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sábado, 5 de fevereiro de 2011

História do Espiritismo-Parte 1-Arthur Conan Doyle

 

íNDICE DO BLOGPARTE 1PARTE 2

HISTÓRIA DO ESPIRITISMO

ARTHUR CONAN DOYLE

ÍNDICE

CONAN DOYLE E A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO

UMA CHAVE-DE-ABÓBADA

CRITÉRIO HISTÓRICO

A NOVA REVELAÇÃO

O PROBLEMA DA REENCARNAÇÃO

A INVASÃO ORGANIZADA

O “PRECONCEITO CULTURAL”

NOTA DO TRADUTOR

SIR ARTHUR CONAN DOYLE - ESBOÇO BIOGRÁFICO

PREFACIO

CAPÍTULO 1 = A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO - A História de Swedenborg

CAPÍTULO 2 = Edward Irving: os «shakers»

CAPÍTULO 3 = O Profeta da Nova Revelação

CAPÍTULO 4 = O Episódio de Hydesville

CAPÍTULO 5 = A Carreira das Irmãs Fox

CAPÍTULO 6 = Primeiras Manifestações na América

CAPÍTULO 7 = A Aurora na Inglaterra

CAPÍTULO 8 = Progressos Contínuos na Inglaterra

CAPÍTULO 9 = A Carreira de D. D. Home

CAPÍTULO 10 = Os Irmãos Davenport

CAPÍTULO 11 = As pesquisas de Sir William Crookes - de 1870 até o ano de 1874

CAPÍTULO 12 = Os Irmãos Eddy e os Holmes

CAPÍTULO 13 = Henry Slade e o Doutor Monck

CAPÍTULO 14 = Investigações Coletivas sobre o Espiritismo

CAPÍTULO 15 = A Carreira de Eusapia Palladino

CAPÍTULO 16 = Grandes Médiuns de 1870 a 1900: Charles H. Foster, Madame d’Esperamce, William Eglinton, Stainton Moses

CAPÍTULO 17 = A Sociedade de Pesquisas Psíquicas

CAPÍTULO 18 = Ectoplasma

CAPÍTULO 19 = Fotografia Espírita

CAPÍTULO 20 = Vozes Mediúnicas e Moldagens

CAPÍTULO 21 = Espiritismo francês, alemão e italiano

CAPÍTULO 22 = Grandes Médiuns Modernos

CAPÍTULO 23 = O Espiritismo e a Guerra

CAPÍTULO 24 = Aspecto Religioso do Espiritismo

CAPÍTULO 25 = O Depois-da-Morte Visto pelos Espíritas

APÊNDICE 1 - NOTAS AO CAPÍTULO 4 - PROVA DA ASSOMBRAÇÃO DA CASA DE HYDESVILLE ANTES DE SER HABITADA PELA FAMÍLIA FOX

APÊNDICE 2 - NOTAS AO CAPÍTULO 6 - BICO DE PENA DO LAGO HARRIS POR LAURENCE OLIPHANT

APÊNCICE 3 - NOTAS AO CAPÍTULO 7 - TESTEMUNHO ADICIONAL DO PROFESSOR E DA SENHORA DE MORGAN

APÊNDICE 4 - NOTAS AO CAPÍTULO 10 - OS DAVENPORTS ERAM JOGRAIS OU ESPÍRITAS?

APÊNDICE 5 - NOTAS AO CAPÍTULO 16 - A MEDIUNIDADE DO REVERENDO STAINTON MOSES

APÊNDICE 6 - NOTAS AO CAPÍTULO 25 - ESCRITA AUTOMÁTICA DE MR. WALES

CONAN DOYLE E A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO

CONAN DOYLE, cujo nome repercute por todo o mundo, é um dos escritores mais lidos da moderna literatura inglesa. O poder extraordinário de sua imaginação, a comunicabilidade natural do seu estilo, a espontaneidade de suas criações, fizeram dele um escritor universal, admirado e amado por todos os povos. No Brasil, nossa gente o incluiu, há muito, entre os seus ídolos literários. É tanto assim, que ainda agora a Melhoramentos está lançando as obras de Conan Doyle em edições sucessivas, divi­didas em três linhas de lançamentos: a Série Sherlock Holmes, a

Série Ficção Histórica e a Série Contos e Novelas Fantásticas.

Não se precisaria de mais nada para demonstrar o interêsse do público brasileiro pelas obras de Conan Doyle. Nem de mais nada para se demonstrar a grandeza literária dêsse verdadeiro gigante das letras inglêsas. Não obstante, as três séries acima não abrangem tôda a obra de Conan Doyle. O famoso precursor dos métodos científicos de pesquisa policial foi também um histo­riador, tendo escrito obras como “The Great Boer War” e “His­tory of the British Campaign in France and Flanders”. Foi ainda um dos maiores e mais lúcidos escritores espíritas dos últimos tempos, em todo o mundo, revelando admirável compreensão do problema espírita em seu aspecto global, como ciência, filosofia e religião.

Vemos, assim, que há mais duas series de obras — a de história e a de espiritismo — que podem ser consideradas como os afluentes diretos dêste verdadeiro delta literário da vida de Conan Doyle, que é a “História do Espiri­tismo”.

UMA CHAVE-DE-ABÓBADA

Neste livro, realmente, tôdas as qualidades do escritor e do homem estão presentes. Nêle confinem os resultados de todos os seus estudos, de tôdas as suas experiências. Trata-se, pois, de um livro de interêsse fundamental, para o estudo da vida e da obra do grande escritor. E só não o chamaremos básico, porque êle não está no alicerce, mas na cúpula. Ë aquilo a que os engenheiros chamam “chave-de-abóbada”. Para que o leitor não pense que estamos exagerando, vamos tentar uma rápida explicação dêsse fenómeno de convergência.

Conan Doyle aplica neste livro as suas qualidades de escritors estilo direto, vivo, objetivo, extraordinária capacidade de síntese, precisão descritiva e narrativa, agilidade quase nervosa no enca­deamento do enrêdo, brilho e colorido nas expressões. Aplica ainda a capacidade de análise e a perspicácia sherloquianas, o rigor do método histórico, a capacidade de visão panorâmica dos acontecimentos. Ao lado disso tudo, temos a grande compreen­são humana dos numerosos episódios e problemas enfrentados, essa compreensão que o leva a explicar as quedas mediúnicas de alguns personagens e a perdoar generosamente os que não sou­beram explicá-las. O escritor e o homem, depois de uma vida e uma obra, se fundem neste livro, que é feito ao mesmo tempo de papel e tinta, músculos e sangue, cérebro e nervos.

O historiador está presente neste livro, que é sobretudo uma obra de história, O romancista e o novelista aqui estão, na múltipla tessitura das narrativas que se sucedem, capítulo por capítulo. O autor policial, na perspicácia de apreensão dos fatos, na maneira segura com que vai conduzindo o leitor através dos enigmas do enrêdo. O criador de ficção histórica, no apro­veitamento dos fatos reais para a construção da grande trama do livro, O autor de histórias fantásticas, na capacidade de penetrar o mistério, de invadir o reino do invisível, de enxergar o que apenas se entremostra nos lampejos das manifestações mediúnicas. O espírita se manifesta no interêsse pelos fatos e pela sua interpretação, na compreensão da grandeza e da impor­tância do movimento espiritista mundial, O médico Arthur Conan Doyle, o homem voltado para os problemas científicos, o pensador, debruçado sôbre as questões filosóficas, e o religioso, que percebe o verdadeiro sentido da palavra religião — todos êles estão presentes nesta obra gigantesca, suficiente para imor­talizar um escritor que já não se houvesse imortalizado.

Esta, pois, é uma obra de confluência. Um delta literário, no qual o fenômeno Conan Doyle se consuma, e pelo qual, afinal, se transcende a si mesmo, para se expandir na universalidade do movimento espírita, como revelação divina.

CRITÉRIO HISTÓRICO

Ao sair a primeira edição desta obra, a revista inglêsa “Light” comentou o equilíbrio e a imparcialidade com que o autor se portou no trato do assunto - Uma extensa nota, assinada por D. N. G., acentuou que os críticos haviam sido “agradàvel­mente surpreendidos”, pois Conan Doyle, conhecido então como ardoroso propagandista espírita, não a colorira “com os mais carregados preconceitos a favor do assunto e dos seus corifeus” E acrescentava o articulista: “Uma obra de história, escrita com prejuízos favoráveis ou contrários, seria, pelo menos, anti-artística, pecado jamais cometido pelo autor de “The White Com­pany”, em nenhum dos seus trabalhos”.

Essa opinião confirma plenamente o que dissemos acima, quanto ao critério histórico seguido por Conan Doyle na elabo­ração dêste livro. Aliás, êle mesmo acentua êsse critério, ao falar do seu desejo de contribuir para que o Espiritismo tivesse a sua história, apontando inclusive as deficiências de tentativas anteriores, como vemos no prefácio. Seu intuito, ao elaborar êste livro, não era o de fazer propaganda de suas convicções, mas o de historiar o movimento espírita. Para tanto, coloca-se numa posição serena e imparcial, como observador dos fatos que se desenrolam aos seus olhos, através do tempo e do espaço.

Reconhece a amplitude do trabalho a realizar e pede auxílio a outros. Encontra em Mrs. Lesiie Curnow uma colaboradora eficiente e dedicada, e com a sua ajuda prossegue nas investi­gações necessárias, até completar a obra. Ë o primeiro a re­conhecer que não fêz um trabalho completo, pois não dispunha de tempo e recursos para tanto. Mas tem a satisfação de veri­ficar que fêz o que lhe era possível, e mais do que isso, o que era possível no momento, diante da extensão e complexidade do assunto e das condições do próprio movimento espírita de então.

A NOVA REVELAÇÃO

Conan Doyle, que nasceu a 22 de maio de 1859, em Edim­burgo, faleceu a 7 de julho de 1930, em Cowborough (Sussex). Em junho de 1887 escreveu uma carta ao editor da revista “Light”, explicando os motivos da sua conversão ao Espiritismo. Essa carta foi publicada na edição de 2 de julho do mesmo ano, daquela revista, que a reproduziu mais tarde, na edição de 27 de agosto de 1927. A 15 de julho de 1929, a “Revista Internacional de Espiritismo”, de Matão, dirigida por Cairbar Schutel, publicou no Brasil a primeira tradução integral dessa carta, que é um documento valioso, mostrando, como acentua a revista, que o jovem médico em 1887 já revelava a mais ampla compreensão do Espiritismo e da sua significação para o mundo.

Além dêsse documento, Conan Doyle escreveu um pequeno livro, traduzido para a nossa língua por Guillon Ribeiro e já em segunda edição, intitulado “A Nova Revelação”, em que descreve minuciosamente o processo da sua conversão. Posteriormente, escreveu outras obras doutrinárias de grande valor, como “A Religião Psíquica”, na qual revela perfeita compreensão do problema religioso do Espiritismo, afirmando a condição essencialmente psíquica da religião espírita.

O leitor brasileiro estranhará que Conan Doyle comece a sua história pela vida e a obra de Swedenborg, e que, depois de passar pelo episódio de Hydesville, só se refira a Allan Kardec ao tratar, no capítulo vinte e um, do “Espiritismo francês, alemão e italiano”. Kardec aparece, assim, como uma espécie de figura secundária, de influência reduzida ao âmbito nacional do movi­mento espírita francês. É que, no movimento espírita, como em todos os movimentos, as coisas vão se definindo aos poucos, através do tempo, não se mostrando logo com a precisão neces­sária. Sômente agora, quase trinta anos depois da morte de Conan Doyle, é que a figura de Kardec, reconhecida há muito, nos países latinos, como o codificador do Espiritismo, vai se impondo também, nas suas verdadeiras dimensões, ao mundo anglo-saxão.

Conan Doyle fêz o que pôde, como dissemos atrás, procuran­do traçar a história do Espiritismo de acôrdo com as perspectivas que a sua posição lhe proporcionava. Hoje, como se pode ver pela excelente edição da revista argentina “Constancia”, come­morativa do primeiro centenário do Espiritismo, a compreensão exata da posição de Kardec se generaliza. Escritores da Ingla­terra, da Alemanha, dos Estados Unidos e do Canadá proclamam, nas colaborações para aquêle número, a significação fundamental da obra do codificador.

O PROBLEMA DA REENCARNAÇÃO

É bastante conhecida a divergência entre o que se conven­cionou chamar o Espiritismo latino e o anglo-saxão. Essa diver­gência se verificou em tôrno de um ponto essencial: a doutrina da reencarnação. Os anglo-saxões, particularmente os inglês es e americanos, aceitaram a revelação espírita com uma restrição, não admitindo o princípio reencarnacionista. Por muito tempo, êsse fato serviu de motivo a ataques e críticas ao Espiritismo, o que não impediu que o movimento seguisse naturalmente o seu curso.

A codificação kardequiana, cujos princípios giram pratica­mente em tôrno da lei da reencarnação, foi repelida pelos anti-­reencarnacionistas. Veja-se como Comam Doyle se refere ao Espiritismo francês, logo no início do capítulo vinte e um dêste livro: “O Espiritismo na França se concentra na figura de Allan Kardec, cuja teoria característica consiste na crença da reencarnação”. Não obstante, o próprio Conan Doyle, e outros grandes espíritas inglêses e americanos, admitiam a reencarna­ção. E a resistência do meio tem sido bastante minada, na Inglaterra e nos Estados Unidos, principalmente depois da última guerra.

Em “A Nova Revelação”, Conan Doyle se coloca numa posição curiosa, que dará ao leitor brasileiro uma idéia exata da sua atitude neste livro. Logo no prefácio, declara que muitos estudiosos têm sido atraidos pelo aspecto religioso do Espiritismo, e outros pelo científico, acrescentando: “Até agora, porém, que eu saiba, ainda ninguém tentou demonstrar a exata relação que existe entre os dois aspectos do problema. Entendo que, se me fôsse dado lançar alguma luz sôbre êsse ponto, muito teria eu contribuído para a solução da questão que mais importa à humanidade”.

Isto era escrito entre 1927 e 28, cêrca de sessenta anos após o passamento de Kardec. E todos sabemos que Kardec deixou perfeitamente solucionado o problema, ao apresentar o Espiritismo como uma doutrina tríplice: filosófica, científica e religiosa. Vemos, assim, que Conan Doyle, neste ponto como em tantos outros, pensava paralelamente a Kardec, esperando, por assim dizer, o momento em que a codificação kardequiana aparecesse no mundo, sem suspeitar que ela já existia e estava ali mesmo, ao seu lado, para lá do Estreito da Mancha.

Em nada, porém, êsses fatos prejudicam o valor e a signifi­cação desta obra. Servem mesmo para documentar uma fase do imenso processo de desenvolvimento do Espiritismo.

Os estu­diosos da doutrina e da sua história terão neste livro uma visão panorâmica dêsse fato histórico extraordinário, ainda não com­preendido pelo mundo, que é o aparecimento e a propagação de uma nova revelação espiritual, nos tempos modernos. E nada melhor para exprimi-lo do que a admirável imagem usada por Conan Doyle, logo no capítulo primeiro, ao comparar as modernas manifestações espíritas a “uma invasão devidamente organizada”, invasão do mundo por um exército espiritual, incumbido de dominá-lo pela fôrça do bem e orientá-lo para os rumos finais da perfeição humana.

A INVASÃO ORGANIZADA

Conan Doyle se defronta, nesse capítulo, com a dificuldade de fixar uma data para o aparecimento do Espiritismo. Lembra que Os fatos espíritas existiram desde todos os tempos, e que os espíritas inglêses e americanos costumam indicar como data inicial do movimento moderno a de 31 de março de 1848, que assinala o episódio mediúnico de Hydesville.

Prefere, entretanto, começar a sua história por Swendenborg, considerando que “uma invasão pode ser precedida pelos exploradores de vanguarda”. Reconhe­ce, assim, a existência de uma época a que podemos chamar a pré-história do Espiritismo, com os fatos da Antigüidade e da Idade Média, e uma época de preparação do advento do Espiri­tismo, já nos tempos modernos.

Nessa época aparecem os patrulheiros, os elementos que exer­cem a função de pontas-de-lança, os que efetuam uma espécie de reconhecimento do terreno e de preparação da “invasão organizada”, que virá logo mais. Essa concepção de Conan Doyle está de pleno acôrdo com as explicações que os Espíritos deram a Kardec, a respeito do assunto. Só faltou a Conan Doyle, por­tanto, para bem colocar o problema, o conhecimento completo da codificação. Com êsse conhecimento, o grande escritor não teria dúvidas em admitir que o Espiritismo, como doutrina, só apareceu no mundo a 18 de abril de 1857 — numa data exata — aquela em que surgiram nas livrarias de Paris os primeiros volumes de “O Livro dos Espíritos”.

Fazendo justiça a Swendenborg, a Eduardo Irving, a André Jackson Davis, “o profeta da nova revelação”, às irmãs Fox, cuja dolorosa história é contada nestas páginas de maneira compreensiva e ampla, Conan Doyle historia, a seguir, a propagação do movimento espírita nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França, na Alemanha, na Itália e nos demais países, dedicando várias páginas a médiuns notáveis como Home, os irmãos Davenport, Eddy e Holmes, Slade, Eusapia Palladino e outros.

Acompanha o desenvolvimento do interêsse pelos fatos espí­ritas nos meios científicos, a realização das grandes experiências de repercussão mundial, como as de Crookes, e trata, por fim, do papel do Espiritismo em face da guerra, do seu aspecto religioso e das descrições do Além pelos Espíritos. Temos, assim, uma obra monumental sôbre o Espiritismo e o movimento espírita, escrita por um dos mais notáveis autores do nosso tempo. A publicação desta obra em português virá contribuir grandemente para maior compreensão do Espiritismo em nosso país, inclusive nos meios espíritas.

O “PRECONCEITO CULTURAL”

Ao lançarem, pois, esta edição, os Editôres estão prestando um grande serviço ao público brasileiro em geral e aos espíritas em particular. As campanhas de difamação que se têm feito no Brasil contra o Espiritismo, a atitude sistemática de oposição assumida pelos religiosos e pelos cientistas, e as próprias defi­ciências culturais do nosso meio, fazem que ainda prevaleçam entre nós Os preconceitos antíespíritas, que muitas vêzes se mani­festam de maneira aguda. Obras como esta, escritas por homens da envergadura intelectual de Conan Doyle, contribuirão forçosamente para modificar essa situação, quebrando, com o seu poderoso impacto, sedimentações e cristalizações mentais pouco reco­mendáveis entre povos civilizados.

Diante do vasto e variado panorama que Conan Doyle nos apresenta neste livro, a começar pelas idéias ainda delirantes de Swendenborg, que, não obstante, era um dos homens dotados de maior cabedal de conhecimentos que o mundo já viu, até às expe­riências rigorosamente científicas de sábios da envergadura de Crookes, o leitor minado pelas idéias feitas, pelos preconceitos religiosos ou científicos, terá de reconhecer a importância do movimento espírita.

Existe um tipo especial de preconceito que dificulta a com­preensão do Espiritismo em nosso país. É o que podemos cha­mar “preconceito cultural”. Numa nação nova como a nossa, sem tradição cultural suficiente, com imensa massa de analfabetos, pontilhada aqui e ali de pequenas ilhas culturais, é grande o receio dos intelectuais, de caírem no ridículo perante os seus colegas do exterior. Por outro lado, a difusão das doutrinas materialistas, como o marxismo, em meios de insuficiente formação filosófica e a difusão, nem sempre em condições adequadas, de princípios científicos objetivos — errôneamente considerados materialistas — afastam muitas pessoas do conhecimento espírita. Um livro como êste servirá, e muito, para mostrar que os homens cultos, no mundo inteiro, não o são menos por se interessarem pelo Espiritismo.

NOTA DO TRADUTOR

VAI para mais de um século, os fenômenos espíritas, antes espo­rádicos, mal interpretados e causadores de perseguições reli­giosas, entraram numa segunda fase — a das manifestações acintosas e sistemáticas, públicas e teimosas, abalando cépticos, acor­dando consciências e amedrontando criminosos impunes e mar­ginais do Código Penal. Foi em 1848, nos Estados Unidos.

O contacto entre dois mundos, antes separados pela divisória da Morte, deixava de ter o aspecto macabro, que lhe empres­taram folhetinistas e criadores de fantasias, para revestir o de suave conversa entre criaturas queridas de um e do outro lado da Vida. Começou, entretanto, pelas chamadas mesas girantes e falantes que, infelizmente, se prestaram à zombaria dos que tudo procuram denegrir ou cobrir de ridículo — inclusive o sen­timento que nutrimos pelos que nos deixaram. Transportadas para a Europa, as mesas girantes e falantes constituíram, durante algum tempo, um divertimento de salão, nas longas e frias noites de inverno.

Um homem sisudo, entretanto, não via nelas mero diver­timento, mas uma coisa muito séria. E pagou arras ao espírito francês, tirando da “dança das mesas” uma filosofia, do mesmo modo que da “dança das rãs” Galvani havia tirado princípios fundamentais da eletricidade e do magnetismo. Êsse homem, típico representante da cultura francesa — médico e astrônomo, filósofo e poliglota, teólogo e matemático, filólogo e biologista — passeou o seu Espírito equilibrado sôbre todos os departamen­tos do saber humano de seu tempo, tudo referindo aos eixos coordenados de um sistema, de modo que os seus variados conhe­cimentos não apresentavam fissuras nem hiatos, paradoxos nem incongruências. Vale dizer que, à luz dos conhecimentos moder­nos, êle sistematizou uma ciência nova, captou os princípios basilares de uma nova filosofia — uma filosofia espiritualista que, ao contrário de suas congêneres, tudo estabelecia a posteriori, isto é, à base de fatos verificados e verificáveis, assim oferecendo ás criaturas honestas — queremos dizer cientificamente honestas — os elementos para a superação do materialismo clássico e do agnosticismo comteano, que estavam avassalando mentes nobres, mas limitadas e prêsas aos preconceitos religiosos, ou a êstes fanaticamente antagônicas.

E como a base da fenomenologia era o fato das manifes­tações das almas dos mortos — e, por vêzes, dos vivos também — aconteceu uma coisa singularíssima. De um lado a Igreja, cujos dirigentes ensinavam uma vida além da morte, mas que nunca souberam, puderam ou quiseram provar, passou a atacar ferozmente os fatos e os únicos individuos através dos quais essa prova é cientificamente possível, e que o faziam e o fazem sem qualquer intuito de combate ou de desdouro às organizações reli­giosas. Perdia a Igreja a grande oportunidade de demonstrar a existência da alma e o seu cortejo de conseqüências e, do mes­mo passo, de levar os seus profitentes para uma nova etapa, além de a êles anexar os que em nada criam — passando-os de fé imposta, do credo quia absurdum, ou do desinterêsse e da negação sistemática para uma fé sistemática, para uma fé racioci­nada, na qual os próprios dogmas e os ritos viriam a ser respei­tados como valores históricos e como símbolos que tinham tido a sua função no espaço e no tempo e dos quais os Espíritos se iam emancipando, à medida de sua mesma evolução. Do outro lado, atraidas pelos fatos, tomando contacto com os seus mortos queridos, as massas menos cultas, ou mesmo incultas, foram, por um compreensível sincretismo religioso, que a ortodoxia não tole­rava, mas que, à fina fôrça, aquelas queriam que subsistisse, transformando o Espiritismo numa religião ritualística.

Se, de um lado, o despreparo geral as empurrava nessa direção, foram acoroçoadas pelos anátemas, pelas excomunhões, pela pressão política exercida pela Igreja contra as massas espíritas e principalmente contra os médiuns. E o Espiritismo, que de início atraira a atenção das camadas mais cultas, pouco a pouco foi sendo por estas abandonado, ou praticado ás ocultas, para que se não comprometessem interêsses materiais — sobretudo os políticos — dado o prestígio que a Igreja desfrutava junto ao poder civil, mesmo nos paÍses em que havia separação legal entre ela e o Estado.

Então a doutrina caiu nas mãos do povo e a sua prática se abastardou.

Mas houve uma diferenciação entre neolatinos e anglo-saxões.

Nos países de origem latina, onde predomninam a Igreja Cató­lica — de tôdas a mais intolerante — os espíritas foram excluí­dos de seu seio. E, teimosamente, ela apresentou aquêle do qual poderia ter feito o seu melhor aliado como um adversário temível, como uma nova religião, embora lhe faltassem os requisitos essen­ciais de uma religião, a saber: um conjunto de dogmas, um ritual e uma hierarquia sacerdotal. De maneira que, se luta existe entre ela e o Espiritismo, não foi êste quem a provocou.

Mas nos países saxônicos a coisa é diferente.

Com a predominância do Protestantismo, os profitentes da religião estão mais íntima e solidamente ligados à sua igreja: são êles e não os pastôres que a administram e desenvolvem as obras assistenciais; com um ritual mais pobre, enriquecem o Es­pírito pelo estudo. Assim, a irrupção dos fenômenos espíritas não foi ignorada nem amaldiçoada, mas recebida como uma prova da sobrevivência da alma e uma confirmação dos ensinos bíblicos.

Por isso, pouco proliferam os centros espíritas. Em com­pensação, há na língua inglêsa mais de cinco mil titulos de obras sôbre o Espiritismo.

*

Os estudiosos dêsses problemas não têm projetado a atenção sôbre essa diferenciação do desenvolvimento do Espiritismo entre neolatinos e anglo-saxões, para lhe penetrar as causas e oferecer elementos para a compreensão do interessante fenômeno.

O assunto merece atenção.

Na França, o Doutor Gustave Geley, a quem tanto deve a Me­dicina, fêz notáveis estudos sôbre o ectoplasma — êsse novo ele­mento cuja importância cresce dia a dia e que vem correndo parelha com o proto plasma na explicação dos fenômenos da vida; que fêz demonstrações insofismáveis das materializações parciais, através das moldagens em cêra fervente, impossível de obter-se por qualquer outro processo que não o da materialização de mãos; que convidou cem cientistas para assistirem às suas experiências — muitas das quais em plena luz e tôdas sob o mais rigoroso contrôle científico; que foi presidente do Insti­tuto de Metapsíquica de Paris, onde se afirmou um legítimo pioneiro; que fêz avançar enormemente os conhecimentos da Psicologia com o seu “Do Inconsciente ao Consciente”; o Doutor Geley, íamos dizendo, assiste ao terrível drama íntimo do Doutor Paul Gibier, essa outra figura de cientista, a quem tanto devem a Microbiologia e os trabalhos iniciados pelo ilustre Pasteur, dada a intolerância da chamada ciência oficial. Gibier teve que aban­donar os laboratórios e a própria pátria, onde o seu trabalho se havia tornado impossível, e foi abrigar-se nos grandes centros norte-americanoS, deixando uma triste advertência a outra figura ainda mais notável — Charles Richet.

Com efeito, êsse grande mestre, talvez o maior de seu tem­po, que investigou tanto os fenômenos espíritas, que, além da sua obra clássica sôbre Metapsiquica, legou—nos “Trinta Anos de Pesquisas Psíquicas”; que assistiu aos testes de Geley com Kluski e com Eusapia Palladino; que teve as mais notáveis provas através da correspondência cruzada; que cunhou o vocábulo ectoplas­ma, por fôrça de tanto estudar essa substância, que é um ver­dadeiro proteu e um novo estado da matéria a responder pelos fenômenos físicos, ou melhor, hiperfísicos, que se passam através dos médiuns; êsse homem, que desfrutava do respeito de seus pares como um legítimo mestre e uma das glórias da cultura francesa, convenceu-se da legitimidade dos pontos de vista espíritas, mas temeu aquelas fôrças negativas que haviam sacrificado o Doutor Gibier. Não teve a coragem de o confessar. Fê-lo apenas em carta reservada ao seu amigo e opositor Ernesto Bozzano, depois de ter tido a franqueza de erigir dezenas de hipóteses que jamais se prestariam a uma generalização amplíssima, como a hipótese espírita.

Do outro lado, vemos na Inglaterra homens de ciência do melhor quilate organizando uma Sociedade de Pesquisas Psíqui­cas que, desde 1882, vem fazendo estudos rigorosos, com muita circunspecção e que toma, por vêzes, uma atitude hostil aos prin­cípios espíritas, mas acaba dando o testemunho dos fatos supra-normais, embora fuja sistemàticamente das generalizações filosó­ficas.

Quem são êsses homens?

Dos mais categorizados: físicos, químicos, fisiologistas, ma­temáticos, Membros da Sociedade Real, honraria raríssima con­cedida na Inglaterra a um homem de ciência.

Daí a atitude de Lord Dowding. Marechal do Ar da Ingla­terra, primo do último rei, Lord Dowding comandou a RAF (Royal Air Forces) durante a última guerra. Protestante, os fatos o convenceram das verdades espíritas. Tanto bastou para que tomasse atitude pública. Como bom inglês, não compreendia que na comunidade britânica alguém sofresse restrições na sua liberdade, da qual uma faceta importante é a liberdade de crença.

Em conseqüência, e liderados por êle, os Espíritas inglêses conseguiram que o Parlamento Inglês, o mais respeitável do mundo, votasse uma lei, reconhecendo o direito ao exercício da mediunidade, com o que os sensitivos ficavam subtraidos as perseguições religiosas, exercitadas nos têrmos de duas leis obso­letas, mas não prescritas: o Vagrancy Act e o Witchcraft Act, através das quais mais de 50.000 médiuns já haviam sido mul­tados ou condenados à pena de prisão. Continuando a sua cam­panha, isto é, procurando levar por diante as conseqüências da nova lei, foi obtido pelos espíritas que o Estado Maior das Fôrças Armadas da Inglaterra determinasse que em todos os corpos de tro­pa onde houvesse instalações para o serviço religioso, também as houvesse para oficiais e soldados espíritas.

*

A obra que tivemos a honra de traduzir é de autoria de um membro da Sociedade de Pesquisas Psíquicas da Inglaterra, ge­ralmente conhecido do nosso público por suas novelas policiais. Como até hoje não se escreveu, no gênero e em qualquer língua, um trabalho semelhante, julgamo-nos no dever de escrever uma ligeira biografia de Sir Arthur Conan Doyle, para que o leitor brasileiro possa aquilatar do valor e das cogitações de um dos mais nobres caracteres da passada geração de escritores e de homens de ciência.

A obra não poderia ser minuciosa e completa. Passa, porém, em revista os maiores médiuns da Europa e dos Estados Unidos, desde o século passado até o comêço dêste século. É, assim, um roteiro magnífico.

A fenomenologia espírita aí aparece bem dividida, por capítulos; os maiores médiuns são apresentados divididos em grupos, conforme as suas peculiaridades. É feita uma crítica muito equilibrada a médiuns e pesquisadores. O leitor atento verá que o autor não sai de uma linha de centro, de um perfil de equilíbrio, de modo que não será nunca confundido com um crente fanático, de vez que é, em tôdas as circunstâncias, o obser­vador percuciente, o filósofo sereno e o cientista que está con­vencido da lei do progresso, do sentido amplíssimo da evolução geral da Vida. Êle não teme aquelas coisas que se apresentam na zona de penumbra do pesquisador, porque usa aquilo que sabe, a fim de avaliar aquilo que lhe falta saber.

Sir Arthur Conan Doyle não nos apresenta uma história puramente descritiva do Espiritismo, mas, na verdade, uma his­tória filosófica do Espiritismo.

A sua obra — unica no gênero — preenche uma lacuna na estante dos espíritas estudiosos; mostra-lhes um mundo de coisas importantes — direi mesmo, indispensáveis — que igno­ravam. E, nessa fase do nosso desenvolvimento intelectual, é de súbito valor para os estudantes das nossas Faculdades de Filosofia.

Achamo-la, sobretudo, inestimável para os dirigentes de sociedades espíritas. Mais esclarecidos por ela, certamente darão novo rumo aos trabalhos ditos de efeitos físicos, já selecionando os médiuns, já excluindo essa prejudicial assistência de curiosos, já — e nisto reside a sua melhor lição — colocando a pesquisa psíquica num plano isento de fanatismo religioso, de intolerância pseudo-cientí fica, sem o que tão cedo êsses fenô­menos não entrarão nos ambientes universitários, onde nem o professor Richet serve de exemplo, porque a atitude acadêmica continua sendo a do avestruz: enterrar a cabeça na areia e negar a tempestade.

Êste é um livro que nos faz pensar.

Que o leiam os nossos homens de ciência; que o leiam os nossos pensadores; que o leiam aquêles que pensam que pen­sam. Os frutos não se farão esperar.

JULIO ABREU FILHO

SIR ARTHUR CONAN DOYLE - ESBOÇO BIOGRÁFICO

O AUTOR da obra que se vai ler era muito conhecido da juventude de uns cinqüenta anos passados, como o criador de Sherlock Holmes. Naquele tempo líamos literatura neo­latina no original e anglo-saxônica através de boas traduções francesas ou em nossa língua.

Hoje a mocidade lê histórias em quadrinhos, onde o vocabulário representa apenas um déci­mo do que manejávamos.

O nível baixou. Se, então, eram as biografias um aspecto pouco explorado em literatura, hoje pouco se conhece das vidas grandes e nobres. Tanto que, quando o autor destas linhas disse que estava traduzindo uma HISTÓRIA DO ESPI­RITISMO de Sir Arthur Conan Doyle, despertou atenção por estas coisas: que o criador de Sherlock Holmes tivesse sido “knighted”, como se diz em inglês; que fôsse algo mais que um escritor de contos policiais; que tivesse tido a cachimônia de levar a sério o Espiritismo e fazer, com aquela proverbial seriedade dos escritores inglêses, uma His­tória do Espiritismo.

Estavam certos — relativamente certos — os interlocuto­res de quem traça estas linhas. Por dois motivos: o primeiro é que o nível dos contos policiais baixou; o segundo é que em geral se ignora, nos países latinos, que os inglêses de cultura universitária não tomam cursos de técnica superior — como em geral os latinos e particularmente os brasileiros —a fim de serem chamados doutôres, ou como um meio fácil de fazer dinheiro. É uma questão de educação, há muito ali resolvida e na qual andamos tateando, sem coragem de modificar o nosso figurino. Sôbre o assunto bastaria reco­mendar três livros de um único escritor inglês, representativo de brilhante período da cultura inglesa - o período vitoriano — Sir John Ruskin — a saber: Sesame and Lulies, The Seven Lamps of Architecture e The Stone of Venice. Na verdade o inglês de certa classe, mesmo de qualquer classe, que hou­vesse atingido mais alto grau de cultura através da universi­dade, não tinha apenas um verniz: os conhecimentos e o am­biente lhe haviam lapidado o espírito, transformado a com­preensão da Vida e criado novos rumos para o seu comportamento social.

Por isso o inglês dêsses níveis mais altos exercia a profissão, parcialmente, para ganhar dos que podiam pagar sem serem explorados, parcialmente, para servir aos que não po­diam pagar, mas deviam sentir que a solidariedade humana não era mero tema para discursos políticos de campanhas elei­torais. Paralelamente, êsses homens de padrão universitário exercem uma atividade extra que, se por um lado contribui para o seu próprio progresso espiritual, por outro ajuda o levantamento da cultura do povo.

Isto é, sem dúvida, um dos mais belos efeitos da con­cepção inglêsa de religião; esta não se separa da vida e a vida é considerada como que vascular, segundo a expressão do Reverendo Stanley Jones, que assim explica: “onde quer que a firamos, ela sangrará”.

Dêste jeito tem o inglês um sentido prático de religião, — que deixa de ser uma fuga para os planos abstratos, que ficam depois dos túmulos, do mesmo passo que tem umj noção mais objetiva de humanismo — que deixa de ser uma verbiagem excitante para ser uma soma de conhecimentos de imprescindível aplicação à Humanidade.

Assim, não é de admirar que um Churchill cultive a pin­tura ainda aos oitenta anos; que um John Ruskin vá para o campo com os universitários trabalhar na reparação de estra­das que se haviam tornado intransitáveis; que Frederic Myers, Lord Balfour, Sir William Crookes, Sir Oliver Lodge e tantos outros, que se encontram no tôpo das graduações científicas de várias especialidades, se apliquem, paralelamente, a outras atividades monetàriamente improdutivas, mas que contribuem largamente para o bem-estar espiritual do povo.

Ora, todos êstes nomes do último grupo deram exemplo de compreensão de quanto o conhecimento do porquê da vida, do porquê da diversificação das existências pode contribuir para o bem-estar geral, depois de ter criado aquela serenidade espiritual que nos torna altamente conscientes e nos subtrai daquele fatalismo da massa muçulmânica, que amesquinha a criatura. Mas não quiseram basear-se em sermões mais ou menos sonoros nem nas citações mais ou menos papagaiadas de textos bíblicos: basearam-se nos fatos. E se o fenômeno espírita era um fato da natureza, até então pouco estudado, estudaram-no; buscaram apreender a lei que os rege. E nisso nada viram daquele ridículo que pseudo sábios ou pseudo­ religiosos procuram lançar sôbre coisas que ignoram. Para êles, verdadeiros sábios, não existe ridículo nem imoralidade nas leis da Natureza, que são as mesmas leis de Deus. Ri­dículo e imoralidade estão em nós, na nossa maneira de ver a vida; constituem, por assim dizer, os óculos da nossa obser­vação.

Mas voltemos a Sir Arthur Conan Doyle.

*

Estamos dizendo que o nível do conto policial havia bai­xado. Baixou, pelo menos daquela cota em que Conan Doyle havia elevado a produção do suposto criador dêsse gênero lite­rário — o escritor francês Gaboriau. Mostra-nos a cronologia que o iniciador dêsse tipo de literatura foi um escritor ame­ricano, também espírita e certamente um médium inconsciente de suas faculdades cripto-psíquicas — o grande poeta americano Edgard Allan Poe, autor do Mary Roger Case e outros contos policiais. Mas não desgarremos; frizemos um contraste essen­cial: enquanto o policial atual é violento, Sherlock é suave; aquêle usa a fôrça muscular, êste o vigor do raciocínio. Dir-se-ia que, mesmo antes de se tornar espírita, Sir Arthur marcava, na sua obra popularíssima, a superioridade do Espírito sôbre a Matéria, da Inteligência sôbre a Fôrça Física, do Conhecimento sôbre a Pistola Colt.

E já que entramos por êste raciocínio, seja-nos permitido admitir que as cidades, como as famílias, parece que têm um certo poder atrativo para determinados tipos de Espíritos. Dir­se-ia que elas possuem aquilo que os orientais chamam de karma coletivo, como o possuem as famílias, e que nos indivíduos é uma espécie de magnetismo espiritual. Não será isso que cerca de encanto a vida de certas universidades e de certas cidades, como, por exemplo, Florença?

Não estará no mesmo caso a cidade escocesa de Edimburgo? De onde o seu nome? De um certo rei Edwin, de Northumber. land, que a fundou no século VII? Edimburgo que foi elevada a cidade por Carlos 3º em 1633, é considerada mais uma cidade intelectual do que industrial, pôsto que seja um importante centro de tecidos de lã, algodão e sêda; tinha fábricas de cristais, destilarias e fundições, além de importante indústria livreira. Mas os seus estabelecimentos de ensino entre os quais se destacam a universidade, a escola de medicina, o conservatório de belas artes e a escola de artes e ofícios, lhe valeram o epíteto de Nova Atenas.

Entre os filhos notáveis que a honram — e dos quais Sir Arthur Conan Doyle não é dos menos celebrados — contam-se John Ogilby, nascido em 1600, tradutor e editor das obras de Virgílio e de Homero e das Fábulas de Esopo; a família Blair, entre cujos membros sobressaem John Blair, ligado à história de sua independência e Hugh Blair (1718, 1800), notável orador e professor na universidade de Saint Andrews, onde seu nome foi ligado à cadeira de retórica e belas letras; a célebre famí­lia Napier ou Neper, segundo a grafia latina, onde aparecem destacados vultos na Marinha e no Exército, mas cujo tronco ilustre foi John Napier ou Joannis Neper, grande matemático e inventor dos logaritmos ditos neperianos, cuja publicação apa­receu com êste longo título, ao gôsto da época: Logarithmorum canonis descripto seu Arithmeticorum supáginasutatwnum marabilis abbreviatio, ejusque usus in utraque trigonometria, ut etiam in omni logistica matematica amplissimi, jacilimi et expeditissimi explicatio, auctore ac inventore Joanne Nepero, barone Merchis­tonii, Scoto (1614).

Não esqueçamos David Hume, filósofo e historiador (1711. 1776), que nos deixou um Tratado sôbre a Natureza Humana, Ensaios Morais e Políticos, História Natural da Religião, Ensaios Sôbre a Imortalidade da Alma, além de vários outros tra­balhos sôbre moral e religião e, de parceria com outros advo­gados, uma História da Inglaterra. Por fim destaquemos um típico escritor escocês — Sir Walter Scott (1771 - 1832). Ini­ciando-se em 1802, com o Canto da Fronteira Escocesa, escreveu mais trinta obras, entre as quais são mundialmente conhecidas e apreciadas A Dama do Lago, que inspirou a Rossini a ópera do mesmo nome, Guy Mannering; A Prisão de Edimburgo; A Noi­va de Lammermoor, de onde foi extraído o libreto da ópera de Donizetti, Lucia de Lanrmermoor; A Formosa Donzela de Penh e Ivanhoe, talvez, de suas obras a mais conhecida e que conta maior número de traduções.

Tôda essa tradição magnífica de sua cidade deve ter influído poderosamente na formação espiritual de Sir Arthur. Sabe-se que seu avô era o caricaturista de nomeada — John Doyle, sôbre o qual, entretanto, temos poucas indicações. Os traços genealó­gicos de que dispomos dizem que seu pai, Charles Doyle, era um artista. Quem seria êsse artista? Certamente era Sir Francis Hastings Charles Doyle, poeta nascido no Condado de York, em 1810 e morto em 1888. Foi funcionário da administração e publicou várias obras, entre as quais Poemas Diversos; Dois Destinos; Édipo, Rei de Tebas; Os Firnerais do Duque; A volta dos Guardas, etc. Foi professor de poética na Universidade de Oxford, entre 1867 e 1872.

Teve, assim, o jovem Arthur um ambiente propício, quer em sua casa e em sua pátria, quer no estrangeiro, onde seu pai estêve a serviço do govêrno, pois se sabe que o nosso biografado fêz parte de sua educação na Alemanha. Nascido a 22 de maio de 1859, sua educação foi feita sucessivamente no Stonyhurst College, na Alemanha e na Universidade de Edimburgo, onde, em 1881, terminou o curso de medicina (M.B.) e quatro anos mais tarde o doutorado em medicina (M.D.)

Sabe-se que viajou muito pelas regiões árticas e pela costa ocidental da África.

Escreveu algumas obras na juventude, que devem ter pas­sado inadvertidas ou que êle próprio teria retirado da circu­lação, pois a primeira citada cronolôgicamente é “A Study in Scarlet”, publicada em 1887, quando já estava clinicando em Southsea. No ano seguinte publicou outro romance — Micah Clarck. A história da rebelião de Monmouth. “The sign of Four”, em 1889 e em 1891 “The White Company”, que obteve grande sucesso, e que foi seguida por um romance da época de Du Guesclin.

Nesse ano de 1891 Sir Arthur Conan Doyle conquistou imen­sa popularidade com as “Aventuras de Sherlock Holmes”, que apareciam em The Strend Magazine. Como indicamos pouco an­tes, dizem que o seu inspirador foi Emile Gaboriau, escritor francês que havia fracassado no gênero romance e que em 1866 publicara, com estrondoso sucesso, em folhetim em Le Pays, um romance judiciário policial intitulado l’Affaire Levou ge, que lhe valera grande nomeada e o sucesso para mais dez outras obras no gênero.

É possível. Mas é mais provável que, dadas as inclinações artísticas e literárias de Sir Arthur, tivesse êle conhecido tôda a obra de Edgard Allan Poe, que é, ao nosso ver, o verdadeiro criador do conto e do romance policial, quer quanto às características literárias, quer quanto à precedência histórica. Em nossa opinião, o criador de Sherlock está mais próximo dos métodos de raciocínio de Poe, que dos de Gaboriau.

Com a importância literária e a popularidade de Sherlock, cujas aventuras se iniciam em “A Study in Scarlet”, a prática da medicina de Sir Arthur Conan Doyle passa para segundo plano, à medida que cresce o escritor. Em 1893 reaparece o herói nas “Memórias de Sherlock Holmes”, seguidas de “O Cão dos Baskervill.es”, em 1902 e de “A Volta de Sherlock Holmes” em 1905.

Enganam-se, porém, os que pensam que Sir Arthur haja cultivado apenas êste gênero literário. Já em 1896 publicava êle estudos históricos em “As Explorações do General Gerard” e em “As Aventuras de Gerard”. Antes, porém, em 1894, havia publi­cado “A História de Waterloo”, na qual Sir Henry Irving havia tomado parte tão saliente. Em 1909 lançou “The Fires oj Fate” e “The House of Tem periey” e em 1913 outro volume interessante — “The Poison Belt”.

A pena de Sir Arthur Conan Doyle estêve, entretanto, ao serviço da pátria, nos momentos críticos. Sem ser um político, na acepção limitada do vocábulo, soube êle prestar valiosos ser­viços políticos ao seu país. Pode a gente discordar de seu ponto de vista particular, em relação à tese por êle defendida; mas há que reconhecer-se que êle não procurou servir a um partido, mas à comunidade britânica. E o fêz com hones­tidade e com elegância. É assim que, em defesa do Exército Britânico na África do Sul, publicou em 1900 “The Great Boer War” e, dois anos depois, um estudo mais minucioso dessa guer­ra, intitulado “The War in South Africa; its Causes and Conduct”.

Durante a primeira Grande Guerra sua pena estêve ao serviço dos Aliados. Escreveu abundantemente. Entre outros trabalhos, largamente traduzidos, podemos citar “Cause and Conduct of the World War”, que logrou traduções em doze línguas.

Suas preocupações pelas colônias inglesas não eram do tipo das de um agente do govêrno, mas das de um pensador de raça. Iniciando-se nesse gênero com a guerra dos boers, pode a rigor dizer-se que aquêles dois livros pouco antes citados foram precedidos por “The Tragedy of the Korosko”, em 1898, que é uma pequena história do Sudão anglo-egípcio e “The Green Flag”, que versa ainda assuntos africanos.

Neste grupo se inclui uma obra lançada em 1906, considerada a sua obra-prima — “Sir Nigel.”

Como obras menores e de temas variados — tôdas, porém, defendendo uma tese de subido interêsse, podem citar-se, crono­lôgicamente, a partir de 1894, até 1912, as seguintes: “Round the Red Lamp”, The Stark Mumro Letters”, “A Duet with an Occasional Chorus”, “Tlironglt the Magic Door”, “A Modern Mo­rality Plity”, “The Crime oJ the Congo”, “Songs of tire Rüad” e “Tire Last World”.

Entre as suas últimas obras uma se conta, de grande importância e que alcança seis volumes, publicados entre 1915 e 1920: “History of the Britislr Compaign in France and Flan­ders” e que representa a sua última contribuição para a sua terra e para a sua gente no setor político propriamente dito.

*

É que, a essa altura, grandes médiuns inglêses, americanos e da Europa continental haviam chamado a atenção de conspícuas figuras do mundo científico inglês. Os fenômenos que em in­glês se diziam do neo-espiritismo provocavam estudos e polêmi­cas, entusiasmos e revoltas. Em 1882, fundara-se, em razão disto, a Society for Psychical Research; os nomes mais brilhantes dos céus da ciência se haviam ligado a essa criteriosa organização que, se críticas merece, certamente é por sua teimosia em não querer reconhecer numa fenomenologia amplíssima e constatada sob os mais rigorosos métodos de ensaio, que a geratriz de tantos fenômenos eram os Espíritos dos mortos e, por vêzes também, os Espíritos dos vivos.

— Que nomes prestigiavam a SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH?

— Os mais brilhantes, com efeito, entre outras notabi­lidades, o Professor Sidgwick, Sir William Crookes, F. W. H. Myers, Frank Podmore, Professor Jomes H. Hyslop, Doutor R. Hodgson, Professor Charks Richet, Sir Oliver Lodge, Professor C. G. Jung, Sir William Barrett, Doutor Gustave Geley, Doutor Edmund Gurney, Professor Von Schrenck-Notzing, Professor Henry Berg­son e tantos outros, muitos dos quais eram membros da Socie­dade Real e da Academia Francesa, vale dizer, portadores das mais altas distinções honoríficas.

Sir Arthur Conan Doyle ingressou na Sociedade de Pes­quisas Psíquicas. Convencido do fenômeno da manifestação do Espírito dos mortos, aderiu à causa do Espiritismo. Fêz pesquisas, por conta própria, com os maiores médiuns da Europa. Lobrigando o alcance religioso e filosófico de tais fenômenos, a êles se dedicou e procurou servir com a honestidade e com a segurança que lhe permitiam um caráter inteiriço e uma enor­me bagagem de conhecimentos científicos.

Não se limitou a ver e ouvir. Viajou, fazendo conferências de propaganda. Estêve mais de uma vez nos Estados Unidos, na África, na Europa continental e no Oriente, até a Austrália e a Nova Zelândia.

Entre outros escritos sôbre o assunto publicou em 1918 “A New Revelation”, dois volumes de recordações dessas viagens, dos quais o último, saído em 1924, tem por título “My Me­mories and Adventures”.

Em 1926 lançou em dois volumes “History o! the Spiritua­lism”, que tivemos o ensejo de traduzir agora para a editôra “O Pensamento”, precedendo-a destas ligeiras notas biográficas e de um prefácio à edição brasileira.

Pode dizer-se que é a única História do Espiritismo surgida até agora. Fora dela o que apareceu até aqui não passa de estudo limitado no tempo e no espaço e que, de forma alguma pode emparelhar-se com o presente volume onde, além da história descritiva, se encontra, realmente, muito de filosofia da história do Espiritismo.

Estas notas foram escritas para mostrar ao leitor menos fami­liarizado com as letras inglêsas que Sir Arthur Conan Doyle não é apenas o criador de Sherlock e o escritor de contos policiais:

é uma figura expressiva nas letras inglêsas e uma das figuras a que o Espiritismo — inclusive o Espiritismo de feição religiosa — muito deve. Em plano internacional a sua obra se inscreve logo depois da de Allan Kardec e se alinha com a dêsses lumi­nares que se chamaram Ernesto Bozzano, Léon Denis, Camille Flammarion, Alexander Aksakof, Vale Owen e Stainton Moses.

Os espíritas de fala portuguêsa estão de parabéns com a apresentação em nossa língua, da obra magnífica de Sir Arthur Conan Doyle.

JULIO ABREU FILHO

PREFÁCIO

ESTA obra surgiu de pequenos capítulos sem conexão, terminan­do numa narrativa que abrange, de certo modo, a história completa do movimento espírita (1). Sua gênese requer uma ligeira explicação. Eu havia escrito alguns estudos sem qual­quer objetivo ulterior a não ser o de me proporcionar, e a outras pessoas, uma visão clara do que se me afigurava episódios im­portantes no moderno desenvolvimento espiritual do gênero hu­mano. Compreendiam estudos sôbre Swendenborg, Irving, A. I. Davis, sôbre o incidente de Hydesville, sôbre a história das irmãs Fox, sôbre os Eddys e sôbre a• vida de D.D. Home. Êstes já se achavam prontos, quando me ocorreu a idéia de ir mais adiante, dando uma história mais completa do movimento espírita, mais completa do que as até então publicadas — uma história que tivesse a vantagem de ser escrita de dentro e com um pessoal conhecimento íntimo dos fatôres característicos dêsse moderno desenvolvimento.

1. Em inglês a forma corrente é spiritualism e suas derivações, para significar o Espiritismo e outros vocábulos derivados. Allan Kardec criou a voz do espiritismo e as suas derivações, para exprimir, evitando as naturais confusões que a linguagem científica e filosófica não poderia permitir, um ramo do espiritualismo, Isto é, da doutrina que admite Deus e a alma. Este ramo, além de admitir Deus, causa primeira, e a alma ou espírito, fôrça atuante e inte­ligente da natureza, instrumento do Criador para a evolução geral da vida, admite, ainda, que o ser humano tem vidas sucessivas, solidárias e sempre progressivas, ao menos na sua feição moral e que Deus não castiga nem premia: a nossa existência, boa ou má, é conseqüência de uma existência anterior. Os vocábulos cunhados por Allan Kardec hoje se acham em todos os grandes léxicons, muito embora na Inglaterra e nos Estados Unidos também se usem, em relação ao Espiritismo, e para evitar confusões, a forma new-spiritualism e suas derivações. — N. do T.

É realmente curioso que êsse movimento, que muitos de nós consideramos como o mais importante na história do mundo desde o episódio de Jesus Cristo, jamais tenha tido um historiador, entre os que a êle estavam ligados, e que possuisse uma larga experiência pessoal de seu desenvolvimento. Mr. Frank Podmore reuniu um grande número de fatos e, desprezando os que não se ajustavam aos seus propósitos, esforçou-se por sugerir a desvalia dos restantes, especialmente os fenómenos físicos que, no seu modo de ver, eram principalmente tidos como produto da fraude. Há uma história do Espiritismo por Mr. McCabe, que reduz tudo a fraude e que é, ela mesma, uma fraude, desde que o público compraria um livro com êsse título certo de que era um registro ao invés de uma mistificação. Há também uma história por J. Arthur Hill, escrita do ponto de vista estritamente da pes­quisa psíquica e que se acha muito longe dos fatos reais prováveis. A seguir temos: “Moderno Espiritismo Americano: um Registro de Vinte anos” e “Milagres do Século XIX”, pela grande e esplêndida propagandista que é a Senhora Emma Hardinge Britten, mas êstes livros apenas se ocupam de fases, embora sejam muito valiosos. Finalmente — e o melhor de todos — há a “Sobrevi­vência do Homem após a Morte”, pelo Reverendo Charles L. Tweedale. Mas se trata, antes, de uma bela exposição relacionada com a verdade do culto do que uma história continuada. Há histórias gerais do Misticismo, como as de Ennetnoser e Howitt, mas não há nenhuma história clara e compreensiva dos desenvolvimentos sucessivos dêsse movimento universal. Quando êste entrava para o prelo apareceu um ittilíssimo compêndio de fatos psíquicos, por Campbell-Holms. O seu título “Os Fatos da Ciência Psíquica e a Filosofia” indica, entretanto, que não pode ser apresentado como uma história metódica.

É claro que semelhante trabalho necessitava muito de inves­tigação — muito mais do que lhe poderia dedicar em minha vida ocupadíssima. É verdade que, de qualquer modo, o meu tempo era dedicado a êle, mas a literatura é vasta e havia muitos aspectos do movimento que me atraíam a atenção. Em tais cir­cunstâncias solicitei e obtive a leal cooperação de Mr. W. Leslie Curnow, cujos conhecimentos do assunto e cuja habilidade de­monstravam ser inapreciáveis. Êle trabalhou assiduamente nessa vasta mina; separou minérios e escória e deu-me enorme assis­tência em todos os sentidos. Inicialmente eu não esperava mais que matéria-prima, mas ocasionalmente êle me apresentava metal puro, do qual me servi, apenas alterando-o de maneira a ter o meu ponto de vista pessoal. Não posso exprimir a leal assistência que me foi dada; e se não inclui o seu nome com o meu no tôpo dêste livro, foi por motivos que êle compreende e com os quais concorda.

ARTHUR CONAN DOYLE

The Psychic Bookshop,

Abbey House,

Victoria Street. S. W.

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A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO - A História de Swedenborg

É impossível fixar uma data para as primeiras aparições de uma fôrça inteligente exterior, de maior ou menor elevação, in­fluindo nas relações humanas. Os espíritas tomaram oficialmente a data de 31 de março de 1848 como o comêço das coisas psí­quicas, porque o movimento foi iniciado naquela data. Entretanto não há época na história do mundo em que não se encontrem traços de interferências preternaturais e o seu tardio reconheci­mento pela humanidade. A única diferença entre êsses episódios e o moderno movimento é que aquêles podem ser apresentados como casos esporádicos de extraviados de uma esfera qualquer, enquanto os últimos têm as características de uma invasão organi­zada. Como, porém, uma invasão poderia ser precedida por pio­neiros em busca da Terra, também o influxo espírita dos últimos anos poderia ser anunciado por certo número de incidentes, sus­ceptíveis de verificação desde a Idade Média e até mais para trás. Uma data deve ser fixada para início da narrativa e, talvez, nenhuma melhor que a da história do grande vidente sueco Emmanuel Swedenborg, que possui bons títulos para ser consi­derado o pai do nosso novo conhecimento dos fenômenos supra­ normais.

Quando os primeiros raios do sol nascente do conhecimento espiritual caíram sôbre a Terra, iluminaram a maior e a mais alta inteligência humana, antes que a sua luz atingisse homens inferiores. O cume da mentalidade foi o grande reformador e médium clarividente, tão pouco conhecido por seus prosélitos, qual foi o Cristo.

Para compreender completamente um Swedenborg é preciso possuir-se um cérebro de Swedenborg; e isto não se encontra em cada século. E ainda, pela nossa fôrça de comparação e por nossa experiência dos fatos desconhecidos para Swedenborg, po­demos compreender, mais claramente do que êle, certas passa­gens de sua vida. O objeto do presente estudo não é tratar o homem como um todo, mas procurar situá-lo no esquema geral do desdobramento psíquico aqui abordado, do qual a sua própria Igreja, na sua estreiteza, o impediria.

Swedenborg era, sob certos aspectos, uma viva contradição para as nossas generalizações psíquicas, porque se costuma dizer que as grandes inteligências esbarram no caminho da experiência psíquica pessoal. Uma lousa limpa é, por certo, mais apta para nela escrever-se uma mensagem. O cérebro de Swedenborg não era uma lousa limpa, mas um emaranhado de conhecimentos exatos de susceptível aquisição naquele tempo. Nunca se viu tamanho amontoado de conhecimentos. Êle era, antes de mais nada, um grande engenheiro de minas e uma autoridade em me­talurgia. Foi o engenheiro militar que mudou a sorte de uma das muitas campanhas de Carlos 12, da Suécia. Era uma grande autoridade em Física e em Astronomia, autor de importantes trabalhos sôbre as marés e sõbre a determinação das latitudes. Era zoologista e anatomista. Financista e político, antecipou-se as conclusões de Adam Smith. Finalmente, era um profundo estudioso da Bíblia, que se alimentara de teologia com o leite materno e viveu na austera atmosfera evangélica alguns anos de vida. Seu desenvolvimento psíquico, ocorrido aos vinte e cinco anos, não influiu sôbre a sua atividade mental e muitos de seus trabalhos científicos foram publicados após essa data.

Com uma tal mentalidade, é muito natural que fôsse chocado pela evidência das fôrças supranormais, que surgem no caminho de todo pensador, mas o que não é natural é que devesse êle ser o médium para tais fôrças. Em certo sentido a sua mentalidade lhe foi prejudicial e lhe adulterou os resultados, pôsto que, de outro lado, lhe tivesse sido de grande utilidade. Para o demons­trar basta considerar os dois aspectos sob os quais o seu traba­lho pode ser encarado.

O primeiro é o teológico. Á maioria das pessoas que não pertencem ao rebanho escolhido afigura-se o lado inútil e peri­goso de seu trabalho. Por um lado, aceita a Bíblia como sendo, de modo muito particular, uma obra de Deus; por outro lado, sustenta que a sua verdadeira significação é inteiramente diferente de seu óbvio sentido e que êle — e só êle — ajudado pelos anjos, é capaz de transmitir aquêle verdadeiro sentido. Essa pretensão é intolerável. A infalibilidade do Papa seria uma insignificância comparada com a infalibilidade de Swedenborg, se tal fôsse admitido. Pelo menos o Papa é infalível quando profere um veredito em matéria de doutrina ex-cátedra, acolitado por seus cardeais. A infalibilidade de Swedenborg seria universal e irrestrita. Além disso suas explicações nem ao menos se acomo­dam à razão. Quando, visando apreender o verdadeiro sentido de uma mensagem de Deus, temos que admitir que um cavalo simboliza uma verdade intelectual, que um burro significa uma verdade científica, uma chama quer dizer melhoramento, e assim por diante com uma infinidade de símbolos, parece que nos en­contramos no reino da imaginação, que apenas pode ser com­parado com as cifras que alguns críticos engenhosos pretendem ter descoberto nas peças de Shakespeare. Não é assim que Deus manda a Sua verdade a êste mundo. Se tal ponto de vista fôsse aceito, o credo de Swedenborg seria apenas a matriz de mil here­sias; regrediríamos e iríamos encontrar-nos novamente entre as discussões e os silogismos dos escolásticos medievais. As coisas grandes e verdadeiras são simples e compreensíveis. A teologia de Swedenborg nem é simples nem inteligível. E isto representa a sua condenação.

Entretanto, quando entramos na sua fatigante exegese das Escrituras, onde cada coisa significa algo diferente daquilo que óbviamente significa, e quando chegamos a alguns dos resulta­dos gerais de seu ensino, êles não se acham em desarmonia com o moderno pensamento liberal, nem com o ensino recebido do Ou­tro Lado, desde que se iniciaram as comunicações. Assim, a pro­posição geral de que êste mundo é um laboratório de almas, um campo de experiências, no qual o material refina o espiritual, não sofre contestação. Ele repele a Trindade no seu sentido co­mum, mas a reconstitui de maneira extraordinária, que tam­bém seria impugnada por um Unitário. Admite que cada sistema tem a sua finalidade e que a virtude não é privativa do Cristia­nismo. Concorda com o ensino espírita em procurar o verda­deiro sentido da vida de Jesus Cristo no seu poder como exemplo e repele a expiação e o pecado original. Vê no egoísmo a raiz de todo o mal e admite como essencial um egoísmo sadio, na expressão de Hegel. Quanto aos problemas sexuais, suas idéias são liberais até ao relaxamento. Considera a Igreja de abso­luta necessidade, sem o que ninguém se entenderia com o Criador. Em tamanha confusão de idéias, espalhadas a torto e a direito em grandes volumes, escritos num latim obscuro, cada intérprete independente seria capaz de encontrar sua nova religião parti­cular. Mas não é aí que reside o mérito de Swedenborg.

Êsse mérito realmente seria encontrado em suas fôrças psíquicas e nas suas informações psíquicas, que teriam sido muito valiosas se jamais de sua pena houvesse brotado uma palavra sôbre Teologia. É para essas fôrças e para essas informações que nos voltamos agora.

Ainda menino, Swedenborg teve as suas visões. Mas êsse delicado aspecto de sua natureza foi abafado pela extraordinária-mente prática e enérgica idade viril. Entretanto, por vêzes veio ela à tona, em tôda a sua vida e muitos exemplos foram registrados, para mostrar que possuía poderes geralmente chamados vidência a distância”, no qual parece que a alma deixa o corpo e vai buscar uma informação a distância, voltando com notí­cias do que se passa alhures. Não é uma peculiaridade rara nos médiuns e pode ser comprovada por milhares de exemplos entre os sensitivos espíritas; mas é rara nos intelectuais e também rara quando acompanhada por um estado aparentemente normal do corpo quando ocorre o fenômeno.

Assim, no conhecidíssimo caso de Gothenburg, onde o vidente observou e descreveu um incên­dio em Estocolmo, a trezentas milhas de distância, com perfeita exatidão, estava êle num jantar com dezesseis convidados, o que e um valioso testemunho, O caso foi investigado nada menos que pelo filósofo Kant, que era seu contemporâneo.

Não obstante, êsses episódios ocasionais eram meros indícios de fôrças latentes, que desabrocharam sübitamente em Londres, em abril de 1744. É de notar-se que, conquanto o vidente fôsse de boa família sueca e educado entre a nobreza sueca, foi nada menos que em Londres que os seus melhores livros foram publi­cados, que a sua iluminação se iniciou e, finalmente, que morreu e foi sepultado. Desde o dia de sua primeira visão até a sua morte, vinte e sete anos depois, estêve êle em contínuo contato com o outro mundo. “Na mesma noite — diz de — o mundo dos Espíritos, do céu. e do inferno, abriu-se convincentemente para mim, e aí encontrei muitas pessoas de meu conhecimento e de tô­das as condições. Desde então diariamente o Senhor abria os olhos de meu Espírito para ver, perfeitamente desperto, o que se passava no outro mundo e para conversar, em plena consciência, com anjos e Espíritos”.

Em sua primeira visão Swedenborg fala de “uma espécie de vapor que se exalava dos poros de meu corpo. Era um vapor aquoso muito visível e caia no chão, sôbre o tapête. É uma perfeita descrição daqueles ectoplasmas que consideramos a base dos fenômenos físicos. A substância foi chamada, também, ideo­plasma, porque instantâneamente toma a forma que lhe dá o Es­pírito. No seu caso, conforme a sua descrição, ela se transfor­mava em vermes, o que representava um sinal de que os seus Guias lhe desaprovavam o regime alimentar e era acompanhada por um aviso pela clarividência, de que devia ser mais cuidadoso a êsse respeito.

Que é que pode fazer o mundo com essa narrativa? Dizer que tal homem era um louco; mas, nos anos que se seguiram, sua vida não deu sinais de fraqueza mental. Ou podiam dizer que êle mentia. Mas êste era famoso por sua estrita vivacidade. Seu amigo Cuno, banqueiro em Amsterdam, assim dizia dêle: “Quan­do me olhava, com os sorridentes olhos azuis, era como se êles estivessem falando a própria verdade”. Seria então auto-suges­tionado e honestamente enganado? Temos que enfrentar a circuns­tância de que, em geral, as observações que fazia eram confir­madas desde então por numerosos observadores dos fenômenos psíquicos. A verdade é que foi o primeiro e, sob vários aspectos, o maior médium, de um modo geral; que estava sujeito a erros tanto quanto aos privilégios decorrentes da mediunidade; que só pelo estudo da mediunidade seus poderes serão compreendidos e que, no esfôrço de o separar do Espiritismo, a sua Nova Igreja mostrou absoluta incompreensão de seus dons e da posição que a ela cabia no esquema geral da Natureza. Como um grande pioneiro do movimento espírita, sua posição tanto é compreensível quanto gloriosa. Como uma figura isolada com poderes incompreensíveis, não há lugar para êle em qualquer esquema do pensamento reli­gioso, por mais largamente compreensivo que seja.

