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sábado, 5 de fevereiro de 2011

O Trabalho dos Mortos-Nogueira de Faria

 

Índice do Blog

www.autoresespiritasclassicos.com

Nogueira de Faria

O Trabalho dos Mortos

(Livro do João)

1921

O Ceticismo é a moléstia moral do século.

F. MYERS

Mas se o ceticismo vela entre nós, a necessidade de crer atrai-nos.

FLAMMARION

A ciência moderna analisou o mundo exterior; suas penetrações no universo objetivo são profundas: isso

será sua honra e sua glória; mas nada sabe ainda do universo invisível e do mundo interior. É esse império ilimitado que lhe resta conquistar. A humanidade cansada de dogmas e das especulações sem provas,mergulhou-se no materialismo ou na indiferença. Não há salvação para o pensamento senão em uma doutrina baseada sobre a experiência e o testemunho dos fatos.

LÉON DENIS

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Fotografia de Raquel Figner

“A Ressurgida” cujo Espírito se materializou com admirável perfeição em 4 de Maio de 1921.

Conteúdo resumido

Este é um repositório de provas concretas da sobrevivência da alma, que expõe documentos divulgados na imprensa, ou registrados em atas, referentes aos fenômenos mediúnicos observados pelo Sr. Eurípedes Prado, obtidos graças à mediunidade de sua esposa Sra. Ana Prado. Reunindo preciosa documentação e cerca de 50 ilustrações, o autor imprimiu aos seus relatos a seriedade e o vigor científicos, tecendo-os, entretanto, numa linguagem descritiva e acessível a todos.

A obra apresenta admiráveis sessões de materialização de Espíritos recém-desencanados, registrados pela fotografia e pela moldagem de membros em cera. Contém, ainda, depoimentos de pessoas reconfortadas pelo reencontro com seus entes queridos, já habitantes do plano espiritual.

Este trabalho tem como objetivo oferecer elementos de estudos à Ciência, além de levar conforto aos que sofrem e esperança aos que não crêem na imortalidade.

Sumário

Dedicatórias

Aos Espíritos de João e Anita

Aos Esposos Prado

Ao Maestro Ettore Bosio

PRIMEIRA PARTE

Aos que sofrem e aos que não crêem

Como e porquê / 07

CAPÍTULO I /15

Os que figuram neste livro

- Os experimentadores

- Eurípedes Prado

- Maestro Ettore Bosio

- Os assistentes

- Doutor Porto de Oliveira

- Doutor Ferreira Lemos

- Doutor Jose Teixeira da Mata Bacelar

- Doutor Renato Chaves

- Doutor Virgilio de Mendonça

- João Alfredo de Mendonça

- Estáquio De Azevedo

- Os Espíritos. “O João”

- Magnífico Retrato de João

- Anita

- Um marujo

- Outros Espíritos

CAPÍTULO II / 42

- As Primeiras manifestações

- Dos fenômenos

CAPÍTULO III / 48

CAPÍTULO IV / 50

- Sessão de 6 de Dezembro de 1919

CAPÍTULO V / 54

- Sessão de 14 de Dezembro de 1919 - Um contratempo prejudica os trabalhos

CAPÍTULO VI / 57

CAPÍTULO VII / 63

CAPÍTULO VIII / 67

- A Segunda Ata

CAPÍTULO IX / 71

- Sessão Realizada em 24 de Abril de 1920

CAPÍTULO X / 74

- Sessão Realizada em 30 de Abril de 1920

CAPÍTULO XI / 79

- Primeiras Experiências Fotográficas

- Fotografia a Magnésio

- Primeira Experiência

- Segunda Experiência

- Fenômenos Espíritas

- O Espiritismo em Belém

CAPÍTULO XII / 90

- Ata da sessão espírita realizada na residência do Senhor Eurípedes Prado, em 14 de junho de 1920

