vocais à trombeta. Ouvi sons a seis metros de distância e os poderia ter ouvido a doze ou quinze metros — e os lábios de Mrs. Blake não se moviam.

Resta estabelecer uma hipótese possível para explicar êste aspecto dos fenômenos.

Mesmo que chamemos a isto “Espíritos”, a explicação não satisfaz ao homem comum de ciência. Ele quer saber do processo mecânico que o envolve, assim como nós explicamos o falar comum.

Talvez sejam os Espíritos a causa primeira no caso, mas há degraus no processo que vão desde a iniciativa até o último resul­tado. É isto que cria a perplexidade muito mais que a supo­sição de que, de certo modo, estejam Espíritos por detrás de tudo isto... e o homem de ciência não pode ver como os Espíritos podem instituir um fato mecânico sem o emprêgo de aparelhos mecânicos.

Também ninguém o pode. Mas neste caso a explicação tem sido dada uma ou outra vez pelo Outro Lado. O desejo do Professor Hyslop de conhecer o elo que existe entre os sons e sua fonte seria menos surpreendente se não fôsse um fato que os próprios Espíritos reiteradamente responderam à pergunta que êle faz. Através de muitos médiuns deram êles explicações mais ou menos idênticas.

O Doutor L. V. Guthrie, superintendente do Asilo de West Virginia, em Huntingdon, conselheiro médico de Mrs. Blake, estava convicto de seus dons. Escreve êle (13):

13. Opcit. página 581.

“Fiz sessões com ela em meu próprio escritório e no alpendre, ao ar livre e, numa ocasião, dentro de uma carruagem numa es­arada. Constantemente se me oferecia para fazer sessões e usar uma manga de candeeiro em vez de uma pequena corneta e muitas vêzes a vi produzir vozes tendo a mão numa das extremidades da trombeta.”

O Doutor Guthrie relata os dois casos seguintes com Mrs. Blake, nos quais a informação dada era desconhecida dos assistentes e não podia ter sido também da médium.

“Uma de minhas empregadas, uma senhora môça, cujo irmão tinha entrado para o exército e seguido para as Filipinas, estava ansiosa para receber notícias suas e lhe havia escrito cartas sôbre cartas, dirigidas aos cuidados da companhia nas Filipinas. Mas não obtinha resposta. Ela visitou Mrs. Blake e soube pelo “Espírito” de sua mãe, morta há vários anos, que deveria mandar uma carta ao irmão para C... a fim de obter resposta. Assim fêz: recebeu resposta em dois ou três dias, pois que êle havia regressado das Filipinas, sem que ninguém da família o sou­besse.”

O caso seguinte é ainda mais interessante.

“Uma parenta minha, de importante família nesta região do Estado, cujo avô tinha sido encontrado morto ao pé de uma grande ponte, com o crânio esmagado, visitou Mrs. Blake há poucos anos e não estava pensando no avô na ocasião. Ficou muito surpreendida porque o Espírito do avô lhe disse que não havia caído da ponte quando embriagado, como ao tempo haviam pensa­do. Tinha sido assassinado por dois homens que o haviam encontrado num carrinho e tinham conseguido pegá-lo, despojá-lo de seus valores e atirá-lo de cima da ponte. O Espírito descre­veu minuciosamente os dois homens que o haviam assassinado e deu tais informações que foi possível prendê-los e obter a confissão de um ou de ambos”.

Numerosos assistentes notaram que enquanto Mrs. Blake fala­va ouviam-se as vozes dos Espíritos, e, ainda, que os mesmos Es­píritos apresentavam a mesma personalidade, bem como a mesma inflexão de voz durante anos. Hyslop dá detalhes de um caso com essa médium, na qual as vozes comunicantes deram a solução correta para abrir um cadeado de segrêdo, que era desconhecida do assistente.

Entre os modernos médiuns de voz direta da Inglaterra estão Mm. Roberts1 Johnson, Mrs. Blanche Cooper, John C. Sloan, Wil­liam Phoenix, as Misses Dunsmore, Evan Powell, médium Welsh, e Mr. Potter.

Mr. H. Dennis Bradley fêz um minucioso relato da mediuni­dade de voz direta de George Valiantine, o conhecido médium ame­ricano. Mr. Bradley conseguiu vozes no seu próprio Grupo Doméstico, sem médiuns profissionais. É impossível exagerar os serviços que o trabalho dedicado e de auto-sacrifício de Mr. Brad­ley prestou à ciência psíquica. Se todo o nosso conhecimento dependesse das provas dadas nesses dois livros - “Towards the Stars” e “The Wisdom of the Gods” (14)

14. “Rumo às Estrelas” e “A Sabedoria dos Deuses”. —. N. do T.

isso seria bastante para qualquer homem razoável.

* * *

Algumas páginas devem ser dedicadas a um resumo da prova objetiva e muito convincente das moldagens tomadas de corpos de ectoplasma — por outras palavras, de formas materializadas. Quem primeiro explorou essa linha de pesquisa parece ter sido William Denton, autor de “NaturÉs Secrets” (15),

15. Segredos da Natureza. — N. do T.

um livro de psicometria, publicado em 1863. Em 1875, trabalhando em Boston, U.S.A., com a médium Mary M. Hardy, empregou êle métodos que se assemelham aos usados por Charles Richet e Gustave Geley em suas mais recentes experiências em Paris. Então Denton fêz uma demonstração pública no Paine Haul, quando a moldagem do rosto de um Espírito, ao que se diz, foi fundida em parafina. Outros médiuns com os, quais êstes moldes foram obtidos foram Mrs. Firman, Doutor Monck, Miss Fairlamb (posteriormente Mrs. Mellon) e William Eglinton. O fato de terem sido tais resultados corroborados posteriormente na: sessões de Paris, é um forte argumento em favor de sua validade. Mr. William Oxley, de Manchester, descreve como a 5 de fevereiro de 1876 foi obtida uma bela moldagem de uma mão de senhora e como em seguida um molde da mão de Mrs. Firman demonstrou uma grande diferença. Nessa ocasião Mrs. Firmam estava amarrada pela cabeça, o peito, os braços e as mãos. Isto parecia suficiente, no que respeita à fraude por parte da médium, ao mesmo tempo que se verifica que a cêra da moldagem era fervente, o que mostra que não podia ter sido trazida à sala das sessões. É difícil imaginar que outras precauções poderiam ter sido tomadas para garantir os resultados. Numa outra ocasião foram obtidas as moldagens de um pé e de uma mão, nas quais a abertura do pulso e do tornozelo eram tão pequenas que os membros não teriam passagem. Parece que não há outra explicação a não ser que pé e mão se houvessem desmaterializado.

Os resultados do Doutor Monck também parecem suportar a crítica. Em 1878 Oxley fêz experiências com êle em Manchester e teve o mesmo sucesso que com Mrs. Firmam. Nessa ocasião diversos moldes foram tirados de duas individualidades diferen­tes. Diz Oxley dessas experiências: “A importância e o valor dessas moldagens de Espíritos jamais seriam superestimados por­que enquanto a relação do fenômeno espírita com outros de atitude duvidosa ou céptica só é válida no campo da crença, esses moldes de mãos e de pés são fatos patentes e permanentes e agora exi­gem dos homens de ciência, dos artistas, e dos trocistas, uma solução do mistério de sua produção”. Essa exigência permanece. Um famoso mágico, Houdini, e um grande anatomista, Senhor Arthur Keith, tentaram fazer moldes de mãos e os resultados, laboriosamente obtidos, apenas serviriam para acentuar o caráter único daquilo que procuravam copiar.

No caso de Eglinton, foi registrado pelo Doutor Nichols, bió­grafo do Davenport, que indiscutíveis moldes de mãos foram obtidos e que uma senhora presente reconheceu uma peculiaridade — uma leve deformidade — característica da mão de sua filhi­nha, que morrera afogada na África do Sul, com a idade de cinco anos.

Talvez os mais completos e probantes dêsses moldes sejam os obtidos por Epes Sergeant com a médium Mrs. Hardy, já men­cionada em ligação com as experiências de Denton. As conclusões merecem ser citadas por extenso. Diz o escritor:

“Nossas conclusões são as seguintes:

1. O molde de uma mão perfeita, em tamanho natural, foi produzido numa caixa fechada, por uma fôrça desconhecida, exercitando inteligência e atividade manual.

2. As condições da experiência independiam do controle, do caráter e da boa fé da médium não obstante sua mediunidade ficasse plenamente demonstrada pelo resultado.

3. Essas condições eram tão simples e tão severas que excluem completamente toda oportunidade para fraude e tôda possibilidade de ilusão, de modo que as nossas conclusões quanto à experiência são per feitas.

4. O fato, de há muito conhecido dos investigadores, de que mãos materializadas e evanescentes, guiadas por uma inteligên­cia e projetadas de um organismo invisível, podem tornar-se visíveis e tangíveis, recebe uma confirmação dêste duplo teste.

5. A experiência de moldagem, associada com a chamada fotografia espírita, dá provas objetivas da ação de uma fôrça inte­ligente exterior a qualquer organismo visível e oferece uma boa base à investigação científica.

6. A pergunta: “Como teria sido produzida essa moldagem dentro da caixa?” leva a considerações que devem ser de máxima importância para a filosofia do futuro, do mesmo modo que sôbre problemas de psicologia e de fisiologia e abre novos horizontes às fôrças latentes e ao alto destino do homem.”

Sete testemunhas respeitáveis assinam o relatório.

Se o leitor não ficar satisfeito com tão variados exemplos da validade dessas experiências de fotografia e moldagens, deverá ler as conclusões a que chegou o grande investigador Geley, ao fim de suas experiências clássicas com Kluski, a que aludimos de passagem.

O Doutor Geley realizou com Kluski algumas notáveis experiências sôbre a formação de moldagens em cêra, de mãos mate­rializadas. Registrou os resultados (16)

16. Revue Métapsychtque, Junho, 1921.

de uma série de onze sessões bem sucedidas com tal objetivo. Em luz muito fraca a mão direita do médium foi segurada pelo Professor Charles Richet e a esquerda pelo Conde Pctocki. Uma vasilha com cêra, man­tida em ponto de fusão por meio de água fervente, foi colo­cada a sessenta centímetros em frente a Kluski e, para efeito de teste — o que era ignorado pelo médium — a cêra estava im­pregnada de colesterina, a fim de evitar a sua substituição. Diz o Doutor Geley:

“A luz muito fraca não permitia que se assistisse ao fenô­meno; éramos advertidos do momento de mergulhar a mão, pelo ruído no liquido. A operação exigira duas ou três imersões. A mão que estava agindo era mergulhada no vaso, retirada coberta de parafina quente, tocava as mãos dos controladores da expe­riência e então era mergulhada novamente na cêra. Depois da operação a luva de parafina, ainda quente mas solidificada, era colocada de novo junto à mão de um dos controladores”.

Desta maneira nove moldes foram tirados. Sete de mãos, um de pé e outro de um queixo com os lábios. Examinada a cêra de que eram feitos, deu a reação característica da colesterina. O Doutor Geley mostrou vinte e três -fotografias de moldes e de cópias em gêsso que dêles foram feitas. Ë preciso dizer que as moldagens mostram as dobras da pele, as unhas e as veias, as quais de modo algum se parecem com as do médium. Os esfor­ços para obter moldagens semelhantes de mãos de criaturas vivas foram apenas parcialmente realizados, e as diferenças entre uns e outros são marcantes. Escultores e reputados modeladores de­clararam que não conhecem nenhum método de produção de molda­gens semelhantes às obtidas nas sessões com Kluski.

Assim resume Geley os resultados (17).

17. “L’Ectoplasmie”, etc., página 278.

“Enumeraremos agora as provas que temos dado da autenti­cidade das moldagens de membros materializados em nossas expe­riências em Paris e Varsóvia:

Mostramos que, além do contrôle do médium, cujas mãos mantínhamos sempre seguras, tôda fraude era impossível.

1. A teoria da fraude pela luva de borracha é inadmis­sível, porque essa tentativa dá resultados absurdos e grosseiros que, à primeira vista, se nota que são imitações.

2. Não é possível produzir tais luvas de cêra usando um molde rígido pré-fabricado. Uma tentativa neste sentido logo mos­tra a sua impossibilidade.

3. O emprêgo de um molde preparado de uma substancia fusível e solúvel, coberto com uma camada de parafina, durante a sessão e então dissolvido num balde dágua, não é possível, com o processo empregado. Não tínhamos balde dágua.

4. A teoria de que uma mão viva era usada, fôsse do médium ou de um assistente, é inadmissível. Isto não podia ser feito por várias razões, uma das quais é que a luva assim obtida é grossa e sólida, enquanto que as nossas são finas e delicadas e, ainda, que a posição dos dedos em nossas moldagens torna impossível a sua retirada, sem quebrar a luva. Além disso, as luvas foram comparadas com as mãos do médium e dos assis­tentes e não se assemelham. Isto também é mostrado pelas men­surações antropológicas.

Finalmente, Fui a hipótese de terem sido as luvas trazidas pelo médium. Isto não se ajusta ao fato de havermos em segrêdo introduzido um produto químico na cêra fundida, e que o mesmo foi encontrado nas luvas.

O relatório dos especialistas em modelagem neste ponto é categórico e final.

Nada constitui prova para aquêles que se acham tão cheios de preconceitos que não têm mais lugar para o raciocínio. Mas é inconcebível que um homem normalmente dotado pudesse ler tudo quanto fica dito acima e duvidar da possibilidade de fazer moldagens de figuras ectoplásmicas.

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Espiritismo francês, alemão e italiano

O ESPIRITISMO na França e nas raças latinas concentra-se em tõrno de Allan Kardec, que prefere o têrmo Espiritismo, e sua feição predominante é a crença na reencarnação.

O Senhor Hipolyte Leon Denizard Rivail, que adotou o pseudô­nimo de “Allan Kardec”, nasceu em Lyon em 1804, onde seu pai era juiz. Em 1850, quando as manifestações espíritas ameri­canas chamavam a atenção da Europa, Allan Kardec investigou o assunto através da mediunidade de duas filhas de um amigo.

Nas comunicações obtidas foi informado de que “Espíritos de uma categoria muito mais elevada do que os que habitualmente se Comunicavam através dos dois jovens médiuns, tinham vindo especialmente para êle, e queriam continuar a vir, a fim de lhe permitir desempenhar uma importante missão religiosa.

Ele controlou isto escrevendo uma série de perguntas rela­tivas aos problemas humanos e, submetendo-as às supostas inteli­gências operantes, por meio de batidas e da escrita com a prancheta, recebeu respostas sôbre as quais baseava o seu sistema de Espiritismo.

Depois de dois anos de comunicações verificou que suas idéias e convicções tinham mudado completamente. E disse:

“As instruções assim transmitidas constituem uma teoria intei­ramente nova da vida humana, do dever e do destino, que se me afigura perfeitamente racional e coerente, admiravelmente lú­cida e consoladora e intensamente interessante”. Veio-lhe a idéia de publicar o que havia recebido e, submetendo-a às inteligências comunicantes, foi-lhe dito que os ensinamentos lhe haviam sido dados expressamente para os transmitir ao mundo e que êle tinha uma missão que lhe fôra confiada pela Providência. E lhe disseram que denominasse a obra “O Livro dos Espíritos”.

O livro assim produzido em 1856 teve um grande sucesso. Mais de vinte edições foram publicadas e a “Edição Re­vista” publicada em 1857, tornou-se o livro básico da filosofia espírita na França. Em 1861 publicou, “O Livro dos Médiuns”; em em 1864, “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, em 1865, “O Céu e o Inferno” e em 1868, “A Gênese”. Além dêstes, que são as suas obras principais, publicou pequenos tratados, sob os títulos de “O Que é o Espiritismo” e “O Espiritismo reduzido à sua Expressão mais Simples”.

Miss Anna Blackwell, que traduziu as obras de Allan Kardec para o inglês, assim o descreve:

“Pessoalmente Allan Kardec era de estatura média. Compleição forte, com uma cabeça grande, redonda, maciça, feições bem marcadas, olhos pardos, claros, mais se assemelhando a um alemão do que a um francês. Enérgico e perseverante, mas de tem­peramento calmo, cauteloso e não imaginoso até a frieza, incré­dulo por natureza e por educação, pensador seguro e lógico, e emi­nentemente prático no pensamento e na ação. Era igualmente emancipado do misticismo e do entusiasmo... Grave, lento no falar, modesto nas maneiras, embora não lhe faltasse uma certa calma dignidade, resultante da seriedade e da segurança mental, que eram traços distintos de seu caráter. Nem provocava nem evitava a discussão mas nunca fazia voluntàriamente observações sôbre o assunto a que havia devotado tôda a sua vida, recebia com afabilidade os inúmeros visitantes de tôda a parte do mun­do que vinham conversar com êle a respeito dos pontos de vista nos quais o reconheciam um expoente, respondendo às per­guntas e objeções, explanando as dificuldades, e dando informações a todos os investigadores sérios, com os quais falava com liberdade e animação, de rosto ocasionalmente iluminado por um sorriso genial e agradável, con quanto tal fôsse a sua habitual serie­dade de conduta que nunca se lhe ouvia uma gargalhada. Entre as milhares de pessoas por quem era visitado, estavam inúmeras pessoas de alta posição social, literária, artística e científica. O Imperador Napoleão 3º, cujo interêsse pelos fenômenos espíritas não era mistério para ninguém, procurou-o várias vêzes e teve longas palestras com êle nas Tuileries, sôbre a doutrina de “O Livro dos Espíritos.”

Fundou a Sociedade de Estudos Psicológicos (1)

1. O verdadeiro nome dessa sociedade era “Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas”. — N. do T.

que se reunia semanalmente em sua casa, para obter comunicações atra­vés da psicografia. Também criou a Revue Spirite, jornal men­sal que ainda existe e que editou até 1869. Pouco antes traçou um plano de uma organização para continuar o seu trabalho. “A Sociedade para a Continuação dos trabalhos de Allan Kardec”, com poder para compra e venda, recebimento de dádivas e legados e para continuar a publicação da Revue Spirite. Depois de sua morte os planos foram fielmente prosseguidos.

Kardec achava que os vocábulos espiritual e espiritualista, como espiritualismo já possuíam uma significação definida. Assim os substituiu por espiritismo e espírita ou espiritista.

A filosofia espírita se distingue por sua crença em nosso pro­gresso espiritual, que é realizado através de uma série de reencar­nações.

“Devendo o Espírito passar por várias encarnações, resulta que todos nós temos tido várias existências e teremos ainda ou­tras, mais ou menos aperfeiçoadas, na Terra ou em outros mundos.

“A encarnação dos Espíritos ocorre sempre na espécie hu­mana. Seria êrro pensar que a alma ou Espírito possa reencarnar no corpo de um animal.

“As várias existências corporais do Espírito são sempre pro­gressivas e nunca retrógradas; mas a velocidade de progresso de­pende dos nossos esforços por atingirmos à perfeição.

“As qualidades da alma são as do Espírito em nós encar­nado; assim, o homem de bem é encarnação de um bom Espírito, como o perverso a de um impuro.

“Tinha a alma a sua individualidade antes da encarnação e a conserva depois de separar-se do corpo.

“Voltando ao mundo dos Espíritos, a alma aí reencontra aquê­les que conheceu na Terra e tôdas as suas anteriores existências se avivam em sua memória, com a lembrança de todo o bem e de todo o mal que haja feito.

“Encarnado, o Espírito se acha sob a influência da maté­ria; o homem que supera essa influência pela elevação e pela de­puração de sua alma aproxima-se dos bons Espíritos, com os quais estará um dia. Aquêle que se deixa empolgar pelas paixões infe­riores e põe tôdas as alegrias na satisfação dos apetites grosseiros aproxima-se dos Espíritos impuros e dá preponderância à natureza animal.

“Os Espíritos encarnados habitam os vários globos do uni­verso.”. (2)

2. “O Livro dos Espíritos”, páginas 19 e 20, Edição “O Pensamento”. — N. do T.

Kardec conduziu as suas investigações comunicando-se com Inteligências por meio de perguntas e respostas, assim obtendo o material para os seus livros. Muitas informações foram forne­cidas a respeito da reencarnação. À pergunta “Para que fim reen­carnam os Espíritos?” davam a seguinte resposta:

“É uma necessidade que lhes é imposta por Deus, como meio de atingir à perfeição. Para alguns é uma expiação; para outros, uma missão. A fim de atingir à perfeição, é-lhes necessário su­portar tôdas as vicissitudes da vida corpórea. É a experiência ad­quirida pela expiação que constitui a sua utilidade. A encar­nação tem ainda outra finalidade, qual a de preparar o Espírito para desempenhar a sua tarefa na obra da criação. Para tanto deve êle tomar um corpo físico, em harmonia com o estado do mundo físico para onde é enviado, e por meio do qual é capaz de realizar um trabalho especial, em conexão com aquêle mun­do, que lhe foi designado pela sabedoria divina. Assim, é ele levado a dar a sua contribuição para o progresso geral, ao mesmo tempo que trabalha pelo seu adiantamento”.

Os espíritas inglêses não chegaram a uma conclusão no que se refere à reencarnação.

Alguns a aceitam, outros não. A ati­tude geral é que, como a doutrina não pode ser provada, o melhor seria exclui-la da política ativa do Espiritismo. Explanando essa atitude, Miss Anna Blackwell sugere que, sendo a mente continen­tal mais receptiva de teorias, aceitou Allan Kardec, enquanto a mente inglêsa, geralmente declina de considerar qualquer teoria enquanto não se tiver certificado dos fatos admitidos por tal.

Mr. Thomas Brevior (Shorter) um dos redatores de The Spi­ritual Magazine, resume o ponto de vista prevalecente dos espíritas inglêses de hoje. Escreve ele: (3)

3. The Spiritual Magazine, 1876, página 35.

“Quando a Reencarnação assumir um aspecto mais científico, quando puder oferecer um demonstrável conjunto de fatos que admitam verificação como os do Moderno Espiritismo, mere­cerá ampla e cuidadosa discussão. Por enquanto, que os arqui­tetos da especulação se divirtam como quiserem, construindo cas­telos no ar. A vida é muito curta e há muito que fazer neste mundo atarefado, para que deixemos os vagares e as inclinações a fim de nos ocuparmos em demolir essas estruturas aéreas ou apontar os frágeis alicerces em que se assentam. É muito melhor trabalhar naqueles pontos em que concordamos, do que nos en­galfinharmos sôbre aqueles em que parece que divergimos tão desesperadamente.”

William Howitmt, um dos pioneiros do Espiritismo na Ingla­terra, é ainda mais enfático em sua condenação à reencarnação. Depois de citar Emma Harding Britten, na sua observação de que milhares do Outro Mundo protestam, através de distintos mé­diuns, que não têm conhecimento nem provas da reencarna­ção (4) diz:

4. The Spiritual Magazine, 1876, página 57.

“A coisa abala as raízes de tôda a fé nas revelações do Espiritismo. Se formos levados a duvidar das comunicações espíritas sob o mais sério aspecto, sob as mais sérias afirmações, onde está o Espiritismo?

“... Se a reencarnação fôr uma verdade, lamentável e repe­lente como é, deve ter havido milhões de Espíritos que, ao entrarem no outro mundo, em vão terão procurado os seus parentes, os filhos, os amigos... Já teria chegado a nós êsse sussurro de milhares, de dezenas de milhares de Espíritos comu­nicantes? Nunca. Podemos, portanto, só nesse campo, considerar falso o dogma da reencarnação como o inferno do qual êle brotou”.

Mr. Howitt, entretanto, em sua veemência, esquece que deve haver um limite antes que se realize a nova reencarnação, e que, também, no ato deve haver um elemento da vontade.

O Hon. Alexander Aksakof, num artigo muito interessante (5)

5. The Spiritual Magazine, 1876, página 57.

dá os nomes dos médiuns do grupo de Allan Kardec, com uma descrição dêles. E também indica que a idéia da reen­carnação era fortemente aprovada na França naquele tempo, como se pode ver do trabalho de M. Pezzani — “A Pluralidade das Existências”, bem como de outros. Escreve Aksakof:

“É claro que a propagação desta doutrina por Kardec foi matéria de forte predileção.

De início a reencarnação não foi apresentada como objeto de estudo, mas como um dogma. Para o sustentar, recorreu com freqüência a escritos de médiuns, que, como bem sabemos, facilmente se submetem á influência de idéias preconcebidas. E o Espiritismo as produziu em profusão. En­quanto que através de médiuns de efeitos físicos não só as comu­nicações são mais objetivas, mas sempre contrárias à doutrina da reencarnação. Kardec seguiu o rumo de sempre desprezar êsse tipo de mediunidade, tomando como pretexto a sua inferioridade moral. Assim, o método experimental é, de modo geral, desconhecido no Espiritismo.

Durante vinte anos êle não fêz o menor progresso intrínseco e ficou em completa ignorância do Espiritismo anglo-americano. Os poucos médiuns franceses de fe­nômenos físicos que desenvolveram seus dons a des peito de Kar­dec, jamais foram mencionados na “Revue”; ficaram quase que desconhecidos dos Espíritas e apenas porque os seus guias não sustentavam a doutrina da reencarnação.”

Acrescenta Aksakof que as suas observações não afetam a questão da reencarnação no abstrato, mas apenas no que respeita à sua propagação sob os auspícios do Espiritismo.

Comentando o artigo de Aksakof, D. D. Home deu um im­pulso a uma fase da crença na reencarnação. Diz êle (6).

6. The Spiritualist, Volume 7º, página 165.

“Encontro muita gente que é reencarnacionista e tive o prazer de encontrar pelo menos doze que tinham sido Maria Antonieta, seis ou sete que tinham sido Mary, Rainha da Escócia; um bando, de Luiz e outros reis; cerca de vinte Alexandre, o Grande. Mas ainda não encontrei ninguém que tivesse sido um simples John Smith. E vos peço que, se o encontrardes, guardai-o como uma Curiosidade”

Miss Anna Blackwell resume o conteúdo dos principais livros de Kardec do seguinte modo:

“O Livro dos Espíritos” demonstra a existência e os atri­butos do Poder Causal, e a natureza das relações entre aquêle Poder e o Universo, pondo-nos no caminho da Operação Divina.

“O Livro dos Médiuns” descreve os vários métodos de comu­nicação entre êste mundo e o outro.

“O Céu e o Inferno” reivindica a justiça do Govêrno Divino, explicando a natureza do Mal, como fruto da ignorância e mos­trando o processo pelo qual os homens tornar-se-ão iluminados e purificados.

“O Evangelho Segundo o Espiritismo” é um comentário dos preceitos morais de Cristo, com um exame de sua vida e uma comparação de seus incidentes com as atuais manifestações do poder do Espírito.

“A Gênese” mostra a concordância da Filosofia Espírita com as descobertas da Ciência Moderna e com o ponto de vista geral dos escritos mosaicos, conforme a explicação dos Espíritos.

“Essas obras”, diz ela, “são consideradas pela maioria dos Espíritas do Continente como constituindo a base da filosofia religiosa do futuro — uma filosofia em harmonia com o avanço das descobertas científicas nos vários Outros ramos do conhecimento humano; promulgada pela falange de Espíritos iluminados que agiam sob a direção do próprio Cristo”.

De um modo geral, ao autor se afigura que o balanço das provas mostra que a reencarnação é um fato, mas não necessariamente universal. Quanto à ignorância dos nossos amigos Espí­ritas sôbre o assunto, concerne ao seu próprio futuro; e se não somos esclarecidos quanto ao nosso, é possível que eles sofram as mesmas limitações. Quando se apresenta a questão: “Onde estávamos nós antes do nosso nascimento?” temos uma resposta definitiva no sistema do lento desenvolvimento pela reencarnação, com longos intervalos de repouso espiritual; enquanto de outra maneira não temos resposta, embora tenhamos que admitir que é inconcebível que tenhamos nascido em tempo para a eterni­dade. Existência posterior parece postular existência anterior. Quanto à pergunta natural: “Por que, então, não nos recordamos de tais existências?” podemos indicar que tais lembranças pode­riam complicar enormemente a vida presente e que tais existên­cias bem podem formar um ciclo que se nos torna muito claro, quando pudermos ver completo o rosário de nossas vidas enfiadas numa personalidade.

A convergência de tantas linhas do pen­samento teosófico e oriental para esta conclusão e a explicação que ela oferece na doutrina suplementar do Karma, de uma aparente injustiça de uma vida única, são argumentos em seu favor, como devem sê-lo, talvez, aquêles vagos reconhecimentos e lembranças, ocasionalmente muito definidos para serem expli­cados como impressões atávicas. Certas experiências de hipno­tismo, das quais as mais famosas foram as do investigador fran­cês Coronel De Rochas, parece que constituíram uma evidência segura, pois quando o sensitivo em transe era levado para o pas­sado, em supostas reencarnações, as mais remotas eram mais difí­ceis de descrever, enquanto as mais próximas eram suspeitas de ser influenciadas pelo conhecimento normal do médium. Pelo menos pode admitir-se que onde uma tarefa especial deve ser concluída, ou onde alguma falta deve ser remediada, a possibili­dade de reencarnação pode ser uma coisa bem-vinda para o Espírito a quem isto concerne.

Antes de voltar à história do Espiritismo Francês não se pode deixar de atentar para o esplêndido grupo de escritores que o exornam. Fora de Allan Kardec e do trabalho científico de pesquisas de Geley, Maxwell, Flammarion e Richet, houve puros espíritas, tais como Gabriel Delanne, Henri Regnault e Leon Denis, que deixaram pegadas. Especialmente o último teria sido consi­derado como um grande prosador francês, fôsse qual fôsse o seu tema.

Êste trabalho, que se limita às grandes correntes da história psíquica, dificilmente comportaria referências a regatos e mean­dros de cada região do globo. Tais manifestações seriam, invariàvelmente, repetições ou variantes daquilo que já foi descrito, e pode rapidamente ser verificado que o culto é católico, numa acepção larga, pois não há país em que êle não ocorra. Desde a Argentina até a Islândia, os mesmos resultados se têm espalhado da mesma maneira e devido às mesmas causas. Essa história exigiria, ela só, um volume. Algumas páginas especiais, entretanto, devem ser dedicadas à Alemanha.