É interessante notar que êle considerava os seus poderes intimamente relacionados com o sistema respiratório. Como o ar e o éter nos envolvem, é possível que alguns respirem mais éter do que ar e, assim, alcancem um estado mais etéreo. Sem a menor dúvida é esta uma maneira elementar e grosseira de con­siderar as coisas. Mas essa idéia se derrama no trabalho de muitas escolas de psiquismo. Lourence Oliphant, que aliás não tinha ligação com Swedenborg, escreveu um livro, Sympneumata, para o provar, O sistema indiano de Ioga, repousa sôbre a mesma idéia. Entretanto, quem quer que tenha visto um mé­dium cair em transe, deve ter notado a característica inspiração de ar com que se inicia o processo e as profundas expirações com que termina. Para a Ciência do futuro aqui está um promissor campo de estudos. Nisto, como em qualquer outro assunto psí­quico, é necessário cautela. O autor conheceu muitos casos em que ocorreram lamentáveis resultados que foram a conseqüência de um desavisado emprêgo da respiração profunda nos exercícios psíquicos.

Como a fôrça elétrica, os poderes espirituais têm um emprêgo variado, mas o seu manejo requer conhecimentos e pre­cauções.

Swedenborg resume o assunto dizendo que quando se comu­nicava com os Espíritos, durante uma hora respirava profunda­mente, “tomando apenas a quantidade de ar necessária para alimentar os seus pensamentos”. De lado essa peculiaridade, Swedenborg era normal durante as suas visões, conquanto pre­ferisse, na ocasião, estar só. Parece que teve o privilégio de examinar várias esferas do outro mundo e, conquanto as suas idéias sôbre teologia tivessem marcado as suas descrições, por outro lado a sua imensa cultura lhe permitiu excepcional poder de observação e de comparação. Vejamos quais os principais fatos que suas jornadas nos trouxeram e até onde êles coinci­dem com os que, desde então, têm sido obtidos pelos métodos psí­quicos.

Verificou que o outro mundo, para onde vamos após a morte, consiste de várias esferas, representando outros tantos graus de Luminosidade e de felicidade; cada um de nós irá para aquela a que se adapta a nossa condição espiritual. Somos julgados automàticamente, por uma lei espiritual das similitudes; o resul­tado é determinado pelo resultado global de nossa vida, de modo que a absolvição ou o arrependimento no leito de morte têm pouco proveito.

Nessas esferas verificou que o cenário e as condições dêste mundo eram reproduzidas fielmente, do mesmo modo que a estrutura da sociedade. Viu casas onde viviam famílias, templos onde praticavam o culto, auditórios onde se reuniam para fins sociais, palácios onde deviam morar os chefes.

A morte era suave, dada a presença de sêres celestiais que ajudavam os recém-chegados na sua nova existência. Êsses re­cém-vindos passavam imediatamente por um período de abso­luto repouso. Reconquistavam a consciência em poucos dias, segundo a nossa contagem.

Havia anjos e demônios, mas não eram de ordem diversa da nossa: eram sêres humanos, que tinham vivido na Terra e que ou eram almas retardatárias, como demônios, ou altamente desenvolvidas, como anjos.

De modo algum mudamos com a morte. O homem nada perde pela morte: sob todos os pontos de vista é ainda um ho­mem, conquanto mais perfeito do que quando na matéria.

Levou consigo não só as suas fôrças, mas os seus hábitos mentais adqui­ridos, as suas preocupações, os seus preconceitos.

Tôdas as crianças eram recebidas igualmente, fôssem ou não batizadas. Cresciam no outro mundo; jovens lhes serviam de mães, até que chegassem as mães verdadeiras.

Não havia penas eternas. Os que se achavam nos infernos podiam trabalhar para a sua saída, desde que sentissem von­tade. Os que se achavam no céu não tinham lugar permanente:

trabalhavam por uma posição mais elevada.

Havia o casamento sob a forma de união espiritual no mundo próximo, onde um homem e uma mulher constituíam uma unidade completa. É de notar-se que Swedenborg jamais se casou.

Não havia detalhes insignificantes para a sua observação no mundo espiritual. Fala de arquitetura, do artesanato, das flôres, dos frutos, dos bordados, da arte, da música, da literatura, da ciência, das escolas, dos museus, das academias, das bibliotecas e dos esportes. Tudo isso pode chocar as inteligências conven­cionais, conquanto se possa perguntar por que toleramos coroas e tronos e negamos outras coisas menos materiais.

Os que saíram dêste mundo velhos, decrépitos, doentes, ou deformados, recuperavam a mocidade e, gradativamente, o com­pleto vigor. Os casais continuavam juntos, se os seus sentimentos recíprocos os atraíam. Caso contrário, era desfeita a união. “Dois amantes verdadeiros não são separados pela morte, de vez que o Espírito do morto habita com o do sobrevivente, até à morte dêste último, quando se encontram e se unem, amando-se mais ternamente do que antes”.

Eis algumas amostras tiradas da massa enorme de informa­ções mandadas por Deus através de Swedenborg. Elas têm sido reiteradas pela bôca e pela pena dos nossos iluminados espíritas. O mundo as desprezou, taxando-as de concepções insensatas. Contudo, êstes novos conhecimentos vão abrindo caminho; quan­do forem aceitos inteiramente, a verdadeira grandeza da missão de Swedenborg será reconhecida, desde que se ponha de lado a sua exegese bíblica.

A Nova Igreja, fundada para divulgar os ensinos do mes­tre sueco, converteu-se em elemento negativo, em vez de ocupar o seu verdadeiro lugar, como fonte e origem do conhecimento psíquico. Quando, em 1848, desabrochou o movimento espírita; quando homens como Andrew Jackson Davss o sustentavam através de escritos filosóficos e de poderes psíquicos, que dificilmente se distinguem dos de Swedenborg, a Nova Igreja teria feito bem em saudar êsse desenvolvimento, que coincidia com as indi­cações de seu chefe. Em vez disso preferiram, por motivos difí­ceis de compreender, exagerar cada ponto divergente e desco­nhecer todos os pontos coincidentes, até que os dois corpos fôs­sem impelidos para o franco antagonismo. Na verdade, todos os espíritas deveriam homenagear Swedenborg, cujo busto era para encontrar-se em cada templo espírita, por ser o primeiro e o maior dos modernos médiuns. Por outro lado, a Nova Igreja deveria afogar as pequenas diferenças e integrar-se de coração no novo movimento, contribuindo as suas igrejas e as suas organizações para a causa comum.

Examinando a vida de Swedenborg é difícil descobrir as causas que levaram os seus atuais sectários a encarar com receio as outras organizações psíquicas. Aquêle fêz então aquilo que estas fazem agora. Falando da morte de Polhem, diz o vidente:

“Ele morreu segunda-feira e falou comigo quinta-feira. Eu tinha sido convidado para o entêrro. Ele viu o coche fúnebre e presenciou quando o féretro baixou á sepultura.

Entretanto, con­versando comigo, perguntou porque o haviam enterrado, se estava vivo. Quando o sacerdote disse que êle se ergueria no Dia do Juízo, perguntou por que isso, se êle já estava de pé. Admi­rou-se de uma tal coisa, ao considerar que, mesmo agora, estava vivo -

Isto está perfeitamente concorde com a experiência de um médium atual. Se Swedenborg estava certo, também os médiuns estão.

De novo: Brahe foi decapitado ás 10 da manhã e falou co­migo ás 10 da noite. Estêve comigo, quase que ininterruptamente, durante alguns dias”.

Tais exemplos mostram que Swedenborg não tinha mais escrúpulos em conversar com os mortos do que o Cristo, quando no monte falou a Moisés e Elias.

Swedenborg havia exposto as suas idéias com muita clareza. Considerando-as, entretanto, há que levar-se em conta a época em que viveu e a sua falta de experiência na direção e nos objetivos da nova revelação. Êsse ponto de vista é que Deus, por bons e sábios propósitos, tinha separado o mundo dos Espíritos do nosso, e que a comunicação não era permitida, salvo razões poderosas

— entre as quais não se poderia contar a mera curiosidade. Cada estudante zeloso do psiquismo concordará com isto e cada espírita zeloso opõe-se a que a coisa mais séria do mundo seja transfor­mada numa espécie de passatempo. Sob o império de poderosas razões, nossa razão principal é que numa época de materialismo como Swedenborg jamais imaginou, estamos nos esforçando por provar a existência e a supremacia do Espírito de maneira tão objetiva que os materialistas sejam encontrados e batidos no seu próprio terreno. Seria difícil imaginar uma razão mais forte que esta; entretanto temos o direito de proclamar que, se Swedenborg vivesse agora, seria o chefe do nosso moderno movimento psíquico.

Alguns de seus prosélitos, entre os quais o Doutor Garth Wil­kinson, fizeram a seguinte objeção: “O perigo para o homem de falar com os Espíritos é que nós todos estamos ligados aos nossos semelhantes e, estando cheios de maldades, teríamos que enfrentar êsses Espíritos semelhantes, e êles apenas confirmariam o nosso ponto de vista.”

A isto responderemos apenas que, conquanto especioso, está provado pela experiência que é falso. O homem não é naturalmente mau. O homem médio é bom. O simples ato da comunica­ção espírita, na sua solenidade, desperta o lado religioso. Assim, via de regra, não é a má influência, mas a boa, que é encontrada, como o provam os belos e moralizados registros das sessões. O autor pode dar o testemunho de que em cêrca de quarenta anos de trabalho psíquico, durante os quais assistiu a inúmeras ses­sões em muitos lugares, jamais, numa única ocasião, ouviu uma palavra obcena ou qualquer mensagem que pudesse ferir os ouvi­dos da mais delicada mocinha. Outros veteranos espíritas dão o mesmo testemunho. Assim, enquanto é absolutamente certo que os maus Espíritos sejam atraídos para um ambiente mau, na prática atual é muito raro que alguém seja por êles incomodado. Se tais Espíritos aparecerem, o procedimento correto não é repeli-los; é antes conversar razoàvelmente com êles, esforçando-se por que compreendam sua própria condição e o que devem fazer por seu melhoramento. Isto ocorreu muitas vêzes na experiên­cia pessoal do autor, e com os mais felizes resultados.

Algumas informações pessoais sôbre Swedenborg cabem como têrmo a êste ligeiro relato de suas doutrinas. Visa-se, assim, antes de mais nada, indicar a sua posição no esquema geral.

Deve êle ter sido muito frugal, prático e trabalhador; um rapaz enérgico e um velho muito amável. Parece que a vida o converteu numa criatura muito bondosa e venerável. Era plácido, sereno e sempre disposto à conversação, que não descambava para o psiquismo senão quando queria o seu interlocutor. O tema dessas conversas era sempre notável, mas êle se afligia com a gagueira que lhe dificultava a pronunciação. Era alto, delgado, de rosto espiritual, olhos azuis, peruca até os ombros, roupas escuras, calções curtos, fivelas nos sapatos e bengala.

Sustentava Swedenborg que uma densa nuvem se havia for­mado em redor da Terra, devido à grosseria psíquica da humani­dade e que de tempos em tempos havia um julgamento e uma limpeza, assim como a trovoada aclara a atmosfera material. Via que o mundo, já em seus dias, entrava numa situação perigosa, devido à sem-razão das Igrejas por um lado, e a reação contra a absoluta falta de religião, causada por isto. As modernas autoridades em psiquismo, especialmente Vale Owen, falaram dessa nuvem crescente e há uma sensação geral de que o necessário pro­cesso de limpeza geral não tardará.

Uma notícia sôbre Swedenborg, do ponto de vista espírita, não pode ser melhor conduzida do que por estas palavras, ex­traídas de seu diário: “Tôdas as afirmações em matéria de teci­logia são, como sempre foram, arraigadas no cérebro e dificilmente podem ser removidas; e enquanto aí estiverem, a verdade genuína não encontrará lugar.” Era êle um grande vidente, um grande pioneiro do conhecimento psíquico e sua fraqueza reside naquelas mesmas palavras que escreveu.

A generalidade dos leitores que quiserem ir mais adiante encontrará os mais característicos ensinos de Swedenborg em suas obras: “Céu e Inferno”, “A Nova Jerusalém” e “Arcana Coelestia”. Sua vida foi admiravelmente descrita por Garth Wil­kinson, Trobridge e Brayley Hodgetts, atual presidente da Socie­dade Inglêsa Swedenborg. A despeito de todo o seu simbolismo teológico, seu nome deve viver eternamente como o primeiro de todos os homens modernos que descreveram o processo da morte e o mundo do além, o que não se baseia no vago extá­tico e nas visões impossíveis das velhas Igrejas, mas corresponde atualmente às descrições que nós mesmos obtemos daqueles que se esforçam por nos trazer uma idéia clara de sua nova exis­tência.

2

Edward Irving: os «shakers»

A HISTÓRIA de Edward Irving e sua experiência, entre 1830 e

1833, com as manifestações espíritas, são de grande interêsse para o estudante de psiquismo e

ajuda a vingar o abismo entre Swedenborg, de um lado e Andrew Jackson Davis, do outro.

Os fatos são os seguintes:

Edward Irving pertence àquela mais pobre classe de tra­balhadores braçais escoceses, que produziu tantos homens de valor. Da mesma origem e da mesma época de Thomas Carlyle, Irving nasceu em Annan, em 1792. Depois de uma juventude dura e aplicada ao estudo, desenvolveu-se como um homem muito singular. Físicamente era um gigante e um Hércules em fôrça; seu físico esplêndido só era estragado pela horrível saliência de um olho, defeito que, como o pé aleijado de Byron, de certo modo parecia apresentar uma analogia nas esquisitices do caráter. Sua inteligência era máscula, ampla e corajosa, mas destorcida pela primeira educação na acanhada escola da Igreja Escocesa, onde os duros e cruéis pontos de vista dos velhos Convencionais — um Protestantismo impossível, que representava a reação contra um Catolicismo impossível — jamais envenenou a alma humana. Sua atitude mental era estranhamente contraditória, pois, se havia herdado essa atrapalhada teologia, deixara de herdar muito daquilo que é o patrimônio do mais pobre escocês. Opunha-se a tudo quanto fôsse liberal e até mesmo elementares medidas de justiça, como a Lei de Reforma de 1832, que nêle encontrou uma forte oposição.

Esse homem estranho, excêntrico e formidável tinha tido o próprio ambiente no século 17, quando os seus protótipos se reuniam nas charnecas de Galloway e exterminavam ou, possivel­mente, atacavam a braço os dragões de Claverhouse. Mas a vida continuou e êle teve que escrever o seu nome de certa maneira nos anais de sua época. Sabemos de sua extrema moci­dade na Escócia, da rivalidade com seu amigo Carlyle no afeto pela inteligente e viva Jane Welsh, de seus giros e exibições de fôrça, de sua curta carreira como violento mestre-escola em Kirk­caldy, de seu casamento com uma filha de um ministro naquela cidade e, finalmente, de sua nomeação para cura, ou assis­tente do grande Dr - Chalmers, que era então o mais famoso clé­rigo da Escócia e cuja administração na paróquia de Glasgow é um dos mais interessantes capítulos da história da Igreja Esco­cesa. Neste cargo êle adquiriu, no trato dos homens, o conhe­cimento com as classes mais pobres, o que constitui a melhor e a mais prática preparação para a vida. Sem isto ninguém é realmente completo.

A êsse tempo havia uma pequena igreja escocesa em llatton Garden, fora de Holborn, em Londres, que tinha perdido o seu pastor e se achava em posição crítica, quer espiritual, quer financeiramente. A vacância foi oferecida ao assistente do Doutor Chal­mers que, depois de alguma reflexão, aceitou-a. Aí a sua elo­qüência sonora e as suas luminosas explicações do Evangelho começaram a atrair a atenção e, sübitamente, o estranho gigante escocês ficou na moda. A rua humilde, nas manhãs de domingo, ficava atravancada de carruagens, e alguns dos mais notáveis homens de Londres, bem como senhoras, acotovelavam-se dentro do pequeno templo. É evidente que tamanha popularidade não podia durar e que o costume do pregador de expor o texto durante uma hora e meia era muito para a elegância lon­drina, embora aceitável ao norte de Tweed. Finalmente foi re­movido para uma igreja maior em Regent Square, com capa­cidade para duas mil pessoas e onde havia assentos suficientes para se acomodarem de maneira decente, embora o pregador já não despertasse o interêsse dos primeiros dias. De lado a sua oratória, parece que Irving foi um pastor consciencioso e muito trabalhador, que lutava continuamente para satisfazer as necessi­dades materiais dos mais humildes elementos de seu rebanho, sempre pronto, dia e noite, no cumprimento de seu dever.

Não obstante, logo começaram as lutas com as autoridades de sua Igreja. O assunto em disputa constituiu uma bonita base para uma querela teológica daquele tipo que fêz mais mal ao mundo do que a varíola. A questão era se o Cristo tinha em Si a possibilidade de pecar, ou se a Divina Porção do Seu Ser constituía uma barreira absoluta contra as tentações físicas.

Sustentavam uns que a associação de idéias como Cristo e pecado era uma blasfêmia, O teimoso clérigo, entretanto, replicava, com algumas mostras de razão, que a menos que o Cristo tivesse a capacidade de pecar e a ela resistisse vitoriosamente, o seu destino terreno não era o mesmo que o nosso e suas virtudes desperta­vam menos admiração. O assunto foi discutido fora de Lon­dres com muita seriedade e por um tempo enorme, tendo como resultado uma declaração unânime do presbitério, condenando o pon­to de vista do pastor.

Entretanto, tendo a sua congregação, por sua vez, manifestado uma inqualificável aprovação, êle pôde des­prezar a censura de seus irmãos oficiais.

Mas um maior obstáculo se achava à sua frente. O encontro de Irving com êle levou o seu nome a viver como vivem todos os nomes a que se associam reais êxitos espirituais..

Inicialmente há que considerar que Irving estava profundamente interessado nas profecias bíblicas, especialmente nas vagas e terríveis imagens de São João, e os estranhos vaticínios de Daniel. Refletiu muito sôbre os anos e os dias marcantes do período de ira que devia preceder a Segunda Vinda do Senhor. Por aquela época —pelas alturas de 1830 — havia outros profundamente imersos nas mesmas sombrias especulações. Entre êstes contava-se um rico banqueiro, chamado Drumond, dono de grande casa de campo em Albury, perto de Guildford. Nessa casa aquêles estudiosos da Bí­blia costumavam reunir-se de vez em quando, discutindo e com­parando seus pontos de vista tão minuciosamente que não era raro que suas sessões se alongassem por uma semana, sendo os dias inteiramente ocupados desde o almôço até o jantar. Este grupo era chamado os profetas de Albury. Excitados pelos sucessos políticos que haviam levado à Lei da Reforma, todos êles con­sideraram que as bases mais profundas tinham sido abaladas. É difícil imaginar qual teria sido a sua reação se tivessem chegado a testemunhar a Grande Guerra. Seja como fôr, esta­vam convencidos de que estaria próximo o fim de tudo e bus­cavam impacientes sinais e portentos, torcendo as vagas e sinis­tras palavras dos profetas de tôdas as maneiras em fantás­ticas interpretações.

Por fim, acima do monótono horizonte dos acontecimentos apareceu uma estranha manifestação. Havia uma lenda de que os dons espirituais dos primeiros dias reapareceriam antes do fim, e entre êles aparentemente estava o esquecido dom das línguas, voltando como patrimônio da humanidade. Começou em 1830 ao oeste da Escócia, onde os sensitivos Campbell e Mac Donald diziam que o sangue céltico sempre tinha sido mais sensível às influências espirituais do que a mais pesada corrente teutônica. Os Profetas de Albury exerciam a maior atividade intelectual e um emissário foi mandado pela Igreja de Mr. Irving para inves­tigar e relatar o caso. Verificou-se que a coisa era exata. As pessoas tinham boa reputação e uma delas, na verdade uma senhora cujo caráter poderia antes ser descrito como de santa. As estranhas línguas em que ambos falavam, por vêzes eram ouvidas e suas manifestações eram acompanhadas por milagres de cura e outros sinais. É claro que não havia fraude ou mistificação, mas um verdadeiro influxo de alguma fôrça estra­nha que levava a gente de retôrno aos tempos apostólicos.

Os fiéis esperavam ansiosos novos acontecimentos.

Êstes não se fizeram esperar: irromperam na própria Igreja de Irving. Foi em julho de 1831 que correu o boato de que certos membros da congregação tinham sido tomados de maneira estranha em suas próprias residências e que discretas ma­nifestações ocorriam na sacristia e outros recintos fechados. O pastor e os seus conselheiros estavam perplexos, sem saber se uma demonstração mais pública iria ser tolerada, O caso resol­veu-se por si mesmo, por uma espécie de acôrdo com os Espí­ritos; e, em outubro do mesmo ano, o prosaico serviço da Igreja da Escócia foi sõbitamente interrompido pelos gritos de um pos­sesso. Foi tão rápido e com tamanha violência, tanto no serviço matinal, quanto no da noite, que se estabeleceu o pânico na igreja de tal modo que, se não fôsse pela trovejante súplica do gigante pastor “Oh! Senhor serena o tumulto do povo!” talvez se tivesse seguido uma tragédia. Também houve muito sussurro e muitos brados dos velhos conservadores. Como quer que seja, a sensação foi considerável e os jornais do dia apareceram cheios de comentários, que estavam longe de ser favoráveis e respei­tosos.

Os gritos vinham de homens e de mulheres e, no primeiro caso, se reduziam a ruídos ininteligíveis, que tanto eram meros grunhidos quanto linguagem inteiramente desconhecida. “Sons rápidos, queixosos e ininteligíveis”, diz uma testemunha, “Havia uma fôrça e um som cheio”, diz uma outra, “de que pareciam in­capazes os delicados órgãos femininos”. Rebentavam com assom­bro e terrível fragor”, diz uma terceira. Muitos, entretanto, fica­vam fortemente impressionados com aquêles sons; entre êles, Irving. “Há na voz um poder de impressionar o coração e domi­nar o Espírito de maneira que jamais senti. Há uma cadên­cia, uma majestade e uma constante grandeza que jamais ouvi falar de coisa semelhante. É muito parecido com os mais sim­ples e os mais antigos cantos no serviço da catedral de tal modo que cheguei a pensar que aqueles cantos, cuja reminiscência pode chegar a Ambrósío, Sto as inspiradas preces da Igreja primi­tiva”.

Entretanto, em breve, palavras ininteligíveis em inglês foram adicionadas aos estranhos ruídos. Em geral eram jaculatórias e preces, sem óbvios sinais de caráter supranormal, salvo que se manifestavam em momentos inadequados e independentes da vontade de quem as proferia. Nalguns casos, entretanto, essas fôrças atuavam até que o sensitivo fôsse, sob sua influência, capaz de longas arengas, de expor a lei da mais dogmática maneira, sôbre pontos de doutrina e fazer censuras que, incidentemente eram carapu­ças para o sofrido pastor.

Pode ter havido — de fato houve, provàvelmente uma ver­dadeira origem física para tais fenômenos; mas êles se tinham desenvolvido num terreno de estreita e fanática teologia, desti­nada a levá-los a ruína. O próprio sistema religioso de Swedenborg era demasiadamente acanhado para receber a plenitude dêsses dons do espírito. De modo que pode imaginar-se a que se redu­ziram, quando recebidos nos estreitos limites de uma igreja es­cocesa, onde cada verdade há de ser virada e revirada até ajustar-se a algum êxito fantástico. O bom vinho novo não pode ser guardado em insuficientes odres velhos. Tivesse havido uma reve­lação mais completa, e certamente outras mensagens teriam sido recebidas de outras maneiras, as quais teriam apresentado o assun­to em suas justas proporções; e um dom espiritual teria sido comprovado por outros. Mas ali não havia desenvolvimento: havia o caos. Alguns daqueles ensinos não se acomodavam à ortodoxia e, assim, foram considerados obra do diabo. Alguns dos sensi­tivos condenavam os outros como heréticos. Levantava-se voz con­tra voz. O pior de tudo é que alguns dos “oradores” se convenceram de que seus discursos eram diabólicos. Parece que sua razão principal é que os discursos não se acomodavam às suas próprias convicções espirituais, o que nos poderia parecer antes uma indicação de que eram angélicos. Também entravam pelo escorregadio caminho da profecia e ficavam envergonhados quan­do suas profecias não se realizavam.

Alguns fatos constatados através dêsses sensitivos e que cho­cavam a sua sensibilidade religiosa poderiam ter sido melhor com­preendidos por uma geração mais esclarecida. Assim, admite-se que tenha sido um dos estudiosos da Biblia que tenha dito, em relação à Sociedade Bíblica, “que ela era um curso em toda a Ter­ra, cobrindo o Espírito de Deus, pela letra da palavra de Deus”. Certo ou errado, parece que o enunciado independe de quem o anuncia e se acha de pleno acôrdo com os ensinos espirituais que atualmente recebemos. Enquanto a letra fôr considerada sagrada, tudo pode ser provado por aquêle livro, inclusive o puro materia­lismo.

Um dos principais iniciados era um tal Robert Baxter — e que não deve ser confundido com o Baxter, que, uns trinta anos mais tarde, estava ligado a notáveis profecias. Parece que êsse Robert Baxter era um cidadão sólido, zeloso e prosaico, que via as Escrituras mais do ponto de vista de um documento legal, com um valor exato para cada frase — especialmente para aquelas frases que serviam ao seu próprio esquema hereditário da religião. Era um homem honesto, com uma consciência in­quieta, que o preocupava continuamente com os menores de­talhes, enquanto o deixava imperturbável em relação à larga plataforma, sôbre a qual eram construídas as suas opiniões. Êsse homem era fortemente afetado pelo influxo do Espírito ou, para usar as próprias palavras, “a sua bôca era aberta pela força”. De acôrdo com ele, o dia 14 de janeiro de 1832 foi o comêço daqueles rústicos 1260, dias que deveriam preceder a Segunda Vinda e o fim do mundo. Tal profecia deveria ter sido particularmente simpática a Irving, com os seus sonhos milená­rios. Mas muito antes que aquêles dias se tivessem comple­tado, Irving estava em seu jazigo e Baxter tinha repudiado aque­las vozes que, ao menos naquele caso, o haviam enganado.

Baxter havia escrito um folheto com o pomposo título de “A Narrativa de Fatos Característicos de Manifestações Supranaturais, em Membros da Congregação de Irving e outras pessoas, na inglaterra e na Escócia, e inicialmente no Próprio Autor”. A verdade espiritual não poderia vir através de uma tal mente, do mesmo modo não o poderia a luz branca através de um prisma; e, ainda nesse caso, há que admitir a ocorrência de muitas coisas aparentemente sobrenaturais, de mistura com muitas duvidosas e algumas absolutamente falsas. O obje­tivo do folheto é principalmente abjurar os seus maus guias invisíveis, de modo a poder voltar são e salvo ao seio da Igre­ja Escocesa. Observe-se, entretanto, que um outro membro da congregação de Irving escreveu um panfleto de resposta com um título enorme, mostrando que Baxter estava certo enquanto inspirado pelo Espírito, e satânico nas suas errôneas con­clusões. Esse folheto é interessante por conter cartas de várias pessoas que possuiam o dom das línguas, mostrando que eram gente de cultura e incapazes de uma mistificação consciente.

Que dirá de tudo isso um imparcial estudioso do psiquis­mo, familiarizado com os dois modernos aspectos? Pessoalmente parece ao autor que tenha sido um verdadeiro influxo psíquico, mascarado por uma acanhada teologia sectarista da descrição literal, pelo que foram censurados os Fariseus. Se lhe é permitido aventurar uma Opinião, esta é que o perfeito recipiente do ensino espírita é o homem culto, que abriu ca­minho através de todos os credos ortodoxos e cuja mente receptiva e ardente é uma superfície limpa e pronta para registrar uma nova impressão exatamente como a recebe. Torna-se, assim, um verdadeiro filho e discípulo dos ensinos do outro mundo e todos os outros tipos de espíritas parecem acomo­dados. Isto não altera o fato de que a nobreza pessoal do caráter pode fazer do iniciado honesto um tipo muitíssimo mais elevado do que o simples espírita; mas isto só se aplica à atual filosofia. O campo do Espiritismo é imensamente vasto e nêle cada variedade de cristão, como de maometano, de hindu ou de parsi pode viver em fraternidade. Mas a simples admis­são do retôrno do Espírito e da comunicação não é suficiente. Muitos selvagens o admitem. Necessitamos também, um código de moral. E se consideramos o Cristo como um mestre bene­volente ou como um divino embaixador, Seu ensino ético atual, de uma forma ou de outra, mesmo quando não conju­gado com o seu nome, é uma coisa essencial ao soerguimento da humanidade. Mas deve ser sempre controlado pela razão e aplicado conforme o espírito e não conforme a letra.

Isto, porém, é uma digressão. Nas vozes de 1831 há sinais de verdadeira fôrça psíquica.

É uma reconhecida lei espiritual que tôda manifestação Psíquica sofre uma distorção quando apreciada através de um médium de estreito secta­rismo religioso. É também uma lei que as pessoas presun­çosas e infatuadas atraem Espíritos malévolos e são alvo do espírito do mundo, dos quais se tornam joguetes através de grandes nomes e de profecias que as tornam ridículas. Tais foram os guias que desceram sôbre o rebanho de Mr. Irving e produziram diversos efeitos, bons e maus, conforme o ins­trumento empregado.

A unidade da Igreja, que tinha sido sacudida pela prévia censura do presbitério, não resistiu a êsse novo golpe. Houve uma grande cisão e o prédio foi reclamado pelos administradores. Irvíng e os partidários que lhe ficaram fiéis andaram à procura de um novo local, e vieram encontrá-lo na sala que usava Robert Owen, o socialista, filantropo e livre-pensador, destinado, vinte anos mais tarde, a ser um dos pioneiros conversos do Espiritismo. Aí, no Gray’s Inn Road, Irving reuniu os fiéis. Não se pode negar que a Igreja, tal qual a organizou, com o seu anjo, os seus presbíteros, seus diá­conos, suas línguas e suas profecias, era a melhor reconstituição da primitiva Igreja Cristã jamais realizada. Se Pedro ou Paulo se reencarnassem em Londres teriam ficado confusos e, até, horrorizados ante a Igreja de São Paulo ou a Abadia de Westminster; mas certamente teriam sentido uma atmos­fera perfeitamente familiar na reunião presidida por Irving. Um sábio reconhece que há inúmeras direções para nos apro­ximarmos de Deus. A mente dos homens e o espírito dos tempos variam de reações à grande causa central e apenas podemos insistir numa caridade muito ampla para consigo mesmo e para com os outros. Parece que era isso o que faltava a Irving.

Era sempre pelo modêlo daquilo que era uma seita entre seitas que media o universo. Havia ocasiões em que êle era vagamente consciente disso; e é possível que aquelas lutas com Apollyon, de que êle se lamenta, com o Bu­nyan e os velhos Puritanos que costumavam lamentar-se, tenham sido uma estranha explicação. Apollyon era, realmente, o Espí­rito de Verdade e a luta interior não era entre a Fé e o Pecado, mas realmente entre a obscuridade do dogma herdado e a luz inerente à razão instintiva, dom de Deus erguendo-se para sempre em revolta contra os absurdos do homem.

Mas Irving viveu muito intensamente e as sucessivas crises por que passou o esgotaram.

Essas discussões com teólogos tei­mosos e com recalcitrantes membros de seu rebanho se nos afiguram coisas triviais, quando vistas a distância; mas para êle, com aquela alma devotada, ardente e tempestuosa, eram vitais e terríveis. Para uma inteligência emancipada, uma seita ou outra é indiferente; mas para Irving, quer pela herança, quer pela educação, a Igreja Escocesa era a Arca de Deus e ele o seu fiel e zeloso filho que, conduzido pela sua própria cons­ciência, tinha avançado e encontrado as largas portas que con­duzem à Salvação fechadas às suas costas. Era um galho cortado da árvore e ia secando. É uma comparação e mais que isto, porque se tornou, físicamente, uma verdade. Aquêle gigante da meia-idade murchou e encolheu. Seu arcabouço ver­gou. As faces tornaram-se cavadas e pálidas. Os olhos brilha­vam de febre fatal que o consumia. E assim, trabalhando até o fim, tendo nos lábios as palavras “Se eu morrer, morrerei com o Senhor”, a sua alma passou para aquela luz mais clara e mais dourada, na qual o cérebro encontra repouso e o Es­pírito ansioso entra numa paz e numa segurança jamais encon­tradas na vida.

Além dêsse incidente isolado da Igreja de Irving, houve uma outra manifestação psíquica naqueles dias, que levou mais diretamente à revelação de Hydesville. Foi o desabrochar de fenômenos espíritas nas comunidades dos “shakers”, nos Estados Unidos, e que despertou menos atenção do que merecia. Parece que de um lado essa boa gente se ligava aos shakers, e do outro aos refugiados das Cevennes, vindos para a Ingla­terra para se subtrairem à perseguição de Luis XIV.

Mesmo na Inglaterra as suas vidas inofensivas não os livraram da perseguição dos fanáticos e êles se viram forçados a emigrar para os Estados Unidos, durante a Guerra da Inde­pendência. Aí fundaram estabelecimentos em vários lugares, vivendo vida simples e limpa, na comunidade de princípios, sóbria e castamente, na sua palavra de ordem. Não é de admi­rar que a nuvem psíquica das fôrças do além pouco a pouco descesse sôbre a Terra e encontrasse repercussão naquelas comunidades altruísticas. Em 1837 existiam sessenta dêsses gru­pos e todos êles respondiam de várias maneiras à nova fôrça. Então guardavam muito cuidadosamente a experiência para si mesmos, porque, como os seus maiores posteríormente explora­vam, certamente teriam sido levados para os hospícios se ti­vessem revelado o que então ocorria. Entretanto, logo depois apareceram dois livros contando as suas experiências: “Santa Sabedoria” e “O papel sagrado”.

Parece que os fenômenos se iniciaram com os costumeiros sinais de avisos, seguidos pela obsessão, de quando em vez, de quase tôda a comunidade. Cada um, homem ou mulher, demonstrava estar preparado para a manifestação dos Espíritos. Entretanto os invasores só chegavam depois de pedir permissão e nos intervalos não interferiam no trabalho da comunidade. Os principais visitantes eram Espíritos de Peles Vermelhas, que vinham em grupos, como uma tribo. “Um ou dois presbíteros deveriam estar na sala de baixo, aí batiam à porta e os índios pediam licença para entrar. Dada a licença, tôda a tribo de Espíritos de índios invadia a casa e em poucos minutos por tôda a parte ouvia-se o seu “Whoop! Whoop!” Os gritos de “whoop”, aliás, emanavam dos órgãos vocais dos próprios “shakers”. Mas, quando sob o contrôle dos índios, conver­savam na língua dêstes, dançavam as suas danças e em tudo mostravam que estavam realmente tomados por Espíritos de Peles Vermelhas.

Perguntarão por que deveriam êsses aborígines norte-ameri­canos representar um papel tão saliente não só na inícíação, mas na continuidade do movimento? Há poucos médiuns de efeitos físicos neste país, como nos Estados Unidos, que não te­nham como guia um Pele Vermelha e cuja fotografia não é raro ser obtida por meios psíquicos, ainda com os seus vestidos e seus peitorais de couro cru. É um dos muitos mistérios que ainda devemos solucionar. Com certeza apenas podemos dizer, basea­dos em nossa própria experiência, que êsses Espíritos têm grandes poderes para a produção de fenômenos físicos, mas nunca demonstram um ensino mais alto do que nos chega de Espíritos europeus ou orientais.

Entretanto os fenômenos físicos ainda são de grande importância, porque chamam a atenção dos cépticos o assim, o papel reservado aos índios é de importância vital. Pa­rece que os homens da rude vida campestre, na vida espiri­tual estão especialmente destinados às grosseiras manifestações da atividade do Espírito. E tem sido constantemente afirmado, conquanto seja difícil prová-lo, que o primeiro organizador de tais manifestações foi um aventureiro, que em vida se chamava Henry Morgan e que morreu como Governador da Jamaica, um pôsto para o qual havia sido nomeado ao tempo de Carlos II. Deve admitir-se que essas afirmações não provadas nenhum valor possuem no atual estado dos nossos conhecimentos, mas deve­riam ser registradas, desde que informações posteriores podem um dia lançar sôbre elas uma nova luz. John King, que é o nome do Espírito do suposto Henry Morgan, é um ser muito real: poucos espíritas experimentados há que não tenham visto a sua cara barbuda e ouvido a sua voz máscula. Quanto aos índios que são seus companheiros ou subordinados, apenas épossível aventurar uma conjectura: são as crianças da Natureza, talvez mais próximas dos primitivos segredos do que outras raças mais complexas. Pode acontecer que o seu trabalho especial seja da natureza de uma expiação — explicação que o autor ou­viu de seus próprios lábios.

Parece que essas explicações constituem uma digressão da atual experiência dos “shakers”, mas as dificuldades que se er­guem na mente do investigador se devem, em grande parte, à quantidade de fatos novos, sem ordem nem explicação, que é preciso contornar. Sua inteligência não possui escaninhos sufi­cientes aos quais os possa adaptar. Entretanto, nestas páginas o autor procura, na medida do possível, fornecer, de sua própria experiência ou da daqueles em quem pode confiar, aquelas luzes que podem tornar o assunto mais inteligível e, pelo menos, dar uma idéia daquelas leis que os regem e que estabelecem a ligação entre os Espíritos e nós mesmos. Acima de tudo, o in­vestigador deve para sempre abandonar a idéia de que os desen­carnados sejam, necessàriamente, entidades sábias e poderosas. Êles têm a sua individualidade e as suas limitações, assim como as temos, e essas limitações se tornam mais destacadas quando se manifestam através de uma substância tão alheia quanto a matéria.

Os “shakers” contavam com um homem de notável inteli­gência, chamado F. W. Evans, que fêz um claro e interessante relato de todo êsse assunto e que os curiosos podem encontrar no New York Daily Graphic, de 24 de Novembro de 1874 e foi largamente citado na obra do Coronel Olcott “Gente do Outro Mundo.”

Mr. Evans e seus companheiros, depois da primeira per­turbação física e mental, causada pela irrupção daqueles Espíritos, puseram-se a estudar o que aquilo realmente significava. Che­garam à conclusão de que a matéria poderia ser dividida em três fases. A primeira consistia em provar ao observador que a coisa era verdadeira. A segunda era a fase de instrução, na qual mesmo o mais humilde Espírito pode trazer informações de sua própria experiência das condições post-mortem. A terceira fase, dita fase missionária, era a de aplicação prática. Os “shakers” chegaram a conclusão inesperada de que os índios não tinham vindo ensinar, mas aprender. Assim, catequizaram-nos como foi possível, exatamente como o teriam feito em vida. Uma experiên­cia semelhante ocorreu desde então em muitíssimos centros espíritas, onde humildes espíritos muito primitivos vieram aprender aquilo que deveriam ter aprendido neste mundo, se tivesse havido professôres. Certamente perguntarão por que Espíritos mais elevados do além não cuidam desse ensino? A resposta dada ao autor, numa notável ocasião, foi a seguinte: “Essa gente está muito mais próxima de vocês do que de nós. Vocês podem alcançá-los onde nós não podemos”.

Daí se conclui claramente que os bons “shakers” jamais estiveram em contacto com os guias mais elevados — talvez não necessitassem de ser guiados — e que os seus visitantes eram de um plano inferior. Durante sete anos as visitas continuaram. Quando os Espíritos os deixaram, disseram-lhes que se iam, mas que voltariam; e que, quando voltassem, inva­diriam o mundo e tanto entrariam nas choupanas quanto nos palácios.

Foi justamente depois de quatro anos que começaram as batidas de Rochester. E quando se iniciaram, Elder Evans e outro “shaker” foram a Rochester e visitaram as irmãs Fox - Sua chegada foi saudada com grande entusiasmo pelas fôrças invisíveis, que proclamaram que aquilo era realmente o tra­balho que tinha sido predito.

Digna de referência é uma observação de Elder Evans. Quando lhe perguntaram: “Não pensa que a sua experiência é a mesma dos monges e freiras da Idade Média?” sua resposta não foi: “As nossas eram angélicas, as outras, diabólicas”, como teria sido, se se invertessem os interlocutores. Êle respondeu com muita candura e clareza: “Certamente. Isto é a sua própria explicação através dos tempos. As visões de Santa Teresa são visoes espíritas, do mesmo modo que as que freqüentemente têm tido os membros de nossa sociedade”. Quando depois lhe perguntaram se a magia e a necromancia não pertenciam à mes­ma categoria, respondeu: “Sim. Isto é Espiritismo empregado para fins egoísticos”. É claro que havia homens, que viveram há cêrca de um século, capazes de instruir os nossos sábios de hoje.

Aquela notável senhora que foi Mrs. Hardinge Britten registrou em seu “Moderno Espiritualismo Americano como se pôs em inteiro contacto com a comunidade dos “shakers” e como êles lhe mostraram relatos, tomados por ocasião das visi­tas dos Espíritos. Nêles se afirma que a nova era deveria ser inaugurada por uma extraordinária descoberta, tanto de valor material quanto espiritual. Esta é uma notável profecia como éum assunto de história que os campos auríferos da Califórnia foram descobertos pouco tempo depois daquela erupção psíquica. Um partidário de Swedenborg, com a sua doutrina das corre­lações, possivelmente sustentaria que êstes dois fatos se complementam.

O episódio da manifestação dos “shakers” é um elo muito distinto entre o trabalho de pioneiro de Swedenborg e o período de Davis e das Irmãs Fox. Estudaremos agora a carreira do primeiro, que está intimamente associada com o surgimento e o progresso do moderno movimento psíquico.

3

O Profeta da Nova Revelação

ANDREW Jackson Davis foi um dos homens mais notáveis

de que temos uma informação exata. Nascido em 1826 nas margens do Hudson, sua mãe era uma criatura deseducada, com tendências visionárias aliadas à superstição vulgar; seu pai era um borracho, trabalhador em couros. Escreveu detalhes de sua própria infância num livro curioso: A Vara Mágica” que nos revela a vida primitiva e dura das províncias americanas na pri­meira metade do século passado. O povo era rude e deseducado, mas o seu lado espiritual era muito vivo: parecia estar sem­pre pronto para alcançar algo de novo. Foi nesses distritos rurais de New York que, no espaço de poucos anos, se desenvolve­ram o Mormonismo e o Espiritismo.

Jamais houve um rapaz com menos disposições favoráveis do que Davis. Era fraco de corpo e pobre de mente. Fora dos li­vros da escola primária apenas se lembrava de um livro que sempre lia até os dezesseis anos de idade. Entretanto naquela criatura mirrada dormiam tais fôrças espirituais que antes dos vinte anos tinha escrito um dos livros mais profundos e origi­nais de filosofia jamais produzidos. Poderia haver mais clara prova de que nada tinha vindo dêle mesmo e de que não passava de um conduto, através do qual fluía o conhecimento daquele vasto reservatório que dispõe de tão incompreensíveis dispositivos? O valor de uma Jeanne DArc, a santidade de uma Te­resa, a sabedoria de um Jackson Davis, os poderes supranormais de um Daniel Home, tudo vem da mesma fonte.

Nos seus últimos anos da infância começaram a se desen­volver os poderes psíquicos de Davis. Como Jeanne DArc, ouvia vozes no campo — vozes gentis que lhe davam bons conselhos e confôrto. A clarividência seguiu essa clariaudiência. Por ocasião da morte de sua mãe, teve uma notável visão de uma casa muito amável, numa região brilhante, que imaginou ser o lugar para onde sua mãe tinha ido. Entretanto sua completa capacidade foi despertada por uma circunstância: veio a sua al­deia um saltimbanco que exibia as maravilhas do mesmerismo; fêz uma experiência com Davis, e também com muitos outros jovens rústicos, que quiseram provar aquela sensação. Logo foi constatado que Davis possuía notável poder de clarividência.

Estes não foram desenvolvidos pelo peripatético mesmerista, mas por um alfaiate local, um certo Livingstone, que parece ter sido um pensador avançado. Êle ficou tão intrigado com os dons do seu sensitivo que abandonou o seu próspero negócio e devotou todo o seu tempo ao trabalho com Davis, empregando a sua clarividência no diagnóstico de doenças. Davis havia de­senvolvido essa fôrça, comum entre os psiquistas, de ver sem os olhos, inclusive aquelas coisas que não podiam ser vistas pela visão humana. A princípio o dom era usado como uma espécie de divertimento, na leitura de cartas e relógios de uma assistência rústica, tendo o sensitivo os olhos vendados. Neste caso, qual­quer parte do corpo pode exercer a função de ver. A razão disso talvez seja que o corpo etérico ou espiritual, que possui os mesmos órgãos que o físico, esteja total ou parcialmente des­prendido e registre a impressão. Desde que pode tomar tal atitude, ou andar à volta, pode ver de qualquer ponto. É uma explicação para casos como o que o autor encontrou no Norte da Inglaterra, onde Tom Tyrrell, o famoso médium, costumava andar à volta da sala, olhando os quadros, de costas para as pa­redes onde os mesmos estavam pendurados. Se em tais casos os olhos etéreos vêem os quadros, ou se vêem uma réplica etérea dos mesmos, temos um dos muitos problemas que deixamos à posteridade.

Livingstone, a princípio, usou Davis para diagnósticos médi­cos. Descrevia como o corpo humano se tornava transparente aos seus olhos espirituais, que pareciam funcionar do centro de sua testa. Cada órgão aparecia claramente e com uma radiação especial e peculiar, que se obscurecia em caso de doença. Para a mentalidade médica ortodoxa, com a qual muito simpatiza o autor, tais poderes são passíveis de abrir uma porta para o charlatanismo e ainda o inclina a admitir que tudo quanto foi dito por Davis tivesse sido corroborado pela própria expe­riência de Mr. Bloomfield, de Melbourne, que descreveu ao autor a admiração de que ficou possuído, quando sua fôrça se manifestou subitamente, na rua, lhe mostrando detalhes anatômicos de duas pessoas que andavam à sua frente. Tão bem verifi­cados têm sido tais poderes, que não é raro verem-se médicos tomar clarividentes ao seu serviço, como auxiliares para o diag­nóstico. Diz Hipócrates: “A alma vê de olhos fechados as afec­ções sofridas pelo corpo”. Assim, ao que parece, os antigos sabiam algo a respeito de tais métodos. As observações de Davis não se circunscreviam aos que se achavam em sua pre­sença: sua alma ou corpo etérico podia libertar-se pela ação magnética de seu empresário e ser mandada como um pombo correio, na certeza de que regressaria com a informação dese­jada. Além da missão humanitária em que geralmente se empenhava, às vêzes vagava livremente; então descrevia, em mag­níficas passagens, como via a Terra translúcida, abaixo dêle, com os grandes veios de depósitos minerais, como que brilhando atra­vés de massas de metal fundido, cada qual com a sua radia­ção peculiar.

É notável que nessa fase inicial da experiência psíquica de Davis não tivesse êle a recordação daquilo que tinha visto em transe. Contudo, essa recordação era registrada no seu subconsciente e, posteriormente, a recuperava com clareza. Com o tempo tornou-se uma fonte de informações para os outros, pôsto que ficasse ignorante para si próprio.

Até então o seu desenvolvimento se havia processado de maneira não incomum e que podia ser comparado com a expe­riência de qualquer estudioso de psiquismo. Foi quando ocorreu um episódio inteiramente novo e que é minuciosamente des­crito na sua autobiografia. Em resumo, os fatos foram os se­guintes. Na tarde de 6 de março de 1844, Davis foi subitamente tomado por uma fôrça que o fêz voar da pequena cidade de Poughkeepsie, onde vivia, e fazer uma pequena viagem no estado de semitranse. Quando voltou à consciência, encontrava-se en­tre montanhas agrestes e aí, diz êle, encontrou dois anciãos, com os quais entrou em íntima e elevada comunhão, uma sôbre medi­cina e outra sôbre moral. Estêve ausente tôda a noite; e quan­do indagou de outras pessoas na manhã seguinte, disseram-lhe que tinha estado nas Montanhas de Catskill, a cêrca de quarenta milhas de casa. A história tem tôdas as aparências de uma experiência subjetiva, um sonho ou uma visão, e ninguém hesitaria em considerá-la como tal, se não fôsse o detalhe de seu regresso e da refeição que tomou a seguir. Uma alternativa seria que o vôo para as montanhas fôsse uma realidade e as entrevistas um sonho. Diz de que posteriormente identificou seus dois mentores como sendo Galeno e Swedenborg, o que é interessante, por ser o primeiro contacto com os mortos por êle próprio reco­nhecido. Todo o episódio pareceu visionário e não teve qual­quer ligação com o notável futuro dêsse homem.

Verificou maiores fõrças a se agitarem em si mesmo e foi avisado de que, quando lhe faziam perguntas sérias, enquanto se achava em transe mesmérico, sempre respondia: “Responderei a isto em meu livro”. Aos dezenove anos sentiu chegado o mo­mento de o escrever. A influência magnética de Livingstone, por isso ou por aquilo, parece que não era adequada para tal fim. Então foi escolhido o Doutor Lyon como novo magnetizador. Lyon abandonou o consultório e foi a New York com o seu protegido, onde procurou o Reverendo William Fishbough, con­vidando-o para servir de secretário. Parece que essa escolha intuitiva era justificada, pois êste logo abandonou o seu trabalho e aceitou o convite. Então, preparado o aparelho, Lyon sub­metia diàriamente o jovem a transes magnéticos e suas manifestações eram registradas pelo fiel secretário. Não havia di­nheiro nem publicidade no assunto, de modo que nem o mais céptico dos críticos poderia deixar de admitir que a ocupação e os objetivos dêsses três homens constituíssem um maravi­lhoso contraste com a preocupação material de fazer dinheiro que os rodeava. Eles buscavam o mais além. E que é o que podia fazer o homem de mais nobre?

Há que levar em conta que um tubo não pode conter mais do que lhe permite o seu diâmetro. o diâmetro de Davis era muito diferente do de Swedenborg. Cada um recebia conhecimento quando num estado de iluminação. Mas Swe­denborg era o homem mais instruído da Europa, enquanto Davis era um jovem tão ignorante quanto se podia encontrar no Estado de New York. A revelação de Swedenborg talvez fôsse a maior, pôsto que, muito provàvelmente, pontilhada por seus próprios conhecimentos. A revelação de Davis era, comparativamente, um milagre maior.

O Doutor George Bush, professor de Hebraico na Universi­dade de New York, uma das testemunhas quando eram rece­bidas as orações em transe, assim escreve:

“Afirmo solenemente que ouvi Davis citar corretamente a língua hebraica em suas palestras, e demonstrar um conhecimento de geologia muito admirável numa pessoa da sua idade, ainda quando tivesse devotado anos a esse estudo. Discutiu, com grande habilidade, as mais profundas questões de arqueo­logia histórica e bíblica, de mitologia, da origem e das afini­dades das línguas, da marcha da civilização entre as várias na­ções da Terra, de modo que fariam honra a qualquer estudante daquela idade, mesmo que, para as alcançar, tivesse consultado tôdas as bibliotecas da Cristandade. Realmente, se êle tivesse adquirido tôdas as informações que externa em suas conferên­cias, não em dois anos, desde que deixou o banco de sapateiro, mas em tôda a sua vida, com a maior assiduidade no estudo, nenhum prodígio intelectual de que o mundo tem notícia, por um instante seria comparável com êste, muito embora nenhum volume, nenhuma página tenha sido publicada.”

Eis um admirável retrato de Davis na época. E Bush cha­ma-nos a atenção para o seu equipamento, quando diz: “A cir­cunferência de sua cabeça é demasiadamente pequena. Se o tama­nho fôsse a medida da fôrça, então a capacidade mental dêsse jovem seria limitadíssima. Os pulmões são fracos e atrofiados. Não viveu num ambiente refinado: suas maneiras eram grossei­ras e rústicas. Não tinha lido senão um livro. Nada conhece de gramática ou das regras de linguagem nem estêve em con­tato com pessoas dos meios literários ou científicos”.

Tal era o môço de dezenove anos, do qual jorrava então uma catadupa de palavras e de idéias, abertas à crítica, não por sua simplicidade, mas por serem demasiado complexas e envoltas em têrmos científicos, conquanto sempre com um fio consistente de raciocínio e de método.

Vem a propósito falar do subconsciente, embora isto ge­ralmente tenha sido tomado como idéias aparentemente rece­bidas e submergidas. Se, por exemplo, o desenvolvido Davis pudesse recordar o que tinha acontecido em seus transes du­rante os seus dias de não desenvolvimento, teríamos um claro exemplo de emergência daquelas impressões sepultadas.

Mas seria abusar das palavras falar de um inconsciente quando trata­mos com alguma coisa que, por meios normais, jamais poderia alcançar qualquer extrato da mente, consciente ou inconsciente.

Eis o comêço da grande revelação psíquica de Davis, que se derramou, ocasionalmente, por muitos livros, todos com­pendiados pelo nome de “Filosofia Harmônica”.

Por sua natureza e por sua posição nos estudos psíquicos, dêles trataremos noutro lugar.

Nessa fase de sua vida, pretende Davis haver estado sob a influência direta da entidade que posteriormente identificou como sendo Swedenborg — nome muito pouco familiar naquele tempo. De vez em quando recebia um aviso, pela clarividência, “para subir a montanha”. Essa montanha se acha situada na outra mar­gem do Hudson, oposta a Poughkeepsie. Aí na montanha pre­tende êle que se encontrava e conversava com uma figura vene­rável. Parece que não houve qualquer indício de materiali­zação e o incidente não tem analogia em nossa experiência psí­quica, salvo se — e temos que falar com tôda a reverência — também o Cristo subiu a um monte e entrou em comunhão com as formas de Moisés e de Elias.

Nisso a analogia parece completa.

Não parece que Davis tenha sido absolutamente um homem religioso, no sentido comum e convencional, embora se achasse saturado de fôrças verdadeiramente espirituais. Seus pontos de vista, até onde é possível acompanhá-lo, eram de crítica franca em relação à revelação bíblica e, na pior das hipóteses, honesto, honrado, incorruptível, ansioso pela verdade e consciente de sua responsabilidade pela sua divulgação.

Durante dois anos o seu subconsciente continuou ditando o livro sôbre os segredos da Natureza, enquanto o consciente Davis adquiriu um pouco de auto-educação em New York, com ocasionais visitas restauradoras a Poughkeepsie. Tinha começado a chamar a atenção de algumas pessoas sérias e Edgar Allan Poe era um de seus visitantes. Seu desenvolvimento psíquico continuava e antes dos vinte e um anos tinha chegado a ponto de não mais necessitar de alguém para cair em transe; realizava-o sozinho. Por fim sua memória subconsciente se tinha aberto e êle se tornou capaz de abarcar o largo alcance de suas experiên­cias. Foi então que se assentou ao lado de uma senhora ago­nizante e observou todos os detalhes da partida da alma, cuja magnífica descrição nos dá no primeiro volume de “A Grande Harmonia”. Conquanto sua descrição tenha aparecido numa sepa­rata, não é tão conhecida quanto deveria sê-lo. Um pequeno resumo deve ser interessante para o leitor.

Começa êle por uma consoladora reflexão sôbre os vôos de sua própria alma, que eram morte em todos os sentidos, salvo quanto a duração, e lhe haviam mostrado que a experiência era “interessante e deliciosa” e que aquêles sintomas que parecem sinais de sofrimento não passam de reflexos inconscientes do corpo e não têm significação. Diz então como, havendo-se jogado antes naquilo que chama de “Condição Superior”, havia observado as etapas do lado espiritual. “O ôlho material vê ape­nas o que é material, e o espiritual o que é espiritual”. Como, porém, tudo tem uma contrapartida espiritual, o resultado é o mesmo. Assim, se um Espírito vem a nós, não é a nós que êle vê, mas o nosso corpo etérico, que é, aliás, uma réplica do nosso corpo material.

Foi êsse corpo etérico que Davis viu emergindo do envol­tório de protoplasma da pobre moribunda, que finalmente ficou vazio no leito, como a enrugada crisálida, depois que a borboleta se libertou. O processo começou por uma extrema concentra­ção no cérebro, que se foi tornando cada vez mais luminoso, en­quanto as extremidades se tornavam escuras. É provável que o homem nunca pense tão claramente ou seja tão intensamente cônscio quanto depois que todos os meios de indicação de seus pensamentos o abandonaram. Então o novo corpo começa a emergir, a começar pela cabeça. Em breve se acha completamente livre, de pé ao lado de seu cadáver, com os pés próximo à cabeça e com uma faixa luminosa vital, correspondente ao cordão umbilical. Quando o cordão se rompe, uma pequena porção é absorvida pelo cadáver, assim o preservando da imediata putrefação. Quanto ao corpo etérico, leva algum tempo até adaptar-se ao novo ambiente, até passar pela porta aberta. “Eu a vi passar para a sala contígua, através da porta e da casa, erguer-se no espaço... Depois que saiu da casa encontrou dois Espíritos amigos, da região espiritual que, depois de um terno reconhecimento e de um entendimento entre os três, da mais graciosa das maneiras, começou a subir obliquamente pelo en­voltório etéreo de nosso globo. Marchavam juntos tão natural­mente, tão fraternalmente que me custava imaginar que se equilibrassem no ar: pareciam subir pela encosta de uma montanha gloriosa e familiar. Continuei a olhá-los, até que a distância os fechou aos meus olhos”.

Tal a visão da Morte, tal qual a percebeu A. J. Davis — muito diferente daquela treva horrível que por tanto tempo obsidiou a imaginação humana. Se isto é verdade, podemos voltar nossas simpatias para o Doutor Hodgson e sua exclamação:

“Custa-me suportar a espera”. Mas é verdade? Apenas po­demos dizer que há muita evidência a corroborá-la.

Muitas pessoas que caem em estado cataléptico, ou que esti­veram tão doentes que chegaram ao estado de coma, trouxeram impressões muito concordes com a descrição de Davis, pôsto que outras tivessem voltado com o cérebro inteiramente vazio. Quan­do em Cincinnati, em 1923, o autor estêve em contacto com uma tal Mrs. Monk, que tinha sido, pelos médicos, dada como morta, e que durante cêrca de uma hora havia experimentado a vida postmortem, antes que um capricho da sorte a devolvesse àvida, ela escreveu um pequeno relato de sua experiência, no qual recorda uma vívida lembrança de ter saído do quarto, exata­mente como descreve Davis, e do fio prateado que continuava unindo sua alma viva a seu corpo comatoso. Um notável caso foi publicado na revista Light, de 25 de março de 1922, no qual cinco filhas de uma senhora agonizante, todas clarividentes, viram e descreveram o processo da morte de sua mãe. Aqui também a descrição do processo era muito semelhante àquele descrito, pôsto haja algumas diferenças bastantes entre êste último e outros casos para sugerir que a seqüência dos acontecimentos nem sempre é regida pelas mesmas leis. Outra variante de extremo interêsse encontra-se num desenho feito por uma criança médium, que pinta a alma deixando o corpo e é descrito no trabalho de Mrs. De Morgan, “Da Matéria ao Espírito”, página 121. Êste livro, com suas oitenta páginas de prefácio pelo célebre mate­mático, Professor De Morgan, é um dos trabalhos de pioneiro do movimento espírita na Grã-Bretanha. Quando se pensa que foi publicado em 1863, sente-se um pêso no coração pelo sucesso daquelas fôrças de obstrução, tão fortemente refletidas na im­prensa, que tem conseguido durante tantos anos colocar-se entre a mensagem de Deus e a raça humana.

A fôrça profética de Davis apenas pode ser desconhecida pelos cépticos que ignoram os fatos. Antes de 1856 profetizou de­talhadamente o aparecimento do automóvel e da máquina de escrever. Em seu livro “Penetralia” lê-se o seguinte:

Pergunta: “Poderá o utilitarismo lazer descobertas em outra direção da locomoção?”

— “Sim: buscam-se nestes dias carros e transportes cole­tivos que correrão por estradas rurais — sem cavalos, sem vapor, sem qualquer fôrça natural visível — movendo-se com alta velo­cidade e com muito mais segurança do que atualmente. Os veículos serão acionados por uma estranha, bonita e simples mistura de gases aquosos e atmosféricos — tão fàcilmente con­densados, tão simplesmente inflamados e tão ligados à máquina, que de certo modo se assemelha às nossas, que ficarão ocultos e serão manejados entre as rodas da frente. Tais veículos aqui terão muitos embaraços atualmente experimentados pela gente que vive em regiões pouco povoadas. O primeiro requisito para essas locomotivas de chão serão boas estradas, nas quais, com a sua máquina, sem cavalos, a gente pode viajar com muita rapi­dezembro Êsses carros me parecem de construção pouco compli­cada”.

A seguir perguntaram:

— “Percebe algum plano que permita acelerar a maneira de escrever?”

— “Sim. Quase me sinto inclinado a inventar um psicógrafo automático, isto é, uma alma escritora artificial. Pode ser cons­truída assim como um piano, com uma série de teclas, cada uma para um som elementar; um teclado mais baixo para fazer uma combinação e um terceiro para uma rápida recombinação. Assim, em vez de se tocar uma peça de música, pode-se escrever um sermão ou um poema

Do mesmo modo, respondendo a uma pergunta relativa ao que era então chamado “navegação atmosférica”, sentiu-se “pro­fundamente impressionado” porque “o mecanismo necessário — para atravessar as correntes de ar, de modo que se possa nave­gar tão fácil, segura e agradàvelmente quanto os pássaros — depende de uma nova força motriz. Essa força virá. Não só acionará a locomotiva sôbre os trilhos, e os carros nas estradas rurais, mas também os veículos aéreos que atravessarão o céu, de país para país”.

O aparecimento do Espiritismo foi predito nos seus “Prin­cípios da Natureza”, publicados em 1847, onde diz:

“É verdade que os Espíritos se comunicam entre si, quando um está no corpo e outro em esferas mais altas — e, também, quando uma pessoa em seu corpo é inconsciente do influxo e, assim, não se pode convencer do fato. Não levará muito tem­po para que essa verdade se apresente como viva demonstração. E o mundo saudará com alegria o surgimento dessa era, ao mesmo tempo que o íntimo dos homens será aberto e estabele­cida a comunicação espírita, tal qual a desfrutam os habitantes de Marte, Júpiter e Saturno”.

Nesta matéria os ensinamentos de Davis eram definitivos, embora se deva admitir que uma boa parte de seu trabalho é vaga e difícil de ler, porque desfigurada pelo emprêgo de vocábulos longos e ocasionalmente inventados por êle. Entre. tanto são de um alto nível moral e intelectual, e pode ser melhor descrito como um atualizado Cristianismo, com a ética do Cris­to aplicada aos problemas modernos e inteiramente coberto de quaisquer traços de dogmas. A “Religião Documentária”, como a chama Davis, em sua opinião absolutamente não é uma religião. Tal nome só deve ser aplicado ao produto pessoal da razão e da espiritualidade. Tal a linha geral do ensino, mistu­rado com muitas revelações da Natureza, exposto em sucessi­vos livros da “Filosofia Harmônica”, a que se seguiram as “Revelações Divinas da Natureza” e que tomaram os anos se­guintes de sua vida. Muitos de seus ensinos apareceram num jornal estranho, chamado “Univercoelum” e em conferências pro­feridas para dar a conhecer as suas revelações.

Em suas visões espirituais, Davis viu uma disposição do universo que corresponde proximamente à que foi apresentada por Swedenborg, adicionada pelo ensino posterior dos Espíritos e aceita pelos espíritas. Viu uma vida semelhante à da Terra, uma vida que pode ser chamada semimaterial, com prazeres e objetivos adequados à nossa natureza, que de modo algum se havia transformado pela morte. Viu estudo para os estudiosos, tarefas geniais para os enérgicos, arte para os artistas, beleza para os amantes da Natureza, repouso para os cansados. Viu fases graduadas da vida espiritual, através das quais lenta-mente se sobe para o sublime e para o celestial. Levou a sua magnífica visão acima do presente universo e o viu como êste uma vez mais se dissolvia numa nuvem de fogo, da qual se havia consolidado, e, uma vez mais se consolidado para formar o estágio, no qual uma evolução mais alta teria lugar e onde uma classe mais alta se iniciaria do mesmo modo que algures a classe mais baixa. Viu que êsse processo se renovava muitas vêzes, cobrindo trilhões de anos e sempre trabalhando no sentido do refinamento e da purificação. Descreveu essas esferas como anéis concêntricos em redor do mundo; mas como admite que nem o tempo nem o espaço são claramente definidos em suas visões, não devemos tomar a sua geografia muito ao pé da Letra. O obje­tivo da vida é preparar para o adiantamento nesse tremendo esquema; e o melhor método para o progresso humano é livrar-se do pecado — não só dos pecados geralmente reconhecidos, mas também dos pecados do fanatismo, da estreiteza de vistas e da dureza, que são manchas especiais. não só na efêmera vida da carne, mas na permanente vida do Espírito. Para tal fim o retôr­no a vida simples, às crenças simples e à fraternidade primitiva se tornam essenciais, O dinheiro, o álcool, a luxúria, a violên­cia e o sacerdócio — no seu limitado sentido — constituem os maiores empecilhos do progresso humano.

Há que admitir-se que Davis, até onde se pode acompanhar a sua vida, tenha vivido para as suas idéias. Era muito humilde, mas daquela matéria de que são feitos os santos. Sua auto­biografia vai apenas até 1857, de modo que teria pouco mais de trinta anos quando a publicou. Mas dá uma descrição muito completa e por vêzes muito involuntária de seu íntimo. Era muito pobre, mas justo e caridoso. Era muito sério, mas muito paciente na argumentação e delicado na contradita. Fizeram-lhe as piores acusações, que êle recorda com um sorriso de tole­rância. Dá uma informação completa de seus dois primeiros casamentos, tão originais quanto tudo o mais a seu respeito, mas que apenas depõem em seu favor. Desde a data em que termina “A Vara Mágica”, parece que levou a mesma vida, alter­nando leitura e escrita, conquistando cada vez mais prosélitos, até que morreu em 1910, na idade de oitenta e quatro anos. Passou os últimos anos de sua vida como diretor de uma pequena livraria em Boston. O fato de a sua “Filosofia Harmônica” ter tido umas quarenta edições nos Estados Unidos constitui uma prova de que a semente que lançou com tanta constância não caiu em terreno sáfaro.