SEGUNDA PARTE

CAPÍTULO XIII / 94

- O Clero em Cena - O Padre Florêncio Dubois

CAPÍTULO XIV / 98

CAPÍTULO XV / 107

- Ainda a Ofensiva do Senhor Florêncio Dubois

CAPÍTULO XVI / 115

- A Recusa do Senhor Eurípedes e a nossa opinião

CAPÍTULO XVII / 120

CAPÍTULO XVIII / 123

CAPÍTULO XIX / 128

CAPÍTULO XX / 133

CAPÍTULO XXI / 141

- Experiência culminante - O excesso de controle. - Aparato desnecessário

CAPÍTULO XXII / 147

- As Materializações do João

- Uma Palestra com o Doutor Porto de Oliveira

CAPÍTULO XXIII / 152

CAPÍTULO XXIV / 156

- Datiloscopia e Espiritismo

CAPÍTULO XXV / 161

CAPÍTULO XXVI / 165

- Chave de ouro - Sem ambages - Uma profissão de fé - mais um papalvo - Salvo Seja

TRABALHOS EM PARAFINA

OUTROS FENÔMENOS

Escrita Direta

Comunicação

A paciência

Intervenção cirúrgica feita pelos espíritos

TERCEIRA PARTE

FOTOGRAFIAS / 188

- A prova fotográfica

- Fotografia luminosa

- Fotografias esquisitas

- Fotografias obtidas de dia

- Início da fotografia espírita em pleno dia

QUARTA PARTE

- Cartas do Doutor Melo César e Jose J. Teixeira Marques / 210

- As Materializações de Raquel / 219

- Aos Corações Amantíssimos de Frederico Figner e D. Ester Figner

- As Materializações de Raquel - Um Depoimento Valioso

- Primeira sessão a 1 de maio de 1921

- Segunda sessão a 2 de maio de 1921

- Terceira sessão a 4 de maio de 1921

- Quarta sessão a 6 de maio de 1921

- Os sensacionais fenômenos espíritas

Nota final

Aos Espíritos de João e Anita

Os verdadeiros autores desta recolta, que é um testemunho humilde mais sincero da vida de Além-túmulo – verdade generosa e consoladora – mil vezes bendita, que encerra o maio, mais belo e mais tocante apelo da Misericórdia Divina aos amargurados e ingratos habitantes da Terra.

Aos Esposos Prado

Pelo muito que sofremos e sofrem no desempenho da tarefa elevada e santa de que foram investidos junto aos homens por altos desígnios de Deus.

Caros amigos Maestro Ettore Bosio

A sua pessoa, especialmente á sua dedicação infatigável e sem termo, deve a nossa causa à publicação deste volume. Ele enfeixa documentos que melhor assim ficam do que esparsos pelos jornais - É o depoimento espontâneo daquilo que vimos juntos e juntos observaram. Os incrédulos sorrirão, cheios de piedade. Os espíritos fortes zombarão. Haverá até quem duvide da nossa sinceridade, na nossa honra! Não importa. Não seriamos dignos de nós mesmos, das graças imerecidas recebidas do Céu, se o respeito humano nos impusesse silencio.

A uns e outros, do íntimo de minha alma, desejo o conforto, o estimulo, a fé e a esperança que sentimos ouvindo a palavra do Além e vendo seus abençoados mensageiros

PRIMEIRA PARTE

Aos que sofrem e aos que não crêem

Como e Porquê

Os extraordinários fenômenos espíritas observados pelo Senhor Eurípedes Prado, estimável cavalheiro e conceituado comerciante em Belém do Pará, obtidos graças aos variados dotes mediunímicos de sua esposa, despertaram-nos o desejo de enfeixar, em volume, diversos documentos que lhes são referentes - noticias da imprensa; atas, etc., para que não ficasse inteiramente perdido o subsídio que tais experiências poderiam trazer para essa formosa e simpática ciência que, sob o nome de Psiquismo experimental e mais modestamente chamada Espiritismo, aclara o horizonte dos conhecimentos humanos, desconcertando as construções orgulhosas da ciência oficial, confundindo as doutrinas negativistas, alentando espíritos em que se fizera à noite do cepticismo mais frio e prometendo uma nova era de renascença religiosa, amparada pelo veredicto dos homens mais cultos do mundo.