Pôsto que moroso até seguir um movimento organizado, pois só em 1865 é que apareceu um jornal espírita — Psyche — e se estabeleceu no país, mais do que em qualquer outra parte, teve aí o Espiritismo uma tradição de especulação mística e de experiência mágica, que deveria ser considerada uma preparação para a revelação definitiva. Paracelsus, Cornelius Agripsa, van Helmont e Jacob Boehme se acham entre os pioneiros do Espiritismo, sentindo o seu caminho fora da matéria, embora vago o obje­tivo que tivessem atingido. Algo mais definitivo foi alcançado por Mesmer, que realizou seu maior trabalho em Viena, no último quartel do século dezoito. Conquanto enganado quanto a algumas de suas inferências, foi êle quem deu o primeiro im­pulso para a dissociação entre alma e corpo, antes do atual modo de sentir da humanidade; e um natural de Strasbourg, M. de Puységur, levou seu trabalho um passo mais adiante, abrindo as maravilhas da clarividência. Jung Stilling e o Doutor Justinus Kerner são nomes para sempre ligados ao desenvolvimento do saber humano, através dêsse caminho nevoento, O atual anúncio das comu­nicações espíritas foi recebido com um misto de interêsse e de cepticismo, e custou para que vozes autorizadas se erguessem em sua defesa. Finalmente o assunto foi trazido magnifica­mente ao tablado quando Slade fêz a sua histórica visita em 1877. Depois de assistir e verificar as suas realizações, obteve em Leipzig o endôsso de seis professôres, que reconheciam o seu caráter de autenticidade. Foram êles Zõllner, Fechner e Scheib­ner, de Leipzig; Weber, de Gõttingen; Fichte, de Stuttgard e Ulrici, de Halle. Como êsses testemunhos tinham sido refor­çados por um depoimento de Bellachini, o maior mágico da Ale­manha, de que não havia possibilidade de fraude, produziu-se um efeito considerável sôbre a opinião pública, que foi engros­sada pela subseqüente adesão de dois russos eminentes. Aksakof, homem de Estado e o Professor Butlerof, da Universidade de São Petersburgo. Entretanto, parece que o culto não encontrou um terreno adequado nesse país da burocracia e do militarismo. Excetuado o nome de Carl Du Prel, nenhum outro se encontra associado com as mais altas fases do movimento.

O Barão Carl Du Prel, de Munich, começou a carreira de estudioso do misticismo e, em seu primeiro trabalho (7),

7. “Philosophy of Mysticism”, 2 Volumes (1889). Trans. C.C. Massey.

não trata do Espiritismo, mas antes das fôrças latentes do homem, os fenô­menos do sonho, do transe e do sono hipnótico. Em outro tratado, entretanto, “Um Problema para Mágicos”, faz um relato minucioso e raciocinado das etapas que o levaram à completa crença no Espiritismo. Nesse livro, enquanto admite que os filósofos e os homens de ciência não são os mais classificados para descobrir as fraudes, lembra ao leitor que Bosco, Houdini e Bella­chini e outros hábeis ilusionistas declararam que os médiuns por êles examinados estavam acima de qualquer suspeita de impos­tura. Du Prel não estava contente, como muitos outros, de ter provas de segunda mão. Assim, fêz um certo número de sessões com Eglinton e, mais tarde, com Eusapia Palladino. Deu espe­cial atenção ao fenômeno da psicografia — escrita nas lousas, e assim se exprime:

“Uma coisa é clara — é que a psicografia deve ser aceita como de origem transcendente. Verificaremos: (1) Que é inad­missível a hipótese de lousas preparadas. (2) Que o lugar onde se encontra a escrita é inacessível às mãos do médium. Nalguns casos a dupla lousa é seguramente trancada e deixa internamente um pequeno espaço para um pedacinho de lápis. (3) Que a escrita é feita no momento. (4) Que o médium não está escrevendo. (5) Que a escrita deve ser feita no momento com um pedaço de lousa ou um lápis comum. (6) A escrita é feita por um ser inteligente, de vez que as respostas são exatamente concor­des com as perguntas. (7) Êsse ser pode ler, escrever e entender a linguagem dos sêres humanos, frequentemente uma língua des­conhecida do médium. (8) Êle se parece muito com um ser humano, tanto no grau de inteligência quanto nos enganos que comete. Assim, êsses sêres são, embora invisíveis, de natureza ou espécie humana. É inútil lutar contra essa proposição. (9) Se se lhes pergunta quem são, respondem que são seres que deixaram êste mundo. (10) Quando essas aparências se tornam visíveis par­cialmente — talvez apenas as mãos — estas têm forma humana. (11) Quando se tornam inteiramente visíveis mostram a forma e a atitude humanas”... O Espiritismo deve ser investigado como uma ciência. Eu me consideraria um covarde se não exprimisse abertamente as minhas convicções.”

Du Prel chama a atenção para o fato de que as suas con­vicções não se baseiam em resultados conseguidos com médiuns profissionais. Declara que conhece três médiuns particulares “em cuja presença não só se verifica a escrita direta no lado inter­no de duas lousas, mas que é feita em lugares inacessíveis.”

“Nessas circunstâncias”, diz êle duramente, “a pergunta “Médium ou Mágico?” ao que me parece, levanta mais poeira do que deve”. Isto é uma observação que os pesquisadores psíquicos deviam saber de cór.

É interessante notar que Du Prel proclama a asserção que as mensagens são estúpidas e triviais apenas para serem inteira­mente injustificadas peLa experiência, quando ao mesmo tempo afirma que não encontrou traços de inteligência sôbre-humana, mas, naturalmente, antes de se pronunciar sôbre êsse ponto fôra preciso determinar como uma inteligência sôbre-humana poderia ser distinguida e até onde seria compreendida pelo nosso cére­bro. Falando das materializações, diz êle:

“Quando essas coisas se tornam inteiramente visíveis na sala escura, caso em que o médium se senta no meio do círculo formado pelos assistentes, mostram a forma e a atitude humanos. Diz-se muito facilmente que neste caso é o próprio médium que se disfarça. Mas quando o médium fala de seu lugar; quando os vizinhos que o ladeiam declaram que seguraram as suas mãos e ao mesmo tempo eu vejo a figura de pé junto a mim, quando essa figura ilumina o seu rosto na lâmpada de vácuo que se acha sôbre a mesa e cuja luz não é obstáculo aos fenômenos, de modo que eu posso ver distintamente, então a prova coletiva dos fatos que descrevi me impõe a necessidade da existência de um ser transcendente, ainda quando tôdas as conclusões a que cheguei durante vinte anos de trabalho e estudo tenham que ser derrubadas. Mas, por outro lado, desde que meus pontos de vista, fixados na minha Filosofia do Misticismo, tomaram um outro rumo, e são justificados por estas experiências, encontro pouca base subjetiva para combater êstes fatos objetivos!”

E acrescenta:

“Tenho agora a experiência empírica da existência dêsses seres transcendentes, da qual estou convencido pela evidência de meus sentidos da vista, do ouvido, do tato, tão bem quanto de suas próprias comunicações inteligentes. Em tais circunstâncias, levado ao mesmo desfecho por dois métodos diversos de investi­gação, eu devo ser abandonado pelos deuses se não reconhecer o fato da imortalidade — ou, melhor dito, desde que as provas não vão mais longe — a continuidade da existência após a morte.

Carl Du Prel faleceu em 1899. Sua contribuição para o as­sunto é, talvez, a maior oferecida na Alemanha. Por outro lado lá surgiu um formidável adversário — Eduard von Hartmann, autor da “Filosofia do Inconsciente, que em 1885 escreveu uma bro­chura chamada “Espiritismo”. Comentando-a, escreveu C. C. Massey (8).

8. Light, 1885, página 404. É de notar-se que Charles Carlton Massey, advogado, e Gerard Massey, poeta, são criaturas distintas, nada tendo em comum a não ser que eram espíritas.

“Agora, pela primeira vez, um homem de eminente posição intelectual se nos defronta como adversário. Deu-se êle ao trabalho de considerar os fatos, senão inteiramente, ao menos na medida em que inquestionàvelmente êle se qualifica para um exame crítico. E se, declinando formalmente de uma aceitação sem reserva, da evidência dos fatos, chegou à conclusão que a existência no organismo humano de mais forças e capacidade do que a ciência exata investiga, é suficientemente acreditada pelos testemunhos históricos e contemporâneos. Também insiste pela pesquisa feita por comissões nomeadas e pagas pelo Estado. Re­pudia, com tôda a autoridade de um filósofo e como homem de ciência, a suposição de que a priori os fatos são incríveis ou “contrários às leis da natureza”. Expõe a inaceitabilidade das “denúncias” e dá um golpe de misericórdia no estúpido paralelo entre médiuns e mágicos. E se sua aplicação do sonambulismo aos fenômenos, no seu ponto de vista, serve de contrôle dos Espíritos por outro lado contém informações para o público que são de grande importância para a proteção dos médiuns.”

Diz ainda Massey que do ponto de vista da filosofia de Hartmann a ação dos Espíritos é inadmissível e a imortalidade pessoal é uma ilusão.

“A saída da filosofia psicológica agora se acha entre a sua escola e a de Du Prel e Hellenbach”.

Alexandre Aksakof respondeu a von Hartmann na revista mensal Psychische Studien.

Aksakof mostra que Hartmann não tinha nenhuma experiên­cia, que prestou insuficiente atenção aos fenômenos que não se adaptavam ao seu modo de interpretar e que havia muitos fenô­menos que lhe eram quase desconhecidos..

Por exemplo, Hartmann não acreditou na objetividade dos fenômenos de materialização.

Com muita habilidade Aksakof cita com muitos detalhes bom número de casos que, decididamente, infirmam as conclusões de Hartmann.

Refere-se Aksakof ao Barão Lazar Hellenbach, que era espí­rita e foi o primeiro investigador filosófico dos fenômenos na Alemanha e diz: “A afirmação de Zõllner da realidade dos fenô­menos mediúnicos produziu enorme sensação na Alemanha”. De vários modos parecia que von Hartmann tivesse escrito com um imperfeito conhecimento do assunto.

A Alemanha produziu poucos grandes médiuns, a menos que Frau Anna Rothe, seja como tal classificada. É possível que ela tivesse recorrido a fraude, quando lhe faleciam as fôrças, mas que ela possuía tais fôrças em alto grau é claramente mos­trado pelas provas no processo conseqüente à sua suposta “fraude” em 1902.

Depois de doze meses e três semanas de prisão antes de ser levada ao tribunal, a médium foi condenada a oito meses de pri­são e a uma multa de quinhentos marcos. No processo muita gente de posição depôs em seu favor; entre estas pessoas se achavam Herr Stõcker, antigo Capelão da Côrte, e o Juiz Sul­zers, presidente da Suprema Côrte de Apelação de Zürich. Sob juramento o juiz declarou que Frau Rothe o havia pôsto em co­municação com os Espíritos de sua espôsa e de seu pai que disse­ram coisas que à médium era impossível ter inventado, porque diziam com assunto desconhecido de qualquer mortal. Também declarou que tinham sido trazidas flôres de rara qualidade para um salão inundado de luz. Seu depoimento causou sensação.

É claro que o resultado do processo era uma conclusão pré­via. Foi uma repetição da atitude do juiz Howers, no caso Slade. O procurador alemão começou assim o seu discurso:

“A Côrte não se permite criticar a teoria espírita, porque deve ser reconhecido que a ciência, com a genialidade dos homens de cultura, declara que são impossíveis as manifestações sobre­naturais.”

Diante disso nenhuma prova teria valor.

Em data recente dois nomes sobressaem em conexão com a matéria em aprêço. É um o Doutor Schrenck Notzing, de Munique, cujo esplêndido trabalho de laboratório já foi tratado no capí­tulo sôbre o ectoplasma. O outro é o famoso Doutor Hans Driesch, Professor de Filosofia na Universidade de Leipzig. Recentemente êle declarou que “a atualidade dos fenômenos psíquicos só é posta em dúvida pelo incorrigível dogmatismo”. Fêz essa declaração numa conferência na Universidade de Londres, em 1924, a qual foi posteriormente publicada em The Quest (9).

9. Julho, 1924.

Prosseguindo disse:

“Êsses fenômenos tiveram, entretanto, uma luta árdua a fim de serem reconhecidos. E a principal razão por que tiveram de lutar tão estrenuamente foi porque foram redondamente negados pela psicologia ortodoxa e pela ciência cultural, tais quais eram estas pelo menos até o fim do século passado.”

Diz o Professor Driesch que a ciência natural e a psicologia sofreram uma radical mudança desde o comêço dêste século e continua mostrando como os fenômenos psíquicos. se ligam com as ciências naturais “normais”. Observa que se estas últimas se recusam a reconhecer a sua relação com aquelas, isto nada afeta os fenômenos psíquicos. Mostra, através de diversas ilustrações biológicas, como a teoria mecanicista foi derrubada. Expõe a sua teoria vitalista “para estabelecer um mais íntimo contacto entre os fenômenos da biologia normal e os fenômenos físicos no domínio da pesquisa psíquica”.

Sob determinados pontos a Itália foi superior a outros países europeus no tratamento do Espiritismo — isto a despeito da constante oposição da Igreja Católica Romana, que sem muita lógica estigmatizou como diabolismo os casos que não receberam a marca especial de santidade. Os Acta Sanctorum constituem uma longa crônica de fenômenos psíquicos com levitações, transportes, profecias, e todos os outros sinais de mediunidade. En­tretanto essa Igreja sempre perseguiu o Espiritismo. Poderosa como é, verificará, a seu tempo, que enfrentou algo ainda mais forte que ela.

Dos modernos italianos o grande Mazzini foi um espírita, naqueles dias em que o Espiritismo mal se esboçava e seu com­panheiro Garibaldi foi presidente de uma sociedade psíquica. Em carta a um amigo em 1849, Mazzini esboça o seu sistema filosófico-religioso, que curiosamente ampara o mais recente ponto de vista espírita. Êle substitui por um purgatório temporário o inferno eterno, que passa a ser uma triagem entre êste mundo e o outro, definiu uma hierarquia de sêres espirituais, e anteviu um progresso contínuo para a suprema perfeição.

A Itália foi rica em médiuns, mas foi ainda mais afortunada com a posse de homens de ciência bastante sábios para acompa­nhar os fatos, onde quer que êles conduzissem. Entre êstes nume­rosos investigadores — todos êles convictos da realidade dos fenô­menos psíquicos, muito embora não se possa dizer que todos acei­tassem o ponto de vista do Espiritismo — encontram-se nomes como Ermacora, Schiaparelli, Lombroso, Bozzano, Morselli, Chiaia, Pictet, Foa, Porro, Brofferio, Bottazzi e muitos outros. Eles tiveram a vantagem de um maravilhoso sensitivo em Eusapia Palladino, como já foi descrito, mas houve uma série de outros mé­diuns poderosos, entre cujos nomes se podem citar Politi, Caranci, Zuccarini, Lucia Sordi, e especialmente Linda Gazzera. Entretanto, aqui, como em outros campos, o primeiro impulso veio de países de língua inglêsa. Foi a visita de D. D. Home a Flo­rença, em 1855 e a subseqüente visita de Mrs. Gupsy em 1868 que abriu caminho. O Senhor Damiani foi o primeiro grande inves­tigador e foi êle quem, em 1872, descobriu os dons da Palla­dino.

O manto de Damiani caiu nos ombros do Doutor G. B. Erma­cora, que foi o fundador e coeditor, com o Doutor Finzi, da Rivista di Studi Psichici. Morreu em Rovigo aos quarenta anos de idade, assassinado — uma grande perda para a causa. Sua adesão e o seu entusiasmo provocaram os de outros do mesmo porte. Assim, em seu necrológio, escreve Porro:

“Lombroso encontrou-se em Milão com três jovens físicos, inteiramente libertos de preconceitos — Ermacora, Finzi e Gerosa — com dois pensadores profundos, que havia esgotado o lado filo­sófico da questão — o alemão Du Prel e o russo Aksakof — e com um outro filósofo de mente penetrante e de vasto saber, Brofferio; e, finalmente, com o grande astrônomo Schiaparelli e com o fisiologista Richet.”

E acrescenta:

“Seria difícil reunir um melhor grupo de homens de ciência, que oferecesse as necessárias garantias de seriedade, de variada Competência, de habilidade técnica na experimentação, de sagaci­dade e prudência no desfecho das conclusões.”

E continua:

“Enquanto Brofferio, com o seu livro de pêso “Per lo Spi­ritismo”, (Milão, 1892) destrói um a um os argumentos dos opositores, coligindo, coordenando, e classificando com incompa­rável habilidade dialética as provas em favor de sua tese, Erma­cora aplicou na sua demonstração todos os recursos de cérebro robusto e treinado no emprêgo do método experimental; e sentiu tanto prazer nesse estudo fértil e novo, que abandonou inteira­mente as pesquisas sôbre eletricidade, que já o tinham colocado entre os sucessores de Faraday e de Maxwell.”

O Doutor Ercole Chiaia, que faleceu em 1905, era também um devotado trabalhador e propagandista, a quem muitos homens notáveis da Europa devem seus primeiros conhecimentos sôbre fenômenos psíquicos. Entre outros citam-se Lombroso. o Profes­sor Bianchi, da Universidade de Nápoles, Schiaparelli, Four­noy, o Professor Porro, da Universidade de Gênova e o Coronel De Rochas. Dêle escreveu Lombroso:

“Tendes razão para venerar profundamente a memória de Ercole Chiaia. Num país onde há tamanho horror ao que é novo, é necessária uma grande coragem e uma nobre alma para se tornar apóstolo de uma teoria que defronta o ridículo; e o fazer com aquela tenacidade, aquela energia que sempre caracterizaram Chiaia. É a êle que muitos devem — inclusive eu — o privilégio de ver um mundo novo, aberto à investigação psíquica — e isto pelo único meio que existe para convencer homens de cultura, isto é, pela observação direta.”

Sardou, Richet e Morselli renderam tributo ao trabalho de Chiaia (10).

10. “Annals of Psychical Science”, Volume 2º (1905), páginas 261 e 262.

Chiaia fêz um importante trabalho orientando Lombroso, o eminente alienista, na investigação do assunto. Depois de suas primeiras experiências com Eusapia Palladino, em março de 1891, escreveu Lombroso:

“Sinto-me bastante envergonhado e pesaroso por me haver oposto com tanta tenacidade à possibilidade dos chamados fatos espíritas.”

Inicialmente apenas aceitava os fatos e se opunha à teoria a êles associada. Mas. já essa aceitação parcial causou sensação na Itália e em todo o mundo. Aksakof escreveu ao Doutor Chiaia:

“Glória a Lombroso por suas nobres palavras! Glória a você, por sua dedicação!”

Lombroso oferece um bom exemplo de conversão de um materialista decidido, depois de longo e cuidadoso exame dos fatos. Em 1900 escreveu êle ao Professor Falcomer:

“Sou como um pequeno seixo na praia. Ainda estou a descoberto; mas sinto que cada maré me arrasta para mais perto do mar.

Como se sabe, êle acabou se tornando um crente completo, um espírita convicto e publicou um livro célebre “Morte... E depois? “.

Ernesto Bozzano, nascido em Gênova em 1862, devotou trinta anos a pesquisas psíquicas, reunindo as suas conclusões em trinta extensas monografias. Será lembrado por sua crítica incisiva (11)

11. “Annals of Psychical Science”, Volume 1º (1905) páginas 75 e 129.

as referências inconscientes de Mr. Podmore a Mr. Stainton Moses. Seu título é “Uma Defesa de William Stainton Moses”. Bozzano, em companhia dos Professôres Morselli e Porro, fêz uma longa série de experiências com Eusapia Palladino. Depois de analisar os fenômenos objetivos e subjetivos, foi conduzido à “necessi­dade lógica” de aderir completamente à hipótese espírita.

Enrico Morselli, Professor de Psiquiatria em Gênova, foi durante muitos anos, como êle próprio o confessa, um duro céptico em relação à realidade objetiva dos fenômenos psíquicos. De 1901 em diante fêz trinta sessões com Eusapia Palladino, e ficou intei­ramente convencido dos fatos, senão da teoria espírita. Publi­cou as suas observações num livro que o Professor Richet des­creve como um modêlo de erudição” — “Psicologia e Spiri­tismo”, Turim, 1908. Numa análise muito generosa dêste livro (12),

12. “Annals of Psychical Science”, Volume 7º (1908), página 376.

Lombroso se refere ao cepticismo do autor, em relação a certos fenômenos observados.

Diz êle:

“Sim, Morselli comete o mesmo erro de Flournoy e de Miss Smith (13),

13. Helene Smith, médium, no livro de Fournoy “Da Índia ao Planeta Marte”.

torturando a sua própria e enorme ingenuidade para achar que não são verdades, nem críveis, coisas que êle mesmo declara ter visto. Por exemplo, durante os primeiros dias depois da aparição de sua própria mãe, admitia comigo que a tinha visto e tivera um entendimento por gestos com ela, nos quais ela apontava quase que com amargura para os seus óculos e a sua calva parcial e lhe lembrou como o havia deixado ainda um belo rapaz.”

Quando Morselli pediu à sua mãe uma prova de identidade, ela tocou com a mão em sua testa procurando um caroço; mas como tocasse primeiro no lado direito e depois no lado esquerdo, onde realmente estava o lobinho, Morselli não queria aceitar isto como prova da presença de sua mãe. Com mais experiência, Lombroso lhe mostra a dificuldade dos Espíritos em usar a instrumentalidade de um médium pela primeira vez. A verdade éque Morselli tinha, por estranho que pareça, a maior repug­nância pelo aparecimento de sua mãe através de uma médium contra a sua vontade. Lombroso não põde compreender êste sentimento. E diz:

“Confesso que não só não concordo, mas que, ao contrário, quando novamente vi minha mãe, senti uma das mais agradáveis sensações íntimas de minha vida, um prazer que era quase um espasmo, que despertou uma sensação, não de ressentimento, mas de gratidão à médium que novamente lançou minha mãe em meus braços depois de tantos anos. E êsse acontecimento me fêz es que­cer não uma vez, mas muitas vêzes, a humilde postura de Eusapia, que tinha feito para mim, ainda que de maneira puramente auto­mática, aquilo que nenhum gigante em fôrça ou em pensamento jamais teria podido fazer.”

Em muitas coisas a posição de Morselli é a mesma do Pro­fessor Richet, no que diz respeito à pesquisa psíquica, mas como êste último distinto cientista, tem sido êle o instrumento de influenciação da opinião pública para um maior esclarecimento do assunto.

Morselli fala com veemência do desprêzo da ciência. Em 1907 escreve o seguinte:

“A questão do Espiritismo foi discutida por mais de cin­qüenta anos; e, con quanto atualmente ninguém possa prever quan­do ela será resolvida, agora todos concordam em lhe conceder grande importância entre os problemas que ficaram como uma herança do século dezenove ao nosso século. Entretanto ninguém pode deixar de reconhecer que o Espiritismo é uma forte corrente ou tendência do pensamento contemporâneo. Se, durante muitos anos, a ciência acadêmica desprezou o conjunto dos fatos que, por bem ou por mal, certo ou errado, o Espiritismo absorveu e assimilou, considerando-os elementos formadores de seu sistema doutrinário, tanto pior para a ciência! E pior ainda para os cien­tistas que ficaram surdos e mudos diante de tôdas as afirmações, não de sectários crédulos, mas de sérios e dignos observadores como Crookes, Lodge e Richet. Não me envergonho de dizer que eu mesmo, até onde minhas modestas fôrças chegavam, contribui para êsse obstinado cepticismo, até o dia em que fui capaz de romper as cadeias nas quais as minhas percepções abso­lutistas tinham acorrentado o meu raciocínio.” (14)

14. “Annals of Psychical Science”, Volume 5º (1907) página 322.

É de notar-se que a maioria dos professôres italianos, en­quanto aderiam aos fatos psíquicos, declinavam das conclusões daqueles a quem chamavam de espíritas. Di Vesme bem o esda­rece quando diz:

“É mais importante salientar que a revivescência do interêsse por estas questões, que foi exibido pelo público italiano, não se teria produzido tão facilmente se os homens de ciência que pro­clamaram a objetividade e a autenticidade dêsses fenômenos me­diúnicos não tivessem tido o cuidado de acrescentar que o reco­nhecimento dos fatos de modo algum implicava a aceitação da hipótese espírita.”

Houve, entretanto, uma forte minoria que viu o inteiro significado da revelação.

22

Grandes Médiuns Modernos

HÁ SEMPRE uma certa monotonia em escrever sôbre sinais físicos de inteligência estranha, porque êles tomam formas estereo­tipadas e de natureza limitada.

São mais que suficientes para a sua finalidade, que é demonstrar a presença de fôrças invisíveis, desconhecidas da ciência materialista, mas tanto os seus métodos de produção, quanto os resultados, conduzem a infindáveis reite­rações. Essa manifestação em si mesma, ocorrendo, como ocorre, em tôda a parte, deveria convencer cada um que pensa seria­mente sôbre o assunto que se acha em presença de leis fixas, e que não é uma esporádica série de milagres, mas uma ciência real que se está desenvolvendo. É em sua ignorante e arrogante guerra a êsse fato que têm pecado os adversários. “Não com­preendem que haja leis”, escreveu Madame Bisson, depois de algu­ma tentativa fátua dos doutôres da Sorbonne para produzir o ecto­plasma sob condições que lhes impossibilitavam a experiência. Como se verá pelo que sucedeu antes, um grande médium de efeitos físicos pode produzir a Voz Direta fora de seus próprios órgãos vocais, bem como a telecinésia ou o movimento de objetos a distância, batidas, ou percussão do ectoplasma, transportes, ou a vinda de objetos distantes, materializações de rostos, de mãos ou de figuras inteiras, a fala e a escrita em transe, escrita em lousas fechadas, fenômenos luminosos, que tomam várias formas. Tôdas essas manifestações o autor viu muitas vêzes e como elas lhe foram mostradas pelos principais médiuns da atualidade, êle se arrisca a alterar a forma desta história, falando dos mais recentes sensitivos que conhece pessoalmente e pôde observar.

Fique entendido que uns cultivam um dom, outros outro, ao passo que os que exibem tôdas as formas de mediunidade em geral não são tão proficientes em nenhuma, como o homem ou a mulher que se especializou. A gente possui muita força psíquica para exteriorizar, e pode fazê-lo através de um canal profundo ou desperdiçá-la através de muitos canais superficiais. De vez em quando aparece uma criatura maravilhosa, como D. D. Home, que possui tôdas as mediunidades — mas isto é raro.

A maior médium de transe com a qual o autor já teve contacto foi Mrs. Osborne Leornad. O grande valor de seu dom é que, em regra, êle é contínuo. Não é interrompido por longas pausas ou por intervalos improdutivos, mas flui exatamente como se a pessoa que se supõe falar estivesse presente. O processo usual é que Mrs. Leonard, uma senhora agradável, gentil, de meia-idade, cai num sono, durante o qual a sua voz muda intei­ramente e o que vem através dela, se supõe ser de seu pequeno guia — Feda. O guia fala um inglês entrecortado, alto, com muitas expressões infantis e de intimidade, o que dá a impressão de uma inteligência infantil, suave e meiga. Atua como porta-voz do Espí­rito que espera, mas ocasionalmente êste fala, ocasionando uma súbita mudança de forma de falar, da terceira pessoa do singular para a primeira, como, por exemplo: “Estou aqui, Papai. Êle diz que quer falar. Sinto-me tão bem e tão feliz! Êle acha tão ma­ravilhoso falar convosco...” e assim por diante.

Pelo menos é uma experiência maravilhosa. Uma vez o autor recebeu uma longa série de mensagens referente à sorte futura do mundo, através da mão de sua espôsa e de sua voz, no seu próprio grupo doméstico. Ao visitar Mrs. Leonard, nada disse a respeito, nem havia de modo algum dado a conhecer o assunto. Apenas se havia assentado e tomado o bloco onde pre­tendia tomar notas do que ocorresse, quando seu filho anunciou a sua presença e falou seguidamente durante uma hora. Durante êsse longo monólogo mostrou um íntimo conhecimento de tudo quanto tinha acontecido no grupo doméstico e ainda numerosos detalhes da vida da família, absolutamente desconhecidos da mé­dium. Em tôda a entrevista não houve qualquer engano em relação aos fatos, põsto houvesse referência a muitos dêles.

Uma pequena parte dos menos pessoais pode servir de exemplo:

“Há muito progresso falso no campo mecânico material. Isto não é progresso. Se se constrói um carro para andar mil milhas êste ano, então se constrói outro para andar o dôbro no ano seguinte. Nem por isso é melhor. Desejamos progresso real — a saber, da mente e do Espírito e tornar como um realidade que há um mundo espiritual.

Enorme auxílio poderia ser daíio do nosso lado, bastando que a gente da Terra se adaptasse para o receber. Mas não podemos forçar o nosso auxílio aos que não estão preparados para êle. Êste é o vosso trabalho preparar gente para nós. Alguns são tão irremediavelmente ignorantes, mas lançam a semente, mesmo quando não a vedes germinar.

O clero é tão limitado em suas idéias e tão amarrado a um sistema já obsoleto! É como se servissem comida velha de uma semana, em vez de recentemente preparada. Sabemos quanto é maravilhoso o Cristo. Sabemos do seu amor e do seu poder. Êle pode ajudar a nós e a vós. Mas o fará acendendo novos fogos e não ciscando sempre as velhas cinzas.

Eis o que desejamos — o fogo do entusiasmo nos dois altares da imaginação e do conhecimento. Algumas pessoas afastam a imaginação, que é, muitas vêzes, a porta do conhecimento. As Igrejas tiveram o ensino certo, mas não o puseram em ação. O conhecimento espiritual que se possui, deve ser demonstrado de modo prático. O plano em que viveis é um plano prático, no qual aguarda-se que ponhais em prática o vosso conhecimento e a vossa fé. Em nosso plano, conhecimento e fé são ação — a gente pensa uma coisa e imediatamente a põe em prática; mas na Terra muitos há que dizem que uma coisa é certa, mas nunca a fazem. A igreja ensina mas não demonstra o seu ensino. Sabeis que por vêzes o quadro negro tem utilidade. É o de que precisais. De­veis ensinar e, depois, demonstrar no quadro negro. Assim, os fenômenos físicos são realmente mais importantes.