Para nós o que é importante é o papel representado por Davis no comêço da revelação espírita. Êle começou a preparar o terreno, antes que se iniciasse a revelação. Estava claramente fadado a associar-se intimamente com ela, de vez que co­nhecia a demonstração de Hydesville, desde o dia em que ocorreu. De suas notas tomamos a passagem seguinte, que traz a data significativa de 31 de março de 1848:

“Esta madrugada um sôpro quente passou pela minha face e ouvi uma voz, suave e forte, dizer: “Irmão, um bom trabalho foi começado — olha! surgiu uma demonstração viva”. Fiquei pensando o que queria dizer semelhante mensagem. Era o come­ço do enorme movimento do qual participaria como profeta. Suas próprias fôrças, do lado mental, eram supranormais, do mesmo modo que as físicas o são do lado material. Elas se completam. Era, até o extremo de sua capacidade, a alma do movimento, e o único cérebro que tinha uma visão clara da men­sagem, anunciada de maneira tão nova como estranha. Nenhum homem poderia receber aquela mensagem por inteiro, porque éinfinita e cada vez se ergue mais alto, à medida que tomamos contacto com sêres mais elevados. Mas Davis a interpretou tão bem para os seus dias e para a sua geração que, mesmo agora, muito pouco pode ser adicionado às suas concepções.

Tinha ido além de Swedenborg, embora não possuísse o equipamento mental dêste, para abarcar os seus resultados. Swe­denborg havia visto o céu e o inferno, tal como Davis os vira e descrevera minuciosamente. Entretanto Swedenborg não teve uma visão clara da posição dos mortos e da verdadeira natu­reza do mundo dos Espíritos, com a possibilidade de retôrno, como foi revelado ao vidente americano. Tal conhecimento veio len­tamente a Davis. Suas estranhas entrevistas com o que chamava de “Espíritos materializados” eram coisas excepcionais, das quais tirou conclusões importantes. Só mais tarde é que tomou contacto com os atuais fenômenos espíritas, cuja significação completa era capaz de ver. Êsse contacto não foi estabelecido em Rochester, mas em Stratford, no Connecticut, onde Davis foi testemunha dos fenômenos do Poltergeist, produzidos em casa de um clérigo, o Doutor Phelps, no comêço de 1850. O seu estudo conduziu-o a escrever um panfleto — Filosofia do Comér­cio com os Espíritos mais tarde desenvolvido num livro que encerra muita coisa que o mundo ainda não aprendeu. Algu­mas destas coisas, na sua sábia redução, devem ser recomen­dadas a alguns espíritas. “O Espiritismo é útil como uma vívida demonstração da existência futura”, diz êle. “Os Espíritos me ajudaram muitas vêzes, mas nem controlam a minha pessoa, nem a minha razão. Bondosamente podem realizar — e realizam coisas para os que vivem na Terra. Mas os benefícios só serão garantidos com a condição de que lhes permitamos tornar-se nos­sos mestres e não nossos donos — que os aceitemos como com­panheiros, mas não como deuses a quem devamos adorar - Sábias palavras — é uma moderna verificação da observa­ção vital de São Paulo, de que o profeta não se deve sujeitar aos seus próprios dons.

Para explicar adequadamente a vida de Davis, há que ascen­der às condições supranormais.

Mesmo assim, entretanto, há explicações alternadas, se forem considerados os seguintes fatos inegáveis:

1. que êle proclama ter visto e ouvido a forma materia­lizada de Swedenborg, antes que soubesse algo de seus ensinos;

2. que alguma coisa possuía êsse jovem ignorante, que lhe deu muita sabedoria;

3. que essa sabedoria cobriu os mesmos amplos e univer­sais domínios que eram característicos de Sweden­borg;

4. mas representavam um passo à frente, de vez que adi­cionavam aquêle conhecimento do poder do Espírito, que Swedenborg deve ter atingido após a sua morte.

Considerando êstes quatro pontos, então, não será admis­sível que Davis fôsse controlado pelo Espírito de Swedenborg? Bom seria que a estimável, mas estreita e limitada Nova Igreja tomasse essas possibilidades em consideração. Se, porém, Davis ficar só, ou se fôr o reflexo de alguém maior que ele, resta o fato de que era um milagre, o inspirado, o culto, o deseducado apóstolo da nova revelação. Sua influência foi tão perma­nente que o conhecido artista e crítico Mr. E. Wake Cook, em seu notável livro “Regress&o em Arte” classifica os ensinos de Davis como uma influência moderna que poderia reorganizar o mundo. Davis deixou uma profunda marca no Espiritismo. “Ter­ra do Verso”, por exemplo, como denominação para o moderno Paraíso e todo o sistema de Liceus, com a sua engenhosa organização, é de sua invenção. Conforme a observação de Mr. Baseden Butt, “Mesmo agora é difícil, senão impossível, ava­liar todo o alcance de sua influência.” (1)

1. Occult Review Fevereiro 1925

4

O Episódio de Hydesville

ACABAMOS de expor as várias manifestações, desconexas e irregulares, da fôrça psíquica, nos casos que se apresenta­ram, e chegamos, por fim, ao episódio particular que, realmente, se achava em nível inferior ao dos anteriores, mas ocorrido em presença de pessoas práticas, que encontraram meios de o explorar completamente e de introduzir raciocínio e sistema naquilo que havia sido mero objeto de admiração sem propósito. É verdade que as circunstâncias eram mesquinhas, os atõres humildes, o lugar remoto, a comunicação sórdida, de vez que obediente a um motivo tão baixo quanto a vingança. É verdade que, na vida diária dêste mundo, se quisermos verificar se um fio tele­gráfico está funcionando, examinaremos se uma mensagem passa por êle; mas a elevação ou a baixeza dessa mensagem será de consideração de segunda ordem. Diz-se que a primeira men­sagem que foi transmitida pelo cabo submarino era uma tri­vialidade, uma pergunta feita pelo engenheiro inspetor. Não obstante, desde então o empregam reis e presidentes. É assim que o humilde Espírito do mascate assassinado de Hydesville pode ter aberto uma passagem, através da qual se precipitaram os anjos. Há bens e maus e inumeráveis intermediários no Outro Lado, como do lado de cá do véu. A companhia que atraímos depende de nós mesmos e de nossos próprios motivos.

Hydesville é um vilarejo típico do Estado de New York, com uma população primitiva, certamente semi-educada, mas, provàvelmente, como os demais pequenos centros de vida ameri­canos, mais livres de preconceitos e mais receptivos das novas idéias do que qualquer outro povo da época - Aquela povoação, situada a cêrca de vinte milhas da nascente cidade de Rochester, consistia de um grupo de casas de madeira, de tipo muito humilde. Foi numa dessas casas, residência que não satisfaria as exigências de um inspetor de conselho distrital bri­tânico, que se iniciou o desenvolvimento que, atualmente, na opi­nião de muitos, é a coisa mais importante que deu a América para o bem-estar do mundo. Era habitada por uma honesta família de fazendeiros, de nome Fox — um nome que, por curio­sa coincidência, tinha sido registrado na história religiosa como o do apóstolo dos shakers. Além de pai e mãe, de religião metodista, havia duas filhas morando na casa ao tempo em que as manifestações atingiram tal ponto de intensidade que atrairam a atenção geral. Eram as filhas Margaret, de catorze anos e Kate, de onze. Havia vários outros filhos e filhas, que não residiam aí, uma das quais, Leah, que ensinava música em Rochester, deve ser citada nesta narrativa.

A casinha já gozava de má reputação. Os fatos tinham sido coligidos e logo depois publicados. Parece que se ligam tanto a essas informações quanto é possível. À vista da extrema im­portância de tudo quanto se liga ao assunto, alguns extratos de tais informações devem ser incertos; mas para evitar um des­vio da narrativa, a informação sôbre êste ponto foi relegada para o Apêndice. Assim, passaremos imediatamente ao tempo da residência da família Fox, que alugou a casa a 11 de dezembro de 1847. Só no ano seguinte foi que os ruídos notados pelos antigos inquilinos voltaram a ser ouvidos. Consistiam de rui­dos de arranhadura. Tais ruídos pareceriam sons pouco naturais para serem produzidos por visitantes de fora, se quisessem adver­tir-nos de sua presença à porta da vida humana e desejassem que essa porta lhes fôsse aberta. Exatamente êsses arranhões (todos desconhecidos dêsses fazendeiros iletrados), tinham ocor­rido na Inglaterra em 1661, em casa de Mrs. Mompesson, em Tedworth. (1)

1. “Saducismus Triumphatus”, pelo Reverendo Joseph Glanvil.

Êsses arranhões também são registrados por Melancthon, como tendo sido verificados em Opáginasenheim, na Ale­manha, em 1520. Também foram ouvidos em Epworth Vica­rage, em 1716. Aqui o foram uma vez mais e, por fim, tive­ram a sorte de ver a porta abrir-se.

Parece que êsses ruídos não incomodaram a família Fox até meados de março de 1848. Dessa data em diante cresceram continuamente de intensidade. As vêzes eram simples batidas; outras vezes soavam como o arrastar de móveis. As meninas ficavam tão alarmadas que se recusavam a dormir separadas e iam para o quarto dos pais. Tão vibrantes eram os sons que as camas tremiam e se moviam. Foram feitas tôdas as investigações possíveis: o marido esperava de um lado da porta e a mulher do outro, mas os arranhões ainda continuavam. Logo se espalhou que a luz do dia era inimiga dos fenô­menos, o que reforçou a idéia de fraude; mas tôda solução possível foi experimentada e falhou. Finalmente, na noite de 31 de março houve uma irrupção de inexplicáveis sons muito altos e continuados. Foi nessa noite que um dos grandes pontos da evolução psíquica foi alcançado, desde que foi nessa noite que a jovem Kate Fox desafiou a fôrça invisível a repetir as batidas que ela dava com os dedos. Aquêle quarto rústico, com aquela gente ansiosa, expectante, em mangas de camisa, com os rostos alterados, num círculo iluminado por velas e suas grandes sombras se projetando nos cantos, bem podia ser assun­to para um grande quadro histórico. Procure-se por todos os palácios e chancelarias de 1848: onde será encontrada uma sala que se tenha notabilizado na história como aquêle pequeno quarto de uma cabana?

Conquanto o desafio da mocinha tivesse sido feito em palavras brandas, foi imediatamente respondido. Cada pedido era respondido por um golpe. Pôsto que humildes os operadores de ambos os lados, a telegrafia espiritual estava funcionando. Deixavam à paciência e à dedicação da raça humana determinar as alturas do emprêgo que dela faria no futuro. Havia muitas fôrças inexplicadas no mundo; mas aqui estava uma fôrça que pretendia ter às suas costas uma inteligência independente. Isto era a suprema significação de um novo ponto de partida.

Mrs. Fox ficou admirada daquele resultado e da posterior descoberta de que aquela fôrça, ao que parecia, era capaz de ver e ouvir, pois quando Kate dobrava o dedo sem barulho, o arra­nhão respondia. A mãe fêz uma série de perguntas, cujas respostas, dadas em números, mostravam maior conhecimento de seus próprios negócios do que ela mesma o possuía, pois os arranhões insistiam em que ela tinha tido sete filhos, enquanto ela protestava que só tinha tido seis, até que veio à sua mente um que havia morrido em tenra idade. Uma vizinha, Mrs. Red­field, foi chamada e sua distração se transformou em mara­vilha e, por fim, pavor, quando teve respostas corretas a ques­tões íntimas.

À medida que se espalhavam as notícias dessas maravilhas, os vizinhos chegavam em bandos, um dos quais levou as duas me­ninas, enquanto Mrs. Fox foi passar a noite em casa de Mrs. Redfield. Em sua ausência os fenômenos continuaram exata­mente como antes, o que afasta de uma vez por tôdas aquelas hipóteses de estalos de dedos e de deslocamentos de joelhos, tão freqüentemente admitidas por pessoas ignorantes da verda­de dos fatos.

Tendo-se formado uma espécie de comissão de investiga­ção, aquela gente, na maliciosa feição ianque, levou parte da noite de 31 de março num jôgo de perguntas e respostas com a inteligência invisível. Conforme sua própria declaração, êle era um Espírito; tinha sido assassinado naquela casa; indicou o nome do antigo inquilino que o matara; tinha então — há cinco anos passados — trinta e um anos de idade; fôra assassinado por causa de dinheiro; tinha sido enterrado numa adega, a dez pés de profundidade. Descendo à adega, golpes pesados e bru­tais soaram, aparentemente vindos de dentro da terra, enquanto o investigador estava no meio da peça. Não houve sons em outras ocasiões. Aquêle era, pois, o lugar da sepultura! Foi um vizinho, chamado Duesler, quem, pela primeira vez, usou o alfabeto para obter respostas por meio de arranhões nas le­tras. Assim foi obtido o nome do morto — Charles B. Rosma. A idéia de coordenar as mensagens só se desenvolveu quatro meses mais tarde, quando Isaac Post, um quaker de Rochester, tomou a direção. Em poucas palavras, êstes foram os aconte­cimentos de 31 de março, que se continuaram e se confirmaram na noite seguinte, quando não menos de duzentas pessoas se haviam reunido em volta da casa. No dia 2 de abril foi cons­tatado que os arranhões tanto se produziam de dia quanto de noite.

Eis a sinopse dos acontecimentos da noite de 31 de março de 1848, à pequena raiz da qual se desenvolveu uma árvore tão grande. E como êste volume pode ser chamado um monumento em sua memória, parece adequado que a história seja contada nas mesmas palavras das duas primeiras testemunhas adultas. Suas declarações foram feitas quatro dias após a ocorrência, e fazem parte daquela peça admirável de pesquisa psíquica, escrita pela comissão local, que será descrita e comentada posteriormente.

Eis o depoimento de Mrs. Fox:

“Na noite da primeira perturbação, todos nos levantamos, acendemos uma vela e procuramos pela casa inteira, enquanto o barulho continuava e era ouvido quase que no mesmo lugar. Conquanto não muito alto, produzia um certo movimento nas camas e cadeiras a ponto de notarmos quando deitadas. Era um movimento em trêmulo, mais que um abalo súbito. Podíamos perceber o abalo quando de pé no solo. Nessa noite continuou até que dormimos. Eu não dormi até quase meia-noite. Os rumores eram ouvidos por quase tõda a casa. Meu marido ficou à espera, fora da porta, enquanto eu me achava do lado de dentro, e as batidas vieram da porta que estava entre nós. Ouvimos passos na copa, e descendo a escada; não podíamos repousar, então conclui que a casa deveria estar assombrada por um Espírito infeliz e sem repouso. Muitas vêzes tinha ouvido falar dêsses casos, mas nunca tinha testemunhado qual­quer coisa no gênero, que não levasse para o mesmo terreno.

Na noite de sexta-feira, 31 de março de 1848, resolvemos ir para a cama um pouco mais cedo e não nos deixamos perturbar pelos barulhos: íamos ter uma noite de repouso. Meu marido aqui estava em tôdas as ocasiões, ouviu os ruídos e ajudou a pesquisa. Naquela noite fomos cedo para a cama — apenas escurecera. Achava-me tão quebrada e falta de repouso que quase me sentia doente. Meu marido não tinha ido para a cama quando ouvimos o primeiro ruído naquela noite. Eu apenas me havia deitado. A coisa começou como de costume. Eu o distinguia de quaisquer outros ruídos jamais ouvidos. As meninas, que dormiam em outra cama no quarto, ouviram as batidas e procuraram fazer ruídos semelhantes, estalando os de­dos.

Minha filha menor, Kate, disse, batendo palmas: “Senhor Pérocluido, faça o que eu faço”. Imediatamente seguiu-se o som, com o mesmo número de palmadas. Quando ela parou, o som logo parou. Então Margareth disse brincando: “Agora faça exatamente como eu. Conte um, dois, três, quatro” e bateu palmas. Então os ruídos se produziram como antes. Ela teve mêdo de repetir o ensaio. Então Kate disse, na sua simpli­cidade infantil: “Oh! mamãe! eu já sei o que é. Amanhã é primeiro de abril e alguém quer nos pregar uma mentira”.

Então pensei em fazer um teste de que ninguém seria capaz de responder. Pedi que fôssem indicadas as idades de meus filhos, sucessivamente. Instantâneamente foi dada a exata idade de cada um, fazendo uma pausa de um para o outro, a fim de os separar até o sétimo, depois do que se fêz uma pausa maior e três batidas mais fortes foram dadas, correspondendo à idade do menor, que havia morrido.

Então perguntei: “É um ser humano que me responde tão corretamente?” Não houve resposta. Perguntei: “É um Es­pírito? Se fôr dê duas batidas.” Duas batidas foram ouvidas assim que fiz o pedido. Então eu disse: “Se foi um Espírito assassinado dê duas batidas”. Estas foram dadas instantânea-mente, produzindo um tremor na casa. Perguntei: “Foi assassinado nesta casa?” A resposta foi como a precedente. “A pessoa que o assassinou ainda vive?” Resposta idêntica, por duas batidas. Pelo mesmo processo verifiquei que fôra um homem que o assassinara nesta casa e os seus despojos enterra­dos na adega; que a sua família era constituída de espôsa e cinco filhos, dois rapazes e três meninas, todos vivos ao tempo de sua morte, mas que depois a espôsa morrera. Então per­guntei: “Continuará a bater se chamar os vizinhos para que também escutem?” A resposta afirmativa foi alta.

Meu marido foi chamar Mrs. Redfield, nossa vizinha mais próxima. É uma senhora muito delicada. As meninas estavam sentadas na cama, unidas uma à outra e tremendo de mêdo. Penso que estava tão calma como estou agora. Mrs. Red. field veio imediatamente seriam cêrca de sete e meia pen­sando que faria rir às meninas. Mas quando as viu pálidas de terror e quase sem fala, admirou-se e pensou que havia algo mais sério do que esperava. Fiz algumas perguntas por ela e as respostas foram como antes. Deram-lhe a idade exata. Então ela chamou o marido e as mesmas perguntas foram feitas e res­pondidas.

Então, Mrs. Redfield chamou Mr. Duesler e a espôsa e vá­rias outras pessoas. Depois, Mr. Duesler chamou o casal Hyde e o casal Jewell. Mr. Duesler fêz muitas perguntas e obteve as respostas. Em seguida, indiquei vários vizinhos nos quais pude pensar, e perguntei se havia sido morto por algum dêles, mas não tive resposta. Após isso, Mr. Duesler fêz perguntas e obteve as respostas: Perguntou: “Foi assassinado?” Resposta afirmativa. “Seu as­sassino pode ser levado ao tribunal?” Nenhuma resposta. “Pode ser punido pela lei?” Nenhuma resposta. A seguir, disse: “Se seu assassino não pode ser punido pela lei dê sinais.” As batidas foram ouvidas claramente. Pelo mesmo processo Mr. Dues­ler verificou que êle tinha sido assassinado no quarto de leste, há cinco anos passados, e que o assassínio fôra cometido à meia-noite de uma têrça-feira, por Mr. que fôra morto com um golpe de faca de açougueiro na garganta; que o corpo ti­nha sido levado para a adega; que só na noite seguinte é que havia sido enterrado; tinha passado pela despensa, descido a escada, e enterrado a dez pés abaixo do solo. Também foi cons­tatado que o móvel fôra o dinheiro.

“Qual a quantia: cem dólares?” Nenhuma resposta. “Du­zentos? Trezentos?” etc. Quando mencionou quinhentos dóla­res as batidas confirmaram.

Foram chamados muitos dos vizinhos que estavam pescando no ribeirão. Êstes ouviram as mesmas perguntas e respostas. Alguns permaneceram em casa naquela noite. Eu e as meninas saímos. Meu marido ficou tôda a noite com Mr. Redfield. No sábado seguinte a casa ficou superlotada. Durante o dia não se ouviram os sons; mas ao anoitecer recomeçaram.

Diziam que mais de trezentas pessoas achavam-se presentes. No domingo pela manhã os ruídos foram ouvidos o dia inteiro por todos quan­tos se achavam em casa.

Na noite de sábado, 1º de abril, começaram a cavar na adega; cavaram até dar nágua; então pararam. Os sons não foram ouvidos nem na tarde nem na noite de domingo. Stephen B. Smith e sua espôsa, minha filha Marie, bem como meu filho David S. Fox e sua espôsa dormiram no quarto aquela noite.

Nada mais ouvi desde então até ontem. Antes de meio-dia, ontem, várias perguntas foram respondidas da maneira usual. Hoje ouvi os sons várias vêzes.

Não acredito em casas assombradas nem em aparições sobre­naturais. Lamento que tenha havido tanta curiosidade neste caso. Isto nos causou muitos aborrecimentos. Foi uma infelicidade morarmos aqui neste momento. Mas estou ansiosa para que a verdade seja conhecida e uma verificação correta seja procedida. Ouvi as batidas novamente esta manhã, terça-feira, 4 de abril. As meninas também ouviram.

Garanto que o depoimento acima me foi lido e que é a verdade; e que, se fôsse necessário, prestaria juramento de que é verdadeiro.”

(a.) MARGARET FOX

11 de abril de 1848.

Depoimento de John D. Fox

“Ouvi o depoimento acima, de minha espõsa, Margaret Fox, li-o e por isso certifico que o mesmo é verdadeiro em todos os seus detalhes. Ouvi as mesmas batidas das quais ela falou, em resposta a perguntas, conforme disse. Houve muitas outras perguntas, além daquelas, tôdas respondidas do mesmo modo. Algumas foram repetidas muitas vêzes, e a resposta foi sempre a mesma. Assim, jamais houve qualquer contradição.

Não sei de nenhuma causa a que atribuir aquêles ruídos caso tenham sido produzidos por meios naturais. Procuramos em cada canto da casa, e por diversas vêzes, para verificar, se possível, se alguma coisa ou alguém aí estivesse escondido e pudesse fazer aquêle ruído; não nos foi possível achar coisa alguma que pudesse explicar o mistério. Isto causou muito aborrecimento e ansiedade.

Centenas de pessoas visitaram a casa, de modo que nos era impossível atender às nossas ocupações diárias. Espero que, quer causados por meios naturais, quer sobrenaturais, em breve seja esclarecida a matéria. A escavação na adega será continuada, assim que as águas secarem; então serão constatados os vestígios de um cadáver aí enterrado. Então, se os houver, não terei dúvida de que a origem é sobrenatural.”

(a.) JOHN D. FOX.

11 de abril de 1848.

Espontâneamente os vizinhos se haviam constituído em co­missão de investigação que, por segurança e eficiência, pudesse ser um ensinamento para muitos subseqüentes pesquisadores. Não começaram impondo condições; iniciaram, sem prevenções, o registro dos fatos, exatamente como os colhiam. Não só coligi­ram e registraram as impressões de cada interessado, como toma­ram depoimentos escritos durante um mês. Em vão tentou o au­tor obter uma cópia do folheto original “Relatório dos Ruídos Misteriosos, Ouvidos na Casa de Mr. John D. Fox”, publi­cado em Canandaigua, New York: apenas recebeu de presente um fac-simile do original; e é sua opinião que o fato da sobre­vivência humana e o poder de comunicação ficou provado defi­nitivamente para qualquer inteligência capaz de examinar um teste­munho, desde a ocasião do aparecimento daquele documento.

A declaração feita por Mr. Duesler, presidente da co­missão, é um importante testemunho da ocorrência de ruídos verificados na ausência das meninas Fox e afasta em definitivo a suspeita de sua cumplicidade nesses acontecimentos. Como vimos, Mrs. Fox, referindo-se à noite de sexta-feira, 31 de março, disse: “Eu e as meninas saímos”. Parte do depoimento de Mr. Duesler está assim concebida:

“Eu moro a poucas varas da casa em que êsses ruídos têm sido ouvidos. A primeira vez que ouvi algo a respeito foi há uma semana, na noite de sexta-feira, 31 de março. Mrs. Redfield veio à minha casa convidar minha senhora para ir à casa de Mrs. Fox. Mrs. Redfield parecia muito agitada. Minha senhora quis que eu a acompanhasse e eu acedi. Seriam cêrca de nove horas da noite. Havia umas doze ou catorze pessoas presentes, quando as deixei. Algumas estavam tão assustadas que não queriam entrar no quarto. Entrei e sentei-me na cama. Mr. Fox fêz uma pergunta e ouvi distintamente a batida de que tinham falado. Notei que a cama tremeu quando se produziram os sons.

O Hon. Robert Dale Owen (2),

2. Autor de “Footfalls on the Boundary of Another World” (1860) e “The Debatable Land” (1871).

membro do Congresso Norte Americano e antigo Ministro Americano em Nápoles, em sua narrativa oferece alguns detalhes adicionais, escritos depois de haver conversado com Mrs. Fox e suas filhas, Margaret e Catherine (Kate). Descrevendo a noite de 31 de março de 1848, diz êle, à página 287 de “Footfalls”:

“Os pais haviam removido as camas das meninas para o seu quarto e as intimaram rigorosamente a não falar de ruídos, ainda mesmo quando os ouvissem. Mas assim que a mãe as viu acomodadas nos leitos e se preparava para repousar, as crian­ças gritaram: “Ei-los de novo!” A mãe ralhou com elas e deitou-se. Então os ruidos se tornaram cada vez mais altos e mais impressionantes. As mesmas sentaram-se na cama; Mrs. Foz cha­mou o marido.

Como a noite era de ventania, êle se capacitou de que deveriam ser estalos das persianas. Experimentou diver­sas, para ver se as taliscas estavam frouxas. A filha menor, Kate, observou que assim que o pai sacudia uma veneziana, o ruído como que o repetia. Sendo uma criança viva, e de certo modo acostumada ao que se estava passando, virou-se para o ponto de onde vinha o ruído, estalou os dedos e chamou: “Aqui, velho Pé-Rachado, faça o que faço!” O ruído respondeu instantaneamente. Isto foi precisamente o comêço.

Quem poderá dizer onde vai terminar? Mr. Mompesson, na cama com a sua filha, mais ou menos da idade de Kate, a quem, parece, o som acompanhava de preferência, “observou que, tamborilando, êle respondia a qualquer coisa que fôsse batida ou perguntada”. Mas sua curiosidade não o levou mais longe. Não assim Kate Foz. Silenciosamente, uniu o polegar ao indicador, tentando obter uma resposta. Sim! Êle via, tanto quanto ouvia! Chamou a mãe.

“Olhe só, mamãe!” disse ela, unindo o polegar e o indicador, como antes. E tantas vêzes repetiu o movimento silencioso, quantas o ruído respondeu

No verão de 1848 Mr. David Fox, auxiliado por Mr. Henry Bush, Mr. Lyman Granger, de Rochester, e outros, retomou a esca­vação da adega. A uma profundidade de cinco pés encontraram uma tábua; cavando mais, acharam carvão e cal e, finalmente, cabelos e ossos humanos, que foram declarados por um médico que testemunhava como pertencentes a esqueleto humano. Só cinqüenta e seis anos mais tarde foi feita uma descoberta que provou, acima de qualquer dúvida, que alguém realmente havia sido enterrado na adega da casa dos Fox.

Esta constatação aparece no Boston Journal — uma fôlha não espírita — de 23 de novembro de 1904, e está assim redi­gida:

“Rochester, N. Y., 22 de novembro de 1904: O esqueleto do homem que se supõe ter produzido as batidas, ouvidas ini­cialmente pelas irmãs Fox, em 1848, foi encontrado nas paredes da casa ocupada pelas irmãs e as exime de qualquer sombra de dúvida concernente à sua sinceridade na descoberta da comu­nicação dos Espíritos.

“As irmãs Fox haviam declarado que tinham aprendido a comunicar-se com o Espírito de um homem, e que êste lhes havia dito que tinha sido assassinado e enterrado na adega.

Repetidas escavações deixaram de localizar o corpo e, assim, oferecer prova positiva do que diziam.

“A descoberta foi feita por meninos de escola, que brinca­vam na adega da casa de Hydesville, conhecida como “A casa assombrada”, onde as irmãs Fox tinham ouvido as batidas. William 2º. Hyde, respeitável cidadão de Clyde, e dono daquela casa, fêz investigações e encontrou um esqueleto humano quase completo entre a terra e os escombros das paredes da adega, sem dúvida pertencente àquele mascate que, segundo se dizia, tinha sido assassinado no quarto de leste da casa e cujo corpo tinha sido enterrado na adega.

Mr. Hyde avisou aos parentes das irmãs Foz e a noticia da descoberta será mandada à Ordem Nacional dos Espíritas, muitos dos quais se lembram de ter feito peregrinações à “Casa Encantada”, como é chamada geralmente. O achado dos ossos pràticamente corrobora a declaração feita sob juramento por Margaret Foz, a 11 de abril de 1848”.

Foi descoberta uma lata de mascate, bem como o foram os ossos. Essa lata é agora conservada em Lilydale, a sede cen­tral regional dos Espíritas Americanos, para onde foi trans­portada a velha casa de Hydesville.

Essas descobertas resolvem a questão de uma vez por tôdas e provam conclusivamente que houve um crime cometido na casa, e que êsse crime foi indicado por meios psíquicos.

Quan­do se examinam os resultados das duas escavações, as circuns­tâncias podem ser restabelecidas. É claro que no primeiro caso o corpo foi enterrado com cal virgem no meio da adega. Depois o criminoso se alarmou pelo fato de ser o local muito exposto às suspeitas e desenterrou o corpo, ou parte do mesmo, e o enterrou sob a parede, onde ficaria mais fora da passagem. O serviço foi feito tão apressadamente ou com tão pouca luz, que alguns traços foram deixados, como vimos, da sepultura original.

Havia outras provas daquele crime? A fim de as encon­trar temos que voltar ao depoimento de Lucretia Pulver, que ser­viu como empregada de Mr. e Mrs. Bell, ocupantes da casa quatro anos antes. Ela informa que o mascate veio para a casa e ali passou a noite com as suas mercadorias. Seus patrões lhe dis­seram que naquela noite podia ir para casa.

“Eu queria comprar apenas umas coisas do mascate, mas não tinha dinheiro comigo; êle disse que me procuraria em nossa casa na manhã seguinte e mas venderia. Nunca mais o vi.

Cêrca de três dias depois êles me procuraram para voltar. Assim, voltei...

Eu diria que êsse mascate de quem falei deveria ter uns trinta anos. Ouvi-o conversando com Mrs. Rell acêrca de sua família. Mrs. Rell me disse que era um velho conhecido dêles e que o tinha visto muitas vêzes antes disso. Uma noite, cêrca de uma semana depois, Mrs. Rell mandou-me a adega fechar a porta externa. Atravessando-a, caí perto do meio da adega.

Pareceu-me desnivelada e cavada naquela parte. Quando subi Mrs. Rell me perguntou porque havia gritado e eu lhe disse. Riu-se de meu susto e disse que só ali é quc os ratos tinham cavado o chão. Poucos dias depois Mr. Rell carregou uma porção de entulho para a adega, exatamente ánoite, e lá estêve trabalhando por algum tempo. Mrs. Rell me disse que êle estava tapando os buracos dos ratos.

"Pouco tempo depois Mrs. Rell me deu um dedal, que disse haver comprado do mascate.

Cerca de três meses depois eu a visitei e ela me disse que o mascate havia voltado e me mostrou outro dedal, que disse ter comprado a êle. Mostrou-me outras coisas que, disse, também, tinham sido compradas a êle."

Digna de registro é a declaração feita por uma tal Mrs. Lape, de que em 1847 tinha visto uma aparição naquela casa, e que era de um homem de estatura mediana, que usava calças pardas e casaco e barrete pretos. Lucretia Pulver no depoimento afirmou que o mascate em vida usava casaco preto e calças claras.

Por outro lado, não devemos esquecer que Mr. Bel, que então ocupava a casa, não era um homem de caráter notório e fácil seria concordar que uma acusação inteiramente baseada numa prova psíquica seria incorreta e intolerável. Entretanto já se torna bem diferente quando as provas do crime foram descobertas, restando apenas provar quem era o inquilino naquela ocasião. O depoimento de Lucretia Pulver assume uma importância vital no que se refere a este caso.

Há um ou dois pontos que merecem discussão. O primeiro é que um homem com um nome tão notável como Charles B. Rosma jamais foi citado, apesar da publicidade que o caso mereceu. Então a coisa teria tido uma formidável objeção, embora, com os nossos conhecimentos atuais, possamos avaliar quanto é difícil nas mensagens ter os nomes corretos. Aparentemente um nome é puramente convencional e, como tal, muito diferente de uma idéia. Todo espírita praticante tem recebido mensagens corretas, associadas a nomes trocados. É possível que o nome verdadeiro fôsse Ross, ou mesmo Rosner, e que êsse êrro tivesse possibilitado a identificação. Além disso, é curioso que êle não soubesse que o seu corpo tinha sido removido do meio da adega para a parede, onde então foi encontrado.

Podemos apenas constatar o fato, sem o ex­plicar.

Ainda mais, garantindo que as meninas eram os médiuns, e que a fôrça era retirada delas, como se produzia o fenômeno quando as mesmas se tinham ausentado de casa? A isto apenas é possível responder que, conquanto ao futuro coubesse demons­trar que na ocasião a fôrça emanasse das meninas, nem por isso deixaria de inundar a casa e de ficar à disposição da entidade manifestante, ao menos quando as meninas estivessem ausentes.

A família Fox estava sêriamente abalada com os aconte­cimentos; numa semana Mrs. Fox ficou grisalha. E como parecia que a coisa estivesse ligada às duas meninas, estas foram afastadas de casa. Mas em casa de seu irmão, David Fox, para onde foi Margaret, e na de sua irmã Leah, cujo nome de casada era Mrs. Fish, em Roehester, onde Kate estava hospedada, os mesmos ruídos eram ouvidos. Foram feitos todos os esforços para que o público ignorasse essas manifestações; logo, porém, se tornaram conhecidos. Mrs. Fish, que era professôra de música, tornou-se incapaz de continuar as lições e centenas de pessoas enchiam a sua casa para ver as novas maravilhas. Deveria ter sido verificado se aquela fôrça era contagiosa ou se vinha descendo sôbre muitas pessoas independentemente de uma fonte comum. Assim, Mrs. Leah Fish, a irmã mais velha, a recebeu, embora em menor grau do que Kate e Mar­garet. Mas não se limitou por muito tempo à família Fox. Era como uma nuvem psíquica, descendo do alto e se mos­trando nas pessoas susceptíveis. Sons idênticos foram ouvidos em casa do Reverendo A. 2º. Jervis, ministro metodista residente em Rochester. Poderosos fenômenos físicos irromperam na famí­lia do Diácono Hale, de Greece, cidade vizinha de Roehester. Pouco depois Mrs. Sarah A. Tamlin e Mrs. Benedict, de Auburn, desenvolveram notável mediunidade. Mr. Capron, o primeiro historiador dêsse movimento, descreve Mrs. Tamlin como uma das médiuns mais controláveis que jamais encontrou e diz que embora os sons ouvidos em sua presença não fôssem tão fortes quanto os da família Fox, as mensagens eram igual­mente fidedignas.

Então e rapidamente, tornou-se evidente que essas fôrças invisíveis não estavam ligadas às meninas. Em vão a família orou, com os seus irmãos metodistas, esperando alívio. Em vão foram feitos exorcismos pelos padres de vários credos. Além de cobrir os “Améns” com batidas fortes, as presenças in­visíveis não ligavam a êsses exercícios religiosos.

O perigo de seguir às cegas a orientação de um pretenso Espírito ficou patente poucos meses depois, nas vizinhanças de Rochester, onde um homem havia desaparecido em circunstân­cias suspeitas. Um espírita fanático recebia mensagens pelas batidas, anunciando o seu assassinato. Estava sendo aberto um canal e foi ordenado à espôsa do desaparecido que entrasse por êle, o que quase lhe custou a vida. Alguns meses mais tarde o ausente apareceu: tinha fugido para o Canadá, para evitar uma prisão por dívida. Como bem se pode imaginar, isto foi um golpe no culto nascente. Então o público não entendeu aquilo que, mesmo agora, ainda é pouco compreendido: que a morte não opera mudanças no espírito humano, que abundam as entidades malévolas e brincalhonas e que o investigador deve utilizar os seus instintos e o seu bom senso a todo o instante. “Experimente os Espíritos a fim de os conhecer”. No mesmo ano e no mesmo distrito a verdade dessa nova filosofia, por um lado, e suas limitações e perigos, pelo outro, acentuaram-se ainda mais. Êsses perigos persistem. O homem ingênuo, o arrogante e enfatuado, o convencido, são sempre prêsa segu­ra. Cada observador tem sido vítima de ciladas. O próprio autor teve a sua fé dolorosamente abalada por decepções até que algumas provas compensadoras lhe vieram assegurar que não era mais demoníaco nem mais admirável que inteligências desencarnadas fôssem mistificadoras, do que as mesmas inteli­gências revestidas de corpos humanos se divertissem da mes­ma maneira maluca.

O curso geral do movimento estava, então, mais amplo e mais importante. Já não era um assassinado que pedia jus­tiça. Parece que o mascate havia sido usado como um prisioneiro e agora, achada uma saída e um método, miríades de inteli­gências formigavam às suas costas.

Isaac Post havia criado um método de deletrear pelas batidas, através do qual estavam che­gando mensagens. Conforme estas, todo o sistema tinha sido in­ventado pelos artifícios de um bando de pensadores e inventores no plano do Espírito, entre os quais se destacava Benj amin Franklin, cuja inteligência viva e cujos conhecimentos sôbre eletricidade na vida terrena o qualificavam para tal empreendimento. Como quer que seja, o fato é que Rosna saiu do cartaz e as batidas inteligentes passaram a ser dadas pelos faleci­dos amigos dos investigadores que estavam preparados para tomar um sério interêsse no assunto e se reunir de modo reverente para receberem as mensagens. Que êles ainda viviam e ainda ama­vam, foi a mensagem constante do Além, acompanhada por muitas provas materiais, que confirmavam a fé vacilante dos novos aderentes ao movimento. Quando inquiridos sôbre os seus métodos de trabalho e as leis que os governavam, as respostas foram, de início, as mesmas de hoje: que se trata de um assunto relacionado com o magnetismo humano e espiritual; que alguns, ricamente dotados com essa propriedade física, eram médiuns; que êsse dom não se achava, necessàriamente, aliado à mora­lidade ou à inteligência; e que a condição de harmonia era especialmente necessária para assegurar bons resultados. Em setenta anos pouco mais aprendemos. E, depois de todos êsses anos, a lei primacial da harmonia é invariàvelmente quebrada nas chamadas sessões experimentais, cujos membros imaginam ter dado um cheque na filosofia, quando obtêm resultados nega­tivos ou discordantes, ao passo que, atualmente, a confirmam.

Numa das primeiras comunicações das Irmãs Fox foi afir­mado que “as comunicações não se limitariam a elas; espalhar-se-iam pelo mundo”. Em breve essa profecia se achou em bom caminho para a realização, pois essas novas fôrças e seus ulte­riores desenvolvimentos, inclusive a visão e a audição dos Es­píritos, e o movimento de objetos sem contacto, se manifes­taram em muitos outros centros independentes da família Fox. Num lapso de tempo incrivelmente curto, com muitas excentri­cidades e fases de fanatismo, êle tinha varrido o Norte e o Leste dos Estados Unidos, sempre mostrando um núcleo sólido de fatos tangíveis, que, se ocasionalmente podiam ser simulados por impostores, sempre podiam ser verificados por investiga­dores honestos e isentos de idéias preconcebidas. Pondo de lado, momentaneamente, êsse largo desenvolvimento, continue­mos a história dos círculos iniciais de Rochester.

As mensagens espíritas insistiam para que o pequeno grupo de pioneiros fizesse uma demonstração pública de seus poderes numa reunião pública, em Rochester — proposição que, natu­ralmente, encheu de espanto as duas desconfiadas meninas cam­ponesas e os seus amigos. Tão irritados ficaram os Guias de­sencarnados pela oposição de seus agentes terrenos, que amea­çaram suspender completamente o movimento durante uma ge­ração e o interromperam por algumas semanas. Ao cabo de pouco tempo as comunicações foram restabelecidas e os crentes, castigados durante aquêle intervalo, entregaram-se de corpo e alma nas mãos das fôrças externas, prometendo tudo fazer em benefício da causa. Não era coisa fácil. Uma parte do clero, notadamente o Ministro Metodista Reverendo A. 2º. Jervis, pôs. se ao seu lado; mas na sua maioria trovejaram do púlpito con­tra aquêles e a massa prontamente os apoiou na tarefa covarde de atacar os heréticos. A 14 de novembro de 1849 os espíritas realizaram a sua primeira reunião no Corinthian Hall, o maior auditórium disponível em Rochester. A assistência - registrê-mo-lo para sua honra — ouviu com atenção a exposição feita por Mr. Capron, de Auburn, o orador principal. Foi então escolhida uma comissão de cinco cidadãos representativos para examinar o assunto e fazer um relatório na noite seguinte, em nova reu­nião da assembléia. Tão certos estavam de que êsse relatório seria desfavorável que o Rochester Democrat, ao que se veri­ficou, já tinha preparado o seu artigo de fundo, com o título:

“Exposição Completa da Mistificação das Batidas”. Entre­tanto o resultado obrigou o editor a sustá-lo. A comissão rela­tou que as batidas eram indubitàvelmente verdadeiras, embora a informação não fôsse inteiramente exata, isto é, embora as respostas às perguntas “nem fôssem tôdas certas, nem tôdas er­radas”. Acrescentava que as batidas se produziam nas paredes, nas portas, a alguma distância das meninas, produzindo uma sen­sível vibração. “Não puderam encontrar nenhum processo pelo qual elas pudessem ser produzidas”.

Êsse relatório foi recebido pela assistência com sinais de desagrado, em conseqüência do que se formou uma segunda comissão, entre os descontentes. As investigações foram feitas no escritório de um advogado. Por qualquer motivo Kate es­tava ausente e só contaram com Mrs. Fish e Margaret. Nem por isso os ruídos deixaram de se manifestar como antes, muito embora o Doutor Langworthy tivesse estado presente para controlar a possibilidade de ventriloquia. O relatório final foi que os sons tinham sido ouvidos e uma investigação completa tinha mostrado que nem eram produzidos por máquina, nem pela ven­triloquia, embora não tivessem podido determinar qual o agente que os teria produzido.”

Novamente a assistência devolveu o relatório à comissão, escolheu uma nova, entre os mais extremamente oponentes, um dos quais jurou que se não descobrisse qualquer truque ia atirar-se nas cataratas do Genesee. Sua inspeção foi minuciosa e brutal, e uma comissão de senhoras foi anexada à dos homens. Elas despiram as meninas, submetendo-as a investigações aflitivas e de modo brutal. Seus vestidos foram amarrados apertados nos corpos, e elas colocadas sôbre vidros e outros isolantes. A comissão se viu obrigada a referir que, “quando elas se acham de pé sôbre almofadas, com um lenço amarrado á borda de seus vestidos, amarradas pelas cadeiras. todos nós ouvimos as bati­das distintas nas paredes e no soalho”. Por fim a comissão de­clarou que as suas perguntas, das quais algumas mentais, tinham sido respondidas corretamente.

Enquanto o público olhava o movimento como uma espécie de jõgo, estava preparado para ser tolerantemente divertido. Quando, porém, êsses relatórios sucessivos levaram a coisa para um ponto de vista mais sério, uma onda de indignação varreu a cidade, chegando a tal ponto que Mr. Wiletts, um valoroso quaker, na quarta assembléia pública, foi obrigado a declarar que “a corja de bandidos que pretendiam linchar as moças pode­ria fazê-lo, mas depois de passar sôbre o seu cadáver”. Houve um grande tumulto, as meninas foram salvas pelas portas do fun­do e a razão e justiça foram abafadas pela fôrça e pela lou­cura. Então, como agora, a mente das criaturas estava tão atu­fada de coisas sem importância que não havia lugar para as coi­sas importantes. Mas a Sorte nunca tem pressa e o movimento continuou.

Muitos aceitaram as conclusões das sucessivas comissões como boas e, na verdade, é difícil ver como os fatos apontados poderiam ter sido mais severamente verificados. Ao mesmo tempo, êsse vinho novo, forte e fermentado começou a se derramar dos velhos odres onde havia sido pôsto, para excu­sável desgôsto do público.

Muitos centros discretos, sérios e religiosos estiveram du­rante algum tempo quase eclipsados por alguns energúmenos que se supunham em contacto com tôdas as excelsas entidades, dos Apóstolos para baixo, alguns até pretendendo receber o sôpro direto do Espírito Santo e emitindo mensagens que apenas deixavam de ser blasfemas por serem estúpidas e absurdas. Uma comunidade dêsses fanáticos, que se denominava “Círculo Apostó­lico da Gruta da Montanha” tornou-se notável por seu extremismo e pelo enorme material que fornecia aos inimigos da nova dispensação. A grande massa dos espíritas desaprovava êsses exageros, mas era incapaz de os coibir. Muitos fenômenos supra-normais bem constatados vieram confortar o desânimo dos que se deixavam vencer pelos excessos dos fanáticos. Numa oca­sião, o que é muito convincente e vem a propósito, dois gru­pos de investigadores, em salas separadas, em Rochester, a 20 de fevereiro de 1850, receberam a mesma mensagem simultâ­neamente de uma certa fôrça central que se dizia Benjamin Franklin. Essa dupla mensagem estava assim concebida:

“Haverá grandes mudanças no século dezenove. Coisas que, atualmente parecem obscuras e misteriosas para vocês, tor­nar-se-ão claras aos seus olhos. Os mistérios vão ser revelados. O mundo será esclarecido”. Devemos admitir que até agora só parcialmente foi realizada e, ao mesmo tempo, devemos con­cordar que, salvo notáveis exceções, as predições feitas pelos Espíritos não se fizeram notar por sua exatidão, especialmente no que concerne ao fator tempo.

Muitas vêzes levantou-se a questão: “Qual o objetivo de tão estranho movimento naquela época especial, admitindo que êle seja tudo aquilo que pretende ser?” O Governador Tallmadge, ilustre Senador dos Estados Unidos, foi um dos primeiros adep­tos do novo culto, deixou notas de que fêz aquela pergunta em duas ocasiões diferentes, em dois anos diversos e através de médiuns diversos. Em ambos os casos a resposta foi idêntica. A primeira dizia: “É para conduzir a humanidade em harmo­nia e para convencer os cépticos da imortalidade da alma”. A segunda dizia: “É para unir a humanidade e convencer as mentes cépticas da imortalidade da alma”. Certamente não é esta uma ambição ignóbil e não justifica aquêles ataques mes­quinhos e violentos de ministros e dos menos avançados de seu rebanho, que os espíritas têm suportado até os nossos dias. A primeira metade da definição é particularmente importante, por­que é possível que os resultados finais dêste movimento sejam unir a religião numa base comum tão forte e, na verdade, tão auto-suficiente, que as rusgas que hoje separam as Igrejas sejam vistas em suas verdadeiras proporções e, então, serão varridas ou superadas. Poder-se-ia mesmo esperar que tal movimento poderia espalhar-se além dos limites do Cristianismo e derrubar algumas das barreiras que se erguem entre os vários grupos humanos.

De tempos em tempos foram feitas tentativas para expor os fenômenos. Em fevereiro de 1851 o Doutor Austin Flint, o Doutor Charles A. Lee, e o Doutor C. B. Coventry, da Universidade de Buffalo, publicaram um trabalho (3)

3. Capron: “Modern Spiritualism, etc.” páginas 310-313.

mostrando com satisfação que os ruídos verificados em presença das Irmãs Fox eram causados por estalos das juntas dos joelhos. Isto provocou uma resposta característica na imprensa, assinada por Mrs. Fish e Margaret Fox, assim dirigida aos três autores:

“Como não desejamos ficar sob a imputação de impos­toras, estamos dispostas a submeter-nos a uma adequada e de­cente investigação, desde que possamos escolher três senhores e três senhoras de nossa amizade, que estejam presentes aos tra­balhos. Podemos assegurar ao público que ninguém está mais interessado do que nós na descoberta da origem dessas misterio­sas manifestações. Se elas podem ser explicadas pelos prin­cípios de anatomia ou de fisiologia, cabe ao mundo fazer a sua investigação e que seja descoberta a mistificação. Como parece haver muito interêsse manifestado pelo público sôbre êsse assunto, quanto mais cedo fôr convenientemente esclarecido, mais depressa a investigação será aceita pelas abaixo-assinadas.

ANN L. FISH

MARGARET FOX”

A investigação foi feita, mas os resultados foram negativos. Numa nota em apêndice ao relatório do doutor, publicado no New York Tribune, o editor Horace Greeley observa:

“Como foi noticiado em nossas colunas, os doutôres come­çaram admitindo que a origem das batidas deveria ser física e sua causa primeira uma volição das senhoras referidas ou em duas palavras, que essas senhoras eram “as impostoras de Rochester”. Assim, êles aparecem neste caso como perseguidores numa acusação e devem ter escolhido outras pessoas como jurados e repórteres de um crime... É muito provável que tenhamos uma outra versão da história”.

Muitos testemunhos logo apareceram em favor das Irmãs Fox, de modo que o único efeito da “exposição” do professor foi redobrar o interêsse público pelas manifestações.

Houve também a suposta confissão de Mrs. Norman Culver, que depôs a 17 de abril de 1851, dizendo que Kate Fox lhe havia revelado todo o segrêdo de como eram praticadas as batidas. Era uma pura invenção e Mr. Capron publicou uma esmagadora resposta, mostrando que na data em que Catherine Fox havia supostamente feito aquela confissão a Mrs. Culver, estava em sua casa, a setenta milhas de distância.

Mrs. Fox e suas três filhas iniciaram as sessões públicas em New York na primavera de 1850, no Hotel Barnum, e atraíram muitos curiosos. A imprensa foi quase unânime em as denunciar. Uma brilhante exceção foi constituída pelo já citado Horace Greeley, que escreveu um artigo em seu jornal, com as próprias iniciais, parte do qual se acha adiante, no Apêndice.

Depois de sua volta a Rochester, a família Fox fêz um giro pelos Estados do Oeste e, então, fizeram uma segunda visita a New York, onde despertaram o mesmo interêsse pú­blico. Tinham obedecido às ordens dos Espíritos para a propagação dessas verdades no mundo, e a nova era que tinha sido anunciada estava aberta oficialmente. Quando se lêem os minuciosos relatos dessas sessões americanas e se considera a fôrça mental dos seus assistentes, é interessante pensar quanto o povo, enriquecido pelos preconceitos, é tão crédulo que ima­gina que tudo aquilo não passa de mistificação. Naqueles dias foi demonstrada uma coragem moral muito conspícua e que vem faltando desde que as fôrças reacionárias da ciência e da religião se combinaram para sufocar o novo conhecimento e apresentá-lo como perigoso para os seus professôres. Assim, numa única sessão em New York, em 1850, encontramos reunidos em tôrno da mesma o Reverendo Doutor Griswold, o novelista Fenimore Cooper, o historiador Bancroft, o Reverendo Doutor Hawks, o Doutor J. W. Francis, o dr - Marcy, o poeta quaker Willis, o poeta Bryant, Bigelow, redator do Evening Post, e o General Lyman. Todos êstes fica­ram satisfeitos com os fatos, cujo relato diz:

“As maneiras e a conduta das senhoras (isto é, das Ir­mãs Fox) são tais que criam uma predisposição em seu favor”. Desde então o mundo cavou e inventou terríveis engenhos de guerra. Mas poderíamos dizer que tenha avançado no conhe­cimento espiritual ou no respeito ao invisível? Sob a orienta­ção do materialismo, tem seguido um caminho errado e cada vez se torna mais claro que o povo se encontra no dilema de voltar ou morrer.

5

A Carreira das Irmãs Fox

POR amor à continuidade, a história subseqüente das Irmãs Fox agora será dada após os acontecimentos de Hydesville. É uma história notável, embora dolorosa para os Espíritas; mas encerram êsses fatos uma lição, pelo que devem ser registrados fielmente. Quando os homens aspiram a verdade honesta­mente e de todo o coração, não há acontecimentos que os enver­gonhem ou que não encontrem um lugar no seu programa.

Durante alguns anos as duas irmãs mais novas, Kate e Margaret, fizeram sessões em New York e em outros lugares, triunfando em cada ensaio a que eram submetidas. Horace Greeley, posteriormente candidato à presidência dos Estados Uni­dos, conforme já o demonstramos, achava-se profundamente inte­ressado por elas e convencido de sua honestidade. Diz-se que forneceu elementos para que a mais nova completasse a sua educação muito imperfeita.

Durante êsses atos de mediunidade pública, quando as mo­ças faziam furor, tanto entre as pessoas que não tinham a me­nor idéia do significado religioso dessa nova revelação, quanto entre aquêles cujo interêsse estava na esperança de vantagens materiais, as irmãs estiveram expostas às enervantes influências das sessões promíscuas e de tal maneira que nenhum espírita avisado justificaria. Então os perigos de tais práticas não eram tão notados quanto agora, nem ao povo ocorria que não era possível que Espíritos elevados baixassem à Terra para dar conselhos acêrca das ações das estradas de ferro ou soluções para os casos amorosos. A ignorância era universal e não havia mentores à testa dêsses pobres pioneiros para lhes indicar um caminho mais elevado e mais seguro. O pior de tudo é que as suas energias esgotadas eram renovadas com a oferta de vinho, num momento em que, pelo menos uma delas, era pouco mais do que uma criança. Dizia-se que havia uma certa predispo­sição hereditária para o alcoolismo; mas, mesmo sem essa mar­ca, o seu procedimento e modo de vida era ousado ao extremo. Contra sua formação moral jamais houve qualquer suspeita, mas elas tinham enveredado por um caminho que conduz à degene­ração da mente e do caráter, muito embora só muitos anos mais tarde se tivessem manifestado os mais sérios efeitos.

Pode-se fazer uma idéia da pressão exercida então sôbre as Irmãs Fox pela descrição que Mrs. Hardinge Britten (1)

1. Autobiography, página 40.

nos faz de suas próprias observações. Ela fala de uma “parada no primeiro andar, para ouvir a pobre e paciente Kate Fox, em meio a uma multidão de investigadores curiosos e murmu­rantes, a repetir, hora após hora, as letras do alfabeto, enquanto que Espíritos não menos pobres e pacientes batiam nomes, ida­des e datas adequadas a cada visitante”. Será para admirar que as môças, com a vitalidade gasta, sem a bela e vigilante influência materna, solicitadas por inimigos, sucumbissem a uma crescente tentação no sentido dos estimulantes?

Uma luz notável se faz para Margaret, durante êsse pe­ríodo, num curioso livrinho — “As Cartas de Amor, do Doutor Elisha Kane”. Foi em 1852 que o Doutor Kane, mais tarde famoso explorador do Oceano Glacial Ártico, encontrou Margaret Fox, então uma jovem muito bonita e atraente. A ela Kane escreveu aquelas cartas de amor, que representam um dos mais curio­sos amôres na literatura. Elisha Kane, como o seu prenome indica, era de origem puritana; e os Puritanos, com o seu ponto de vista que a Bíblia representa absolutamente a última pala­vra como inspiração espiritual, e que êles entendem o que essa última palavra significa, são por instinto antagonistas do novo culto que se propõe mostrar que novas fontes e novas interpre­tações ainda são possíveis.

Era, também, médico. E a profissão de médico é, simul­tâneamente, a mais nobre e a mais cinicamente incrédula do mundo. Para começar, Kane se convenceu de que a jovem estava envolvida em fraude e criou a teoria de que sua irmã mais velha, Leah, visando fins lucrativos, estava explorando a fraude. O fato de, pouco depois, Leah haver-se casado com um homem rico, chamado Underhill, magnata de seguros em Wall Street, parece que não modificou o ponto de vista de Kane, quanto à sua avidez por lucros ilícitos. O médico tomou-se de estreita amizade por Margaret, colocou-a sob as vistas de sua própria tia, a fim de a educar, enquanto se ausentava para o Oceano Ártico, e finalmente casou-se com ela sob uma espécie de casamento muito curioso, que era a lei Gretna Green, ao que parece, então vigente. Morreu pouco depois, em 1857, e a viuva, então se assinando Mrs. Fox-Kane, abjurou os fenôme­nos por algum tempo e foi recebida na Igreja Católica Ro­mana.

Nessas cartas Kane censura continuamente a Margaret por viver em êrro e hipocrisia. Restam poucas cartas de Margaret, de modo que não é possível saber até onde se defen­deu.

Conquanto não espírita, diz o compilador do livro: “Po­bre moças! Com a sua simplicidade, timidez e ingenuidade, não poderia, ainda que tivesse inclinação, ter praticado a menor fal­catrua com qualquer possibilidade de sucesso”. É um teste­munho de valor, de vez que o compilador naturalmente estêve em estreitas ligações com pessoas relacionadas com o assunto. O próprio Kane, escrevendo à mais môça, Kate, diz: “Tome o meu conselho e jamais fale de Espíritos, quer aos íntimos, quer aos estranhos. Você sabe que com tôda a intimidade com Mag­gie, depois de um mês inteiro de tentativas, dêles nada pude obter. Assim, êles constituem um grande mistério.”

Considerando suas íntimas relações e que Margaret clara­mente ofereceu a Kane tôdas as provas de sua fôrça, é inconce­bível que um médico experiente admitisse que depois de um mês nada teria podido fazer, caso o fenômeno fôsse um simples estalo de uma articulação.

Nessas cartas não se podem encontrar indícios de fraude, mas amplas provas de que as duas môças, Margaret e Kate, não tinham a mais leve idéia de ligação reli­giosa com essas fôrças, ou das graves responsabilidades da me­diunidade e de que faziam mau uso de seus dons no sentido de dar indicações a todo o mundo, receber uma assistência promíscua e responder a perguntas frívolas ou jocosas. Não era surprêsa para nenhum espírita experimentado que, em tais cir­cunstâncias, tanto o seu caráter quanto as suas fôrças estivessem tão estragados. Não podiam dar coisa melhor. E tanto a sua idade quanto a sua ignorância as escusam.

Para compreender a sua situação, é preciso lembrar que eram pouco mais que crianças, pouco educadas e quase igno­rantes da filosofia do assunto. Quando um homem como o Doutor Kane assegurava a Margaret que aquilo era um grave êrro, apenas repetia o que lhe entrava pelos ouvidos em tôda a parte, inclusive de metade dos púlpitos de New York.

Provavelmente tinha ela uma sensação desagradável de estar errada, sem ao me­nos saber por que, e isto, possivelmente, depõe em seu favor, por não se mostrar magoada por suas suspeitas. Na verdade podemos admitir que, no fundo, Kane estivesse certo e que os processos fõssem, por certo modo, injustificáveis. Naquela época elas próprias eram incorruptíveis; e se tivessem usado os seus dons como D. D. Home, sem relação com as coisas mundanas, e apenas com o propósito de provar a imortalidade da alma e consolar os aflitos, então, sim, elas se teriam colocado acima da crítica. Ele estava errado quando duvidava de seus dons, mas certo quando encarava como suspeitas certas maneiras de os utilizar.

Como quer que seja, a posição de Kane é irremediàvelmente ilógica. Êle desfrutava da maior intimidade e afeição da mãe e das duas môças, muito embora, se as palavras têm algum sentido, êle as julgasse embusteiras, que viviam da creduli­dade pública. “Beije a Katie por mim”, diz êle; e continua­mente manda saudades a mãe.

Moças como eram, já havia da parte dêle a suspeita do perigo do alcoolismo, a que se achariam expostas mais tarde e naquela promiscuidade. “Diga a Katie que não tome champanha e você siga o mesmo conselho”, dizia de. Era um con­selho bom, e teria sido melhor para elas e para o movimento espírita se ambas o tivessem seguido. Novamente, porém, há que recordar a sua mocidade inexperiente e as constantes tentações.

Kane era uma curiosa mistura de herói e de bôbo. As batidas dos Espíritos, não apoiadas por qualquer sanção reli­giosa ou científica, vinda posteriormente, era uma baixeza, uma superstição de ignorantes e êle, um homem de reputação, iria cassar-se com um espírito-batedor? Nisto êle vacilou extraor­dinàriamente, começando uma carta pedindo para ser o seu irmão e terminando por lhe recordar os mais cálidos beijos. “Agora que você me deu o seu coração, eu serei o seu irmão”, diz êle. Tinha uma veia de superstição, que o percorria todo e que estava muito abaixo da credulidade que atribui aos outros. Freqüentemente alude ao fato de possuir um poder divinatório pelo simples levantar da mão direita, coisa que havia aprendido “de um feiticeiro nas Índias”. Por vêzes tanto é pretensioso. quanto tolo. “Até á mesa de jantar do presidente eu pensava em você”. E mais adiante: “Você nunca poderia atingir os meus pensamentos e o meu objetivo. Eu nunca poderia descer até os seus”. Na verdade, as poucas citações de suas cartas mostram uma mente inteligente e simpática.

Ao menos em uma ocasião encontramos Kane procurando decepcioná-la e ela combatendo a idéia.

Quatro pontos fixos podem ser estabelecidos nessas cartas:­

1. Que Kane pensava de modo vago que houvesse falcatrua.

2. Que nos anos de sua maior intimidade ela jamais o admitiu.

3. Que êle jamais pôde sugerir em que consistia a fal­catrua.

4. Que ela empregou as suas fôrças de maneira que os espíritas sérios deploram.

Na verdade não sabia ela mais sôbre a natureza dessas fôr­ças do que os que a rodeavam.

Diz o escritor: “Ela dizia sem­pre que nunca tinha realmente acreditado que as batidas fôs­sem obra de Espíritos, mas pensava que nisso havia uma relação com certas leis ocultas da natureza”. Esta foi a sua atitude posterior na vida, pois em sua ficha profissional dizia que o povo devia por si mesmo julgar da natureza de suas fôrças.

É natural que aquêles que falam do perigo da mediuni­dade e, particularmente, da mediunidade de efeitos físicos, deve­riam apontar como exemplo as Irmãs Fox. Mas o seu caso não deve ser exagerado. Em 1871, depois de mais de vinte anos de trabalho exaustivo, ainda as encontramos recebendo entu­siástico apoio e admiração de muitos homens e senhoras impor­tantes da época. Só depois de quarenta anos de trabalhos pú­blicos é que se manifestaram condições adversas em suas vidas. Assim, sem entrar na apreciação do que há de censurável, procla­mamos que dificilmente o seu comportamento justificaria aqueles que consideram a mediunidade como uma profissão que degrada a alma.

Foi em 1871 que, graças à generosidade de Mr. Charles

F. Livermore, eminente banqueiro de New York, Kate Fox visitou a Inglaterra. Era um sinal da gratidão do banqueiro pela consolação que havia recebido de sua fôrça maravilhosa e um apoio para o progresso do Espiritismo. Êle proveu tõdas as suas necessidades e assim evitou que ela tivesse de recorrer ao tra­balho remunerado. Também providenciou para que ela viesse acompanhada por uma senhora com quem tinha afinidade.

Numa carta a Mr. Benjamin Coleman (2),

2. The Spiritual Magazine, 1871, páginas 525-6.

conhecido tra­balhador do movimento espírita, assim se exprime Mr. Liver­more:

“Vista de um modo geral, Mrs. Foz é, sem a menor dúvida, o mais maravilhoso médium vivo. Seu caráter é irrepreensível e puro. Recebi, através de seus poderes mediúnicos, durante os últimos dez anos, tanta coisa consoladora, instrutiva e fulmi­nante, que me sinto muitíssimo obrigado e desejo cercá-la de todos os cuidados enquanto ausente de casa e dos amigos.”

Suas observações posteriores como que encerram um pres­sentimento dos últimos tristes acontecimentos de sua vida:

“Para que você compreenda melhor as suas idiossincrasias, permita-me explicar que ela é uma sensitiva da mais alta classe e de uma simplicidade infantil; ela sente intensamente a atmosfera de cada criatura com quem se põe em contacto e a tal ponto que por vêzes fica excessivamente nervosa e aparentemente ca­prichosa.

“Por essas razões eu a preveni para que não participasse de sessões no escuro, evitasse a irritação proveniente da sus­peita dos cépticos, dos simples curiosos e dos apreciadores do maravilhoso.

“A perfeição das manifestações que se podem obter por seu intermédio depende do seu ambiente e, na medida de sua rela­ção ou simpatia com os outros, parece receber a força espi­ritual. As comunicações por seu intermédio são muito notáveis e me têm chegado com freqüência de minha espôsa (Estelle) em perfeito francês, e às vêzes em espanhol e italiano, muito em­bora ela desconheça êsses idiomas. Você compreende isto; mas essas explicações serão necessárias para outros. Como disse, ela não fará sessões como profissional. Assim espero que ela fará todo o bem possível em favor da grande verdade de um modo suave, enquanto se encontra na Inglaterra”.

Mr. Coleman, que tinha estado numa sessão com ela em New York, disse haver recebido uma das maiores provas de identidade de Espírito jamais verificada em sua experiência de dezessete anos. Mr. Cromwell F. Varley, o eletricista que lan­çou o cabo submarino do Atlântico, em sua prova perante a Sociedade Dialética de Londres, em 1869, falou de interessantes experiências sôbre eletricidade, que êle realizou com êsse médium.

A visita de Kate Fox à Inglaterra evidentemente foi consi­derada como uma missão, pois encontramos Mr. Coleman acon­selhando-a a admitir apenas como assistentes pessoas que não temessem a publicação de seus nomes como testemunhas de fatos a que tivessem presenciado. Esse critério parece ter sido adotado até certo ponto, pois foram conservados muitos testemu­nhos de suas faculdades, entre outras pessoas, do Professor Wil­liam Crookes, de Mr. S. C. Hall, de Mr. W. H. Harrison, editor do The Spiritmtalist, de Miss Rosamund Dale Owen, posteriormente espõsa de Laurence Oliphant, e do Reverendo John Page Hopáginass.

A recém-chegada iniciou suas sessões logo depois de seu desembarque. Numa das primeiras, a 24 de novembro de 1871, um representante de The Times estêve presente e publicou um relato da sessão, realizada em conjunto com D. D. Home, grande amigo do médium. Isto se lê num artigo sob o título “Espiri­tismo e Ciência”, que ocupou três colunas e meia em tipo sa­liente. O representante de The Timnes diz que Miss Fox o levou até a porta da sala, convidou-o a ficar de pé a seu lado e segu­rar-lhe as mãos, o que êle fêz, “quando foram ouvidos fortes gol­pes, que pareciam vir das paredes e como se fôssem dados com os punhos.

Os golpes eram repetidos, a pedido nosso, qualquer nú­mero de vezes”. Contou haver experimentado todos os ensaios de que se havia lembrado e que tanto Miss Fox quanto Mr. Home lhe haviam dado tôdas as oportunidades para exame e que os seus pés e suas mãos estavam presos.