Não queremos nem devemos afastar da complexa finalidade da fenomenologia espírita o lado filosófico-religioso, como alguns entendem. Nisso estamos com Léon Denis, mestre diletíssimo, a quem nossa alma deve as horas mais agradáveis desta existência. Di-lo com franqueza e superioridade o grande escritor: A primeira vista pode parecer estranho ouvir dizer que a idéia de Deus representa papel importante no estudo experimental, na observação dos fatos espíritas. Notemos, primeiramente, que há tendência, por parte de certos grupos, para dar ao Espiritismo caráter sobremaneira experimental, para se entregar exclusivamente ao estudo dos fenômenos, desprezando o que tem aspecto filosófico; tendência a rejeitar tudo o que pode recordar, por pouco que seja, as doutrinas do passado, para se limitar ao terreno científico. Nesses meios, procura-se afastar a crença e a afirmação de Deus como supérfluas, ou, pelo menos, como sendo de demonstração impossível. Pensa-se, assim, atrair os homens de ciência, os positivistas, os livre-pensadores, todos aqueles que nutrem uma espécie de aversão pelo sentimento religioso, por tudo que tem certa aparência mística ou doutrinal. Por outro lado, desejar-se-ia fazer do Espiritismo um ensino filosófico e moral, baseado sobre fatos, ensino suscetível de substituir as velhas doutrinas, os sistemas caducos e satisfazer ao grande número de almas que buscarei antes de tudo consolações às suas dores, uma filosofia simples, popular, que lhes dê repouso nas tristezas da vida. De um lado como de outro há legiões a satisfazer; muito mais até de um que de outro, porque a multidão daqueles que lutam e sofrem excede de muito a dos homens de estudo. A sustentar estas duas teses, vemos de uma e de outra parte criaturas sinceras e convencidas a cujas qualidades nos congratulamos em render homenagem. Por quem optar? Em que sentido convirá orientar o Espiritismo para assegurar a sua evolução? O resultado de nossas pesquisas e de nossas observações nos leva a reconhecer que a grandeza do Espiritismo, a influência que ele adquire sobre as massas provêm, sobretudo, de sua doutrina; os fatos são os fundamentos sobre que o edifício doutrinário se apóia.

Certamente que os alicerces representam papel essencial em todo edifício; mas não é nas construções subterrâneas do intelecto que o pensamento e a consciência podem achar abrigo. A nossos olhos, a missão real do Espiritismo não é somente esclarecer as inteligências por um conhecimento mais próprio e mais completo das leis físicas do mundo; ela consiste sobretudo em desenvolver a vida moral nos homens, a vida moral que o Materialismo e o Espiritualismo têm amesquinhado muito. Levantar os caracteres e fortificar as consciências, tal é o papel capital do Espiritismo. Sob esse ponto de vista, ele pode ser um remédio eficaz aos males que assediam a sociedade contemporânea, remédio a esse acréscimo inaudito de egoísmo e de paixões, que nos arrastam. Julgamos dever exprimir, aqui, nossa inteira convicção; não é fazendo do Espiritismo somente uma ciência positiva, experimental; é iluminando o que nele há de elevado, o que atrai o pensamento acima dos horizontes estreitos, isto é, a idéia de Deus, o uso da prece, que se facilitará a sua missão; ao contrário, concorrer-se-ia para o tornar estéril, sem ação sobre o progresso das massas. Decerto que ninguém mais do que nós admiramos as conquistas da Ciência; sempre tivemos prazer em render justiça aos esforços corajosos dos sábios que fazem recuar cada dia os limites do desconhecido Mas a Ciência não é tudo. Sem dúvida, ela tem contribuído para esclarecer a Humanidade; entretanto, tem-se mostrado sempre impotente para torná-la mais feliz e melhor. A grandeza do espírito humano não consiste somente no conhecimento: ela está também no ideal elevado. Não é a Ciência, mas o sentimento, a fé, o entusiasmo que fizeram Joana d'Arc e todas as grandes epopéias da História. Os enviados do Alto, os grandes predestinados, os videntes, os profetas, não escolheram como móvel a Ciência; escolheram a crença; eles tocaram os corações. Todos vieram, a fim de impelir as nações para Deus. “O Grande Enigma”, págs. 87- 89.