Haverá alguns nesta violenta comoção social. Agora é difícil a nossa ma­nifestação, porque a maior massa do pensamento coletivo está contra nós e não a nosso favor. Mas quando se der aquela como­ção social o povo será sacudido de sua atitude de ignorante, de antagonismo de cabeças-de-galinha contra nós, assim se abrindo imediatamente o caminho para uma demonstração mais completa do que a que até agora temos podido dar.

“Agora é como um muro, contra o qual nos batemos e onde perdemos noventa por cento da nossa fôrça de bater e de tentar descobrir um ponto fraco, nesse muro de ignorância, através do qual possamos ligar-nos a vós. Mas muitos de vós estão cavando e martelando do vosso lado para nos dar entrada. Vós não cons­truístes o muro — estais ajudando a nossa penetração. Em pouco tempo tê-lo-eis tão enfraquecido que êle se esboroará e, em vez de penetrá-lo com dificuldade, emergiremos como um grupo glorioso. Êste será o clímax o encontro do Espírito com a Matéria.”

Se a verdade do Espiritismo dependesse apenas da fôrça de Mrs. Leonard, o caso seria esmagado, pois ela atendeu centenas de visitas e raramente deixou de lhes dar completa satisfação. Há, entretanto, muitos clarividentes cujos poderes são um pouco infe­riores aos de Mrs. Leonard, e que talvez fôssem iguais a ela, se mostrassem a mesma reserva em seu uso.

Não há dinheiro que leve Mrs. Leonard a receber mais que dois clientes por dia, e é talvez por isto que ela mantém a excelência dos resultados.

Entre os clarividentes londrinos que o autor usou, Mr. Vout Peters ocupa lugar de destaque. Uma vez uma grande prova foi dada por seu intermédio, e que foi relatada em “New Revelation”, página 53. Outro excelente em seus dias foi Mrs. Annie Brittain. O autor costumava mandar a essa médium pessoas que ti­nham perdido parentes durante a guerra e colecionou as cartas nas quais êles narravam a sua experiência. O resultado é notá­vel. Nos primeiros cem casos, oitenta eram de sucesso no estabe­lecimento de um contacto com o objeto de seus desejos. Nal­guns casos o resultado era superiormente evidente e dificilmente será superestimado o confôrto oferecido aos consulentes. A transformação do sentimento, quando o que aqui fica tem a prova de que a morte não é silenciosa, mas que resta ainda uma voz, falando com uma entonação feliz, pode reanimar uma criatura. Uma senhora escreveu que estava absolutamente determinada a pôr um ponto na vida, tão chocante e vazia era a sua existência; mas deixou a sala de Mrs. Brittain com a esperança no coração. Quando a gente tem notícia de que uma tal médium foi arrastada a uma delegacia de polícia, interrogada por um po­licial ignorante e condenada por um magistrado ainda mais igno­rante, sente que está vivendo um daqueles escuros períodos da História.

Como Mrs. Leonard, Mrs. Brittain tem o delicado apelido familiar de Belle. Em suas extensas pesquisas o autor fêz muitas relações com essas pequenas criaturas em diversas partes do mun­do, encontrando o mesmo caráter, a mesma voz e as mesmas maneiras agradáveis em tôdas. Essa semelhança parece mostrar, quando se medita sôbre o caso, que existe a ação de uma lei geral. Feda, Belle, Iris, Harmony e muitas outras, sussurram com fina voz e o mundo se torna melhor com a sua presença e a sua pregação.

Miss Mc Creadie é outra notável vidente londrina, perten­cente à velha escola e trazendo consigo uma atmosfera de reli­gião que por vêzes nos falta. Há muitos outros, mas nenhuma notícia seria completa se se não aludisse aos notáveis e elevados ensinos que vêm de Johannes e de outros guias de Mrs. Hester Dowden, filha do famoso shakespeariano. Também deve ser feita uma referência ao Capitão Bartlett, cujos maravilhosos escritos e desenhos permitiram a Mr. Bligh Bond descobrir as ruínas de duas capelas em Glastonbury que se achavam tão enterradas que só o sentido da clarividência lhes poderia marcar a exata posição. Os leitores de “The Gate of Remembrance” compreenderão todo o valor dêsse notável episódio.

Os fenômenos da Voz Direta diferem da mera clarividência e da fala em transe, por isso que os sons não parecem vir do médium, mas de fora, às vêzes de uma distância de alguns me­tros e continuar quando a bôca está cheia de água e, outras vêzes, se fazendo ouvir em duas ou três vozes simultâneas. Nessas ocasiões uma trombeta de alumínio é empregada para aumentar a voz; e também, como supõem alguns, para formar uma pequena câmara escura, na qual as cordas vocais então usadas pelo Espí­rito, se podem materializar. É um fato interessante e que trouxe muita confusão aos que têm pouca experiência, porque em geral os primeiros sons se assemelham à voz do médium. Isto logo desapa­rece e a voz ou se torna neutra ou muito parecida com a do morto. É possível que a razão dêsse fenômeno seja que o ecto­plasma com o qual os fenômenos são produzidos seja tirado do médium e, assim, leve algumas peculiaridades dêle ou dela, até que o tempo e as fôrças exteriores tenham o predomínio. Seria bom que o céptico fôsse paciente e esperasse o desenvolvimento, pois eu conheci um investigador ignorante e opiniático que jurava que havia fraude apenas porque notava a semelhança das vozes e então estragava tôda a sessão com grosserias malucas, quando, se tivesse esperado, teria esclarecido as suas dúvidas.

O autor fêz experiências com Mrs. Wriedt ouvindo a Voz Direta, acompanhada de batidas na corneta, em plena luz, estando a médium sentada a poucos metros de distância. Isto por causa da idéia de que no escuro pode o médium mudar de posição. Não é raro ter duas ou três vozes de Espíritos falando ou can­tando ao mesmo tempo, o que, por sua vez, é fatal para a teoria da ventriloquia. Também a corneta, que por vêzes é pintada com tinta fosforescente, pode ser vista suspensa ao longe, fora do alcance das mãos do médium. Uma vez, em casa de Mr. Dennis Bradley, o autor viu a corneta iluminada girando e batendo no teto, como um vaga-lume. Depois pediram ao mé­dium, Valiantine, que subisse na cadeira e verificaram que com o braço estendido e segurando a corneta não era possível tocar no teto. Isto foi testemunhado por um grupo de oito pes­soas.

Mrs. Wriedt nasceu em Detroit, há uns cinqüenta anos e e talvez mais conhecida na Inglaterra do que qualquer médium americano. A autenticidade de seus poderes pode ser melhor julgada por uma pequena descrição dos resultados. Uma vez, numa visita à casa de campo do autor, ela se sentou com êste, sua espôsa e seu secretário numa sala bem iluminada.

Foi cantado um hino e antes de terminada a primeira estrofe juntou-se uma quinta voz de excelente qualidade e continuou até o fim. Os três observadores estavam prontos para dizer que a própria Mrs. Wriedt estivesse cantando todo o tempo. Na sessão da noite vieram muitos amigos, com tôdas as possíveis provas de iden­tidade. Um assistente sentiu a aproximação de seu pai, recente­mente falecido, que começou pela tosse sêca e forte, que apare­cera em sua última doença. Discutiu a questão de um legado, de maneira perfeitamente racional. Um amigo do autor, aliás um irascível anglo-indiano, manifestou-se, tanto quanto é possível ma­nifestar-se pela voz, reproduzindo exatamente a sua maneira de falar, dando o seu nome, e aludindo a fatos de sua vida material. Outro assistente recebeu a visita de alguém que se dizia sua tia-avó! O parentesco foi negado; mas, perguntando em família, verificou que tinha tido uma tia daquele nome, morta na in­fância. A telepatia tem que ser afastada da explicação de tais fatos.

Ao todo o autor experimentou pelo menos com vinte produ­tores de Voz Direta e ficou muito chocado pelas diferenças em volume de som com os diversos médiuns. Por vêzes é tão fraca que com dificuldade se escuta a mensagem. Há poucas experiên­cias mais tensas e penosas do que aplicar o ouvido para escutar no escuro, perto de nós vozes sussurrantes, esforçadas, entrecortadas, que poderiam significar muito se as pudéssemos distinguir. Por outro lado, o autor conheceu aquilo que deve ser consideravelmente chocante quando, no quarto de um hotel em Chicago, cheio de gente, rompeu uma voz que só poderia ser comparada ao rugido de um leão. O médium nessa ocasião era um esguio rapaz ameri­cano, que não podia ter produzido aquêle som com os seus órgãos normais. Entre êstes dois extremos podem encontrar-se tôdas as gradações de volume e de vibração.

George Valiantine, já mencionado, talvez viesse em segundo lugar, se o autor tivesse de fazer uma lista dos grandes médiuns de Voz Direta, com os quais fêz experiências. Êle foi examinado pela Comissão do Scientific American e pôs por terra a alegação de que um dispositivo elétrico mostrara que êle tinha saído de sua cadeira quando a voz se fêz ouvir. O exemplo já ofere­cido pelo autor, no qual a corneta circulava fora do alcance do médium, é prova positiva de que os resultados certamente não dependem de sua saída da cadeira e que os efeitos não só depen­dem de como a voz é produzida, mas, principalmente, do que diz a voz. Aquêles que leram “Rumo às Estrêlas”, de Dennis Brad­ley, e o seu livro subseqüente, narrando a longa série de sessões em Kingston Vale, podem fazer uma idéia de que nenhuma outra explicação abarca a mediunidade de Valiantine, a não ser que possui, realmente, excepcionais poderes psíquicos. Êstes variam muito com as condições, que em geral permanecem bem altas. Como Mrs. Wriedt, êle não cai em transe mas, mesmo assim, suas con­dições não podem ser chamadas normais. Há condições de semi-transe que esperam a investigação dos estudiosos no futuro.

Mr. Valiantine é, de profissão, um fabricante numa pequena cidade na Pensilvânia. Ë calmo, delicado e bondoso e como se acha na flor da idade, uma carreira muito útil se abre à sua frente.

Como médium de materializações, Jonson, de Toledo, que depois residiu em Los Angeles, permanece só, até onde o autor pôde observar. Possivelmente o nome de sua espôsa poderia ser ligado ao seu, desde que trabalham juntos. A peculiaridade do trabalho de Jonson é que fica inteiramente à vista do grupo, enquanto sua espôsa fica de pé junto da câmara e superintende os trabalhos. Quem desejar um relato completo das sessões de Jon­son deverá ler do autor a “Our Second American Adventure” (1),

1. “Nossa Segunda Aventura Americana”. — N. do T.

pôsto sua mediunidade seja também tratada muito minucio­samente pelo Almirante Usborne Moore (2).

2. “Glimpses of the Next State”, páginas 195, 322.

O almirante, que se achava entre os grandes investigadores psíquicos, fêz muitas sessões com Jonson e obteve a cooperação de um ex-chefe do Serviço Secreto dos Estados Unidos, que estabeleceu a vigilância e nada encontrou contra o médium. Quando a gente recorda que Toledo era, então, uma cidade limitada, e que às vêzes umas vinte personalidades diferentes se manifestavam na mesma ses­são, pode-se imaginar que a personificação apresenta insuperáveis dificuldades. Por ocasião de uma sessão em que se achava o autor, ocorreu um longo desfile de figuras, cada uma por sua vez, vindo da pequena cabine. Eram velhos e moços, homens, mulheres e crianças. A luz de uma lâmpada vermelha era bastante para que se vissem as figuras claramente, mas não para distinguir os deta­lhes das feições.

Algumas das figuras ficaram fora nada menos que vinte minutos e conversaram livremente com o grupo, respon­dendo às perguntas que lhes eram feitas. Nenhum homem dará a outro um cheque em branco pela honestidade, nem declarará que êle é honesto e o será sempre. O autor apenas dirá que naquela ocasião particular estava perfeitamente convencido da genuína natureza dos fenômenos, e que não tem razões para du­vidar disso em qualquer outra ocasião.

Jonson é um homem de compleição forte e, pôsto esteja agora velho, seus poderes psíquicos ainda não são igualados. É o cen­tro de um grupo em Pasadena, perto de Los Angeles, que se reúne semanalmente, para aproveitar de seus notáveis poderes. O finado Professor Larkin, astrônomo, era freqüentador do grupo e garan­tiu ao autor que acreditava completamente na sua honestidade como médium.

As materializações podem ter sido mais comuns no passado do que no presente. Os que leram livros como o de Brackett, “Materialised Apáginasaritions” ou o “There is No Death”, de Miss Marriat, que o digam. Mas nestes dias as materializações com­pletas são muito raras.

O autor estava presente a uma suposta materialização por um tal Thompson, em New York, mas as coisas. não geraram convicção. Pouco depois o homem foi prêso por trapaças, em circunstâncias que não deixam dúvida quanto à sua culpabilidade.

Há médiuns que, sem se especializarem de nenhuma forma, podem mostrar uma grande variedade de manifestações super-naturais. De todos que o autor encontrou daria precedência pela variedade e pela consistência a Miss Ada Besinnet, de Toledo, nos Estados Unidos, e a Eva Powell, outrora chamada Merthyr Tydvil, em Gales. Ambas são admiráveis médiuns, e pessoalmente dignas dos maravilhosos dons com que foram dotadas. No caso de Miss Besinnet as manifestações incluem a voz direta, por vêzes duas ou três ao mesmo tempo. Um guia masculino, chamado Dan, tem uma notável voz de barítono e quem quer que o tenha ouvido não duvidará de que seja independente do organismo daquela senho­ra. Ocasionalmente se junta uma voz feminina, para fazer com Dan um dueto afinadíssimo. Notável assovio, no qual parece que não há pausa para respirar, é outra feição de sua mediunidade. Assim também a produção de luzes muito brilhantes. Estas pare­cem pequenos sólidos luminosos, pois. o autor, em certa ocasião, fêz a curiosa experiência de ter um em seus bigodes. Tivesse aí pousado um grande vagalume e o efeito teria sido o mesmo. As Vozes Diretas de Miss Besinnet, ao tomarem a forma de men­sagens, separadas do trabalho dos guias, não são fortes e, muitas vêzes, são difíceis de ouvir. O mais notável de todos os seus poderes, entretanto, é o aparecimento de rostos de fantasmas, que surgem numa faixa iluminada, em frente ao assistente. Pare­ceriam antes máscaras, de vez que não apresentam relêvo. Em muitos casos apresentam faces finas, que ocasionalmente se asse­melham à do médium, quando a saúde da senhora ou a fôrça do círculo decaem. Quando as condições são boas, são perfeitamente diferentes. Em duas ocasiões o autor viu faces nas quais poderia absolutamente jurar que uma era de sua mãe e outra de seu sobrinho, Oscar Hornung, jovem oficial morto na guerra. Por outro lado houve noites em que nenhum reconhecimento claro foi possível obter, embora entre os rostos alguns pudessem ser cha­mados de angélicos, tal a sua beleza e a sua pureza (3).

3. Vários julgamentos e experiências com esta médium se acham na obra do autor “Our American Adventure”, páginas 124 a 132; no “Glimpses of the Next State”, do Almirante Moore, páginas 216 e 312; e finalmente no relatório de Mr. Hewat McKenzle, no Psychic Science de abril de 1922.

No nível de Miss Besinnet está Mr. Evan Powell, com a mes­ma variedade, mas nem sempre com o mesmo tipo de poderes. Os fenômenos luminosos de Powell são igualmente bons. Sua produção de voz é melhor. O autor ouviu vozes de Espíritos tão altas quanto as humanas comuns e se recorda de uma ocasião em que três falavam ao mesmo tempo — uma a Lady Cowan, outra a Sir James Marchant e uma terceira a Sir Robert McAlpine. Os movimentos de objetos são comuns nas sessões de Powell e numa ocasião uma estante de 60 libras foi suspensa durante algum tem­po, sôbre a cabeça do autor. Evan Powell sempre insiste para ser amarrado fortemente durante a sessão, o que é feito, conforme êle reclama, para a sua mesma proteção, de vez que êle não pode ser responsável por seus próprios movimentos, quando se acha em transe. Isto lança um interessante esclarecimento sôbre a natu­reza de algumas mistificações. Há muita evidência, não só de que, inconscientemente, ou sob a influência da sugestão da assistência, pode o médium colocar-se numa posição falsa, mas que fôrças do mal, sempre perturbadoras ou ativamente opostas ao bom trabalho feito pelos Espíritas, possam atuar sôbre o corpo em transe e levá-lo a fazer uma coisa suspeita, visando desacreditar o médium. Algumas notáveis observações a êsse respeito, basea­das na experiência pessoal, foram feitas pelo Professor Haraldur Nielson, da Islândia, ao comentar um caso em que um do grupo cometeu uma fraude insensata e, posteriormente, um Espírito disse que ela tinha sido praticada por sua ação e instigação (4).

4. Psychic Science, Julho, 1925.

De um modo geral Evan Powell pode ser considerado como o mais largamente dotado de fõrças mediúnicas de todos os médiuns na Inglaterra. Êle prega as doutrinas espíritas em pessoa e pelo seu guia e êle próprio pode demonstrar quase tôdas as mediuni­dades. É pena que o seu negócio como vendedor de carvão no Devonshire não lhe permita uma presença constante em Londres.

A mediunidade da escrita nas lousas é uma manifestação no­tável. Tem-na em alto grau Mrs. Pruden, de Cincinnati, que recen­temente visitou a Grã-Bretanha, exibindo suas maravilhosas faculdades a muita gente. O autor fêz várias sessões com ela e expli­cou os métodos minuciosamente. Como a passagem é curta e pode tornar o assunto claro para os não iniciados, eis a sua trans­crição:

“Tivemos a sorte agora de nos pormos em contacto com um médium realmente grande — Mrs. Pruden, de Cincinnati, —que veio a Chicago assistir às minhas conferências. Realizamos uma sessão no Blackstone Hotel, devida á cortesia de seu hóspede, Mr. Holmyard, e os resultados foram esplêndidos. É uma senhora idosa, boa e de maneiras naturais. Seu dom especial é a escrita nas lousas, que jamais eu havia examinado.

Eu ouvira dizer que havia truques no caso, mas ela estava ansiosa para usar as minhas lousas e permitir que examinasse as suas. Ela prepara uma câmara escura, cobrindo a mesa com um pano e sustenta a lousa debaixo da mesa, enquanto a gente pode segurar a lousa pelo outro lado. Sua outra mão fica livre e àvista. A lousa é dupla, tendo entre as duas um pedacinho de lápis.

Após uma demora de meia hora começou a escrita. Foi a mais estranha sensação segurar a ardósia e sentir o rumor e a vibração do lápis a riscar dentro delas. Cada um havia escrito uma pergunta num pedaço de papel e o tínhamos pôsto no chão, cuidadosamente dobrado, debaixo dos panos, para que a fôrça psíquica pudesse ter as adequadas condições para o seu traba­lho, que sempre sofre a interferência da luz.

Então cada um de nós recebeu uma, resposta dada na lousa à pergunta que havia feito e teve licença para apanhar os papéis e verificar que não haviam sido abertos. A sala naturalmente estava inundada de luz e a médium não podia abaixar-se sem que

a víssemos.

Nessa manhã eu tinha um negócio, em parte espiritual, em parte material, com o Doutor Gelbert, um inventor francês. Em minha pergunta indaguei se êle era perito. A resposta na ardósia di­zia: “Acredite no Doutor Gelbert, Kingsley”. Eu não havia men­cionado na pergunta o nome do Doutor Gelbert, nem havia dito nada a respeito a Mrs. Pruden. Minha senhora recebeu uma longa men­sagem assinada por uma amiga querida. O nome era a sua verdadeira assinatura. Em conjunto era uma demonstração ab­solutamente convincente. Batidas agudas e claras sôbre os mó­veis acompanharam continuamente a nossa conversa.” (5)

5. “Our American Adventure” páginas 144 e 145.

O método geral e o resultado é o mesmo que é usado por Mr. Pierre Keeler, dos Estados Unidos. O autor não conseguiu uma sessão com êsse médium; mas um amigo que a obteve conseguiu resultados que põem a verdade dos fenômenos acima de qualquer questão. Em seu caso recebeu resposta a perguntas postas dentro de envelopes, de modo que a explicação favorita de que, de certo modo, o médium vê as tiras de papel, fica eli­minada. Quem quer que tenha assistido a Mrs. Pruden saberá, pois, que ela jamais se abaixa e que os pedaços de papel ficam aos pés do assistente.

Uma notável forma de mediunidade é a da bola de cristal, na qual as figuras se tornam visíveis aos olhos do assistente. O autor só encontrou esta uma vez, através da mediunidade de uma senhora do Yorkshire. As figuras eram nítidas, bem definidas e separadas por intervalos de uma névoa. Não pareciam revelar qualquer acontecimento passado ou futuro: consistiam de vistas, pequenos rostos, e outros objetos semelhantes.

Eis algumas das variadas formas das fôrças do Espírito, que nos foram dadas como um antídoto ao materialismo. As mais altas formas não são as físicas, mas as que se encontram em inspirados escritos de homens como Davis, Stainton Moses. ou Dale Owen. Nunca é por demais repetido que o mero fato de que a mensagem nos vem de maneira pré natural seja uma garantia de elevação e de verdade. A criatura ensimesmada e convencida, de raciocínio vulgar, e o mistificador consciente também existem no lado invisível da vida, e todos êles podem transmitir as suas valiosas comunicações através de agentes invigilantes. Tudo deve ser medido e pesado e muita coisa deve ser posta de lado, en­quanto o que restar deve ser digno de nossa mais respeitosa atenção. Mas mesmo o melhor não pode ser a última palavra: deve ser muitas vêzes emendado, como no caso de Stainton Moses, quando atingiu o Outro Lado. Aquêle grande mestre admitiu, através de Mrs. Piper, que havia pontos sôbre os quais êle tinha sido mal informado.

Os médiuns mencionados foram escolhidos como tipos de suas várias classes, mas há muitos outros que mereceriam um registro minucioso, se houvesse espaço. O autor fêz diversas sessões com Sloan e com Phoenix, de Glasgow, ambos com notáveis poderes, que cobrem quase tôda a escala dos dons espirituais e são, ou foram, homens de fora do mundo, com uma santa despreocupação pelas coisas desta vida. Mrs. Falconer, de Edimburgo, é também uma médium de transe de fõrça considerável. Da geração ante­rior o autor experimentou a mediunidade de Husk e de Crad­dock, os quais tiveram horas intensas e horas de fraqueza. Mrs. Susanna Harris também deu boas provas no setor físico, bem como Mrs. Wagner, de Los Angeles, enquanto entre os amadores John Ticknor, de New York, e Mr. Nugent, de Belfast, estão nos pri­meiros vôos do transe mediúnico.

Em conexão com John Ticknor o autor pode citar uma expe­riência feita e referida nos “Proceedings” da American Society for Psychical Research, um organismo que no passado foi dirigido quase que por opositores, como o seu parente da Inglaterra. Neste exemplo, o autor fêz um registro cuidadoso da pulsação, quando Mr. Tickenor estava em estado normal, quando manifestava o Coronel Lee, um de seus guias espirituais, e quando se achava sob a influência de “Black Hawk” (6)

6. “Gavião Preto”. — N. do T.

um guia pele-vermelha. Os valores eram, respectivamente 82, 100 e 118.

Mrs. Roherts Johnson é outra médium de resultados desiguais, mas que nas melhores condições tem um admirável poder de Voz Direta. O elemento religioso está ausente de suas sessões e a mocidade alegre do Norte que se manifesta cria uma atmosfera que diverte os assistentes, mas que choca aquêles que vêm às ses­sões com sentimentos solenes. A profunda voz escocêsa do guia de Glasgow, David Duguid, que em vida fôra um médium fa­moso, está isenta de imitação pela garganta de uma mulher; e as suas observações são cheias de dignidade e de sabedoria. O Reverendo Doutor Lamond assegurou-me que Duguid, numa dessas ses­sões, lhe havia lembrado um acidente que entre ambos ocor­rera em vida — o que é prova suficiente da realidade da in­dividualidade.

Não existe fase mais dramática e curiosa do fenômeno psíquico do que o transporte. É tão surpreendente que é difícil convencer a um céptico quanto à sua possibilidade e mesmo os Espíritas dificilmente acreditam nêle até que lhes venham as pro­vas. O primeiro contacto do autor com o conhecimento oculto foi em grande parte devido ao finado General Drayson que, naquele tempo — vai para quarenta anos — recebia, através de um médium, uma grande quantidade de transportes muito curiosos — lâmpadas hindus, amuletos, frutas frescas e outros ob­jetos. Fenômeno tão interessante e tão fácil de simular, era muito para um principiante e retardou o progresso em vez de o acele­rar. Contudo, desde então o autor encontrou o editor de conhecido jornal, que usou o mesmo médium, depois da morte do General Drayson e continuou, sob rígidas condições, a receber semelhantes transportes.

Assim, o autor foi forçado a reconsiderar o seu ponto de vista e a acreditar que tinha subestimado a hones­tidade do médium e a inteligência do assistente.

Mr. Bailey, de Melbourne, parece ser um notável médium de transporte, e o autor não acredita na sua suposta mistificação em Grenoble. O próprio relato de Bailey é que foi vítima de uma conspiração religiosa e, à vista da longa série de sucessos, é mais provável isto do que êle tenha, de maneira misteriosa, escon­dido um pássaro vivo na sala da sessão, na qual êle sabia que iria ser despido e examinado. A explicação dos pesquisadores psíquicos de que o pássaro estava escondido em seu intestino éum supremo exemplo dos absurdos que a incredulidade pode produzir. Uma vez o autor fêz uma experiência de transporte com Bailey e que é impossível de explicar de outra maneira. Ela foi assim descrita:

“Então colocamos Bailey a um canto da sala, baixamos as luzes sem as apagar, e esperamos. Quase no mesmo instante êle respirou profundamente, como se em transe e logo disse algo numa língua estranha, para mim incompreensível. Um de nossos amigos, Mr. Cochrane reconheceu-a como indiana e logo res­pondeu; algumas sentenças foram dialogadas. Então a voz disse em inglês que era um guia hindu, acostumado a fazer transportes com o médium e que esperava poder trazer um para nós. “Ei-lo aqui”, disse momentos depois, e a mão do médium se estendeu com alguma coisa. As luzes foram aumentadas e verificamos que era um perfeito ninho de pássaro, lindamente construído de fibras muito finas, misturadas com musgo. Tinha cêrca de duas pole­gadas de altura e nada indicava que tivesse havido truque. Tinha cêrca de três polegadas de largura. Nêle estava um pequeno ovo branco, com pequenas pintas castanhas, O médium, ou antes o guia hindu, agindo através do médium, colocou o ôvo na palma de sua mão e o quebrou, derramando a clara. Não havia traços de gema. “Não nos é permitido interferir com a vida”, disse êle. “Se o ovo tivesse sido fertilizado não poderíamos tê-lo tra­zido.” Estas palavras foram ditas antes de o quebrar, de modo que êle sabia em que condições estava o ôvo, o que certamente é notável.

— “De onde o trouxe? perguntei eu.

— “Da Índia.”

— “Que pássaro é êste?

— “É chamado lá pardal da floresta.”

Fiquei com o ninho e passei uma manhã com Mr. Chubb, do museu local, para verificar se realmente o ninho era de tal pássaro. Parecia muito pequeno para um Pardal Indiano, entretanto não podíamos classificar nem o ninho nem o ôvo entre os tipos australianos.

Outros ninhos e ovos transportados por Mr. Boi­ley têm sido identificados. Certamente é um bom argumento que, enquanto tais pássaros tenham que ser importados e comprados aqui, na verdade é um insulto à razão admitir que ninhos e ovos frescos também sejam encontrados no mercado. Assim, apenas pos­so garantir a extensa experiência e os elaborados ensaios do Doutor Mc Carthy de Sydney e afirmar que acredito que na ocasião Mr. Bailey foi um verdadeiro médium, com o notável dom de trans­porte.

É justo declarar que quando voltei a Londres levei um dos tijolos assírios de Bailey ao Museu Britânico e que aí declararam que era falso. Inquérito posterior mostrou que tais falsificações são feitas por judeus num subúrbio de Bagdad — e, até onde se sabe, sômente ali. Assim, a coisa não está muito mais adiantada. Para o trabalho de transporte, pelo menos, é possível que a peça falsificada, impregnada de recente magnetismo humano, é mais fácil de ser manejada do que o original, tirado de um monumento. Bailey produziu pelo menos uma centena dêsses objetos e nenhum funcionário da Alfândega informou como êles poderiam ter en­trado no país. Por outro lado, Bailey me disse claramente que os tabletes tinham passado pelo Museu Britânico, de modo que temo não poder harmonizá-lo com a verdade — e nisto está a maior dificuldade para decidir o caso. Mas a gente deve lembrar sempre que a mediunidade de efeitos físicos não tem conexão, desta ou daquela maneira, com o caráter da pessoa, do mesmo modo que os dotes poéticos” (7).

7. “The Wanderings of a Spiritualist”, páginas 103 a 105.

Os críticos esquecem, ao citar continuamente a impostura de Bailey (8),

8. “Annals of Psychical Science”, Volume 9º.

que imediatamente antes da experiência de Grenoble êle havia suportado uma longa série de testes em Milão, no curso dos quais os investigadores tomaram a extrema e injustifi­cável medida de vigiar o médium secretamente, quando no seu próprio quarto de dormir. A comissão composta de nove homens de negócio e de doutôres, não achou nenhuma falha em dezessete sessões, mesmo quando o médium foi pôsto num saco. Essas ses­sões duraram de fevereiro a abril de 1904, e foram minuciosamente discutidas pelo Professor Marzorati. Á vista de seu sucesso, muito mais foi feito na acusação na França. Se a mesma análise e o mesmo cepticismo fôssem mostrados contra as mistifica­ções como são mostrados contra os fenômenos, a opinião pública seria dirigida mais justamente.