Num artigo de fundo sôbre o relatório acima referido e numa correspondência decorrente, o Times de 6 de janeiro de 1873 declarou que não era o caso para um inquérito cien­tífico:

“Muitos leitores sensíveis, segundo pensamos, julgarão que lhes devemos uma satisfação por termos aberto as nossas colunas a uma controvérsia para um assunto como é o Espiritismo, assim o considerando como uma questão aberta ou suscetível de dis­cussão, e que esta deveria antes ser relegada como uma impostura ou como uma ilusão. Entretanto, mesmo uma impostura deve reclamar um desmascaramento e as ilusões populares, mesmo que absurdas, são por vêzes bastante importantes para não serem desprezadas pela parte mais sábia da humanidade... Há real­mente algo, como diziam os advogados, que mereça um julga­mento? Bem; por um lado temos abundância de supostas expe­riências, que dificilmente poderiam ser chamadas provas e uns poucos testemunhos de um caráter mais notável e impressionante. Por outro lado, temos muitas histórias de impostores confessos e muitos relatos autênticos dêsses desmascaramentos e desco­bertas, como era de esperar.

A 14 de dezembro de 1872 Miss Fox casou-se com Mr. H. D. Jencken, um advogado londrino, autor de um “Compêndio de Direito Romano Moderno”, etc., e secretário geral honorário da Associação para a Reforma e Codificação do Direito Interna­cional. Foi êle um dos primeiros espíritas da Inglaterra.

Relatando a cerimônia, diz The Spiritualist que a popula­ção dos espíritos participou da cerimônia, pois no almôço de gala, fortes batidas foram ouvidas em várias paredes da sala e a mesa, sôbre a qual se achava o bôlo nupcial, foi repetidamente levantada do solo.

Uma testemunha de vista informa que Mrs. Kate Fox-Jencken, como passou ela a ser conhecida, e seu marido na era dos seten­ta encontravam-se em bons meios sociais de Londres. Seus tra­balhos eram muitíssimo procurados pelos investigadores.

John Page Hopáginass a descreve então como “uma criatura pequena, franzina, muito inteligente, mas de um sorriso tolo; maneiras finas e delicadas e um suave prazer nas suas expe­riências, que afastavam o mais leve traço de convencimento ou de afetação de mistério”.

Sua mediunidade consistia principalmente de batidas —por vêzes muito fortes — de luzes espirituais, de escrita direta e da aparência de mãos materializadas. As materializações com­pletas, que ocasionalmente se verificaram em suas sessões na América, foram raras na Inglaterra. Algumas vêzes objetos na sala das sessões foram deslocados pelos Espíritos e nalguns casos trazidos de fora, de uma outra sala.

Foi mais ou menos por êsse tempo que o Professor Williani Crookes fêz um inquérito sôbre os poderes da médium e pu­blicou uma sincera declaração que veremos adiante, quando tratarmos dos primeiros contactos de Crookes com o Espiritismo. Essas cuidadosas observações mostram que as batidas consti­tuíam uma pequena parte da fôrça psíquica de Kate Fox e que se podiam ser adequadamente explicadas por meios normais, ainda nos deixavam envoltos no mistério. Assim relata Crookes, quando as únicas pessoas presentes eram êle, sua senhora, uma parenta e Miss Fox:

“Eu segurava ambas as mãos da médium numa das minhas, enquanto seus pés estavam sôbre os meus. Havia papel sôbre a mesa em nossa frente e eu tinha um lápis na mão livre.

“Uma luminosa mão desceu do alto da sala e, depois de oscilar perto de mim durante alguns segundos, tomou o lápis de minha mão e escreveu rapidamente numa fôlha de papel, lar­gou o lápis e ergueu-se sôbre as nossas cabeças, dissolvendo-se gradativamente na escuridão.”

Muitos outros observadores descrevem fenômenos simila­res com o mesmo médium em várias ocasiões.

Uma fase muito extraordinária da mediunidade de Mrs. Fox-Jencken foi a produção de substâncias luminosas. Na presen­ça de Mrs. MacDougdall Gregory, de Mr. W. H. Harrison, diretor de um jornal londrino e de outras pessoas, apareceu uma mão, com algum material fosforescente, de cêrca de quatro pole­gadas quadradas, com o qual houve uma batida no chão e um toque na face de um dos assistentes (3).

3. The Spiritualist, volume 8º, página 299.

Verificou-se que era uma luz fria. Miss Rosamund Dale Owen, relatando o fenômeno (4),

4. Liglit, 1884, página 170.

descreve os objetos como “cristais iluminados” e diz que não tinha visto uma materialização que desse uma sensação tão real da proximidade de um Espírito quanto essas luzes graciosas. O autor pode corroborar o fato de que essas luzes são geralmente frias, pois, em certa ocasião, com outro médium, uma luz seme­lhante lhe tocou a face. Miss Owen também fala de livros e outros pequenos objetos transportados e de uma pesada caixa de música de cêrca de vinte e cinco libras, que foi retirada de um console. A peculiaridade dêsse instrumento é que estava desarranjado há meses e não pôde ser tocado enquanto as fôr­ças invisíveis não o consertaram e o puseram em movimento.

A mediunidade de Mrs. Jencken se mesclava em todos os atos de sua vida diária. Diz o Professor Butlerof que, quando fêz uma visita matinal ao casal, em companhia de Mr. Aksakof, ouviu batidas no soalho. Passando uma tarde em casa dos Jencken, diz que as batidas foram numerosas durante o chá. Também conta Miss Rosamund Dale Owen (5)

5. Light, 1884, página 39.

que certa vez, estando a médium na rua, com duas senhoras, em frente a uma vitrina, as batidas se misturaram na conversa e o chão vibrava a seus pés. Diz até que as batidas eram tão altas que atraíam a atenção dos transeuntes. Mr. Jencken relata mui­tos casos de fenômenos espontâneos, em sua vida domés­tica.

Os detalhes das sessões do médium poderiam encher um volume. Mas, com exceção de um último caso, devemos con­tentar-nos com a opinião do Professor Butlerof, da Universidade de São Petersburgo que, depois de investigar os seus poderes em Londres, escreveu em The Spiritualist, de 4 de fevereiro de 1876:

“De tudo quanto me foi possível observar em presença de Mrs. Jencken, sou levado à conclusão de que os fenômenos pecu­liares a êsse médium são de natureza fortemente objetiva e con­vincente e que, penso, seriam suficientes para levar o mais pro­nunciado céptico, desde que honesto, a rejeitar a ventriloquia, a ação muscular e semelhantes explicações dos fenômenos”.

Mr. H. D. Jencken morreu em 1881 e sua viúva ficou com dois filhos. Êsses mostraram maravilhosa mediunidade em tenra idade, cujo registro se encontra em escritos da época (6).

6. Tire Spiritualist, Volume 4º, página 138; volume 7º, página 66.

Mr. S. C. Hall, conhecido homem de letras e destacado espí­rita, descreve (7)

7. Light, 1882, página 239-40.

uma sessão em sua casa, em Kensington, no dia de seu aniversário, a 9 de maio de 1882, na qual a sua defunta espôsa se manifestou:

“Muitas mensagens interessantes e comoventes me chegaram através da escrita normal de Mrs. Jencken. Tinham pedido que apagássemos as luzes. Então começou uma porção de ma­nifestações, como raramente tenho visto e mais raramente ultra­passadas... Tomei uma campainha de sôbre uma mesa e fiquei com ela na mão. Senti que outra mão a tomava e a tocava por tôda parte na sala, durante cerca de cinco minutos. Então colo­quei um acordeon debaixo da mesa, de onde foi retirado e, a uma distância de três ou quatro pés da mesa à qual estávamos sentados, tocaram umas canções. O acordeon estava sendo tocado e a campainha agitada em diversas partes da sala quando duas velas foram acesas à mesa.

Assim, não era aquilo que se chama uma sessão às escuras, embora ocasionalmente as luzes fossem apagadas. Durante todo o tempo Mr. Stack segurava uma das mãos de Mrs. Jencken e eu segurava a outra — cada um dizendo de vez em quando: “Tenho em minha mão a mão de Mrs. Jencken”.

“Cerca de cinqüenta amores-perfeitos foram colocados a mi­nha frente, numa fôlha de papel. Pela manhã eu havia recebido de uma amiga alguns amores-perfeitos, mas o vaso onde tinham sido colocados não se achava na sala da sessão. Mandei examiná-lo e estava intacto. Naquilo que se denomina “escrita direta” encontrei as seguintes palavras, escritas a lápis com letra miudinha, numa fôlha de papel que estava á minha frente: “Eu lhe trouxe minha prova de amor. Numa sessão, dias antes. já com Mrs. Jencken, eu tinha recebido a seguinte mensagem:

“Pelo seu aniversário trarei uma prova de amor

Acrescenta Mr. Hall que havia marcado a fôlha de papel com as suas iniciais e, como uma preocupação a mais, tinha dobrado um dos cantos de certa maneira que pudesse reconhecê-la.

É evidente que Mr. Hall ficou muito impressionado com o que viu. Escreve êle: “Testemunhei e registrei muitas mani­festações maravilhosas. Duvido que tenha assistido a alguma mais convincente do que esta e, certamente, nenhuma mais refi­nada; nenhuma que desse mais conclusiva demonstração de que só Espíritos puros, bons e santos se manifestavam”. Confessa que consentiu em ser o “banqueiro” de Mrs. Jencken, pos­sivelmente para prover a educação de seus dois filhos. Em vista do que aconteceu posteriormente a êsse tão dotado médium, há um triste interêsse em suas palavras finais:

“Tenho uma confiança, uma quase certeza de que em todos os sentidos, ela agirá de maneira a aumentar e não a diminuir, a sua fôrça como médium, enquanto retiver a amizade e a con­fiança de muitos que a consideram do mesmo modo — de vez que a causa é a mesma — por que a Nova Igreja considera a Emmanuel Swedenborg, e os Metodistas consideram a John Wesley. Sem a menor dúvida os Espíritos devem a essa senhora um grande reconhecimento pelas confortadoras revelações de que, em grande parte, foi ela o instrumento escolhido pela Providência.

Fizemos êste relato com certa minúcia porque mostra que os dons da médium eram então de uma ordem muito elevada e poderosa. Poucos anos antes, numa sessão em sua casa, a 14 de dezembro de 1873, primeiro aniversário de seu casa­mento, uma mensagem espírita por batidas dizia assim: Quan­do as sombras caírem sôbre você, pense no lado mais luminoso”.

Era uma mensagem profética, pois o fim de sua vida foi ape­nas de sombras.

Margaret (Mrs. Fox-Kane) tinha se juntado à irmã Kate na Inglaterra em 1876 e permaneceram juntas por alguns anos, até que ocorreu o lamentável incidente que deve ser analisado agora. Parece que houve uma discussão amarga entre a irmã mais velha, Leah (então Mrs. Underhill) e as duas mais mo­ças. É provável que Leah tivesse sabido que havia então uma tendência para o alcoolismo e tivesse feito uma intervenção com mais fõrça do que tato... Alguns espíritas também interferi­ram e deixaram as duas irmãs meio furiosas, pois tinha sido sugerido que os dois filhos de Kate fôssem separados dela.

Procurando uma arma — uma arma qualquer — com a qual pudessem ferir aquêles a quem tanto odiavam, parece que lhes ocorreu — ou, de acôrdo com seu depoimento posterior, que lhes foi sugerido sob promessa de vantagens pecuniárias — que se elas injuriassem todo o culto, confessando que frau­davam, iriam ferir a Leah e a todos os confrades no que ti­nham de mais sensível. Ao paroxismo da excitação alcoólica e da raiva juntou-se o fanatismo religioso, pois Margaret tinha sido instruída por alguns dos principais Espíritos da Igreja de Roma, e convencida — como também ocorreu conforme durante al­gum tempo — que suas próprias fôrças eram maléficas. Ela se refere ao Cardeal Manning como tendo-a influenciado neste sen­tido, mas tal declaração não pode ser levada muito a sério. De qualquer modo, tôdas essas causas combinadas a reduziram a um estado vizinho da loucura.

Antes de deixar Londres escre­veu ao New York Herald denunciando o culto, mas sustentando numa frase que as batidas “eram a única parte dos fenômenos digna de registro”. Chegando a New York onde, conforme sua sub­seqüente informação, deveria receber certa quantia pela sensa­cional declaração prometida ao jornal, teve uma verdadeira explosão de ódio contra sua irmã mais velha.

É um curioso estudo psicológico e, também, curiosa a atitude mental do povo, imaginar que as declarações de uma mulher descontrolada, agindo sob o império do ódio, mas, também — como ela própria o confessou — na esperança de recompensa em dinheiro, pudesse prejudicar uma investigação criteriosa de uma geração de observadores.

Não obstante, temos que considerar o fato de que então ela produz batidas ou dá lugar a que estas se produzam, numa sessão subseqüente na Academia de Música de New York. Deve ser leva­do em conta que em tão grande auditório seria impossível qualquer ruído antecipadamente preparado para ser atribuído ao médium. Mais importante é a prova dada a um redator do He­rald, em sessão particular, que êle assim relata:

“Primeiro ouvi uma batida no solo, perto de meus pés, depois debaixo da mesa, ante a qual estava sentado. Eki me levou á porta e ouvi o mesmo som se produzir do outro lado. Então, quando ela se sentou ao piano, o instrumento vibrou mais alto e as batidas ressoaram em sua caixa.

Este relato deixa claro que os ruidos eram produzidos pelo contrôle, embora o jornalista deva ter sido menos céptico do que outros do meu conhecimento, para pensar que os sons, variando de qualidade e de posição, procedessem de um truque do pé do médium. É claro que êle não sabia como se produziam os sons e o autor é de opinião que Margaret também o ignorava. Está provado que realmente tinha ela algo que podia exigir, e não só pela verificação do jornalista, como pela de Mr. Wedg. wood, um espírita londrino, ao qual fêz ela uma demonstração antes de voltar para a América. Assim, pois, é em vão que negam base às manifestações de Margaret. O que era essa base e o que procuramos saber.

O escândalo de Margaret Fox-Kane foi em agôsto e setem­bro de 1888 — aproveitado pelo jornal que a havia explorado. Em outubro ela veio unir-se à sua irmã. Era preciso explicar que a disputa, até onde se pode saber, era entre Kate e Leah, porque esta última tinha tentado separar Kate dos filhos, alegando que a influência materna não era boa. Portanto, embora Kate não se irritasse e deliberadamente não desse demonstrações pú­blicas ou particulares, se havia aliado à irmã com o objetivo comum de derrubar Leah a qualquer preço.

“Foi ela a causadora de minha prisão na última primavera”, declarou Kate, “originando a posterior acusação de que eu era cruel para com os meus filhos. Não sei por que sempre teve inveja de Maggie e de mim; talvez porque nós pudéssemos fazer coisas no Espiritismo de que ela era incapaz.”

Ela se achava presente na Sala de Música, na sessão de 21 de outubro, na qual Margaret firmou a sua reputação, produzindo batidas. Ficou calada na ocasião, mas o silêncio pode ser tomado como uma aprovação àquilo que então ouvia.

Se assim o foi, se disse aquilo que o repórter publicou, seu arrependimento deve ter vindo muito rapidamente. A 17 de novembro, menos de um mês após a famosa sessão, escre­veu ela a uma senhora de Londres, Mrs. Cottell, que residia na velha casa de Carlyle, esta admirável carta de New York e publicada no Light, em 1888, página 619:

“Eu lhe deveria ter escrito antes, mas minha surprêsa foi tão grande, ao chegar e saber das declarações de Maggie sôbre o Espiritismo, que não tive ânimo de escrever a ninguém -

“O empresário da exibição arranjou a Academia de Música, o maior auditório da cidade de New York; ficou superlotado.

“Fizeram uma renda de mil e quinhentos dólares. Muitas vêzes desejei ter ficado com você e se tivesse meios agora voltaria para me livrar de tudo isso.

“Agora penso que podia fazer dinheiro, provando que as batidas não são produzidas pelos dedos dos pés. Tanta gente me procura por causa da declaração de Maggie que me recuso a recebê-los.

“Insistem em desmascarar a coisa, se puderem; mas certa­mente não o conseguirão.

“Maggie está realizando sessões públicas nas grandes cida­des americanas, mas só a vi uma vez desde que cheguei.”

Esta carta de Kate denuncia a tentação do dinheiro repre­sentando um grande papel na história. Entretanto parece que cedo Maggie verificou que rendia pouco e que não havia vantagem em dizer mentiras pelas quais não era paga e que apenas provavam que o movimento espírita se achava tão firmemente estabelecido que não chegava a ser abalado pôr sua traição. Por esta ou por outras razões — esperamos que com algum remordimento de consciência pela parte que havia tomado, agora admitia ela que estivera dizendo falsidades pelos mais baixos motivos. A entrevista foi publicada na imprensa de New York a 20 de novembro de 1889, cêrca de um ano depois do escân­dalo.

“Praza a Deus”, — disse ela com voz trêmula de intensa excitação — “que eu possa desfazer a injustiça que fiz à causa do Espiritismo quando, sob intensa influência psicológica de pessoas inimigas dêle, fiz declarações que não se baseiam nos fatos. Esta retratação e negação não parte apenas do meu próprio senso daquilo que é direito, como também do silencioso impulso dos Espíritos que usam o meu organismo, a des peito da hostilidade da horda traidora que prometeu riqueza e felicidade em troca de um ataque ao Espiritismo, e cujas esperançosas promessas foram tão falazes...

“Muito antes que falasse a quem quer que fôsse sôbre êste assunto, estava sendo incessantemente advertida por meu Espírito-Guia daquilo que devia fazer; por fim cheguei à conclusão de que era inútil contrariar as suas recomendações.

— “Não houve qualquer consideração de ordem monetá­ria nesta declaração?”

— “Não, por mínima que fôsse; absolutamente.”

— “Então a senhora não visa vantagens pecuniárias?”

— “Indiretamente, sim. O Senhor sabe que embora governado pelos espíritos, um instrumento mortal deve zelar pela manu­tenção da vida. Isto pretendo conseguir de minhas confe­rências. Nem um centavo me veio ás mãos em conseqüência da atitude que tomei”.

— “Por que motivo denunciou as batidas dos Espíritos?” “Naquela ocasião necessitava muito de dinheiro, e cria­turas, cujo nome prefiro não citar, se aproveitaram da si­tuação. Daí a embrulhada. Também a excitação ajudou a per­turbar o meu equilíbrio mental”.

— “Qual o objetivo das pessoas que a induziram a fazer a confissão que a senhora e todos os outros médiuns trafica­vam com a credulidade do povo?”

— “Visavam diversos objetivos, O primeiro e mais im­portante era a idéia de esmagar o Espiritismo, fazer dinheiro para si mesmos e provocar uma grande excitação, por lhes ser um elemento favorável”.

— “Havia alguma verdade nas acusações que a senhora fêz do Espiritismo?”

— “Aquelas acusações eram falsas em tôdas as minúcias. Não hesito em dizê-lo... Não. Minha crença no Espiritis­mo não sofreu mudanças. Quando fiz aquelas terríveis declarações não era responsável por minhas palavras. Sua auten­ticidade é um fato incontroverso. Nem todos os Hermans vivos serão capazes de reproduzir as maravilhas que se produzem através de alguns médiuns. Pela habilidade manual e por meio de espertezas podem escrever em papéis e lousas, mas mesmo assim não resistem a uma investigação acurada. A produção da materialização está acima de seu calibre mental e desafio a quem quer que seja a produzir batidas nas con­dições em que as produzo. Não há ser humano na Terra que possa produzir as batidas do mesmo modo que elas o são por meu intermédio.”

— “Propõe-se fazer sessões?”

— “Não. Dedicar-me-ei inteiramente ao trabalho de pro­paganda, pois êste me dará melhores oportunidades para refu­tar as calúnias que eu mesma lancei contra o Espiritismo.”

— “Que diz sua irmã Kate de sua presente atitude?”

— “Está de pleno acôrdo. Ela não concordou com a minha atitude no passado”.

— “Terá um empresário para o seu ciclo de conferên­cias?”

— “Não, senhor. Eu lhes tenho horror. Também êles me ultrajaram muito. Frank Stehen tratou-me ver gonhosa­mente. Fêz muito dinheiro à minha custa e deixou-me em Boston sem um centavo. Tudo quanto recebi dele foram qui­nhentos e cinqüenta dólares, dados no comêço do contrato.”

Para dar maior autenticidade à entrevista, por suges­tão dela foi escrita a seguinte carta aberta, à qual ela apôs a sua assinatura:

128, West Forty-third Street

New York City

16 de novembro de 1889.

AO PÚBLICO.

“Tendo-me sido lida a entrevista que se segue, nada en­contrei que não fôsse a expressão correta de minhas palavras e exata expressão de meus sentimentos. Não fiz um retrato minucioso dos meios e modos empregados para me levar à sujei­ção e arrancar-me uma declaração de que os fenômenos espí­rit as, manifestados através de meu organismo, eram fraudulentos. Reservar-me-ei para preencher esta lacuna quando subir á tribuna de propaganda.”

A autenticidade desta entrevista foi comprovada por algu­mas testemunhas, em cujo número se incluem J. L. ÓSullivan, Ministro dos Estados Unidos em Portugal, durante vinte e cin­co anos. Disse êle: “Se alguma vez eu ouvi uma mulher dizer a verdade, foi nessa ocasião”.

Assim deve ter sido. Mas a falta de um empresário deve ter sido um fator determinante da falta de êxito financeiro.

A constatação levantaria a questão de saber se as palavras da conferencista deveriam merecer inteiro crédito, pois infe­lizmente o autor é obrigado a convir com Mr. Isaac Funk, infa­tigável e imparcial investigador, que naquele período de sua vida Margaret não podia ser controlada.

O que representa muito mais para o objetivo é que Mr. Funk fêz sessões com Margaret, ouviu as batidas “por tôda a sala”, sem lhe apreender a origem e que êles deletrearam um nome e um enderêço, tudo correto e inteiramente acima do co­nhecimento do médium. A informação dada estava errada mas, por outro lado, uma fôrça supranormal foi revelada na leitura do conteúdo de uma carta no bôlso de Mr. Funk. A mistura dêsses resultados é perturbadora, como outro problema mais amplo, discutido adiante.

Há um fator no qual tocamos de leve neste exame. É o caráter e a carreira de Mrs. Fish, mais tarde Mrs. Under­hill, que, como Leah, a irmã mais velha, representa tão im­portante papel no assunto. Conhecemo-la principalmente por seu livro “O Elo que falta no Espiritismo” (Knox e Co. New York, 1885). O livro foi escrito por um amigo, mas os fatos e os documentos foram fornecidos por Mrs. Underhill, que con­feriu tôda a narrativa. São ligados simplesmente e mesmo cruamente, e o espírita é levado a concluir que as entidades com as quais o grupo Fox teve os primeiros contactos nem sempre eram da mais elevada classe. Talvez em outro plano, como neste, sejam os plebeus e os humildes que se encarreguem do pioneiro trabalho espiritual na sua própria maneira e abram o caminho para outros e mais refinados mensageiros. De lado isto, pode dizer-se que o livro dá uma forte impressão de can­dura e de bom senso e, como descrição pessoal de quem esteve tão envôlta nos momentâneos acontecimentos, está destinado a sobreviver à maioria dos livros comuns e a ser lido com maior atenção e mesmo com respeito pelas gerações futuras. Aquela gente humilde que participou do recente movimento — Ca­pron, de Auburn, que fêz a primeira conferência pública; Jervis, o elegante ministro metodista, que exclamou: “Eu sei que é verdade e enfrentarei o mundo carrancudo!”; Georges Villetts, o quaker; Isaac Post, que realizou a primeira sessão espírita; o galante grupo que deu testemunho no palco de Rochester, enquanto os agitadores ferviam o alcatrão — todos estão fadados a viver na História. De Leah pode dizer-se que realmente reconheceu a significação religiosa do movimento mui­to mais claramente do que as suas irmãs e que se opôs ao seu emprêgo com objetivos puramente materiais, por ser uma degra­dação do que era divino. A seguinte passagem é de grande inte­rêsse, pois mostra como a família Fox primeiro considerou essa manifestação, e deve impressionar o leitor pela sinceridade de sua autora:

“O sentimento geral de nossa família... era visceralmente adverso a tôda essa coisa estranha e grosseira. Nós a conside­rávamos como uma grande infelicidade caída sôbre nós; como, quando e por que, não o sabemos... Resistimos, lutamos contra ela e constantemente e corajosamente oramos para nos livrarmos dela, ainda mesmo quando um estranho fascínio ligado a essas maravilhosas manifestações a elas nos forçavam, contra a nossa vontade, por fôrças e agentes invisíveis, aos quais nem podíamos resistir, nem controlar ou entender. Se a nossa vontade, o nosso ardente desejo e as preces pudessem ter prevalecido ou servido, tudo teria acabado então, e o mundo exterior à nossa pequena vizi­nhança jamais teria ouvido falar das batidas de Rochester ou da infeliz família Fox.

Estas palavras dão uma impressão de sinceridade e, por outro lado, em seu livro Leah aparece — com o testemunho de muitas pessoas citadas nominalmente, como digna do papel que desempenhou num grande movimento.

Tanto Kate Fox-Jencken quanto Margaret Fox.Kane mor­reram no comêço do decênio último do século e seu fim foi triste e obscuro. O problema que apresentam é exposto ao leitor, evitando-se a extrema sensibilidade espírita, que não enfrenta os fatos e as acusações dos cépticos, que carregam na narrativa daquelas partes que melhor servem aos seus propósitos, en­quanto omitem ou reduzem tudo o mais. Vejamos, à custa de um desvio de nossa narrativa, se é possível achar uma espé­cie de explicação para o duplo fato de que aquilo que essas ir­mãs podiam fazer era absolutamente anormal e que o era, ao menos até certo ponto, dependente de seu contrôle. Não é um problema simples: ao contrário, é muitíssimo profundo e exaustivo e mais que exaustivo, pois o conhecimento psíquico de que então se dispunha estava muito acima do nível em que viviam as irmãs Fox.

A simples explicação então apresentada pelos espíritas não deve ser logo posta de lado — ao menos por aquêles que conhe­cem algo mais. Era que um médium que emprega mal os seus dons e sofre uma degradação do caráter através de hábitos ruins, torna-se acessível a influências maléficas, que podem utilizar a sua mediunidade para informações falsas ou para o descrédito da causa. Isto bem pode ser certo como a causa. Mas devemos ir mais adiante, em busca do como e do porquê.

O autor é de opinião que a verdadeira explicação será encon­trada pela reunião de todos êsses acontecimentos com as recentes investigações do Doutor Crawford sôbre os meios pelos quais se produzem os fenômenos físicos.

Mostrou êle muito claramente e em detalhes no capítulo seguinte, que as batidas — e no momento só tratamos dessa fase — são causadas pela projeção, da pessoa do médium, de um longo fio de uma substância possuidora de propriedades que a distinguem de qualquer outra forma de matéria. Tal substância foi cuidadosamente examinada pelo eminente fisiologista francês Doutor Charles Richet, que a chamou de ecto plasma. Êsses fios são invisíveis aos nossos olhos, parcialmente visíveis à placa fotográfica e ainda conduzem energia de tal maneira que produzem sons e dão batidas a distância.

Agora, se Margaret produzia as batidas da mesma manei­ra que o médium de Crawford, temos apenas que formular uma ou duas hipóteses prováveis em si mesmas e, cabendo à ciência do futuro prová-lo em definitivo, deixar a coisa inteiramente às claras. Uma hipótese é que o centro da fôrça psíquica é for­mado nalguma parte do corpo de onde sai o fio de ectoplas­ma. Supondo que o centro seja o pé de Margaret, isto lançaria uma intensa luz no testemunho coligido no inquérito de Seybert. Examinando Margaret e se esforçando por obter batidas por ela, alguém da comissão e com o consentimento dela, pôs a mão so­bre o seu pé. Imediatamente as batidas se seguiram. O investigador exclamou: “Isto é a coisa mais maravilhosa que há, Mrs. Kane. Eu os percebo distintamente em seu pé. Não há o me­nor movimento do pé, mas há uma pulsação invulgar”.

Esta experiência de modo algum admite a idéia de um deslocamento da junta ou de estalos dos dedos. É exatamente o que se poderia imaginar no caso de um centro do qual fôsse projetada uma fôrça psíquica. Essa fôrça é de forma material e é tirada do corpo do médium, de modo que deve haver al­gum nexo. Êste nexo pode variar. No caso citado estava no pé de Margaret. Foi observado pelos doutôres de Buffalo que havia um movimento sutil do médium no momento da ba­tida. A observação era correta embora errada a interferência. O próprio autor viu distintamente, no caso de um médium ama­dor, uma ligeira pulsação geral no momento em que era dada a batida — uma espécie de contração, após a descarga da fôrça.

Admitindo que a fôrça de Margaret trabalhasse dessa ma­neira, temos apenas que discutir se os bastões ectoplásmicos em qualquer circunstância podem projetar-se à vontade. Até onde o autor pode saber, não há observações que sustentem diretamente êsse ponto. Parece que o médium de Crawford sem­pre caía em transe, de modo que a questão não foi levantada. Em outros fenômenos físicos há uma certa razão para pensar que em sua forma mais simples estejam intimamente ligados ao médium, mas à medida que se desenvolvem escapam ao seu contrôle e são influenciados por fôrças estranhas a êle. Assim, as figuras ectoplásmicas fotografadas por Madame Bisson e pelo Doutor Schrenck Notzing, aparecidas em seu recente livro, em suas primeiras formas podem ser atribuidas aos pensamentos do mé­dium ou a lembranças que tomam forma visível no ectoplasma; como porém estas se perdem no transe, tomam forma de figu­ras que, em casos extremos, são dotadas de vida independente. Se houver uma analogia geral entre as duas classes de fenôme­nos, então é muito possível que Margaret tivesse algum contrôle sôbre a expulsão de ectoplasma que produzia o som; mas se o som produzia mensagens que estavam acima de seu conheci­mento, como no caso exemplificado por Funk, a fôrça já não era empregada por ela, mas por alguma inteligência independente.

Deve lembrar-se que ninguém ignora mais como os seus efeitos são produzidos do que o médium, que é o seu centro. Um dos maiores médiuns de efeitos físicos do mundo disse uma vez ao autor que jamais havia testemunhado um fenômeno físico, pois sempre se achava em transe quando êstes ocorriam: a opi­nião de qualquer dos assistentes era assim mais valiosa do que a sua. Assim, no caso dessas irmãs Fox, que eram apenas crian­ças quando os fenômenos começaram, elas pouco sabiam da filosofia do assunto e Margaret dizia freqüentemente que não compreendia os seus próprios resultados. Se achava que ela pró­pria possuía algum poder de produzir as batidas, por mais obs­cura que fôsse a maneira por que as produzia, estaria em con­dições mentais para impugnar as acusações do Doutor Kane, de que mistificava. Ainda a sua confissão e a da irmã seriam verdadeiras neste particular, mas cada uma teria consciência, como posteriormente admitiram, que havia muita coisa mais que não podia ser explicada e que não emanava delas mesmas.

Contudo, resta um ponto muito importante a discutir — o mais importante de todos para os que aceitam o significado religioso do movimento. Para os não iniciados no assunto um argumento naturalíssimo é a pergunta: “São êstes os vossos fru­tos? Pode ser boa uma filosofia ou uma religião que pro­duz tais efeitos sôbre aquêles que ocultam um lugar destacado em seu estabelecimento?” Ninguém pode subterfugir a uma tal objeção à exigência de uma resposta clara, que muitas vêzes foi dada e ainda necessita de repetição.

Então estabeleçamos claramente que não existe mais co­nexão entre a mediunidade de efeitos físicos e a moralidade, do que entre um ouvido apurado para a música e a moralidade. Ambos são puros dotes físicos. O músico pode interpretar os mais amáveis pensamentos e excitar nos outros as mais altas emoções, influenciando os seus pensamentos e elevando as suas mentes. E êle próprio pode ser um viciado em entorpecentes, um perverso ou um dipsômano. Por outro lado, pode aliar ao seu talento musical um caráter pessoal angélico.

Apenas não existe absolutamente uma conexão entre as duas coisas, a não ser que ambas têm o seu centro no mesmo corpo humano.

Assim na mediunidade de efeitos físicos. Todos nós, ou quase todos, expelimos uma certa substância de nosso corpo, a qual tem propriedades muito peculiares. Com muitos de nós — conforme foi verificado por Crawford pesando cadeiras, — a quantidade é desprezível. Mas com 1 em 100.000 é considerável. Tal pessoa é o médium de efeitos físicos.

Ele ou ela produz uma certa matéria prima que, sustentamos, pode ser usada por fôrças exteriores independentes. O caráter dos indiví­duos nada tem com a matéria. Tal é o resultado de duas gera­ções de observações.

Se fôr exatamente como se verifica, de modo algum o cará­ter do médium será afetado pelo dom. Infelizmente assim não é. Em nossas atuais condições o médium de efeitos físicos está sujeito a certos riscos morais, que exigem uma forte e vigilante resis­tência para os suportar. Os desastres dos mais úteis e dedicados podem ser comparados às lesões físicas, perdas de dedos e de mãos nos que trabalhavam em raios-X antes que tôdas as pro­priedades dêstes fôssem conhecidas. Foram tomadas certas me­didas para contornar êsses inconvenientes físicos depois que um certo número dêles se fizeram de mártires da ciência; assim os perigos morais serão evitados quando uma reparação tardia fôr feita aos pioneiros que se sacrificaram ao forçarem as por­tas do conhecimento. Êsses perigos residem no enfraquecimento da vontade, na extrema debilidade após as sessões de efeitos físicos, na tentação de recuperar temporàriamente as energias por meio do álcool, na tentação para fraudar quando as fôrças se ausentam e na possivelmente prejudicial influência de Espíritos que cercam um grupo promíscuo, reunido mais por curiosidade do que por interêsse religioso.

O remédio é segre­gar os médiuns, dar-lhes ordenado em vez de pagar os resulta­dos, regular o número de sessões e o caráter dos assistentes, e assim afastar dêles as influências que sobrecarregaram as Irmãs Fox, bem como outros dos mais fortes médiuns do passado.

Por outro lado há médiuns de efeitos físicos que agem por meio de fôrças tão poderosas e trabalham sob tão religiosa orientação que constituem o sal da terra. É a mesma fôrça que foi em­pregada por Buda e pela Pitoniza de Endor. Os objetivos e os métodos de seu uso são as determinantes do caráter.

O autor disse que há pouca conexão entre a mediunidade de efeitos físicos e a moralidade. Poderiam imaginar que o fluxo do ectoplasma, sendo tão ativo num pecador quanto num santo, atuaria sôbre objetos materiais do mesmo modo e produ­zindo resultados que teriam igualmente o bom efeito de con­vencer os materialistas da existência de fôrças invisíveis. Entre­tanto isto não se aplica à mediunidade interna, que não se revela pelos fenômenos, mas pelo ensino e pelas mensagens, tanto dadas pela voz do Espírito ou pela voz humana, quanto pela escrita direta ou qualquer outra maneira. Aqui o vaso é escolhido para receber o conteúdo. Não se poderia imaginar uma natureza mesquinha como habitação temporária de um grande Espírito. É preciso ser um Vale Owen para receber as mensagens de Vale Owen. Se um grande médium degenerar o caráter, esperarei que as mensagens cessem ou degenerem. Daí, também, as mensagens de um divino Espírito, tais como perio­dicamente são mandadas para sanear o mundo, de um santo medieval, de Joanna DArc, de Swedenborg, de Andrew Jack­son Davis ou do mais humilde médium de escrita automática de Londres, desde que o impulso seja verdadeiro, são na reali­dade a mesma coisa, em graus diversos.

Cada um é um sôpro do alto e cada um marca com a sua personalidade a mensagem de que é intermediário. Assim, num vidro escuro, vemos esse prodigioso mistério tão vital, conquanto tão indefinido. É a sua mesma grandeza que o impede de ser definido. Fizemos um pouco, mas deixamos para traz muitos problemas para os que vêm depois de nós. Êles podem olhar as nossas mais avan­çadas especulações como elementares e ter pontos de vista que se estendam aos mais dilatados limites da visão mental.

6

Primeiras Manifestações na América

TENDO tratado da Família Fox e dos problemas que essa história levanta, teremos que voltar à América e observar os primeiros efeitos desta invasão de sêres de uma outra esfera.

Esses efeitos não foram inteiramente excelentes. Houve loucuras de uns indivíduos e extravagâncias de agrupamentos humanos.

Uma destas, baseada em comunicações recebidas através da mediunidade de Mrs. Benedict, foi o Círculo Apostólico. Co­meçou com um pequeno grupo de homens muito crentes num segundo advento e que, através das comunicações espíritas, procuravam confirmar aquela crença.

Obtiveram aquilo que pro­clamavam como comunicação dos Apóstolos e profetas da Bíblia. Em 1849 James L. Scott, ministro batista do Sétimo Dia em Brooklyn, reuniu o centro em Auburn, o qual se tornou conhe­cido como o Movimento Apostólico, cujo chefe espiritual era supostamente o Apóstolo Paulo. A Scott uniu-se o Reverendo Thomas Lake Harris, e estabeleceram em Mountain Cove a comuni­dade religiosa que atraiu muitos adeptos até que, alguns anos depois, suas mistificações desiludiram e levaram à deserção os seus chefes autocráticos.

Esse Thomas Lake Harris é, certamente, uma das mais curiosas personalidades de que temos notícia e é difícil dizer quem predominava em seu caráter: se Mr. Jekill ou o Doutor Hyde. Era feito de extremos, de modo que tudo quanto fazia era deci­didamente para o bem ou para o mal. Originàriamente fôra um ministro universalista, de onde lhe vinha o prefixo “Reverendo”, que usou por muito tempo. Separou-se de seus companheiros, adotou os ensinos de Andrew Jackson Davis, tornou-se um espírita fanático e, finalmente, como vimos, tornou-se um dos dirigentes autocráticos das almas e das bôlsas dos colonos de Mountain Cove. Chegou, porém, o momento em que aquêles colonos verificaram que eram bastante capazes de tratar de seus próprios negócios, quer espirituais, quer materiais. Assim Harris verificou que tinha perdido tempo. Então voltou para New York e atirou-se violentamente no movimento espírita, pregando no Dodworth Hall, o quartel-general do culto, conquistando uma grande e merecida reputação por sua notável eloqüência. Sua megalomania — possivelmente uma obses­são — arrebentou uma vez mais e fêz extravagantes exigências que os espíritas sãos e equilibrados que se achavam em seu redor não podiam tolerar.

Havia, entretanto, uma coisa que pre­tendia fazer bem — era a inspiração de uma entidade muito elevada e veraz, muito embora não se soubesse quando nem como atuava. Nessa fase de sua carreira, êle ou alguma en­tidade por seu intermédio, produziu uma série de poemas, como “Um lírico da Idade de Ouro”, “A Terra ao amanhecer”, e ou­tros, que, ocasionalmente, tocam as estrêlas. Ferido pela recusa dos espíritas de New York em admitir as suas faculdades supra­normais, Harris foi então (1859) para a Inglaterra, onde ga­nhou fama por sua eloqüência, demonstrada em conferências cujo principal tema era a denúncia de seus antigos companheiros de New York. Cada nova etapa na vida dêsse homem era acom­panhada por um desfile da etapa anterior.

Em 1860, em Londres, a vida de Harris despertou sübi­tamente um maior interêsse para os britânicos, principalmente para os que tinham afinidades literárias. Harris fêz conferências no Steinway Hall, onde foi ouvido por Lady Oliphant que, tocada por sua selvagem eloqüência, pôs o pregador americano em contacto com seu filho, Laurence Oliphant, um dos homens mais brilhantes de sua geração. É difícil determinar o ponto de atração, pois o ensino de Harris nessa etapa nada tinha de incomum no assunto, salvo que êle havia adotado o Deus-Pai e a Mãe-Natureza, idéia que tinha sido lançada por Davis. Oliphant considerava Harris um grande poeta, a êle se referindo como o maior poeta da época ainda desconhecido pela glória”. Oliphant não era um crítico vulgar; mesmo assim, num período que contava um Tennyson, um Longfellow, um Browning e tantos outros, a frase parece extravagante. O fim de todo êsse epi­sódio foi que, depois de adiamentos e vacilações, tanto a mãe quanto o filho se entregaram inteiramente a Harris e se aplica­ram a trabalhos manuais numa nova colônia em Brocton, em New York, onde ficaram numa condição tal que, se não fôra voluntária, era virtualmente de escravidão. Se uma tal abnega­ção era santa ou idiota é um problema para os anjos. Certa­mente parece idiota quando se sabe que Laurence Oliphant teve a maior dificuldade em tomar férias para se casar e que expri­miu humildemente o seu agradecimento ao tirano quando, final­mente, a licença lhe foi concedida. Êle foi deixado livre para fazer as reportagens da Guerra franco-alemã de 1870, o que fêz na brilhante maneira que dêle se podia esperar; depois voltou à servidão uma vez mais, e na qual um de seus deveres era vender morangos aos passageiros dos trens, enquanto era arbitrariamente separado de sua jovem espôsa, mandada para o sul da Califórnia, enquanto êle ficava em Broeton. Assim foi até 1882, vinte anos após o seu primeiro embaraço, quando Oliphant, ao morrer a sua mãe, rompeu com essa situação extra­ordinária e, depois de uma luta tremenda, no correr da qual Harris pretendeu encarcerá-lo num asilo, conseguiu unir-se à sua espôsa, recuperar algumas de suas propriedades e voltar à sua vida normal. Pintou o profeta Harris em seu livro “Masollam”, escrito nos seus últimos anos de vida, e o resultado é tão carac­terístico, tanto para a brilhante descrição de Oliphant quanto para o homem extraordinário que êle pintou, que o leitor talvez fique satisfeito em encontrar uma referência no Apêndice.

Tais acontecimentos, como Harris e outros, foram meras excrescências na linha-tronco do movimento espírita que, de um modo geral, foi sadio e progressista. Entretanto ficaram na sua história as marcas das idéias de amor livre e de senti­mentos comunistas, professados por algumas seitas mais rudes, as quais foram inescrupulosamente exploradas pelos adversários, como se fôssem características do todo.

Vimos que, muito embora as manifestações espíritas tives­sem tido larga divulgação através das Irmãs Fox, já anterior­mente eram conhecidas. A êsses testemunhos precedentes deve­mos ajuntar o que diz o Juiz Edmonds (1);

1. “Spiritualism”, by Jobn W. Edmonds and George T. Dexter, M. D., New York, 1853, página 36.

“Foi mais ou menos há cinco anos que o assunto atraiu a atenção pública, muito embora se verifique que uns dez ou doze anos antes houve algo no gênero em diferentes lugares no país, mas que havia sido ocul­tado, tanto por mêdo do ridículo quanto pela ignorância do que isso fôsse.” Isto explica o surpreendente número de médiuns dos quais se começou a ouvir falar tão logo houve publicidade do caso da família Fox. Não era um novo dom que exibiam, mas apenas uma ação corajosa em torná-lo largamente conhecido que Levava outros a se adiantarem e confessar que tinham o mesmo poder. Também êsse dom universal da mediunidade pela pri­meira vez começou a ser livremente desenvolvido, O resultado é que cada vez mais se ouvia falar de médiuns. Em abril de 1849 houve manifestações na família do Reverendo A. H. Jervis, minis­tro metodista de Rochester, e na casa do Diácono Hale, nas vizinhanças da cidade de Greece. Assim, também, seis famílias na vizinha cidade de Auburn começaram a desenvolver a mediunidade.

Em nenhum dêsses casos a família Fox tinha algo que ver com o que acontecia. De modo que êstes pioneiros apenas abriram o caminho que os outros seguiram.

Fatos dignos de nota dos próximos anos foram o rápido crescimento do número de médiuns por tôda a parte e a conver­são ao Ëspiritismo de grande número de homens públicos, como

o Juiz Edmonds, o ex-governador Tallmadge, o Professor Roberto Hare e o Professor Mapes. A adesão pública de homens tão notórios deu enorme publicidade ao assunto, ao mesmo tempo que aumentou a virulência da oposição, que então percebia que estava lidando com algo mais do que um bando de beócios iludidos. Homens como aquêles podiam fazer-se ouvir na imprensa diá­ria. Houve também a mudança no caráter dos fenômenos. Em 1851 e 1852 Mrs. Hayden e D. D. Home foram instrumentos de muitas conversões. Teremos muito que dizer dêstes médiuns nos capítulos seguintes.

Numa comunicação dirigida “Ao público”, aparecida no New York Courier e datada em New York de 1º de agôsto de 1853, o Juiz Edmonds, um grande caráter e uma inteligência brilhante, fêz um relato convincente de suas experiências. É curioso notar como os Estados Unidos, que então deram uma prova conspícua da coragem moral de seus chefes, parece que caíram, neste particular, em anos mais próximos de nós, pois o autor, em suas recentes viagens ali encontrou muitos que ti­nham conhecimento da verdade psíquica, mas ainda se enco­lhiam ante uma imprensa hostil, temerosos de confessar as suas convicções.

No citado artigo, o Juiz Edmonds começou descrevendo minu­ciosamente os fatos que o levaram a formar a sua opinião. Transcrevemos aqui as suas palavras com alguns detalhes, por que é muito importante mostrar a base sôbre a qual um homem altamente educado recebeu o novo ensino.

“Foi em janeiro de 1851 que a minha atenção foi inicialmente chamada para as “manifestações espíritas”. Era um perío­do em que me havia subtraído às relações sociais e trabalhava sob grande depressão de espírito. Dedicava todo o meu tempo livre a leituras sôbre a morte e a sobrevivência do homem. No curso de minha vida eu tinha ouvido do púlpito, a êsse respeito, tão contraditórias e chocantes doutrinas, que dificilmente saberia em que acreditar. Não podia, mesmo que o quisesse, crer na­quilo que não entendia, e ansiosamente buscava saber se, depois da morte, poderíamos encontrar aquêles a quem tínhamos ama­do e em que circunstâncias. Fôra convidado por uma amiga a assistir as “Batidas de Rochester”. Aceitei mais para lhe ser atencioso e para matar uma hora de tédio. Pensei bastante na­quilo que assisti e resolvi investigar o assunto e descobrir o que era aquilo. Se fôsse uma mistificação, uma desilusão, eu supunha poder averiguar. Durante cêrca de quatro meses dedi­quei pelo menos duas noites por semana e, às vêzes, mais, em testemunhar os fenômenos em tôdas as suas fases. Fiz um cuidadoso registro de tudo quanto assisti e, de vez em quando, comparava os resultados, a fim de apreender as inconsistên­cias e as contradições. Li tudo quanto me vinha às mãos sôbre o assunto e especialmente as supostas “descobertas de charlatães”. Andei aqui e ali, à procura de diversos médiuns, assistindo a diferentes sessões, — freqüentemente com pessoas das quais jamais ouvira falar e muitas vêzes no escuro e algumas no claro — por vêzes com descrentes inveterados e mais freqüen­temente com crentes muito zelosos.

“Finalmente, aproveitei tôdas as oportunidades que se me ofereciam para esgotar o assunto desde a sua raiz. Durante todo êsse tempo eu era um descrente e pus à prova a paciência dos crentes por meu cepticismo, minha capciosidade e minha dura recusa em modificar as minhas idéias. vi em redor de mim algumas pessoas que passaram a crer em uma ou duas sessões; outras, nas mesmas condições, persistiam na mesma descrença; e algumas que recusavam o testemunho de todos e continuavam terminantemente incrédulas. Eu não podia tomar nenhum dêsses partidos e me recusava a crer, enquanto não tivesse a mais irrefragável das provas. Por fim a prova veio e com tal poder que nenhum homem equilibrado lhe poderia negar fé”.

Como se vê, um dos primeiros entre os notáveis conversos ànova revelação, tomou as maiores precauções antes de aceitar a evidência que o convenceria da autenticidade das manifestações espíritas. A experiência geral mostra que uma aceitação fácil de tais manifestações é muito rara entre pensadores sérios e que dificilmente se encontra um espírita eminente, cujo curso de estudos e de meditação não tenha consumido muitos anos. Isto forma um notável contraste com aquêles cuj a opinião nega­tiva é devida a um preconceito inicial e a relatos tendenciosos ou escandalosos de autores fanáticos.

No excelente resumo de suas investigações, dado no artigo citado, um artigo capaz de converter todo o povo americano, se êle estivesse preparado para a assimilação, o Juiz Edmonds mos­tra a sólida base de sua crença. Destaca que nunca estava só quando essas manifestações ocorreram e que teve muitas teste­munhas. Também mostra as minuciosas precauções que tomou:

“Depois de confiar nos meus próprios sentidos, nas diver­sas fases do fenômeno, invoquei o auxílio da ciência e, com a assistência de um hábil eletricista e seus mecanismos, e oito ou dez pessoas inteligentes, educadas e sérias, examinei o assunto. Continuamos a nossa investigação durante vários dias e, para nossa satisfação, constatamos duas coisas: primeiro, que os sons não eram produzidos por qualquer pessoa presente ou perto de nós; segundo, que êles não se produziam à nossa vontade.”

Ocupa-se finalmente com as supostas “charlatanices”, se­gundo a expressão dos jornais, algumas das quais de vez em quando são verdadeiras expressões contra um ou outro vilão, mas que, em geral causam maiores decepções, conscientes ou inconscientes ao público do que os males que pretendem evitar.

Assim:

“Quando as coisas se encontravam neste pé, apareceram nos jornais várias explicações de “fraudes e charlatanices”, como costumavam dizer. Li-as com cuidado, na esperança de que me ajudassem em minhas pesquisas e apenas pude sorrir ante a ousa-dia e a futilidade de tais explicações. Por exemplo, quando certos professores ilustres de Buffalo se congratulavam por haverem localizado no artelho e no joelho do médium a causa das manifes­tações, estas se transformaram num toque de campainha colocada debaixo da mesa. Era como a solução dada posteriormente por um ilustre professor na Inglaterra, que atribui as batidas na mesa a uma fôrça especial das mãos colocadas sôbre ela, pondo de lado o fato de que muito freqüentemente as mesas se movem quando não há mãos sôbre elas”.

Depois de focalizar a objetividade do fenômeno, o Juiz aborda a questão mais importante da sua fonte. Comenta o fato de ter tido respostas a perguntas mentais e verifica que mesmo os seus mais secretos pensamentos foram revelados e que idéias que êle propositadamente havia mantido em segrêdo tinham sido manifestadas. Também observa que os médiuns tinham usado grego, latim, espanhol e francês, mesmo ignorando essas línguas.

Isto o leva a considerar se as coisas não podem ser explicadas como um reflexo da mente de alguma outra criatura viva. Essas considerações foram exaustivamente examinadas por todos os pesquisadores, pois os Espíritas não aceitam a doutrina de um fato, mas passo a passo, examinando cuidadosamente cada etapa. A tarefa empreendida pelo Juiz Edmonds é a mesma empreen­dida por outros. Êle dá a seguinte explicação para a recusa da influência de outras mentes:

“Fatos então completamente desconhecidos, foram verifi­cados posteriormente. Como êste, por exemplo: Quando, durante o último inverno eu me achava ausente, na América Central, os meus amigos da cidade tiveram noticia de minhas excursões e da minha saúde, sete vêzes através de um médium; quando voltei, comparando essas informações com os registros em meu diário, foi verificado que tudo estava invariàvelmente correto. Assim, também, em minha recente visita ao Oeste o meu giro e as minhas condições de saúde foram ditos a um médium dessa cidade, enquanto eu viajava por estrada de ferro entre Cleveland e Toledo. Assim muitas idéias me foram comunicadas sôbre coisas que não estavam em minha mente e que eram abso­lutamente distintas de minha opinião. Isto me aconteceu mui­tas vêzes, bem como a outras pessoas, de modo a confirmar segu­ramente o fato de que não eram as nossas mentes que davam origem á comunicação ou a influenciavam”.

Trata, então, dêsse maravilhoso desenvolvimento, chamando a atenção para o seu tremendo significado religioso, em linhas gerais, assunto que é focalizado no capítulo seguinte desta obra. O cérebro do Juiz Edmonds era realmente notável, e seu julga­mento claro, pois muito pouco nos é possível acrescentar ao que verificou êle, e talvez ninguém tenha dito tanto em tão pouco espaço. Como frizamos, o Espiritismo mostrou-se consis­tente desde o início e os mestres e os guias não confundiram as suas mensagens. É estranho e até divertido que a ciência arrogante, que tentou, com simples palavras e deslumbramento, esmagar êsse conhecimento inicial em 1850, tivesse demonstrado estar essencialmente errado em seu próprio terreno. São raros os axiomas científicos daquela época que não tenham sido controvertidos, como a finalidade do elemento, a indivisibilidade do átomo, a origem distinta das espécies, enquanto os conhecimentos psíquicos, tão menosprezados, se mantiveram firmes, aduzindo novos fatos, mas nunca contradizendo os que haviam sido anteriormente estabelecidos.

Escrevendo sôbre os benéficos efeitos de tal conhecimento, diz o Juiz:

“É isto o que consola o triste e anima os desanimados; que suaviza a passagem pelo túmulo e anula os terrores da morte; que ilumina o ateu e encoraja o virtuoso entre tôdas as provas e vicissitudes da vida; e que demonstra ao homem o seu dever e o seu destino, tirando-o imediatamente do vago e do incerto.”

Jamais o assunto foi melhor sintetizado.

Há, entretanto, uma passagem final nesse documento notável que causa uma certa tristeza. Falando do progresso que o movimento tinha feito em quatro anos, nos Estados Unidos, diz êle:

“Há dez ou doze jornais e periódicos dedicados à causa, e a bibliografia espírita abarca mais de cem publicações diversas, algumas das quais já atingiram a circulação de mais de 10.000 exemplares. Além da multidão indistinta, há muitos homens de alta posição e de talento alinhados entre êles — doutôres, advo­gados, grande número de clérigos, um bispo protestante, o ilus­tre e reverendo presidente de uma universidade, juizes de nossas mais altas côrtes, membros do Congresso, embaixadores estrangeiros e ex-membros do Senado dos Estados Unidos.”

Em quatro anos a fôrça do Espírito fêz tanto assim. Como estão as coisas hoje? A multidão indistinta avançou valente­mente e a centena de publicações tornou-se muito mais; mas onde se acham os homens esclarecidos e dirigentes para apontar o caminho? Desde a morte do Professor Hyslop é difícil apontar nos Estados Unidos um homem eminente com a coragem de jogar a sua carreira e a sua reputação proclamando essas idéias. Aquêles que nunca temeram a tirania do homem encolheram-se ante as caretas da imprensa. A máquina impressora triunfou onde a roda de tortura teria fracassado, O prejuízo geral em sua reputação e nos seus interêsses, sofrido pelo Juiz Edmonds, que foi obrigado a resignar a sua cadeira na Suprema Côrte de New York, bem como muitos outros que deram testemunho da verdade, estabeleceu o reinado do terror, que afasta do as­sunto as classes intelectuais. Assim estão as coisas presente­mente.

Mas a imprensa no momento se achava bem disposta e o fa­moso relato do Juiz Edmonds, talvez o mais belo e o mais mo­mentoso jamais produzido por um juiz, foi acolhido com res­peito, senão com admiração. Eis o que disse o New York Courier:

“A carta do Juiz Edmonds, por nós publicada sábado, em relação às chamadas manifestações espíritas, vinda, como veio, de um eminente jurista, um homem notável por seu claro bom senso nas coisas da vida prática, e um cavalheiro de um caráter irreprochável, atraiu a atenção da comunidade e é por muita gente considerada como um dos mais notáveis documentos da atualidade.”

Disse o Evening Mirror, de New York:

“John W. Edmonds, Presidente da Suprema Côrte dêste distrito, é um jurista hábil, um juiz ativo e um bom cidadão. Ocupando durante os últimos oito anos, ininterruptamente, as mais altas posições na magistratura, sejam quais forem as suas faltas, ninguém poderá acusá-lo justamente por falta de habili­dade, de atividade, de honestidade e de destemor. Ninguém po­derá pôr em dúvida a sua sanidade geral ou por um momento pensar que a sua atividade mental não seja tão rápida, precisa e correta como sempre. Tanto pelos advogados como pelos soli­citadores no seu Tribunal êle é reconhecido como a cabeça, de fato e de mérito, da Suprema Côrte dêste Distrito.”

Também é interessante a experiência do Doutor Robert Hare, professor de Química na Universidade de Pensilvânia, porque êle foi um dos primeiros eminentes homens de ciência que, dis­posto a desmascarar as ilusões do Espiritismo, tornou-se, por fim, um crente decidido.

Foi em 1853 que, segundo suas próprias palavras, sentiu-se “chamado, por um ato de dever para com a humanidade, a trazer tôda a influência que possuía no sentido de estacar a maré de loucura popular que, desafiando a razão e a ciência, estava se alastrando rapidamente em favor da grande ilusão chamada Espiritismo.” Uma carta denunciadora sua, pu­blicada nos jornais da Filadélfia, onde vivia, foi transcrita por outros jornais do país e serviu de texto a numerosos sermões. Mas, como no caso de Sir William Crookes, muitos anos mais tarde, o júbilo foi prematuro. Conquanto um grande cépti­co, o Professor Hare foi induzido a fazer experiências, êle próprio, e após um período de ensaios cuidadosos tornou-se inteiramente convencido da origem espírita das manifestações. Como Crookes, criou aparelhos para controlar os médiuns. Mr. S. B. Brittan (2)

2. Redator de The Spiritual Telegraph.

faz o seguinte resumo de algumas experiências de Hare:

“Primeiramente, para se convencer de que os movimentos não eram obra dos mortais, tomou de bolas de bilhar, colocou-as sobre as lâminas de zinco e pôs as mãos dos médiuns sôbre as bolas. Com grande surprêsa sua, as mesas se move­ram. A seguir arranjou uma mesa cujo tampo se movia para a frente e para trás; a êle adaptou um dispositivo que girava um disco contendo as letras do alfabeto, ocultas às vistas dos médiuns. As letras eram dispostas de modo variado, não dis­postas em ordem consecutiva e ao Espírito era pedido que as dispusesse consecutivamente ou nos seus devidos lugares. E, vejam só! isto foi feito! Então seguiram-se frases inteligentes, que o médium não podia ver ou lhes saber o sentido, enquanto não lhes dissessem.

“Buscou um novo teste decisivo. O braço maior de uma alavanca foi ajustado a uma escala espiral, com um indicador e um pêso determinado; as mãos do médium ficavam sôbre o braço menor, de modo que era impossível fazer pressão de cima para baixo, mas se houvesse pressão esta teria o efeito contrário — levantaria o braço maior. Mesmo assim, o que é assombroso, o pêso foi aumentado de várias libras na escala”.

O Professor Hare reuniu suas cuidadosas pesquisas e seus pontos de vista sôbre Espiritismo num livro importante, publica­do em New York em 1855, sob o título de “Experimental In­vestigation of the Spirit Manifestations” (3)

3. Investigação experimental sôbre as manifestações de Espí­ritos. — N. do T.

- Neste livro, a página 55 assim resume êle as suas primeiras experiências:

“A prova das manifestações contidas na narrativa seguinte não se limita a mim somente, de vez que havia pessoas pre­sentes quando elas foram observadas e em minha presença foram repetidas em essência, sob várias modificações, em muitos casos não referidos de modo especial.

“A prova pode ser considerada sob várias fases. Primeiro, aquela em que as batidas ou outros ruídos eram impossíveis de ser reproduzidos por qualquer agente mortal; em segundo lugar aquela nas quais eram produzidos sons, indicando letras que formavam sentenças corretas, o que permitia a prova de que eram orientadas por um ser racional; em terceiro lugar, aquelas nas quais a natureza da comunicação era tal que pro­vava que o ser causador, satisfeito de acompanhar as experiências, devia ser conhecido, amigo ou parente do investigador.

“Ainda casos nos quais foram movidos corpos pesados... de modo a produzirem comunicações intelectuais, semelhantes as que, acima referidas, eram obtidas por meio de sons.

“Con quanto o aparelho pelo qual essas comunicações eram obtidas com a maior precaução e precisão, as modificasse de certa maneira, em essência tôdas as provas que consegui, ten­dentes ás conclusões acima mencionadas, foram substancialmente obtidas por um grande número de observadores. Muitos que jamais buscaram qualquer comunicação espírita e jamais se inclinaram para inscrever-se como Espíritas, não só conf ir­mam a existência de sons e de movimentos, mas admitem a sua inexcrutabilidade.”

Mr. James J. Mapes, LL. D. de New York, químico agrí­cola e membro de várias associações científicas, começou suas investigações no Espiritismo a fim de reunir seus amigos que, segundo dizia, estavam “correndo para a imbecilidade” dessa nova maluquice.

Através da mediunidade de Mrs. Cora Hatch, de­pois Mrs. Richmond, recebeu respostas às suas perguntas que são descritas como cientificamente maravilhosas. Acabou se tornando um crente completo, e sua espôsa, que não possuía dons artísticos, tornou-se médium pintora e desenhista. Sem que êle o soubesse, sua filha se havia tornado uma médium escre­vente e, quando Lhe falou de seu desenvolvimento, êle lhe pediu uma demonstração de sua fôrça. Ela tomou de uma pena e ràpidamente escreveu uma mensagem, admitida como sendo do pai do Professor Mapes. O Professor pediu uma prova de identi­dade. Imediatamente a mão da filha escreveu: “Você pode se lembrar que lhe dei, entre outros livros, uma Enciclopédia; olhe à página 120 desta e aí encontrará o meu nome, que você ja­mais notou, O referido livro estava guardado com outros num depósito. Quando o professor abriu a caixa, que jamais havia sido tocada há vinte e sete anos, com grande admiração viu o nome do pai escrito à página 120. Foi tal incidente que o levou primeiro a uma séria investigação pois, como seu amigo Professor Hare, tinha sido até então um materialista convicto.

Em abril de 1854, o Hon. James Shields apresentou um memorial (4)

4. Vide Capron, “Modern Spiritualism” páginas 359-363.

com treze mil assinaturas, pedindo um inquérito ao Congresso dos Estados Unidos. Encabeçava a lista o nome do Governador Tallmadge. Depois de uma discussão frívola, na qual Mr. Shield, o apresentante, se referiu à crença dos signatários como devida a uma ilusão, filha de uma educação defeituosa ou a desarranjos das faculdades mentais, foi decidido que o requerimento ficasse sôbre a mesa, O fato foi assim comentado por Mr. E. W. Capron (5):

5. “Modern Spiritualism”, página 375.

“Não é provável que os signatários esperem melhor trata­mento do que o que lhes foi dado. Cabe aos carpinteiros e pescadores do mundo investigar as novas verdades e fazer que Se­nados e Tronos creiam e as respeitem. É em vão esperar aceita­ção e respeito a novas verdades por homens tão altamente colocados.”

A primeira organização espírita regular foi constituída em New York, a 10 de junho de 1854. Denominava-se “Sociedade para a difusão do Conhecimento Espírita”, e entre os seus membros contava gente preeminente, como o Juiz Edmonds e o Governador Tallmadge, de Wisconssn.

Entre as atividades da sociedade se incluía a fundação de um jornal chamado “The Christian Spiritualist” (6)

6. “O Espírita Cristão”. — N. do T.

e o contrato de Miss Kate Fox para sessões diárias, franqueadas ao público, desde as dez da manhã até uma da tarde.

Escrevendo em 1855, diz Capron (7):

7. “Modern Spiritualism”, página 197.

“Seria impossível entrar em minúcias relativamente à difusão do Espiritismo em New York até o momento. Espalhou-se pela cidade e deixou de ser curiosidade ou maravilha. As sessões pú­blicas se realizam regularmente e a investigação se desenvolve; mas os dias de excitação já passaram e de todos os lados êle é olhado como algo mais que simples truque. É verdade que o fanatismo religioso o denuncia, mas, sem disputar concorrência, ocasionalmente fazem uma pretensa exposição, visando espe­cular. O fato é que o fenômeno espírita tornou-se uma coisa reconhecida por tôda a cidade.”

Talvez o fato mais significativo do período que estamos considerando tenha sido o desenvolvimento da mediunidade em pessoas preeminentes, como por exemplo, o Juiz Edmonds e o Professor Hare. Assim escreve êste último. (8)

8. “Experimental Investigation of the Spirit Manifestation, página 54.

“Tendo ultimamente adquirido faculdades mediúnicas em grau suficiente para trocar idéias com Espíritos amigos, não mais necessito defender os médiuns da acusação de falsidade e de mistificação. Agora é apenas o meu caráter que está em jôgo.”

Assim, retirando do cenário as irmãs Fox, temos a mediu­nidade particular do Reverendo A. H. Jervis, do Diácono Hale, de Lyman Granger, do Juiz Edmonds, do Professor Hare, de Mrs. Ma­pes, de Miss Mapes e a mediunidade pública de Mrs. Tamlin, de Mrs. Benedict, de Mrs. Hayden, de D. D. Home e de deze­nas de outros.

Escapa ao objetivo desta obra tratar de grande número de casos individuais de mediunidade, alguns dos quais muito dramáticos e interessantes, ocorridos durante o primeiro perío­do de demonstração. O leitor poderá recorrer às duas importantes compilações de Mrs. Hardinge Britten — “Modern Ame­rican Spiritualism” e “Nineteenth Century Mira cles” (9),

9. “Moderno Espiritismo Americano” e “Milagres do Século Dezenove”. N. do T.

livros que serão sempre o mais valioso registro dos primeiros dias. A série de casos fenomenais era tão grande que Mrs. Britten contou mais de quinhentos exemplos registrados na imprensa nos primeiros anos, o que representa provàvelmente algumas centenas de milhares não registrados. A suposta religião uniu-se à suposta ciência, de uma vez, para desacreditar e perseguir a nova verdade e os seus partidários, enquanto a imprensa, infelizmente, achou que o seu interêsse estava em sustentar os pre­conceitos da maioria dos assinantes. Foi difícil proceder assim, porque naturalmente num movimento tão vital e convincente, houve alguns que se tornaram fanáticos, alguns que, por suas ações, atraíram o descrédito sôbre as suas opiniões, e alguns que tiraram partido do interêsse geral de imitar, com maior ou menor sucesso, os reais dons do Espírito. Êsses tratantes fraudulentos por vêzes agiam com inteiro sangue frio, embora por vêzes dessem a impressão de que eram médiuns que haviam temporariamente perdido a mediunidade. Houve escândalos e denúncias, fatos autênticos e imitações. Como agora, tais denún­cias partiam, às vêzes, dos próprios Espíritas, que se opunham tenazmente que as suas cerimônias sagradas se transformassem em espetáculo para a hipocrisia e para a blasfêmia de vilãos que, como hienas humanas, procuravam viver fraudulentamente à custa dos mortos. O resultado geral foi um arrefecimento do grande entusiasmo inicial, um abandono daquilo que era ver­dadeiro e o incensamento daquilo que era falso.