A transcrição de tais palavras do autor do “Depois da Morte” defende a nossa maneira de encarar a Doutrina e explica o porquê do método escolhido e desenvolvido neste trabalho, especialmente no segundo volume, se Deus para conceder vida para escrevê-lo.

Queremos que a nossa exposição siga linha paralela: ao lado da observação científica, as considerações inspiradas nos princípios gerais da Doutrina. Nos princípios gerais, sim, por isso que sinceramente abominamos o Espiritismo de feição sectária e partidária. O Espiritismo não é uma seita nem uma religião.

Nada mais ingrato, nada mais incabível e injustificável, do que esse ataque das várias crenças à filosofia espírita. E má paga ao serviço providencial que esta lhes presta. De alma aberta confessamos que ainda não conseguimos compreender esse ódio implacável que as religiões votam sem tréguas ao Espiritismo. Nos tempos que atravessamos, de experimentalismo feroz, os fatos espíritas, usando, como usam, do próprio método positivo preconizado pela ciência oficial contemporânea, servem de prova irrefutável, à imortalidade da alma, e, por conseqüência, à existência de Deus. São questões essas, já uma vez o dissemos, que não se podem desunir, A verdade está com o saudoso Farias Brito, quando ensina: “o problema de Deus e o problema da alma não são propriamente duas questões distintas, mas apenas duas faces de uma só e mesma questão”.

Porque, pois, esse ódio inflexível, ódio de morte, tão forte e cego, que leva os seus sacerdotes, ainda os mais ilustrados, ainda os mais distintos, até a injúrias pungentes contra aqueles que acreditam naquilo que a Igreja proclama como verdades universais: a existência de Deus e a imortalidade da alma?

Porque agredir tão sistematicamente uma doutrina cujos princípios morais e cujos fatos têm provocado inúmeras regenerações?

Porque não ser avisado como o velho Gamaliel: “se esta obra vem dos homens, ela se desvanecerá; porém, se vem de Deus, não podereis desfazê-la”.

*

Ainda menos podemos compreender essa intolerância para com as outras religiões quando ela parte dos espíritas. Nada mais reprovável do que isso, nada mais contrário ao espírito liberal da doutrina kardecista. O Espiritismo de seita estaria fatalmente condenado à morte. Sempre o repeliram os seus maiores e mais ilustres mestres, desde Allan Kardec.

Léon Denis, sobretudo, é de uma insistência eloqüente contra o espírito de seita. “Em realidade, no seu principio e no seu fim, escreve o grande filósofo lionês, todas as crenças são irmãs e convergem para um centro único. Como a límpida fonte e o regato palrador vão finalmente juntar-se no vasto mar, assim também Bramanismo, Budismo, Cristianismo, Judaísmo e seus derivados, em suas formas mais nobres e mais puras, poderiam unir-se em vasta síntese e as suas preces, juntas às harmonias dos mundos, converterem-se num hino universal de adoração e de amor. lnspirando-me nesse sentimento de ecletismo espiritualista, muitas vezes me sucedeu associar-me às orações de meus irmãos das diferentes religiões. Assim, sem me apegar às fórmulas em uso em semelhantes meios, pude orar com fervor, tanto nas majestosas catedrais góticas, como nos templos protestantes, nas sinagogas e até nas mesquitas.” (O Mundo Invisível e a Guerra, página 76.)

Já o meu Espírito recebera idêntica lição de tolerância religiosa nas páginas benditas do Depois da Morte: “O verdadeiro iniciado sabia unir-se a todos e orar com todo. Honrava Brama na Índia, Osíris em Mênfis, Júpiter na Olímpia, como perfeitas imagens da Potência Suprema, diretora das almas e dos mundos. E assim que a verdadeira religião se eleva acima de todas as crenças, e a nenhuma maldiz.”