O fenômeno de transporte parece tão incompreensível às nossas mentes que certa vez o autor perguntou a um Espírito guia se êle podia dizer algo que lançasse luz sôbre o assunto. A resposta foi: “Isto envolve alguns fatôres que estão acima da ciência humana e que não podem ser esclarecidos. Ao mesmo tempo vocês devem tomar como grosseira analogia o caso da água que se transforma em vapor. Então êsse vapor, que é invisí­vel, pode ser conduzido para qualquer lugar, para ser apresen­tado na forma visível da água”. Isto é, como se vê, antes uma analogia do que uma explicação, mas pelo menos parece apta. Deveria acrescentar-se, como foi referido na explicação, que não só Mr. Stanford, de Melbourne, como também o Doutor Mac Carthy, um dos primeiros médicos de Sydney, realizaram uma série de experiências com Bailey e ficaram convencidos da legitimidade de seus poderes.

De modo algum os médiuns citados esgotam a lista daqueles com que o autor teve oportunidade de fazer experiências; e êle não deve deixar o assunto sem aludir ao ectoplasma de Eva, que êle teve entre os dedos, ou às brilhantes luminosidades de Frau Silbert, que êle viu sair como uma coroa cintilante de sua cabeça. Ele espera que já tenha sido dito bastante para mostrar que a série de grandes médiuns não se acaba para quem quer que diligencie a sua procura seriamente e também para assegurar ao leitor que estas páginas são escritas por alguém que não mediu sacrifícios para ganhar o conhecimento prático daquilo que estuda.

Quanto àacusação de credulidade invariavelmente dirigida pelos não recep­tivos contra quem quer que tenha uma opinião positiva sôbre êste assunto, o autor pode solenemente confessar que, no curso de sua longa carreira como investigador, não pode recordar um único caso em que tenha sido mostrado claramente que êle se havia enganado sôbre qualquer ponto sério, ou tenha dado um atestado de hones­tidade a uma realização que posteriormente ficasse provado que era desonesta. Um homem crédulo não passa vinte anos lendo e fazendo experiências antes de chegar a conclusões fixas.

Nenhum relato de mediunidade de efeitos físicos seria com­pleto se não aludisse aos notáveis resultados obtidos por “Margery”, nome adotado para efeito público por Mrs. Crandon, a bela e dotada espôsa de um dos primeiros cirurgiões de Boston. Esta senhora mostrava poderes psíquicos há alguns anos e o autor teve a oportunidade de chamar para o seu caso a atenção da Comissão do Scientific American. Assim fazendo, sem o quereis expôs a muitos aborrecimentos, que eram suportados com extraordinária paciência por ela e pelo marido. É difícil dizer o que era mais aborrecido: se Houdini, o mágico, com as suas in­tempestivas e ignorantes teorias de fraude, ou os tais “cientistas” assistentes, como o Professor McDougall, de Harvard, que, depois de cinqüenta sessões e de assinar outras tantas atas, no fim de cada sessão, endossando as maravilhas registradas, ainda se sentia incapaz de fazer um julgamento, contentando-se com vagas dedu­ções. O negócio não foi salvo pela interferência de Mr. E. J. Ding. wall, da SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH de Londres, que proclamava a verdade da mediunidade em cartas particulares cheias de entusiasmo, mas negava a sua convicção em reuniões públicas. Êsses supostos especia­listas saíram da história com pouco crédito; em compensação mais de duzentos assistentes de bom senso tiveram bastante sabedoria e honestidade para exprimir realmente em depoimento aquilo que aos seus olhos se passara. Deve o autor declarar que pessoalmente experimentou com Mrs. Crandon e ficou satisfeito tanto quanto o podia numa sessão, quanto à verdade e a variedade de suas faculdades.

Neste caso o guia se diz Walter, irmão falecido daquela se­nhora e mostra uma personalidade muito marcada, com um grande senso de humor e considerável domínio de linguagem irô­nica. A produção da voz é direta, uma voz máscula, que parece atuar a poucas polegadas em frente ao rosto do médium. As fôr­ças têm sido progressivas, aumentando continuamente, até que agora alcançaram quase tôdas as variedades de mediunidade. O toque de campainhas elétricas sem contacto tem sido feito ad nauseam, de tal maneira que se poderia pensar que ninguém, a não ser um surdo como uma pedra ou um especialista, não tivesse mais dúvidas. Movimento de objetos a distância, luzes espirituais, soerguimento de mesas, transportes, e, finalmente, a clara produ­ção de ectoplasma em boa luz vermelha têm ocorrido freqüente­mente. O paciente trabalho do Doutor Crandon e de sua senhora certamente será recompensado e seus nomes viverão na história da ciên­cia psíquica, bem como, numa categoria diferente os de seus detratores.

De tôdas as formas de mediunidade a mais alta e valiosa, quando pode ser controlada, é a da escrita automática, de vez que nesta, quando na forma pura, se nos afigura um método direto de obtenção de ensinos do Além. Infelizmente é um método que se presta muito facilmente para decepções, de vez que é certo que o subconsciente do homem tem muitos poderes com os quais ainda estamos pouco acostumados. É impossível também aceitar qual­quer escrita automática com absoluta confiança como uma infor­mação cem por cento de verdade do Além. O vidro opaco ainda coa a luz que o atravessa; e o organismo humano jamais será um cristal transparente. A veracidade de qualquer comunicação parti­cular dessa escrita deve depender não de meras afirmações, mas de detalhes corroborantes, da dissemelhança geral da mente do escritor e de sua semelhança com a do suposto inspirador.

Por exemplo, se no caso do finado Oscar Wilde, obtivemos longas comunicações que não só são características de seu estilo, mas que contêm freqüentes alusões a obscuros episódios de sua própria vida e que, finalmente, são escritas com a sua própria cali­grafia, deve admtir-se que a evidência é superiormente forte. Há um grande derrame de tais escritos presentemente em todos os países de língua inglêsa. São bons, maus, indiferentes, mas os bons con­têm muita matéria que encerra os traços da inspiração. O cristão e o judeu bem podem se perguntar por que partes do Velho Tes­tamento, ao que se pensa, assim teriam sido escritas, enquanto os modernos exemplos devam ser tratados com desprêzo. “E foi-lhe trazida uma carta do profeta Elias, em que estava escrito:

Eis aqui o que diz o Senhor Deus de David, teu pai”: etc. (9)

9. Há uma diferença de denominação entre as bíblias protestante e católica.

Isto é uma das muitas alusões que mostram o antigo uso, neste particular, da comunicação de Espíritos.

De todos os exemplos de data recente nenhum se compara em grandeza e dignidade com os escritos do Reverendo George Vale Owen, cuja grande obra “A Vida Além do Véu” deve ter uma influência tão permanente quanto a de Swedenborg. Um ponto interessante, focalizado pelo Doutor A. J. Wood, é que nos mais sutis e complexos pontos há uma grande semelhança no trabalho dêstes dois videntes e tanto mais quanto se sabe que Vale Owen é muito familiarizado com os escritos do grande mestre sueco. George Vale Owen é uma figura tão destacada no moderno espi­ritismo que algumas notas a seu respeito não estariam fora de propósito. Nasceu em Birmingham em 1869 e foi educado no Midland Institute e no Queen’s College, em Birmingham. De­pois dos curatos de Seaforth, Fairfield e da baixa Scotland Road, divisão de Liverpool, onde teve uma grande experiência entre os pobres, tornou-se vigário de Orford, perto de Warrington, onde a sua energia conseguiu erguer uma nova igreja.

Aí ficou vinte anos, trabalhando em sua paróquia, que muito apreciava o seu mi­nistério.

Surgiram então algumas manifestações psíquicas e, fi­nalmente, foi êle compelido a exercer as suas próprias fôrças latentes na escrita inspirada, inicialmente como se viesse de sua própria mãe, depois continuada por alguns Espíritos elevados ou anjos, que tinham vindo em seu cortejo. No todo elas consti­tuem uma descrição da Vida após a morte e um corpo filosófico e de conselhos das fontes invisíveis, que ao autor se afigura pos­suir todos os sinais íntimos de uma origem elevada. A descrição é digna e amena, feita num inglês ligeiramente arcaico, que lhe dá um sabor muito característico.

Alguns extratos dêsses escritos apareceram em vários jor­nais, atraindo mais atenção por serem da pena do Vigário de uma Igreja Estabelecida. Finalmente a Lord Northcliffe chegou notícia do manuscrito; êle ficou muito impressionado com o as­sunto e com a recusa do autor em receber qualquer remunera­ção por sua publicação. Esta foi feita semanalmente no jornal de Lord Northcliffe, o Weekly Dispatch, e nenhuma outra coisa contribuiu, mais que esta, para o mais alto ensino espírita diretamente às massas. Incidentalmente foi demonstrado que a polí­tica da Imprensa no passado tinha sido não só ignorante e injus­ta, mas redondamente equivocada do baixo ponto de vista do inte­rêsse material, pois a circulação do Dispatch cresceu enormemente durante a publicação daqueles escritos. Tais coisas, entretanto, ofenderam muito a um bispo muito conservador, e Mr. Vale Owen achou-se, como todos os reformadores religiosos, como objeto de desagrado e sofreu uma velada perseguição dos superiores de sua Igreja. Com essa fôrça a impulsioná-lo e com o impulso perante tõda a comunidade espírita, êle abandonou a Igreja e entregou-se, com a família, a mercê do que a Providência lhe reservasse; sua corajosa espôsa concordou inteiramente com êle num passo que não era fácil para um casal que passara da mocidade. Depois de um giro de conferências na América e um outro na Ingla­terra, Mr. Vale Owen está atualmente presidindo uma congregação espírita em Londres, onde o magnetismo de sua presença atrai uma assistência considerável. Num excelente retrato, assim Mr. David Gow pinta Vale Owen:

“A figura alta e fina do ministro, sua face pálida e ascética, iluminada por grandes olhos, luminosos de ternura e de humor, sua atitude modesta, suas palavras calmas carregadas de magne­tismo e de simpatia, tudo isto dava a justa medida da espécie de homem que é êle.

Revelavam uma alma de rara devoção, que se mantinha sã e doce por um bondoso senso de humor e por uma visão prática do mundo. Parecia mais carregado pelo Espírito de Erasmo ou de Melanchton do que pelo áspero Lutero. Talvez hoje a Igreja não precise de Lutero.”

Se o autor incluiu esta pequena notícia ante a sua existência pessoal, é porque foi honrado por uma estreita amizade de Mr. Vale Owen e ficou em condições de poder estudar e garantir a realidade de seus dotes psíquicos.

O autor acrescentaria que teve a sorte de ouvir a Voz Direta numa sessão com sua esposa.

A voz era profunda, máscula, vinda de alguns pés acima de nossas cabeças e murmurando ape­nas um curto mas bem audível cumprimento. É de esperar que com um ulterior desenvolvimento melhores resultados sejam obti­dos. Durante anos o autor, em seu grupo doméstico, tem obtido mensagens inspiradas, através da mão e da voz de sua esposa as quais têm sido da maior elevação e, muitas vêzes, da mais evi­dente natureza. São, entretanto, muito pessoais e íntimas para serem discutidas num exame geral do assunto.

23

O Espiritismo e a Guerra

MUITA gente jamais tinha ouvido falar de Espiritismo antes do período que se iniciou em 1914, quando de súbito o Anjo da Morte penetrou em muitos lares. Os adversários do Espiritismo acharam mais conveniente considerar o cataclismo mundial como a causa principal do crescente interêsse na pesquisa psíquica. Êsses oponentes inescrupulosos também disseram que a defesa do assunto, feita pelo autor, bem como por seu ilustre amigo, Sir Oliver Lodge, era devida ao fato de cada um ter perdido um filho na guerra, daí deduzindo que o pesar lhes havia reduzido a capacidade de crítica e os levado a pensar em coisas que não aceitariam em períodos normais. O autor já refutou muitas vêzes essa grosseira mentira e mostrou o fato de suas investigações datarem de 1886. Por sua vez, assim se exprime Sir Oliver Lod­ge (1):

1. “Raymond”, página 374.

“Não se deve pensar que meu ponto de vista tenha mudado aprecíávelmente desde êsse acontecimento e com as experiências particulares relatadas nas páginas que se seguem; minha con­clusão foi sendo formada gradativamente, durante anos, pôsto que, sem dúvida, baseada em experiências da mesma espécie. Mas o acontecimento fortaleceu e liberou o meu testemunho. Agora posso ligar-me com minha experiência pessoal, e não com a alheia experiência. Enquanto a gente depende de provas relacionadas, ainda que indiretamente, com a desolação da morte dos outros, tem que ser reticente e cauteloso e, nalguns casos, silenciar. Somente por permissão especial certos fatos poderiam ser menciona­dos; e essa permissão, nalguns casos importantes, não poderia ser obtida. Então as minhas deduções foram as mesmas de agora. Mas agora os fatos me pertencem.”

Se é verdade que, antes da guerra, os Espíritos se contavam por milhões, não há dúvida que o assunto não era compreendido pelo mundo em geral, nem mesmo reconhecido como um fato. A guerra mudou tudo isto. As mortes ocorreram em quase tôdas as famílias, assim despertando um súbito interêsse concentrado na vida após a morte. A gente não só perguntava: “Se um homem morrer viverá de novo?” Procurava, ansiosa, saber se era possível a comunicação com os entes queridos que haviam perdido. Procurava-se “o toque da mão destruida e o som da voz que emudecera”. Não só milhares de pessoas investigaram diretamente, mas, como no início do movimento, a primeira tentativa era feita pelos que haviam partido. A Imprensa era incapaz de resis­tir à pressão da opinião pública e muita publicidade foi feita de casos de soldados que voltavam e, em geral, da vida após a morte.

Neste capítulo apenas uma ligeira referência será feita às diferentes maneiras por que o mundo espiritual se manifestou nas várias fases da guerra. O próprio conflito fôra predito muitas vêzes; soldados mortos se mostravam em casa e davam avisos de perigo aos seus camaradas no campo de batalha; deixavam as suas imagens em chapas fotográficas; figuras solitárias e hós­pedes legendários, não dêste mundo, eram vistos na área da luta; na verdade, sôbre tôda a cena pairava, de vez em quando, uma forte atmosfera da presença e da atividade do outro mundo.

Se, por um momento, o autor pode dar uma nota pessoal, dirá que, enquanto a sua própria perda não tivesse tido efeito sôbre os seus pontos de vista, o espetáculo de um mundo esma­gado pela dor e que ansiosamente pedia auxílio e conhecimento, certamente afetou a sua mente e o levou a compreender que êsses estudos psíquicos, que durante tanto tempo êle vinha fazendo, eram de uma enorme importância prática e não mais poderiam ser considerados como mero passatempo intelectual ou fascinante bus­ca a nova pesquisa. A prova da presença de mortos se fêz em sua própria casa e o confôrto trazido por mensagens póstumas lhe ensinou que grande consolação seria para um mundo torturado se êle pudesse compartilhar do conhecimento que se havia tornado claro para o autor. Foi tal realização que, desde 1916, o levou, e à sua espôsa, a se dedicarem largamente ao assunto, a fazer conferências em muitos países, a viajar para a Austrália, Nova Ze­lândia, e Canadá, em missões de instrução. Na verdade, esta história, pode dizer-se, obedece ao mesmo impulso que, de início, o atirou de corpo e alma na causa. Êste assunto se presta para algumas linhas numa história geral, mas se torna parte de um capí­tulo que trata da guerra, desde que foi a atmosfera da guerra que o engendrou e desenvolveu.

A profecia é um dom espiritual e qualquer prova clara de sua existência indica fôrças psíquicas, fora de nosso conhecimento normal. No caso da guerra, aliás, muitos podiam, por meios normais, como pelo uso da própria razão, predizer que a situação no mundo tinha se tornado tão intolerável por causa do mili­tarismo, que o equilíbrio não podia ser mantido. Mas algumas dessas profecias parecem tão distintas e minuciosas que se colocam acima no poder da mera razão e da previsão (2).

2. Algumas referéncias a essas profecias podem ser encontradas nas seguintes publlcações:

“Prophecies and Omens o! the Great War”, by Ralph Shirley; “ The War and the Prophets”, by Herbert Thurston; and “War Pra phec~es”, by F. O. S. Schil­ler (SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH - Jornal, Junho, 1916).

O fato geral de uma grande catástrofe mundial e a parte nela tomada pela Inglaterra, é assim referida numa comunicação espí­rita recebida pelo Grupo Oxley, em Manchester, e publicado em 1885 (3):

3. “Angelic Revelations”, Volume 5º, páginas 170 e 171.

“Por duas vezes em sete anos — a partir da data que vos foi indicada — as influências que agem contra a Inglaterra serão vito­riosas; e depois daquele tempo, virá uma terrível luta, uma tre­menda guerra, um terrível derramamento de sangue — conforme a maneira humana de falar, um destronamento de reis, uma derrubada de Poderes, grandes revoluções e perturbações; e ainda maior comoção entre as massas, produzidas pela riqueza e por sua posse. Usando essas palavras, falo de acôrdo com a linguagem humana.

A mais importante questão é: “A Inglaterra ficará perdida para sempre?” Vemos as profecias de muitos e a atitude de muitos representantes no plano externo e vemos mais claramente do que muitos na Terra nos julgam capazes; vemos que entre os ultimos indicados há os que mais amam o ouro do que aquêle prin­cípio inteiro que aquêle ouro representa.

A não ser que no começo da crise não intervenha o Grande Poder, isto é, que a Grande Fôrça operadora de que vos falei antes, e em calma dignidade passe à frente e destitua o man­dado — impondo a Paz — a profecia de alguns, que para sempre a Inglaterra mergulhará nas profundezas, será cumprida. Como os específicos átomos da vida, que compõem o Estado chamado Inglaterra, que deve mergulhar um tempo a fim de que possa vir à tona, assim deve a Nação mergulhar e mergulhar profun­damente durante uma estação; porque se acha imersa no amor do que é falso e ainda não adquiriu a inteligência que agirá como poderosa alavanca para a erguer para a sua própria dignidade. Irá ela, como o homem afogado que se afunda pela terceira e última vez, mergulhar e perder-se para sempre? Uma vez no grande todo do Todo Poderoso, deverá continuar como parte integrante. Haverá uma mão bondosa que se estenderá para a salvar e a livrar dos vagalhões dos próprios jeitos que ameaçam tragada. Com uma energia inexprimível, diz aquêle Poder: Primeiro a inglaterra! inglaterra para sempre! Mas a continuação não será no mesmo estado de coisas. Ela deve e mergulhará ainda mais, para mais ainda se erguer. O como, o porquê e a maneira por que fará a sua salvação e a sua serenidade, eu vos direi em outra ocasião; mas, aqui afirmo que, a fim de se salvar, a Inglaterra deve sofrer um derrame do seu melhor sangue.”

Sôbre detalhes da famosa profecia de M. Sonrel, em 1868, sôbre a guerra de 1870 e sua profecia menos direta sôbre a de 1914, deve o leitor consultar o livro do Professor Richet

“Trinta Anos de Pesquisas Psíquicas”, das páginas 387, até 389. A parte essencial desta última é assim concebida:

“Espere agora, espere... passam-se anos. É uma vasta guerra. Que sangria! Meu Deus! que sangria! Oh! França, oh! minha terra, está salva! Estás no Reino!”

A profecia foi dada em 1868, mas só registrada pelo Doutor Tardieu em abril de 1914.

O autor se referia antes (4)

4. “The Wanderings of a Spiritualist” (1921) página 260.

à profecia dada em Sydney, Aus­trália, pela conhecida médium Mrs. Foster Turner, mas ela suporta­ a repetição. Numa reunião em fevereiro de 1914, no Little Theatre, Castlereagh Street, perante uma assistência de cêrca de mil pessoas, numa mensagem de transe, na qual se supunha que a influência fôsse de Mr. W. I. Stead, disse ela, conforme notas tomadas na ocasião em que falava:

“Agora, não obstante não haja rumores de uma próxima Guerra Européia, desejo ainda vos prevenir que, antes de termi­nado êste ano de 1914, a Europa será afogada em sangue. A Grã-Bretanha, nossa querida pátria, será arrastada à mais horrorosa guerra que o mundo já conheceu. A Alemanha será a grande antagonista e arrastará outras nações ao seu lado. A Áus­tria será arrastada para a ruína. Cairão reis e reinos. Mi­lhões de vidas preciosas serão sacrificadas, mas a Inglaterra triun­fará por fim e surgirá vitoriosa.”

A data do término da Grande Guerra foi dada com exa­tidão em “Private Dowding”, pelo Major W. Tudor Pole, que denomina o seu livro “Um Simples Registro de Experiências com

o Depois da Morte de um Soldado morto em Campo de Batalha”. Nêsse livro, aparecido em

Londres em 1917, encontramos, à página 99, a seguinte comunicação:

Mensageiro: Na Europa haverá três grandes federações de estados. Estas surgirão naturalmente e sem derramamento de sangue; mas antes dar-se-á a batalha de A Armageddon.

W. T. Pergunta: Quanto tempo demorará isto?

Mensageiro: Não sou um ser bastante elevado; a mim não são revelados os detalhes de todos êsses maravilhosos aconteci­mentos. Até onde me é permitido ver, a paz será restabelecida durante 1919 e as federações mundiais surgirão dentro dos sete anos seguintes. Entretanto a luta atual deve terminar em 1918 e muitos anos passarão antes de se estabelecer a tranqüilidade e a paz de maneira permanente.”

Na lista das profecias ocupa um lugar a de Mrs. Piper, fa­mosa médium de transe de Boston, E. U. A., conquanto alguns a considerem um tanto vaga. Foi dada em 1898, numa sessão com o Doutor Richard Hodgson, membro preeminente da Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres e de sua congênere americana.

“Jamais, desde os dias de Melchizedek, foi o mundo terreno tão sensível à influência dos Espíritos. No próximo século ela será admiravelmente perceptível à mente humana. Farei uma declaração que com certeza ireis verificar. Ante a clara revela­ção do Espírito em comunicação, haverá uma terrível guerra em várias partes do mundo. Isto será precedido por comunicações claras. O mundo inteiro deve ser purificado e limpo, antes que o homem mortal possa ver, numa visão espiritual, seus amigos dêste lado; e ele tomará exatamente linha de ação para chegar ao estado de perfeição. Amigo, tenha a bondade de pensar nisto (5).

5. Transcrito em Light, 1914, página 349.

Nos Proceedings da Sociedade de Pesquisa Psíquica Mr. J. G. Piddington (6)

6. SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH, Volume XXXIII (March, 1923).

fala, enfim, das predições de guerra, contidas em várias escritas automáticas, especialmente nas de Mrs. Alfred Lyttelton. Em resumo, diz êle:

“Em têrmos gerais êsses escritos predizem a guerra. Assim foi com muitos. Cêrca de meia dúzia, escritos entre 9 e 21 de julho de 1914, prediziam que a guerra estava às portas.

Assim também uma anterior, foi recebida por Sir Cecil Spring-Ríce. As mensagens predizem que a guerra eventualmente conduzirá a um grande avanço nas relações internacionais e nas condições sociais. Por outro lado, dezenas de milhares de cidadãos comuns em todo o Império Britânico, pensaram e esperaram que a Grande Guerra fôsse, como dizia a frase, “uma guerra para acabar com a guerra.

Mas êsse último paralelo entre as predições nas mensagens e as crenças ou aspirações que se declaravam por tôda a parte e tão intensamente quando rebentou a guerra, é apenas superficial. Porque, enquanto a onda de idealismo que varreu o Império conti­nuou ou pelomenos se sincronizou, com o começo da guerra, du­rante muitos anos antes de 1914, as mensagens reiteradamente com­binavam as predições de uma Utopia com predições de guerra, e as tinham combinado de tal maneira que uma coisa implicava o surgimento da outra. Não vejo paralelo nisto. Os escritores, soldados, diplomatas e políticos que nos previram a guerra, pregaram os seus perigos e os seus horríveis efeitos, mas não nos disseram que essa horrível tragédia seria a gestação de um mundo melhor. Também os propagandistas de Haya e de outras conferências para o aplainamento de rivalidades internacionais não nos avisaram que a guerra mundial deveria preceder a realização da­queles desejos. Tudo era predição ou temor de um próximo caos. Só as mensagens espíritas, ao que saibamos, falam de uma esperança no após-guerra e saúdam a aproximação do caos, como prelúdio de um novo cosmos.

As predições da Guerra nas mensagens não se podem se parar das de uma eventual Utopia. As mensagens não dizem “Haverá guerra”, ponto, e mudando de assunto, “Haverá uma Utopia”. In­sinuam claramente que Utopia será conseqüência da Guerra. Con­tudo, não será possível dizer-se que os dois elementos compo­nentes da profecia permanecerão ou cairão juntos, porque as predições de Guerra se realizaram; mas realizações ou a morte das predições utópicas eventualmente influenciarão a opinião pública, como fonte de predições de guerra. Se a Utopia prevista nessas mensagens se traduzisse em fato, seria muito difícil atri­buir a predição dêsse fato como resultado da Guerra à presciência humana comum.

Então surgiria um caso, por admitir-se a pretensão das mensagens e por se dar crédito á predição dos sêres desencarnados. E se as predições utó picas fôssem recebidas como trabalho das mentes desencarnadas, com tôda probabilidade as predições da Guerra, que a elas se acham intimamente ligadas, seriam atribuidas à mesma fonte.

Há muitíssimas outras profecias que foram mais ou menos bem sucedidas. Seu exame, entretanto, não deixará de impres­sionar o estudioso com a convicção de que o sentido de tempo é menos apurado nos detalhes espirituais. Muito freqüen­temente, onde os fatos são certos, as datas são lamentavelmente erradas.

A mais exata de tõdas as profecias concernentes à Guerra parece que foi a de Sophia, uma jovem grega que, hipnotizada pelo Doutor Antoniou de Atenas, forneceu em transe oráculos falados. A data foi 6 de junho de 1914. Não só predisse a Grande Guerra, e quem seriam as partes, mas deu uma porção de detalhes, tais como a neutralidade da Itália no comêço, sua subseqüente alian­ça com a Entente, a ação da Grécia, o lugar da batalha final de Vardar, etc. É interessante, entretanto, notar que ela come­teu certos erros que tendem a mostrar que a posição do Fata­lista não é segura e que, pelo menos, há uma Larga margem que pode ser afetada pela vontade e pela ação humanas (7).

7. Revuc Métapsychque Dezembro, 1925, páginas 380 a 390.

Há muitos testemunhos relativos à ocorrência daquilo que pode ser chamado intervenção dos Espíritos durante a guerra.

O Capitão W. E. Newcome contou o seguinte (8):

8. Pearson’s Magazine, Agosto, 1919, páginas 190 e 191.

“Foi em setembro de 1916 que o 2º Suffolks deixou Loos para ir para o setor Norte de Albert. Acompanhei-os e quando nas trincheiras da linha de frente daquele setor, eu, com outros, testemunhei uma das mais notáveis ocorrências da guerra.

“Entre o fim de outubro e 5 de novembro estávamos guar­necendo aquela parte com muito pouca tropa. A 1º de novembro os alemães fizeram um ataque cerrado, com enorme esfôrço para romper a linha. Tive ocasião de descer às linhas de reserva e, durante a minha ausência, começou o ataque alemão.

“Apressei-me em voltar para a minha companhia e cheguei a tempo de dar uma mão, fazendo o inimigo recuar para as suas linhas. Êle jamais ganhou um palmo de nossas trincheiras. O assalto foi duro e curto e nós estávamos à espera de um outro assalto.

“Não tivemos que esperar muito, pois logo vimos alemães vindos pela Terra de Ninguém em ondas maciças. Antes, porém, que atingissem as nossas rêdes de arame farpado, uma figura branca, espiritual, de um soldado ergueu-se de uma cratera ou do chão, mais ou menos a cem jardas à nossa esquerda, bem em frente os nossos fios e entre a primeira linha de alemães e nós. A figura espectral caminhou então lentamente em frente às nossas linhas, cêrca de mil jardas. Sua silhueta sugeria à minha mente a de um velho oficial de antes da guerra, pois parecia usar capote da campanha, com capacete de serviço de campo. Primeiro olhou para os alemães que se aproximavam, depois virou a cabeça e começou a andar do lado de fora de nossas rêdes, ao longo do setor que guarnecíamos.

“Nosso sinal de S.O.S. tinha sido respondido por nossa arti­lharia e as balas assobiavam através da Terra de Ninguém... mas nenhuma impedia que o espectro progredisse.

Rapidamente mar­chou da nossa esquerda até a extrema direita do setor e então virou-se bem de frente para nós. Parecia olhar para cima e para baixo de nossas trincheiras e quando cada “very light” subia, êle ficava ainda mais destacado.

“Depois de um rápido exame sôbre nós, voltou-se bruscamente para a direita, e avançou em normal para as trincheiras alemãs. Os alemães retrocederam para não mais aparecer naquela noite.

“Parece que o primeiro pensamento dos homens foram os Anjos de Mons; depois alguns disseram que parecia Lorcl Kitch­ner e outros disseram que quando se voltara para nós o rosto parecia o de Lord Roberts. Sei que pessoalmente me causou um grande abalo e que durante algum tempo foi o assunto da com­panhia.

“Seu aparecimento pôde ser testemunhado por sargentos e ho­mens de minha companhia.”

No mesmo artigo do Pearson’s Magazine é contada a história de Mr. William M. Speight, que tinha perdido um irmão oficial e seu melhor amigo no ângulo saliente de Ypres, em dezembro de 1915. Viu o oficial ir ao seu refúgio na mesma noite. Na manhã se­guinte Mr. Speight convidou outro oficial a vir ao refúgio a fim de confirmar, se a visão reaparecesse. O oficial morto voltou mais uma vez e, depois de apontar um lugar no chão do refúgio, desa­pareceu. Foi feito um buraco no lugar apontado e à profundidade de três pés foi encontrado um pequeno túnel cavado pelos ale­mães, com tubos de inflamáveis e bombas de tempo, que deve­riam explodir treze horas mais tarde. A descoberta das minas poupou muitas vidas.

Mrs. E. A. Cannock, conhecida clarividente londrina, des­creve (9)

9. “Light”, 1919, página 215.

numa reunião espírita como muitos soldados mortos adotaram um método novo e convincente para se identificarem. Os soldados, na visão da clarividente, avançaram em fila indiana pela nave de uma igreja comandados por um tenente. Cada ho­mem tinha uma espécie de placa no peito, na qual estavam es­critos o nome e o lugar onde tinham vivido na Terra. Mrs. Can­nock foi capaz de ler os nomes e a descrição, e todos foram iden­tificados por vários membros da assistência. Circunstância curio­sa era que, quando um era reconhecido, desaparecia para dar lugar ao seguinte na fila.