O corajoso relatório do Professor Hare provocou uma desgraçada perseguição a êsse venerável cientista, que era então, com exceção de Agassiz, o mais conhecido homem de ciência da América. Os professôres de Harvard — a universidade que tem o menos invejável registro em assuntos psíquicos — toma uma resolução de o denunciar e a sua “insana adesão à gigantesca mistificação”. Êle não podia perder a sua cátedra na Universidade da Pennsylvania, por isso que a ela havia renun­ciado, mas sofreu muito na sua reputação.

O coroamento e o mais absurdo exemplo de intolerância científica — uma intolerância que foi sempre tão violenta e desar­razoada quanto a da Igreja Medieval — foi dado pela Asso­ciação Científica Americana. esse corpo científico berrou contra o Professor Hare, quando àquele se dirigiu, e estabeleceu que o assunto era indigno de sua atenção. Entretanto os Espíritos registra­ram que aquela sociedade, na mesmíssima sessão, teve um anima­do debate para saber por que os galos cantavam entre meia-noite e uma da manhã e que, finalmente, haviam chegado à conclu­são de que, especialmente naquela hora, passa pela Terra uma onda de eletricidade, na direção norte-sul, e que as aves, des­pertas de seu sono e “tendo uma natural disposição para cantar”, registram o acontecimento dessa maneira.

Ainda não se havia aprendido — e dificilmente terá sido aprendido — que um homem, ou uma sociedade, podem ser muito sábios em assun­tos de sua especialidade e, entretanto, mostrar uma extraordi­nária falta de senso comum ao defrontarem uma nova proposição, que requer um completo reajustamento de idéias. A ciên­cia inglêsa e, na verdade, a ciência do mundo inteiro, mostrou a mesma intolerância e falta de elasticidade que marcou aquêles primeiros dias na América.

Êsses dias foram tão bem descritos por Mrs. Harding Brit­ten, a qual nêles desempenhou importante papel, que todos os interessados podem acompanhá-los em suas páginas. Algumas notas relativamente a Mrs. Britten podem adequadamente ser aí introduzidas, de vez que nenhuma história do Espiritismo seria completa sem referências a essa notável senhora, que foi cha­mada o São Paulo feminino do movimento espírita. Era ela uma pequena inglêsa que tinha ido para New York com uma emprêsa de teatro e tinha permanecido na América com sua mãe. Sendo estritamente evangélica, repelia fortemente aquilo que considerava um ponto de vista ortodoxo dos Espíritas e fugiu horrorizada de sua primeira sessão. Depois, em 1856, foi novamente posta em contacto com o assunto e teve provas cuja veracidade lhe foi impossível pôr em dúvida. Logo descobriu que era, também ela, um poderoso médium; e um dos me­lhores documentados e dos mais sensacionais casos no início do movimento foi aquêle no qual ela recebeu a informação de que o navio “Pacific” tinha naufragado no Atlântico médio, perecendo todos os passageiros, e foi perseguida pela companhia proprietária do navio, por haver repetido o que lhe havia dito o Espírito de uma das vítimas da catástrofe. Verificou-se que a informação era exata e o navio jamais foi encontrado.

Mrs. Emma Hardinge — que, por um segundo casamento, tornou-se Mrs. Hardinge Britten trouxe todo o seu tempe­ramento entusiástico para o novo movimento e deixou nêle um rastro ainda visível. Foi uma propagandista ideal, pois reunia todos os dons. Era uma médium forte, oradora, escritora, pensadora equilibrada e trabalhadora infatigável. Ano após ano viajou de leste a oeste e de norte a sul dos Estados Unidos, procla­mando a nova doutrina em meio a muita oposição, dado o seu caráter de militante e anti-protestante de seus pontos de vista, que confessava receber diretamente de seus guias espirituais. En­tretanto, como êsses pontos de vista eram que a moral das Igrejas estava demasiadamente relaxada e que se aspiravam mais altos padrões, não é de supor que o fundador do Cristianismo fôsse atingido por sua crítica. Essas opiniões de Mrs. Hardinge Brit­ten diziam mais com o largo ponto de vista unitário dos corpos espiritualistas oficiais, que ainda existem, do que com qualquer outra causa.

Em 1866 voltou ela para a Inglaterra, onde trabalhou infa­tigàvelmente, produzindo as suas idéias duas grandes obras “Modern Americctn Spiritualism” e, mais tarde, “Nineteenth Century Miracles”, ambas demonstrando interessante e volumosa pesquisa unida a um raciocínio claro e lógico. Em 1870 casou-se com o Doutor Britten, tão forte espírita quanto ela. Parece que foi uma união realmente feliz. Em 1878 foram à Austrália e Nova Zelândia, como missionários do Espiritismo, aí demorando muitos anos, fundando várias igrejas e sociedades, que o autor encontrou ainda de pé, quando, quarenta anos mais tarde, visi­tou os Antípodas com o mesmo objetivo. Quando na Austrália, escreveu ela “Faiths, Facts and Frauds of Religions History” (10),

10. Fé, Fatos e Fraudes da História Religiosa. — N. do T.

livro que ainda exerce muita influência. Houve então, indubitàvelmente, estreita conexão entre o movimento do livre pensa­mento e a nova revelação espírita. O Hon. Robert Stout, Pro­curador Geral da Nova Zelândia, era, ao mesmo tempo, Presi­dente da Associação dos Livre Pensadores e Espiritista ardente. Entretanto, agora se compreende mais claramente que as manifestações espíritas e seu ensino são demasiadamente largos, para se ajustarem a qualquer sistema, negativo ou positivo, e que é pos­sível a um Espiritista professar qualquer credo, enquanto tiver o respeito essencial ao invisível e desprendimento por aquêles que o cercam.

Entre outros monumentos de sua energia, Mrs. Hardinge Britten fundou “The Two Worlds” (11)

11. Os dois mundos, N. do T.

de Manchester, que ainda, tem tão grande circulação quanto qualquer jornal espírita no mundo. Transpôs os umbrais em 1889, tendo deixado suas pega­das indeléveis sôbre a vida religiosa de três continentes.

Essa digressão sôbre os primeiros dias do progresso na América foi longa mas necessária.

Aquêles primeiros dias fo­ram marcados por grande entusiasmo, muito sucesso, mas, também, por considerável perseguição. Todos os dirigentes que tinham algo a perder, perderam-no. Diz Mrs. Hardinge:

“O Juiz Edmonds era apontado nas ruas como um espírita maluco. Ricos negociantes eram com pelidos a fazer declarações, a fim de serem considerados sãos e poderem manter os seus di­reitos comerciais pela mais firme e determinada atitude. Pro­fissionais e comerciantes foram quase reduzidos á ruína e uma perseguição perseverante, originada na imprensa e mantida pelo púlpito, descarregava tôda sorte de impropérios contra a causa e os seus prosélitos. Muitas das casas onde se reuniam os grupos espÍritas eram perturbadas por multidões, reunidas ao cair da noite, aos urros, aos gritos, aos assovios, quando não quebrando as vidraças e procurando molestar os quietos investigadores no seu insano trabalho de “despertar os mortos”, como piedosamente um dos jornais denominava o ato de invocar os “Mistérios dos Anjos”.

De lado os altos e baixos do movimento, o aparecimento de novos médiuns, a ocasional denúncia dos falsos médiuns, as comissões de inquérito — quase sempre negativas pela falta de percepção dos investigadores de que o êxito de um grupo psíquico depende das condições psíquicas de todos os seus membros — o desenvolvimento de novos fenômenos e a conversão de novos iniciados, há alguns incidentes marcantes dessa primeira fase que deve ser particularmente frisada. Notável entre êstes é a mediunidade de D. D. Home, e a dos dois rapa­zes de Davenport, que constituem episódios tão importantes e atraem a atenção de tal maneira e por tanto tempo que são tratados em capítulos especiais. Há, entretanto, certas mediu­nidades menores, que reclamam uma breve referência.

Uma destas é a de Linton, o ferreiro, um homem quase analfabeto, pôsto que, como A. J. Davis, tivesse escrito um livro notável e, ao que parece, ditado por um Espírito. Êsse livro de 530 páginas, intitulado “The Healing o! the Nations” (12)

12. “A Cura das Nações”. — N. do T.

é, certa­mente, uma notável produção, seja qual fôr a sua fonte, e é óbvio que não poderia ter sido produzido normalmente por tal autor. Está ornado de um prefácio longo, da pena do Gover­nador Tallmadge, que mostra quanto o digno senador conhecia a antiguidade clássica. Do ponto de vista clássico e da Igreja Primitiva, poucas vêzes se tem escrito melhor.

Em 1857 a Universidade de Harvard mais uma vez se notabilizou pela perseguição e expulsão de um estudante, cha­mado Fred Willis, pela prática da mediunidade. Dir-se-ia que o Espírito de Cotton Mather e dos perseguidores das feiticeiras de Salém haviam caído em Boston, sôbre aquêle grande centro de saber, pois naqueles primeiros tempos estava sempre em luta com aquelas fôrças invisíveis, que ninguém pensa em dominar. A coisa começou por uma intempestiva ação da parte de um certo Professor Eustis, para provar que Willis fraudava, quando tôdas as experiências provam que era um verdadeiro sensitivo, que fugia de tôda demonstração pública de sua fôrça. O assunto produziu grande excitação e escândalo.

Êste e outros casos de violência podem ser citados. Não obstante, é preciso reconhecer que a esperança de êxito de um lado, e a efervescência mental causada por tão terrível revelação do outro, arrastaram, neste pe­ríodo, os supostos médiuns a um tal grau de desonestidade e a tão fanáticos excessos e grotescas afirmações, que comprometeram o sucesso imediato que os espíritas mais sãos e corretos podiam esperar.

Uma curiosa fase de mediunidade, que atraiu muita atenção, foi a de um fazendeiro, Jonathan Koons e sua família, que vi­viam num distrito rural de Ohio. Os fenômenos obtidos pelos irmãos Eddy são discutidos mais amplamente no capítulo seguin­te e, como os dos Koons eram no mesmo sentido, não necessitam ser tratados minuciosamente. Os instrumentos musicais foram lar­gamente empregados em demonstrações da fôrça dos Espíritos, e a cabana dos Koons tornou-se célebre em todos os Estados vizi­nhos — tão célebre que vivia cheia de gente, pôsto que situada a setenta milhas da cidade mais próxima.

Parece que se tratava de um verdadeiro caso de mediunidade de efeitos físicos, de natureza vulgar, como era de esperar onde o centro era um fazen­deiro bronco. Muitas investigações foram feitas, mas os fatos ficaram sempre inatingidos pela crítica. Contudo, eventualmente, Koons e sua família eram conduzidos de casa, pela perseguição da gente ignorante, em cujo meio viviam. A vida rude, ao ar Livre, do fazendeiro parece especialmente adequada ao desenvolvimento da forte mediunidade de efeitos físicos. Foi no lar de um fazendeiro americano que ela primeiro se manifestou, e os Koons em Ohio, os Eddy em Vermont, Foss em Massachusetts e muitos outros mostraram sempre a mesma fôrça.

Podemos fechar êste relato dos primeiros dias com muita propriedade, citando em fato onde a intervenção dos Espíritos provou a sua importância para a história do mundo. Foi um exemplo das inspiradas mensagens que determinaram a ação de Abrahan Lincoln no momento supremo da guerra civil. Os fatos estão fora de discussão e são citados com provas corrobo­rantes do livro de Mrs. Maynard sôbre Abrahan Líncoln. O nome de solteira de Mrs. Maynard era Nettia Colburn e ela foi a heroína da história.

A môça era poderosa médium de transe e visitou Washington no inverno de 1862, para ver seu irmão que se achava no Hos­pital do Exército Federal. Mrs. Lincoln, espôsa do Presidente, que se interessava pelo Espiritismo, fêz uma sessão com Miss Colburn, ficou muito impressionada com o resultado e, no dia seguin­te, mandou a carruagem buscar a médium para ver o Presidente. Ela descreve a bondosa maneira com que o grande homem a recebeu à entrada da Casa Branca e cita o nome das pessoas presentes. Sentou-se, caiu no transe costumeiro e não se recorda de mais nada. E assim continua:

“Durante mais de uma hora fizeram falar com êle e, pelos amigos, soube mais tarde que a conversa girava sôbre coisas que êle parecia entender muito bem, ao passo que êles pouco enten­diam, inclusive a parte relacionada com a próxima Proclamação da Emancipação. Foi-lhe ordenado com a maior solenidade e fôrça de expressão que não modificasse os têrmos da sua proposi­ção e não adiasse a sua trans formação em lei até o comêço do ano; foi-lhe assegurado que isto seria o coroamento de sua administração e de sua vida; e que, enquanto êle estava sendo acon­selhado por fortes elementos para adiar aquela medida, substi­tuindo-a por outras medidas e por uma dilação, não deveria dar atenção a tais conselhos, mas firmar-se nas suas convicções e destemerosamente realizar o trabalho e cumprir a missão para a qual tinha sido elevado pela Providência. Os presentes declara­ram que esqueceram a presença da jovem timida, em face da majestade de sua advertência, a fôrça e o poder de suas linguagens e a importância da sua mensagem, que dava a impressão de que uma poderosa fôrça espiritual masculina falava sob um comando divino.

Jamais esquecerei a cena em meu redor, quando recuperei a consciência. Achava-me de pé em frente a Mr. Lincoln, o qual se achava afundado em sua cadeira, com os braços cruzados sobre o peito, olhando-me intensamente. Recuei, naturalmente confusa com a situação — sem me lembrar de momento onde me achava; relanceei o olhar sôbre o grupo no qual reinava absoluto silêncio. Durante um momento procurei recordar-me das coisas.

Um cavalheiro presente disse então, em voz baixa: “Senhor Presidente, notou algo de peculiar na maneira da mensagem?” Mr. Lincoln levantou-se, como que abalado. Pousou o olhar sôbre o retrato de corpo inteiro de Daniel Webster, acima do piano, e com muita ênfase, respondeu: “Sim, e é muito singular, muito!”

Mr. Somes disse: “Senhor Presidente, seria impróprio que eu perguntasse se houve qualquer pressão sôbre Vossa Excelência no sentido de adiar a aplicação da Proclamação?”

Ao que o Presidente respondeu: “Nestas circunstâncias a pergunta tem tôda proprie­dade, pois somos todos amigos.” E, sorrindo para o grupo, acrescentou: “Essa pressão abala-me os nervos e as fôrças.” A essa altura os cavalheiros o rodearam falando em voz baixa, sendo Mr. Lincoln o que menos falava. Por fim êle virou-se para mim e, pondo a mão sôbre minha cabeça, pronunciou as seguintes palavras que jamais esquecerei: “Minha filha, você possui um dom singular; e não tenho dúvidas que vem de Deus. Agradeço-lhe por ter vindo aqui esta noite. Isto é mais importante, talvez, do que a gente inimiga. Devo deixar vocês todos agora, mas espero vê-la novamente.” Sacudiu bondosamente a mão, curvou-se ante o resto do grupo e se foi. Ficamos ainda uma hora, a con­versar com Mrs. Lincoln e seus amigos e então voltei a George­town. Essa foi a minha primeira entrevista com Abraham Lin­coln e a sua lembrança me ficou tão viva como na noite em que ela se deu”.

Foi êste um dos mais importantes exemplos na história do Espiritismo e também deve tê-lo sido na história dos Estados Unidos, não só porque animou o Presidente a dar um passo que levantou enormemente o moral do Exército do Norte e pôs nos homens algo do espírito de cruzada; mas uma mensagem que se seguiu apressou Lincoln a visitar os campos, o que êle fêz com o melhor efeito sôbre o moral das tropas. Entretanto, em vão procurará o leitor qualquer referência nos livros de história da grande luta e da vida do Presidente a êsse episódio vital. Tudo isto devido ao incorreto tratamento tanto tempo suportado pelo Espiritismo.

É impossível que se os Estados Unidos apreciassem a verdade, permitissem que o culto, cujo valor ficou provado no mais sombrio momento de sua história, seja perseguido e reprimi­do por uma polícia ignorante e por magistrados fanáticos, na maneira agora tão comum, ou que a imprensa continue a mofar de um movimento que produziu a Joanna DArc de seu país.

7

A Aurora na Inglaterra

OS PRIMEIROS espíritas freqüentemente têm sido compara­dos aos primeiros cristãos e, na verdade, há muitos pontos de semelhança. Num ponto, entretanto, os espÍritas levam uma vantagem. As mulheres da antiga dispensação representaram nobremente o seu papel, vivendo como santas e morrendo como már­tires; mas não aparecem como pregadoras e missionárias. A fôrça psíquica e o conhecimento espírita, entretanto, são tão gran­des num sexo quanto no outro; daí muitos dos grandes pioneiros da revelação espírita terem sido mulheres. Isto deve ser recla­mado especialmente em relação a Emma Hardinge Britten, cria­tura cujo nome cresce à medida que o tempo passa. Contudo, houve várias outras missionárias destacadas; e a mais importante destas, do ponto de vista inglês, é Mrs. Hayden, a primeira a trazer os novos fenômenos a estas plagas, no ano de 1852. Tí­nhamos dos velhos apóstolos a fé religiosa. Finalmente aqui estava um apóstolo do fato religioso.

Mrs. Hayden era uma senhora notável tanto quanto exce­lente médium. Era espôsa de um respeitável jornalista da Nova Inglaterra, que a acompanhava em sua missão, organizada por um tal senhor Stone, o qual tinha alguma experiência das facul­dades dela na América. Por ocasião de sua visita foi descrita como “môça, inteligente e, ao mesmo tempo, de maneiras simples e cándidas”. Acrescenta o seu crítico britânico:

“Ele desarmava a suspeita por uma atitude de naturali­dade sem afetação e muitos que vinham procurar divertir-se à sua custa eram forçados ao respeito e, até, à cordialidade pela paciência e bom humor que ela demonstrava. A invariável im­pressão deixada por uma entrevista com ela era que, conforme a observação de Mr. Dickens, se os fenômenos produzidos por ela fossem atribuidos a artifícios, era ela, até onde a arte poderia chegar, a mais perfeita artista, jamais apresentada ao público.

A ignorante imprensa britânica tratou Mrs. Hayden como simples aventureira americana. Seu verdadeiro calibre mental, entretanto, pode ser avaliado pelo fato de que, alguns anos mais tarde, depois de seu regresso aos Estados Unidos, Mrs. Hayden formou-se em medicina e exerceu a profissão durante quinze anos, O Doutor James Rodes Buchanan, famoso pioneiro da psicometria, a ela se refere como “um dos mais hábeis e bem sucedidos médicos que jamais conheceu.” Foi-lhe oferecida uma cadeira de professor de medicina numa faculdade americana e ela foi empregada pela Globe Insurance Com pany, no serviço de proteção da companhia contra os prejuízos nos seguros de vida. Um dos aspectos de seu sucesso era aquilo que Buchanan des­creve como o seu gênio psicométrico. E acrescenta um único tributo ao fato de seu nome ter sido quase esquecido pela Junta de Saúde, porque, durante muitos anos, ela não deu nenhum ates­tado de óbito.

Tudo isto, entretanto, estava acima do conhecimento dos cépticos de 1852, que não podem ser censurados por insistirem para que essas estranhas manifestações de além-túmulo fôssem examinadas com o máximo rigor, antes de serem admitidas. Nin­guém poderia opor-se a essa atitude da crítica. Mas o que parece estranho é que uma proposição que, se verdadeira, en­volveria tão boas novas quanto a transposição das barreiras da morte e a verdadeira comunicação dos santos, provoque não uma crítica serena, conquanto rigorosa, mas uma tempestade de insultos e de abusos, inescusáveis em qualquer momento, mas prin­cipalmente quando dirigidos a uma senhora que visitava os nos­sos meios. Diz Mrs. Hardinge Britten que Mrs. Hayden não apareceu em cena antes que os chefes da imprensa, do púlpito e das academias não tivessem contra ela levantado uma tempestade de obscenidades, de perseguições e de insultos, tão deprimentes para os autores quanto humilhantes para o decantado liberalismo e para a acuidade científica de sua época. Acrescenta que o seu delicado espírito feminino deve ter sido profundamente ferido e que a harmonia mental, tão essencial à produção de bons resul­tados psicológicos, constantemente foi destruída, pelo cruel e insultuoso tratamento daqueles que se apresentaram como inves­tigadores, mas na verdade ardendo de desejo de destrui-la e armando ciladas para falsearem as verdades de que Mrs. Hay­den se tornara instrumento. Extremamente sensível ao ânimo de seus visitantes, ela podia sentir, e por vêzes se abateu sob a esmagadora fôrça do antagonismo despejada sôbre ela — sem que, então, soubesse como repelir ou resistir.

Ao mesmo tempo não se achava a nação inteira envolvida nessa hostilidade irracional que, de forma diluída, ainda vemos em tôrno de nós. Levantaram-se homens corajosos, que não te­meram comprometer a sua carreira profissional ou a sua reputação de equilíbrio, como campeões contra uma causa impopu­lar: eram tangidos pelo simples apêgo à verdade e por aquêle espírito cavalheiresco, revoltado contra a perseguição a uma se­nhora. O Doutor Ashburner, um dos médicos do rei e Sir Charles Isham eram contados entre os que defenderam o médium pela imprensa.

Julgada pelos modernos padrões, a mediunidade de Mrs. Hayden parece ter sido estritamente limitada. A não ser para as batidas, pouco se fala de fenômenos físicos, do mesmo modo que não se alude a luzes, a materializações, ou Vozes Diretas. Entretanto, em harmoniosa companhia, as respostas obtidas pelas batidas eram exatas e convincentes. Como todo verdadeiro mé­dium, era sensitivo às discórdias em seu redor. E o resultado disso era que a multidão desprezível de zombadores e pesquisadores de maus instintos que a visitavam tinham nela uma vítima fácil. Decepção é paga com a decepção e o louco recebe res­posta conforme a sua Loucura, embora a inteligência que está por detrás das palavras aparentemente não se preocupe muito com o fato de que o instrumento empregado possa ser tomado como responsável pela resposta. Êsses pseudopesquisadores en­chem a imprensa com seus relatos humorísticos de como enganaram aos Espíritos quando, na realidade, êles é que foram enganados. George Henry Lewes, posteriormente espôso de George Eliot (1)

1. George Eliot é o nome literário de Mary Ann Evans, nascida em 1819 e morta em 1880. Enviuvou em 1878; casou-se pouco antes de morrer, com J. W. Cros. — N. do T.

era um dêsses cínicos investigadores. Conta êle com ironia que, tendo perguntado por escrito ao Espírito mani­festante: “Mrs. Hayden é uma impostora?”, êste respondeu:

“Sim”. Lewes era suficientemente desonesto para citar isto como se fôsse uma confissão de culpa de Mrs. Hayden. Qualquer um daí deduziria que as batidas eram inteiramente independentes do médium e, ainda, que perguntas feitas com puro espírito de frivolidade não merecem resposta séria.

Entretanto, é pela forma positiva e não pela negativa que perguntas como esta devem ser julgadas; e o autor deve aqui usar citações mais do que normalmente é seu hábito, pois não há outra maneira de mostrar como aquelas sementes foram inicialmente lançadas na Inglaterra e destinadas a atingir tão gran­des alturas. Já aludiu ao testemunho do Doutor Ashburner, o famoso médico e talvez seja bom acrescentar algumas palavras suas. Diz êle (2)

2. The Leader, 14 de março de 1853.

“O sexo deveria tê-la protegido contra as injúrias, se. êsses rapazes da imprensa não têm consideração pelos sentimentos de hospitalidade para com alguém de nossa classe, pois Mrs. Hayden é espôsa de um antigo editor e proprietário de jornal em Boston, o qual tem a maior circulação na Nova Inglaterra. Eu lhes declaro que Mrs. Hayden não é uma impostora; e quem quer que se aventure a uma conclusão oposta fá-lo-á sacrificando a verdade.”

Novamente, em longa carta a The Reasoner (3)

3. 1º e 8 de junho de 1853.

depois de confessar que tinha visitado a médium numa disposição de espírito de absoluta incredulidade, esperando testemunhar “a mes­ma classe de aparentes absurdos”, que tinha encontrado em ou­tros supostos médiuns, escreve Ashburner: “Em relação a Mrs. Hayden tenho tão forte convicção de sua perfeita honestidade que me admiro de que alguém possa deliberadamente acusá-la de fraude”. Ao mesmo tempo fornece detalhes de comunicações verazes que recebeu.

Entre os investigadores estava o célebre matemático e filó­sofo Professor De Morgan. Êle relata suas experiências e conclusões no longo e magistral prefácio ao livro de sua espôsa “From Mat­ter lo Spirit”, publicado em 1863, dizendo:

“Há dez anos passados Mrs. Hayden, a conhecidíssima médium americana, veio sozinha à minha casa. A sessão começou imediatamente após a sua chegada. Oito ou nove pessoas de todos os graus de crença e de descrença de que a coisa fôsse impos­tura se achavam presentes. As batidas começavam como de cos­tume. Para mim eram limpas, claras, fracos sons que, se tives­sem durado, dir-se-iam de uma campainha. Então os comparei ao ruido feito pelas pontas de agulhas de tricô, se largadas de uma certa altura sôbre o mármore de uma mesa e que ins­tantâneamente fôsse abafado por um processo qualquer. E a seguir a prova que fizemos mostrou que minha descrição era razoàvelmente aceitável... No último período naquela noite, depois de cêrca de três horas de experiência, Mrs. Hayden le­vantou-se e falando a uma outra mesa, enquanto tomava um re­fresco, sübitamente uma criança disse: “Quererão todos os Espí­ritos que estiveram aqui esta noite bater ao mesmo tempo?”

Nem bem haviam sido pronunciadas aquelas palavras e uma sarai­vada de batidas de agulhas de tricô foi ouvida durante cêrca de dois segundos, ouvindo-se distintamente o ruído forte das dos homens e mais fraco das mulheres e crianças, embora em perfeita desordem na sua produção”.

Depois de uma observação no sentido de assentar que admite as batidas como produzidas pelos Espíritos, continua o Professor De Morgan:

“Solicitado a fazer uma pergunta ao primeiro Espírito, per­guntei se poderia fazer tal pergunta mentalmente, isto é, sem a pronunciar, ou a escrever, ou apontar as letras componentes, e se Mrs. Hayden poderia ficar com os braços estendidos enquanto estivesse sendo dada a resposta. Os pedidos foram imediatamente garantidos por duas batidas. Fiz a pergunta e desejei que a res­posta fôsse dada numa só palavra que escolhi; tudo mentalmente.

Então, tomei o alfabeto impresso, pus o livro de pé à sua frente e, olhando para aquêle, comecei a apontar as letras como de costume. Foi dada a palavra “chass” (4);

4. Xadrez (o jogo). — N. do T.

foi dada por meio de batidas a cada letra. Eu tinha agora uma racioci­nada certeza da seguinte alternativa: ou uma leitura do pensa­mento de caráter inteiramente inexplicável, ou uma acuidade sobre­humana da parte de Mrs. Hayden, que lhe permitia perceber a letra que eu fixava, muito embora, sentada a cêrca de dois me­tros do livro que escondia o meu alfabeto, nem pudesse ver a minha mão nem os meus olhos nem, de modo algum, como estava apontando as letras. Antes que a sessão terminasse eu tinha sido obrigado a afastar a segunda hipótese.”

Outro episódio da sessão, que êle relata, é dado com mui­tos detalhes, numa carta dirigida ao Reverendo W. Heald dez anos antes, que fosse publicada no livro de sua espôsa “Memoir of Agostous De Morgan”, páginas 221 e 222:

“Então veio meu pai (ob. 1816) e, depois de uma ligeira conversa, o seguinte diálogo foi estabelecido:

-“Lembra-se de um periódico que tenho em mente?” —“Sim.” — “Lembra-se das expressões que se referem a você?”

— “Sim.” — “Pode dar-me pelas cartas as iniciais daquelas ex­pressões?” — “Sim.”

“Então comecei a apontar o alfabeto, tendo um livro a tapar as cartas. Mrs. H. se achava do outro lado de uma grande mesa redonda e uma lâmpada forte estava entre nós. Apontei letra por letra até que cheguei a F, que supunha fôsse a primeira ini­cial. Nenhuma batida. Alguém perto de mim disse: “Você pas­sou; houve uma batida no comêço.” Recomecei e ouvi uma batida distinta no C. Isto me intrigou, mas logo vi o que era. A sentença havia começado por uma batida mais cedo do que eu esperava. Eu tinha deixado passar o “C” e registrado o “D” “T” “E” “O” “C”, iniciais das palavras consecutivas de referência a meu pai, numa velha revista publicada em 1817, das quais ninguém na sala ja­mais ouvira falar, exceto eu. “C” “D” “T” “E” “O” “C” estava certo e, assim que o constatei, parei, perfeitamente satisfeito que alguma forsa, ou alguém, ou algum Espírito, estivesse lendo os meus pensamentos. Estas e outras coisas se continuaram por cêrca de três horas, durante grande parte das quais Mrs. H. estivera lendo a “Key to Uncle Tom’s Cabin” (5),

5. “Chave da Cabana do Pai Tomás.” — N. do T.

que nunca tinha visto an­tes e lhe asseguro que o fazia com tanta avidez quanto você pode imaginar numa americana que o vê pela primeira vez. En­quanto isto, nós nos distraíamos por outro lado com as batidas. Declaro que tudo isto é absolutamente verdadeiro. Desde então tenho visto isto com freqüência em minha casa, sob o testemunho de várias pessoas. A maior parte das respostas é dada pela mesa, na qual são colocadas de leve uma ou duas mãos, para apontar as letras. Há muita coisa confusa nas respostas, mas de vez em quando vem algo que nos surpreende. Não tenho idéia formada a respeito, mas em um ou dois anos pode acon­tecer algo de curioso. Entretanto estou satisfeito com a reali­dade do fenômeno. Como eu, muitas outras pessoas conhecem êstes fenômenos, experimentando em suas próprias casas. Se você é um filósofo, pense o que quiser.”

Quando o Professor De Morgan diz que algum Espírito estava lendo seus pensamentos, deixa de observar que o incidente da primeira letra era prova de qualquer coisa que não estava em sua mente. Assim, da atitude de Mrs. Hayden durante a sessão, é claro que se tratava de sua atmosfera e não de sua atual per­sonalidade consciente. Outras provas importantes do De Morgans vão para o Apêndice.

Mrs. Fitzgerald, a conhecida figura dos primeiros tempos do Espiritismo em Londres, publica no The Spiritualist de 22 de novembro de 1878, a notável experiência feita com Mrs. Hay­den, que damos a seguir:

“Meu primeiro contacto com o Espiritismo se deu há trinta anos, quando da primeira visita a êste país feita pela co­nhecida médium, Mrs. Hayden. Fui convidada a vê-la numa reunião dada por uma amiga em Wimpole Street, em Londres. Tendo antes assumido para aquela tarde um compromisso que não podia cancelar, cheguei atrasada, depois de uma cena extra­ordinária, da qual todos falavam animadamente. Meu olhar de desapontamento foi notado e Mrs. Hayden, que então encontrava pela primeira vez, adiantou-se muito bondosa, exprimindo o seu pesar e sugerindo que me sentasse a uma mesinha, separada das Outras pessoas, e que iria pedir aos Espíritos que se comunicas­sem comigo. Tudo isso era tão novo e surpreendente que eu quase não compreendia o que ela estava dizendo ou o que eu devia esperar. Ela colocou um alfabeto impresso à minha frente, um lápis e uma fôlha de papel.

Enquanto isto fazia, senti extraordinariamente as batidas sôbre a mesa, cujas vibrações me atin­giam a planta do pé, apoiado sôbre o pé da mesa. Então ela me ensinou a anotar cada letra indicada por uma batida distinta e, com essa simples explicação, deixou-me entregue a mim mesma. Indiquei, como desejava, e uma batida distinta marcou a letra E; outras se seguiram até formarem um nome que eu não podia ignorar. Foi dada a data da morte, que eu ignorava e acrescendo uma mensagem que trouxe á minha memória as últimas fracas palavras de uma velha amiga, a saber: “Velarei por ti!” Então se desenhou vivamente em minha memória a lembrança de tôda a cena. Confesso que fiquei estupefata e algo aterrada.

Levei o papel no qual tudo isso fôra escrito e ditado pelo Espírito de minha amiga ao seu último procurador e êle me garan­tiu que as datas, etc. , estavam perfeitamente corretas. Não tinham ficado em minha mente porque eu não me tinha preocupado com elas.”

É interessante notar que Mrs. Fitzgerald declara que supu­nha que a primeira sessão de Mrs. Hayden em Londres tinha sido feita com Lady Cambermere, seu filho, o Major Cotton, e Mr. Henry Thompson, de York.

No mesmo volume de The Spiritualist, à página 264, apa­rece o relato de uma sessão com Mrs. Hayden, realizada em vida de Charles Young, o conhecido ator trágico, escrito por seu filho, o Reverendo Julian Young:

“19 de Abril de 1853. Neste dia fui a Londres com o pro­pósito de consultar meus advogados sôbre assunto de impor­tância para mim e, tendo ouvido falar muito de uma Mrs. Hay­den, senhora americana e médium espírita, desde que me achava na cidade resolvi descobri-la e avaliar os seus dons por mim mesmo. Acidentalmente encontrei um velho amigo, Mr. H., a quem pedi o enderêço dela. Disse-me êle que era em 22, Queen Street, Cavendish Square. Como êle jamais a tinha visto e desejava vê-la, mas não queria gastar um guinéu para isto, con­videi-o para ir comigo. Aceitou com satisfação. As batidas de espíritos tornaram-se tão comuns em 1853 que eu abusaria da paciéncia do leitor se fôsse descrever a maneira convencional de comunicação entre vivos e mortos. Desde a data acima tenho assistido muito a batidas de Espíritos; e, con quanto meus órgãos da imaginação sejam muito desenvolvidos, e eu tenha um fraco pelo místico e pelo sobrenatural, ainda não posso dizer que haja testemunhado qualquer fenômeno espírita que não possa ser ex­plicado por meios naturais, exceto o caso que vou relatar, no qual qualquer conluio parece afastado, pois o amigo que me acompanhava jamais tinha visto Mrs. Hayden e ela nem sabia o seu nome nem o meu. Entre mim e Mrs. Hayden travou-se o seguinte diálogo:

Mrs. H.: — O senhor deseja comunicar-se com algum amigo já falecido?

J. C. Y.: — Sim.

Mrs. H.: — Então tenha a bondade de fazer perguntas na maneira indicada na fórmula e eu lhe digo que obterá respostas satisfatórias.

J. C. Y. (Dirigindo-se a um invisível que admitia estivesse presente): — Diga-me o nome da pessoa com quem desejo comu­nicar-me.

As letras foram marcadas por batidas à medida que eram pronunciadas e formaram o nome de George William Young.

— Em quem estão fixados os meus pensamentos?

— Frederick William Young.

— De que sofre êle?

— Tic doloroso.

— Pode indicar alguma coisa para êle?

— Enérgico mesmerismo.

- Quem lho poderia administrar?

— Alguém que tivesse grande simpatia com o paciente.

— Eu teria êxito?

— Não.

— Quem teria?

— Joseph Ries.

Era um rapaz a quem meu tio respeitava.

— Perdi algum amigo recentemente?

— Sim.

— Quem?

Eu estava pensando em Miss Young, uma prima longe.

— Christiana Lane.

— Pode dizer onde dormirei esta noite?

— Em casa de James B, 9, Clarges Street.

— Onde dormirei amanhã?

— Na casa do Coronel Weymonth, em Upáginaser Grosvenor Street.

Eu estava tão assombrado com a exatidão das respostas dadas as minhas perguntas que disse ao senhor que estava comigo que desejava fazer algumas perguntas íntimas, que ninguém deveria ouvir e, assim, me via obrigado a lhe pedir que passasse á sala vizinha por alguns minutos. Isto pôsto, retomei o diálogo com Mrs. Hayden.

— Levei o meu amigo a afastar-se porque não desejo que êle saiba da pergunta que desejo fazer; mas, também, estou ansioso por que a senhora também não a saiba e, se bem com­preendo, nenhuma resposta me pode ser dada senão por inter­médio da senhora. Em tais circunstâncias, como deveremos pro­ceder?

— Faça a sua pergunta de maneira que a resposta possa ser dada por uma palavra que focalize a idéia que o senhor tem em mente.

— Tentarei. Realizar-se-á aquilo que me ameaça?

- Não.

— Isto não satisfaz. É fácil dizer sim ou não, mas o valor da afirmação ou da negação dependerá da convicção que tenho de que a senhora saiba em que estou pensando. Dê-me uma palavra que mostre que a senhora tem a pista dos meus pensamentos.

— Testamento.

— Na verdade, um testamento pelo qual eu seria benefi­ciado estava ameaçado de contestação. Eu desejava saber se a ameaça seria levada a efeito. A resposta recebida era correta”.

Deve notar-se que Mr. Young, antes ou depois da sessão, não acreditava na manifestação dos Espíritos e que, certamente, depois dessa experiência, a assimilação de novos conhecimentos não depõe muito em favor de sua inteligência ou de sua capacidade.

A seguinte carta de Mr. John Malcolm, de Clifton, Bristol, publicada em The Spiritualist, menciona como são os assistentes pessoais muito conhecidos. Discutindo a questão levantada: onde teria sido realizada a primeira sessão na Inglaterra e quem a teria assis­tido, diz êle:

“Não me lembro da data; mas, visitando a minha amiga Mrs. Crowe, autora de “The Night Side of Natitre” (6)

6. “O Lado Obscuro da Natureza”. — N. do T.

esta me convidou para acompanhá-la a uma sessão espírita em casa de Mrs. Hayden, em Queen Anne Street, Cavendish Square. In­formou-me que Mrs. Hayden acabava de chegar da América para exibir os fenômenos espíritas ao povo da Inglaterra, que deveria interessar-se pelo assunto. Estavam presentes Mrs. Crowe, Mrs. Milner Gibson, Mr. Collej Grattan, autor de “High Ways and Bye Ways” (7),

7. “Estradas reais e caminhos secretos” — N. do T.

Mr. Robert Chambers, Doutor Daniel, Doutor Samuel Dickson e muitos outros cujos nomes não ouvi.

Algumas manifestações notabilíssimas ocorreram nessa ocasião. Posteriormente tive oportunidade de visitar Mrs. Hayden e, con quanto de início inclinado a duvidar da autenticidade dos fenômenos, tive prova tão evidente da comunicação dos Espíritos que me tornei um firme crente nessa verdade”.

Na imprensa inglêsa desencadeou-se furiosa luta. Pelas co­lunas do jornal londrino Critic, Mr. Henry Spicer, autor de “Sights and Sounds” (8),

8. “Visões e ruídos”. — N. do T.

respondia às críticas do Household Worlds, do Leader e do Zoist. Seguiu-se no mesmo jornal uma longa contribuição de um clérigo de Cambridge, que usava as iniciais M. A., e que era admitido como sendo o Reverendo A. W. Hobson, do St. John’s College, de Cambridge.

A descrição dêsse cavalheiro é forte e expressiva, mas dema­siadamente longa para ser transcrita. A questão é de alguma importância, na opinião do autor, por se tratar do primeiro clérigo inglês interessado no assunto. É estranho e, talvez, carac­terístico da época, quão pouco as conseqüências religiosas cho­caram os vários assistentes e como ficaram êles inteiramente absorvidos em saber o segundo nome da avó ou o número de seus tios. Mesmo os mais zelosos faziam perguntas fúteis e nin­guém demonstrava haver compreendido as reais possibilidades de um tal intercâmbio ou que se poderia estabelecer uma base firme para a crença religiosa. Contudo aquêle clérigo, de maneira aca­nhada, viu o lado religioso da questão. E termina o seu relato com êste parágrafo:

“Concluo em poucas palavras aos numerosos leitores cleri­cais de Critic. Como clérigo da Igreja da Inglaterra, considero êste um assunto ao qual meu irmão sacerdote deve, mais cedo ou mais tarde, demonstrar interêsse, por mais relutante que seja em se dedicar a êle. E minhas razões, em poucas palavras, são as seguintes: Se um tal interêsse se generalizar neste país, como já aconteceu na América, — e que razões temos nós para não o admitir? — então o clero de todo o reino a êle será chamado de todos os lados, terá que dar a sua opinião e provavelmente será obrigado, por seus mesmos deveres, a interferir e a evitar as mistificações a que, em muitos casos, o mistério conduziu. Um dos mais sensíveis e hábeis escritores sôbre as manifestações espíritas na América, como por exemplo Adin-Ballou, em seu trabalho advertiu os leitores que não acreditassem em todos os Espíritos que se comunicam, nem mudassem de opinião nem de crença, como tem sido feito aos milhares, influenciados por estas batidas. A coisa apenas começou na inglaterra; mas em poucos meses, desde que o casal Hayden chegou a Londres, es­palhou-se como fogo na floresta e tenho boas razões para dizer que o entusiasmo apenas se acha em começo. Pessoas que de início consideraram a coisa como impostura e mistificação, testemunhando elas próprias os fenômenos, a princípio ficaram cho­cadas e atônitas, depois aceitaram cegamente as mais loucas con­clusões — como, por exemplo, que tudo é trabalho do demônio ou, em sentido contrário, que há uma revelação do Céu. Vejo muitas pessoas capazes e inteligentes, terrível e completamente mistificadas. E ninguém sabe o que fazer. De minha parte apres­so-me a confessar que também me sinto mistificado. De que não é impostura estou absoluta e perfeitamente convencido. Além dos testes acima referidos, tive uma longa conversa com Mr. Hayden e sua senhora, separadamente, e tudo quanto me disseram tinha a marca de sinceridade e boa fé. Aliás isto não constitui prova para outros, mas apenas para mim. E se engano existe, tão enganados estão eles quanto as suas vítimas.”

Não foi o clero, mas os livres-pensadores que perceberam a verdadeira significação da mensagem, e que ou deviam lutar contra essa prova da vida eterna ou deviam confessá-la honestamente, como tantos de nós o fizemos desde então, que a sua filosofia estava estraçalhada e que êles tinham sido batidos no seu próprio campo. Esses homens tinham pedido provas em questões transcendentes e os mais honestos e argutos foram for­çados a admitir que as tinham tido. O mais nobre de todos êles foi Robert Owen, tão famoso por seus trabalhos humanitários como por sua atrevida independência em questões religiosas. Esse homem corajoso e honesto declarou publicamente que os primeiros raios dêsse sol nascente o tinham ferido e haviam dou­rado o sombrio futuro que êle imaginava. Diz êle:

“Tracei pacientemente a história dessas manifestações, in­vestiguei os fatos a elas ligados, em numerosos casos testemu­nhados por pessoas de grande caráter, tive catorze sessões com a médium Mrs. Hayden, durante as quais ela me deu tôdas as oportunidades para verificar, quando possível, se poderia ter havido qualquer mistificação de sua parte.”

“Não só me convenci de que não havia mistificação, com médiuns fidedignos nesses processos, mas que os mesmos estão destinados, no atual período, a realizar a maior revolução moral no caráter e nas condições da raça humana.”

Mrs. Emma Hardinge Britten comenta o interêsse e a admi­ração produzida pela conversão de Robert Owen, cuja influên­cia, puramente materialista, era tida como exercendo um efeito prejudicial sôbre a religião. Diz ela que um dos mais preeminentes estadistas ingleses dizia que “Mis. Hayden merecia um mo­numento, quando mais não fôsse, pela só conversão de Robert Owen”.

Pouco depois o famoso Doutor Elliotson, presidente da secular sociedade, foi convertido, como São Paulo, depois de violento ata­que à nova revelação. Êle e o Doutor Ashburner tinham sido os mais preeminentes defensores do mesmerismo naqueles dias em que êsse indiscutível fenômeno tinha que lutar por sua existência e quando cada médico que o apoiava estava arriscado a ser cha­mado de charlatão. Foi penoso para ambos, porque enquanto o Doutor Ashburner se atirava entusiasmado nessas altas cogitações, seu amigo se via compelido não só a repeli-lo, mas a atacá-lo. Contudo, a divergência foi liquidada pela completa conversão de Elliotson; e Mis. Hardinge Britten relata como, em seus últimos dias, êle insistia para que ela viesse vê-lo e como o encontrou como um fervoroso adepto do Espiritismo, uma fé que o venerando senhor amava como a mais brilhante revelação, que jamais o havia iluminado e que, finalmente, suavizando a escura passa­gem para o Além da Morte, havia feito dessa transição uma cena de fé triunfante e de sorridente antecipação”.

Como era de esperar, não demorou muito para que o rápido desenvolvimento dos fenômenos das mesas obrigasse os cientis­tas cépticos a lhes reconhecer a existência ou, pelo menos, tentar demonstrar o engano dos que atribuíam os movimentos a uma causa externa. Braid, Carpenter e Faraday sustentavam publicamente que os resultados obtidos eram devidos apenas a uma ação muscular inconsciente. Faraday imaginou instrumentos en­genhosos por meio dos quais tinha comoprovada a sua assertiva. Mas, como muitos outros críticos, não tinha feito expe­riências com um bom médium e o fato muito bem constatado do movimento de mesas sem contacto era suficiente para desmoronar as suas teorias. Se se pudesse imaginar um leigo sem telescópio a contradizer um astrônomo, que o tivesse usado, teríamos uma analogia para essa gente que se aventura a criticar assuntos psí­quicos sem jamais ter feito experiências psíquicas.

Foi Sir David Brewster quem exprimiu o estado de ânimo daquela época. Falando de um convite de Monckton Milnes para encontrar-se com Mr. Galla, o explorador africano “que lhe havia assegurado que Mrs - Hayden lhe havia dito nomes de pes­soas e lugares da África que ninguém, a não ser êle, podia saber”, comenta Sir David: “É fora de dúvida que o mundo está ficando maluco.

Mrs. Hayden ficou cêrca de um ano na Inglaterra, tendo voltado para a América em fins de 1853. Um dia, quando estas questões tiverem a sua verdadeira proporção, em relação a outros acontecimentos, sua visita será considerada como um acon­tecimento histórico marcante. Dois outros médiuns america­nos estiveram na Inglaterra durante a sua visita: Mrs. Roberts e Miss Jay; seguiram-na pouco depois, mas parece que tiveram pouca influência no movimento e que lhe foram inferiores em fôrça psíquica.

Um quadro daqueles primeiros dias é dado por um resumo de um artigo sôbre o Espiritismo, publicado a 25 de outubro de 1856 no The Yorkshireman, jornal não espírita:

“Pensamos que, em geral, o público inglês não conhece a natureza das doutrinas espíritas e, sem dúvida, muitos dos nossos leitores certamente não se acham preparados para pensar que elas prevaleçam, até certa extensão, em nosso país. Os fenôme­nos comuns de movimento de mesas, etc., na verdade são familiares a muita gente. Há cêrca de dois ou três anos não havia uma reunião noturna que não tentasse a realização de um milagre espírita... Naqueles dias a gente era convidada para “chá e mesas girantes”, como um novo divertimento e tinha que se mexer com tôda a família, em volta dos móveis, como loucos”.

Depois de afirmar que o ataque de Faraday “tinha espan­tado os Espíritos”, de modo que por algum tempo não mais se ouvia falar das suas atividades, acrescenta o jornal:

“Contudo temos provas amplas de que o Espiritismo, como uma crença vital e ativa, não está circunscrito aos Estados Unidos, mas encontrou favor e aceitação entre um considerável número de entusiastas em nosso país.”

Mas a atitude geral da imprensa mais influente foi muito semelhante à atual: ridículo e negação dos fatos e o ponto de vista que, mesmo quando os fatos fôssem verdadeiros, para que serviriam? The Times, por exemplo, um jornal muito mal informado e reacionário sôbre assuntos psíquicos, num artigo de fundo, pouco depois dessa data, sugere:

“Seria algo como tomar o nosso chapéu do cabide por um esforço de vontade, sem ir pegá-lo ou ocupar um criado.

“Se a fôrça da mesa pudesse ser aplicada ao menos para acionar uma máquina de moer café ganharíamos alguma coisa.

“Seria melhor que os nossos médiuns, em vez de indagar de que morreu alguém há cinqüenta anos, descobrissem as cotações da bolsa daqui a três meses”.

Quando a gente lê tais comentários num grande jornal, fica a pensar se realmente êsse movimento não foi prematuro e se, numa época tão baixa e material, não seria impossível fixar a idéia de uma intervenção exterior. Entretanto a maior parte dessa intervenção era devida à frivolidade dos investigadores que ainda não haviam compreendido a inteira significação dêsses sinais do Além e os empregava, como assinala o jornal de York­shire, como uma espécie de divertimento social e uma nova exci­tação para uma mundanidade fatigada.

Mas enquanto, na opinião da imprensa, um golpe mortal havia sido dado no desacreditado movimento, a investigação prosseguia silenciosamente em muitos lugares.

Gente sensata, segundo indica Howitt “estava com êxito experimentando aqueles anjos, na sua mesma forma de apresentação e verificando que eram reais” pois, como diz muito bem, “os médiuns públicos ja­mais fizeram mais do que inaugurar o movimento”.

Se tivéssemos que julgar pelo público testemunho da época, a influência de Mrs. Hayden deveria ser considerada como de pouca extensão. De um modo geral, para o público era ela uma maravilha fugaz; mas espalhou muita semente que germinou lentamente. O fato é que abriu o assunto e o povo, na maioria nos mais baixos degraus da vida, começou a experimentar e a descobrir a verdade por si mesmo; embora com as cautelas filhas da experiência, tomou a maior parte dessas experiências para si próprio. É fora de dúvida que Mrs. Hayden desempenhou a sua missão.

A história do movimento bem pode ser comparada a um mar que avança em ondas sucessivas, cada vez maiores. Cada onda era tomada pelo observador como sendo a última, até que surgisse uma nova vaga. O tempo decorrido entre a partida de Mrs. Hayden em 1853 e o aparecimento de D. D. Home em 1855 representa o primeiro repouso na Inglaterra. Os críticos superficiais pensavam que era o fim. Mas em milhares de casas em todo o país realizavam-se experiências; muitos dos que haviam perdido completamente a fé nas coisas do espírito, naquilo que era talvez o mais material período da história do mundo, tinham começado a examinar as provas e a compreender com alívio ou com espanto que estava passando a idade da fé, e que o período do conhecimento, que São Pedro havia dito ser melhor, estava se aproximando. Dedicados estudantes das Escri­turas recordam as palavras do Mestre: “Eu tenho ainda muitas coisas que vos dizer; mas vós não as podeis suportar agora e pensavam se êsses estranhos movimentos de fôrças exteriores não fariam parte daquele novo conhecimento que havia sido prometido.

Enquanto Mrs. Hayden havia plantado as primeiras semen­tes em Londres, uma segunda onda de acontecimentos tinha trazido os fenômenos espíritas ao alcance do povo de Yorkshire. Isto se deveu à visita de um certo Mr. David Richmond, um “shaker” americano, à cidade de Keighley, quando procurou Mr. David Weatherhead e o interessou no novo desenvolvimento. Foram obtidas manifestações de mesa e descobertos médiuns locais, de modo que se organizou um centro florescente, que ainda existe. De Yorkshire o movimento ganhou o Lancashire e formou uma interessante cadeia com o passado, essa formada por Mr. Wolstenholme, de Blackburn, falecido em 1925, em idade provecta e que, quando garôto, escondeu-se debaixo de uma mesa numa dessas primeiras sessões, de onde testemunhou os fenôme­nos, embora pensemos que não os tenha auxiliado. O jornal The Yorkshire Spiritual Telegraph. apareceu em Keighley em 1855, e suas despesas, bem como outras, foram cobertas por David Weatherhead, cujo nome deveria ser venerado como um dos primeiros a entregar-se de corpo e alma no movimento. Keigh­ley é ainda um centro ativo de trabalho e de estudos psíquicos.

8

Progressos Contínuos na Inglaterra

O RELATO feito por Mrs. De Morgan sôbre dez anos de experiência de Espiritismo cobre um período de 1853 a 1863. O aparecimento dêsse livro com o prestigioso prefácio do Pro­fessor De Morgan, foi um dos primeiros sinais de que o novo movimento tanto se espalhava nas altas camadas quanto nas mas­sas. Então surgiu o trabalho de D. D. Home e o dos Daven­port, que são tratados alhures minuciosamente. O exame pela Sociedade Dialética começou em 1869 e a êle nos referimos mais adiante. O ano de 1870 foi a data das primeiras pesquisas de William Crookes, empreendidas depois do escândalo produzido pela recusa dos homens de ciência “de investigar a exis­tência e a natureza de fatos constatados por muitas testemunhas honestas e fidedignas.”

No mesmo periódico — o Quarterly Jour. nal of Science — refere-se êle à crença compartilhada por mi­lhões, e acrescenta: “Quero verificar as leis que regem a ma­nifestação de tão notáveis fenômenos que, presentemente, ocor­rem numa amplitude quase incrível.”

A história dessa pesquisa foi publicada in extenso em 1874 e causou tamanho tumulto entre os mais fossilizados homens de ciência — dêsses de quem se pode dizer que ficaram com a mente dominada por aquilo em que trabalham — que chegaram a propalar que êle seria expulso da Sociedade Real. A tem­pestade desabou, mas Crookes foi chocado por sua violência e verificou-se que, durante muitos anos, até que a sua posição fôsse consolidada, tornou-se muito cauteloso em exprimir publicamente as suas opiniões. Em 1872-73 apareceu o Reverendo Stain­ton Moses como um novo fator e sua escrita automática levantou o assunto para um plano mais espiritual, na opinião de muita gente. O lado fenomênico pode atrair a curiosidade, mas quando muito repetido como que choca as mentes judiciosas.

Então ficaram em moda as conferências e os transes. Mrs. Emma Hardinge Britten, Mrs. Cora L. V. Tapáginasan e Mr. J. J. Morse fizeram orações eloqüentes, supostamente sob a ação de Espíritos, influenciando largamente enormes auditórios. Mr. Gerald Massey, o conhecido poeta e escritor e o Doutor George Sexton também fizeram conferências públicas. De um modo geral o Espiritismo teve grande publicidade.

O estabelecimento da “British National Association of Spiritualists” (1)

1. “Associação Nacional Britânica dos Espiritistas.” — N. do T.

em 1873 deu impulso ao movimento, porque muitos homens públicos bem conhecidos e senhoras da alta sociedade a ela se associaram. Entre estas devem ser mencionadas a Condessa de Caithness, Mrs. Makdougall Gregory (viúva do Professor Gregory, de Edimburgo), o Doutor Stanhope Speer, o Doutor Gully, Sir Charles Isham, o Doutor Maurice Davies, Mr. H. D. Jencken, o Doutor George Sexton, Mrs. Ross Church (Florence Marryat), Mr. Newton Crosland e Mr. Benjamin Coleman.

A mediunidade de uma alta qualidade, no setor dos fenô­menos físicos foi fornecida por Mrs. Jencken (Kate Fox) e Miss Florence Cook. O Doutor J. R. Newton, famoso médium curador da América, chegou em 1870, e numerosas curas gratuitas fo­ram registradas. Desde 1870 Mrs. Everitt exercitou uma mediu­nidade maravilhosa, como a de D. D. Home, gratuitamente, convencendo a muita gente. Herne e Williams, Mrs. Grupáginasy, Eglington, Slade, Lottie Fowler e outros fizeram muitas conver­sões através de sua mediunidade. Em 1872 as fotografias do Espírito de Hudson despertaram enorme interêsse e em 1875 o Doutor Alfred Russel Wallace publicou o seu famoso livro “On Miracles and Modern Spiritualism”. (2)

2. “Sôbre Milagres e Moderno Espiritismo” — N. do T.

Um bom meio de traçar o desenvolvimento do Espiritismo nesse período é examinar o depoimento de testemunhas fidedignas contemporâneas, especialmente as que são qualificadas por sua posição e experiência para poderem opinar. Antes, porém, de lançar um olhar sôbre o período que estamos considerando, olhe­mos a situação em 1866, tal qual a via Mr. William Howitt nuns poucos parágrafos tão admiráveis que o autor se sente obrigado a citá-los ad litteram. Diz êle:

A posição atual do Espiritismo na Inglaterra, se a imprensa fôsse onipotente, dada a sua influência, seria pouco animadora. Depois de empregar todos os meios possíveis para prejudicar e desacreditar o Espiritismo; depois de lhe haver aberto as suas colunas, na esperança de que o vazio e a loucura ficassem tão aparentes que os seus espertos inimigos logo fôssem capazes de atingi-lo com argumentos irrespondíveis e assim verificarem que tôdas as vantagens da razão de fato estavam de seu lado; depois de havê-lo difamado e ferido sem propósito, tôda a imprensa, como se por consenso geral ou de plano pré-estabelecido, adotou a tática de abrir as suas colunas a tôda falsidade e a tôda his­tória insensata a respeito dêle, mas se fechando hermêticamente a qualquer explicação, refutação ou defesa. Desde que todos os outros meios para o liquidar haviam falhado, foi decidido sufocá-lo. Pregar um esparadrapo literário em sua bôca e deixar que seu pescoço fôsse cortado por quem quer que desejasse fazê-lo. Assim esperava poder desferir-lhe o golpe de graça.

“Se alguma coisa pudesse aniquilar o Espiritismo, sua atual estima pelo público inglês, seu tratamento pela imprensa e pelas côrtes de jwstiça, a tentativa de sua supressão por tôdas as fôrças da inteligência pública, o ódio que lhe votam todos os heróis do púlpito de todas as igrejas e credos, a sua simples aceita­ção ainda mesmo por êsse público que a imprensa considera ma­luco, e pervertido, as suas próprias divisões internas — numa palavra, a sua preeminente impopularidade o teriam liquidado. Mas é assim? Ao contrário: jamais êle se arraigou tão firme­mente na massa de mentes adiantadas; nunca seu número cresceu tão ràpidamente; jamais suas verdades foram mais eloqüente e claramente defendidas; jamais as investigações a seu respeito fo­ram mais abundantes e ansiosas.

Durante todo o tempo em que a imprensa e os boatos estiveram lançando o insulto e o desprêzo sôbre êle, jamais as reuniões de Harley Street foram tão concorridas e superlotadas por senhoras e cavalheiros das classes médias e altas, que ouviam com admiração as eloqüentes e sempre variadas mensagens de Emma Hardinge. Ao mesmo tempo os Davenport, milhares de vêzes denunciados como im­postores, outras tantas demonstraram que os fenômenos que produziam continuavam inexplicáveis por qualquer teoria, exceto a espírita.

Que significa tudo isto? Que indicam êsses fatos? Que a imprensa e o púlpito, os magistrados e as côrtes de justiça uniram as suas fôrças, mas fracassaram. Ficaram aniquilados ante essa coisa que êles próprios classificam de pobre, maluca, falsa e inconsistente. Se ela fôsse tão pobre, maluca, falsa e inconsistente, como é que o seu saber, as suas denúncias ines­crupulosas, os seus vastos meios de ataque e os seus não menores meios de cerceamento da defesa, as suas ordens aos ouvintes e sua opinião para a multidão — como é que todo o seu espí­rito, sarcasmo, lógica e eloqüência não a podem atingir?

Longe de a abalar e atingir, não alcança um cabelo de sua cabeça ou uma franja de seu vestido.

Já não é tempo para que tôdas essas hostes combinadas dos grandes e dos sábios, dos cientistas e dos ilustrados, dos diri­gentes do senado e das côrtes de justiça, os eloqUentes favoritos do Parlamento, os magnatas da imprensa popular, de posse de tôda essa artilharia intelectual que um grande sistema nacional de educação e um grande sistema nacional de Igreja, de Esta­do e de aristocracia, acostumado a proclamar aquilo que deve ser aceito como verdade e considerado honroso por todos os cavalheiros e senhoras honradas — já não é tempo, pergun­tava eu, de que todo êsse grande e esplêndido mundo de espírito e de sabedoria comece a suspeitar de que defrontam algo de sólido? De que existe algo vital nisso que têm tratado como um fantasma?

Não quero dizer a essas grandes corporações que governam o mundo que abram os olhos e vejam que os seus esforços são infrutíferos e confessem a sua derrota, porque provavelmente elas jamais abrirão os olhos e confessarão a sua vergonha. Mas digo aos próprios Espíritas: por mais escuros que os dias vos pareçam, jamais foram tão cheios de promessas. Ligadas como estão tôdas as forças dos instrutores e dirigentes públicos, jamais, entretanto, as perspectivas foram mais claras de nossa vitória final. Sôbre êle há tôdas as características de conquista de influência em nossos dias. Êle tem à sua frente todo o legitimismo da história. Tôdas as grandes reformas sociais, morais, intelectuais ou religiosas triunfaram através da luta”.

Como que mostrando a mudança ocorrida depois do que Mr. Howitt escreveu em 1866, encontramos em The Times de 26 de dezembro de 1872 um artigo sob o título de “Espiritismo e Ciência”, estirando-se por três colunas e meia, no qual se exprime a opinião de que agora “é chegado o momento de mãos competentes cortarem o nó górdio”, muito embora não explique porque as mãos de Crookes, de Wallace ou de De Morgan seriam incompetentes.

Falando sôbre o livrinho de Lord Adare, de edição parti­cular, a respeito de suas experiências com D. D. Home, o escri­tor parece impressionado pela posição social das várias testemunhas. As características dêsse artigo são a grosseria e o pe­dantismo:

“Um volume que se acha à nossa frente mostra quanto essa loucura espalhou-se por tôda a sociedade. Foi-nos emprestado por um distinto espiritista, sob o solene compromisso de que não publicaríamos nenhum dos nomes ali referidos. Contém cêrca de 150 páginas de relatos de sessões e foi impresso em par­ticular por um nobre Conde, recentemente desaparecido da Câ­mara dos Lords; e que também desocupou, ao que nos parece, as cadeiras ocupadas por Espíritos e as mesas de que gostava em vida, não sàbiamente, pôsto gostasse muito. Nesse livro, coisas mais maravilhosas do que quaisquer outras de que tenhamos noticia, são relatadas minuciosamente, de modo tão natural quanto se fôssem fatos rotineiros. Não cansaremos o leitor ci­tando algum dos casos relatados e, não obstante, êle acreditará em nossa palavra quando dissermos que se enquadram em tôda sorte de manifestações, de profecias para baixo.

O que desejamos observar mais especialmente é que d entrada do livro se acha o atestado de cinqüenta respeitá­veis testemunhas. Entre estas se acham uma duquesa viúva, e ou­tras senhoras de posição, um Capitão de Guardas, um nobre, um barão, um membro do Parlamento, vários membros de cor­porações científicas, um advogado, um comerciante e um médico. As camadas mais altas da classe média estão representadas por gente de todos os graus e por pessoas que, a julgar pela posição que ocupam e pela profissão que exercem, deviam possuir inte­ligência e perspicácia.

O eminente naturalista Doutor Alfred Russel Wallace, numa carta escrita a The Times, em 4 de janeiro de 1874, descrevendo uma visita a um médium público, diz:

“Não acho exagêro dizer que os fatos principais agora se acham tão bem estabelecidos e tão facilmente verificáveis como qualquer dos mais excepcionais fenômenos da Natureza ainda não reduzidos a lei. Êles têm uma significação mais importante na interpretação da História, que está cheia de narrativas de fatos similares, e na natureza da vida e do intelecto, sôbre os quais a ciência física derrama uma luz muito fraca e muito incerta; e é minha crença firme e deliberada que cada ramo da filoso­fia deve sofrer até serem os fatos honesta e seriamente investi­gados e trabalhos como constituintes de uma parte essencial dos fenômenos da natureza humana”.

A gente se extravia com os fenômenos do ectoplasma e as experiências de laboratório, que desviam o pensamento do essen­cial. Wallace foi um dos poucos cuja mentalidade grandiosa, avassaladora e sem preconceitos, viu e aceitou a verdade em sua maravilhosa inteireza, desde as humildes provas físicas de uma fôrça exterior até ao mais alto ensino mental que essa fôrça podia trazer, ensino que ultrapassa de muito em beleza e em credibilidade tudo quanto a mente moderna tem conhecido.

A aceitação pública e o decidido apoio dêsse grande ho­mem de ciência, um dos primeiros cérebros de seu tempo, fo­ram de grande importância, desde que êle teve espírito para compreender a completa revolução religiosa que estava por detrás dêsses fenômenos.

Foi um fato curioso que, salvo algumas exceções, em nossos dias, assim como no passado, a sabedoria tenha sido dada aos humildes e negada aos doutos. Sentimento e intuição triunfaram onde falhou o cérebro. Talvez pensassem que a questão era simples. Ela deve ser expressa numa série de perguntas, à maneira de Sócrates: “Estabelecemos contacto com a inteligência dos que morreram?” O Espírita diz: “Sim” “Deram informações sôbre a nova vida que levam e como esta foi afetada por sua vida terrena?” Ainda, “Sim”. “Acharam que corresponde à descrição feita por tôdas as religiões da Terra?” “Não.” Mas se é assim, não está claro que a nova informação é de vital importância religiosa? O humilde espi­ritista vê isto e adapta a sua religiosidade aos fatos.

Sir William Barrett, então professor, apresentou o proble­ma do Espiritismo à Associação Britânica para o Progresso da Ciência em 1876. Seu estudo tinha por título “Sôbre alguns fenômenos associados com condições mentais anormais.” Foi difí­cil ser ouvido. A Comissão de Biologia recusou o estudo e passou-o para a Subcomissão de Antropologia, que só o aceitou pelo voto de minerva do Secretário, Doutor Alfred Russel Wallace. O Coronel Lane Fox ajudou a vencer a oposição, perguntando por que, se no ano anterior havia sido discutida a magia antiga, êste ano não se podia discutir a magia moderna. A primeira parte do trabalho do Professor Barrett tratava de mesmerismo, mas na segunda parte eram descritas as suas experiências com os fenômenos espíritas. E insistia para que novo exame cientí­fico fôsse feito sôbre a matéria. Deu um detalhe convincente de uma experiência sôbre batidas, feita com uma criança (3).

3. The Spiritualist, Setembro 22, 1876 (Volume 9º, página 87-88).

Na discussão que se seguiu, Sir William Crookes falou das levitações que êle havia testemunhado com D. D. Home; disse da levitação: “A prova em seu favor é mais forte do que a prova em favor de quase todos os fenômenos que a Associação Britânica pôde investigar”. Fêz ainda as seguintes observações relativas ao seu próprio método de pesquisa psíquica:

“Pediram-me para investigar logo que apareceu o Doutor Slade e eu expus as minhas condições. Jamais fiz investigações senão nessas condições. Deveriam ser feitas em minha casa; eu mesmo deveria escolher os amigos e os assistentes; seriam rea­lizadas dentro de minhas próprias condições e eu faria o que quisesse em relação aos aparelhos. Sempre que foi possível, pro­curei fazer que os testes fôssem realizados pelos próprios aparelhos de física e nunca acreditei mais do que era possível em meus próprios sentidos. Mas quando é necessário crer em meus sentidos, sou obrigado a discordar de Mr. Barrett quando diz que um investigador físico não auxilia um médium profissional. Sus­tento que um investigador físico é mais que um auxiliar.”