Gonzalez Soriano assim define o Espiritismo: “Não é uma filosofia nem uma seita religiosa: é a filosofia da Ciência, da Religião e da Moral, a síntese essencial dos conhecimentos humanos, aplicada à investigação da Verdade, a ciência das ciências.” E mais adiante: São seus fundadores todos os homens de todas as épocas e de todas as crenças que alcançaram o conhecimento de alguma verdade incontestável, demonstrada pela Razão e nela Ciência. São seus apóstolos os homens que hajam ensinado, ensinem ou venham a ensinar a Verdade.

A nós, que, antes de conhecer o Espiritismo, não nos seduziam os estudos religiosos, exatamente pela eterna guerra acesa entre as religiões, pela gana mútua, dos seus sectários, tão contrária às lições daquele que dissera aos seus discípulos a história encantadora, singela e tocante do Bom Samaritano; a nós, que éramos indiferente a tais assuntos, nos atraiu o lema kardecista: trabalho, solidariedade e tolerância. E porque nos tivéssemos sentido sempre à vontade, dentro dos princípios sem fronteiras do verdadeiro ideal espírita, ficamos e cada vez mais sentimos a nossa fé robustecida e confortada.

Não é de hoje, aliás, que nos empenhamos em dar combate a certa tendência sectarista que às vezes se nota entre os adeptos da Nova Revelação. Passado aquele natural entusiasmo de neófito, quando o estudo e a reflexão disciplinaram o deslumbramento e a alegria que nos causou a Fé, mais de uma vez nos lançamos contra o Espiritismo sectarista. De alma feita, em palestra pública, na União Espírita Paraense, dissemos: Em nosso entender, errôneo, talvez, mas desapaixonado e sincero, na guerra do clero contra nós não vemos o nosso pior inimigo. Este anda mais próximo: está em nosso próprio seio. Não nos referimos já àquele mal, que não é pequeno, da ausência de experiência, preparo intelectual e preparo moral de muitos de nós que nos lançamos imprudentemente às sessões chamadas práticas. Há, em nosso juízo, coisa mais grave. Devemos dizê-lo francamente: às vezes nos assalta o receio de ver tão belo e generosa Doutrina transformada em partido religioso, em seita intolerante quanto às outras; vê-la transformada em sistema de rígidos princípios, dentro de cujos limites, inflexivelmente demarcados, permaneçam os seus adeptos e, ao alto das fronteiras, em caracteres gigantescos: “Fora do Espiritismo não há salvação.” Vale não esquecer a lição de Claude Bernard: “Um dos maiores obstáculos na marcha geral e livre dos conhecimentos humanos, é a tendência para individualizá-los em sistemas. A sistematização é um verdadeiro enquistamento científico - e toda parte enquistada deixa de participar da vida desse organismo.”

Eram essas as palavras nossas em 1915. Não temos até hoje motivo para modificá-las. Mais firmes até nos encontramos em tais propósitos, porque cada vez mais convictos estamos de que em toda religião o erro, este apanágio da Terra, mistura-se com a verdade, este bem dos Céus.

O Espiritismo, insiste o autor do “O Problema do Ser e do Destino”, não dogmatiza; não é uma seita nem uma ortodoxia. Não faz imposições de ordem alguma; propõe, e o que propõe, apóia-o em provas; não exclui nenhuma crença, mas eleva-se acima de todas elas numa fórmula mais vasta, numa expressão mais elevada e extensa da verdade.

Resumindo: o fim capital do Espiritismo é todo moral e científico: de um lado, reacender a fé no coração dos que a perderam e dá-la aos que nunca a tenham possuído. Fortalecer os caracteres, alevantá-los à altura de tarefas cada vez mais úteis ao meio em que vivem, cada vez mais belas e dignificamos. Criar almas sadias, fortes e nobres, amparando-as nas lutas ásperas da adversidade e do infortúnio, dando-lhes a fortaleza de ânimo que as doutrinas negativistas fizeram esmorecer e destruíram.

Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que faz para domar as más inclinações, diz o evangelho kardecista. E assim é.

De outro lado, demonstrar que Ciência e Religião não são forças opostas, mas irmãs e eternas. A Religião, adverte Edouard Schuré, corresponde às necessidades do coração e daí lhe vem a sua eterna magia; a Ciência às do espírito, e isso lhe dá uma força invencível.

A renascença espiritualista, que desponta em todos os recantos do Globo, mais veemente ainda após a Grande Guerra, far-se-á pela mão da Ciência.

Quase todos os dias o neo-espiritualismo faz uma conquista nas fileiras científicas. Testemunhos insuspeitos surgem espontaneamente. A pouco e pouco as prevenções se desfazem e intelectualidades como esse famoso Conan Doyle, que é médico, não se desdenham de dar público depoimento do que observaram e da transformação de suas idéias e crenças. E bem uma verdade consoladora esta: “dia virá em que todos os pequenos sistemas, acanhados e envelhecidos, fundir-se-ão numa vasta síntese, abrangendo todos os reinos da idéia. Ciências, filosofias, religiões, divididas hoje, reunir-se-ão na luz e será então a vida, o esplendor do Espírito, o reinado do Conhecimento.”

Assim seja.

*

Mas, afinal, porque publicamos este livro? Já o dissemos obedecemos a um duplo intuito: a) o de oferecer à Ciência elementos de estudo; b) o de levar o conforto, a esperança e a fé a muitas almas doloridas que a perderam. A propaganda pelo fato é irrespondível.

Há dois meios, diz Léon Denis, para se adquirir a ciência de além-túmulo: de um lado o estudo experimental, de outro a intuição e o raciocínio, de que só as inteligências exercitadas sabem e se podem utilizar. A experimentação é preferida pela grande maioria dos nossos contemporâneos e está mais de acordo com os hábitos do mundo ocidental, bem pouco iniciado ainda no conhecimento dos secretos e profundos cabedais da alma.

Os fenômenos físicos bem verificados têm para os nossos sábios uma importância inigualável. Em muitos homens a dúvida não pode cessar nem o pensamento libertar-se do seu estado de torpor, senão a poder dos fatos.

Eis porque o publicamos e o dedicamos também aos que sofrem e aos que não crêem. Uns e outros encontrarão nas páginas deste livro abundante manancial, de consolação, aqueles; de estudo e observação, estes. Praza a Deus que ele consiga apaziguar o sofrimento de uma única alma e despertar num só ânimo os encantamentos redentores da Fé.

Capítulo I

OS QUE FIGURAM NESTE LIVRO

Dividiremos em três secções este capítulo: 1) os experimentadores; 2) alguns dos assistentes; 3) os Espíritos.

1) Os experimentadores - Toda a vez que os intransigentes negadores do fenômeno espírita se encontram face a face com provas tamanhas que a mais simples dúvida importaria num atentado à verdade e ao bom senso; toda a vez que se dá isso, batem em retirada, exclamando: é tudo fraude! Não lhes suspende a pena nem lhes mágoa a consciência a lembrança e até a íntima convicção da honorabilidade das pessoas envolvidas em tais estudos e experiências. Sabem perfeitamente bem que estas jamais viriam em particular ou de público vender ganga por ouro. Contudo, o preconceito em alguns, o sectarismo em outros, a leviandade e o orgulho na maior parte, como que lhes produzem uma insânia moral tão forte, que espanta e lhes fornece essa estranha coragem de acusar de fraudulento a quem nem sequer conhecem.

Ora, assim sendo, naturalíssimo é que, antes que o mais, deseje o leitor saber dos experimentadores e demais pessoas que tomaram parte na investigação dos admiráveis fenômenos relatados neste livro, quais as aptidões, cultura e caráter dessas pessoas.

EURÍPEDES PRADO

A essa justa curiosidade responderemos: o Senhor Eurípedes Prado é comerciante em Belém, abastado e conceituadíssimo, pelas suas qualidades de espírito e de coração, acatado e estimado no seio da sociedade belemense.