Como tipo de outras histórias da mesma natureza podemos citar o caso descrito em “Telepathy from the Battle.front” (10).

10. “Telepatia da linha de frente”. — N. do T.

A 4 de novembro de 1914 Mrs. Fussey, de Wimbledon, cujo filho “Tab” estava servindo na França no 9º de Lanceiros, estava sentada em casa quando sentiu no braço a dor aguda de um feri­mento. Pulou da cadeira e exclamou: “Engraçado!” e esfregou o lugar. Seu marido também examinou o seu braço mas. nenhum vestígio encontrou. Mrs. Fussey continuou a sentir a dor e exclamou: “Tab está ferido no braço. Bem sei”. Na segunda-feira seguinte veio uma carta do Sub-oficial Fussey, dizendo que tinha recebido um tiro no braço e que se achava num hospital (11).

11. Light, 1914, página 595.

O caso coincide com experiências verificadas em muitos sensi­tivos que, por uma desconhecida lei de simpatia, sofreram choques simultaneamente com acidentes ocorridos em amigos, e até em estranhos, que estavam distantes.

Em muitos casos, soldados mortos têm-se manifestado na foto­grafia espírita. Um dos mais notáveis exemplos ocorreu em Londres, no Dia do Armistício, a 11 de novembro de 1922, quando a médium, Mrs. Deane, em presença de Miss Estelle Stead, tirou uma fotografia da multidão em Whitehall, nas proximidades do Cenotáfio. Foi durante os dois minutos de silêncio, e na foto­grafia vê-se um grande círculo de luz, no meio do qual estão duas ou três dúzias de cabeças, muitas das quais foram repetidas nos anos seguintes e, a despeito dos incessantes e maliciosos ata­ques à médium e ao seu trabalho, os que tiveram a melhor opor­tunidade de a controlar, não têm dúvidas do caráter supranormal das fotografias.

Devemos contentar-nos com mais um caso típico de centenas de resultados. Mr. R. S. Hipwood, 174, Cleveland Road, Sun­derland, escreve (12).

12. “The Case for Spirit Photography”, by Sir A. Conan Doyle, página 108.

“Perdemos nosso único filho na França a 27 de agôsto de 1918. Sendo um bom fotógrafo amador, tinha curiosidade pelas fotografias tiradas no Crewe Circle. Tomamos nossa própria cha­pa, meti-a eu mesmo no caixilho e escrevi o meu nome. Fiz duas exposições na máquina e obtivemos uma fotografia bem reco­nhecível. Até meu neto de nove anos pôde dizer quem era o extra, sem que ninguém lhe houvesse falado. Tendo um conhecimento completo de fotografia, posso garantir a veracidade da fotografia em todos os seus detalhes. Declaro que a fotografia que vos remeto é um retrato comum meu e de Mrs. Hipwood, com um extra de meu filho, R. W. Hipwood, 13º Regimento Welsh, morto na França, no grande avanço de agosto de 1918. Apresento aos nossos amigos em Crewe a nossa ilimitada confiança em seu trabalho.”

Nos inúmeros casos registrados de volta de soldados mortos, o seguinte se destaca porque os detalhes foram recebidos de duas fontes diversas. É contado por M. W. T. Waters (13),

13. Light, Dezembro, 20, 1919, página 407.

de Tun­bridge Wells, que se diz apenas um novato no estudo do Espiri­tismo.

“Em julho último fiz uma sessão com Mr. J. J. Vango, no curso da qual o guia me disse subitamente que estava de pé, ao meu lado, um jovem soldado ansioso por que eu transmitisse uma mensagem à sua mãe e sua irmã, que moravam na cidade. Res­pondi que não conhecia nenhum soldado perto de mim e que tivesse morrido. Contudo o camarada não queria sair; e, como meus amigos parece que se afastaram para que êle falasse, prometi satisfazer os seus desejos.

Procurei cumprir a minha promessa, mas sabendo que a sua gente era do partido da Igreja e, mais provavelmente, não acre­ditaria, fiquei pensando em como levar o recado, pois sentia que êles iriam pensar que a minha perda tinha afetado o meu cére­bro. Arrisquei-me a me aproximar de sua tia, mas o que lhe disse apenas recebeu esta resposta: “Não pode ser.” Então resolvi esperar uma oportunidade de falar diretamente à sua mãe.

Antes que se apresentasse a esperada oportunidade, uma môça da cidade, que havia perdido a mãe dois anos antes, ouvindo de minha filha que eu investigava êsse assunto, visitou-me e eu lhe emprestei livros. Um dêsses livros é “Rupert Lives”, com o qual ela ficou muito chocada e eventualmente arranjou uma ses­são com Miss McCreadie, através de quem recebeu um testemu­nho convincente, tornando-se uma crente convicta. Durante a ses­são, o moço soldado que veio a mim, lá foi ter também. Repetiu a mesma descrição que eu tinha recebido e acrescentou o seu nome — Charlie — e lhe pediu que desse o recado à sua mãe e sua irmã — a mesmíssima mensagem que eu deixara de entregar. Estava tão ansioso pela coisa que, ao terminar a sessão voltou e implorou que ela não lhe faltasse.

Agora, êstes fatos se passaram em datas diferentes — julho e setembro — exatamente a mesma mensagem foi dada através de médiuns diferentes e diferentes pessoas, e ainda há quem diga que isso é um mito e que os médiuns apenas têm os nossos pensamentos.

“Quando a minha amiga me contou a sua experiência ime­diatamente lhe pedi que fôsse comigo à mãe do rapaz e tenho a satisfação de verificar que essa dupla mensagem as convenceu a ambas, mãe e filha, e que a tia do rapaz está quase convencida da verdade, se é que não o está completamente.”

Sir William Barret (14)

14. “On the Threshold of the Unseen”, página 184.

registra essa comunicação probante, que foi recebida em Dublin, através da prancheta, com Mrs. Tra­vers Smith, filha do falecido Professor Edward Dowden. Sua amiga, Miss C., que é mencionada, era filha de um médico. Sir William chama a êste “O Caso do Alfinête de Pérola”.

Miss C., assistente, tinha um primo, oficial do nosso exér­cito na França, o qual fôra morto numa batalha, um mês antes da sessão. Ela o sabia. Um dia em que o nome de seu primo tinha sido deletreado inesperadamente numa sessão de prancheta e o nome dela dado em resposta à pergunta “Sabe quem sou eu?”, veio a seguinte mensagem.

“Diga a mamãe que dê um alfinete de pérola à môça com quem eu ia casar-me. Penso que ela deve ficar com êle.” Quan­do perguntaram o nome e o endereço da môça, êstes foram dados. O nome deletreado compreendia o seu nome de batismo, o sobre­nome, que era muito pouco comum e desconhecido de ambos os assistentes. O enderêço dado em Londres era fictício ou captado incorretamente, pois uma carta para lá enviada foi devolvida. Então pensou-se que tôda a mensagem fôsse fictícia.

Seis meses depois, entretanto, foi descoberto que o oficial tinha ficado noivo, pouco antes de ir para a frente, exatamente da môça cujo nome fôra dado. Entretanto não tinha dito isso a ninguém. Nem sua prima, nem sua família na Irlanda sabiam do fato, nem tinham jamais visto a môça ou ouvido falar em seu nome até que o Ministério da Guerra mandou os objetos do morto. Então verificaram que êle havia pôsto o nome da? môça com seu testamento, como sua parenta mais próxima — e tanto o prenome quanto o nome eram precisamente aquêles dados na sessão; e o que é igualmente notável, é que o alfinête de pérola foi achado entre os seus objetos.

Ambas as senhoras assinaram um documento que me envia­ram, afirmando a exatidão do relato. A mensagem foi gravada na ocasião e não escrita de memória depois de obtida a confirma­ção. Aqui não poderia haver a explicação da memória subli­minal, telepatia ou coincidência e a evidência indica, sem som­bra de dúvida, como mensagem telepática do oficial morto.”

Descreve o Reverendo G. Owen (15)

15. “Facts and Future Life”, (1922, páginas 53-54).

a volta de George Leaf, um de seus colegas do Curso de Bíblia, em Oxford, Warrington, que entrou para a R.A.F. e morreu na Grande Guerra:

“Algumas semanas depois sua mãe estava limpando o ladri­lho da lareira, na sala de estar. Estava ajoelhada diante da gre­lha quando sentiu um impulso para se virar e olhar a porta que se abrira na entrada. Voltou-se e viu seu filho, vestido com rou­pas de trabalho, exatamente como costumava voltar para casa todas as tardes, quando vivo. Tirou o casaco e pendurou-o na porta, como era velho hábito familiar. Então virou-se para ela, moveu a cabeça e sorriu; marchou para a cozinha, onde tinha o hábito de se lavar, antes do jantar.

Tudo era muito na­tural e vívido. Ela reconheceu que era o seu filho morto, que tinha vindo para lhe mostrar que estava vivo no mundo dos Espíritos e vivendo uma vida natural, bem, feliz e contente. Tam­bém aquêle sorriso de amor lhe disse que seu coração ainda estava com os velhos em casa. Ela é uma criatura sensível e não duvida da história um instante.

Aliás, desde a morte do filho tem sido vista na Igreja de Orford, que êle costumava freqüentar e tem sido visto em vários outros lugares.”

Há muitos exemplos de visses de soldados, coincidentes com a sua morte. Nos “Dreams and Visions of the War”, de Rosa Stuart, encontra-se êste caso:

“Uma história muito tocante me foi contada por uma senhora de Bournemouth. Seu marido. sargento nos Devons, foi para a França a 25 de julho de 1915. Ela havia recebido cartas suas regularmente, tôdas muito felizes e amáveis, de modo que ela começou a ficar com a mente calma a seu respeito, sentindo que se qualquer perigo o ameaçasse êle se sairia bem.

Na noite de 25 de setembro de 1915, cêrca de dez horas, achava-se sentada na cama, em seu quarto, conversando com outra môça, que morava com ela. A luz estava acesa e nenhuma delas pensava em ir para a cama, tão absorvidas estavam na conversa sôbre os fatos do dia e da guerra.

Sübitamente houve um silêncio. A espôsa parou de súbito, no meio de uma frase e sentou-se, olhando fixamnente no espaço.

Diante delas, fardado, estava o seu marido! Durante dois ou três minutos assim ficou, olhando para êle, e ficou chocada pela expressão de tristeza de seus olhos. Levantando-se rapidamente avançou para o lugar onde êle estava, mas lá chegando a visão tinha desaparecido.

Con quanto naquela manhã tivesse recebido uma carta dizendo que êle se achava são e bom, teve a certeza de que a visão era de mau augúrio. Tinha razão. Pouco depois recebia uma carta do Ministério da Guerra, dizendo que êle tinha sido morto em combate em Laos, a 25 de setembro de 1915, na mesma data em que lhe parecera tê-lo visto ao lado de sua cama.”

Um lado místico mais profundo das visões da Grande Guerra gira em tôrno dos “Anjos de Mons”. Mr. Arthur Machen, conhe­cido jornalista londrino, escreveu uma história, dizendo como os arqueiros inglêses do campo de Agincourt tinham interferido du­rante a terrível retirada de Mons. Mas confessou depois que havia inventado o incidente. Mas aqui, como tantas vêzes antes, a verdade provou que a ficção era um fato, ou pelo menos que fatos da mesma ordem eram contados por muitas testemunhas fidedignas. Mr. Harold Begbie publicou um livrinho, “On the Side of the Angels”, dando muitas provas e Mr. Ralph Shirley, editor da Occult Review, de Londres, o seguiu com “The Angel Warriors at Mons”, reforçando o testemunho de Mr. Begbie.

Respondendo a Mr. Machen no jornal Londrino Evening News, de 14 de setembro de 1915, um oficial britânico diz que estava lutando em Le Cateau, a 26 de agôsto de 1914, e que sua divisão se retirava e marchava durante a noite de 26 e durante o dia 27. E diz:

“Na noite de 27 eu cavalgava ao lado da coluna, com dois outros oficiais. Tinha estado falando e fazendo o possível para não dormir montado.

Enquanto marchávamos, tive consciência de um fato: no bos­que, de ambos os lados da estrada, por onde marchávamos, eu via um grande corpo de cavaleiros. Êsses cavalarianos tinham a aparência de esquadrões de cavalaria e pareciam andar dentro do bosque, na mesma direção que nós e se mantendo em linha conosco.

A noite não era muito escura e imaginei que via muito dis­tintamente os cavalarianos.

A princípio não disse uma palavra, mas os observei durante uns vinte minutos. Os outros dois oficiais tinham parado de falar.

Por fim um dêles me perguntou se eu havia visto alguma coisa no bosque. Então lhe disse o que tinha visto. O terceiro oficial também confessou que tinha observado aquêles homens nos úl­timos vinte minutos.

Tão convencidos estávamos de que eram realmente cavalarianos que na parada seguinte um dos oficiais tomou uma patrulha de reconhecimento e lá não encontrou ninguém. Então a noite se tornou mais escura e nada mais vi.

O mesmo fenômeno foi observado por muitos homens da coluna. Aliás, nós estávamos cansadíssimos e sobrecarregados, mas é uma coisa extraordinária que o mesmo fenômeno tivesse sido observado por tanta gente.

Eu mesmo estou absolutamente convencido que vi êsses cava­larianos; tenho certeza de que não existem apenas na minha ima­ginação. Não tento explicar o mistério — apenas verifico os fatos.”

A prova parece boa e ainda se deve admitir que no esfôrço e na tensão da grande retirada a mente dos homens não estava nas melhores condições para suportar provas. Por outro lado é nesses momentos de dificuldades que as fôrças psíquicas do homem geralmente estão mais ativas.

Um profundo aspecto da Guerra Mundial está envolvido na consideração de que a guerra na Terra é apenas um aspecto das batalhas invisíveis em planos mais altos onde se chocam os poderes do Bem e do Mal. O finado A. S. Sinnett, eminente teo­sofista, aborda essa questão num artigo sob o título de “Super-Physical Aspects of the War” (16).

16. The Occult Revew, Dezembro 1914, página 346.

Não podemos aqui entrar no assunto, salvo para dizer que há provas de muitas fontes a indicar que Mr. Sinnet fala de coisas que se baseiam em fatos.

Um considerável número de livros e um muito maior de ma­nuscritos registram as supostas experiências dos que morreram na guerra, que, aliás, não diferem de modo algum da dos que morreram em outras ocasiões, mas se tornam mais dramáticas, dada a ocasião histórica. O maior dêsses livros é “Raymond”. Sir Oliver Lodge é um cientista tão famoso e um pensador tão profundo que a sua corajosa e franca confissão produziu uma grande impressão sobre o público. O livro apareceu últimamente em forma condensada, e parece que fica por muitos anos como um clássico do assunto. Outros livros da mesma classe, todos corro­borativos dos principais detalhes são “The Case of Lester Colt­man”, “ClaudÉs Book”, “Rupert Lives”, “Grenadier Rolf”, “Pri­vate Dowding” e outros. Todos pintam a sorte da vida do além, que é descrita no capítulo seguinte.

24

Aspecto Religioso do Espiritismo

O ESPIRITISMO é um sistema de pensamento e de conheci­mento que se pode conciliar com qualquer religião. Os fatos básicos são a continuidade da personalidade e o poder de comu­nicação após a morte. Estes dois fatos básicos são de tão grande importância para um brâmane, um maometano ou um parse, quanto para um cristão. Assim, o Espiritismo faz um apêlo universal. Há apenas uma escola de pensamento com a qual é absoluta­mente irreconciliável: é a escola do materialismo, que sustenta o mundo em suas garras no presente e é a causa fundamental dos nossos infortúnios. Portanto a compreensão e a aceitação do Espiritismo são essenciais a salvação da humanidade, que de outro modo está fadada a descer cada vez mais no puro utilitarismo e no ponto de vista egoísta do universo. O estado tipicamente mate­rialista foi a Alemanha de pré-guerra, mas cada um dos outros modernos estados é do mesmo tipo, senão do mesmo grau.

Perguntarão por que não seriam as velhas religiões suficien­temente fortes. para recolher o mundo de sua degradação espi­ritual? A resposta é que tôdas tentaram mas tôdas falharam.

As Igrejas que as representam tornaram-se, até o extremo, formais, mundanas e materiais. Perderam todo o contacto com os fatos vivos do Espírito, e se contentam a tudo referir ao passado e a fazer um serviço de preces e de culto externo num sistema tão anti­quado e tão misturado com incríveis teologias que a mente ho­nesta sente náuseas só em pensar. Nenhuma classe se mostra mais céptica e incrédula das modernas manifestações espíritas do que aquêle próprio clero que professa a crença em ocorrências simi­lares nos tempos passados; e a recusa de aceitá-las agora é a medida da sinceridade de sua profissão.

Tanto abusaram da fé que esta se tornou impossível para muitas mentes honestas, que pedem provas e conhecimento. É o que o Espiritismo fornece. Êle baseia a nossa crença na vida depois da morte e na exis­tência de mundos invisíveis — e não sôbre a velha tradição ou sôbre vagas intuições, mas sôbre fatos provados, de modo que uma ciência da religião deve ser constituída, para dar ao homem um caminho seguro através do pantanal dos credos.

Quando afirmamos que o Espiritismo pode conciliar-se com qualquer religião não queremos dizer que tôdas as religiões te­nham o mesmo valor, ou que o ensino do Espiritismo por si só não possa ser melhor do que o Espiritismo misturado com qualquer outro credo.

Pessoalmente, o autor pensa que o Espi­ritismo sozinho satisfaz a tôdas as necessidades do homem; mas verifica que muitos homens de alto espírito, que foram incapazes de se desvencilharem de velhas convicções, também foram capazes de aceitar a nova verdade sem se desfazerem das velhas cren­ças. Mas se alguém tivesse como guia apenas o Espiritismo, não se encontraria numa posição oposta ao Cristianismo essencial, mas sim numa posição explanatória. Ambos reconhecem que o post-mortem é influenciado no seu progresso e na sua felicidade pela conduta aqui. Ambos. professam a crença na existência de um mundo de Espíritos, bons e maus, que o Cristão chama anjos e demônios e que o Espiritismo chama de guias, contrôles e Es­píritos atrasados. Ambos acreditam, em geral, nas mesmas virtu­des, no desinterêsse, na bondade, na pureza, na honestidade, que marcam um nobre caráter. Enquanto os espírítas consideram o fa­natismo como uma séria ofensa, êle é acoroçoado pela maioria das seitas cristãs. Para os Espíritas todo caminho de elevação é recomendável e êles reconhecem plenamente que em todos os credos existem almas santas e altamente desenvolvidas, que recebe­ram por intuição tudo quanto o espírita pode dar por ensino especial. A missão do espírita não é junto a êstes. Sua missão é junto àqueles que abertamente se declaram agnósticos, ou junto a outros, mais perigosos, que professam alguma forma de credo, mas nem têm idéias, nem são agnósticos sinceros.

Do ponto de vista do autor, o homem que recebeu o grande benefício da nova revelação é aquêle que diligentemente procurou tôda a escala das crenças e as achou tôdas igualmente vastas. En­tão se encontra no Vale da Escuridão, com a Morte, no fim, à es­pera de nada mais que deveres comuns e normais como sua religião ativa. Essa condição produz muitos homens de mérito, da estirpe estóica, mas não os conduz à felicidade. Então vem a prova posi­tiva da existência independente, por vêzes súbita, por vêzes em convicção lenta. A nuvem se foi para o fim de seu horizonte. Já não mais se acha no vale, mas sôbre uma elevação, lobri­gando uma série de elevações, cada qual mais bela que a anterior. Onde antes havia treva, existe agora a claridade. O dia dessa reve­lação tornou-se o dia de glória de sua vida.

Contemplando a excelsa hierarquia de sêres espirituais que lhe são superiores, o Espírita imagina de tempos em tempos que um outro grande arcanjo virá visitar a humanidade com uma missão de ensino e de esperança. Até a humilde Katie King, com a sua mensagem de humildade, dada a um grande cientista, era um anjo das alturas. Francisco de Assis, Joana DArc, Maomé, Bab-ud-Din e todo verdadeiro chefe religioso da História se en­contram entre êsses arcanjos. Mas acima de todos, de acôrdo com o nosso julgamento de ocidentais, estava Jesus, filho de um artesão judeu, a quem chamamos O Cristo. Não é para os nossos cérebros de mosquitos dizer qual o grau de divindade que havia nêle, mas na verdade podemos dizer que Êle certamente estava mais próximo de Deus do que nós, e que o Seu ensino, de acôrdo com o qual o mundo ainda não agiu, é o mais altruísta, mise­ricordioso e belo de quantos temos conhecimento, a não ser aquêle de seu santo companheiro Buddha, que também foi um mensageiro de Deus, mas cujo credo é antes para as mentes orientais do que para as européias.

Quando, porém, lançamos o olhar sôbre a mensagem do nosso inspirado Mestre, verificamos que há pouca relação entre os Seus preceitos e os dogmas e a ação de Seus atuais discípulos. Vemos também que muito daquilo que Êle ensinou natu­ralmente se perdeu, e que, para encontrar essa porção perdida, que não se achava escrita nos Evangelhos, temos que examinar as práticas da Igreja Primitiva, que era guiada por aquêles que com Êle tinham estado em íntimo contacto. Êsse exame mos­tra que tudo quanto chamamos de Espiritismo Moderno parece ter sido familiar ao grupo do Cristo, que os dons do Espírito, exaltados por São Paulo, são exatamente os que exibem os nossos médiuns e que aquelas maravilhas que deram a convicção da rea­lidade de um outro mundo à gente daqueles dias agora podem ser apreciadas e deveriam agora ter um efeito semelhante, se mais uma vez os homens procurassem a certeza sôbre êsse proble­ma vital. Êste assunto terá uma referência ligeira, bastando dizer que, longe de ter vagado pela ortodoxia, há boas razões para pensar que o espírita humilde e não dogmático, com as diretas mensagens espíritas, com a sua comunicação com os santos, e com a sua associação com aquêle alto ensino que foi chamado Espírito Santo, está mais próximo do Cristianismo primitivo do que qual­quer outra seita existente.

É muito interessante ler os primeiros documentos da Igreja e, principalmente, os escritos dos chamados Pais da Igreja e ver o ensino espírita e a prática espírita em voga naqueles dias.

Os primeiros cristãos viviam em íntimo e familiar contacto com os invisíveis, e sua absoluta fé e constância se baseavam num pes­soal conhecimento positivo que cada um havia adquirido. Sa­biam, não como especulação, mas como um fato absoluto, que a morte não significa mais que a passagem para uma vida mais ampla, que deveria ser chamada mais propriamente nascimento. Então não a temeriam absolutamente e a achariam antes como o Doutor Hodgson, quando exclamou: “Oh! como me custa a espera!” Tal atitude não afetou o seu trabalho e o seu valor neste mundo, o que é atestado pelos seus próprios inimigos. Se, nos dias que correm, os habitantes de terras. distantes se mostram ainda pio­res quando convertidos ao Cristianismo, é porque o Cristianismo que abraçaram perdeu todo o poder e virtude que existia no pri­mitivo.

Além dos primeiros Pais da Igreja, temos provas dos senti­mentos dos primeiros cristãos nas inscrições das catacumbas. Um livro interessante sôbre os cristãos primitivos de Roma, escrito pelo Reverendo Spencer Jones, Deão de Gloucester, trata parcialmente dêsses estranhos e patéticos registros. Tais inscrições têm a van­tagem sôbre tôdas as nossas provas documentárias de que não fo­ram esquecidas e que não há possibilidade de interpolação.

Depois de ler centenas delas, diz o Doutor Jones: “Os primeiros cristãos falam da morte como se ainda estivessem vivos. Falam aos seus mortos.” Eis o ponto de vista atual dos espíritas — um ponto de vista de há muito perdido pelas Igrejas. Os túmulos dos pri­mitivos cristãos apresentam um estranho contraste com os dos pagãos que os cercam. Êstes sempre se referem à morte como uma coisa final, terrível e irrevogável. “Fuisti Vale!” resume os seus sentimentos. Por outro lado, os cristãos se referiam sem­pre à feliz continuação da vida. “Agape, viverás para sempre!” ou “Victorina está em paz e em Cristo!” ou ainda, “Que Deus renove o teu Espírito!” e “Vive em Deus”. Essas inscrições bas­tam para mostrar que um ponto de vista sobre a morte, novo e infinitamente consolador, tinha sido alcançado pela humanidade.

É de notar-se, ainda, que as. catacumbas são uma prova da simplicidade dos primeiros cristãos, antes que ficassem incrustadas com tôda sorte de definições complexas e de abstrações, que se espalharam do pensamento grego e bizantino e produziram gran­des males no mundo. Um símbolo que predomina nas catacumbas é o Bom Pastor — a delicada idéia de um homem carregando um pobre cordeirinho. A gente pode perquirir as catacumbas dos primeiros séculos e nos milhares de dispositivos nada se encontra de um sacrifício cruento nem de um nascimento de virgem. En­contrar-se-á o Bom Pastor, a âncora da esperança, a palma do martírio, e o peixe que era o anagrama do nome de Jesus (1).

1. Peixe em grego é ICHTHOS. Sabendo que o CH e o TH eram sinais simples, temos um anagrama: IESUS — CRISTOS — THEOU — UIOS — SOTEROS, que quer dizer: Jesus Cristo, filho de Deus, Salvador. — N. do T.

Tudo indica uma religião simples. O Cristianismo era melhor quando se achava nas mãos dos humildes. Foram os ricos, os poderosos, os instruídos que o degradaram, que o complicaram, que o arruinaram.

Não é possível, entretanto, tirar nenhuma inferência psí­quica das inscrições e desenhos das Catacumbas. Para isto devemos voltar aos Pais pré-nicenos, onde encontramos tantas referên­cias que seria fácil compilar um pequeno livro que não contivesse mais que isso.

Temos, porém, que afinar os nossos pensamentos e as nossas palavras pelas suas, a fim de lhes aprendermos a inteira significação. Profecia, por exemplo, chamamos mediu­nidade, e um Anjo se transforma num Espírito elevado ou Guia. Tomemos a esmo alguns exemplos.

Na sua “De cura pro Mortuis”, diz Santo Agostinho: “Os Espíritos dos mortos podem ser mandados aos vivos, aos quais podem desvendar o futuro, que ficaram conhecendo por outros Espíritos ou pelos Anjos” (isto é, pelos guias espirituais) “ou pela revelação divina”. Isto é puro Espiritismo, exatamente como o conhecemos e definimos. Agostinho não teria falado nisso com tanta segurança nem com tanta justeza de definições se não tivesse tido o seu conhecimento familiar. Não há o menor indício de que isso fôsse ilícito.

Ele volta ao assunto na sua “A Cidade de Deus”, onde se refere a práticas que permitem que o corpo etéreo de uma pes­soa se comunique com os Espíritos e com os guias mais elevados e tenha visões. Aliás, essas pessoas eram médiuns — nome que apenas significa intermediário entre organismos encarnados e desencarnados.

São Clemente de Alexandria faz semelhantes alusões, como também São Jerônimo, em sua controvérsia com o gaulês Vigilan­tius (2).

2. Vigilantius foi o fundador de uma seita que proscrevia as relíquias, bem como a vida monástica, o celibato dos sacer­dotes.

É do século 4 e representa a primeira reação do espírito gaulês, contra os abusos da Igreja Romana. —N. do T.

Êste, porém, aparece em data posterior ao Concílio de Nicéia.

Hermas, figura mais ou menos apagada, que se diz ter sido amigo de São Paulo e discípulo direto dos apóstolos, é tido como o autor do livro “O Pastor”. Seja ou não apócrif a a autoria, o que é certo é que o livro foi escrito por alguém dos primeiros séculos do Cristianismo e, assim, representa as idéias predominan­tes. Diz êle: “O Espírito não responde a tôdas as perguntas nem a qualquer pessoa particular, porque o Espírito que vem de Deus não fala ao homem quando êste quer, mas quando Deus o per­mite. Assim, quando um homem que tem um Espírito de Deus” (isto é, um contrôle) “vem a uma assembléia de fiéis e quando foi feita uma prece, o Espírito enche êsse homem, que fala como Deus quer”.

Isto descreve com exatidão a nossa própria experiência psíquica, quando as sessões são bem dirigidas. Não invocamos Es­píritos, como o afirmam de contínuo os críticos ignorantes e não sabemos o que virá. Mas pedimos, usando a expressão Pai Nosso, como uma regra, e aguardamos os acontecimentos. Então vem o Espírito que é escolhido e mandado e nos fala ou escreve através do médium. Como Agostinho, Hermas não teria falado com tanta precisão, se não tivesse experiência pessoal do processo.

Orígenes faz muitas alusões ao conhecimento psíquico. É curioso comparar a crassa ignorância dos nossos atuais dirigentes espíritas com a sabedoria dos antigos. Muitas citações poderiam ser feitas; basta, porém, uma curta, tomada da sua controvérsia com Celsus.

“Muita gente abraçou a fé cristã, a des peito de tudo, porque seus corações foram mudados subitamente por algum Espírito, quer em aparição, quer em sonho.”

Exatamente dessa maneira dirigentes materialistas, a começar pelo Doutor Elliotson, mudaram de idéia quanto à vida futura e quanto à sua relação com esta vida, pelo estudo dos fatos psíquicos.

Os primeiros Pais da Igreja é que são mais definidos neste particular, pois estavam mais perto da grande fonte psíquica. As­sim, Irineu e Tertuliano, que viveram no fim do segundo século, estão cheios de alusões aos sinais psíquicos, enquanto Eusébio, escrevendo depois, verifica a sua escassez e lamenta que a Igreja se tenha tornado indigna dêles.

Escreveu Irineu: “Ouvimos que muitos irmãos na Igreja pos­suem dons proféticos” (isto é, mediúnicos) “e falam, através do Espírito, diversas línguas e revelam, no interêsse geral, coisas ocultas aos homens, explicando os mistérios de Deus”. Nenhuma passagem poderia descrever melhor as funções de um médium de alta classe.