Uma importante contribuição para a discussão foi a de Lord Rayleigh, o distinto matemático, que disse:

“Penso que somos muito obrigados ao Professor Barrett, por sua coragem, pois é necessária alguma coragem para avan­çar neste terreno e trazer-nos os benefícios de sua cuidadosa expe­riência. Meu próprio interêsse pelo assunto data de dois anos. Fui atraído inicialmente para êle pela leitura das investigações de Mr. Crookes. Con quanto as minhas oportunidades não te­nham sido tão felizes como as do Professor Barrett, tenho visto o bastante para me convencer de que estão errados os que quiserem obstar as investigações atirando o ridículo sôbre os que se sentem inclinados a fazê-las.”

O orador seguinte foi Mr. Groom Napier, acolhido com gar­galhadas, quando descreveu as constatações psicométricas feitas de algumas pessoas apenas por sua caligrafia encerrada em envelopes lacrados; e quando começou a descrever as luzes de Espíritos, que de próprio tinha visto, o barulho foi tal que se viu obrigado a sentar-se. Respondendo à crítica, disse o Pro­fessor Barrett:

“Isto mostra o enorme avanço que o assunto fêz nestes poucos anos: que uma comunicação sôbre fenômenos espíritas, que há poucos anos causaria riso, agora é admitida na Associa­ção Britânica e merece uma larga discussão, como a de hoje.”

O Spectator, de Londres, num artigo intitulado “A Associa­ção Britânica e a Comunicação do Professor Barrett” começa com êste ponto de vista de uma mente larga.

“Agora que temos à nossa frente uma descrição com­pleta da comunicação do Professor Barrett, e da discussão da mesma, seja-nos permitido exprimir a nossa esperança de que a Associação Britânica realmente exerça alguma influência sôbre o assunto da comunicação, a despeito dos protestos do partido que chamaríamos partido da incredulidade supersticiosa. Dize­mos incredulidade supersticiosa porque é realmente pura supers­tição, e nada mais para admitir que estejamos tão bem informados sôbre as leis da Natureza que, mesmo os fatos cuidadosamente examinados e atestados por um observador experimentado devam ser postos de lado como absolutamente indignos de crédito, sim­plesmente porque, à primeira vista, se chocam com aquilo que já é mais conhecido.”

Os pontos de vista de Sir William Barrett foram progre­dindo firmemente até que aceitou a posição de espírita em têrmos inequívocos, antes de sua lamentada morte em 1925. Viveu até o mundo melhorar o seu antagonismo contra tais assuntos, em­bora pequena fôsse a diferença observada na Associação Britâ­nica, que pareceu obscurantista como sempre. Essa tendência, entretanto, não deve ter sido um mal porque, como assinala Sir Oliver Lodge, se os prementes problemas materiais se tivessem complicado com as soluções psíquicas, é possível que não tives­sem sido resolvidos. Deve ser digno de registro que Sir Wil­liam Barrett, em conversa com o autor, tenha lembrado que os quatro homens que o apoiaram naquele difícil momento histórico, viveram bastante para receberem a Ordem do Mérito —a maior distinção que o seu país podia conceder. Os quatro foram Lord Rayleigh, Crookes, Wallace e Higgins.

Não era de esperar que o rápido crescimento do Espi­ritismo fôsse isento de aspectos menos desejáveis. Êstes foram, pelo menos, dois. Primeiro, o grito de mediunidade fraudulenta, ouvido com freqüência. Á luz de nossos últimos e mais com­pletos conhecimentos sabemos que muito daquilo que reveste as aparências de fraude absolutamente não o é. Ao mesmo tempo, a ilimitada credulidade de uma parte dos Espiritistas indubitavelmente ofereceu um campo fácil aos charlatães. Numa confe­rência lida na Sociedade da Universidade de Cambridge para In­vestigações Psicológicas, em 1879, disse o seu presidente Mr. J. A. Campbell (4).

4. The Spiritualist, abril 2º, 1879, página 170.

“Desde o aparecimento de Mr. Jlome, o número de médiuns aumenta dia a dia, como aumenta a loucura e a impostura. Aos olhos dos tolos cada farsante se converteu numa figura an­gélica; e não só cada farçante, mas cada trapaceiro, metido numa mortalha, é chamado ou quer se chamar um “Espírito materiali­zado”. Uma suposta religião foi assim estabelecida e nela a honra dos mais sagrados nomes foi transferida para Espíritos de batedores de carteiras. Não farei aos leitores o insulto de falar do caráter dessas divindades, nem das doutrinas que as mesmas ensinam. Assim é sempre quando a loucura e a ignorância tomam em suas mãos a arma da realidade eterna para abusos, distorsões e até crimes. É o mesmo que crianças a brincarem com ferramentas aliadas; e quem, senão um ignorante, iria gritar: faca mal­vada! Pouco a pouco o movimento se vai libertando dessas ex­crescências; gradativamente se vai tornando mais moderado, mais puro e mais forte; e como homens sensíveis e educados, estu­dam, oram e trabalham, empenhando-se em fazer bom uso de seus conhecimentos, nesse sentido o movimento crescerá.

O segundo aspecto foi o aparente crescimento daquilo que pode denominar-se Espiritismo anticristão, embora não anti-religioso. Isto levou William Howitt e outros destacados mante­nedores do movimento a se afastarem dêste. Howitt e outros escreveram fortes artigos contra essa tendência no Spiritual Ma­gazine.

Uma sugestão, quanto à necessidade de cautelas e equilíbrio apareceu nas observações de Mr. William Stainton Moses que, numa comunicação lida perante a Associação Nacional Britâ­nica dos Espiritistas, a 26 de janeiro de 1880 diz (5)

5. The Psycological Review. Val. 2º, página 546.

“Precisamos muitíssimo de disciplina e de educação. Ainda não tomamos pé após o nosso rápido crescimento. Nascida há trinta anos, a criança cresceu em estatura, mas não em sabedoria, e muito ràpidamente. Cresceu tão ràpidamente que a sua edu­cação foi descurada. Na expressiva linguagem de sua pátria, foi “arrancada” promiscuamente. E o seu crescimento fenome­nal absorveu tôdas as outras considerações. É chegado o mo­mento em que aquêles que o consideraram como um aleijão produzido pela Natureza apenas para morrer prematuramente, começam a ver que se enganaram. A monstruosa criação quer viver; e, por baixo de sua feiúra, o menos simpático olhar per­cebe um objetivo coerente em sua existência. É a apresentação de um princípio inerente á natureza do homem, um princípio que a sua sabedoria desenvolveu até que fosse eliminado intei­ramente, mas que brota sempre e sempre, malgrado seu — o princípio do Espírito como oposto à Matéria, da Alma agindo e existindo independentemente do corpo que a encerra. Longos anos de negação de alguma coisa, salvo as propriedades da ma­téria levaram as grandes luzes da ciência moderna ao puro Ma­terialismo. Assim, para êles, o Espiritismo é um portento e um problema. É uma volta à superstição; uma sobrevivência de sel­vageria; um borrão na inteligência do século dezenove. Ridi­cularizado, êle ridiculariza; desdenhado, paga-se na mesma moe­da.”

Em 1881 apareceu Light, um semanário espírita de alta classe, e em 1882 assistimos à criação da Society for Psychical Research (6).

6. Sociedade de Pesquisas Psíquicas. N. do T.

De um modo geral pode dizer-se que a atitude da ciência organizada, durante êsses trinta anos, foi tão irracional e anti­científica quanto a dos Cardeais para com Galileu e que, se tives­se havido uma Inquisição Científica, esta teria lançado o terror sôbre o novo conhecimento. Nenhuma tentativa séria, de qualquer espécie, até a formação da SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH foi feita no sentido de compreender e explicar um assunto que estava atraindo a aten­ção de milhões de criaturas. Em 1853 Faraday lançou a teoria de que o movimento das mesas era produzido por uma pressão muscular, que pode realmente ser verdadeira nalguns casos, mas nenhuma relação tem com a levitação de mesas e, em todo o caso, só se aplica a uma classe de fenômenos psíquicos. A costumeira “objeção” científica era que nada ocorria, mas isto desprezava o testemunho de milhares de pessoas fidedignas. Ou­tros sustentavam que aquilo que se passava era susceptível de ser repetido por um feiticeiro, e qualquer imitação grosseira, como a paródia dos Davenport, feita por Maskelyne, era calorosa­mente saudada como uma mistificação, sem referência ao fato de que todo o aspecto mental da questão, com a sua prova esma­gadora, ficava inatingido.

A gente “religiosa” ficava irritada por se ver sacudida nas suas práticas tradicionais e, como selvagem, se dispunha a admi­tir que tudo aquilo era obra do diabo. Assim Católicos Romanos e seitas Evangélicas se encontraram unidos na sua oposição. É fora de dúvida que podemos chamar Espíritos baixos, desde que em redor de nós existem Espíritos de tôdas as classes e que o semelhante atrai o semelhante. Mas os ensinamentos elevados, consistentes e filosóficos que são dados aos investigadores sérios e de mentalidade honesta mostram que não é o diabolismo, mas o Angelismo que está dentro do nosso alcance. O Doutor Carpenter sustentou uma teoria complexa, mas parece que ficou só na sua aceitação e mesmo na sua compreensão. Os cientistas tiveram uma explicação: era o estado das juntas, o que é ridículo para quem quer que tenha tido experiência pessoal daqueles sons percutidos, que variam desde o tic-tac de um relógio até a pan­cada de um martelete.

Outras explicações, vez por outra, incluíam a doutrina teo­sófica, que admitia os fatos mas desprezava os Espíritos, des­crevendo-os como cascões astrais, com uma espécie de semi-consciência sonhadora, ou possivelmente uma consciência ate­nuada, que os reduzia a criaturas sub-humanas pela inteligência e pela moralidade. Certamente a qualidade das manifestações espíritas varia enormemente, mas o mais alto se acha tão eleva­do que dificilmente podemos imaginar que apenas nos acha­mos em contacto com uma fração do ser pensante. Entre­tanto, como é certo que, mesmo neste mundo, nosso ser subliminal é muitíssimo superior à nossa individualidade normal, é muito natural que o mundo dos Espíritos deve confrontar-nos com algo inferior aos seus mais altos poderes.

Uma outra teoria sustenta a Anima Mundi, vasto reserva­tório ou banco central da inteligência, com uma câmara de compensação, na qual tôdas as consultas são atendidas. Os rigo­rosos pormenores que recebemos do Outro Lado são incompatíveis com qualquer idéia, tão vaga quão grandiosa, do destino. Finalmente, há uma alternativa realmente formidável, que o homem tem um corpo etérico com muitos dons desconhecidos, entre os quais deve ser incluído um poder de manifestação exterior em formas curiosas. É a esta teoria da Criptestesia que Richet e outros se agarraram e até um certo ponto há um argumento em seu favor. O autor se convenceu de que há uma etapa preliminar e elementar em todo trabalho psíquico que depende de um poder inato e possivelmente inconsciente do médium. A leitura em invólucro fe­chado, a produção de batidas a pedido, a descrição de cenas dis­tantes, os notáveis efeitos da psicometria, as primeiras vibrações da Voz Direta — cada um e todos em diversas ocasiões parecem emanações do próprio médium. Assim, em muitos casos deveria aparecer uma inteligência exterior capaz de se apropriar daquela fôrça e utilizá-la para seus próprios objetivos. Temos uma ilustração nas experiências de Bisson e de Schrenk Notzing com Eva, nas quais as formas ectoplásmicas a princípio eram sem dúvida reflexo de ilustrações dos jornais, de certo modo modeladas pela passagem através da mente do médium. Mais tar­de veio um período mais profundo, no qual a forma ectoplásmica evoluiu a ponto de se mover e falar. O grande cérebro de Richet e o seu enorme poder de observação se concentraram muito sobre os fenômenos físicos e parece que não teve muito contacto com as experiências pessoais mentais e espirituais que pos­sivelmente lhe teriam modificado os pontos de vista. Cabe, en­tretanto, acrescentar que tais pontos de vista se desenvolve­ram continuamente na direção da explicação espírita.

Resta apenas a hipótese da personalidade complexa, que bem pode influenciar certos casos, pôsto pareça ao autor que tais casos também possam ser explicados pela obsessão. Entre­tanto êsses exemplos apenas tocam a superfície do assunto e ig­noram completamente o aspecto fenomênico, de modo que o assunto não deve ser levado muito a sério. Contudo nunca será por demais repetido que o investigador deveria esgotar cada explicação normal possível para sua completa satisfação, antes de adotar o ponto de vista espírita. Se assim tiver procedido, sua plataforma será estável; se assim não tiver feito, jamais estará seguro de sua estabilidade. Na verdade pode o autor dizer que, ano após ano, agarrou-se a cada linha de defesa até que, finalmente, foi compelido, desde que tinha de guardar a honestidade mental, a abandonar a posição materialista.

9

A Carreira de D. D. Home

DANIEL Dunglas Home nasceu em 1833 em Currie, uma aldeia perto de Edimburgo.

Havia um mistério relativamente à sua ascendência: tanto se afirmava, quanto se negava que fôsse, de certo modo, da família do Conde de Home. Na verdade foi um homem que herdou um tipo elegante, maneiras delicadas, disposição sensível e um gôsto para o luxo, fôsse de que fonte fôsse. Mas pela sua fôrça psíquica e pelo entusiasmo que esta comunicou ao seu caráter complexo, êle podia ser realmente to­mado como o tipo exato de um caçula aristocrata, que herda as tendências, mas não a riqueza dos pais.

Home saiu da Escócia para a Nova Inglaterra aos nove anos de idade, com uma tia que o havia adotado, outro mistério que lhe cercava a existência. Aos treze anos de idade começou a mostrar as faculdades psíquicas herdadas de sua mãe, des­cendente de velha família de Highland e que possuía a faculdade de previsão característica de sua raça- Sua tendência mística reve­lou-se numa conversa com um colega, chamado Edwin, acêrca de uma história, na qual fôra feito um pacto em conseqüência do qual a criatura amada mostrar-se-ia à outra depois da morte. Do mesmo modo os dois rapazes fizeram o pacto de se mos­trar um ao outro, Home mudou-se para outro distrito, a algu­mas milhas de distância e, um mês mais tarde, certa noite, assim que foi para a cama, teve a visão de Edwin e anunciou à sua tia a morte do rapaz, do que tiveram informação um ou dois dias depois. Uma segunda visão, em 1850, referia-se à morte de sua mãe, que tinha ido com o marido viver na América. Nessa ocasião o rapaz se achava acamado e sua mãe se achava fora, em visita a amigos distantes.

Uma noite êle gritou por socorro e quando a tia chegou encontrou-o muito abatido.

Disse que a mãe havia morrido naquele dia às doze horas; que ela lhe havia aparecido e dado aviso. Em breve batidas fortes come­çaram a perturbar aquêle lar quieto e os móveis a serem arrasta­dos por fôrças invisíveis. Sua tia, criatura de estreita visão reli­giosa, disse que o rapaz havia trazido o Diabo para casa e jogou-o na rua.

Êle refugiou-se com os amigos e nos anos seguintes passava na casa de um para a de outro, de cidade em cidade. Sua mediunidade se havia desenvolvido poderosamente e nas casas em que se hospedava realizava freqüentes sessões, às vêzes seis ou sete por dia, pois as limitações da fôrça e as reações entre o físico e o psíquico eram então mal compreendidas.

Isto lhe produzia grande perda de fôrças, e freqüentemente o levava para a cama.

Multidões acorriam de todos os lados para presenciar as mara­vilhas que se produziam na presença de Home. Entre os que então investigaram com êle estava o poeta americano Bryant, que era acompanhado pelo Professor Wells, da Universidade de Har­vard. Em New York encontrou muitos americanos distintos, dos quais três fizeram sessões com êle: o Professor Hare, o Pro­fessor Mapes e o Juiz Edmonds, da Suprema Côrte de New York. Êstes três, como ficou dito, tornaram-se espiritistas con­victos.

Nesses primeiros anos o encanto da personalidade de Home e a profunda impressão criada por sua fôrça permitiram que rece­besse muitas ofertas. O Professor George Bush convidou-o para sua companhia, a fim de estudar para ministro swedenborgiano; Mr. e Mrs. Elmer, um rico casal sem filhos, que lhe haviam to­mado grande afeição, ofereceram-se para adotá-lo e fazê-lo seu herdeiro, com a condição de trocar o nome pelo de Elmer.

Seu notável poder curador tinha excitado a admiração e, persuadido pelos amigos, começou a estudar medicina. Mas a sua saúde delicada, complicada com uma afecção pulmonar, for­çou-o a abandonar os seus planos e, a conselho médico, deixou New York e foi para a Inglaterra.

Chegou a Liverpool a 9 de abril de 1855, e foi descrito como um jovem alto, esguio, de marcada elegância e exagerada limpeza do vestir, mas com um olhar típico e uma expressão que traía a devastação feita pela moléstia. Tinha os olhos azuis e os cabelos castanhos; era dêsse tipo facilmente sujeito a tuber­culose e a extrema emaciação mostrava quanto era insignificante a sua capacidade de resistência. Um médico, bom observador, certamente lhe faria um prognóstico de apenas uns meses de vida, num clima úmido como o nosso e de tôdas as maravilhas que Home realizava, o prolongamento da sua vida certamente não foi das menores. Seu caráter já havia tomado aquêles traços emocionais e religiosos que o distinguiam e êle recordou como, antes de desembarcar, correu para o seu camarote e ajoelhou-se em prece. Quando a gente considera a admirável carreira que se abre à sua frente e o grande papel que êle desempe­nhou no estabelecimento das bases materiais que diferenciam êsse movimento religioso de qualquer outro, pode proclamar-se que êsse visitante estava entre os mais notáveis missionários que jamais apareceram por estas plagas.

No momento a sua posição era muito singular. Tinha uma relação difícil com o mundo.

Seu pulmão esquerdo estava parcialmente destruído. Seus recursos eram modestos, embora suficien­tes. Não tinha negócios nem profissão e sua educação havia sido interrompida pela doença. De caráter desconfiado, gentil, senti­mental, artístico, afetuoso e profundamente religioso, tinha uma profunda tendência para a Arte e para o Drama. Assim, a sua capacidade para a escultura era considerável e como declamador provou mais tarde que pouca gente o igualava. Mas acima de tudo isto, de uma honestidade inflexível e tão rigorosa que por vêzes chegava a ofender aos seus aliados, havia um dom tão admirável que apagava todos os demais. Êste repousa naquelas fôrças, muito independentes de sua vontade, que iam e vinham com desconcertante subitaneidade, mas demonstrando a todos que examinassem a prova, que havia algo na atmosfera dêsse homem que permitia que as fôrças a êle exteriores, como exteriores à nossa percepção, se manifestassem neste plano da matéria. Por outras palavras, êle era um médium — o maior que o mundo moderno já viu, no campo das manifestações físicas.

Um homem inferior teria usado os seus poderes extraordi­nários para fundar uma seita especial, da qual teria sido o sumo sacerdote inconteste, ou para se rodear de uma auréolà de poder e de mistério. Certamente muita gente na sua posição teria sido tentada a usar aquêles dons para fazer dinheiro. Em rela­ção a êste ponto seja dito antes de mais nada que no curso de seus trinta anos de estranho ministério, jamais êle tocou num tostão como paga de seus dons. É absolutamente certo que lhe foram oferecidas duas mil libras pelo Clube União, em Paris, no ano de 1857, por uma única sessão, e que êle, pobre e invá­lido, as recusou terminantemente. “Fui mandado em missão”, disse êle. “Essa missão é demonstrar a imortalidade. Nunca recebi dinheiro por isso e jamais o receberei”. Houve certos presentes da Realeza que não podiam ser recusados sem grosse­ria: anéis, alfinêtes de gravatas e outros, que mais eram sinais de amizade do que recompensa; porque, antes de sua morte prematura, poucos eram os monarcas da Europa com os quais êsse môço desconfiado de um subúrbio de Liverpool não estivesse em afetuosa intimidade. Napoleão 3º cuidou de sua única irmã; o Imperador da Rússia foi testemunha de seu casa­mento. Qual o novelista que seria capaz de inventar uma tal car­reira?

Há, porém, tentações mais sutis do que as da riqueza. A inquestionável honestidade de Home foi a melhor salvaguarda contra aquelas. Jamais êle perdeu, por um só instante, a sua humildade e o seu senso de proporção. “Tenho êsses poderes”, teria êle dito, serei feliz até o limite de minhas fôrças, eu vô-los demonstrar, se vos aproximardes de mim, do mesmo modo que um cavalheiro se aproximaria de outro. Alegrar-me-ei se lançardes um pouco mais de luz sôbre elas. Prestar-me-ei a qualquer experiên­cia razoável. Eu não exerço controle sôbre elas. Elas me usam, mas eu não as uso. Elas me abandonam durante meses e voltam com redobrada energia. Eu sou um instrumento passivo — nada mais.” Tal era a sua atitude invariável. Êle era sempre o homem mundano fácil e amigo, que nem tinha o man­to do profeta nem o turbante do mágico. Como os homens realmente grandes, não havia em sua natureza o mínimo de pose. Um indício de sua elegância é que, sempre que devia con­firmar os seus resultados, jamais citava nomes, a menos que estivesse absolutamente certo de que as pessoas citadas de modo algum se incomodariam em ser referidas a um culto impopular. Por vêzes, ainda quando estas lhe houvessem autorizado a ci­tá-las, evitava fazê-lo, com receio de ofender a um amigo. Quando publicou as primeiras séries dos “Incidentes em minha Vida”, o Saturday Review cobriu de sarcasmos o anônimo “tes­temunho da Condessa O... do Conde B... do Conde de K... da Princesa de B... e de Mrs. E... que eram apontados como tendo assistido às manifestações. Em seu segundo volume, ten­do-se assegurado do apoio de seus amigos, Home preencheu os claros com os nomes da Condêssa Orsini, do Conde de Beaumont, do Conde de Komar, da Princesa de Beauveau e a conhe­cida dama americana Mrs. Henry Senior. Jamais citou os seus amigos reais, embora fôsse muito sabido que o Imperador Na­poleão e Imperatriz Eugênia, o Tzar Alexandre, o Imperador Guilherme 1º da Alemanha e os Reis da Baviera e do Wurtemberg também haviam sido convencidos por suas fôrças extraor­dinárias. Nem uma só vez Home foi condenado por qualquer mistificação, quer por palavras, quer por atos.

Por ocasião de sua primeira viagem à Inglaterra, hospedou-se no Cox’s Hotel, em Jermyn Street, e é provável que tenha esco­lhido essa hospedaria por ter sabido, através de Mrs. Hayden, que o seu proprietário era simpático à causa. Como quer que seja, Mr. Cox logo descobriu que o seu jovem hóspede era o mais notável médium e, a seu convite, os mais notáveis inte­lectuais do momento foram convidados a examinar os fenômenos que Home lhes poderia exibir. Entre outros, Lord Brougham veio à sessão e trouxe um cientista seu amigo, Sir David Brews­ter. Em plena luz do dia investigaram os fenômenos e na sua satisfação pelo que se havia passado, ao que se conta, teria dito Brewster: “Isto derrota a filosofia de cinqüenta anos”. Se êle tivesse dito “mil e quinhentos” ter-se-ia aproximado da marca - Êle descreve o que aconteceu numa carta à sua irmã, só muito mais tarde publicada (1).

1. “Home Life of Sir David Brewster”, por Mrs. Gordon, sua filha.

Estavam presentes Lord Brougham, Sir David Brewster, Mr. Cox e o médium.

“Nós quatro”, disse Brewster, “sentamo-nos a uma mesa de tamanho regular, e cuja estrutura nos tinham convidado a exa­minar. Em pouco tempo a mesa fêz esforços e um tremor per­correu os nossos braços; êsses movimentos cessavam e recomeça­vam ao nosso comando. As mais incontáveis batidas se produ­ziram em várias partes da mesa e esta se ergueu do chão quando não havia mãos sôbre ela. Outra mesa maior foi utilizada e produziu os mesmos movimentos..

“Uma pequena sineta foi posta no chão, sôbre o tapête, de bôca para baixo; depois de algum tempo ela soou sem que nin­guém a tivesse tocado.” Acrescenta êle que a sinêta veio para êle e se colocou em suas mãos; depois fêz o mesmo com Lord Brougham - E conclui: “Estas foram as principais experiências. Não poderíamos explicá-las nem imaginar por que espécie de mecanismo poderiam ter sido produzidas.”

Declara o Conde de Dunraven que foi levado a investigar os fenômenos pelo que Brewster lhe havia contado. Descreve o encontro com êste último, que dizia serem as manifestações inexplicáveis pela fraude, ou por quaisquer leis de física de nosso conhecimento. Home remeteu uma descrição dessa sessão a um amigo na América, onde a mesma foi publicada e co­mentada. Quando os comentários foram reproduzidos na im­prensa inglêsa, Brewster ficou muito alarmado. Uma coisa é sus­tentar certas idéias na intimidade e outra enfrentar a inevitável perda de prestígio, que ocorreria nos meios científicos em que se achava. Sir David não era daquele estôfo de que são feitos os mártires e os pioneiros.

Escreveu ao Morning Advertiser, declarando que, embora tivesse visto vários efeitos mecânicos que não poderia explicar, ainda era de opinião que os mes­mos poderiam ser produzidos por pés e mãos humanos. Aliás jamais lhe ocorrera que a carta escrita à sua irmã, a que acima nos referimos, um dia fôsse publicada.

Quando tôda a correspondência foi publicada, o Spectator observou, em relação a Sir David Brewster:

“Parece estabelecido pela mais clara prova que êle sentiu e descreveu, logo depois de suas sessões com Mr. Ijome, uma maravilha e quase terror, que depois desejou explicar. O herói da ciência não se absolve como a gente desejaria, ou como era de esperar.”

Abordamos ligeiramente o incidente com Brewster porque é típico da atitude científica de então e porque o seu efeito era despertar um maior interêsse em Home e seus fenômenos, e acor­dar novos investigadores. Pode alguém lembrar que os homens de ciência se dividem em três classes: os que absolutamente não examinaram o assunto — o que não os impede de pronunciar opiniões muito violentas; os que sabem que a coisa é verda­deira, mas temem confessá-lo; e, finalmente, a brilhante minoria dos Lodges, dos Crookes, dos Barretts e dos Lombrosos, que sabem que é verdade e não temem proclamá-lo.

De Jermyn Street, Home foi morar com a família Rymer, em Ealing, onde foram realizadas muitas sessões. Aí foi visi­tado por Lord Lytton, o famoso novelista que, muito embora tivesse recebido notáveis provas, jamais confessou públicamente a sua crença nos poderes do médium, a despeito de suas cartas particulares e das novelas publicadas constituírem provas evi­dentes de seu modo de sentir. Assim acontecia com muitos homens e senhoras bem conhecidos. Entre os seus primeiros assistentes estavam o Socialista Robert Owen, o escritor T. A. Trollope e o alienista Doutor J. Garth Wilkiuson.

Nestes dias, quando os fenômenos psíquicos são familiares a todos, exceto aos que propositadamente os ignoram, dificilmente podemos imaginar a coragem moral necessária a Home para desenvolver as suas fôrças e as exibir em público. Para o bri­tânico de educação média na material época Vitoriana, um ho­mem que se dissesse capaz de produzir fenômenos que contrariassem a lei da gravidade de Newton e que mostrasse uma inteligência invisível atuando sôbre a matéria visível era, de saída, julgado um tratante e um impostor. O ponto de vista sôbre o Espiritismo, externado pelo vice-chanceler Giffard, na conclusão do processo Home-Lyon, era o da classe a que êle pertencia. Nada conhecia sôbre o assunto, mas tomou como certo que tudo nesse particular era falso. É verdade que seme­lhantes coisas eram descritas em terras distantes e em livros antigos, mas que elas pudessem ocorrer na velha e sólida In­glaterra prosaica, na Inglaterra de dividendos bancários e de livre câmbio, era demasiadamente absurdo para uma mentalidade séria. Foi lembrado que nesse processo Lord Giffard virou-se para o advogado de Home e perguntou: “Parece-me que o senhor sustenta que o seu cliente foi levitado no ar?” O advogado o confirmou e então o juiz voltou-se para o júri e fêz um tal movimento, como o teria feito um sumo sacerdote, rasgando suas vestes talares em sinal de protesto contra a blasfêmia. Em 1868, havia poucas pessoas do júri suficientemente educadas para verificar as observações do juiz, e é exatamente neste particular que fizemos algum progresso nestes cinqüenta anos. Trabalho lento — mas o Cristianismo levou mais de três séculos para se firmarço

Tome-se êste caso de levitação de Home como um teste de seu poder. Sustenta-se que por mais de cem vêzes, perante testemunhas respeitáveis, êle flutuou no ar. Considere-se a prova. Em 1857, num castelo perto de Bordéos, êle foi erguido até o teto de um salão alto, em presença de Madame Ducos, viúva do Ministro da Marinha e do Conde e da Condêssa de Beaumont. Em 1860 Robert Bell escreveu um artigo, no Cornhill, sob o título de “Mais estranho do que uma ficção”, no qual diz que “foi erguido de sua cadeira quatro a cinco pés do solo... Vimos o seu corpo passar de um para o outro lado da janela, com os pés para a frente, pôsto horizontalmente no ar”. O Doutor Gully, de Malvern, médico muito conhecido, e Robert Chambers, autor e editor, eram outras testemunhas. Pode admitir-se que êsses homens mentissem por deliberado acôrdo ou que não soubessem dizer se um homem flutuava no ar ou apenas pretendia fazê-lo?

No mesmo ano Home foi levantado em casa de Mis. Milner Gib­son, em presença de Lord e Lady Clarence Paget, tendo o Lord passado as mãos por baixo de Home, a fim de se certificar do fato. Poucos meses mais tarde, Mr. Wason, advogado de Liverpool, com sete outros, assistiram ao mesmo fenômeno. Diz êle:

“Mr. Home atravessou a mesa, passando por cima das cabeças das pessoas sentadas em sua volta”. E acrescenta: “Alcancei a sua mão a sete pés do solo e dei cinco ou seis passos enquanto êle flutuava no espaço, acima de mim.” Em 1861 Mrs. Parkes, de Cornwald Terrace, Regent’s Park, conta como se achava pre­sente, com Bulwer Lytton e Mr. Hall, quando Home, em sua própria sala de visitas, foi levantado até que a mão chegou ao alto da porta e então flutuou horizontalmente. Em 1866 Mr. e Mis. Hall, Lady Dunsany e Mrs. Scnior, em casa de Mr. Hall, viram Home, com o rosto transfigurado e brilhante, erguer-se duas vêzes até o teto e deixar uma cruz, feita com lápis, na segunda levi­tação, de modo a assegurar às testemunhas que não eram vítimas de sua própria imaginação.

Em 1868 Lord Adare, Lord Lindsay, o Capitão Wynne e Mr. Smith Barry viram Home levitado várias vêzes. Uma des­crição minuciosa foi deixada pela primeira daquelas testemunhas da ocorrência de 16 de dezembro daquele ano (2),

2. O almanaque mostra que era domingo, dia 13.

quando em Ashley House, em estado de transe, Home flutuou do quarto para a sala de estar, passando pela janela, a setenta pés acima da rua. Depois de chegar à sala, voltou para o quarto com Lord Adare e, depois que este observou que não compreendia como Home poderia ter passado pela janela, apenas parcialmente le­vantada, “êle me disse que se afastasse um pouco. Então pas­sou pelo espaço aberto, primeiro a cabeça, muito rapidamente, estando o seu corpo aparentemente rígido e quase na horizontal. Voltou novamente, com os pés para a frente”. Tal a infor­mação dada por Lord Adare e Lord Lindsay. Diante de sua publicação, o Doutor Carpenter, que gozava de uma reputação nada invejável por uma perversa oposição a tudo quanto se rela­cionava com êste assunto, escreveu exultante indicando que havia uma terceira testemunha que não tinha sido ouvida, admi­tindo sem o menor fundamento que o depoimento do Capitão Wynne seria em sentido contrário. Por fim disse que “um simples céptico honesto declara que Mr. Home estêve sentado todo o tempo em sua cadeira” afirmação que apenas pode ser tomada como falsa. Então o Capitão Wynne escreveu cor­roborando os outros depoimentos e acrescentando:

“Se o senhor não acredita na prova corroborante de três testemunhas insuspeitas, então será o fim de tôda a justiça e das côrtes da lei”.

Para ver quanto a crítica procurou uma saída para esca­par ao inevitável, basta dizer que ela se agarrou ao que Lord Lindsay escreveu algum tempo depois, dizendo que a coisa tinha sido Vista à luz da Lua. Entretanto o calendário mostra que naquele dia a Lua era invisível. Observa Mr. Andrew Lang:

“Entretanto, mesmo com cerração, a gente numa sala pode ver um homem entrar por uma janela e sair novamente, com a cabeça para a frente, com o corpo rígido”. (3)

3. “Historical Myteries”, página 236.

A todos nós parece que se víssemos uma coisa tão maravilhosa, não nos preocuparíamos em determinar se a víamos à luz da Lua ou de lâmpadas da rua. Contudo deve admitir-se que a descrição de Lord Lindsay é redigida grosseiramente — tão grosseiramente que a gente quase desculpa Mr. Joseph Mc Cabe, quando diz numa conferência que os observadores não olhavam a coisa diretamente e a sua sombra no peitoril da janela, mas que se achavam de costas para a janela e apenas viam a sombra da coisa na parede. En­tretanto, quando a gente considera a segurança das três teste­munhas de vista que depuseram sôbre o caso, tem o direito de perguntar se, quer no passado, quer no presente, qualquer fato extraordinário já foi mais claramente provado.

Tantos são os outros casos de levitação de Home que facilmente seria escrito um longo artigo sôbre êste particular aspec­to de sua mediunidade. O Professor Crookes foi outras tantas vêzes testemunha do fenômeno e se refere a cinqüenta exemplos que haviam chegado ao seu conhecimento. Haverá porém al­guém de cérebro equilibrado que, tendo lido o incidente aqui referido, não diga, com o Professor Challis: “Ou os fatos devem ser admitidos tais quais são relatados, ou devemos dizer adeus à possibilidade de nos certificarmos de fatos através do teste­munho humano”

“Voltamos, então, à era dos milagres?”, perguntará o leitor. Não há milagres. Nada neste plano é sobrenatural. Aquilo que vemos agora e o que lemos de tempos passados é apenas a operação da lei que ainda não foi bem estudada e definida. Já imagi­namos algo de suas possibilidades e de suas limitações, que são tão exatas na sua maneira quanto as de qualquer fôrça puramente física. Devemos fazer um balanço entre os que em nada acreditam e os que acreditam demais. Gradativamente a bruma se vai clarificando e poderemos definir os contornos da costa sombria. Quando pela primeira vez uma agulha foi movida pelo magneto, não houve infração às leis da gravidade. É que houve a intervenção local de outra fôrça mais poderosa. Esse é tam­bém o caso quando as fôrças psíquicas atuam no plano da matéria. Se a fé que Home tinha em sua fôrça tivesse faltado, ou se o seu círculo tivesse sido perturbado indevidamente, êle teria falhado. Quando Pedro perdeu a fé afundou-se nas ondas. Atra­vés dos séculos a mesma causa ainda produziu o mesmo efeito. A fôrça espiritual ainda está conosco se não lhe voltamos a face e nada foi concedido à Judéia que fôsse negado à Inglaterra.

A êsse respeito é como uma confirmação do poder do invi­sível e como uma resposta final ao materialismo, tal qual o en­tendemos, que a carreira pública de Home é de suprema im­portância. Êle foi uma testemunha a afirmar a verdade daqueles chamados “milagres” que foram o pesadelo para tantas mentes espertas e agora se destinam a ser a prova sólida e forte da exatidão das narrativas primitivas. Milhões de almas em dú­vida, na agonia dos conflitos espirituais reclamavam provas definitivas de que nem tudo era um vazio em redor de nós, de que havia fôrças fora do nosso alcance, de que o ego não era uma mera secreção do tecido nervoso e de que os mortos real­mente levavam sua indestrutível existência pessoal.

Tudo isso foi provado pelo maior dêsses grandes missionários modernos, a qualquer um capaz de observar ou de raciocinar. É possível achar graça em mesas dançantes e em muros que tremem, mas êstes foram os mais próximos e os mais naturais objetos que podiam, em têrmos materiais, registrar aquela fôrça que estava acima do alcance humano. Um cérebro que fôsse imobilizado por uma sentença inspirada seria levado à humildade e a novos caminhos de pesquisa em presença até do mais caseiro dêsses inexplicáveis fenômenos. É fácil chamá-los de pueris, mas reali­zaram o objetivo para que foram destinados, sacudindo em seus fundamentos a complacência daqueles materialistas homens de ciên­cia que eram postos em contacto com êles. Êles não devem ser achados como um fim em si, mas como um meio elementar pelo qual a mente deveria ser conduzida a novos canais do pensamento. E êsses canais do pensamento levaram ao reconhe­cimento da sobrevivência do Espírito.

“Trouxestes incalculável alegria e consolo ao coração de muita gente”, disse o Bispo Clark, de Rhode Island. “Iluminastes lugares habitados que an­tes eram trevas”. “Mademoiselle”, disse Home à môça que ia ser sua espôsa, “há uma missão a mim confiada.

Ela é grande e santa”. O famoso Doutor Elliotson, imortalizado por Thackeray sob o nome de Doutor Goodenough, era um dos chefes do materialismo britânico. Encontrou Home, viu os seus poderes e teve a cora­gem de dizer imediatamente que tinha vivido tôda a sua vida em trevas e pensava que nada havia na vida que não fôsse ma­terial; mas que agora tinha a firme esperança que, assim pensava, haveria de alimentar enquanto vivesse.

Poderiam citar-se inúmeros exemplos do valor espiritual do trabalho de Home; mas êle jamais foi melhor sintetizado do que num período escrito por Mrs. Webster, de Florença, que viu muito da sua atuação. “Êle é o mais maravilhoso missionário dos tempos modernos e da maior de tôdas as causas, e o bem que êle tem feito não pode ser avaliado. Quando Mr. Home passa, derrama em seu redor a maior de tôdas as bênçãos — a certeza da vida futura”.

Agora que é possível conhecer detalhes de sua vida, pode dizer-se que é para o mundo inteiro que se dirige a mais vital de tôdas as mensagens. Sua atitude, em relação à sua própria mis­são, foi expressa numa conferência feita em Londres, na Sala Willis, a 15 de fevereiro de 1866. Disse êle: “Sinceramente penso que essa força aumentará cada vez mais para nos apro­ximar de Deus. Perguntareis se ela nos torna mais puros. Mi­nha única resposta é que somos mortais apenas e, como tal, sujeitos ao erro. Mas ela ensina que aquêles de coração puro verão a Deus. Ela nos ensina que Deus é amor e que não há morte. Aos ve­lhos ela vem como uma consolação, quando se aproximam as tempestades da vida e quando vem o descanso. Aos moços ela fala do dever que temos uns para com os outros e diz que colheremos o que houvermos semeado. A todos ensina resignação. Vem desfazer as nuvens do êrro e trazer a manhã radiosa de um dia interminável”.

É curioso notar como a sua mensagem afetou os de sua geração. Lendo o relato de sua vida, escrita por sua espôsa — um documento muito convincente, de vez que foi ela, de tôdas as criaturas, a que mais deveria ter conhecido o homem real — ressalta que o mais cordial apoio e o maior aprêço lhe veio dos aristocratas da França e da Rússia, com os quais tinha tomado contacto. O caloroso brilho de admiração pessoal e até a reverên­cia em suas cartas é tal, que dificilmente pode ser igualada em qualquer outra biografia. Na Inglaterra tinha êle um círculo íntimo de ardentes defensores, alguns das altas camadas sociais, como os Halts, os Howitts, Robert Chambers, Mrs. Milner Gibson, o Professor Crookes e outros. Mas havia uma lamentável falta de coragem entre êstes, que admitiam os fatos na intimidade e se mantinham alheios em público. Lord Brougham e Bulwer Lyt­ton eram do tipo de Nicodemos, principalmente o novelista. De um modo geral a “inteligência” saiu-se muito mal neste assunto e muitos nomes festejados sofreram com a história. Tyndall e Faraday foram fantasticamente anticientíficos nos seus métodos de prejulgar a questão, logo de saída, e posteriormente se ofe­receram para a examinar, sob a condição de que fôsse aceita a sua opinião. Sir David Brewster, como ficou dito, disse algo de honesto, e depois, em pânico, negou que o houvesse dito, esquecendo-se de que a prova já estava feita. Browning escreveu um longo poema — se é que aquilo se pode chamar poesia — descrevendo uma manifestação que jamais ocorreu. Carpenter conquistou uma notoriedade pouco invejável como opositor sem escrúpulos, ao proclamar uma singularíssima tese espírita de sua invenção. Os secretários da Sociedade Real recusaram o con­vite para assistirem às demonstrações de Crookes sôbre os fenô­menos físicos, enquanto se manifestavam terminantemente contra os mesmos. Lord Giffard despejou da Tribuna contra um súdito os primeiros elementos daquilo que ignorava.

Quanto ao clero nenhuma ordem deve ter sido dada, du­rante os trinta anos em que a mais maravilhosa dispensação espi­ritual desde muitos séculos foi dada ao público. Não é possível recordar o nome de um único clérigo britânico que tivesse mos­trado um interêsse inteligente.

E em 1872, quando começou a aparecer em The Times uma descrição minuciosa das sessões de São Petersburgo, a coisa foi cortada logo, segundo Mr. H. T. Humphreys, “devido ás fortes queixas feitas a Mr. Delane, seu diretor, por algumas figuras da alta direção da Igreja da Inglaterra.” Tal foi a contribuição dos nossos dirigentes espiri­tuais. O Doutor Elliotson, o nacionalista, era muito mais vivo do que êles. Eis o amargo comentário da senhora Home: “O ve­redito de sua própria geração foi o do cego e do surdo contra quem vê e ouve.

A caridade era uma das mais belas características de Home. Como tôda verdadeira caridade, era secreta e só se tornava conhecida indiretamente, e por acaso. Um de seus numerosos caluniadores declarou que lhe havia endossado uma letra de cinqüenta libras em favor de seu amigo Mr. Rymer. Em legí­tima defesa apurou-se que não era uma letra, mas um cheque, enviado muito generosamente por Mr. Home para tirar aquêle amigo de um apuro.

Considerando a sua constante pobreza, cinqüenta libras talvez representassem uma boa parte de suas reservas bancárias. Sua viúva se detém com perdoável orgu­lho sôbre muitas provas encontradas em suas cartas, após a sua morte. “Agora é um artista desconhecido, para cujo pincel o generoso esfôrço de Home havia encontrado emprêgo; depois, é um trabalhador infeliz que escreve sôbre a sua espôsa doente, cuja vida foi salva pelo confôrto proporcionado por Mr. Home; ou uma mãe que agradece o seu apoio para a iniciação de seu filho na vida. Quanto tempo e quanta atenção devotou êle aos outros quando as circunstâncias de sua vida levariam muitos homens a pensar apenas em si próprios e em suas necessidades.”

“Mande-me uma palavra do coração que tantas vêzes soube consolar um amigo!” exclamava um de seus protegidos.

“Poderei um dia mostrar-me digno de todo o bem que você me fêz?” pergunta outro numa carta.

Encontramo-lo vagando pelos campos de batalha, perto de Paris, às vêzes debaixo de fogo, com os bolsos cheios de cigarros para os feridos. Um oficial alemão escreve afetuosamente para lhe lembrar como o salvou de morrer de hemorra­gia, carregando-o em seus fracos ombros para fora da zona de fogo. Certamente Mrs. Browning era um melhor juiz do caráter do que seu espõso e Sir Galahad um nome melhor do que Lama.

Ao mesmo tempo seria absurdo pintar Home como um caráter sem jaça. Tinha êle a fraqueza de seu temperamento e algo de feminino em sua disposição que se mostrava de muitas maneiras. Estando na Austrália, o autor teve oportunidade de ler uma correspondência datada de 1856, entre Home e o filho mais velho dos Rymer. Tinham viajado juntos pela Itália e Home tinha abandonado o amigo em circunstâncias que demons­travam inconstância e ingratidão. Mas é justo dizer que sua saúde era então tão precária que dificilmente poderíamos consi­derá-lo normal. “Tinha êle os defeitos de um caráter emotivo”, disse Lord Dunraven, “como a vaidade altamente desenvolvida, talvez sâbiamente lhe permitindo subtrair-se ao ridículo que então era despejado sôbre o Espiritismo e tudo quanto a êste se ligava. Era sujeito a grandes depressões e crises nervosas dificilmente compreensíveis, mas era, também, simples, bondoso, de bom humor, de disposição amorável, que me atraía... Minha ami­zade ficou inalterável e sem diminuição até o fim.”

Há poucos daqueles variados dons, que chamamos “mediú­nicos” e que São Paulo chama “do Espírito”, que Home não possuísse. Na verdade, a característica de sua fõrça psíquica era uma invulgar versatilidade. Geralmente falamos de um médium de Voz Direta, de um que fala em transe, de um clarividente ou de um de efeitos físicos, quando Home era os quatro.

Tanto quanto podemos verificar, tinha êle pouca experiência quanto àfôrça de outros médiuns e não estava isento daquele ciúme psíqui­co, que é um traço comum dêsses sensitivos. Mrs. Jencken, antes Miss Kate Fox, foi o único médium a quem teve amizade.

Sentia amargamente qualquer mistificação, e denotou sempre êsse excelente fraco do caráter, qual o de guardar suspeitas de tôdas as formas de manifestações que não correspondessem exa­tamente às suas. Essa opinião, expressa de modo não comprometedor em seu último livro “Lights and Shadows of Spiritualism” (4)

4. “Luzes e Sombras do Espiritismo”. N. do T.

naturalmente magoaram outros médiuns, que pretendiam ser tão honestos quanto êle. Um mais largo e profundo contacto com os fenômenos o teriam tornado mais caridoso. Assim, êle protestou fortemente contra tôda sessão feita no escuro, o que é um conselho de perfeição, de vez que as experiên­cias sôbre o ectoplasma, que é a base física de tõdas as materializações, mostram, em geral, que aquêle é afetado pela luz, exceto pela vermelha. Home não tinha grande experiência das materializações completas, tais como foram obtidas naqueles dias por Miss Florence Cook ou por Madame d’Esperance, ou em nossos dias pela mediunidade de Madame Bisson. Assim, podia êle dispensar a obscuridade completa em seu trabalho. Por isso sua opinião foi injusta para com os outros. Por outro lado, Home declarou enfàticamente que a matéria não podia passar através da matéria, porque os seus fenômenos não toma­vam êsse aspecto. Ainda a prova de que, em certos casos, a matéria podia passar através da matéria era esmagadora. Até pássaros de variedades raras foram trazidos para as salas de sessões, em circunstâncias que excluem qualquer fraude e as experiências de madeira que atravessa a madeira, como as que foram apresentadas a Zõllner e outros professores em Leip­zig, foram tão concludentes que se acham relatadas pelo famoso físico na Física Transcendental, de suas experiências com Slade. Dêste modo, deve levar-se como uma pequena fraqueza do caráter de Home o fato de gritar e duvidar das fôrças que porventura êle não possuísse.

Podem alguns acusá-lo de dirigir sua mensagem antes aos dirigentes da sociedade do que às massas trabalhadoras. É pro­vável que, de fato, Home tivesse a fraqueza, assim como as graças de sua natureza artística, que o faziam sentir-se mais feliz numa atmosfera de elegância e de finura e uma repulsa visce­ral por tudo quanto fôsse sórdido e desfavorecido.

Se outras razões não existissem, o precário estado de saúde o tornava inapto para qualquer tarefa pesada; as contínuas hemorragias o levaram a preferir a agradável e refinada vida na Itália, na Suíça e na Riviera. Mas, em relação ao desenvolvimento de sua missão, de lado o auto-sacrifício pessoal, não há a menor dúvida de que a sua mensagem, levada ao laboratório de um Crookes ou à Côrte de um Napoleão, foi mais útil do que se tivesse sido levada à multidão. A aprovação da ciência e do caráter era necessária antes que o público ficasse seguro de que essas coisas eram verdadeiras. Se isso não foi inteiramente conseguido a falta cabe certamente aos encapuçados homens de ciência e aos pensadores da época e de modo algum Home, que representou o seu papel de demonstrador com perfeição, deixando a outros ho­mens menos dotados a análise e a publicidade do que lhes havia mostrado. Não era êle um homem de ciência, mas a matéria-prima da ciência, desejando ansioso que os outros dêle pudes­sem aprender tudo quanto pudesse trazer ao mundo, de modo que a própria ciência pudesse dar testemunho da religião, enquanto se apoiasse sôbre a ciência. Quando a mensagem de Home tiver sido aprendida completamente, um homem sem fé não será acusado de impiedade, mas de ignorância.

Havia algo de patético no esfôrço de Home para desco­brir alguma crença na qual pudesse satisfazer o seu próprio ins­tinto gregário — porque êle não era tido como um individua­lista cabeçudo — e ao mesmo tempo achar um nicho no qual pudesse depositar seu próprio volume de autênticas verdades. Sua peregrinação reivindica a afirmação de alguns espíritas de que um homem pode pertencer a qualquer crença e possuir conhecimentos espíritas, mas também apóia os que replicam que a perfeita harmonia com aquêles conhecimentos espíritas só pode ser encontrada, tal qual a coisa se encontra agora, numa comunidade espírita especial. Ah! se pudesse ser assim, pois é ele demasiado grande para afogar-se numa seita, por maior que seja ela. Na mocidade Home seguiu a Wesley, mas logo se passou para a mais liberal atmosfera do Congregacionalismo. Na Itália a atmosfera artística da Igreja Católica Romana e, possivelmente o registro de tantos fenômenos semelhantes aos seus próprios, levaram-no a se converter com a intenção de entrar para uma ordem monástica — intenção que o seu bom senso o levou a abandonar. A sua mudança de religião se deu num período em que as fôrças psíquicas o haviam abandonado durante um ano e seu confessor lhe garantiu que elas eram de origem perversa e que jamais lhe voltariam, agora que se transfor­mara num filho da verdadeira Igreja. Não obstante, no próprio dia em que se completava um ano, elas voltaram com reno­vado vigor. Desde então parece que Home foi católico apenas de nome, se é que o foi, e depois de seu segundo casamento —ambos com senhoras russas — foi êle fortemente atraído para a Igreja Grega e foi no seu ritual que o seu corpo foi encomen­dado em St. Germain, em 1886. “A outro o discernimento dos Espíritos” (1 Epístola aos Coríntios, capítulo 12º versículo 10) é a curta inscrição sôbre aquêle tú­mulo, do qual o mundo ainda não ouviu a última palavra.

Se fôssem necessárias provas da vida inatacável de Home, estas não poderiam ser melhor apresentadas do que pelo fato de que seus numerosos inimigos, sempre à espera de uma oportunidade para o ataque, jamais puderam encontrar algo em tôda a sua carreira para um comentário, a não ser o caso abso­lutamente inocente, e que se tornou conhecido como o caso Home-Lyon. Qualquer juiz imparcial, lendo os depoimentos nesse caso, — e êstes se encontram verbum ad verbum na se­gunda série dos “Incidents in My Life” (5)

5. “Incidentes em minha Vida”. — N. do T.

— conviria que não há censura mas comiseração devida a Home. Não se poderia desejar maior nobreza de caráter do que a sua em relação àque­la mulher desagradável e caprichosa, que inicialmente lhe havia doado boa soma de dinheiro e depois, mudando de idéia, ao ver frustrada a esperança de ser apresentada na alta sociedade, nada levou em consideração com intuito de reaver aquêle di­nheiro. Se ela apenas tivesse pedido a sua devolução, não há dúvida de que os delicados sentimentos de Home o teriam le­vado a devolvê-lo, ainda que lhe tivesse custado muito trabalho e despesas, pois se tratava de mudar o seu nome para Home-­Lyon, a fim de satisfazer a vontade daquela mulher que queria adotá-lo como filho. Suas exigências, entretanto, eram tais, que êle não as poderia aceitar honrosamente, pois implicava o reconhecimento de que procedera mal aceitando o presente. Consultando as cartas originais — o que, parece, não foi feito pelos poucos que comentaram o caso — verifica-se que Home, o seu procurador S. C. Hall e seu advogado Mr. Wilkinson imploraram àquela senhora que moderasse a sua desarrazoada benevolência que se havia transformado tão ràpidamente numa malevolência ainda mais desarrazoada. Ela estava absolutamente determinada a que Home ficasse com o dinheiro e se constituísse seu her­deiro. Jamais houve um homem menos mercenário: êle lhe pediu repetidamente que pensasse em seus parentes, ao que ela respon­dia que o dinheiro lhe pertencia e que ela poderia fazer com êle o que bem quisesse e que nenhum parente dependia dela. Desde o momento em que aceitou a situação, agiu e escreveu como um filho devotado e não é falta de caridade supor que essa atitude inteiramente filial não tivesse sido aquela que a velhota havia planejado. De qualquer modo, cedo ela se cansou de esperar e exigiu o dinheiro sob a escusa — escusa monstruosa para quem quer que leia as cartas e considere as datas — de que mensagens espíritas é que a tinham levado a tomar aquela resolução.

O caso correu na Côrte de Chancery e o juiz aludiu a “inúmeras falsidades de Mrs. Lyon, em tão importantes detalhes —falsidades declaradas sob juramento e tão perversas que causavam um grande embaraço à Côrte e desacreditavam o testemunho da queixosa”. A despeito dêsse comentário cáustico e da elementar justiça, o veredito foi contra Home, por isso que, de um modo geral, é taxada como falha de provas a defesa em tais casos e uma completa falta de provas é impossível quando a ação é con­testada. Sem dúvida Lord Giffard se teria mostrado superior à simples letra da lei, se não fôsse tão profundamente contrário a qualquer referência às fôrças psíquicas, que, no seu modo de ver, eram manifestamente absurdas e ainda eram sustentadas pela de­fesa em sua cara, na sua própria Côrte de Chancery. Até os piores inimigos de Home foram forçados a admitir que o fato de haver êle retido o dinheiro na Inglaterra, em vez de o depo­sitar em lugar onde não pudesse ser requisitado, prova as suas intenções honestas no mais infortunado episódio de sua vida. Não há notícia de que tenha êle perdido a amizade de um só dos homens de honra, que o tinham como amigos, por causa das maquinações de Mrs. Lyon. Os próprios motivos dessa senhora eram óbvios. Como todos os documentos estavam em ordem, seu único caminho para recuperar o dinheiro foi acusar Home de extorsão por meio de simulação; e ela era bastante esperta para saber que chance teria um médium — mesmo um médium ama­dor e que não se fazia pagar — na ignorante e material atmos­fera de uma côrte de justiça do período médio-vitoriano. Ah! omitamos êsse médio-vitoriano e a verificação é a mesma.

As faculdades de Home foram atestadas por tantos e tão famosos observadores e foram mostradas sob condições tão fran­cas que nenhum homem razoável poderá pô-las em dúvida.

Só a prova de Crookes é conclusiva (6).

6. “Researches in the Phenomena of Spiritualism, e SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH Proceedings, volume 6º, página 98

Há também, o notável livro, recentemente reeditado, no qual Lord Dunraven conta a história de sua mocidade em ligação com Home.

Mas, de lado êstes, entre aquêles que na Inglaterra investigaram nos primeiros anos e cujo testemunho público ou cartas a Home mostram que não só estavam convencidos dos fenômenos, mas também de sua origem espiritual, devemos mencionar a Duquesa de Sutherland, Lady Shelley, Lady Gomm, o Doutor Robert Chambers, Lady Otway, Miss Catherine Sinclair, Mrs. Milner Gibson, Mr. e Mrs. William Howitt, Mrs. De Burgh, o Doutor Gully (of Malvern), Sir Charles Micholson, Lady Dunsany, Sir Daniel Cooper, Mrs. Adelaide Senior, Mr. e Mrs. 5. C. Hall, Mrs. Macdougall Gre­gory, Mr. Pickersgill, R. A., Mr. E. L. Blanchard e Mr. Ro­bert Bell.

Outros que chegaram a admitir que a teoria da impostura era insuficiente para explicar os fenômenos foram: Mr. Rus­kin, Mr. Thackeray (então redator do Cornhill Magazine), Mr. John Bright, Lord Dufferin, Sir Edwin Arnold, Mr. Heaphy, Mr. Durham (escultor), Mr. Nassau Senior, Lord Lyndhurst, Mr. J. Hutchinson (ex-secretário da Bôlsa) e o Doutor Lockhart Ro­bertson.

Tais foram as testemunhas e tal o seu trabalho. E ainda quando a sua vida utilíssima e altruísta chegava a seu fim, deve ser lembrado, para eterna vergonha da Imprensa Britânica, que dificilmente se encontra um jornal que não se referisse a êle como um impostor e um charlatão. Contudo chega o momento em que êle será reconhecido pelo que realmente foi — um dos pio­neiros do lento e árduo avanço da Humanidade na selva da ignorância, que tanto a retardou.

10

Os Irmãos Davenport

A FIM de apresentar uma história contínua foi necessário descrever tôda a vida de D. D. Home. Agora é preciso voltar aos primeiros dias na América, e considerar o desenvolvimento dos dois Davenports. Home e os Davenports tiveram um papel internacional e sua história cobre o movimento na Inglaterra e nos Estados Unidos. Os Davenports trabalharam num nível muito mais baixo do que Home, fazendo profissão de seus notáveis dons e ainda pelos rudes métodos através dos quais tive­ram resultado no meio da multidão, de maneira que não teria sido usada por um médium mais fino. Se considerarmos todo êsse trem de eventos como tendo sido produzidos por uma fôrça sábia — mas não infalível ou onipotente — situada no Além, observaremos como cada ocasião é utilizada por um instrumento adequado, e como, ao falhar uma demonstração, outra a subs­titui.

Os Davenports tiveram sorte com os seus cronistas. Dois escritores publicaram livros (1),

1. “A Biography of the Brothers Davenport”, by T. L. Nichols, M. D., London, 1864. “Supranrundane Facts in the Life of Reverendo J. B. Ferguson, LL. D.” by T. L. Nichols, M. D. London, 1865. “Spiritual Experiences: Including Seven Months with tire Bro­thers Davenport» by Robert Cooper, London, 1867.

descrevendo os acontecimentos de sua vida e a literatura periódica do tempo está cheia de seus relatos.

Ira Erastus Davenport e William Henry Davenport nasceram em Buffalo, no Estado de New York, o primeiro a 17 de setembro­ de 1839 e o segundo a 1º de fevereiro de 1841. Seu pai, descendente dos primeiros colonos inglêses da América, ocupava posição no departamento de polícia de Buffalo. Sua mãe, nas­cida em Kent, na Inglaterra, veio criança para a América. Fo­ram observados alguns sinais de faculdades psíquicas na vida da mãe. Em 1846 a família foi perturbada alta noite por aquilo que descreveram como “batidas, socos, ruídos altos, rupturas e esta­los”. Isto foi dois anos antes do surgimento das manifestações nas Fox que, neste caso, como em muitos outros, os levou a in­vestigar e descobrir que tinham faculdades mediúnicas.

Os dois rapazes Davenport e sua irmã Elizabeth, a mais môça dos três, experimentaram pondo as mãos sôbre a mesa. Ruídos fortes e violentos eram ouvidos e mensagens eram deletreadas. A notícia espalhou-se e, do mesmo modo que com as irmãs Fox, centenas de curiosos e de incrédulos se amontoa­vam na casa. Ira desenvolveu a escrita automática e distribuiu entre os presentes mensagens escritas com extraordinária rapidez, contendo informações que êle não podia possuir. Logo se seguiu a levitação e o rapaz era suspenso no ar, por cima das cabeças dos que se achavam na sala, a uma altura de nove pés do solo. Depois o irmão e irmã foram igualmente influenciados e os três flutuavam no alto da sala. Centenas de cidadãos respeitáveis de Buffalo são citados como tendo presenciado êsses fatos. Uma vez, quando a família tomava uma refeição, as facas, os gar­fos e os pratos dançaram e a mesa foi erguida no ar. Numa ses­são, pouco depois, disso um lápis foi visto escrevendo em plena luz do dia, sem qualquer contacto humano. Então as sessões pas­saram a ser feitas com regularidade, começaram a aparecer luzes, e instrumentos de música boiavam no ar e eram tocados acima das cabeças dos circunstantes. A Voz Direta e outras manifesta­ções extraordinárias se seguiram muito numerosas. Atendendo o pedido das inteligências comunicantes, os irmãos começaram pro­gramando os vários lugares onde seriam realizadas sessões pú­blicas. Entre estranhos, insistiam pedidos de testes. A princípio os rapazes eram segurados por pessoas escolhidas entre os presen­tes, mas isto foi considerado insatisfatório, porque pensavam que aquêles que os seguravam eram comparsas. Então passaram a amarrá-los com cordas. A leitura da lista das engenhosas maneiras de controle que eram propostas, sem que pudesse haver interferência, mostra como é quase impossível convencer cépticos opiniáticos. Desde que um processo de controle dava resultado, outro era proposto. Em 1857 os professôres da Universidade de Harvard examinaram os rapazes e os seus fenômenos. Assim se expressa o seu biógrafo (2).

2. “A Biography o! the Brothers Davenport”, by T. L. Nichols, M. D. páginas 87-88.

“Os professores demonstraram ingenuidade, pro pondo testes. Seriam êles capazes de se submeterem a ser algemados? Sim. Per­mitiriam que fôssem agarrados? Sim. Fizeram uma dúzia de propostas, que foram aceitas e logo rejeitadas por seus próprios autores. Se algum teste fosse adotado pelos irmãos, isto bastava para o pôr de lado. Admitiam que estivessem preparados para isso, de modo que qualquer outro devia ser encontrado.”

Finalmente os professôres trouxeram cento e cinqüenta me­tros de corda, encheram de buracos o gabinete preparado numa de suas salas e ai amarraram brutalmente os rapazes. Todos os laços da corda foram amarrados com fio de linho e um dêles, o Professor Pierce, isolou-se dentro do gabinete, entre os dois rapa­zes. Imediatamente mostrou-se a mão de um fantasma, move­ram-se instrumentos, que eram notados pelo professor junto à sua cabeça ou ao seu rosto. A cada instante, êle procurava os rapazes com as mãos, sempre constatando que estavam imobili­zados. Por fim os operadores invisíveis libertaram os rapazes das suas amarras e quando o gabinete foi aberto, as cordas foram encontradas enroladas no pescoço do professor! Depois de tudo isso os professôres não fizeram nenhum relatório. É interes­sante ler a descrição de um aparelho de contrôle realmente inte­ressante, consistindo do que se pode chamar de mangas e cal­ças de madeira, muito bem pregadas, inventado por um homem chamado Darling, em Bangor, nos Estados Unidos. Como outros aparelhos, foi incapaz de evitar as manifestações. Devemos lembrar que muitos dêsses testes foram aplicados quando aquêles irmãos eram garotos, demasiado moços para terem aprendido complicados meios de mistificar.

Não é estranho ler-se que os fenômenos levantaram violenta oposição mais ou menos por tôda a parte; e freqüentemente os rapazes eram denunciados como trapaceiros e mistificadores. Foi depois de dez anos de trabalho público nas maiores cidades americanas que os irmãos Davenport vieram para a Inglaterra. Êles se haviam submetido com êxito a tôdas as provas que o engenho humano podia inventar e nenhuma foi capaz de expli­car como eram obtidos os resultados. Por seu próprio compor­tamento haviam conquistado uma grande reputação. Agora iriam recomeçar tudo.

Os irmãos Ira e William tinham, então, vinte e cinco e vin­te e três anos, respectivamente. O World, de New York, assim os descreve:

“Eram notàvelmente parecidos em quase tudo, muito bonitos, com a cabeleira grande, crespa e preta, tinham a testa larga mas não alta, olhos pretos e vivos, sobrancelhas grossas, bigode e cavanhaque, lábios acentuados e corpos musculosos e bem proporcio­nados. Vestiam fraque prêto e um deles usava relógio com corrente.”

O seu biógrafo, Doutor Nichols, dêles nos dá essa primeira impressão:

“Os jovens, com os quais tive um ligeiro contacto, e que ja­mais tinha visto antes de sua chegada a Londres, se me afigu­raram, tanto no intelecto, quanto no caráter, acima da média de seus companheiros camponeses; não são notáveis pela inteli­gência, pôsto que razoàvelmente habilidosos e Ira possui al­gum talento artístico. Os moços parecem absolutamente ho­nestos e singularmente desinteressados e não mercenários — muito mais satisfeitos de que a gente fique contente com a sua inte­gridade e com a realidade das manifestações, do que preocupa­dos em ganhar dinheiro. Sem dúvida têm uma ambição, que é gratificada por terem sido escolhidos como instrumentos daquilo que consideram um grande bem para a humanidade.”

Foram à Inglaterra acompanhados pelo Reverendo Doutor Ferguson, antigo pastor de uma grande igreja em Nashville, no Tennes­see, que era freqüentada por Abraham Lincoln, por Mr. D. Pai­mer, conhecido maestro, que exercia as funções de secretário, e por Mr. William M. Fay, que também era médium.

Em sua biografia dos Davenports, publicada anônimamente em Boston, em 1869, Mr. PÁGINA B. Randall indica que a sua missão na Inglaterra era “encontrar-Se, no seu próprio campo, conquistando-o por meios adequados, com o materialismo duro e o cepti­cismo da Inglaterra”. O primeiro passo no reconhecimento, diz êle, é convencer-se da ignorância. E acrescenta:

“Se as manifestações obtidas por intermédio dos irmãos Davenport podem provar às classes intelectuais e científicas que há forças e forças inteligentes ou poderes inteligentes — acima da faixa de suas filosofias, e que aquilo que elas consideram im­possibilidades físicas é rapidamente realizado pelo invisível, para elas desconhecido, mas que são inteligências, um novo universo abrir-se-á para o pensamento humano e para a investigação.”