Quem ele é diremos por suas próprias palavras, quando teve necessidade de vir à imprensa, em discussão amistosa com o ilustre Doutor Porto de Oliveira, que atribuía e creio que ainda hoje atribui os fenômenos a motivos hipnóticos. Foram, então, dizeres do Senhor Eurípedes Prado:

“Os fenômenos observados em minha casa, no recesso de meu lar; cercado de minha esposa e filhos, foram franqueados, ao princípio, a um pequeno círculo de amigos.

Mais tarde esses amigos, naturalmente entusiasmados pela novidade, começaram a pleitear o ingresso de outros, às minhas experiências.

Relutei em aceder; porém, os pedidos foram tantos que fui cedendo, até consentir na divulgação pela imprensa desta cidade.

Poderão acusar-me de não esconder esses fenômenos?

Penso que só o criminoso se esconde, e na minha casa nada se dava de clandestino.

Fiz com esses fatos, que parecem ser inéditos no Brasil, o mesmo que fazem todos aqueles a quem se depara uma coisa desconhecida na localidade em que vivem.

Bem sei que qualquer fato novo, destoante do costumeiro, desperta comentários e crítica. Eu, porém, me julgava a cavaleiro de qualquer suspeita, pois não tinha interesse em propagar esses fatos. Nada usufruo pecuniariamente; os impressos às minhas experiências, apesar de solicitados com empenho, não eram nem são pagos. Nunca fiz convites, ninguém pode dizer que eu tenha desejado esta ou aquela pessoa. Nada pretendo das pessoas de destaque que assistiram às manifestações dos fenômenos. Desafio que alguém diga o contrário.

Aos médicos e advogados que freqüentaram as nossas sessões não solicitei seus serviços profissionais.

Os altos funcionários do Estado, membros do Superior Tribunal de Justiça, lentes e deputados, advogados; juízes, oficiais de Marinha, representantes do alto comércio e grandes números de pessoas pertencentes a diversas profissões, todos foram a minha casa, com prévia solicitação, direta ou indiretamente, por intermédio de amigos comuns.

Essas pessoas podem vir declarar se as convidei e se posteriormente lhes pedi alguns favor.

Qual o móvel, portanto, desse crime?

A mola do mundo, dizem, é o dinheiro; e esse fator não passou pelas minhas mãos. As pessoas de bom agrado que foram a minha casa, não receberam, da minha parte, a menor manifestação de engrossamento. Nada pretendo da política nem da administração do Estado, nem das corporações, cujos membros, em caráter particular, estiveram em minha casa.

Nada pretendo, nada quero, nem mesmo provar alguma coisa a alguém. Não faço questão que Fulano acredite ou que Sicrano deixe de acreditar.

Tenho minha vida econômica independente.

Comerciante, sócio de uma firma que dispõe de avultado capital, que goza de incontestável crédito e que não tem dívidas vencidas, nem encrencas no Acre, não preciso, absolutamente, ele agradar este ou aquele para viver. Havendo justiça, dispenso os favores.

Se o interesse não preside à suposta farsa, onde estaria, pergunto de novo, o móvel ou a causa do crime?

Um desequilíbrio mental poderia justificar esse disparate? Uma epidemia alucinatória poderia atingir a todos os membros de minha família? Será possível que eu, que posso gerir a minha casa comercial, que os meus filhos maiores, que se formam este ano em Farmácia; que meu cunhado, que é quintanista de Direito, estejamos alucinados?

Nesse caso, como admitir a inépcia de tanta gente que tem freqüentado nossa casa, de tantas pessoas ilustradas se deixando enganar por alguns doentes? (Gravura 1.)

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Gravura 01

Da esquerda para a direita: 1) Srta. Antonina Prado (médium psicográfica; 2) Eurípedes Prado; 3) Senhora (a médium); 4) Srta Alice Prado; 5 Eratóstenes Prado.