Quando Tertuliano teve a sua grande controvérsia com Már­cio, tomou os dons mediúnicos para um teste da verdade entre os dois contendores. Proclamou que êstes se materializavam em maior profusão do seu lado, e entre essas manifestações inclui a fala em transe, a profecia e a revelação de coisas secretas. Assim, coisas que agora são ridicularizadas ou condenadas por tantos padres, no ano 200 eram a pedra de toque do Cristianismo.

Também diz Tertuliano em seu De Anima: “Temos hoje entre nós uma irmã que da natureza recebeu os dons da revelação que ela exerce em Espírito na Igreja, entre os ritos de “Dia do Senhor”, caindo em êxtase. Conversa com os anjos” (isto é, com Espíritos elevados) “vê e ouve mistérios e lê os corações de certas pes­soas, curando os que o pedem. Entre outras coisas, disse ela, me foi mostrada uma alma, em forma corpórea, e parecia um Espírito, mas não um vazio ou uma coisa vaga. Pelo contrário, pa­recia que podia ser tocada, era macia, luminosa, da côr do ar e de forma humana em todos os detalhes.”

Uma mina de informações sôbre os pontos de vista dos cris­tãos primitivos é encontrada nas “Constituições Apostólicas”. É verdade que não são apostólicas, mas Whiston, Krabbe e Bun­sen concordam que pelo menos sete dos oito livros são autênticos documentos pré-nicenos, provàvelmente do comêço do terceiro século. Seu estudo revela fatos curiosos. O incenso e as lâm­padas votivas eram usados em seus serviços, assim justificando as atuais práticas católicas. Por outro lado, os bispos e os sacer­dotes dotes eram casados. Havia um elaborado sistema de represálias contra quem quer que transgredisse as regras da Igreja. Se um clérigo comprasse um bem era cortado, bem como qualquer homem que obtivesse posição eclesiástica pela proteção mun­dana. Não havia cogitação de um Bispo superior ou Papa. O vegetarianismo e a completa abstinência de vinho eram proibidos e castigados. Essa última lei muito interessante provàvelmente nasceu de uma reação contra alguma heresia que impunha a am­bas. Um clérigo apanhado numa taverna era suspenso. O clero devia comer carne sem sangue, à maneira judaica. O jejum era freqüente e rigoroso — um dia por semana (ao que parece nas sextas-feiras) e quarenta dias na quaresma.

Entretanto, é discutindo êsses dons ou variadas formas de mediunidade que êsses documentos derramam luz sôbre os assun­tos psíquicos. Então, como agora, a mediunidade tomava diver­sas formas, como o dom das línguas, o poder curador, a profecia e outras. Diz Harnack que em cada Igreja Cristã primitiva havia três mulheres superiores: uma para curas e duas para profe­cias. Tudo isso é livremente discutido nas “Constituições”. Pa­rece que aquêles que tinham dons se consideravam superiores aos outros; então eram advertidos de que um homem pode ter dons sem possuir grandes virtudes, de modo que é espiritualmente inferior a muitos que não possuem dons.

Como no Espiritismo moderno, o objetivo dos fenômenos éa conversão dos descrentes e não um entretenimento dos ortodoxos. “Não são para as vantagens dos que os realizam, mas para a con­vicção dos descrentes; para aqueles a quem uma palavra não persuada, mas a fôrça dos sinais pode envergonhar, pois os sinais não são para os que acreditam, mas para os descrentes, tanto judeus, quanto gentios” (Constituições, Livro 8º, Seção 1).

Depois os vários dons, que em geral correspondem às nossas diferentes formas de mediunidade, são apresentados como segue:

“Portanto, ninguém que produz sinais e maravilhas julgue fiel a quem não é considerado como tal. Porque os dons de Deus que são concedidos através de Cristo são vários e uns recebem êstes, outros recebem aquêles. Porque talvez êste receba a palavra de sabedoria” (fala em transe) “e aquêle a palavra do conhecimento” (inspiração); “uns distinguem os Espíritos” (clarividência), “ou­tros o conhecimento antecipado de coisas vindouras, outros a pa­lavra de ensino” (encorporação de Espíritos) “enfim outros um longo sofrimento.” Todos os nossos médiuns necessitam dêsses dons.

Bem se pode perguntar onde, fora do Espiritismo, se acham êsses dons ou essas observâncias? em que Igrejas que se dizem ramos dêsse velho tronco?

Continuamente são observadas altas presenças espirituais. As­sim, na “Ordenação dos Bispos” encontramos: “O Espírito Santo também presente, do mesmo modo que os santos e os Espíritos oliciantes”. Em conjunto, entretanto, eu diria que temos agora maior soma de fatos espíritas do que os autores das “Constitui­ções” e que provàvelmente êsses documentos representam um declínio daquela íntima “Comunhão de Santos” que existia no primeiro século. Há razões para pensar que a fôrça psíquica não seja fixa: que venha em ondas de alta e baixa maré. Presente­mente estamos em maré montante, mas não sabemos quanto tem­po durara.

Pode dizer-se razoàvelmente que, desde que o conhecimento dos fatos relacionados com a história da Igreja primitiva é tão limitado, talvez se pudesse entrar em contacto com alguma Inte­ligência elevada que tivesse tomado parte naqueles acontecimentos, assim oferecendo uma suplementação às nossas escassas fontes de informações. Isto atualmente tem sido feito em várias mensa­gens inspiradas e ainda quando as provas dêste livro estavam sendo corrigidas houve um interessante desenvolvimento que torna claro para todo o mundo quanto deve ser estreita a conexão entre as comunicações com o outro mundo e a religião. Duas longas mensagens apareceram recentemente, pela mão de uma médium semiconsciente, Miss Cummins, mensagem esta que foi dada na velocidade de duas mil palavras por hora. A primeira é tomada como um relato da missão de Cristo, do evangelista Felipe, e a segunda é um suplemento dos Atos dos Apóstolos, que se supõe ditada por Cleofas, que ceou com o Cristo ressuscitado em Emaús. A primeira foi publicada (3)

3. “The Gospel of Philip the Evangelist”.

e a segunda breve será dada ao público.

Até onde o autor pode saber, nenhuma crítica foi feita ao escrito de Felipe, mas a sua leitura cuidadosa o convenceu de que pela dignidade e pela fôrça ela merece ser aceita como tal, porque explica de modo claro e adequado muitos pontos que haviam intrigado os comentaristas. O caso do escrito de Cleofas é, entre­tanto, ainda mais admirável, e o autor se inclina a aceitá-lo como o mais elevado documento e um dos mais evidentes sinais de origem supranormal em tôda a história do movimento. Êle foi submetido ao Doutor Oesterley, Capelão Examinador do Bispo de Londres, que é uma das maiores autoridades sôbre a história e a tradição da Igreja. ele declarou que aquêle documento apresenta todos os indícios de ser da mão de alguém que viveu naqueles dias e que se achava em íntimo contacto com o grupo apos­tólico. Muitos pontos sutis e de erudição podem ser observados, tais como o emprêgo do nome hebraico Hanan, como sendo o do Sumo Sacerdote, quando êste só é conhecido aos leitores da língua inglêsa através do seu equivalente grego Anuas. Êste é um entre os inúmeros pontos de corroboração, pràticamente acima da capacidade dos falsificadores. Entre outros pontos interessan­tes Cleofas descreve a festa de Pentecostes e declara que os Após­tolos se sentaram em círculo, com as mãos dadas, como lhes havia ensinado o Mestre. Na verdade seria interessante que a signifi­cação interna do Cristianismo, há tanto tempo perdida, fôsse agora descoberta mais uma vez, pelo culto ridicularizado e perseguido, cuja história é aqui registrada.

Êsses dois escritos representam, na opinião do autor, duas das mais convincentes provas da comunicação dos Espíritos jamais obtidas, do ponto de vista mental. Parece impossível explicá-los de outra maneira.

Tanto os Espíritas da Inglaterra quanto os dos outros países podem ser divididos em dois grupos: os que permanecem em suas respectivas Igrejas e os que formaram a sua própria Igreja. Estes últimos têm na Inglaterra cêrca de quatrocentos pontos de reunião, sob a direção geral da União Nacional Espírita. Há uma grande elasticidade quanto aos dogmas e, enquanto muitas das Igrejas são Unitárias, uma importante minoria delas são de linha cristã. Pode dizer-se que se acham em geral unidas dentro de sete princípios centrais, que são:

1. A Paternidade de Deus.

2. A Fraternidade do Homem.

3. A Comunhão dos Santos e o Ministério dos Anjos.

4. A Sobrevivência humana à morte física.

5. A Responsabilidade Pessoal.

6. A Compensação ou retribuição pelo bem ou pelo mal feito.

7. O progresso eterno aberto a cada alma.

Vê-se que todos êsses pontos são compatíveis com o Cristia­nismo comum, com exceção, talvez, do quinto. Os Espíritas consi­deram a vida terrena do Cristo e a sua morte como um exemplo antes que uma redenção. Cada um responde por seus pecados e ninguém subtrair-se-á à sua responsabilidade por um apêlo a algum sacrifício sacerdotal. Não é possível que o tirano ou o debo­chado pelo truque espiritual do falso arrependimento, escape ao justo castigo.

Um verdadeiro arrependimento o auxilia, mas a dívida será paga do mesmo modo. Ao mesmo tempo a miseri­córdia de Deus é maior do que o homem a imagina e tôdas as possíveis circunstâncias atenuantes de tentação, hereditariedade e meio ambiente serão devidamente consideradas antes que êle seja punido. Tal é, em poucas palavras, a posição das Igrejas Espíritas.

Em outro lugar (4)

4. “The New Revelation”, páginas 67-9.

o autor mostrou que, conquanto a pes­quisa psíquica, em si mesma, seja muito diversa da religião, as deduções que daí poderemos tirar e as lições que podemos aprender “Ensinam-nos a vida contínua da alma, a natureza dessa vida e como ela é influenciada por nossa conduta terrena. Se isto é diferente da religião, devo confessar que não entendo essa distinção. Para mim é religião — a sua mesma essência”. O autor também falou do Espiritismo como uma grande fôrça unificadora, talvez a única coisa ligada a cada religião, cristã ou não. Enquanto o seu ensino modificaria profundamente o Cris­tianismo convencional, as modificações seriam antes no sentido da explanação e do desenvolvimento, do que da contradição. Tam­bém se referiu à nova revelação como absolutamente fatal para o materialismo.

Nessa época materialista deve dizer-se que, sem uma crença na sobrevivência do homem após a morte, a mensagem do Cris­tianismo cai, em grande parte, em ouvidos moucos. Em seu relatório presidencial à Sociedade Americana de Pesquisas Psíqui­cas (5),

5. Jornal, Am. SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH, Janeiro 1923.

o Doutor McDougall destaca a conexão entre o colapso da religião e a propagação do materialismo. Diz êle:

“A menos que a Pesquisa Psíquica... possa descobrir fatos incompatíveiS com o materialismo, êste continuara a se espa­lhar. Nenhuma outra fôrça detê-lo-á; a religião revelada e a filosofia metafísica são igualmente inócuas à frente de sua maré montante. E se essa maré continua enchendo e avançando, como agora, todos os sinais indicam que será uma maré de destruição, que varrerá tôdas as árduas conquistas da humanidade, todas as tradições morais construídas pelos esforços de incontáveis gerações para o crescimento da verdade, da justiça e da caridade.”

É, pois, importante procurar ver em que grau o Espiritismo e a pesquisa psíquica tendem a induzir ou a reforçar a crença religiosa.

Em primeiro lugar temos muitos testemunhos para a con­versão de materialistas, através do Espiritismo, a uma crença no depois da morte, como, por exemplo, o Professor Robert Hare e o Professor Mapes, na América, o Doutor Alfred Russel Wallace, o Doutor Elliotson, o Doutor Sexton, Robert Blatchford, John Ruskin e Robert Owen, na Inglaterra. Muitos outros podem ser mencio­nados.

Se o Espiritismo fôsse devidamente compreendido, haveria poucas dúvidas a respeito de sua harmonia com a religião. A definição do Espiritismo, impressa em cada edição do jornal Light, órgão hebdomadário dos Espíritas de Londres, é a seguinte:

“Uma crença na existência e na vida do Espírito separado e independente do organismo material, e na realidade e no valor da inteligente comunicação entre os Espíritos encarnados e os desencarnados.”

As duas crenças aí expressas são artigos da fé cristã.

Se, acima de tôdas as classes, uma há que deve ser capaz de falar com autoridade sôbre as tendências religiosas do Espi­ritismo, esta é o clero. Muitos dos mais progressistas têm exter­nado seus pontos de vista sôbre o assunto em têrmos precisos. Examinemos os seus depoimentos:

O Reverendo H. R. Haweis, M. A., numa conferência feita a 20 de abril de 1900, na Aliança Espírita de Londres, disse que ali tinha vindo para dizer que nada via naquilo que acreditava fõsse o verdadeiro Espiritismo que fõsse de qualquer maneira contrário ao que êle crê que seja o verdadeiro Cristianismo. Na verdade, o Espiritismo se ajusta perfeitamente ao Cristianis­mo; parecia um legítimo desenvolvimento, e não uma contra­dição — não um antagonista... A dívida do clero — se êle conhecesse o seu dever — para com o Espiritismo, era realmente muito grande. Em primeiro lugar, o Espiritismo havia reabilitado a Bíblia. Nem por um momento poderia ser negado que aquela fé e aquêle respeito pela Bíblia estavam morrendo, em conseqüência das crescentes dúvidas do povo em relação às partes miraculosas da Bíblia. Os, apologistas se curvavam inteiramente ante a beleza da doutrina cristã, mas não podiam engolir o elemento miraculoso do Velho Testamento, nem do Novo. Pediam-lhes que acreditassem nos milagres da Bíblia e, ao mesmo tempo, ensinavam que fora do que está na Bíblia, nada de supernatural poderia acontecer. Mas agora a coisa mudou. O povo agora acre­dita na Bíblia devido ao Espiritismo; não acreditava no Espiri­tismo por causa da Bíblia. Disse mais: que quando havia iniciado o seu ministério tinha tentado livrar-se dos milagres fora da Bíblia, explicando-os à parte. Mas depois achou que não os podia explicar fora das pesquisas de Crookes, de Flammarion, de Alfred Russel Wallace.

O Reverendo Arthur Chambers, outro vigário de Brockenhurst, Hants, fêz um valioso trabalho levando alguns homens a considera­rem a sua vida espiritual, aqui e no além. Seu livro “Nossa Vida Após a Morte” chegou a cento e vinte edições. Numa confe­rência sôbre “O Espiritismo e a Luz que lança sôbre a verdade cristã”, diz:

“Por sua persistente investigação dos fenômenos psíquicos, por sua aberta insistência de que as comunicações entre os dois mundos é atualmente um fato, o Espiritismo arrastou grandes massas de criaturas a realizar que “há mais coisas entre o céu e a terra do que antes pensaram em sua filosofia”, e fêz que muitos, homens e mulheres, entendessem uma poderosa verdade tecida com a religião — uma verdade fundamental para uma correta compreensão de nosso lugar no grande universo — uma verdade a que a humanidade de todos os tempos se agarrou, a des peito do desdém dos incrédulos e da condenação dos professôres de religião. Vem-me à mente, em conclusão, o pensamento de uma maneira particular pela qual os ensinos espíritas ergueram as idéias religiosas da era que passa. Êle nos ajudou a formar uma idéia maior e mais verdadeira de Deus e de seus Desígnios.”

Em outra brilhante passagem diz:

”Sim, o Espiritismo fêz muito, muitíssimo por uma compreen­são melhor daqueles grandes fatos básicos que são inseparáveis do Evangelho de Jesus. Ajudou aos homens e mulheres a ver com visão mais clara o Grande Espírito Pai — Deus, no qual vive­mos, movemo-nos e temos o nosso ser, e aquêle vasto universo espiritual, do qual somos agora e já devemos constituir um ele­mento. Como Espírita cristão, tenho uma grande esperança — uma grande convicção do que será — isto é, que o Espiritismo, que tanto fêz pelo ensino cristão e, de um modo geral, pelo mun­do, ajudando a afugentar o temor da morte, e auxiliando-nos a compreender aquilo que foi o ensino magnífico do Cristo, reco­nhecerá completamente aquilo que o Cristo representa, à luz das verdades espíritas.”

Depois Mr. Chambers acrescentou que tinha recebido algu­mas centenas de cartas de tôdas as partes do mundo, de escri­tores que lhe exprimiam o alívio e o confôrto, assim como uma crença maior em Deus, que lhes tinha vindo pela leitura de seu livro “Nossa Vida Depois da Morte”.

O Reverendo F. Fielding-Ould, M. A., Vigário da Igreja de Cristo, Regent’s Park, Londres, é outro que proclama redondamente o bom trabalho feito pelo Espiritismo. Numa conferência a 21 de abril de 1921, sôbre “Relação entre o Espiritismo e o Cristia­nismo” diz êle:

“O mundo necessita de ensino espírita. O número de cria­turas irreligiosas hoje em Londres é de causar espanto. Há um imenso número de criaturas de tôdas as classes sociais — e falo com experiência própria — absolutamente sem religião. Não fo­ram, nunca vão à Igreja para o serviço comum, e em consciência e por hábito pensam que a morte é o fim. Nada existe além, a não ser um espêsso nevoeiro, no qual a sua imaginação é proibida de vagar. Podem dizer-se da Igreja da Inglaterra, da Romana, da Hebraica, mas são como garrafas vazias numa adega e que ainda conservam os rótulos de safras famosas.”

E acrescenta:

“Não é raro que almas desesperadas e em luta sejam socor­ridas por meio do Espiritismo.

Não conhecemos tôdas as criaturas que haviam abandonado tôda crença e que voltaram por aquêle meio? Agnósticos que haviam perdido tôda a esperança em Deus e na imortalidade, a quem a religião parecia mera forma­lidade e um esqueleto e que finalmente voltaram-se contra o agnosticismo e o injuriaram em tôdas as suas manifestações. Então lhes veio o Espiritismo como uma aurora a um homem que pas­sou a noite febril e sem sono. A princípio ficaram admirados e incrédulos, mas sua atenção se fixou: depois foram tocados no coração. Deus tinha voltado às suas vidas e nada poderia expri­mir a sua alegria e a sua gratidão”.

O Reverendo Charles Tweedale, Vigário de Weston, Yorkshire, um homem que tem trabalhado herôicamente a sua causa, refere-se a um exame do Espiritismo pela Conferência dos Bispos, realizada em Lambeth Palace, de 5 de julho a 7 de agôsto de 1920; e, falando da moderna pesquisa psíquica, diz: (6)

6. Light, Outubro, 30, 1920.

“Enquanto o mundo, em geral, se encheu com ávido inte­rêsse de despertamento, a Igreja, que pretende ser a guarda da verdade religiosa e espiritual, por mais estranho que pareça, até bem pouco tempo fêz ouvidos moucos a tôdas as modernas provas relativas á realidade daquele mundo espiritual cujo testemunho é o objeto principal de sua existência; e mesmo agora apenas dá fracos sinais de que se dá conta da importância que o assunto tem para ela...

Um importante sinal dos tempos foi a discussão dos fenômenos psíquicos na Conferência de Lambeth e a apresentação, pelo secretário, da minha brochura “Os Fenômenos Espíritas Atuais e as Igrejas”, passando-a às mãos de todos os Bispos, com o consentimento do Arcebispo. Outro sinal significativo dos tem­pos é a escolha de Sir William Barrett para fazer uma conferência no Congresso das Igrejas, sôbre assuntos psíquicos.”

O relatório dos Proceedings sôbre a Conferência de Lambeth, já mencionada, assim se refere à pesquisa psíquica:

“É possível que estejamos no limiar de uma nova ciência que, por outro método de trabalho, nos confirmará a crença em um mundo por detrás e acima do mundo que vemos e em algo dentro de nós, por meio do qual nos pomos em contacto. Jamais poderíamos imaginar em pôr um limite aos meios de que Deus se serve para trazer ao homem a realidade da vida espiritual.”

Tendo feito suas declarações precavidas, o relatório salta para um lugar seguro, adicionando uma condicional:

“Mas nada existe no culto erguido a esta ciência que valorize; há, na verdade, muita coisa que obscurece a significação daquele outro mundo e as nossas relações com êle, como desdobradas no Evangelho do Cristo e no ensino da igreja, e que deprecia os meios que nos foram dados para atingir e viver em camaradagem com aquêle mundo.”

Sob o título de “Espiritismo”, diz o relatório:

“Conquanto reconhecendo que os resultados de investigações tenham animado muita gente a descobrir uma significação espiri­tual e um objetivo na vida humana e os conduzido a pensar na sobrevivência á morte, graves perigos se vêem na tendência para transformar o Espiritismo numa religião. A prática do Espiritismo como um culto envolve a subordinação da inteligên­cia e da vontade a fôrças desconhecidas ou a personalidades e, por isso mesmo, a uma abdicação do autocontrôle.”

Um conhecido colaborador de Light, que usa o pseudônimo de Gerson, assim comenta a passagem acima:

“Sem dúvida, há um perigo na “subordinação da inteligência e da vontade a fôrças desconhecidas ou a personalidades”, mas a prática das comunicações espíritas necessariamente não envolve, como parece que pensam os Bispos, uma tal subordinação.

Outro perigo, no seu modo de ver, é a “tendência para transformar o Espiritismo numa religião.” Light e aquêles que se associam àsua atitude, jamais sentiram inclinação para isso. A possibilidade de comunicação espírita é um fato da natureza e não concordamos em elevar nenhum fato da natureza em religião. Ao mesmo tempo uma elevada forma de religião pode ser associada com um fato da natureza. O reconhecimento da beleza e da ordem no universo em si mesmo não constitui religião, mas pelo fato de inspirar reverência pela fonte daquela beleza e daquela ordem é um auxílio ao Espiritismo religioso.”

No Congresso da Igreja inglesa em 1920, o Reverendo M. A. Bay. field leu um trabalho sôbre “A Ciência Psíquica, Aliada do Cris­tianismo”, no curso do qual disse o seguinte:

“Muitos clérigos olham com suspeita a ciência psíquica e al­guns com positivo antagonismo e alarme. Sob o seu nome popular o Espiritismo chegou até a ser denunciado como anticristão. Ele deveria esforçar-se por mostrar que êsse ramo de estudos era, em conjunto, um aliado de nossa fé. Quem quer que não seja materialista é espiritualista e o próprio Cristianismo era uma reli­gião essencialmente espírita”.

E prosseguiu para se referir ao serviço prestado pelo Espiritismo ao Cristianismo, tornando possível a crença no miraculoso elemento do Evangelho.

O Doutor Edwood Worcester, num sermão sob o título de “Os Aliados da Religião” (7)

7. Jornal, American SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH, Janeiro 1923, página 323.

feito na Igreja de St. Stephen, em Fila­délfia, a 25 de fevereiro de 1923, falou da pesquisa psíquica como uma verdadeira amiga da religião e uma aliada espiritual do homem. Disse êle:

“Êle também ilumina acontecimentos importantes na vida do Senhor e nos ajuda a compreender e a aceitar as ocorrências que de outro modo seriam rejeitadas. Particularmente penso nos fenômenos concomitantes com o batismo de Jesus. Seu aparecimento no mar da Galiléia. Sua Transfiguração e, acima de tudo, a Sua Ressurreição, e o Aparecimento aos Seus Discípulos. Além dis­so, é a única real esperança que temos de resolver o problema da morte. De nenhuma outra fonte temos uma nova solução para êsse eterno mistério que nos atinge.”

O Reverendo G. Vale Owen lembra-nos que conquanto haja Espíritas que são distintamente cristãos espíritas, o Espiritismo não está confinado ao Cristianismo. Há, por exemplo, uma Sociedade Espírita Judia em Londres. A princípio, a Igreja considerava a Evolução uma adversária, mas finalmente aceitou-a, por estar de acôrdo com a fé cristã. E assim conclui:

“Assim como a aceitação da Evolução deu ao Cristianismo uma mais larga e mais digna concepção da Criação e do Criador, também a aceitação das grandes verdades sustentadas pela ciência psíquica transformarão um agnóstico num crente em Deus, tornarão am judeu num judeu melhor, um maometano num melhor mao­metano, um cristão num cristão melhor e, certamente, uma cria­tura mais feliz e mais alegre” (8).

8. “Facts and Future Life” (1922), página 170.

Dêsses resumos se vê claramente que alguns clérigos da Igreja da Inglaterra e de outras Igrejas eram concordes quanto à influên­cia benéfica do Espiritismo na religião.

Há outra importante fonte de informações sõbre as opiniões relativas às tendências religiosas do Espiritismo. É a do próprio mundo espírita. Há aí abundante material, mas devemos contentarnos com uns poucos resumos. O primeiro é do conhecido livro “Ensinos Espiritualistas”, dados através da mediunidade de Stainton Moses:

“Amigo, se outros lhe perguntam da utilidade de nossa men­sagem, e do benefício que ela pode oferecer àqueles a quem o Pai a manda, diga-lhe que é um evangelho que revelará um Deus de ternura, de piedade e de amor e não uma falsa criação da brutalidade, da crueldade e das paíxões.

Diga-lhes que ela os levará ao conhecimento de Inteligências cuja vida inteira é de amor, de misericórdia e de piedade, de valioso auxílio ao homem, combinada com a adoração do Supre­mo.

Ou esta outra, da mesma fonte:

“Gradualmente o homem foi construindo em tôrno dos ensi­nos de Jesus um muro de deduções, de especulações e de comen­tários materiais, semelhante àquele com que os Fariseus haviam cercado a lei mosaica. A tendência crescente foi para o aumentar à medida que o homem perdia de vista o mundo espiritual. De modo que chegamos a um duro e frio materialismo deduzido de ensinos que foram oferecidos para respirar espiritualidade e para eliminar um ritual sensual.

Nossa tarefa é fazer com o Cristianismo aquilo que Jesus fêz com o Judaísmo. Teríamos que tomar as velhas fórmulas e espiritualizar o seu significado, infundindo-lhes uma nova vida. Ressurreição e não abolição — eis o que desejamos. Dizemos mais uma vez que não abolimos um jota ou um til dos ensinos que Jesus deu ao mundo. Apenas varremos os comentários mate­riais do homem e vos mostramos o significado espiritual oculto, que foi esquecido... Nossa missão é a continuação daquele velho ensino que estranhamente foi alterado pelo homem. Sua fonte é a mesma; seu curso paralelo; sua finalidade a mesma.

E esta, das “Cartas de Júlia”, de W. T. Stead:

“Tivestes ensinos sôbre a comunhão (los santos; dizeis e can­tais de tôdas as maneiras que os santos acima e abaixo são um exército do Deus Vivo, mas quando um de nós dêste Outro Lado procura fazer um esfôrço prático para vos capacitar da Unidade e vos fazer sentir que sois acompanhados por tamanha nuvem de testemunhas, então há um clamor geral. É contra a vontade de Deus! É um pacto com os demônios! É uma conjura com Espíritos maus. Oh! meu amigo, meu amigo, não vos impressioneis com êsses gritos especiosos. Sou um demônio? Sou um Espírito familiar? Estarei fazendo algo contrário à vontade de Deus, quando constantemente, constantemente procuro vos inspirar mais fé nele, mais amor por Êle, por tôdas as suas criaturas e, em resumo, procuro trazer-vos para mais perto de Deus? Sabeis que faço tudo isso. É a minha alegria e a lei de meu ser.

E. finalmente, êste resumo das “Mensagens de Meslom”:

“Qualquer ensino que ajude a humanidade a crer que há uma outra vida e que a alma é fortificada lutando com denodo e ven­cendo fraquezas é bom, porque encerra aquela verdade fundamental. Se, além disso, revelar um Deus de amor, tanto me­lhor; e se a humanidade pudesse compreender êsse Amor Divino, todo sofrimento, mesmo na Terra, cessaria.”

Estas passagens de tom elevado tendem a dirigir a mente do homem para coisas mais altas e para a compreensão de um mais profundo objetivo da vida.

A fé que F. W. H. Myers havia perdido no Cristianismo foi restaurada pelo Espiritismo.

Em seu livro “Fragmentos de Pro­sa e Poesia”, num capítulo sob o título de “A Fé Final”, diz êle:

“Não posso, num sentido profundo, contrastar a minha crença atual com o Cristianismo. Considero-a antes um desenvolvimento científico da atitude e do ensino do Cristo.

“Perguntareis qual a tendência moral de todos êsses ensinos — e a resposta é surpreendentemente simples e concisa. — A ten­dência é, poder-se-ia dizer, aquilo que deve ser inevitavelmente — aquilo que a tendência de todo ensino moral vital tem sido sem­pre — a mais antiga e a mais verdadeira tendência do próprio Cristianismo. É uma reasserção — pesada agora com novas provas — da insistência do Cristo sôbre a realidade da vida interior; de sua proclamação de que a letra inata mas o Espírito vivifica, de seu resumo de que tôda a moral está no amor a Deus e ao próximo.

Muitos escritores têm-se referido à luz que a pesquisa psí­quica tem lançado sôbre a narrativa bíblica, mas a melhor expres­são dêsse ponto de vista se encontra na “Personalidade Humana” de F. W. H. Myers:

“Arrisco agora uma declaração audaciosa: prevejo que em conseqüência aas novas provas, todos os homens razoáveis, daqui a um século, acreditarão na Ressurreição do Cristo, enquanto que, à falta de novas provas, daqui a um século nenhum homem razoável o acreditaria... E, principalmente quanto à afirmação central, da vida manifesta da alma após a morte do corpo, é claro que cada vez menos será sustentada apenas pela remota tradição; que deve ser, cada vez mais, provada pela experiên­cia moderna e pela investigação. Suponhamos, por exemplo, que reunimos muitas dessas histórias, registradas em provas de pri­meira mão nessa época de crítica; e suponhamos que tôdas essas narrativas não resistam à análise; que tôdas possam ser tomadas como alucinações, incorreções ou outras persistentes fontes de erro. Podemos, então, esperar que homens razoáveis acreditem que êsse maravilhoso fenômeno, que sempre se dilui no nada quando rigorosamente analisado na moderna cena inglêsa, deva ainda conduzir à adoração religiosa, por se dizer que ocorreu num país do Oriente e numa era remota e supersticiosa? Se, em resumo, os resultados da “Pesquisa Psíquica” tivessem sido pura­mente negativos, não teria a evidência cristã — não digo a emoção cristã, mas a evidência cristã — recebido um golpe esma­gador?