Há uma pequena dúvida sôbre se os médiuns exerceram tal efeito sôbre muitas mentes.

As manifestações da mediunidade de Mrs. Hayden eram calmas e sossegadas, enquanto as de D. D. Home eram mais notáveis, se limitavam, entretanto, a pessoas que não pagavam entrada. Mas êsses dois rapazes alugavam salões e desafiavam todo o mundo a vir assistir os fenômenos que ultrapassavam os limites da crença ordinária. Não era preciso ser arguto para prever uma forte oposição: assim aconteceu. Mas êles atin­giram o objetivo que certamente tinham em vista os dirigentes invisíveis. Chamaram a atenção do público como nunca na Inglaterra para um tal assunto. Melhor testemunho não poderia ser dado do que o de seu maior oponente, Mr. N. N. Maskelyne, o célebre mago, que escreve (3):

3. “Modern Spiritualism”, página 65.

“É verdade, a Inglaterra foi inteiramente dominada, por algum tempo, pelas maravilhas apresentadas por êsses charlatães”. Depois acrescenta:

“Os irmãos fizeram mais que ninguém para familiarizar a Inglaterra com o chamado Espiritismo; ante imenso auditório e sob várias condições, na verdade produziram fatos maravilhosos. As sessões dos outros médiuns eram feitas no escuro ou na semi-obscuridade, ante uma assistência simpática ou, freqüentemente, devota; aí parece que ocorriam manifestações, que não podem ser comparadas com as exibições dos Davenport, pelo seu efeito sôbre a opinião pública.”

Sua primeira sessão em Londres, de caráter privado, foi a 28 de setembro de 1864, na residência de Mr. Dion Bouci. cault, em Regent Street. No salão dêsse famoso ator e autor encontravam-se as principais figuras da imprensa e distintos ho­mens de ciência, O noticiário da imprensa foi notàvelmente completo e — o que é uma maravilha — correto.

A descrição do Morning Post, no dia seguinte, diz que aos convidados tinham pedido uma crítica severa e que tôdas as neces­sárias precauções fôssem tomadas contra a fraude e a mistificação, e continua:

“As pessoas convidadas a assistir as manifestações da noite passada eram em número de doze ou catorze, tôdas tidas como de considerável distinção nas respectivas profissões que exercem. Em sua maioria jamais haviam assistido a qualquer coisa no gênero. Tôdas, entretanto, estavam determinadas a descobrir e, se possí­vel, denunciar, qualquer tentativa de mistificação. Os irmãos Davenport são de pequena estatura, de aparência distinta, e as últimas pessoas no mundo de quem se poderia esperar uma grande demonstração de fôrça. Mr. Fay aparenta alguns anos mais e é de constituição mais robusta.”

Depois de descrever as ocorrências, continua o articulista:

“Tudo quanto pode ser garantido é que as demonstrações que descrevemos ocorreram, na presente ocasião, em circunstâncias que excluem tôda presunção de fraude”.

The Times, o Daily Telegraph e outros jornais publicaram notícias longas e honestas. Omitiram as suas citações porque o seguinte depoimento de Mr. Dion Boucicault, publicado no Daily News, bem como em muitos outros jornais londrinos, cobre todos os fatos. Descreve êle uma sessão posterior, em sua própria casa, a 1º de outubro de 1864, a que estiveram presentes, entre outras pessoas, o Visconde Bury, deputado, Sir Charles Wike, Sir Nicholson, o Chanceler da Universidade de Sidney, Mr. Robert Chambers, Charles Reade, escritor, e o Capitão Inglefield, explorador do Ártico.

“Senhor.

Ontem realizou-se em minha casa uma sessão com os Irmãos Davenport e Mr. W. Fay, à qual estiveram presentes... (Aqui menciona vinte e quatro nomes, entre os quais os acima referidos).

À três horas todos se achavam reunidos. Mandamos buscar numa casa de música próxima seis violões e dois tamborins, de modo que o material usado não fôsse aquêle com que os ope­radores estavam familiarizados.

As três e meia chegaram os Irmãos Davenport e Mr. Fay, e verificaram que nós tínhamos alterado os seus planos, trocando a sala previamente escolhida por êles para as manifestações.

A sessão começou pelo exame das roupas dos Irmãos Davenport, tendo sido verificado que nenhum dispositivo ou quaisquer artifícios se achavam em suas pessoas ou nas proximidades. Entraram na cabine e sentaram-se de frente um para o outro. Então o Capitão Inglefiekl, com uma corda nova, que ele próprio trouxera, amarrou Mr. W. Davenport de pés e mãos, com as mãos para as costas. Do mesmo modo Lord Bury amar­rou Mr. I. Davenport. Os laços foram amarrados e selados com lacre e carimbados. Um violão, um violino, um tamborim, dois sinos e uma trombeta de latão foram colocados no piso da cabine. Então as portas foram fechadas e se fêz luz bastante na sala para que pudéssemos ver o que acontecia.

Omitirei a descrição minuciosa da babel de sons que se produziram na cabine e a violência com que as portas se abriam continuamente e os instrumentos eram jogados para fora; as mãos aparecendo geralmente por um orifício em forma de losango ao centro da porta da cabine. Os incidentes que se seguem pareceram-nos particularmente dignos de menção:

Quando Lord Bury estava inclinado dentro da cabine, estando a porta aberta e os dois operadores amarrados e lacrados, foi vista uma mão destacada descer sôbre êle; êle recuou, observando que uma mão lhe havia batido. De noite, em plena luz do candelabro de gás e durante um intervalo da sessão, estando abertas as portas da cabine e quando as ligaduras dos irmãos Davenport estavam sendo examinadas, uma mão feminina, muito branca e fina e o punho tremeram por alguns segundos no espaço -Essa aparição provocou uma exclamação geral.

Então Sir Charles Wyke entrou na cabine e sentou-se entre os dois moços, pondo cada uma das mãos sôbre êles e os segurando. Depois, as portas foram fechadas e recomeçou a babel de sons. Várias mãos apareceram no orifício — entre as quais a de uma criança. Depois de algum tempo Sir Charles voltou para o nosso meio e informou que enquanto segurava os dois ir­mãos diversas mãos lhe tocaram o rosto e puxaram os seus cabe­los; em seu redor os instrumentos se ergueram e foram tocados em volta de seu corpo e da cabeça, enquanto um dêles se apoiou sôbre o seu ombro. Durante os seguintes incidentes as mãos que apareceram foram tocadas e seguradas pelo Capitão Inglefield o qual verificou, pelo tato, que eram aparentemente hu­manas, embora escapassem de suas mãos.

Deixo de mencionar outros fenômenos já descritos em outra parte.

“A parte seguinte da sessão foi realizada no escuro. Um dos Davenport e Mr. Fray ficaram sentados entre nós. Duas cordas foram atiradas a seus pés e em dois minutos e meio estavam êles amarrados de pés e mãos, com as mãos para trás, fortemente atadas às cadeiras e estas amarradas a uma mesa próxima. En­quanto esta operação se realizava o violão foi erguido da mesa e tocou e flutuou em volta da sala e por cima da cabeça de todos, tocando de leve um ao outro. Então uma luz fosforescente foi atirada de um para outro lado, por cima de todos; o peito, as mãos ou as costas de vários dos presentes foram simultaneamente tocados, batidos ou arranhados por mãos, enquanto o vio­lão flutuava no ar, agora próximo do teto e batia na cabeça e nos ombros dos menos felizes. As campainhas soavam aqui e ali, e uma leve vibração era mantida no violino. Os dois tamborins pareciam rolar para lá e para cá pelo chão, ora sacudidos violen­tamente, ora tocando nas mãos e nos joelhos dos circunstantes — sendo que tôdas essas coisas eram sentidas ou ouvidas simul­tâneamente. Segurando um tamborim, Mr. Rideout perguntou se o mesmo poderia ser tirado de suas mãos; quase que instan­tâneamente o instrumento foi arrebatado. Ao mesmo tempo Lord Bury fêz a mesma pergunta e houve uma tentativa de arre­batamento do tamborim que êle segurava fortemente. Então Mr. Fay perguntou se lhe poderiam tirar o paletó. Imedia­tamente ouvimos um puxão violento e aconteceu a coisa mais notável. Uma luz foi acesa antes que o paletó saisse de Mr. Fay, tirado por cima. Voou para o candelabro onde ficou pen­durado por um instante e depois caiu no chão. Enquanto isto Mr. Fay era visto como antes, de pés e mãos atados. Um do grupo tirou então o próprio casaco, que foi colocado sôbre a mesa. A luz foi apagada e êsse casaco foi levado para as costas de Mr. Fay com a mesma rapidezembro Durante as ocorrências acima no escuro, culocamos uma fôllia de papel debaixo dos pés dos dois operadores e com um lápis fizemos o seu contôrno, a fim de verificar se êles os tinham movido. Por iniciativa própria êles quiseram ficar com as mãos cheias de farinha ou substância similar, a fim de provarem que não as tinham usado, mas essa precaução foi julgada desnecessária. Contudo, nós lhes pedimos que contassem de um a doze continuamente, para que suas vozes fôssem ouvidas ininterruptamente e pudéssemos saber que vinham do lugar onde estavam amarrados. Cada um de nós segurou firmemente o vizinho, de modo que ninguém podia mo­ver-se sem que duas pessoas adjacentes o percebessem.

No fim da sessão estabeleceu-se uma conversa geral, a res­peito do que tínhamos visto e ouvido. Lord Bury sugeriu que a opinião parecia ser que deveríamos assegurar aos Irmãos Davenport e a Mr. Fay que, depois de rigoroso julgamento e rigo­rosa investigação de seus procedimentos, os senhores presentes não podiam chegar a outra conclusão senão de que não havia qualquer indicio de truque e, certamente, nem havia com parsas nem maquinismos, e que todos aquêles que haviam testemu­nhado os resultados declaravam livremente, na sociedade em que se achavam, até onde as investigações lhes permitiam formar opinião, que os fenômenos ocorridos em sua presença não eram produto de malabarismo. Esta sugestão foi aceita por todos imediatamente.”

Êsse maravilhosamente completo e lúcido relato é dado sem abreviações, porque responde a muitas objeções e porque o caráter do narrador e testemunha não pode ser pôsto em dú­vida. Certamente deve ser aceito como conclusivo, no que respeita a honestidade. Tôda obsessão subseqüente é mera igno­rância dos fatos.

Em outubro de 1864 os Davenport começaram a realizar sessões públicas no Queen’s

Concert Rooms, em Hanover Squa­re. Eram escolhidas comissões entre os assistentes e eram feitos esforços visando descobrir como as coisas eram feitas, mas tudo sem resultado. Essas sessões, entremeadas por sessões particulares, continuaram tõdas as noites, até o fim do ano. A im­prensa diária estava repleta de seus relatos e o nome dos irmãos estava em tôdas as bôcas. No comêço de 1865 fizeram uma excursão pelas províncias inglêsas, e em Liverpool, Hudderfield e Leeds sofreram violências físicas da multidão. Em fevereiro, em Liverpool, dois dos assistentes lhes ataram as mãos tão bru­talmente que sangraram e Mr. Ferguson cortou as cordas e os soltou. Os Davenports recusaram-se a continuar e a multidão invadiu o palco e destruiu a cabine. As mesmas táticas foram seguidas em Hadderfield a 21 de fevereiro e depois em Leeds, com crescente violência, organizada pelos opositores. Essas desor­dens levaram os Davenports a cancelar quaisquer outros compromissos na Inglaterra. Depois disso foram a Paris, onde receberam o conselho de ir ao Palácio de St. Cloud, onde o Impe­rador e a Imperatriz, com um séquito de cêrca de quarenta pes­soas, testemunharam a sessão. Quando em Paris, Hamilton, su­cessor do célebre mágico Robert Houdin, os visitou e numa carta a um jornal parisiense, diz: “Os fenômenos ultrapassaram a mi­nha expectativa e foram cheios de interêsse para mim. Considero um dever declarar que são inexplicáveis.” Depois de breve visita à Inglaterra, a Irlanda foi visitada em começos de 1866. Em Dublin tiveram muitos assistentes da alta sociedade, inclusive o redator do Irish Tines e o Reverendo Doutor Tisdal, que proclamava publicamente sua crença nas manifestações.

Em abril do mesmo ano êles foram a Hamburgo e depois a Berlim, mas, como esperavam uma guerra (desde que os guias a tinham previsto), a excursão não foi lucrativa. Gerentes de teatro lhes ofereceram elevadas somas para umas exibições mas, seguindo o conselho de seu sempre presente Espírito monitor, que disse que as suas manifestações deviam ser conservadas acima do nível dos divertimentos teatrais, desde que eram supernaturais, êles recusaram o convite com o que muito se contrariou o seu em­presário. Durante o mês que passaram em Berlim foram vi­sitados por membros da Família Real. Depois de três sema­nas em Hamburgo seguiram para a Bélgica, onde alcançaram notável sucesso em Bruxelas, bem como nas principais ci­dades. A seguir foram à Rússia, chegando a São Peters­burgo a 27 de dezembro de 1866. A 7 de janeiro de 1867 deram a primeira sessão pública a um auditório de mil pessoas. A sessão seguinte foi na residência do Embaixador da França, a uma assistência de cinqüenta pessoas, inclusive fi­guras da Côrte Imperial, e a 9 de janeiro deram outra sessão no Palácio de Inverno para o Tzar e para a Família Imperial. De­pois disso visitaram Polônia e Suécia. A 11 de abril de 1868 reapareceram em Londres no Hanover Square Rooms e receberam entusiástica recepção de uma grande multidão. Mr. Ben­jamin Coleman, eminente espírita, que lhes proporcionou a primeira sessão pública em Londres, escrevendo a êsse tempo sôbre a sua estada de quatro anos na Europa (4)

4. Spiritual Magazine, 1868, página 321.

diz:

“Desejo exprimir aos meus amigos da América, que mos apresentaram, a segurança de minha convicção de que a mis­são dos irmãos na Europa foi um grande serviço ao Espiritismo; que a sua conduta pública como médiuns — e só nessas condições eu os conheço — tem sido correta e excepcional.”

Acrescenta que desconhece qualquer forma de mediunidade mais adequada a grandes auditórios do que a dêles. Depois de sua visita a Londres os Davenport voltaram para a América. Visitaram a Austrália em 1876 e em 24 de agôsto deram a pri­meira sessão pública em Melbourne. William morreu em Sidney em julho de 1877.

Durante sua carreira os Irmãos Davenport excitaram profunda inveja e malícia da confraria dos mágicos. Maskeline, com um cínico desembaraço, pretendeu os haver desmascarado na Inglaterra. Sua alegação nesse particular foi muito bem respondida pelo Doutor George Sexton, antigo redator do Spiritual Magazine, que descreveu em público, em presença do próprio Maskeline, como eram feitos os seus truques, comparando-os com. os resultados obtidos pelos Davenport, e disse: “Há tanta seme­lhança entre um lado e o outro quanto entre as produções do poeta Close e os sublimes e gloriosos dramas do imortal bardo de Ávon” (5).

5. Palestra na Sala Cavendish, Londres, a 15 de junho de 1873.

Os mágicos fizeram ainda mais barulho em público do que os Espíritas e, com a imprensa que os sustentava, fizeram o público, em geral, pensar que os Irmãos Davenport tinham sido desmascarados.

Anunciando a morte de Ira Davenport na América, em 1911, Light comenta as demonstrações de ignorância que essa morte ensejou. Cita o Daily News por haver dito o seguinte: “Êles cometeram o êrro de aparecer como feiticeiros, em vez de como honestos mágicos. Se, como seu vencedor Maskelyne, tivessem pensado em dizer “Isto é muito fácil”, os irmãos não só teriam ganho uma fortuna como consideração”. Respondendo a isto, Light pergunta por que, se êles fôssem simples mágicos e não crentes honestos em sua mediunidade, iriam suportar ataques, injúrias e insultos e sofrer as indignidades que lhes atiravam quando, se renunciassem a mediunidade, poderiam tornar-se con­siderados e ricos?

Uma observação inevitável por parte daqueles que não são capazes de descobrir truques é perguntar que elevado obje­tivo pode encontrar-se em fenômenos semelhantes aos observa­dos com os Davenport. O conhecido autor e arrojado espírita William Howitt deu uma boa resposta:

Esses que fazem truques e tocam instrumentos são Espíritos do céu? Na verdade Deus os pode mandar? Sim; Deus os envia para que nos ensinem, pelo menos, isto: que Êle tem servos de todos os graus e todos os gostos para fazerem tôda sorte de trabalhos; e aqui Êle mandou aquêles que chamais Espíritos atrasados e palhaços a uma época degradada e muito sensual. Se Êle tivesse mandado algo mais elevado, teria passado por cima da assistência. Assim, nove décimos não acreditam no que veem.

É triste verificar que os Davenport — talvez os maiores médiuns de seu gênero que o mundo já viu — sofressem tôda a vida uma oposição e uma perseguição brutais. Em muitas oca­siões suas vidas estiveram até em perigo.

A gente é forçada a pensar que não haveria mais clara prova da influência das sombrias fôrças do mal do que essa per­manente hostilidade a tôdas as manifestações espíritas.

A êsse propósito diz Mr. Randall (6).

6. Rio graphy, página 82.

“Parece que há uma espécie de má-vontade crônica, quase ódio, na mente de algumas pessoas contra tôda e qualquer coisa espiritual. Parece que há um vapor flutuando no ar — uma es­pécie de esporo mental, fluindo pelo espaço, respirado pela grande maioria da humanidade, que acende um contínuo fogo letal em seus corações contra todos aquêles cuja missão é trazer a paz na terra e a boa vontade entre os homens. Os homens e as mulheres do futuro ficarão muito admirados dos que vivem atualmente, quando lerem que os Davenport e todos os outros médiuns foram forçados a enfrentar a mais inveterada hostilidade; que êles, e o autor destas linhas, foram obrigados a suportar hor­rores indescritíveis, por nenhum outro motivo senão porque bus­cavam convencer a multidão de que não eram animais que mor­rem sem deixar sinais, mas almas imortais, que sobrevivem aos túmulos.

Só os médiuns são capazes de demonstrar que a existência do homem continua após a morte. E ainda — estranha incoe­rência da natureza humana! — as próprias pessoas que per­seguem a êstes, que são os seus mais verdadeiros e melhores amigos, que os atiram no desespêro ou lhes dão morte pre­matura, são as mesmas que prodigalizam tudo quanto a fortuna pode dar àqueles cujo ofício é apenas admitir que a hu­manidade é imortal.”

Discutindo as alegações de vários mágicos profissionais de que haviam desmascarado ou imitado os Davenport, disse Sir Richard Burton:

“Passei a maior parte de minha vida no Oriente, e vi muitos de seus mágicos. Finalmente tive a oportunidade de presenciar os trabalhos dos senhores Anderson e Tolmaque. O último mos­trou, como dizem, notáveis mágicas, mas nem se aproximam do que fazem os irmãos Davenport e Mr. Fay: por exemplo, o bonito manejo de instrumentos de música. Finalmente li e ouvi tôdas as explicações dos chamados truques dos Davenport perante o público inglês e — acreditem-me — se alguma coisa me faria dar um pulo tremendo “da matéria para o Espírito” é a in­teira e completa sem-razão das razões pelas quais são expli­cadas as manifestações.”

É de notar-se que os próprios Davenport, contrastando com amigos e companheiros de viagem, jamais pretenderam qualquer origem sobrenatural para os seus efeitos. A razão disso deve ter sido que, como um entretenimento, era mais picante e menos provocante quando cada assistente podia formar a sua própria opinião. Escrevendo ao mágico americano Houdini, disse Ira Davenport, em sua velhice: “Nós nunca afirmamos de público a nossa crença no Espiritismo. Não considerávamos isso de inte­rêsse para o público, nem oferecemos nosso entretenimento como o resultado de habilidade manual nem, por outro lado, como Espiritismo. Deixávamos que os amigos e os mortos resolves­sem isso lá entre êles, como melhor pudessem, mas, infeliz­mente, fomos por vêzes vítimas de sua discordância”.

Posteriormente Houdini alegou que Davenport admitia que seus resultados eram conseguidos normalmente; mas Houdini de fato encheu tanto de erros o seu livro “A Magician Among the Spirits” (7)

7. “Um Mago entre os Espíritos. — N. do T.

e mostrou tanto preconceito em todo o assunto que o seu depoimento não tem valor. A carta que exibe não lhe dá razão. Uma declaração posterior, citada como tendo sido feita por Ira Davenport, é demonstràvelmente falsa. É a de que os movimentos jamais saíram da cabine. Na verdade o representante do The Times foi severamente batido no rosto por um violão que andava no ar, a sobrancelha ficou ferida e em diversas ocasiões, quando se acendia a luz, os instrumentos caíam por tôda a sala. Se Houdini não entendeu êsse último depoimento, não é de supor que esteja tão bem informado quanto aos primeiros.

Objetam-me — e tenho recebido essa objeção tanto de Espíritas quanto de cépticos, que todo êsse amontoado de exibi­ções é indigno e sem valor. Muitos de nós assim pensam e muitos outros fazem eco às seguintes palavras de Mr. PÁGINA B. Randall:

“A falha não é dos imortais, mas nossa. Porque, confor­me o pedido, assim é a entrega.

Se não podemos ser alcançados de um modo, devemos e somos alcançados de outro. E a sabedoria do mundo eterno dá aos cegos aquilo que êles podem suportar e não mais. Se somos crianças intelectuais devemos alimentar-nos com sopinhas mentais, até que a nossa capacidade di­gestiva suporte e exija alimentação mais forte. E, se o povo pode ser melhor convencido da imortalidade por processos grosseiros, os fins justificam os meios. A visão do braço de um espectro num auditório de três mil pessoas falará a mais corações, causará mais profunda impressão e converterá mais gente à crença no post-mortem, em dez minutos, do que todo um regimento de pre­gadores, por mais eloqüentes que sejam, em cinco anos.

11

As pesquisas de Sir William Crookes – de 1870 até o ano de 1874

AS PESQUISAS sôbre os fenômenos do Espiritismo por Sir William Crookes — ou Professor Crookes, como era então cha­mado — durante os anos de 1870 a 1874 constituem um dos mais significativos incidentes na história do movimento. São notáveis devido ao elevado padrão científico do investigador, o severo e justo espírito com que o inquérito foi conduzido, os ex­traordinários resultados e a corajosa profissão de fé que as seguiu. A tecla favorita dos adversários foi atribuir certa fra­queza física ou crescente senilidade a cada nova testemunha da verdade psíquica, mas ninguém pode negar que essas pesquisas foram conduzidas por um homem em pleno apogeu de seu desen­volvimento mental e que a famosa carreira que se seguiu cons­tituiu uma prova suficiente de sua estabilidade intelectual. É de notar-se que o resultado não só veio provar a integridade do médium Florence Cook, com quem foram obtidos os mais sen­sacionais resultados, mas também a de D. D. Home e a de Miss Kate Fox, que foram, também, severamente controlados.

Sir William Crookes, que nasceu em 1832 e morreu em 1919, era figura preeminente no mundo científico. Eleito Mem­bro da Sociedade Real (F.R.S.) em 1863, recebeu dessa organização, em 1875, a Royal Gold Medal, por suas várias pesqui­sas no campo da química e da física, a Davy Medal, em 1888, e a Sír Joseph Copley Medal em 1904. Foi nomeado Cavaleiro pela Rainha Vitória em 1897 e recebeu a Ordem do Mérito em 1910. Ocupou diversas vêzes a cadeira de Presidente da Royal Society, da Chemical Society , da Institution of Electrical Engi­neers, da British Association e da Society for Psychical Research. Sua descoberta do novo elemento químico a que deu o nome de “Thallium”, suas invenções do radiômetro, do espin­tariscópio e do tubo de Crookes representam apenas uma pequena parte de sua grande pesquisa. Em 1859 fundou o Chemical News, que editou, e em 1864 tornou-se redator do Quarterley Journal of Science. No ano de 1880 a Academia de Ciências da França lhe conce­deu uma medalha de ouro e um prêmio de 3.000 francos, em reconhecimento por seu importante trabalho.

Confessa Crookes que iniciou as suas investigações sôbre fenômenos psíquicos pensando que tudo fôsse truque. Seus cole­gas sustentavam o mesmo ponto de vista e ficaram satisfeitos com a atitude que êle havia adotado. Foi manifestada profunda satisfação porque a investigação ia ser conduzida por um ho­mem tão altamente qualificado. Quase não duvidavam de que aquilo que consideravam as falsas pretensões do Espiritismo fôs­se desmascarado. Disse um escritor: “Se homem como Mr. Croo­kes trata do assunto... em breve saberemos em que acre­ditar.” Numa comunicação a Nature, o Doutor Balfour Stewart, mais tarde Professor, elogiou a coragem e a honestidade que levou Mr. Crookes a tomar aquela resolução. O próprio Crookes assentou que era dever dos cientistas fazer tal investigação. E escreveu: “Tem-se lançado em rosto dos homens de ciência a sua pretensa liberdade de opinião, quando sistemàticamente se recusam a fazer uma investigação científica sôbre a existência e a natureza de fatos sustentados por tantos testemunhos competentes e fidedignos, e os convidam a um exame livre, onde e quando quiserem. Por minha parte dou muito valor à pesquisa da verdade e à descoberta de qualquer fato novo na Natureza, para me insurgir contra a investigação apenas por parecer que ela se choca com as opiniões predominantes”.

Foi com êsse Espírito que êle iniciou a sua investigação.

Contudo deveria ser verificado que, conquanto o profes­sor Crookes fôsse severo crítico dos fenômenos físicos, já ti­nha êle tomado contacto com os fenômenos mentais e parece que os havia aceitado. É provável que essa simpatia espiritual o tenha ajudado na obtenção de seus notáveis resultados, porque, nunca será por demais repetido, de vez que é sempre esquecido — a pesquisa psíquica da melhor qualidade é sempre “psíquica” e depende de condições espirituais. Não é o homem teimoso e opiniático, que investiga com uma grande falta de sen­so de medida para coisas espirituais o que consegue resultados; mas aquêle que verifica que o estrito uso da razão e da observação não é incompatível com a humildade mental e com aquela delicadeza e cortesia que produzem a harmonia e a afini­dade entre o investigador e o seu sensitivo.

Parece que as investigações menos materiais de Crookes começaram no verão de 1869. Em julho daquele ano fêz ses­sões com o conhecido médium Mrs. Marshall e em dezembro com outro médium famoso, J. J. Morse. Em julho de 1869 D. D. Home, que havia feito sessões em S. Petersburgo, voltou a Lon­dres com uma carta de apresentação do Professor Butlerof para o Professor Crookes.

Ressalta um fato interessante do diário pessoal de Crookes, quando de sua viagem à Espanha, em dezembro de 1870, com a Expedição do Eclipse. Em data de 31 de dezembro (1),

1. “Life of Sir William Crookes” by E. E. Fournier d’Albe, 1923.

escreve êle:

“Não posso deixar de recordar esta data no ano passado. Nelly (2)

2. Sua espôsa. — N. do T.

e eu estávamos em sessão, comunicando-nos com que­ridos amigos mortos e, ao soarem as doze horas, êles nos desejaram feliz Ano Novo. Sinto que agora nos olham e, como o espaço não lhes é obstáculo, penso que ao mesmo tempo olham para Nelly. Sôbre nós ambos sei que há alguém e que todos nós — Espíritos e mortais — em sua presença nos curvamos como ante um Pai e Mestre; e minha humilde prece a Êle — o Grande Deus, como O chama o Mandarim é que continue sua misericor­diosa proteção sôbre Nelly e sôbre mim, bem como sôbre nossa pequena e querida família... Possa Êle também permitir que continuemos a receber comunicações espíritas de meu irmão, que atravessou os umbrais em alto mar, a bordo de um navio, há mais de três anos”.

Depois acrescenta amorosos cumprimentos de Ano Bom a sua espôsa e às crianças e conclui:

“E quando os anos terrenos houverem passado, possamos nós viver outros mais felizes no mundo dos Espíritos, do qual tenho tido ocasionalmente alguns reflexos.”

Miss Florence Cook, com a qual Crookes realizou a sua série clássica de experiências, era uma jovem de quinze anos, de quem se dizia possuir enorme fôrça psíquica, que tomava as raras formas de materializações completas. Parece que era uma carac­terística de família, porque sua irmã, Miss Kate Cook, não era menos famosa. Houve algumas dissensões sôbre um suposto desmascaramento, nas quais um tal Mr. Volckman tomou posição contra Miss Cook e, no propósito de se vingar, colocou-se inteiramente sob a proteção de Mrs. Crookes, declarando que seu marido podia fazer quaisquer experiências sôbre os seus dons e nas condições que quisesse, nada pedindo a não ser que pudesse demonstrar o seu caráter como médium, através de exa­tas conclusões apresentadas ao mundo. Felizmente ela estava tratando com um homem de inatacável honestidade intelectual. Temos tido experiências, nestes últimos tempos, com médiuns que se entregavam com reservas às investigações científicas e foram atraiçoados por investigadores que não possuíam a co­ragem moral de admitir aquêles resultados que teriam conduzido à aceitação pública da interpretação espírita.

O Professor Crookes publicou um relatório completo de seus métodos no Que rterly Journal of Science, do qual era então redator. Em sua casa em Mornington Road, um pequeno gabinete se abria para o laboratório, por uma porta com uma cortina. Miss Cook jazia em transe num divã no quarto inter­no; no externo, com luz reduzida, ficava Crookes com as pessoas que houvesse convidado. No fim de um período de vinte minutos a uma hora estava completa a figura com o ectoplas­ma da médium. A existência dessa substância e o seu método de produção eram então desconhecidos. Pesquisas posterio­res lançaram muita luz sôbre o assunto, razão por que foram incorporadas no capítulo sobre o ectoplasma. Completada a ope­ração, abria-se a cortina e entrava no laboratório uma figura feminina, geralmente tão diferente da médium quanto duas pessoas podem sê-lo. Essa aparição, que se movia, falava e agia em todos os sentidos como uma entidade independente, é co­nhecida pelo nome que ela própria adotou, de “Katie King”.

A explicação natural dos cépticos é que as duas mulheres realmente eram uma e mesma e que Katie era uma clara ima­gem de Florence. O opositor podia apoiar-se no fato de que, como observaram Crookes, Miss Marryat e outros, por vêzes Katie era muito parecida com Florence.

Aqui está um dos mistérios da materialização que exige mais consideração cuidadosa do que zombarias. Experimen­tando com Miss Besinnet, famosa médium americana, o autor destas linhas observou a mesma coisa: quando era pouca a fôrça psíquica, o rosto começava por se assemelhar ao da médium e por fim se tornava completamente diferente. Alguns especula­dores imaginaram que a forma esférica da médium, seu corpo espi­ritual, teria tido liberdade pelo transe e constituía a base sôbre a qual as outras entidades manifestantes construiam seu próprio simulacro. Seja como fôr, a coisa não foi admitida; é se­melhante aos fenômenos de Voz Direta, nos quais por vêzes a voz se assemelha à do médium, logo de início, tomando depois um tom inteiramente diferente, ou se dividindo em duas vozes simultâneas.

Entretanto o estudioso por certo tem o direito de proclamar que Florence Cook e Katie King eram a mesma individualidade, até que provas evidentes lhe demonstrem que isto é possível. Tal prova o Professor Crookes tem muito cuidado em oferecer.

Os pontos diferentes que observou entre Miss Cook e Katie são os seguintes:

“A altura de Katie varia; em minha casa eu a vi quinze centímetros mais alta que Miss Cook. Na noite passada estando descalça e sem pisar na ponta dos pés, ela era doze centímetros mais alta que Miss Cook. O pescoço de Katie estava nu; a pele era perfeitamente lisa à vista quanto ao tato, enquanto o de Miss Cook é uma grande escara que, nas mesmas condições, é distintamente visível e áspera ao tato. As orelhas de Katie não são furadas, enquanto que Miss Cook habitualmente usa brincos. A compleição de Katie é muito alva, enquanto a de Miss Cook é muito morena. Os dedos de Katie são muito mais longos do que os de Miss Cook e seu rosto também é maior. Há também marcadas diferenças nos modos e nos ademanes”.

Posteriormente, acrescenta:

“Ultimamente tendo examinado muito Katie, iluminada àluz elétrica, posso acrescentar aos pontos, já mencionados, de diferenças entre ela e o seu médium, que tenho a mais abso­luta certeza de que Miss Cook e Miss Katie são duas individua­lidades distintas, no que se refere aos corpos. Vários sinais no rosto de Miss Cook não existem no de Katie. O cabelo de Miss Cook é de um castanho tão escuro que parece negro; um cacho do cabelo de Katie, que tenho agora em minha frente, e que ela me permitiu cortasse de suas tranças exuberantes, inicialmente examinado e, para minha satisfação, verificado que cres­ceu, é de um rico dourado escuro.

“Uma noite contei o pulso de Katie. Tinha 75 pulsações, en­quanto que o de Miss Cook pouco depois marcava 90 pulsações. Aplicando o ouvido ao peito de Katie, pude ouvir o coração a bater ritmado e pulsando mais firmemente que o de Miss Cook, quando esta me permitiu que a auscultasse depois da sessão. Exa­minados do mesmo modo os pulmões de Katie pareceram mais fortes que os da médium, pois ao tempo em que a examinei, Miss Cook estava sob tratamento médico de uma tosse rebelde.”

Crookes tirou quarenta e quatro fotografias de Katie King, empregando a luz elétrica. Escrevendo em The Spiritualist, em 1874, à página 270, assim descreve os métodos adotados:

“Durante a semana anterior à partida de Katie, ela fêz sessões quase que tôdas as noites em minha casa, a fim de me permitir fotografá-la à luz artificial. Cinco aparelhos completos foram dispostos para êsse fim; consistiam de câmaras, umas chapas completas, outra de metade de chapas, uma terceira de quartos de chapas e duas câmaras estereoscópicas binoculares, preparadas para fotografarem Katie ao mesmo tempo, cada vez que ela posasse. Cinco banhos reveladores e de viragem-fixagem foram usados e bom número de chapas foi preparado ante­cipadamente, de modo que não houvesse complicações ou demoras durante a operação de fotografia que foi realizada por mim mesmo, com o auxílio de um assistente.

Minha biblioteca foi usada como câmara escura. Tem por­tas de sanfona, que abrem para o laboratório; uma dessas por­tas foi tirada das dobradiças, e uma cortina foi colocada em seu lugar, de modo a permitir que Katie passasse para um lado e para o outro fàcilmente.

Os nossos amigos presentes fica­ram sentados no laboratório, em frente à cortina e as câmaras foram colocadas um pouco atrás dêles, prontas para fotogra­farem Katie quando ela saísse e fotografar também qualquer coisa na cabine, quando a cortina fôsse levantada para isso. Cada noite havia três ou quatro tomadas de fotografias em cada uma das cinco máquinas, obtendo-se pelo menos quinze fotografias separadas em cada sessão. Algumas se estragaram ao serem reveladas, outras na regulagem da luz. Ao todo tenho quarenta e quatro negativos, alguns inferiores, outros sofríveis, e alguns excelentes.”

Algumas dessas fotografias estão em poder do autor destas linhas e certamente não há mais maravilhosa impressão em qualquer chapa do que aquela que mostra Crookes no auge de seu vigor com êsse anjo — porque na verdade ela o era — apoian­do-se em seus braços. O vocábulo “anjo” pode parecer um exagêro, mas quando um Espírito do outro mundo se submete ao momentâneo desconfôrto de uma existência artificial a fim de trazer a lição da sobrevivência a uma geração materialista e mundana, não há têrmo que melhor se lhe aplique.

Surgiu uma discussão se Crookes alguma vez teria visto ao mesmo tempo o médium e Katie. Diz Crookes a certa altura de seu relatório que freqüentemente acompanhou Katie até a cabine “e algumas vêzes as via juntas, ela e a sua médium, mas na maioria das vêzes não vi ninguém, a não ser a médium em transe, caída no chão, pois Katie e seus vestidos brancos tinham desapa­recido instantaneamente”.

Entretanto, um testemunho muito mais direto é dado por Crookes numa carta a Banner o/ Light, U. S. A. (3)

3. “A Bandeira de Luz” — N. do T.

e que é re­produzida em The Spiritualist, (4)

4. “O Espírita” — N. do T.

de Londres, de 17 de julho de 1874, página 29. Diz êle:

“Em resposta a sua pergunta quero afirmar que vi Miss Cook e Katie juntas, no mesmo momento, sob a luz de uma lâmpada de fósforo, que era suficiente para que visse distintamente aquilo que descrevi. O ôlho humano tem naturalmente um grande ân­gulo de horizonte, de modo que as duas figuras eram abarcadas ao mesmo tempo no meu campo visual; mas como a luz era fraca, e os dois rostos por vêzes estavam distanciados alguns pés um do outro, naturalmente eu movia a luz e meu olhar fixava alter­nadamente uma e outra, quando queria trazer o rosto de Miss Cook ou de Katie para aquela parte do campo visual onde a visão é mais nítida. Desde que a ocorrência acima referida foi verifi­cada, Katie e Miss Cook foram vistas juntas por mim e por oito outras pessoas, em minha casa, iluminada fartamente por lâmpadas elétricas. Nessa ocasião o rosto de Miss Cook não era visível, pois sua cabeça ficava envôlta num xale grosso, mas eu, principalmente, tinha a satisfação de verificar que ela lá estava. Uma tentativa de dirigir a luz sôbre a sua face des­coberta, quando em transe, teve sérias conseqüências.”

A máquina fotográfica também demonstra as diferenças en­tre a médium e a forma. Diz êle:

“Uma das mais interessantes fotografias é aquela em que me acho de pé ao lado de Katie; ela está descalça, em certo ponto do soalho. Depois vesti Miss Cook como Katie e nos colocamos, eu e ela, exatamente na mesma posição e fomos fotografados pelas nossas máquinas, colocadas exatamente como na outra ex­periência, e iluminadas pela mesma luz.

Quando essas duas chapas são superpostas, a minha imagem coincide, no que se refere á estatura, etc.; mas Katie é meia cabeça mais alta que Miss Cook e parece uma mulher grande, em comparação com esta última. Em muitos dos relatos diferem quanto à largura da

face e quanto a vários outros detalhes.”

Crookes rende uma grande homenagem à médium Florence Cook:

“As sessões quase diárias com as quais Miss Cook me obse­quiou lhe produziram severo desgaste de energias e quero de­monstrar publicamente a minha gratidão para com ela, pela solicitude em ajudar as minhas experiências. Cada ensaio que eu propunha tinha a sua imediata aprovação e se submetia com o maior entusiasmo; fala franca e diretamente e jamais percebi a menor coisa que denunciasse o desejo de mistificar. Na ver­dade não acredito que ela conseguisse mistificar, ainda quando tentasse; e se o fizesse seria pilhada incontinenti, pois tais ati­tudes destoam completamente de sua natureza. Aliás, imaginar que uma mocinha de quinze anos fôsse capaz de conceber e, du­rante três anos, realizar tão gigantesca impostura; que, du­rante êsse tempo, se submetesse a qualquer teste que lhe fosse proposto e mantido no mais rigoroso segrêdo; que se sujeitasse a ser examinada a qualquer momento, antes como depois da ses­são e tivesse os melhores êxitos em minha casa, do que em casa de seus pais, sabendo-se que ela me visitava com o objetivo de se submeter a ensaios estritamente científicos — imaginar, digo eu, que a Katie King dos últimos três anos fôsse fruto de uma im­postura é maior violência para a razão humana e para o bom senso do que acreditar que ela seja aquilo que diz ser”. (5)

5. “Researches in the Phenomena of Spiritualism”.

Admitindo que uma forma temporária foi construída com o ectoplasma de Florence Cook, e que essa forma foi então utilizada como um ser independente, que se dizia “Katie King”, ainda enfrentamos a questão: “Quem foi Katie King?” A isto só se pode dar a resposta que ela deu, quando reconhecia que não tínhamos provas. Declarou-se filha de John King, que desde muito era conhecido entre os Espíritas como um Espírito que presidia a sessões de fenômenos materiais. Sua personalidade e adiante discutida, num capítulo sôbre os Irmãos Eddy e Mrs. Holmes, que recomendamos ao leitor. Seu nome era Morgan e King era antes um título comum a certa classe de Espíritos, do que um nome familiar. Sua vida decorrera duzentos anos an­tes, no reinado de Carlos 2º, na Ilha da Jamaica. Se isto éverdade ou não, certamente ela se adaptou ao papel e sua conversação era em geral concorde com a informação. Uma das filhas do Professor Crookes escreveu ao autor e aludiu a uma vivida lembrança das histórias da Espanha, contadas por êsse gentil Espírito às crianças da família.

Ela mesma se fêz amada por todos. Mrs. Crookes escreveu:

“Numa sessão em nossa casa, com Miss Coolc, quando um dos nossos filhos tinha apenas três anos, Katie King, um Espírito materializado, demonstrou por êle o mais vivo inte­rêsse e pediu para ver a criança. Então o menino foi trazido para a sala da sessão, pôsto nos braços de Katie que, segu­rando-o por algum tempo muito naturalmente, o devolveu tôda risonha.”

O Professor Crookes deixou registrado que a sua beleza e o seu encanto eram únicos em sua experiência.

O leitor pode muito bem pensar que a luz reduzida empre­gada pelo Professor Crookes comprometa o resultado da expe­riência. Contudo o Professor nos assegurou que na série de sessões foi verificada a tolerância e que a imagem era capaz de suportar uma luz muito mais intensa. Essa tolerância tinha os seus limites, que aliás nunca foram ultrapassados pelo Professor Crookes, mas que foram verificados numa ousada experiência descrita por Miss Florence Marryat (Mrs. Ross-Curch). É preciso dizer que o Professor Crookes não se achava pre­sente, nem Miss Marryat jamais o afirmou. Entretanto ela cita o nome de Mr. Carter Hall, como um dos presentes. Katie havia consentido com muito bom humor que examinassem qual o efeito que seria produzido sôbre a sua imagem por uma luz intensa.

“Ficou de pé junto à parede da sala de visttas, com os bra­ços abertos como se estivesse crucificada. Então foram acesos três bicos de gás em todo o seu poder, num espaço de cêrca de dezesseis pés quadrados. O efeito sôbre Katie King foi mara­vilhoso. Ela manteve o seu próprio aspecto durante um segundo, no máximo, e depois começou a fundir-se gradualmente. Não posso comparar a sua desmaterialização senão a uma boneca de cera que se fundisse junto a um fogo intenso. Primeiro as formas se tornaram alteradas e indistintas; parecia que se interpenetravam. Os olhos desapareceram nas órbitas, o nariz desapareceu, o osso frontal sumiu. Depois os membros como que desapareciam debaixo dela, que se tornava cada vez menor, como um edifício que ruisse. Por fim havia apenas a cabeça no chão — depois apenas um pedaço de pano, que desapa­receu de súbito, como se uma mão o tivesse puxado — e nós ficamos admirados, a olhar os bicos de gás, no lugar onde Katie King havia estado”. (6)

6. “There is no Death”, página 143

Miss Marryat acrescenta o interessante detalhe de que nal­gumas dessas sessões o cabelo de Miss Cook ficou prêso ao solo, o que de modo algum atrapalhou o aparecimento subseqüente de Katie fora da cabine.

Os resultados obtidos em sua própria casa foram honesta e destemerosamente relatados pelo Professor Crookes em seu Journal e produziram a maior impressão no mundo científico.

Al­guns dos maiores espíritas, como Russel Wallace, Lord Rayleigh, o jovem e brilhante físico William Barrett, Cromwell Varley e outros tiveram confirmados os seus pontos de vista anteriores ou foram encorajados a avançarem por um novo caminho do co­nhecimento. Houve, entretanto, um grupo ferozmente intole­rante, chefiado pelo fisiologista Carpenter, que zombou do assunto e fàcilmente imputou tudo desde a maluquice até a fraude de seu ilustre colega. A ciência oficial pôs-se de fora da questão. Publicando o seu relatório, Crookes anexou as cartas nas quais pedia a Stokes, Secretário da Sociedade Real, que viesse ver as coisas com os próprios olhos. Recusando-o, Stokes colocou-se exatamente na mesma posição daqueles cardeais que não quiseram ver as luas de Júpiter pelo telescópio de Galileu.

Defrontando um fato novo, a ciência material se mos­trou tão fanática quanto a teologia medieval.

Antes de deixar o assunto Katie King, algumas palavras devem ser ditas quanto ao futuro do grande médium, do qual aquela extraia o seu invólucro físico. Miss Cook tornou-se Mrs. Comer, mas continuou a exibir os seus admiráveis poderes. O autor conhece apenas um caso em que a honestidade de sua mediunidade foi posta em dúvida; foi quando ela foi pegada por Sir George Sitwell e acusada de fingir-se de Espírito. O autor é de opinião que um médium de materializações deveria ser manietado, de modo que não pudesse vagar pela sala — e isto com o objetivo de proteger o próprio médium. É pouco provável que o médium se mova em transe profundo, mas em semitranse nada impede que inconsciente ou semiconsciente­mente, ou ainda obedecendo a uma sugestão dos assistentes, passeie fora da cabine. É um reflexo de nossa própria ignorância admitir que uma infinidade de provas pudessem ser comprome­tidas por um único episódio dessa natureza. É digno de nota, entretanto, a circunstância de que, nessa ocasião, os observadores concordaram que a figura estava de branco, enquanto que, ao ser agarrada, Mrs. Comer não estava de branco. Um inves­tigador experimentado teria concluído que isso não era uma materialização, mas uma transfiguração, o que significa que o ectoplasma, sendo insuficiente para construir uma figura completa, foi usado para revestir o médium de modo que êste pu­desse carregar o simulacro. Estudando casos semelhantes, o grande investigador alemão Doutor Schrenck Notzing (7)

7. «Phenomena of Materialization” (English Translation).

diz:

“Isto (uma fotografia) é interessante porque esclarece a gê­nese das chamadas transfigurações, isto é... o médium toma a si o papel de Espírito, esforçando-se para representar o caráter da pessoa em questão, revestindo-se do material fabricado. Essa fase de transição é encontrada em quase todos os médiuns de mate­rialização. A literatura sôbre tais casos registra um grande nú­mero de tentativas de fraude de médiuns que assim representavam Espíritos, como, por exemplo, a do médium Bastian pelo Príncipe Herdeiro Rudolph, a da médium de Crookes, Miss Cook, a de Madame d’Espérance, etc. Em todos êsses casos o médium foi agarrado, mas os estojos usados para o disfarçar desaparece­ram Emediatamente e não mais foram encontrados.”

Assim, parece que a verdadeira censura, em tais casos, deve ser dirigida mais aos assistentes negligentes do que à médium inconsciente.

A natureza sensacional das experiências de Crookes com Miss Cook e, sem dúvida, o fato de que eram mais acessíveis ao ataque, tenderam para fazer sombra aos resultados muito positivos com Home e com Miss Fox, que assentaram os dons dêsses médiuns sôbre bases sólidas. Cedo Crookes deparou com as natu­rais dificuldades com que se encontram os investigadores, mas teve bastante senso para admitir que num assunto inteiramente novo a gente tem que se adaptar às condições e não abandonar o trabalho, aborrecido pelo fato de as condições não se adapta­rem às nossas idéias preconcebidas. Assim, falando de Home, diz êle:

“As experiências que realizei foram muito numerosas mas, devido ao nosso imperfeito conhecimento das condições que favo­recem ou não as manifestações dessa fôrça, é aparentemente capri­chosa maneira por que se exerce, e ao fato de que Mr. Home está sujeito a incontáveis flutuações dessa energia, só algumas vêzes aconteceu que o resultado obtido numa ocasião fôsse subse­qüentemente confirmado e verificado com aparelhos imaginados para tal fim”. (8)

8. “Researches in the Phenomena of Spiritualism”, página 10.

O mais notável dêsses resultados foi a alteração no pêso dos objetos, posteriormente confirmada completamente pelo Doutor Crawford, trabalhando com o grupo Goligher, e também no cur­so da investigação Margery, em Boston. Objetos pesados tor­navam-se leves e os leves tornavam-se pesados, pela ação de uma fôrça invisível que parecia estar sob a influência de uma inteli­gência independente. Os controles por meio dos quais era eli­minada tôda possibilidade de fraude foram sempre usados nas experiências e devem convencer qualquer leitor liberto de pre­conceitos. O Doutor Huggins, muito conhecida autoridade em espectroscopia, e Serjeant Cox, o eminente jurista, reunidos com diversos outros assistentes, testemunharam as experiências. Entre­tanto, como já ficou dito, foi impossível a Crookes levar alguns dos mais eminentes homens de ciência a dar ao assunto ao me­nos uma hora de atenção.

O manejo de instrumentos de música, especialmente um acor­deon, em condições que era impossível atingir as teclas, foi um outro fenômeno perfeitamente examinado e constatado por Croo­kes e seus distintos assistentes. Admitindo que o próprio médium fôsse capaz de tocar o instrumento, o autor não se acha em condições de admitir que o fenômeno seja uma prova de uma inteligência independente. Uma vez garantida a existên­cia de um corpo etérico, com membros correspondentes aos nos­sos, não há uma razão plausível por que não se realizasse um desdobramento parcial e por que os dedos etéricos não se apli­cassem sôbre as teclas enquanto os dedos materiais repousassem sôbre os joelhos do médium. O problema se resolve sim­plesmente, então, admitindo-se que o cérebro do médium pode comandar os seus dedos etéricos e êsses dedos podem adquirir a fôrça suficiente para fazer pressão sôbre as teclas. Muitos fenômenos psíquicos, como a leitura com os olhos vendados, o toque em objetos distantes, etc. podem, na opinião do autor, ser referidos ao corpo etérico e ser classificados antes como um materialismo elevado e sutil do que como Espiritualismo.

Acham-se numa classe muito distinta da dos fenômenos mentais, tais como as evidentes mensagens dos mortos, que constituem ver­dadeiramente o centro do movimento espírita.

Falando de Miss Kate Fox, diz o Professor Crookes: “Observei muitos casos em que, parece, a inteligência do médium participa largamente dos fenômenos.” E acrescenta que isto não ocorre de maneira cons­ciente e desonesta, e continua: “Observei alguns casos que parecem indicar seguramente a ação de uma inteligência exterior, não pertencente a quem quer que seja presente na sala”. (9)

9. “Researches in the Phenomena of Spiritualism”, página 95.

Eis o ponto a que chegou o autor, e que é expresso por uma autoridade maior que a sua própria.

Os fenômenos que melhor ficaram estabelecidos na inves­tigação de Miss Kate Fox foram o movimento de objetos a dis­tância e a produção de sons percutidos ou batidas. Estas últi­mas cobriam uma larga escala: “leves batidas, sons agudos como os de uma bobina de indução em trabalho, detonações no ar, agudas pancadas metálicas, estalos como os de uma má­quina de fricção, sons como de arranhaduras, chilrear de pás­saros, etc.” (10)

10. “Researches in the Phenomena of Spiritualism”, página 86.

Todos quanto tivemos experiência com êsses sons fomos obrigados a nos perguntar até onde estariam êles sob o contrôle do médium. O autor chegou à conclusão, como já ficou dito, de que até certo ponto estão sob o contrôle do médium e, dai por diante, não. Êle não pode esquecer o mal-estar e o embaraço de um grande médium camponês do norte quando, em presença do autor, batidas fortes e sons como os estalos dos dedos se fizeram ouvir em tôrno de sua cabeça na sala do café de um hotel em Doncaster. Se êle tivesse dúvidas de que as batidas eram independentes do médium, estas não teriam prevalecido naquela ocasião. A respeito da objetividade dêsses ruídos, diz Crookes de Miss Kate Fox:

“Parece que lhe basta pôr a mão sôbre uma coisa para que se ouçam ruidos altos, como uma tríplice pulsação, por vêzes tão altos que são ouvidos de outras salas. Assim os ouvi numa ár­vore, num pano de vidraça, num pedaço de fio de ferro, num pedaço de membrana, num tamborim, no fôrro de um tilbori, no piso de um teatro. Além disso não é necessária a permanência do con­tacto. Ourri tais sons provenientes do chão, das paredes, etc., quando as mãos do médium e os pés eram seguros — quando ela estava de pé numa cadeira — quando ela estava num gancho presa do teto — quando presa numa jaula de ferro — e quando caía desmaiada num sofá. Ouvi-os numa caixa harmônica e os senti em meus ombros e debaixo das próprias mãos. Ouvi-os nu­ma folha de papel, segura entre os dedos por um fio atravessado numa das pontas. Conhecendo tôdas as hipóteses aventadas, principalmente na América, para explicar tais sons, experimentei-as de todos os modos possíveis, até que não houve meio de fugir a convicção de que eram ocorrências reais, não produzidas por truques ou por meios mecânicos.

Assim ficam liquidadas as lendas do estalo dos artelhos, da queda das maçãs e de outras explicações absurdas que têm sido aventadas para se compreenderem os fatos. Apenas é preciso dizer que os lamentáveis incidentes ligados aos últimos dias das Irmãs Fox de certo modo justificam aquêles que, sem conhecimento real dos fatos, tiveram a sua atenção voltada para aquêle único episó­dio — que é abordado alhures.

Pensou-se por vêzes que Crookes houvesse modificado as suas opiniões a respeito dos fenômenos psíquicos, segundo expressou em 1874. Pode, ao menos, dizer-se que a violência da oposição e a timidez dos que deviam tê-lo sustentado o alarmaram e o levaram a considerar em perigo a sua posição do ponto de vis­ta científico. Sem buscar subterfúgios, êle esquivou-se. Recusou reeditar os seus artigos sôbre o assunto e não quis que circulas­sem as fotografias maravilhosas nas quais o Espírito materializa­do de Kate King aparecia de braço com êle. Tornou-se excessiva­mente cauteloso em definir a sua posição. Numa carta citada pelo Professor Brofferio (11)

11. “Fur den Spiritismus”, Leipzig, 1894, página 319.

diz êle:

“Tudo quanto me interessa é que sêres invisíveis e inteligentes dizem que são Espíritos de pessoas mortas. Mas nunca tive pro­vas de que sejam realmente as pessoas que dizem ser, como as exigia, para que pudesse acreditá-lo. Entretanto inclino-me a acre­ditar que muitos dos meus amigos tenham recebido, como decla­ram, as provas desejadas e eu próprio freqüentemente me tenho inclinado para essa convicção”.

Á medida que envelhecia, essa convicção se arraigou ou, tal­vez, se tornou mais consciente das responsabilidades que essas ex­cepcionais experiências podem determinar.

Em seu relatório presidencial perante a Associação Britânica em 1898, em Bristol, Sir William se refere ligeiramente às suas primeiras pesquisas. E diz:

“Ainda não toquei num outro interêsse — para mim o mais sério e o de maior alcance.

Nenhum incidente em minha carreira científica é mais conhecido do que a parte que tomei durante anos em certas pesquisas psíquicas. Já se passaram trinta anos desde que publiquei um relatório das experiências tendentes a mostrar que fora do nosso conhecimento científico existe uma fôrça uti­lizada por inteligências que diferem da comum inteligência dos mortais... Nada tenho de que me retratar. Confirmo minhas declarações já publicadas. Na verdade, muito teria que acres­centar a isto.”

Cêrca de vinte anos mais tarde sua crença era ainda mais forte. Durante uma entrevista (12)

12. The International Psychic Gazette, Dezembro, 1917, 61-2.

disse êle:

“Jamais tive que mudar de idéia a tal respeito. Estou perfeitamente satisfeito do que disse nos primeiros dias. É muito certo que um contacto foi estabelecido entre êste mundo e o outro.”

Em resposta à pergunta se o Espiritismo não havia liquidado o velho materialismo dos cientistas, acrescentou:

“Penso que sim. Pelo menos êle convenceu a maioria do povo, que sabe alguma coisa relativa à existência do outro mun­do”.

Por gentileza de Mr. Thomas Blyton, tive ultimamente a opor­tunidade de ver a carta de pêsames escrita por Sir William Crookes, por ocasião da morte de Mrs. Comer. É datada de 24 de abril de 1904, e nela diz: “Transmita a mais sincera simpatia de Lady Crookes e minha própria, à família, por essa perda ir­reparável. Acreditamos, como verdadeira crença, que os nossos entes queridos, ao passarem para o Além, ainda nos observam — e essa crença que deve muito de sua certeza à mediunidade de Mrs. Comer (ou Florence Cooh, como aparecerá ela por vêzes à nossa lembrança) — fortificará e consolará aquêles. que aqui ficaram”. Anunciando a sua morte, disse a filha: “Ela morreu em grande paz e felicidade”.

12

Os Irmãos Eddy e os Holmes

DENTRO de certos limites é difícil acompanhar o aparecimento de vários médiuns nos Estados Unidos. O estudo de um ou dois casos proeminentes é suficiente para servir de exemplo do todo. Os anos de 1874 e 1875 foram marcados por grande atividade psíquica, e produziram convicção por um lado e escândalo pelo outro. No conjunto parece que predominou o escândalo; mas se com ou sem razão, é uma questão que também pode ser discuti­da. Os adversários da verdade psíquica contam com o clero de várias igrejas, com a ciência oficiaL e com a enorme massa inerte da humanidade material; tinham a imprensa profana às suas ordens; de modo que tudo quanto lhe fôsse favorável ou era sonegado ou distorcido e tudo quanto lhe fôsse contrário tinha a mais larga publicidade. Daí ser necessária uma constante veri­ficação de passados episódios e uma reconsideração de valores. Mesmo agora a atmosfera é saturada de preconceitos. Se um homem de responsabilidade entrasse agora na redação de um jornal londrino e dissesse que tinha pilhado um médium em frau­de, a coisa seria aceita com satisfação e espalhada por todo o país. Se o mesmo homem proclamasse que, debaixo do mais rigoroso contrôle os fenômenos eram autênticos, é pouco pro­vável que lhe consagrassem um período. A edição já estaria so­brecarregada... Na América, onde pràticamente não existe uma lei contra a difamação, e onde a Imprensa é por vêzes violenta e sensacional, êsse estado de coisas era e, possivelmente, ainda é — talvez mais evidente.

O primeiro incidente notável foi a mediunidade dos irmãos Eddy, que talvez jamais tenha sido superada no terreno da mate­rialização ou, como podemos agora chamar, das formas ectoplásmicas. A dificuldade então em aceitar êsses fenômenos repousava no fato de que os mesmos pareciam regidos por leis desconhe­cidas e se acharem isolados de tôda a nossa experiência da Na­tureza. Os trabalhos de Geley, de Crawford, de Madame Bisson, de Schrenck Notzing e de outros removeram essa dificuldade e nos deram, quando mais não seja, uma hipótese perfeitamente cientí­fica, apoiada em prolongadas e cuidadosas investigações, de modo que podem pôr alguma ordem no assunto. Isto não existia em 1874 e podemos admitir a dúvida, mesmo nos espíritos mais honestos e cândidos, quando lhes pediam que acreditassem que dois rudes camponeses, desajeitados e sem instrução, podiam produ­zir requintados que eram negados ao resto do mundo e comple­tamente inexplicáveis pela ciência:

Os irmãos Eddy, Horatio e William, eram primitivos mo­radores de uma pequena propriedade na aldeia de Chittenden, perto de Rutland, no Estado de Vermont. Um observador os des­creveu como “sensitivos, frios e abruptos com os estranhos, mais parecendo trabalhadores braçais de fazenda do que profetas ou sacerdotes de uma nova dispensação; de compleição maciça, cabe­los e olhos negros, articulações duras, atitude des graciosa, encolhi­da e que embaraça os recém-chegados. Não se dão com alguns vizinhos e para outros não são simpáticos... Na verdade se acham separados da opinião pública, que não está preparada ou desejosa de estudar os fenômenos, as maravilhas científicas, ou as reve­lações do outro mundo”.

Os rumores dos estranhos acontecimentos que se passaram em casa dos irmãos Eddy se espalharam e despertaram uma curio­sidade semelhante à causada pela sala de música de Koons nos pri­meiros dias. Veio gente de tôda parte investigar. Parece que os Eddy tinham acomodações amplas, embora primitivas, para os seus visitantes, e que os alojavam num grande quarto, onde o rebôco das paredes caía aos pedaços e a comida era tão simples como a das cercanias. Cobravam essa hospedagem môdicamente e parece que não tiravam nenhuma vantagem disso a não ser a demonstração de suas faculdades psíquicas.

Uma grande curiosidade tinha sido despertada em Boston e em New York pelo relato do que acontecia e um jornal de New York, o Daily Graphic, encarregou o Coronel Olcott de fazer investigações. Olcott não se havia identificado até então com qualquer movimento psíquico — ao contrário, tinha o espírito pre­venido contra isso e iniciou a sua tarefa antes com o fito de desmascarar um impostor. Era um homem de mente clara, de notável habilidade e com um alto sentido de honra. Ninguém poderá ler os ricos e íntimos detalhes de sua vida, contados em suas memórias, “Old Diary Leaves” (1),

1. “Fôlhas Velhas de um Diário”. — N. do T.

sem sentir respeito por aquêle ho­mem tão leal, desinteressado, e com uma rara coragem moral de seguir a verdade e aceitar os resultados, mesmo quando opos­tos à nossa expectativa e aos nossos desejos. Não era um sonhador místico, mas um homem de negócios muito prático e algu­mas de suas observações psíquicas despertaram menos atenção do que mereciam.

Olcott ficou dez semanas na atmosfera de Vermont, o que demonstrou uma considerável fôrça de vontade em suportar o meio primitivo e a vida dura daquela gente. Voltou com algo próximo do aborrecimento pessoal pela morosidade de entendimento com os seus hóspedes, mas, por outro lado, com absoluta confiança em seus poderes psíquicos. Como todo investigador sen­sato, recusa-se a dar atestados em branco sôbre o caráter e não responde pelas ocasiões em que não se achava presente, nem pela futura conduta daqueles a quem julga. Limita-se à sua expe­riência do momento e, em quinze notáveis artigos publicados no New York Daily Graphic, em outubro e novembro de 1874, deu os resultados completos e as medidas que havia tomado para os controlar. Lendo-os, é difícil lembrar uma precaução que não te­nha sido tomada.

Seu primeiro cuidado foi examinar a história dos Eddy. Foi um bom registro, a que não faltaram manchas. Nunca será de­mais insistir em que o médium é um mero instrumento e que o seu dom nenhuma relação tem com o seu caráter. Isto se aplica aos fenômenos físicos, mas não aos mentais, porque jamais um alto ensino poderia chegar através de um canal inferior.

Nada havia de mau na investigação daqueles irmãos, mas admite-se que certa vez deram uma falsa exibição de mediunidade, anun­ciando-a como tal, mas praticando truques. É provável que tal tivesse sido feito para dar o que falar e ainda para conciliar os vizinhos fanáticos, que viviam enfurecidos contra os legítimos fenômenos. Seja qual fôr a causa ou motivo, Olcott foi natural­mente levado a tornar-se muito circunspecto em seus contactos, desde que mostrava um bom conhecimento dos truques.

A ancestralidade era muito importante, porque, não só ha­via uma ininterrupta cadeia de poderes psíquicos, que se estendia­ sôbre várias gerações, como, também, a avó dêles, que fôra processada quatro vêzes como feiticeira, fôra queimada como tal ou, pelo menos, sentenciada, no famoso processo de Salém, em 1692. Muitos de nossos contemporâneos gostosamente fariam o mesmo com os nossos médiuns, como foi o caso de Cotton Mather.

Mas as perseguições policiais constituem o seu equivalente moderno, O pai dos Eddy foi, infelizmente, um dêsses fanáticos perseguidores. Olcott declara que os meninos foram marcados para tôda a vida pelos golpes que o pai lhes havia dado, visando desencorajar aquilo que chamava de poderes diabólicos. A mãe, que era possui­dora de grande fôrça psíquica, ficou sabendo como êsse bruto “religioso” agia injustamente: seu lar tornou-se um inferno na terra. Não havia refúgio para as crianças em parte alguma, pois os fenômenos psíquicos geralmente as acompanhavam, até mesmo à escola e excitava a grita dos jovens bárbaros ignorantes em seu redor. Em casa, quando o jovem Eddy caía em transe o pai e um vizinho despejavam água fervente sôbre êle e punham brasas vermelhas sôbre a cabeça, deixando-lhe marcas indeléveis. Felizmente o rapaz estava adormecido. É de admirar que depois de uma tal infância as crianças se tivessem tornado homens som­brios e desconfiados?

Depois que cresceram, o infeliz pai tentou fazer dinheiro por meio dos poderes que tão brutalmente havia desencorajado e alugava os rapazes como médiuns. Ninguém jamais descreveu adequadamente os sofrimentos a que se sujeitam os médiuns pú­blicos nas mãos de investigadores idiotas e cépticos cruéis. Olcott testemunhou que as mãos e os braços das irmãs, bem como dos ir­mãos, estavam cheios de marcas das ligaduras e de escaras pro­duzidas por lacre quente para selar os nós, enquanto que duas das meninas tinham pedaços de pele e carne esgarçadas pelas algemas. Eram enjauladas, batidas, queimadas, apedrejadas, en­quanto as cabines eram destroçadas. O sangue escorria dos cantos das unhas, devido à compressão das artérias. Assim foram os primeiros dias na América, mas a Grã-Bretanha não ficou atrás, se recordarmos os irmãos Davenport e a violência brutal da massa em Liverpool.

Parece que os Eddy eram possuidores de tôdas as mediuni­dades. Olcott dá esta lista: batidas, movimento de objetos, pin­tura a óleo e aquarela sob influência de Espíritos, profecia, fala de línguas estranhas, poder de cura, discernimento dos Espíritos, Levitação, escrita de mensagens, psicometria, clarividência, e, fi­nalmente, a produção de formas materializadas.

Desde que São Paulo enumerou os dons do Espírito, jamais se organizou uma lista mais extensa.

O método das sessões era o seguinte: o médium ficava sen­tado numa cabine de um lado da sala, e a assistência em bancos, enfileirados à sua frente. Perguntar-se-á por que uma cabine. E a experiência continuada mostrou que, de fato, esta pode ser dispensada, salvo no fenômeno de materialização. Home jamais usou a cabine e atualmente os principais médiuns inglêses rara­mente a empregam. Há, contudo, uma razão muito aceitável para a sua presença.