Podem citar-se muitos testemunhos de eminentes homens pú­blicos. Assim escreve Sir Oliver Lodge:

“Conquanto não tenha sido por minha fé religiosa que fui levado a minha situação presente, não obstante tudo quanto aprendi tende a aumentar meu amor e veneração pela personali­dade que é a figura central do Evangelho.”

Lady Grey of Fallodon (9)

9. Fortnightly Revew, Outubro, 1922.

rende um eloqüente tributo ao Espiritismo, descrevendo-o como algo que vitalizou a religião e levou confôrto a milhares de pessoas. Falando dos Espíritas, diz:

“Como um corpo de trabalhadores, estão mais ligados ao Espírito do Novo Testamento do que muita gente da Igreja poderia pensar. A Igreja da Inglaterra deveria considerar o Espiritismo como valioso aliado. Êle faz um ataque frontal ao Materialismo e não só identifica o universo material com o espiritual, mas tem uma reserva de conhecimentos úteis e de conselhos.”

E acrescenta:

“Nêle encontro uma corrente vitalizante que traz um sôpro de vida às velhas crenças...

O mundo que estamos acostumados a associar com as Sagradas Escrituras é, em essência, idênticos a mensagem que nos vem nestes últimos escritos. Aquêles de nós que trazem a Nova Revelação no coração, sabem que o Espiri­tismo oferece uma compreensão moderna da Bíblia e é por isto que — se as Igrejas apenas o vissem — êle deve ser considerado o grande aliado da religião.”

São palavras verídicas e corajosas.

Mostra o Doutor Eugene Crowell (10)

10. “The Identity of Primitive Christianlty and Modern Spiritua­liam”, volumes 2º. Edition, New York, 1875.

que a Igreja Católica Romana sustenta que as manifestações espíritas ocorrem constantemente sob a divina autoridade da Igreja; mas as Igrejas Pro­testantes, conquanto professando a crença de que as manifesta­ções espíritas ocorreram com Jesus e os seus discípulos, repudia similares acontecimentos em nossos dias. E diz:

“Assim a Igreja Protestante, quando procurada pelos famin­tos espirituais — e há milhões nessas condições, das profundidades de cuja natureza se ergue uma poderosa demanda de alimento espiritual, — nada tem para oferecer, ou, pelo menos, nada mais que cascas...

Hoje se encontra o Protestantismo premido entre as mós do Materialismo e do Catolicismo. Cada uma dessas fôrças sôbre êle vem exercendo uma pressão crescente e êle deve penetrar-se de uma ou de outra, ou será reduzido a pó. Nas suas condi­ções atuais falta-lhe a necessária fôrça e vitalidade para resistir à ação dessas fôrças e sua única esperança está no sangue novo que só o Espiritismo é capaz de injetar em suas veias esgotadas. Acredito piamente que esta é parte da missão que o Espi­ritismo tem que realizar; e essa crença se baseia nas necessidades palpáveis do Protestantismo, e numa clara concepção da adaptabilidade do Espiritismo a essa tarefa, bem como a sua habili­dade para a realizar.”

Declara o Doutor Crowell que a difusão do conhecimento não diminuiu a curiosidade do homem moderno pelas questões relativas à sua vida espiritual e à existência futura; mas hoje êles querem prova daquilo que outrora era aceito pela fé. A teologia é incapaz de fornecer esta prova e milhões de mentes alertas, diz êle, ficam reservadas, à espera de provas satisfatórias.

O Espiritismo — sustenta êle — foi mandado para dar essa prova, que de nenhuma outra fonte será fornecida.

Algumas referências deveriam ser feitas ao ponto de vista dos Espíritas Unitários, O seu habilíssimo e sincero dirigente é Ernest W. Oaten, editor de The Two Worlds. O ponto de vista de Mr. Oaten, que é esposado por todos, exceção de um pequeno grupo de extremistas, é antes de uma reconstrução do que de uma destruição do ideal cristão. Depois de um relato muito respeitoso da vida de Cristo, conforme a explicação por nosso conhecimento psíquico, continua êle:

“Dizem que desprezo a Jesus de Nazaré. Confio mais no julgamento do Mestre do que no dos homens. Penso, porém, que conheço sua vida mais intimamente do que qualquer cristão. Não existe em tôda a História uma alma que eu tenha em mais alta estima. Detesto o lugar falso e errado no qual Êle foi pôsto por aqueles que não mais são capazes de O entender do que são de ler os hieróglifos egípcios. Mas eu amo o homem. Eu lhe devo muito, e Ele tem muito que ensinar ao mundo e que o mundo não aprenderá enquanto não tirar do pedestal de adoração e de idolatria, e O passear num jardim.

É preciso dizer que minha leitura de Sua vida é “natu­ralista”. Estou satisfeito de que assim o seja. Nada há de mais divino do que as leis que governam a vida. O Deus que estabeleceu essas leis as fêz suficientes para tôdas as suas finali­dades e não necessita de as alterar. O Deus que controla os processos terrenos é o mesmo que controla os processos da vida espiritual (11).”

11. “The Relation of Modern Spiritualism to Christianlsm”, página 23.

Aqui há que deixar o assunto. Esta história procurou mos­trar como especiais signos materiais têm sido dados pelos regen­tes invisíveis da Terra, a fim de satisfazer a necessidade de pro­vas materiais, que vêm da crescente mentalidade do homem. Também foi mostrado como êsses sinais materiais foram acom­panhados de mensagens espirituais, e como essas mensagens se voltam para as grandes fôrças religiosas primitivas do mundo, o fogo central da inspiração, que foi extinto pelas cinzas mortas daquilo que outrora fôra crença viva. O homem perdeu o con­tacto com as vastas fôrças que o rodeiam e seu saber e inspiração ficaram amarrados por penosas vibrações que constituem o seu espectro, bem como às oitavas elementares que limitam a faixa de suas percepções auditivas. O Espiritismo, o maior movi­mento produzido em 2000 anos, colhe-o desta condição, enxuga o orvalho que o encharcou e lhe mostra novas fôrças e ilimi­tados horizontes em seu redor e mais acima. Já os picos das montanhas se iluminam. Em breve até os vales estarão inundados pelo sol da verdade.

25

O Depois-da-Morte Visto pelos Espíritas

LEVA o Espírita uma grande vantagem sôbre os das velhas dispensações. Quando entra em comunicação com inteligências do Outro Lado e que já viveram em corpos terrenos, natural­mente as interroga, curioso, sôbre suas atuais condições, bem como sôbre os efeitos de suas ações terrenas sôbre a sua sorte posterior. As respostas a estas últimas perguntas, de um modo geral, justificam os pontos de vista sustentados em muitas religiões, e mostram que o caminho da virtude também é a estrada para a felicidade final. Entretanto um sistema definido é apre­sentado à nossa consideração, o qual elucida a vacuidade das velhas cosmogonias. Êsse sistema apareceu em vários livros que descrevem a experiência dos que viveram a nova vida. Devemos lembrar que tais livros não são produzidos por escritores profissionais. Dêste lado está o chamado escritor “automático”, que recebe a inspiração; do outro lado, a inteligência que o transmite. Mas nem foi dotado pela Natureza com a menor capacidade literária, nem jamais fêz a experiência de reunir nar­rativas. Também devemos ter em mente que o que quer que venha é resultado de um processo complicado, que em muitos casos deve ser incômodo para o compositor. Se pudéssemos ima­ginar um escritor terreno que tivesse de usar uma ligação inte­rurbana em vez da pena, poderíamos estabelecer uma grosseira analogia com as dificuldades do operador. E ainda, a despeito dessas grandes inconveniências, em muitos casos as narrativas são claras, dramáticas, intensamente interessantes. Raramente deixam de o ser, desde que o caminho que descrevem hoje é o que teremos que palmilhar amanhã.

Tem-se dito que essas narrativas variam enormemente e são contraditórias. O autor não achou tal. Num longo período de leitura, no qual examinou muitos volumes de supostas expe­riências póstumas, e também num grande número de mensa­gens obtidas particularmente em famílias e sem público, êle ficou chocado com a sua concordância geral. Aqui e ali aparece alguma história contendo êrros claros e, ocasionalmente há lapsos no sensacionalismo; mas em geral as descrições são elevadas, razoáveis e concordantes, entre si, mesmo quando diferem nas minúcias. As descrições de nossas próprias vidas naturalmente seriam diferentes nos detalhes e um crítico de Marte que recebesse histórias de um camponês hindu, de um caçador esquimó ou de um professor de Oxford bem poderia recusar-se a crer que tão divergentes experiências se encontrassem no mesmo planêta. Essa dificuldade não existe no Outro Lado; e não há, tanto quanto o saibamos, tão extremos contrastes na mesma esfera de vida — na verdade deve dizer-se que a característica da vida presente é a mistura de tipos diversos e dos graus de experiência, enquanto que a da outra vida é a subdivisão e a separação dos elementos humanos. O céu é diverso do inferno. Neste mundo e atualmente o homem devia fazer — e por vêzes o consegue por algum tempo — o céu. Mas há longos períodos que são muito intoleráveis imitações do inferno, enquanto purgatório deve ser o nome dado à condição normal.

No Outro Lado as condições devem ser, esquemàticamente, divididas em três. Há os que se acham presos à Terra e que trocaram os seus corpos mortais por corpos etéricos, mas que são mantidos na superfície dêste mundo, ou próximos dela, pela grosseria de sua natureza ou pela intensidade de seu interêsse mundano. Tão áspera deve ser a contextura de sua forma extra-terrena, que devem ser reconhecidos mesmo por aquêles que não possuem o dom especial da clarividência. Nessa infeliz classe errante está a explicação de todos aquêles fantasmas, espectros e aparições, as casas assombradas que têm chamado a atenção da humanidade em tôdas as épocas. Essa gente, até onde pode­mos compreender a sua situação, ainda não começou a sua vida espiritual, nem boa, nem má. Sômente quando se rompem os fortes laços da Terra é que se inicia uma vida nova.

Os que realmente começaram aquela existência encontram-se naquela faixa da vida que corresponde à sua própria condição espiritual. É o castigo do cruel, do egoísta, do fanático, do frívolo, que se encontram em companhia de seu semelhante e em mundos de luz que, variando do nevoeiro à escuridão, tipifica o seu próprio desenvolvimento espiritual. Êsse ambiente, entre­tanto, não é permanente. Os que não fizeram um esfôrço ascen­sional, entretanto, ficarão aí indefinidamente, enquanto outros que dão ouvidos ao ensino de Espíritos auxiliadores, mesmo de baixos círculos da Terra, cedo aprendem a lutar para subir a zonas mais brilhantes. Em comunicações dadas na própria família do autor, êle aprendeu o que era ter contacto com êsses sêres das trevas exteriores e teve a satisfação de receber os seus agradecimentos por uma visão mais clara de sua situação, as suas causas e os meios de cura (1).

1. Em “Trinta Anos Entre os Mortos”, do Senhor Wickland, e no Apêndice de “Glimpses of the Next State”, do Almirante lis-borne Moore, temos um relato completo da situação dos que se acham presos à Terra.

Tais Espíritos pareceriam uma ameaça constante à humani­dade porque se a aura protetora do indivíduo fôsse de certo modo defeituosa, aquêles poderiam tornar-se parasitas, estabelecendo-se nela e influenciando as ações de seu hospedeiro. É possível que a ciência do futuro possa verificar que muitos casos de inexplicável mania, de insensata violência, de súbita incli­nação para hábitos viciosos tenham essa causa, o que oferece um argumento contra a pena capital, de vez que o resultado deve ser dar mais fõrças para o mal do criminoso. Deve admi­tir-se que o assunto ainda é obscuro, que é complicado pela existência de pensamentos-forma e de formas de memória, e que, em todo caso, todos os Espíritos presos à Terra não são necessàriamente maus. Parece, por exemplo, que os monges devotos de qualquer venerável Glastonbury deveriam estar presos às suas ruínas assombradas pela simples fôrça de sua devoção.

Se o nosso conhecimento das exatas condições dos que estão presos à Terra é defeituoso, maior ainda é o dos Círculos de punição. Há uma história de certo modo sensacional em “Gone West”, de Mr. Ward; há outra mais temperada e crível na “Vida Além do Véu”, do Reverendo Vale Owen; e há muitas cor­roborações nas visões de Swedenborg, no “Espiritismo”, do Juiz Edmonds e em outros volumes. Nossa falta de informações de primeira mão é devida ao fato de que não somos Hamlets e que não temos contacto direto com os que vivem nessas esferas inferiores. Delas temos notícias indiretamente, através dos mais altos Espíritos que nelas realizam trabalhos missioná­rios, trabalhos que parecem ser realizados com tamanhas di­ficuldades e perigos quanto os que rodeariam o homem que tentasse evangelizar as mais selvagens raças da Terra. Lemos histórias da descida de Espíritos elevados às mais baixas esfe­ras, de seus combates com as fõrças do mal, de grandes príncipes do mal que são formidáveis em seus próprios reinos e de tôda uma imensa cloaca de almas nas quais os esgotos psíquicos do mundo são derramados incessantemente. Entretanto tudo isto deve ser considerado antes do ponto de vista do remédio do que do castigo. Essas esferas são as salas de espera — hos­pitais para almas doentes — onde a experiência punitiva é intentada para trazer o sofredor à saúde e à felicidade.

Nossa informação é mais completa quando nos voltamos para regiões mais felizes, nas quais parece que a beleza e a felicidade são graduadas conforme o desenvolvimento espiritual dos seus habitantes. A coisa se torna mais clara se substituirmos a bondade e o altruísmo pela expressão “desenvolvimento espi­ritual”, pois nessa direção se encontra todo o crescimento da alma. Por certo que é um assunto muito diverso do intelecto, embora a união das qualidades intelectuais com as espirituais naturalmente produzam efeitos mais perfeitos.

As condições de vida no além normal — e seria um reflexo da justiça e da misericórdia da Inteligência Central se o além normal não fôsse também o feliz além — são descritos como extraordinariamente felizes. O ar, as vistas, as casas, o am­biente, as ocupações, tudo tem sido descrito com tantos detalhes e geralmente com o comentário de que as palavras não são capazes de lhes pintar a gloriosa realidade. Pode ser que haja algo de parábola e de analogia nessas descrições, mas o autor se inclina a lhes dar inteiro valor e acredita que a “Summer­land”, como Davis a chamou, é tão real e objetiva aos seus habitantes quanto o nosso mundo para nós. Fácil é levantar uma objeção: “Por que, então, não a vemos?” Mas devemos imaginar que uma vida etérica se exprime em têrmos etéricos e que, exatamente como nós, com cinco sentidos materiais, nos afinamos com o mundo material, êles com seus corpos etéricos, se afinam com as vistas e os sons do mundo etérico. Aliás o vocábulo “éter” só é usado por conveniência, para exprimir algo muito mais sutil que a nossa atmosfera.

Absolutamente não temos prova de que o éter dos físicos seja também o meio no mundo espiritual. Pode haver outras essências finas, muito mais delicadas que o éter, como é o éter em comparação com o ar.

O céu espiritual, pois, pareceria uma sublimada e etérica reprodução da Terra e da vida terrena, em condições melhores e mais elevadas. “Embaixo — como em cima, dizia Paracelso, e fêz soar a nota fundamental do universo, quando o pro­clamou. O corpo leva, consigo, suas qualidades espirituais e intelectuais, imutáveis pela transição de uma sala da grande mansão universal para a vizinha. É inalterado na forma, salvo que o jovem e o velho tendem para uma expressão normal de completa maturidade. Garantindo que assim é, devemos admi­tir a racionalidade da dedução de que tudo o mais deve ser do mesmo modo e que as ocupações e o sistema geral de vida deve ser tal que permita oportunidades para os talentos especiais do indivíduo. O artista sem arte e o músico sem música seriam figuras trágicas e o que se aplica a tipos extremos deve esten­der-se a tôda a humanidade. Há, de fato, uma sociedade muito complexa, na qual cada um encontra o trabalho a que mais se adapta e que lhe causa maior satisfação. Por vêzes há uma escolha. Assim, em “O Caso de Lester Coltman”, escreve o estudante morto: “Algum tempo depois que eu tinha passado, tinha dúvidas sôbre qual seria o meu trabalho: se música ou se ciência. Depois de muito pensar determinei que a música deveria ser um passatempo e minha maior atividade deveria diri­gir-se para a ciência em todos os aspectos”.

Depois de uma tal declaração naturalmente a gente deseja detalhes de como um trabalho científico era feito e em que condições. Lester Coltman é claro em todos os pontos.

“O laboratório sob a minha direção é inicialmente ligado ao estudo dos vapores e fluídos que formam a barreira que, penso, por meio de profundo estudo e experiência, somos capazes de atravessar. O resultado dessa pesquisa, pensamos nós, provará o “Abre-te Sésamo” da porta de comunicação entre a Terra e essas esferas.” (2)

2. “Case of Lester Coltman”, by Lilian Walbrook, página 34.

Lester Coltman dá outra descrição de seu trabalho e do ambiente, que bem pode ser citada como um modêlo de muitas outras. Diz ele (3)

3. Ibid. páginas 32-33.

“O interêsse mostrado por seres terrenos em relação ao caráter de nossas casas e dos estabelecimentos onde se realiza o nosso trabalho é, aliás, natural, mas a descrição não é muito fácil de ser feita em têrmos terrenos. Meu estudo servirá como um exemplo, do qual deduzirei o modo de vida de outros, con­forme o temperamento e o tipo de mente.

Meu trabalho continuou aqui como tinha começado na Terra, por canais científicos e a fim de prosseguir meus estudos, visitei com freqüência um laboratório que possuía extraordinárias e completas facilidades para a realização de experiências. Tenho a minha casa, extremamente agradável, completada por uma biblioteca com livros de referência — histórica, científica e médica — e, de fato, com todos os tipos de literatura. Para nós tais livros são tão substanciais, quanto os usados na Terra. Tenho uma sala de música, contendo todos os modos de ex­pressão dos sons. Tenho pinturas de rara beleza e móveis de desenho esquisito. Atualmente vivo só, mas freqüentemente os amigos me visitam, assim como os visito, e se um pouco de tristeza por vêzes se apodera de mim, visito aos que mais amei na Terra.

Da minha janela se avista um campo ondulante de grande beleza e a pouca distância da casa existe uma comunidade, onde boas almas que trabalham em meu laboratório vivem em feliz con­córdia... Um velho chinês, meu assistente-chefe, de grande valor nas pesquisas químicas, é o diretor, como o era, da comu­nidade. É uma alma admirável, de grande simpatia e dotado de enorme filosofia.”

Eis outra descrição que trata do mesmo assunto (4):

4. “Thought Lectures from “The Spiritualist Reader”, página 53.

“É muito difícil dizer-vos acêrca do trabalho no mundo espiritual. A cada um é designada a sua tarefa, conforme o progresso que haja realizado. Se uma alma tiver vindo diretamente da terra, ou de algum mundo material, então deve aprender tudo quanto haja desprezado na passada existência, a fim de desenvolver o seu caráter para a perfeição.

Como tiver feito sofrer na terra, assim sofrerá. Se tiver muito talento, levá-lo-á à perfeição aqui. Porque se tiverdes muito talento musical ou qualquer outro, nós os temos aqui e maiores. A música é uma das forças motoras do nosso mundo. Mas, conquanto as artes e os talentos sejam desenvolvidos ao máximo, o grande trabalho das almas é o seu aperfeiçoamento para a vida eterna.

Há grandes escolas que ensinam os Espíritos-criança. Além de aprenderem tudo acerca do universo e de outros mundos, acerca de outros reinos sob as leis de Deus, aprendem lições de altruísmo, de verdade e de honra. Os que aprenderam antes como Espíritos-criança, se tiverem que voltar ao mundo, aparecem como os mais elevados caracteres.

Os que passaram a existência material em menores trabalhos físicos tem que aprender tudo quando aqui chegam. O trabalho é uma coisa maravilhosa e os que se tornam mestres de almas aprendem consideravelmente. As almas de literatos se tornam grandes oradores e falam e ensinam em linguagem eloqüente. Há livros mais de forma muito diversa dos vossos.

Um que estudou as vossas leis terrenas entraria na escola espírita como professor de justiça. Um soldado que tenha aprendido as lições da verdade e da honra, guiará e ajudará, as almas, de qualquer esfera ou mundo, a luta pela correta fé em Deus.

No grupo doméstico do autor, o Espírito íntimo falou de sua vida no além, respondendo à pergunta: “Que faz você?”

- “Ocupo-me de música, de criança, amando e cuidando de uma porção de outras coisas. Mais muito mais do que na velha Terra. Nada aborrece a gente aqui. E isto torna tudo mais feliz e mais completo.”

- “Fale acerca da morada.”

- É bonita nunca vi uma casa na Terra que se comparasse com ela. Tantas flores! – Um mundo de cores em todas as direções; e tem perfumes tão maravilhosos, cada qual diferente, mas tão agradáveis!”

- “Vê outras casas?”

- “Não; se o fizesse estragaria a paz. A gente só as vezes procura a natureza. Cada casa é um oásis, se assim posso dizer. Além, há cenários maravilhosos e outras casas cheias de gente querida, suave, brilhante, risonha, alegre, pelo sim­ples fato de viver em tão maravilhoso ambiente. Sim, é belo. Nenhuma mente terrena pode conceber a luz e a maravilha disso tudo. As côres são muito mais delicadas e, de um modo geral, a vida doméstica é muito mais radiosa.”

Outro resumo do Grupo Doméstico do autor, talvez seja permitido, de vez que as mensagens foram misturadas com mui­tas provas que inspiram a mais completa confiança naqueles que estão ligados aos fatos:

“Pelo amor de Deus sacuda essa gente, êsses cabeçudos que não querem pensar. O mundo necessita dêsse conhecimento. Se ao menos eu tivesse tido tal conhecimento na Terra! êle teria alterado a minha vida — o Sol teria brilhado sôbre o meu caminho sombrio, se eu tivesse conhecido o que está àminha frente.

“Nada é chocante aqui. Não há atravessadores. Estou interessado em muitas coisas, a maioria delas humanas, o desen­volvimento do progresso humano e, acima de tudo, a regeneração do plano terreno. Sou um dos que trabalham pela causa braço a braço convosco.

“Nada temais. A luz será tanto maior quanto maior a escuridão que tiverdes atravessado.

Voltarei muito breve, se Deus quiser. Nada poderá opor-se. Nem as fôrças das trevas prevalecerão um minuto contra a Sua luz. Todo o trabalho em massa será varrido. Apoiai-vos ainda mais em nós, porque a nossa capacidade de ajuda é muito grande.”

— “Onde estais?”

— “É tão difícil explicar-vos as condições aqui. Estou onde mais desejava estar, isto é, com os meus entes queridos, onde posso estar em íntimo contacto com todos no plano terreno.”

— “Tendes alimento?”

— “Não no vosso sentido, mas muito mais fino. Tão amáveis essências e tão maravilhosos frutos, além de outras coisas que não tendes na Terra!

“Muita coisa vos espera com as quais ficareis surpreen­didos — tudo belo e elevado e tão suave e luminoso. A vida foi uma preparação para esta esfera. Sem aquêle treinamento não teria sido capaz de entrar neste mundo glorioso de mara­vilhas. É na Terra que aprendemos as lições e neste mundo está a nossa maior recompensa o nosso verdadeiro e real lar e a vida — o Sol depois da chuva.”

O assunto é tão enorme que apenas pode ser tocado em têr­mos gerais num só capítulo. O leitor é remetido para a mara­vilhosa literatura que se desenvolveu, dificilmente conhecida pelo mundo, em tôrno do assunto. Livros como o “Raymond”, de Oliver Lodge; “A Vida Além do Véu”, de Vale Owen; “A Tes­temunha”, de Mrs. Platts; “O Caso de Lester Coltman”, de Mrs. Walbrook e muitos outros dão uma clara e sólida idéia dessa vida do Além.

Lendo essas numerosas descrições da vida depois da morte, a gente naturalmente pergunta até onde podem ser acredita­das. É confortador verificar quanto são concordes, o que constitui um argumento em favor da verdade. Poderiam contestar que tal concordância se deve ao fato de derivarem, tôdas, cons­cientemente ou não, de uma fonte comum. Mas é uma supo­sição inconsistente. Muitas delas vêm de gente que absolutamente não podia conhecer os pontos de vista dos outros, mas ainda concordam, até nos mínimos detalhes. Por exemplo, na Austrália o autor examinou tais relatos escritos por homens que viviam em lugares remotos, que honestamente se conten­tavam com aquilo que haviam escrito. Um dos mais notáveis casos é o de Mr. Herbert Wales (5).

5. “The New Revelation”, página 146.

Êsse cavalheiro, que tinha sido, e talvez ainda seja, um céptico, leu uma história do autor, sôbre como são as condições além da morte; e foi rebuscar um trabalho que havia escrito há anos, mas que recebera com incredulidade. E escreveu: “Depois de ler o vosso artigo fiquei chocado, quase estatelado, pelas circunstâncias de que as coisas imaginadas por mim e relativas às condições da vida de além­túmulo — penso que até nos menores detalhes — coincidem com as que descreveis como resultado de vossa coleção de materiais obtidos de várias fontes.” O resto das conclusões de Mr. Wales se acham no Apêndice.

Tivesse essa filosofia girado sôbre os grandes altares rece­bendo uma adoração perpétua, poderiam dizer que era um reflexo daquilo que nos ensinaram na infância. Mas é muito diferente — e, certamente, muito mais razoável. Um campo aberto éapresentado para o desenvolvimento de tõdas as capacidades com que fomos dotados. A ortodoxia permitiu a continuada existência de tronos, de coroas, de harpas e de outros objetos celestes. Não será mais sensato admitir que se algumas coisas podem sobreviver, tôdas o poderão, em formas tais que se adap­tem ao ambiente? Como examinamos tôdas as especulações da humanidade, talvez os Campos Elísios dos Antigos e as felizes regiões de caça dos Peles-Vernelhas estejam mais próximas dos fatos atuais do que essas fantásticas representações do céu e do inferno, descritas nas visões extáticas dos teólogos.

Um céu tão vulgar e caseiro pode parecer material a muitas mentes, mas devemos lembrar que a evolução foi muito lenta no plano terreno e ainda o é no espiritual. Em nossa presente baixa condição, não podemos atingir o que é celestial. Será trabalho de séculos — possivelmente de anos. Ainda não esta­mos preparados para uma vida puramente espiritual.

Como, po­rém, nós mesmos nos tornamos mais finos, também se transfor­mará o nosso ambiente e nós evoluiremos de céu a céu, até que o destino da alma se perca no fogo da glória, onde não pode ser acompanhada pelos olhos da imaginação.

APÊNDICE 1

NOTAS AO CAPÍTULO 4 - PROVA DA ASSOMBRAÇÃO DA CASA DE HYDESVILLE ANTES DE SER HABITADA PELA FAMÍLIA FOX

Atesta a Senhora Ann Pulver:

“Eu mantinha relações com o Senhor e Senhora Reli, que habitavam a casa em 1844. Visitava-os freqüentemente. Minhas agulhas de tricô ficavam em seu quarto e lá eu fazia o meu trabalho. Uma manhã, quando lá cheguei, a Senhora Reli me disse que se sentia muito mal: quase não dormira de noite. Quando lhe perguntei a razão respondeu que não sabia senão de rumores; mas pensava ter ouvido alguém a andar de um quarto para o outro e que tinha feito o marido levantar-se e trancar as janelas. Depois disso sentiu-se mais segura. Perguntei-lhe se imaginava alguma coisa. Disse que podiam ser ratos. Ouvia-a falar, posteriormente, de rumores que não podia descrever.

A senhorita Lucretia Pulver deu o seu testemunho:

“Vivi naquela casa durante um inverno, com a família Reli. Trabalhava para ela uma parte do dia e o resto do tempo ia a escola ou bordava. Vivi assim cêrca de três meses. No fim dêsse período freqüentemente ouvia batidas na cama e abaixo dos pés da mesma. Ouvi uma porção de noites, pois dormia nesse quarto todo o tempo que lá estive. Uma noite parece-me ter ouvido um homem andando pela dispensa. Esta peça era separada do quarto pela escada. A senhorita Aurélia Losey ficou comigo naquela noite; ela também ouviu o barulho e ambas ficamos muito assustadas; levantamo-nos e fechamos as janelas e trancamos a porta. Parece que alguém andava pela despensa, na adega, e até no porão, onde o barulho cessava. Nessa ocasião não havia mais ninguém na casa, exceto meu irmãozinho, adormecido no mesmo quarto que nós. Isto foi cêrca de meia-noite. Não tínhamos ido para a cama senão depois das onze e ainda não tínhamos dor­mido quando ouvimos o barulho, O Senhor e Senhora Bell tinham ido a Loch Berlin, onde ficariam até o dia seguinte”.

Assim fica provado que ruídos estranhos eram ouvidos na­quela casa em 1844.

Outra família, chamada Weekman, aí viveu de 1846 a 1847 e observou as mesmas experiências.

DEPOIMENTO DA SENHORA HANNAH WEEKMAN

Ouvi falar nos ruídos misteriosos que eram ouvidos na casa agora ocupada pelo Senhor Fox. Nós moramos na mesma casa cêrca de um ano e meio, daí nos mudando para onde agora estamos. Há cêrca de um ano, quando lá habitávamos, ouvimos alguém, conforme pensamos, batendo de leve na porta de entrada. Eu acabara de me deitar, mas meu marido ainda não. Assim, ele abriu a porta e disse que não havia ninguém. Voltou e já estava para se deitar quando novamente ouvimos bater à porta. Ele foi então abri-la e disse que não via ninguém; não obstante esperou um pouco. Então voltou e deitou-se. Veio muito zangado, pois supunha fôsse algum garôto da vizinhança querendo aborrecer-nos. Assim, disse que “eles podiam bater, mas não o levariam na brincadeira”, ou coisa semelhante.

As batidas foram ouvidas novamente; depois de algum tempo êle se levantou e saiu. Eu lhe disse que não saísse, pois temia que alguém quisesse pegá-lo fora e o agredisse. Ele voltou e disse que nada tinha visto. Ouvimos muito barulho durante a noite; dificilmente poderíamos dizer onde era produzido; por vêzes pare­cia que alguém andasse na adega. Mas a casa era velha e pen­samos que fôssem estalos da madeira ou coisa semelhante.

Algumas noites depois uma de nossas meninas, que dormia no quarto onde agora são ouvidas as batidas acordou-nos a todos soluçando. Meu marido, eu e a empregada nos levantamos imediatamente para ver o que se passava. Ela sentou-se na cama em pranto e nós custamos a verificar o que se passava. Disse ela que algo se movimentava acima de sua cabeça e que ela sentia um frio sem saber o que era. Disse havê-lo sentido sôbre ela tôda, mas que ficara mais alarmada ao senti-lo sôbre o rosto. Estava muito assustada. Isto se passou entre meia-noite e uma hora. Ela se levantou e foi para a nossa cama, mas custou muito a adormecer. Só depois de muitos dias conseguimos que fôsse dormir em sua cama. Tinha ela então oito anos.

Nada mais me aconteceu durante o tempo em que lá mora­mos. Mas meu marido me disse que uma noite o chamaram pelo nome, de algum lugar na casa — não sabia de onde —mas jamais pôde saber de onde e quem era. Naquela noite eu não estava em casa: estava assistindo uma pessoa doente.

Então não pensávamos que a casa fôsse assombrada...

Assinado: Hannah Weekman

11 de abril, de 1848.

DEPOIMENTO DE MICHAEL WEEKMAN

Sou marido de Hannah Weekman. Morávamos na casa agora ocupada pelo Senhor Foz, na qual dizem que ruídos estranhos são ouvidos. Aí moramos cêrca de um ano e meio. Uma noite, à hora de dormir, ouvi batidas. Supunha que fôsse alguém que quisesse entrar. Não disse o costumeiro “pode entrar” fui até à porta. Não encontrei ninguém, voltei e exatamente quando ia para a cama ouvi novas batidas e rápidamente abri a porta, mas não vi ninguém. Então me deitei. Pensei que alguém estivesse querendo divertir-se. Depois de alguns minutos ouvi novas pancadas e, depois de esperar um pouco e, ainda as ouvindo, levantei-me e fui à porta. Desta vez saí e rodeei a casa mas não encontrei ninguém. Voltei, fechei a porta e segu­rei o ferrôlho, pensando que se viesse alguém seria pilhado. Dentro de um ou dois minutos nova batida. Eu estava com a mão na porta e a batida parecia na porta. Podia sentir a vibra­ção das batidas. Abri instantâneamente a porta e saí rápido, mas não havia ninguém à vista. Então dei nova volta à casa mas, como da outra vez, nada encontrei. Minha mulher tinha dito que era melhor não sair, pois talvez fôsse alguém que me quisesse agredir. Não sei o que pensar, pois parece estranho e incrível.

Então relata o caso da menina assustada, como ficou dito acima.

Uma noite, após isto, despertei cêrca de meia-noite e ouvi pronunciarem o meu nome. Parecia que a voz vinha do lado sul do quarto. Sentei-me na cama e escutei, mas não mais ouvi. Não me levantei, mas esperei que repetissem. Naquela noite minha mulher não estava em casa. Contei-lhe isto depois e ela me disse que eu estava sonhando. Freqüentemente minha mu­lher se assustava com estranhos ruídos dentro e fora da casa.

Tenho ouvido tais coisas de homens fidedignos acêrca dos ruídos que agora se ouvem que, ligados ao que ouvi, não posso deixar de supor que sejam sobrenaturais. Desejo prestar uma declaração dos fatos acima, caso necessario.

11 de abril, de 1848.

Assinado: Michael Weekman

RESUMO DO ARTIGO DE HORACE GREELEY NO NEW YORK TRIBUNE, SOBRE AS IRMÃS FOX E SUA MEDIUNIDADE (1)

A senhora Fox e suas três filhas deixaram ontem a nossa cidade, de regresso a Rochester, depois de uma estada de algumas semanas, durante as quais se submeteram a misteriosa influência, pela qual parecem acompanhadas, a todos os testes razoáveis e a uma investigação sagaz e crítica de centenas de pessoas que quiseram visitá-las ou que as convidaram a uma visita. Os aposentos que ocupavam no hotel foram constantemente rebuscados e revistos; elas foram levadas, sem aviso prévio de ao menos uma hora, para casas onde jamais haviam estado; foram inconscientemente colocadas sôbre uma superfície de vidro, dis­forçado debaixo do tapete, a fim de interromper vibrações elétri­cas; foram despidas por uma comissão de senhoras nomeadas sem aviso e insistiu-se para que nenhuma delas deixasse o aposento antes que a investigação fôsse feita, etc., etc., e, apesar disso, pensamos que, até êste momento, ninguém pretende ter pilhado qualquer delas produzindo ou sendo a causa de batidas, nem pensamos que qualquer de seus detratores tenha inventado uma teoria plausível para explicar a produção dêsses sons, nem a singular inteligência que, ao menos por vêzes parece manifestar-se por intermédio delas.

Há uns dez ou doze dias elas deixaram os aposentos do hotel e dedicaram os restantes dias de sua estada aqui a visitas a diversas famílias que as haviam convidado através de pessoas interessadas no assunto, submetendo a singular influência a um exame mais atento e mais calmo do que o que podia ser feito no hotel, e perante estranhos ocasionais, reunidos por uma vaga curiosidade, mais do que por um interêsse racional, ou por uma hostilidade invencível e predeterminada. Nossa própria residên­cia se achava entre as que assim foram visitadas; não só a subme­tendo a um exame, mas à mais completa e acirrada investigação relativamente às supostas “manifestações” do mundo espiritual, pelo qual elas eram assistidas.

Dedicamos a maior parte do tempo que nos foi possível sub­trair dos nossos deveres, com exceção de três dias, a êsse assunto e seria enorme covardia não declarar que, fora de qualquer dúvi­da, estamos convencidos de sua perfeita integridade e boa fé quanto ás premissas. Seja qual fôr a origem ou causa das batidas, as senhoras a cuja presença elas ocorrem não as produ­zem. Verificamos isto rigorosamente e com inteira satisfação.

Sua conduta e atitudes é tão diversa da dos trapaceiros quanto possível e pensamos que ninguém que as conheça seria capaz de admitir que elas estivessem comprometidas em tão atre­vida, ímpia e descarada trapaça, qual seria se elas produzissem os ruídos. E não é possível que uma tal trapaça fôsse durante tanto tempo praticada em público. Um jogral pratica um truque ràpidamente e logo passa a outro; ele não dedica semanas e semanas sempre à mesma coisa, deliberadamente, em frente a centenas de pessoas que se assentam ao lado ou à sua frente em plena luz, não para uma diversão, mas para descobrir o truque. Um trapaceiro naturalmente evita conversar sôbre o assunto de sua velhacaria, mas essas senhoras conversam livre e desembaraçadamente sôbre a origem dessas batidas, desde alguns anos, em sua casa, sôbre as variadas impressões que elas causaram, a excitação criada pela vizinhança, o progresso de seu desenvolvi­mento — aquilo que elas viram, ouviram ou sentiram desde o princípio até agora. Se tudo fôsse falso, não poderiam deixar de se ter embaraçado num labirinto de terríveis contradições, desde que cada uma dá separadamente, um relato dos mais interessantes acontecimentos nesta ou naquela ocasião.

Criaturas suficientemente insensatas para se entregarem a isto sem reservas e precauções não teriam resistido a uma tal exposição nem por uma semana.

Aliás, a variedade de opiniões sôbre um assunto tão estranho naturalmente teria sido formada pelas várias pessoas que as visitaram, e presumimos que aquêles que apenas acorreram aos seus aposentos por cêrca de uma hora e escutaram, num borbo­rinho de estranhos, uma mistura de perguntas — das quais muitas não comportavam respostas proveitosas — tivessem certeza de inteligências invisíveis que respondessem por batidas ou ruídos originais no soalho, na mesa, etc., ou pelas letras do alfabeto ou qualquer outro meio e naturalmente saíssem intrigadas, talvez aborrecidas e raramente convencidas. Ë difícil admitir que um assunto, ostensivamente tão grave, pudesse ser apresentado sob as mais desfavoráveis condições para convencer. Mas daqueles que tiveram oportunidades felizes para uma investigação completa pensamos que três quartas partes estão convencidos, assim como nós, de que êsses ruídos singulares e aparentes manifestações não são produzidos pela senhora Fox e suas filhas, nem por qualquer ser humano de parceria com elas.

Como são causados e de onde procedem são questões que abrem um mais amplo campo de investigações e com cujos indí­cios não estamos familiarizados. Aquêle que se julga dogmaticamente apto para decidir se essas manifestações são naturais ou sobrenaturais deve achar-se muito familiarizado com os arcanos do universo. Dizem as senhoras que estão informadas de que apenas isto representa o início de uma nova era, ou economia, na qual os Espíritos vestidos na carne são mais próximos e em contacto com os que atingiram a imortalidade; que as manifes­tações já se deram em muitas outras famílias e se destinam à difusão e se tornarão mais claras, até que todos possam comunicar-se livremente com os seus amigos, que se libertaram dessa prisão mortal. Nada sabemos nem fazemos a menor idéia de tudo isso.

Mas se tivéssemos apenas de imprimir (o que não faremos) as perguntas que fizemos e as respostas que recebemos, durante uma conferência ininterrupta de duas horas com as batidas, logo seríamos acusados de o havermos feito com o propósito delibe­rado de reforçar a teoria que considera essas manifestações como provindas do Espírito dos mortos”.

H.G.

(1) Capron, “Modern Spiritualism”, página 179 a 181.

APÊNDICE 2

NOTAS AO CAPÍTULO 6 - BICO DE PENA DO LAGO HARRIS POR LAURENCE OLIPHANT

Houve uma notável alternativa de vivacidade e de delibera­ção acêrca dos movimentos de Mr. Massolam. Sua voz parecia armada em duas chaves diferentes, cujo efeito era, quando elas mudavam, dar a impressão do eco distante da outra — uma espécie de fenômeno de ventriloquia, que fôsse calculado para dar um choque súbito e não totalmente agradável aos ner­vos dos espectadores. Quando falava com aquela que cha­marei a voz próxima, era geralmente rápido e vivo; quando a mudava pela voz distante era solene e impressionante.

Seu ca­belo, outrora negro de azeviche, era agora grisalho, mas ainda abundante e caía em ondas abundantes sôbre as orelhas e perto dos ombros, dando-lhe um aspecto algo leonino. Suas sobrancelhas eram cheias e os olhos eram como duas luzes a se revol­verem dentro de cavernas, numa verdadeira impressão de emiti­rem raios e então perderem tôda impressão. Como a voz, êles tinham uma expressão próxima e outra distante, que se podiam ajustar a um foco adequado, como um telescópio, tornando-se cada vez menores, como se no esforço de projetar a vista alem dos limites da visão natural. Por vêzes eram tão falsos de apreciação das coisas exteriores que davam a impressão de ce­gueta, quando de súbito o foco mudava, as pupilas se dilatavam e raios se despejavam como os relâmpagos através de uma nuvem, dando um extraordinário brilho inesperado a uma face que parecia responder prontamente ao estímulo. A aparência geral, cuja parte superior, a não ser pela profundidade das órbitas, seria extremamente bonita, era decididamente semítica; e em repouso o efeito geral era quase estatuesco em sua calma fixidez. A bôca estava parcialmente oculta por um farto bigode e longa barba de um cinzento metálico; mas a transição do repouso à animação revelava uma extraordinária flexibilidade naqueles músculos que um momento antes eram tão rígidos e o caráter da figura era inteiramente alterado e tão subitamente quanto a expressão dos olhos. Talvez fôsse querer penetrar demasiadamente nos segre­dos da Natureza ou, de qualquer modo nos segredos da natureza de Mr. Masollam, indagar se o brilho e a escuridão de sua ati­tude seria voluntário ou não. Em mau menor é um fenômeno comum a todos nós; o efeito de uma classe de emoções é, sim­plesmente, fazer um homem parecer escuro e de outra fazê-lo pare­cer brilhante. A peculiaridade de Mr. Masollam é que êle podia parecer muito mais escuro ou muito mais brilhante que a gente e fazer tal mudança de expressão com tão extraordinária rapidez e intensidade que pareceria uma prestidigitação facial e sugeriria a suspeita de que fôsse uma faculdade adquirida. Antes disso, havia uma outra mudança que, aparentemente, êle tinha o poder de realizar na sua fisionomia e que afeta outras pessoas invo­luntàriamente e que, geralmente, principalmente no caso do belo sexo, produz muito efeito, independentemente da vontade... Mr. Masollam tinha a faculdade de parecer muito mais velho num momento, do que pouco tempo depois.

Havia momentos em que um estado meticuloso de suas rugas e de seu olhar duro e mortiço levava a gente a supô-lo com cêrca de oitenta anos; noutros momentos em que seu olhar brilhante, as narinas acesas, as sobrancelhas grossas e maciças, a bôca móvel lhe davam uma aparência de cêrca de vinte e cinco anos menos do que antes.

Estes rápidos contrastes eram calculados para prender a atenção do mais inadvertido observador e a produzir a sensação que não era realmente agradável quando se o via pela primeira vez. Não era exatamente desconfiança mais ambas as maneiras eram perfeitamente francas e naturais — tanto quanto perplexidade. Ele dava a impressão de dois caracteres apostos, fundidos em um, e de estar apresentando sem qualquer propósito um curioso problema moral e fisiológico a pedir solução, e que tivesse uma desagradável espécie de atração, porque a gente quase que imediatamente o achava insolúvel, embora não nos deixasse quietos. Ele podia ser o melhor ou o pior dos homens”.

APÊNDICE 3

NOTAS AO CAPÍTULO 7 - TESTEMUNHO ADICIONAL DO PROFESSOR E DA SENHORA DE MORGAN

Diz o Professor De Morgan:

Fiz um relato de tudo isso a um amigo que, em vida, tanto era um homem de ologias quanto de ômetros, e sem nenhuma disposição para pensar que isto fôsse qualquer coisa que não uma clara impostura. “Mas”, dizia êle, “isto que você me diz é muito singular; irei em pessoa a Mrs. Hayden; irei só e não direi o meu nome. Penso que não ouvirei nada de ninguém; mas se isto acontecer, descobrirei o truque. Conforme, eu o descobrirei”. Assim, êle foi e veio a mim referir o progresso. Disse-me que havia feito um passo mais que eu, pois tinha insis­tido em manter o seu alfabeto atrás de um biombo; e, fazendo as perguntas pelo alfabeto e com um lápis, do mesmo modo recebia as respostas. Ninguém além dêle e de Mrs. Hayden se achava na sala, O “Espírito” que veio a êle era uma pessoa cuja morte infeliz foi descrita minuciosamente. Meu amigo me disse que tinha ficado “impressionado” e quase havia esquecido tôdas as precauções.

Isto que narrei foi o comêço de uma longa série de expe­riências, muitas tão notáveis quanto as que citei; muitas de menor caráter, isoladamente de pouco valor, mas, em conjunto, de muito pêso, quando consideradas em conexão com as mais decisivas provas de realidade. Muitas de uma tendência confirmadora como meros fatos, mas de um caráter pouco probante da gravi­dade e da dignidade do mundo espiritual. A célebre aparição de Giles Scroggins é uma personagem séria, comparada com algumas que surgiram em meu caminho, e também muito lógico. Se estas coisas são “Espíritos”, êles demonstram que os misti­ficadores, os trapaceiros e os mentirosos tanto são encontrados do outro lado do túmulo quanto do nosso lado. E “por que não?”, conforme pergunta Meg Dods.

O assunto pode receber tão acurada atenção quanto a pa­ciente investigação da verdade real; ou pode fenecer, obtendo apenas notícias eventuais, até que um novo derrame dos fenô­menos traga novamente a sua história a plena luz. Mas parece que isto não vai começar. Já se passaram doze ou treze anos desde que o assunto passou a ser comentado em tôda a parte e durante êsse período foi muito anunciada a extinção da “es píri­to-mania.” Mas em muitos casos, como na fábula de Tom Moore, os extintores pegaram fogo. Se isto fôsse o absurdo que costumam proclamar, seria muito bom chamar a atenção para as “manifestações” de outro absurdo, a filosofia das possibili­dades e das impossibilidades, a filosofia da quarta côrte. Os extremos se tocam, mas o “encontro” é, por vêzes pelo propósito de mútua exposição, assim como o de um rapaz estúpido nos dias dos duelos elegantes de linguagem.

Isto na suposição de que não passe de impostura e engano. Certamente êle não pode ser mais uma ou outra coisa, do que o pode a filosofia que se lhe opõe. Não tenho relações nem com “P”, nem com “Q.” Mas tenho certeza de que a decidida convicção de todo aquêle que pode ver os dois lados da bainha seja de que é mais provável que “P” tenha visto um fantasma do que “Q” saiba que não pode tê-lo visto. Sei que “Q” diz o que sabe.

Em relação a isto, quando do aparecimento do livro de Mrs. De Morgan, o Publishers Circular diz o seguinte, destacando o senso crítico do Professor De Morgan:

“Os simples literatos e escritores de ficção devem ser per­doados por uma certa tendência para o visionário e o irreal, mas o fato de que o conhecido autor de livros padrões sôbre Lógica Formal, Cálculo Diferencial e a Teoria das Possibilidades, deveria figurar com sua senhora na lista dos que acreditam em batidas de Espíritos e em mesas girantes, certamente surpreenderá a muita gente. Talvez não haja maior contribuição para as nossas re­vistas na demolição de falsidades do que a do Professor De Morgan, como no desmascaramento bem humorado dos pseudo-cientistas. Seu estilo claro, lógico, espirituoso e cheio de surprêsas é apre­ciado por muitos leitores e literatos em brilhantes artigos em nossos jornais de crítica. Provávelmente é êle o último homem que um céptico em tais mistérios poderia esperar encontrar ao lado de Mrs. Home ou de Mrs. Newton Crosland.

Devemos ainda registrar o fato que Mr. De Morgan se declara “perfeitamente convicto de que tanto viu quanto ouviu, de modo que afasta qualquer possibilidade de engano, coisas chamadas espirituais, que não podem ser tomadas por um ser racional como capazes de explicação pela impostura, pela coincidência ou pelo engano”.

Acrescentemos o depoimento de Mrs. De Morgan:

“Há dez anos comecei a observar atentamente os fenômenos do Espiritismo. Minha primeira experiência ocorreu em pre­sença de Mrs. Hayden, de New York. Jamais tinha eu ouvido qualquer palavra que pudesse abalar minha convicção da hones­tidade de Mrs. Hayden. Assim, o resultado de nosso primeiro encontro, quando meu nome lhe era quase desconhecido, foi suficiente para provar que eu não era, no momento, vítima de sua impostura ou de minha credulidade.

Depois de descrever a visita de Mrs. Hayden, a quem não havia sido dado o nome de nenhuma das pessoas presentes, diz ela:

“Sentamo-nos pelo menos durante um quarto de hora e co­meçávamos a sentir o fracasso, quando foi ouvida uma como que delicada pulsação, aparentemente no centro da mesa. Grande foi a nossa satisfação quando Mrs. Hayden, que antes parecia ansiosa, disse: “Êles estão chegando”. Quem estava chegando? Nem ela, nem nós poderíamos dizê-lo.

Quando os sons se tor­naram mais fortes, o que parecia acontecer na medida de nossa convicção em sua autenticidade, fôsse qual fôsse a sua origem, disse Mrs. Hayden: “Há um Espírito que deseja falar com alguém aqui, mas eu ignoro os nomes dos cavalheiros e das senhoras. Assim, apontarei um por um e, ao chegar à pessoa certa, peço que o Espírito dê uma batida.” Isto foi aceito por nosso hóspede invisível, que bateu concordando. Então Mrs. Hayden apontou um por um dos presentes. Com surprêsa para mim e um certo constrangimento, pois não desejava isto, enquanto muitos o desejavam, nenhum som foi ouvido até que ela apontou para mim, a última da roda. Eu estava sentada á sua direita; ela tinha começado pela esquerda. Então fui designada para apontar as letras de um grande alfabeto e devo acrescentar que, não desejando obter o nome de nenhum amigo ou parente querido e morto, não demorei, como é geralmente recomendado tantas vêzes, sôbre nenhuma letra. Contudo, com grande surprêsa para mim, o nome incomum de um parente querido, que tinha deixado êste mundo há sete anos antes e cujo sôbrenome era o de meu pai — e não o de meu marido — foi deletreado. Depois esta sentença: “Sou feliz, e com F. e G. (nomes por extenso). Então recebi a promessa de futuras comunicações com os três Espíritos. Os dois últimos tinham deixado o mundo respectivamente há vinte e há doze anos. Outras pessoas presentes então receberam comunicações por batidas. Destas, algumas eram tão singularmente verídicas e satisfatórias quanto fôra a minha, ao passo que outras eram falsas e, até, indignas.”

Mrs. De Morgan observa que depois das sessões com Mrs. llayden ela e seus amigos experimentaram em particular “e foi verificado que umas tantas pessoas, parentes ou não, possuíam a faculdade mediúnica em maior ou menor grau.”

APÊNDICE 4

NOTAS AO CAPÍTULO 10 - OS DAVENPORTS ERAM JOGRAIS OU ESPÍRITAS?

Como parece que Mr. Houdini duvidava de que os Davenports jamais se tivessem dito espíritas, o assunto se esclarece com a seguinte passagem de uma carta por êles escrita em 1868, a Banner of Light, vanguardeiro jornal espírita dos Estados Uni­dos. Referindo-se à afirmação de que não eram espíritas, assim escreveram:

“É original que uma pessoa, céptica ou espírita, pudesse aceitar uma tal afirmação, após catorze anos das mais amargas perseguições e violenta oposição, culminando com as agressões de Liverpool, de Hudders fiel e de Leeds, onde nossas vidas se encontraram em perigo pela fúria da massa brutal, nossos bens foram destruidos e onde sofremos uma perda de setenta e cinco mil dólares — e tudo porque não renunciávamos ao Espiritismo — acusando-nos de jograis, quando maltratados pela massa, para isso estimulada. Em conclusão, devemos apenas dizer que de­nunciamos tais acusações como falsidades.

APÊNDICE 5

NOTAS AO CAPÍTULO 16 - A MEDIUNIDADE DO REVERENDO STAINTON MOSES

Descrevendo uma experiência de levitação, escreve o Reverendo Stainton Moses:

“Eu estava sentado no ângulo interior da sala; minha cadeira foi empurrada para trás até o canto e então levantada do solo cerca de um pé, ao que me parece e então deixada cair no chão, enquanto eu era carregado para o canto. Descrevi meu aparente movimento ao Doutor e à Mrs. S., e tirei um lápis do bôlso com o qual, quando fiquei parado, fiz uma marca na parede oposta ao meu peito. Esta marca está mais ou menos a seis pés do soalho. Não penso que minha posição tivesse mudado e fui arreado muito delicadamente até me achar novamente na cadeira. Minha sen­sação era de ser mais leve que o ar. Nenhuma pressão em qualquer parte do meu corpo; nenhuma inconsciência ou transe. Pela posição da marca na parede é claro que minha cabeça deve ter estado perto do teto. Minha voz, disse-me depois o Doutor S., soava desigualmente no canto, como se minha cabeça estivesse voltada da mesa, conforme minha observação e a marca que fiz. A ascenção, da qual eu era perfeitamente consciente, era gradual e lenta e não como de alguém que estivesse num elevador, mas sem nenhuma sensação perceptível de qualquer movimento além do de sentir-me mais leve que a atmosfera. Minha posição, como disse, era imutável. Eu era apenas levitado e descido ao meu lugar inicial.”

Passando de assunto a assunto, temos a seguinte descrição:

“A 28 de agôsto de 1872 sete objetos de diversos aposentos foram trazidos à sala das sessões; no dia 30, trouxeram quatro e entre êstes uma pequena campainha, da sala de jantar contígua. Sempre deixávamos a lâmpada de gás bem acesa naquele apo­sento e no hall externo, de modo que se as portas fôssem abertas, ainda que por um instante, um jato de luz teria penetrado no aposento onde nos reuníamos. Como isto jamais aconteceu, temos plena certeza de que o Doutor Carpenter considera a maior autoridade, o Bom Senso, de que as portas permaneceram fecha­das. Na sala de jantar havia uma sineta. Ouvimo-la soando, e podíamos notar quando a mesma se aproximava da porta que a separava de nós. Que admiração quando notamos que, a des­peito de estar a porta fechada, o som mais se aproximava de nós! Evidentemente era fora do aposento em que nos sentávamos, pois a campainha era levada ao redor da sala, tocando alto o tempo todo. Depois de completar o circuito do aposento, foi trazida para baixo, passou por baixo da mesa, aproximando-se de minha cabeça, então rodeou o grupo, soando perto dos rostos de todos. Finalmente foi colocada sôbre a mesa. Não quero erigir teorias, mas parece que disponho de argumentos que conduzem à teoria de que fomos hipnotizados ou de que os objetos vieram pela chaminé, para explicar êsse difícil assunto.

Assim descreve o Doutor Speer o aparecimento da luz de um Espírito e a materialização de uma mão, a 10 de agosto de 1873.

“Um grande globo de luz ergueu-se ao lado da mesa, em minha frente e movimentou-se até a altura dos nossos rostos, então se extinguindo. Foi seguido por diversos outros, todos êles se erguendo do lado oposto ao meu, às vêzes à direita, outras, a esquerda do médium. A pedido a luz seguinte foi colocada len­tamente ao centro da mesa. Aparentemente era do tamanho de um shaddock (1)

(1) Espécie de “grapefruit”, que deve o seu nome ao oficial de marinha que o trouxe do Oriente. N. do T.

e era envolvida por um panejamento. Nessa ocasião o médium se achava em transe e o Espírito guia me infor­mou que tentaria pôr a luz na mão do médium. Falhando a tentativa, disse que bateria na mesa em minha frente. Quase imediatamente veio uma luz e ficou sôbre a mesa, junto a mim. “Veja; agora escute — eu baterei.” Muito lentamente a luz se ergueu e deu três batidas distintas sôbre a mesa. “Agora eu lhe mostrarei a minha mão. Então apareceu uma grande luz brilhante, de dentro da qual surgiu a mão materializada do Espírito. Moveu os dedos junto ao meu rosto. A aparição era tão distinta quanto se pode imaginar.

Um exemplo de poderosa fôrça física é assim registrado por Stainton Moses:

“Certa vez, contrariando a orientação, tínhamos nos aven­turado a admitir um estranho em nosso grupo. Ocorreram alguns fenômenos triviais, porém o guia costumeiro não apareceu. Quando nos reunimos na seguinte ocasião, êle veio e possi­velmente nenhum de nós esquecerá com facilidade as verdadeiras marteladas que êle deu na mesa. O barulho era distintamente audível no aposento inferior e dava a idéia de que a mesa seria reduzida a pedaços. Em vão nos retirávamos da mesa, pensando assim diminuir a fôrça. As fortes marteladas cresceram de in­tensidade e todo o aposento era abalado por aquela fôrça. Os maiores castigos nos foram prometidos se interferíssemos outra vez no desenvolvimento, havendo novos assistentes. Não nos arriscamos a fazê-lo outra vez; penso que não tentaremos mais uma vez merecer semelhante objurgatória.”

APÊNDICE 6

NOTAS AO CAPÍTULO 25 - ESCRITA AUTOMÁTICA DE MR. WALES

Mr. Wales escreve o seguinte ao autor:

“Penso que nada existia em minha leitura anterior que pu­desse ser tomado como coincidência. Com certeza eu nada havia lido daquilo que o senhor havia publicado sôbre o assunto e, de propósito tinha evitado o “Raymond” e outros livros semelhantes, a fim de não viciar os meus próprios resultados; e os “Preceedings” da SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH, que então havia lido, não tocam, como o senhor sabe, nas condições post-mortem. De qualquer modo eu obtive, em várias ocasiões, constatações, mostradas em minhas notas de então. de que, na presente existência, há corpos que, embora impercep­tíveis pelos nossos sentidos, são para êles próprios tão sólidos quanto os nossos para nós; que tais corpos se baseiam nas características gerais dos nossos corpos atuais, porém mais embelezados; que não têm idade, nem sofrimento, nem riqueza, nem pobreza; que se vestem e se alimentam; que não dormem, muito embora ocasionalmente, e de passagem, se refiram a um estado semicons­ciente a que chamam “jazer adormecido” — uma condição que justamente ocorre comigo e que me parece corresponder mais ou menos ao estado de hipnose; que, após um período geralmente mais curto do que o tempo médio de vida, êles passam a um outro estado de existência; que agentes de idéias, gostos e sentimentos similares gravitam em grupos; que os casais não se reúnem neces­sariamente, mas que o amor do homem e da mulher continua e é liberto dos elementos que entre nós geralmente militam contra a sua perfeita realização; que imediatamente depois da morte a gente passa por um estado de repouso semiconsciente, que dura vários períodos; que não podem sofrer dores corporais, mas são suscep­tíveis, por vêzes, de alguma ansiedade mental; que uma morte dolorosa é “absolutamente desconhecida”, que as idéias religiosas nenhuma influência têm no estado posterior e que, além disso, sua vida é intensamente feliz e que ninguém pensa em voltar aqui. Não tive indicações para o “trabalho”, no sentido exato do vocá­bulo, mas para muito dos múltiplos interêsses que, diziam, os preo­cupavam.

Provavelmente isto é uma outra maneira de exprimir a mesma coisa. “Trabalho”, entre nós, geralmente significa “luta pe­la vida” e isto, segundo fui enfàticamente informado, não era o seu caso — pois tôdas as necessidades da vida são, de certo modo, mis­teriosamente “providas.” Também não obtive referências a um definido “estado temporário de condenação”, mas aprendi que ali a gente começa no ponto de desenvolvimento intelectual e moral em que partimos daqui. E desde que seu estado de felicidade era baseado principalmente na simpatia, aquêles que passaram em baixa condição moral ficam muito tempo sem capacidade para a apreciar e a desfrutar.”

Fim

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