Sem querer ser muito didata num assunto que ainda se acha na fase de exame, pode ser admitido, como hipótese muito aceitável, que os vapôres ectoplásmicos, que se solidifi­cam numa substância plástica, da qual surgem as formas, podem condensar-se mais fàcilmente num espaço limitado. Entretanto, achou-se que a presença do médium não era necessária dentro dêsse espaço. Na maior sessão de materialização a que o autor estêve presente, na qual cêrca de vinte formas de várias idades e tamanhos apareceram numa noite, o médium estava sentado fora da porta da cabine, da qual saíam as formas. É de presumir que, de acôrdo com a hipótese, seu vapor ectoplásmico fôsse levado para aquêle espaço confinado, independentemente da posição de seu corpo físico. Isso não tinha sido reconhecido ao tempo da investigação, de modo que a cabine foi utilizada.

É óbvio, entretanto, que a cabine oferecia um meio para fraudes e disfarces, com o que era cuidadosamente examinada. Fi­cava num segundo andar, e tinha uma janelinha. Olcott tinha a janela tapada com tela antimosquito, pregada por fora, O resto da cabine era de madeira sólida e só atingível pela sala onde se achavam os espectadores. Parece que não havia possibilidades de fraudes. Olcott a tinha feito examinar por um perito, cujo certificado aparece no livro.

Em tais circunstâncias Olcott contou em seus artigos e, de­pois, no seu notável livro “People fron the Other World” (2)

2. “Gente do Outro Mundo” — N. do T.

que, certamente, durante dez semanas, viu nada menos de quatrocentas aparições saindo da cabine, de tôdas as formas, tama­nhos, sexos e raças, vestidos maravilhosamente, crianças de colo, guerreiros índios, cavalheiros em trajes de rigor, um curdo com uma lança de nove pés, uma índia pele vermelha fumando, senho­ras com vestidos elegantes, etc. Tal o testemunho de Olcott.

E não havia um caso que êle não fôsse capaz de dar as mais seguras provas. Seu relato foi recebido com incredulidade, mas agora já produz menor descrença. Mas Olcott dominava o assunto e, tomando suas precauções, preveniu, assim como pre­venimos, a crítica daqueles que, não tendo estado presentes, pre­ferem dizer que os que estavam ou foram enganados ou eram malucos. Diz êle: “Se alguém lhes fala de crianças carregadas por senhoras que saem da cabine, ou de môças de formas flexíveis, ca­belos dourados e pequena estatura, de velhas e velhos apresentando-se em corpo inteiro e falando conosco, de criançolas, vistas aos pa­res, simultaneamente com outras formas e roupas diferentes, de ca­beças calvas, de cabelos grisalhos, de feias cabeças negras de cabe­los encarapinhados, de fantasmas imediatamente reconhecidos co­mo amigos, e fantasmas que falam de modo audível línguas estra­nhas que o médium desconhece — sua indiferença não se alte­ra... A credulidade de alguns homens de ciência, também, se­ria ilimitada — antes prefeririam acreditar que uma criança possa levantar uma montanha sem uma alavanca do que um Es­pírito possa levantar um pêso.”

Mas, de lado o céptico irredutível, que ninguém convence, e que, no último dia classificará o Anjo Gabriel como uma ilusão de ótica, há algumas objeções muito naturais que um novato pode fazer honestamente e um pensador honesto pode responder. Po­demos aceitar uma lança de nove pés como sendo um objeto espi­ritual? Que dizer dessas roupagens?

De onde vêm elas? A resposta se encontra, até onde podemos entender as coisas, nas admiráveis propriedades do ectoplasma. É a mais protéica substância, capaz de ser moldada instantaneamente em qualquer forma, e o poder de moldagem é a vontade do Espírito, dentro ou fora de um corpo. Tudo pode ser instantâneamente feito com êle, desde que assim o decida a inteligência predominante. Em tôdas as sessões dessa natureza parece que se acha presente um ser espiritual controlador, que comanda as figuras e confecciona o programa. Ás vêzes fala e dirige abertamente. Outras vêzes fica calado e se manifesta apenas por atos. Como ficou dito, mui­tas vêzes os contrôles são Índios Peles-Vermelhas, que parecem ter em sua vida espiritual uma afinidade especial com os fenô­menos físicos.

William Eddy, o médium principal dêsses fenômenos, parece nada haver sofrido quanto à saúde e à fôrça, naquilo que em geral é um processo de exaustão. Crookes constatou como ficava Home “como que desfalecido no chão, pálido e sem fala.” Entretanto Home não era um rude camponês, mas um inválido sensi­tivo e artista. Parece que Eddy comia pouco, mas fumava conti­nuamente. Nas sessões eram empregados a música e o canto, porque de longa data foi observado que há uma íntima conexão entre as vibrações musicais e os resultados psíquicos. Também se verificou que a luz branca é prejudicial aos resultados, o que agora é explicado pelo efeito dissociativo que a luz exerce sôbre o ectoplasma. Muitas côres têm sido examinadas com o fito de evitar a completa escuridão. Mas, se se pode confiar no médium a escuridão é mais favorável, especialmente aos fenô­menos de fosforescência e de jatos de luz, que se contam entre os mais belos fenômenos. Se se empregar luz, a mais tolerada é a vermelha. Nas sessões de Eddy havia uma luz atenuada de uma lâmpada velada.

Seria cansativo para o leitor entrar em detalhes sôbre os vários tipos que apareceram nessas interessantes reuniões. Ma­dame Blavatsky, então uma criatura desconhecida em New York, tinha vindo observar as coisas. Naquela época ainda não havia ela desenvolvido a linha teosófica do seu pensamento e era uma es­piritista ardorosa. O Coronel Olcott e ela se encontravam pela primeira vez na casa da fazenda de Vermont, onde começou uma amizade que produziria no futuro estranhos desenvolvimentos. Em sua homenagem, ao que parece, apareceu um séquito de imagens russas, mantendo com ela uma conversação nessa língua. A prin­cipal figura, entretanto, era um chefe índio, chamado Santum, e uma índia de nome Honto, que se materializaram tão completamente e tantas vêzes que a assistência seria desculpada por esquecer que estava tratando com Espíritos. Tão grande foi o contacto, que Olcott mediu Honto numa escala pintada ao lado da porta da cabine. Tinha um metro e sessenta centímetros. Certa vez expôs o seio e pediu a uma senhora presente que observasse as batidas do coração. Honto era leviana, gostava de dançar, de cantar, de fumar e exibir sua rica cabeleira negra aos assistentes. Santum, por outro lado, era um guerreiro taciturno, de um metro e noventa centímetros. O médium tinha apenas um metro e setenta e cinco centímetros.

Digno de menção é o fato de o índio usar sempre um polva­rinho de chifre, que lhe fôra dado então por um dos assistentes. Estava pendurado na cabine e lhe fôra dado quando estava ma­terializado. Alguns dos Espíritos de Eddy falavam, outros não, e a fluência variava muito.

Isto concordava com a experiência do autor em sessões semelhantes. Parece que a alma que volta tem muito que aprender quando maneja êsse simulacro de si própria e que aqui, como alhures, a prática vale muito. Ao falar, essas figuras movem os lábios exatamente como faziam em vida. Tam­bém foi mostrado que a sua respiração em água de cal produz a reação característica de dióxido de carbono. Diz Olcott: “Os próprios Espíritos dizem que têm de aprender a arte de se materializar, como a gente procederia com qualquer outra arte.

A princípio apenas podem moldar mãos, como no caso dos Da­venport, das Fox e outros. Muitos médiuns jamais vão além dêsse estágio.

Entre os numerosos visitantes da casa de Vermont natural­mente alguns havia que assumiam uma atitude hostil. Nenhum dêstes, entretanto, parece ter dominado inteiramente o assunto. Um dos que mais chamavam a atenção foi um tal Doutor Beard, médico de New York, que, apenas com uma sessão, sustentava que tôdas as figuras eram disfarces do próprio William Eddy. Para sus­tentar êsse ponto de vista nenhuma prova foi produzida, mas ape­nas a sua opinião pessoal; e êle declarava ser capaz de produ­zir os mesmos resultados com aparelhos de teatro do custo de três dólares. Tal opinião bem podia ser formulada honestamente numa única sessão, especialmente se esta tivesse sido mais ou menos bem sucedida. Mas é perfeitamente insustentável quando comparada com as das pessoas que assistiram a várias sessões. As­sim, o Doutor Hodgson, de Stoneham, em Massachussetts, com mais quatro outras testemunhas, assinam um documento que diz: “Ates­tamos que... Santum estava do lado de fora, na plataforma, quando um Outro índio mais ou menos da mesma estatura saiu e os dois passavam e repassavam um pelo outro, andando para cima e para baixo. Ao mesmo tempo era mantida uma conversa entre George Dix, Mayflower, o velho Mr. Morse e Mrs. Eaton, dentro da cabine. Nós reconhecemos a voz familiar de cada um”.

Há muitas testemunhas de fatos semelhantes, além de Olcott; e todos põem a teoria dos disfarces está fora de cogitação. É pre­ciso acrescentar que muitas das formas eram crianças e até crian­ças de colo. Olcott mediu uma criança cuja altura era de setenta e um centímetros.

Poderia acrescentar-se honestamente que uma coisa que preocupa ocasionalmente o leitor é a hesitação de Olcott, além de sua reserva. A coisa era nova para êle e de vez em quando uma onda de receio e de dúvida passava por sua mente e êle pensava que tivesse ido muito longe e que devia con­torná-la, caso, de algum modo, mostrassem que êle estava errado.

Assim, diz êle: “As formas que vi em Chittenden, enquanto apa­rentemente desafiando qualquer outra explicação que nEïo a de uma origem supra-sensível, permanecem, do ponto de vista cientí­fico como ainda “não provadas”. Noutra passagem refere-se a falta de “condições para testes”.

Esta expressão tornou-se uma espécie de advertência que perde tôda significação. Assim, quando se diz ter visto, fora de qual­quer dúvida ou engano, o rosto da própria mãe falecida, o oponente replica: “Ah! mas foi sob condições para teste?” O teste repousa no próprio fenômeno. Quando se pensa que durante dez semanas Olcott pôde examinar a pequena cabine, vigiar o mé­dium, medir e pesar as formas ectoplásmicas, fica-se a pensar o que é que se poderia exigir para fazer prova completa. O fato é que enquanto Olcott escrevia o seu relato veio o suposto des­mascaramento de Mrs. Holmes e a parcial retratação de Mr. Dale Owen, o que o levou a tomar essas precauções.

Foi a mediunidade de William Eddy que tomou a forma de materializações. Horace Eddy fêz sessões de caráter bem diverso. Em seu caso foi usada uma espécie de tela, em cuja frente êle se sentava com um dos assistentes, ao seu lado, sob boa luz e segurando a sua mão. Do outro lado da tela era colocado um violão ou outro instrumento, que então começava a ser tocado, aparentemente sem executante, enquanto mãos materializadas eram vistas às bordas da cortina, O efeito geral era muito seme­lhante ao produzido pelos irmãos Davenport, mas era mais impressionante, uma vez que o médium era visto inteiramente e se achava sob contrôle de um espectador. A hipótese da moderna ciên­cia psíquica, baseada em muitas experiências, é que faixas in­visíveis de ectoplasma, que são antes condutoras de fôrça do que fôrças elas próprias, são emitidas do corpo do médium e aplica­das sôbre o objeto que deve ser manipulado, sendo empregadas para o levantar, para o tocar, conforme um poder invisível o deseje — poder invisível que, conforme pretende o Professor Char­les Richet, é um prolongamento da personalidade do médium e, conforme a mais avançada escola, uma entidade independente. Na­da disso era conhecido ao tempo dos Eddys e os fenômenos apre­sentavam uma indubitável aparência de tôda uma série de efeitos sem causa. Quanto à realidade do fato, é impossível ler a mi­nuciosa descrição de Olcott sem ficar convencido de que não pode­ria haver êrro nisso. Êsse movimento de objetos a distância do médium, ou telecinésia, para usar a expressão moderna, é um raro fenômeno à luz; mas certa ocasião, numa reunião de amadores, que eram espíritas experimentados, o autor viu uma espécie de bandeja de madeira, à luz de uma vela, ser levantada pela borda e responder a perguntas por meio de batidas, quando se achava a menos de dois metros de distância.

Nas sessões em escuridão de Horatio Eddy, onde a com­pleta ausência de luz dava todo vigor à fôrça psíquica, Olcott veri­ficou que havia uma louca dança guerreira de índios, com o sapateado de uma dúzia de pés e, simultâneamente, o som de um instrumento selvagem, acompanhado por guinchos e gritos. “Como pura exibição de fôrça bruta”, diz êle, “essa dança índia provavelmente é insuperável nos anais de tais manifestações”. Uma luz produzida instantaneamente encontraria os instrumentos cobertos no chão, e Horatio em profundo sono, sem uma gôta de suor, inconsciente em sua cadeira. Assegura-nos Olcott que tanto êle quanto outros cavalheiros presentes, cujo nome declina, tive­ram a permissão de se sentarem sôbre o médium, mas que em um ou dois minutos todos os instrumentos estavam sendo tocados novamente. Depois dessa experiência — e as houve muitíssimas —qualquer verificação posterior parece desnecessária. A menos que houvesse uma absoluta falta de senso da parte de Olcott e de outros espectadores, não há dúvida que Horatio Eddy exerci­tava poderes de que a ciência tinha, e ainda tem, um conheci­mento imperfeito.

Algumas das experiências de Olcott são tão definitivas e nar­radas tão franca e claramente que merecem respeitosa considera­ção e se adiantam aos trabalhos de muitos dos nossos modernos pesquisadores. Por exemplo, êle trouxe de New York uma ba­lança, que foi devidamente aferida e dada como exata num cer­tificado publicado para êsse efeito. Então persuadiu a uma das formas materializadas, a índia Honto, a ficar de pé sôbre ela, enquanto o seu pêso era verificado por uma terceira pessoa, Mr. Pritchard, cavalheiro respeitável e não interessado no assunto. Olcott faz um relato dos resultados e adiciona um certificado de Pritchard, como jurado perante um juiz. Honto foi pesada quatro vêzes, de pé sôbre a plataforma, de modo que não podia de modo algum aliviar o seu pêso. Era uma mulher de um metro e sessenta centímetros de altura e era de esperar que registrasse um pêso de cêrca de sessenta e um quilos. Os quatro resultados foram, respectivamente, de 39,9; 26,3; 26,3 e 29,5 quilos — to­dos tomados na mesma noite. Isso parece mostrar que seu corpo era um mero simulacro, cuja densidade podia variar de mo­mento a momento. Também demonstrou aquilo que mais tarde foi verificado por Crawford, que todo o pêso do simulacro não poderia derivar do médium. É inconcebível que Eddy, cujo pêso era de cêrca de 82 quilos, fôsse capaz de dar quase 40. Tôda a assistência, conforme a sua capacidade, que varia enormemente, é chamada a contribuir; e outros elementos podem muito provavelmente ser trazidos da atmosfera. Atualmente a maior perda de pêso demonstrada por Miss Goligher, nas experiências de Craw­ford, foi de 23,7 quilos; mas cada um dos assistentes sofreu uma perda de pêso, conforme registrou o mostrador das cadeiras-balan­ças: era a contribuição individual para a formação do ectoplas­ma.

Também preparou o Coronel Olcott duas balanças de mola e fêz testes da capacidade de tração das mãos dos Espíritos, en­quanto as do médium eram seguradas por alguém da assistência. Uma mão esquerda puxou com uma fôrça de 18 quilos e a di­reita, de 23,6 quilos, a uma luz tão boa que Olcott pôde ver que na mão direita faltava um dedo. Êle estava familiarizado com o caso, pois se tratava do Espírito de um marinheiro que havia perdido um dedo em vida. Quando a gente lê tais coisas, o aviso de Olcott de que seus resultados não eram definitivos e de que não tinha êle as perfeitas condições de experimentação, nos torna mais difícil a compreensão. Entretanto, fecha as suas conclusões com estas palavras: “Não obstante o número de cépti­cos se batendo contra esses fatos graníticos; não obstante o disfarce que possam vestir os “desmascaradores”, a trombetear cor­netinhas de brinquedo, essa Jericó resistirá”.

Uma observação feita por Olcott foi que essas formas ectoplásmicas obedeciam facilmente a um comando mental de um assis­tente de mente forte, pois iam e vinham aonde êstes quisessem. Outros observadores em várias sessões notaram o mesmo fato, o que pode ser tomado como um dos pontos verificados nesse problema crucial.

Há um outro ponto curioso que possivelmente Olcott deixou de noticiar. Os médiuns e os Espíritos que tinham sido muito seus amigos durante a sua longa visita, sübitamente se tornaram azedos e esquivos. Parece que essa mudança se operou logo depois da chegada de Madame Blavatsky, com quem Olcott havia esta­belecido íntimas relações. Como se sabe, aquela senhora era uma espírita convicta na ocasião, mas é possível que os Espíritos tenham previsto e pressentido o perigo oferecido pela dama russa. Os seus ensinos teosóficos, apresentados um ou dois anos mais tarde, eram tais que, embora os fenômenos fôssem reais, os Espíritos eram meros cascões astrais e não tinham vida própria. Seja qual fôr a verdadeira explicação, a mudança nos Espíritos foi notá­vel. “Muito embora a importância de meu trabalho tenha sido reconhecida e tôdas as facilidades razoáveis me tenham sido con­cedidas, eu era constantemente mantido a distância, como se fôsse um inimigo, em vez de um observador sem preconceitos”.

O Coronel Olcott narra muitos casos onde os assistentes reco­nheceram Espíritos, mas nêles não se pode confiar muito, porque com uma luz fraca e as condições emocionais é fácil de ser enganado um observador honesto. O autor tem tido a oportuni­dade de demorar o olhar sôbre rostos de cêrca de cem dessas ima­gens e apenas se lembra de dois casos nos quais estava absoluta­mente certo de sua identidade. Em ambos êsses casos os rostos tinham sua própria luz e o autor não dependia de lâmpada ver­melha. Houve duas outras ocasiões em que, com a lâmpada vermelha, êle estava moralmente certo; mas, na maioria dos casos, era possível, se se admitir o trabalho da imaginação, ver o que se quisesse na vaga moldagem que se defrontava. Foi talvez o que ocorreu no grupo de Eddy: realmente C. C. Massey, um juiz muito competente, em sessão com Eddy em 1875, queixava-se dêsse fato. O verdadeiro milagre não era a identidade, mas a simples presença do ser.

Não há dúvida que o interêsse despertado pela imprensa, ao relatar os fenômenos de Eddy deveria ter produzido um mais sério tratamento da ciência psíquica e, possivelmente, adian­tado de uma geração a causa da verdade. Infelizmente, no mo­mento exato em que a atenção do público era atraída para o as­sunto, sobreveio real ou imaginário — o escândalo dos Holmes em Filadélfia, o qual foi rigorosamente explorado pelos mate­rialistas, ajudados pela exagerada honestidade de Robert Dale Owen. Os fatos foram os seguintes:

Dois médiuns em Filadélfia Mr. e Mrs. Nelson Holmes, tinham feito uma série de sessões, nas quais supostamente apa­recia, de contínuo, um Espírito que havia tomado o nome de Katie King, declarando-se a mesma com que o Professor William Crookes havia feito experiências em Londres. Em face disto a afir­mação tornou-se duvidosa, desde que a original Katie King havia dito que a sua missão estava concluída. Entretanto, de lado a identidade do Espírito, parece que havia fortes indícios de que o fenômeno fôsse genuíno e não fraudulento, por ser geralmente endossado por Mr. Dale Owen, pelo General Lipáginasitt e por vários outros observadores, que citaram experiências pessoais acima de qualquer suspeita.

Havia então em Filadélfia um certo Doutor Child, que re­presentou um papel muito ambíguo nos fatos obscuros que se seguiram. Child tinha sustentado a autenticidade dos fenômenos de maneira pronunciada. Chegara a ponto de declarar, num folheto que publicou em 1874, que o próprio James, como Katie King, que êle vira na sala das sessões, tinham vindo ao seu próprio consultório e aí haviam ditado particularidades de sua vida terre­na, o que também foi publicado. Tais declarações, naturalmente, levantam dúvidas no espírito de qualquer estudante de psiquis­mo, porque uma forma espiritual só se manifesta através de um médium, e não há indício de que Child o fôsse. De qualquer modo pode imaginar-se que, depois de uma tal asserção, Child seria a última criatura no mundo com autoridade para dizer que as sessões eram fraudulentas.

Um grande interêsse público tinha sido despertado por um artigo do General Lipáginasitt, em Galaxy de dezembro de 1874 e por um outro de Dale Owen no Atlantic Monthly, de janeiro de 1875. Subitamente a coisa estourou. Foi prenunciada por uma notícia publicada por Dale Owen a 5 de janeiro, dizendo que lhe tinham sido apresentadas provas que o obrigavam a retirar as expressões de confiança nos Holmes. Coisa semelhante fêz o Doutor Child.

Escrevendo a Olcott, o qual, depois de sua investigação com Eddy, era considerado uma autoridade, disse Dale Owen:

“Penso que ultimamente êles nos mistificaram, talvez apenas mis­turando o bom e o falso, o que levanta dúvidas sôbre as manifes­tações do último verão. Assim, provàvelmente não as empregarei em meu próximo livro sôbre Espiritismo. É uma perda, mas você e Mr. Crookes têm contribuído o bastante para o Espiritismo.

A posição de Dale Owen é bastante clara, desde que era um homem de honra muito sensível, horrorizado com a idéia de que, por um instante, pudesse ter atestado que uma impostura era uma verdade. Parece que o seu êrro repousa na circunstância de ter agido ao primeiro cicio de suspeita, em vez de esperar que os fatos se esclarecessem. A posição do Doutor Child, entretanto, émais discutível, pois se as manifestações realmente fôssem fraudulentas, como poderia êle ter tido entrevistas sozinho com os mes­mos Espíritos em seu consultório?

Foi então verificado que uma senhora, cujo nome não foi dado, tinha estado representando Katie King nas sessões; que havia consentido que seu retrato fôsse tirado e vendido como Katie King, que podia mostrar os vestidos e enfeites usados por Katie King nas sessões e que estava pronta para fazer uma confissão plena. Nada parecia mais desesperador e mais com­pleto. Foi nessa altura que Olcott tomou a investigação e parece que estava preparado para verificar que a opinião geral era certa.

Logo as suas investigações revelaram alguns fatos que, en­tretanto lançaram uma luz nova sôbre a questão, provando que, a fim de ser minuciosa e exata, a pesquisa psíquica deve examinar as “imposturas” com o mesmo senso crítico que aplica aos fenô­menos. O nome da pessoa que tinha confessado haver represen­tado o papel de Katie King foi declinado: era Elisa White. Numa declaração que ela publicou, sem dar o nome, disse haver nascido em 1851, o que lhe dava então vinte e três anos de idade. Ti­nha-se casado aos quinze e tinha um filho de oito anos. Seu marido havia morrido em 1872 e ela devia sustentar-se e ao filho. Desde março de 1874 os Holmes moravam na mesma casa que ela. Em maio a contrataram para representar o Espírito. A cabine tinha uma parede falsa na parte posterior, por onde ela podia insinuar-se vestida de musselina. Mr. Dale Owen tinha sido convidado para as sessões e ficara inteiramente empolgado. Tudo isto resultou-lhe num drama de consciência, que, todavia, não a impediu de arriscar-se a maiores cometimentos, tais como os de aprender a desvanecer-se ou mudar de forma, por meio de panos pretos ou fazer-se fotografar como Katie King.

Um dia, de acôrdo com o seu relato, veio à sua sessão um homem chamado Leslie, empreiteiro de estrada de ferro. Êsse cavalheiro mostrou suspeitas e na sessão seguinte revelou-lhe a sua fraude, e lhe ofereceu auxílio em dinheiro se ela o confessasse. Aceitou e mostrou a Leslie os seus métodos de mistificação. A 5 de dezembro foi realizada uma sessão fraudulenta, na qual ela representou seu papel como nas sessões reais. Isto impressionou de tal modo a Dale Owen e ao Doutor Child, que se achavam presentes, que publicaram aquelas notícias nas quais reconside­ravam a sua crença — e essa reconsideração foi um golpe naqueles que acreditavam nas primeiras declarações de Dale Owen e que agora entendiam que êle deveria ter feito uma investigação mais completa, antes de sustentar tais coisas. A coisa era tanto mais penosa quanto Dale Owen contava setenta e três anos de idade e tinha sido um dos mais eloqüentes e corajosos discípulos da nova dispensação.

A primeira tarefa de Olcott foi examinar cuidadosamente as declarações já feitas e destruir o anonimato de sua autora. Logo descobriu, como foi dito, que era Elisa White e que, conquanto em Filadélfia, recusou-se a recebê-lo. Por outro lado os Holmes agiram muito abertamente e se ofereceram para criar tôdas as facilidades de examinar os seus fenômenos em quaisquer condi­ções que lhes aprouvesse. Uma investigação sôbre o passado de Elisa White mostrou que seu depoimento, no que diz respeito à sua pessoa, era uma teia de mentiras. Ela era muito mais velha do que dissera — não tinha menos de trinta e cinco anos — e não é certo de que um dia se tivesse casado com White. Durante anos tinha sido vocalista numa companhia ambulante. White ainda era vivo, de modo que não havia a questão da viuvez. Olcott publicou um atestado do Chefe de Polícia a tal respeito.

Entre outros documentos fornecidos pelo Coronel Olcott es­tava um de Mr. Allen, Juiz de Paz de New Jersey, dado sob juramento. Elisa White, conforme essa testemunha, era “tao indigna de crédito que aqueles a quem falava nunca sabiam se deviam acreditar, e sua reputação moral era tão ruim quanto possivel.” Contudo o Juiz Allen pôde dar um depoimento mais dire­tamente referido ao assunto em discussão. Declarou que havia visitado os Holmes em Filadélfia e tinha visto o Doutor Child pre­parar a cabine, que era sôlidamente construída e que não havia possibilidade de qualquer entrada pelos fundos, como dissera Mrs. White. Além disso, que estivera na sessão em que aparecera Katie King e que os trabalhos haviam sido interrompidos pelo canto de Mrs. White num outro quarto, de modo que era impossível que Mrs. White pudesse, como dizia, ter feito o papel de um Espírito. Sendo êste um depoimento jurado de um Juiz de Paz, parece uma peça de pêso como prova.

Parece que a cabine foi feita em junho, pois o General Lipáginasitt, excelente testemunha, descreveu um dispositivo bem diferen­te quando assistiu às experiências. Diz êle que duas portas se do­bravam em harmônica, de modo que se tocavam; a cabine era ape­nas o recanto formado por elas e um quadro por cima. “Nas pri­meiras duas ou três sessões fiz um exame minucioso, e uma vez com um mágico profissional, que ficou perfeitamente satisfeito por não haver possibilidade de truques”. Isto foi em maio, de modo que as duas descrições não são contraditórias — salvo quanto à declaração de Elisa White de que podia deslizar para dentro da cabine.

Além dessas razões para precauções ao formar opinião, os Holmes foram capazes de exibir cartas que lhes foram escritas por Mrs. White, em agôsto de 1874, onde se vê a incompatibilidade para a existência entre êles de qualquer segrêdo criminoso. Por outro lado, uma dessas cartas disse que haviam sido feitos es­forços para que ela forjasse uma confissão de que tinha sido Katie King. Mais tarde no mesmo ano, parece que Mrs. White assu­miu um tom mais ameaçador, conforme um depoimento escrito e formal dos Holmes, quando ela declarou que, a menos que lhe pagassem uma pensão determinada, havia um bom número de cava­lheiros ricos, inclusive membros da Associação Cristã de Moços, que estavam prontos para lhe pagar uma larga soma e que ela não mais incomodaria os Holmes. Mil dólares era a soma exata que Elisa White iria receber se concordasse em admitir que tinha representado Katie King. Certamente há que convir que tal veri­ficação, em conjunto com as declarações da mulher, exige que se peçam provas de tudo quanto ela diz.

Resta um fato culminante. Na hora exata em que a falsa ses­são foi realizada e na qual Mrs. White estava mostrando como Katie King era representada, os Holmes realizavam uma sessão real, assistida por vinte pessoas e na qual o Espírito apareceu da maneira de sempre. O Coronel Olcott recolheu várias declara­ções de pessoas então presentes e não há dúvida a respeito do fato. A do Doutor Adolphus Fellger é curta e pode ser dada quase que por inteiro.

Diz êle sob juramento que “viu o Espírito conhe­cido como Katie King, ao todo, cêrca de oito vêzes; é perfeita­mente familiar com os seus modos e não se sente enganado em rela­ção á identidade de Katie King, que apareceu na tarde de 5 de dezembro, pois enquanto o dito Espírito aparecia exatamente da mesma altura e com os mesmos gestos, em duas sessões seguidas, sua voz era sempre a mesma e a expressão de seus olhos e os tópicos da conversa lhe davam maior certeza de tratar-se da mesma pessoa”. Esse Fellger era muito conhecido e respeitado em Fi­ladélfia como médico, cuja palavra simples, no dizer de Olcott, vale mais que “vinte juramentos escritos da vossa Elisa White”.

Também ficou demonstrado que Katie King aparecia cons­tantemente quando Mrs. Holmes estava em Blissfield e Mrs. White em Filadélfia e que Mrs. Holmes havia escrito a Mrs. White descrevendo suas aparições reais, o que parece uma prova final de que a última não era uma parceira.

Por êsse tempo deve admitir-se que a confissão anônima de Mrs. White é um tiro numa coisa furada e com tantos buracos que a coisa se afunda. Há, porém, um detalhe que, na opinião do autor, ainda flutua. É o caso da fotografia. Foi confessado pelos Holmes, numa entrevista com o General Lipáginasitt, — cuja pa­lavra é um pedaço sólido naquele charco — que Elisa White foi contratada pelo Doutor Child para posar num retrato como Katie King. Parece que Child representou um papel dúplice em todo êsse negócio, fazendo, em diferentes ocasiões, afirmações muito contraditórias e tendo, ao que parece, um interêsse pecuniá­rio no caso. Por isso a gente se inclina a considerar seriamente essa acusação, e pensar se os Holmes teriam participado da fraude. Garantindo que a imagem de Katie King era real, talvez tivessem duvidado se ela seria ou não fotografável, de vez que sua produção exigia que a luz fôsse fraca. Por outro lado, havia uma clara fonte de lucro, desde que os retratos eram vendidos aos numerosos assistentes por meio dólar. Em seu livro, o Co­ronel Olcott reproduz a fotografia de Mrs. White ao lado de outra supostamente de Katie King, e chama a atenção para a falta de semelhança. É claro, entretanto, que tivessem solicitado ao fotógrafo que a retocasse, para disfarçar a semelhança, pois do contrário a fraude seria notada. O autor tem a impres­são, que não é certeza, de que os dois rostos são os mesmos, apenas com algumas alterações obtidas pela manipulação. As­sim, admite que a fotografia seja fraudulenta, mas isto de modo algum corrobora o resto da narrativa de Mrs. White, muito embora abale a nossa fé a respeito do caráter de Mr. e Mrs. Holmes, do mesmo modo que do Doutor Child. Mas o caráter dos médiuns de efeitos físicos tem apenas uma influência indireta na questão da realidade de sua fôrça psíquica, que deveria ser apreciada através de sua própria natureza, pouco importando se o indivíduo é santo ou pecador.

A sábia conclusão do Coronel Olcott foi que, à vista do conflito de provas, deveria pôr tudo de lado e controlar os mé­diuns à sua maneira, sem se importar com o que havia passado.

E o fêz de maneira convincente, de modo que, quem quer que leia a sua investigação — “People From the Other World” (3),

3. Gente do Outro Mundo. — N. do T.

página 460 e seguintes, — não poderá negar que êle tomou tô­das as precauções possíveis contra as fraudes. A cabine era revestida de tela pelos lados, de modo que ninguém poderia en­trar, como Mrs. White disse haver feito. Mrs. Holmes era posta num saco, atado ao pescoço e, como o marido se achava ausente, ficava reduzida aos seus próprios recursos. Em tais circunstân­cias numerosas cabeças se formaram, algumas das quais semi-materializadas, apresentando uma aparência horrível. Isto deve ter sido feito como um teste ou, possivelmente, a longa conten­ção deve ter prejudicado os poderes do médium. Os rostos cos­tumavam aparecer a uma altura que o médium não podia alcançar. Dale Owen achava-se presente a essa demonstração e já deveria ter lamentado a sua declaração prematura.

Sessões posteriores e com os mesmos resultados foram rea­lizadas por Olcott em seus próprios aposentos, de modo a elimi­nar a possibilidade de qualquer mecanismo sob o contrôle do mé­dium. Numa ocasião, quando a cabeça de John King, o Espírito dirigente, apareceu no ar, Olcott, lembrando-se da declaração de Elisa White, de que êsses rostos eram apenas máscaras de dez centavos, pediu e obteve permissão para passar a sua bengala em redor dêle, e assim ficou satisfeito de verificar que não era sus­tentado por ninguém. Essa experiência parece tão conclusiva que o leitor que pretender mais provas deve ser remetido ao livro onde encontrará muito mais. Era claro que, qualquer que fôsse o papel representado por Elisa White na fotografia, não havia som­bra de dúvida de que Mrs. Holmes era um médium genuíno e po­deroso para fenômenos de materializações. Deveria acrescentar-se que a cabeça de Katíe King foi vista repetidas vêzes pelos inves­tigadores, conquanto a forma inteira, ao que parece, só se mate­rializou uma vez. O General Lipáginasitt estava presente a essa reu­nião e associou-se püblicamente, pela Banner of Light de 6 de fevereiro de 1875, às conclusões de Olcott.

O autor demorou-se um pouco sôbre êsse caso porque o mes­mo representa a maneira típica pela qual o povo é desviado do Espiritismo. Os jornais estão cheios de “desmascaramentos”. A coisa é investigada e tanto se mostra o que é falso, quanto o que é parcialmente verdadeiro. Isto não é publicado e o público fica com a primeira impressão incorreta. Mesmo agora, quando se menciona Katie King, é freqüente essa crítica: “Foi provado que era uma fraude, em Filadélfia”, e, por uma natural con­fusão de idéias, isto foi até usado como argumento contra as expe­riências clássicas de Crookes. A questão — especialmente a mo­mentânea fraqueza de Dale Owen — atrasou de muitos anos o Espiritismo na América.

Foi feita uma referência a Jehn King, o Espírito dirigente das sessões dos Holmes. Essa estranha entidade parece ter sido o principal controlador de todos os fenômenos físicos nos primeiros dias do movimento e ainda é visto e ouvido ocasional­mente. Seu nome está ligado com o salão de música de Koons, com os irmãos Davenport, com Williams em Londres, com Mrs. Holmes e muitos outros. Pessoalmente, quando materializado, tem aparência de um homem alto, moreno, uma cabeça nobre e grande barba negra. Sua voz é alta e profunda, enquanto as suas batidas têm um caráter peculiar. É senhor de tôdas as línguas, tendo sido experimentado nas línguas mais originais, como o georgiano, e nunca foi pilhado em êrro.

Essa criatura formi­dável controla bandos de Espíritos inferiores, índios Peles-Verme­lhas e outros, que assistem a tais fenômenos. Afirma que Katie King é sua filha e que em vida, como Henry Morgan, fôra pi­rata, perdoado e armado cavaleiro por Carlos 2º e que termi­nara como Governador da Jamaica. Se assim foi, teria sido um rufião crudelíssimo, que muito terá que expiar. Contudo, o autor deve declarar que possui um retrato de Henry Morgan, feito na época — e que se encontra na obra de Howard Pyles “Bucca­neers”, à página 178, e que, se controlada, nenhuma semelhança apresenta com John King. Tôdas estas questões de identificação material são muito obscuras. (4)

4. Como o autor deu uma deixa contra a identidade de John King como Morgan, é justo que dê outra que a comprove — e esta lhe vem quase que em primeira mão e de fonte fidedigna. A filha de um recente Governador da Jamaica achava-se ültima­mente numa sessão em Londres e se defrontou com John King. O Espírito King lhe disse:

— “Você trouxe da Jamaica algo que me pertencia.”

— “O que foi?” perguntou ela.

— “Meu testamento”, respondeu êle. Era um fato, absoluta­mente desconhecido dos

presentes, que seu pai havia trazido tal documento.

Antes de encerrar o relato das experiências de Olcott, nessa etapa de sua evolução, deve ser feita uma referência ao caso da chamada transfiguração de Compton, que mostra em que águas profundas nos encontramos quando tentamos pesquisas psíquicas. Essas profundezas ainda não foram avaliadas, nem delineadas. Na­da pode ser mais claro do que os fatos, nem mais satisfatório do que as provas. A médium Mrs. Compton se achava fechada em sua cabine, com um fio passado pelos furos de suas orelhas e amarrado ao encôsto de sua cadeira. Então uma esguia figura branca emergiu da cabine. Olcott tinha providenciado uma balança de plataforma, na qual o Espírito ficou de pé. Foi pesado duas vêzes, registrando 35,7 quilos e 27,3 quilos respectivamente. En­tão, conforme as disposições prévias, Olcott foi à cabine, deixando o espectro do lado de fora. A médium tinha desaparecido. A ca­deira lá estava, mas nem sinal da senhora. Então Olcott voltou e pesou novamente a aparição, que então apresentava 23,5 quilos. Depois disso o Espírito voltou à cabine, da qual surgiam outras figuras. Finalmente, diz Olcott:

“Eu ali entrei com uma lâmpada e encontrei a médium exa­tamente como havia deixado no comêço da sessão, com os fios in­tactos e cada nó perfeito! Estava sentada, com a cabeça apoia­da na parede, pálida e fria como mármore, os olhos revirados, a testa coberta de uma umidade de morte, sem respiração pulmo­nar nem batidas do pulso. Quando todos acabaram de examinar os fios e os nós frágeis eu os cortei com uma tesoura e, levan­tando a cadeira pelo encôsto e pelo assento, transportei a senhora em catalepsia para um lugar arejado fora da câmara.

Ela ficou inanimada durante dezoito minutos. Gradativamente a vida foi voltando, até que a respiração, o pulso e a tem­peratura se tornaram normais... Então a levei para a balança... Pesava 55 quilos!”

Que fazer de tais resultados? Havia onze testemunhas além de Olcott. Os fatos parecem acima de dúvidas. Mas, que deduzir dêles? O autor viu uma fotografia, tomada em presença de um médium amador, na qual todos os detalhes da sala tinham sido apanhados, mas a médium havia desaparecido. O desaparecimento da médium tem alguma analogia com êsse caso? Se a figura ectoplásmica só pesava 35 quilos e a médium 55, torna-se claro que apenas 20 quilos lhe eram deixados, quando o fantasma estava fora. Se 20 quilos não bastavam para continuar o pro­cesso de vida, não poderiam os seus guias ter usado a sua química oculta sutil a fim de a desmaterializar e assim salvá-la do perigo ate que a volta do fantasma permitisse a reabsorção? É uma estranha suposição, mas parece que atende aos fatos — o que pode ser feito por mero palpite ou por uma incredulidade não raciocinada.

13

Henry Slade e o Doutor Monck

É IMPOSSÍVEL relacionar todos os médiuns das várias gra­dações de fôrça e, ocasionalmente, de honestidade, que têm de­monstrado os efeitos que inteligências estranhas podem produzir quando as condições materiais são tais que permitem a sua mani­festação neste plano. Há alguns, entretanto, que foram tão pre­eminentes e tão envolvidos em polêmicas públicas que nenhuma história do movimento poderá esquecê-los, mesmo quando sua car­reira não estivesse, sob todos os pontos, isenta de suspeitas. Trata­remos neste capítulo da história de Slade e de Monck, os quais representaram em sua época um papel destacado.

Henry Slade, célebre médium da escrita nas lousas, foi exi­bido publicamente na América durante quinze anos, antes que che­gasse a Londres a 13 de julho de 1876. O Coronel H. S. Olcott, antigo presidente da Sociedade Teosófica, declara que, com a Senhora Blavatsky era responsável pela visita de Slade à Ingla­terra. Parece que, como o Grão-Duque Constantino da Rússia de­sejasse fazer uma investigação científica do Espiritismo, uma comis­são de professôres da Universidade de São Petersburgo pediu ao Coronel OLcott e à Senhora Blavatsky que escolhessem entre os me­lhores médiuns americanos um que pudesse ser recomendado para ensaios. Êles escolheram Slade, depois de o submeter a testes durante várias semanas, perante uma comissão de cépticos, que em seu relatório certificavam que “eram escritas mensagens nas faces inteiras de duas lousas, por vêzes amarradas e seladas jun­tas, quando postas sôbre uma mesa, à vista de todos; acima das cabeças de membros da comissão; prêsas à parte inferior do tam­po da mesa; ou, ainda, nas mãos de um membro da comissão, sem que o médium as tocasse”. Foi se dirigindo para a Rússia que Slade veio à Inglaterra.

Um representante do jornal World, de Londres, que estêve numa sessão de Slade logo após à sua chegada, assim o des­creve: “Muito bem conformado, temperamento nervoso, rosto mís­tico e sonhador, gestos regulares, olhos expressivos e luminosos, um sorriso antes triste e uma certa graça melancólica de manei­ras, eram as impressões despertadas por êsse homem alto e flexível, que me foi apresentado como sendo o Doutor Slade. É o tipo de homem que a gente marcaria numa assembléia como um entu­siasta.” Diz o relatório da Comissão Seibert que “tinha cêrca de 1 metro e 83 centímetros de altura, com um rosto de inusitada simetria” e que “sua face chamava a atenção em qualquer parte por sua beleza inco­mum e acresenta que é “um homem digno de nota sob todos os aspectos”.

Logo depois de sua chegada a Londres, Slade começou a fazer sessões em seus aposentos, 8 Upáginaser Bedford Place, Russel Square, com um sucesso imediato e pronunciado.

Não só a escrita era ob­tida de modo evidente, sob fiscalização e com lousas dos próprios assistentes, mas a levitação de objetos e a materialização de mãos foi observada sob intensa luz do dia, O redator de The Spiritual Magazine, o mais sereno e elevado periódico dos Espíritas da época, escreveu:

“Não hesitamos em dizer que o Doutor Slade é o mais notá­vel médium dos tempos modernos”.

Mr. J. Enmore Jones, conhecido pesquisador do psiquismo daqueles dias e, posteriormente, redator de The Spiritual Magazine, disse que Slade estava ocupando o lugar deixado por D. D. Home. A descrição que faz de sua primeira sessão indica o severo método de exame: “No caso de Mr. Home, recusou receber um salário e, via de regra, as sessões eram feitas ao anoitecer, no calmo am­biente familiar. Mas no caso do Doutor Slade elas se realizavam a qualquer hora, durante o dia, nos aposentos que êle ocupava numa pensão.

Cobra vinte shillings e prefere que apenas uma pessoa fique na sala que ocupa. Não perde tempo: assim que o visi­tante se senta, começam os incidentes, continuam e terminam em cêrca de quinze minutos”. Stainton Moses, que depois foi o pri­meiro presidente da Aliança Espírita de Londres, externou a mes­ma idéia a respeito de Slade. Escreveu: “Em sua presença os fenômenos ocorrem com uma regularidade e precisão, com uma ausência de preocupação com as “condições” e com uma facilidade para observação que satisfaz inteiramente os meus desejos. É impossível imaginar circunstâncias mais favoráveis para a minu­ciosa investigação do que aquelas sob as quais testemunhei os fe­nômenos que ocorrem em sua presença com tão surpreendente rapidezembro.. Não havia hesitação nem tentativas. Tudo era rá­pido, agudo, decisivo. Os operadores invisíveis sabiam exatamente o que iam fazer, e o faziam com presteza e precisão”. (1)

1. The Spiritualist, Volume 9º, página 2.

A primeira sessão de Slade na Inglaterra foi realizada a 15 de julho de 1876, para Mr. Charles Blackburn, eminente espiritista, e Mr. W. II. Harrison, redator de The Spiritualist.

Em plena luz do dia o médium e os dois assistentes ocuparam os três lados de uma mesa comum de cêrca de três pés de lado. Slade pôs um pedacinho de lápis, mais ou menos do tamanho de um grão de trigo, sôbre uma ardósia e segurou esta por um canto, com uma mão, encostando-a no tampo por baixo da mesa. Ou. via-se a escrita na lousa e, examinada, verificou-se que uma curta mensagem fôra escrita. Enquanto isso acontecia, as quatro mãos dos assistentes e a mão livre de Slade eram agarra­das no centro da mesa. A cadeira de Mr. Blackburn foi arras­tada umas quatro ou cinco polegadas, estando êle sentado, e nin­guém senão êle a tocava. A cadeira vazia no quarto lado da mesa uma vez pulou no ar, batendo o assento na borda inferior da mesa. Duas vêzes uma mão com a aparência de vida passou em frente a Mr. Blackburn, enquanto ambas as mãos de Slade eram observadas. O médium segurou um acordeon debaixo da mesa e, enquanto se via claramente a outra mão sôbre a mesa, foi tocada a “Home, Sweet Home”. Então Mr. Blaekburn segurou o acordeom da mesma maneira, quando o instrumento foi empurrado violentamente e tocada uma nota. Enquanto isto ocorria, as mãos de Slade estavam sôbre a mesa. Finalmente os três presentes levan­taram as mãos cêrca de trinta centímetros acima da mesa e esta ergueu-se até tocar as suas mãos. Em outra sessão no mesmo dia uma cadeira ergueu-se cêrca de um metro e vinte, quando ninguém a tocava e, quando Slade tinha uma mão no espaldar da cadeira de Mr. Blackburn, a cadeira elevou-se cêrca de meio metro acima do solo.

Assim descreve Mr. Stainton Moses uma das primeiras ses­sões com Slade:

“Um sol de meio-dia, bastante quente para torrar a gente, derramava-se na sala; a mesa estava descoberta; o médium estava sentado e visto inteiramente; nenhum ser humano se achava presente, além de mim e êle. Que melhores condições poderia haver? As batidas foram instantâneas e fortes, como se dadas por um homem forte. A escrita na lousa ocorreu conforme a sugestão feita, sôbre uma lousa sustentada por mim e pelo Doutor Slade; sôbre outra sustentada por mim e que eu mesmo trou­xera; e sobre uma terceira sustentada apenas por mim, no canto da mesa mais distanciado do médium. A última escrita demorou algum tempo e o ruído característico do lápis ao formar as pala­vras era ouvido distintamente. Uma cadeira em minha frente foi levantada cêrca de meio metro do solo; a lousa foi arrancada de minha mão e levada para o outro lado da mesa, onde nem eu nem o Doutor Slade poderíamos alcançá-la; o acordeon, tocava em re­dor de mim, enquanto o doutor o segurava pela parte inferior e, finalmente, tendo êle tocado no encôsto de minha cadeira, fo­mos levitados com cadeira e tudo, algumas polegadas”.

O próprio Mr. Stainton Moses era um médium poderoso e sem dúvida êsse fato auxíliou as condições. Acrescenta êle:

“Tenho visto todos êsses fenômenos e muitos outros várias vêzes antes desta, mas nunca tão rapidamente, tão consecutiva­mente em plena luz do dia. Tôda a sessão não durou mais que meia hora e, do comêço ao fim, não houve interrupção dos fenômenos.” (2)

2. The Spiritualist, Volume 9º, página 2.

Tudo foi bem durante seis semanas, e Londres estava cheia de curiosidade pelos dons de Slade, quando se deu, infelizmente, uma interrupção.

No comêço de setembro de 1876 o Professor Ray Lankester, com o Doutor Donkin, tiveram duas sessões com Slade e, na segunda, tomando uma lousa, encontraram-na escrita, quando se pensava que nada tivesse sido produzido. Ele era absolutamente inexpe­riente em pesquisas psíquicas, do contrário saberia que é impos­sível dizer o momento exato em que se dá a escrita nessas ses­sões. Ocasionalmente uma fôlha inteira parecia precipitada num instante, enquanto de outras vêzes o autor ouvia claramente o ruido do lápis, linha por linha. Para Ray Lankester, entretanto, pareceu um caso típico de fraude e êle escreveu uma carta ao The Times (3),

3. 16 de setembro de 1876.

denunciando Slade e o perseguiu por tomar dinheiro de modo fraudulento. Foram publicadas cartas em res­posta a Lankester pelo Doutor Alfred Russel Wallace, pelo Professor Barrett e outros, O Doutor Wallace chamou a atenção para o fato de que o relato do Doutor Lankester daquilo que acontecera era extremamente diferente do que lhe ocorreu durante a sua visita ao médium, bem como o registro das experiências de Serjeant Cox, do Doutor Carter Blake e muitos outros, de modo que o podia considerar como um notável exemplo da teoria do Doutor Carpenter, sôbre as idéias preconcebidas. Diz êle: “O Professor Lankester foi com a firme convicção de que tudo o que ia assistir era impostura e, assim, pensa que viu imposturas”. O Professor Lankester demonstrou o seu êrro quando, referindo-se à comu­nicação lida na Associação Britânica a 12 de setembro pelo Pro­fessor Barrett, no qual trata dos fenômenos espíritas, disse na sua carta a The Times: “As discussões na Associação Britânica foram degradadas pela introdução do Espiritismo”.

O Professor Barrett escreveu que Slade tinha uma resposta pronta, baseada no fato de ignorar quando a escrita era produ­zida. Descreve uma sessão muito probante, que êle realizou, na qual a lousa ficou sôbre a mesa e debaixo de seu cotovêlo. Uma das mãos de Slade era sustentada por êle, enquanto os dedos da outra mão tocavam de leve na lousa, O Professor Barrett fala, depois, de um eminente cientista seu amigo, que obteve a escrita numa lousa limpa, que êle próprio segurava, quando ambas as mãos do médium se achavam sôbre a mesa. Por certo tais exem­plos devem ser absolutamente convincentes para o leitor despre­venido; e é claro que, se fica bem estabelecido o que é positivo, as ocasionais alegações negativas não têm cabida na conclusão geral.

O julgamento de Slade se deu na Côrte de Polícia de Bow Street, a 1º de outubro de 1876, perante o Juiz Flowers. A acusa­ção estêve a cargo de Mr. George Lewis e a defesa foi feita por Mr. Munton. As provas sôbre a autenticidade da mediunidade de Slade foram dadas pelo Doutor Alfred Russel Wallace, por Serjeant Cox, pelo Doutor George Wyld e outros, mas só quatro testemunhas foram permitidas. O magistrado classificou a prova testemunhal como esmagadora” dada a evidência dos fenômenos, mas no julgamento excluiu tudo, exceto a acusação de Lankester e de seu amigo Doutor Donkin, dizendo que era obrigado a basear a sua decisão em “inferências deduzidas dos conhecidos fatos naturais.” Uma declaração feita pelo conhecido mágico Maskelyne, de que a mesa usada por Slade era preparada para truques, foi desmasca­rada pelo testemunho do carpinteiro que a tinha feito. Essa mesa atualmente pode ser vista nos escritórios da Aliança Espírita de Londres e a gente fica estupefato pelo fato de uma testemunha ter sido capaz de comprometer a liberdade de um homem por um depoimento tão falso que alterou profundamente o curso do pro­cesso. Na verdade, ante as declarações de Ray Lankester, de Don­kin e de Maskelyne é difícil ver como Mr. Flowers podia deixar de condenar, pois diria, com razão, “O que se apresenta à Côrte não é o que aconteceu em outras ocasiões — por mais convincentes que sejam êsses testemunhos — mas o que ocorreu nessa ocasião particular, e aqui temos duas testemunhas de um lado e apenas um prisioneiro do outro.” A mesa-truque certamente arranjou as coisas.

Slade foi condenado nos têrmos da lei contra a vagabun­dagem a três meses de prisão com trabalhos forçados. Houve apêlo e êle foi sôlto sob fiança. Quando o apêlo foi julgado a condenação foi anulada sob fundamento de ordem técnica. É de notar-se que, embora se livrasse sob um fundamento de ordem técnica, isto é, de que as palavras “pela leitura da mão ou por outro meio”, que aparecem na lei haviam sido omitidas, não se deve pensar que, se o fundamento técnico tivesse falhado, êle não teria escapado pelos méritos de seu caso. Slade, cuja saúde ficou sêriamente afetada com a prisão, deixou a Inglaterra pelo conti­nente um ou dois dias depois. Depois de um repouso de alguns meses em Haya, Slade escreveu ao Professor Lankester oferecen­do-se para voltar à Inglaterra e lhe dar exaustivas demonstrações particulares, com a condição de que não fôsse molestado. Não obteve resposta a essa sugestão, que seguramente não seria feita por um criminoso.

Em 1877 os Espíritas de Londres mandaram a Slade o se­guinte manifesto:

“Á vista da deplorável maneira por que terminou a visita de Henry Slade a êste país, os abaixo-assinados desejam exprimir o alto conceito de sua mediunidade e a reprovação ao tratamento que lhe foi dispensado.

“Consideramos Henry Slade um dos mais valiosos médiuns para experiências atualmente. Os fenômenos que ocorrem em sua presença se desenvolvem com uma rapidez e uma regularidade raramente igualadas...

“Ele partiu, não só inatingido na sua reputação pelo proce­dimento de nossa Côrte de Justiça, como também com volumoso testemunho em seu favor que provàvelmente não teria sido obtido de outra maneira.

Êste é assinado por Mr. Alexander Calder, Presidente da As­sociação Nacional dos Espíritas Britânicos e grande número de espíritas de representação. Infelizmente, entretanto, são os “contras” e não os “pros” que a imprensa ouve e, ainda agora, cinqüenta anos mais tarde, seria difícil encontrar um jornal bastante esclarecido para fazer justiça.

Entretanto os espiritistas mostraram muita energia na defesa de Slade. Em face do processo foi criado um Fundo de Defesa e os Espíritas da América mandaram um memorial ao Ministro Americano em Londres. Entre a sentença de Bow Street conde­nando-o e a apelação, um memorial foi mandado ao Ministro do Interior, protestando contra a ação do Govêrno ao prosseguir na perseguição depois da apelação. Cópias dêsse protesto foram mandadas a todos os membros da Câmara dos Comuns, a todos os magistrados do Middlesex, a diversos membros da Sociedade Real e a outros organismos públicos. Miss Kislingbury, secretária da Associação Nacional dos Espiritistas, enviou uma cópia à rainha.

Depois de sessões de êxito em Haya, Slade foi a Berlim, em novembro de 1877, onde despertou o mais vivo interêsse. Dizia-se que êle não sabia alemão, mas apareceram mensagens nessa língua sôbre as lousas e escritas em caracteres do século quinze. O Bertiner Fremdenblatt de 10 de novembro de 1877, publicou o seguinte: “Desde a chegada de Mr. Slade ao Hotel Kronprinz uma grande parte do mundo culto de Berlim vem sofrendo de uma epidemia que podemos chamar de febre espírita”. Des­crevendo suas experiências em Berlim, disse Slade que havia come­çado por converter o propriittário do hotel, usando as suas próprias lousas e mesas. O dono convidou o Chefe de Polícia e muitas pessoas eminentes de Berlim para testemunharem as ma­nifestações, e estas se declararam satisfeitas. Escreve Slade: ”Samuel Bellachini, prestigitador da Côrte do Kaiser, fêz uma sema­na de experiências gratuitas comigo. Dei-lhe de duas a três ses­sões diárias e uma em sua própria casa. Depois de sua mais completa investigação êle foi a um tabelião e fêz um juramento de que os fenômenos eram autênticos e não havia fraudes”. A declaração jurada de Bellachini, que foi publicada, con­firma essa informação. Diz êle que, depois de minuciosa inves­tigação, considera “absolutamente impossível” qualquer explica­ção de prestidigitação. A conduta dos prestidigitadores parece ter sido determinada, em geral, por uma espécie de inveja sindicalizada, como se os resultados do médium constituíssem uma espécie de violação de um monopólio. Mas êsse alemão escla­recido, juntamente com Houdin, Kellar e outros mais, mostra­ram uma mente mais aberta.

Seguiu-se uma visita à Dinamarca e em dezembro começa­ram as históricas sessões com o Professor Zõllner, em Leipzig. Um relato completo encontra-se na obra de Zóliner, “Física Trans­cendental”, que foi traduzida por Mr. C. C. Massey. Zõllner era Professor de Física e de Astronomia na Universidade de Leip­zig e em sua companhia, nas experiências com Slade, estavam outros homens de ciência, inclusive William Edward Weber, Professor de Física; o Professor Scheibner, ilustre matemático; Gustave Theodore Fechner, Professor de Física e eminente filósofo naturalista, todos na expressão do Professor Zõllner, “perfeitamente convencidos da realidade dos fatos observados, inclusive de que não havia impostura ou prestidigitação.” Entre os fenômenos con­tavam-se os nós dados numa corda sem fim, o rompimento das cortinas do leito do Professor Zóllner, o desaparecimento e ime­diato aparecimento de uma pequena mesa, descendo do teto em plena luz, numa casa particular e debaixo de observação, notando-se principalmente a aparente imobilidade do Doutor Slade durante essas ocorrencias.

Certos críticos tentaram apontar aquilo a que chamavam de precauções insuficientes nessas experiências. O Doutor J. Maxwell, arguto crítico francês, deu uma excelente resposta a essas objeções. Argumenta êle (4)

4. “Metapsychicat Phenomena” (Translation 1905), página 405.

que, desde que investigadores de psiquis­mo, habilidosos e conscientes, deixaram de indicar explicitamente, nos seus relatórios, que tôdas as hipóteses de fraude foram estudadas e postas de lado, na suposição de que “sua afirmação implícita da realidade do fenômeno lhes parece suficiente”, e para evitar que seus relatórios se tornassem de difícil manuseio, críticos capciosos não hesitaram em os condenar e sugerir possíveis fraudes, quase inadmissíveis nas condições que foram obser­vadas.

Zõllner deu uma resposta digna à suposição de que havia sido ludibriado na experiência de nós na corda: “Se, não obstante o fundamento do fato, por mim deduzido na pressuposição de uma concepção mais larga de espaço, pudesse ser negado, só uma outra espécie de explicação restaria, surgindo de um código moral de consideração que, presentemente, é bem verdade, é muito ha­bitual. Essa explicação consistiria na presunção de que eu próprio e os honrados cidadãos de Leipzig, em cuja presença muitas des­sas cordas foram lacradas, ou eram vulgares impostores, ou não tinham senso suficiente para perceber que o próprio Mr. Slade tinha feito aquêles nós, antes que as cordas fôssem lacradas. A discussão, entretanto, de uma tal hipótese, já não pertence ao domínio da ciência: cai na categoria da decência social”. (5)

5. Massey’s Zóllner, páginas 20-21.

Como uma amostra dessas impetuosas declarações dos opo­nentes do Espiritismo, deve mencionar-se que Mr. Joseph Mc Cabe, que é ultrapassado apenas pelo americano Houdini pelas grossei­ras imprecisões, fala de Zôllner (6)

6. “Spiritualism. A Popular History from 1847”, página 161.

como “um professor decré­pito e míope”, quando na verdade êle faleceu em 1882 aos qua­renta e oito anos de idade e suas experiências com Slade haviam sido feitas entre 1877 e 1878, quando êsse cientista se achava no vigor de sua vida intelectual.

Os oponentes levaram tão adiante a sua inimizade que che­garam a declarar que Zõllner estava desequilibrado e que a sua morte, poucos anos depois, foi acompanhada de fraqueza cerebral. Um inquérito feito pelo Doutor Funk os remeteu ao silêncio, em­bora e infelizmente seja fácil encontrar libelos como êsse em cir­culação, mas seja difícil encontrar as contraditas.

Eis o do­cumento: (7)

7. “The Widow’s Mite”, página 276.

“Sua carta dirigida ao Reitor da Universidade, em data de 20 de outubro de 1903 foi recebida. O Reitor desta Universidade estava instalado aqui depois da morte de Zóllner e não tinha re­lações pessoais com êle; mas as informações recebidas dos colegas de Zôllner comprovam que durante todos os seus estudos aqui na Universidade até a sua morte era uma mente sólida; além disso, tinha a melhor saúde. A causa de sua morte foi uma hemorragia cerebral, na manhã de 25 de abril de 1882, quando almoçava com sua mãe, do que veio a falecer pouco depois. É verdade que o Professor Zôllner era um adepto ardente do Espiritismo e, como tal, tinha íntimas ligações com Slade”.

Doutor) KARL BUCHER, Professor de Estatística e Economia Nacional na Universidade.

A tremenda fôrça que, ocasionalmente, se manifesta quando favoráveis as condições, mostrou-se uma vez em presença de Zõllner, Weber e Scheibner, os três professôres da Universidade. Havia um forte bastidor de madeira a um lado da sala:

“De repente ouviu-se um estalo violento como numa des­carga de uma grande bateria de Leyden. Voltando-se alarmado para aquêle lado, o mencionado bastidor caiu desfeito em dois pedaços. Os fortes para 1 usos de madeira de meia polegada de grossura tinham-se partido de cima abaixo, sem qualquer con­tacto visível de Slade com o bastidor. As partes quebradas achavam-se pelo menos a um metro e meio de Slade, que estava de costas; mas, ainda que tivesse tentado quebrá-lo com um hábil movimento lateral, teria sido necessário prendê-lo do lado oposto. Como se achava, o bastidor estava quase sôlto e as fibras da madeira, sendo paralelas ao eixo dos suportes cilíndricos de ma­deira, a fratura só se podia dar por uma fôrça que atuasse lon­gitudinalmente à parte em questão. Estávamos todos admirados dessa manifestação violenta e imprevista da fôrça mecânica e perguntamos a Slade o que significava aquilo tudo. Mas êle apenas deu de ombros e disse que tais fenômenos por vêzes ocorriam em sua presença, embora um tanto raramente. Enquan­to falava e se achava de pé, colocou um pedaço de lápis sôbre a superfície polida da mesa, e pôs em cima uma lousa que eu tinha comprado e acabara de limpar e fêz pressão com os cinco de­dos abertos da mão direita na superfície da lousa, enquanto a mão esquerda se apoiava no centro da mesa. A escrita começou na face interna da lousa e quando Slade a virou estava escrita a seguinte sentença em inglês: “Não tínhamos a intenção de causar um prejuízo. Perdoai o que aconteceu.” Estávamos mais surpreendidos com a escrita naquelas circunstâncias, principalmente porque estávamos observando que ambas as mãos de Slade ficavam imóveis enquanto a escrita prosseguia.” (8)

8. “Transcendental Physics”, páginas 34-35.

Em sua desesperada tentativa para explicar êsse incidente Mr. McCabe diz que provavelmente o bastidor já estava quebrado e repregado com um parafuso. Na verdade não há limites para a credulidade dos incrédulos.

Depois de uma série de êxitos nas sessões de São Peters­burgo, Slade voltou a Londres por alguns dias, em 1878, e en­tão se dirigiu à Austrália. Um interessante relato de seu trabalho ali é o livro de James Curtis “Rustlings in the Golden City” (9).

9. “Ruídos na Cidade de Ouro”. — N. do T.

Então voltou à América. Em 1885 compareceu perante a Comissão Seybert, em Filadélfia e em 1887 visitou novamente a Inglaterra sob o nome de “Doutor Wilson”, pôsto se soubesse muito bem quem era êle. É possível que o disfarce fôsse devido ao receio de renovação de velhos processos.

Na maioria de suas sessões Slade demonstrou possuir cla­rividência e as mãos materializadas eram coisa familiar. Na Aus­trália, onde as condições psíquicas são boas, obteve materializações. Diz Mr. Curtis que o médium não gostava dessa forma de sessões, porque durante algum tempo sentia-se enfraquecido e porque preferia sessões em plena luz.

Entretanto concordou em experimentar com Mr. Curtis, que assim descreve o que aconte­ceu em Ballarat, em Victoria:

“Nossa primeira experiência com o aparecimento de Espí­ritos materializados ocorreu no Lester’s Hotel. Coloquei a mesa a cêrca de quatro a cinco pés da parede do lado oeste do quarto. Mr. Slade sentou-se ao lado mais afastado da parede, enquanto me colocava no Lado norte. A luz do gás foi reduzida o sufi­ciente para que fôssem percebidos os objetos do quarto. Nossas mãos foram colocadas umas sôbre as outras, numa pilha única. Sentamo-nos muito quietos durante uns dez minutos, quando ob­servei algo como uma nuvem vaporosa entre mim e a parede. Quando minha atenção foi atraida para o fenômeno, êle tinha a altura e a côr de um cavalheiro com uma cartola acinzen­tada. Essa como que nuvem cresceu ràpidamente e se transformou, de modo que vi à nossa frente uma mulher — uma dama. O ser assim vestido e perfeito, ergueu-se do solo até a altura da mesa, onde me foi possível examiná-la mais distintamente. Os braços e as mãos tinham formas elegantes; o rosto, a bôca, o nariz, as faces e os cabelos castanhos se mostravam harmoniosamente, cada parte em concordância com o todo. Só os olhos eram velados, porque não podiam materializar-se completamente. Os pés calçavam sapatos brancos de cetim. Toda a figura era graciosa e a toalete perfeita. O vestido brilhava à luz e era o mais bonito que eu jamais vira, nas suas côres brilhantes, com cambiantes de prata, cinza e branco, O Espírito materializado deslizou e andou um pouco, fazendo a mesa vibrar e mesmo oscilar. Também pude ouvir o frufru do vestido, quando a visitante celeste se movia de um lugar para outro. A forma espiritual, a dois pés de nossas mãos ainda empilhadas, foi se dissol­vendo até desaparecer aos nossos olhos”.

As condições dessa bela sessão, na qual as mãos do médium estavam seguras e havia luz suficiente para a visibilidade, parecem satisfatórias, desde que aceitemos a honestidade da testemunha. Como o prefácio contém o valioso testemunho de um membro responsável de um Govêrno Australiano, que também se refere, de início, ao extremo cepticismo de Mr. Curtis, bem podemos aceitá-lo. Na mesma sessão, a figura reapareceu quinze minutos depois:

“Então a aparição flutuou no ar e pousou sôbre a mesa, deslizou rapidamente e três vêzes curvou a suo figura em cum­primento gracioso, cada mesura com passada e profunda, tra­zendo a cabeça até seis polegadas de meu rosto. Ouvia-se o fru­fru do vestido, a cada movimento como se fôra sêda. A face estava parcialmente velada, como antes. A visibilidade foi dimi­nuindo e por fim desapareceu, como na primeira materialização”.

São descritas outras sessões como esta.

Diante dos complicados e rigorosos testes a que foi subme­tido com sucesso, a história do desmascaramento de Slade na América em 1886 não convence, mas nós a referimos por motivos históricos e para mostrar que tais incidentes não se acham excluídos de nosso exame do assunto. O Boston Herald de 2 de fevereiro de 1886 assim abre os títulos de seu relato: “O célebre Doutor Slade pilhado em Weston, West Virgínia; escreve sôbre lousas que descansam

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