Essas palavras encerram o desabafo justo, necessário, indeclinável de um homem digno que se vê, de súbito, acoimado de farsante, ele, que sempre fora o primeiro a solicitar o exame rigoroso do fenômeno! Mas, não diremos quem é ele, somente por suas palavras: os próprios investigadores declaram a honestidade, o critério, o conceito do chefe da família Prado, sempre solícito em atender as exigências de controle que aqueles alvitravam. No intuito de evitar ociosas repetições, porque encontraremos essas referências adiante, citadas em ocasião mais oportuna, deixaremos de transcrevê-las aqui.

Para que dizer mais? E convém reparar: quem acusou o Senhor Prado como capaz de atos de fraude? Um sacerdote, que, não obstante ilustrado e talentoso, será sempre, por dever da profissão que abraçou, um implacável inimigo de todos os princípios religiosos que não batam palmas à Igreja de Roma.

Opondo-se às afirmativas gratuitas desse adversário suspeito, é, entretanto, mercê de Deus, imenso o rol de pessoas cuja austera idoneidade moral ninguém ousaria contestar - e decerto menos falível do que a infalibilidade do Papa - dogma que recebeu a sua primeira condenação do verbo de Strossmayer, inspirado pelo Céu, no próprio Concílio em que, por mal da Igreja, o decretaram.

MAESTRO ETTORE BOSIO

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Gravura 2

Em poucas palavras: grande e modesto artista, forte e excelente caráter. Grande e modesto artista, dissemos.

Ser-nos-á fácil prová-lo. Correm mundo os elogios calorosos que mereceu de gênios musicais, como Martucci, Carlos Gomes, Viana da Mota e outros.

Compositor exímio, seu temperamento e sua timidez o afastaram das glórias autorais, que lhe estavam reservadas, a julgar pelo início de sua carreira de artista, pelo êxito de seus trabalhos de moço. Uma das suas mais apreciadas óperas, quando ainda jovem, “O Duque de Vizeur”, libreto de Pacheco Neto, conquistou aplausos dos mestres, a simpatia dos críticos, a consagração das platéias.

Falem por nós testemunhos insuspeitos:

Em 22 de Junho de 1895, Carlos Gomes, o imortal maestro nacional, escrevia ao empresário F. Brito, do Rio, recomendando-lhe “O Duque de Vizeu”

“Amigo F. Brito.

O sentido destas linhas é especialmente para lhe apresentar e recomendar muito vivamente o meu jovem colega compositor E. Bosio, musicista de primeira ordem.

Ele é autor de uma ópera de assunto português muito interessante: “O Duque de Vizeu”. Pelos trechos que eu ouvi desse importante trabalho ao piano, reconheci em seu egrégio autor as qualidades de operista distinto e conhecedor do melodrama moderno.

Carlos Gomes.”

E em 30 de Setembro de 1896 o grande pianista português, José Viana da Mota, deste modo se referia ao mesmo trabalho:

“Caro senhor e amigo Maestro Ettore Bosio.

Percorri com grande ingresse a sua ópera “O Duque de Vizeu”, talvez a primeira ópera séria escrita em português. Lisonjeia-me o seu pedido e exponho-lhe francamente a minha opinião. Acho o seu trabalho sério. Revela um grande sentimento dramático, a melodia é fácil, fluente e expressiva, as situações com os caracteres estão bem definidos e coloridos, o interesse mantém-se sempre pela distribuição artística dos contrastes. A maneira como emprega alguns motivos durante toda a peça é perfeitamente inspirada na forma moderna da ópera. As vozes estão tratadas de maneira a dar excelente ocasião aos cantores para brilharem facilmente, a orquestra é discreta, transparente e bem colorida.

Por isso creio que o seu “O Duque de Vizeu” produzirá grande impressão a qualquer público que o ouça como já aconteceu nesta cidade e desejo-lhe que o seu talento continue a ser admirado igualmente em todos os lugares onde se fizer ouvir.

Agradeço-lhe o prazer que me proporcionou e saudo-o como seu amigo:

José Viana da Mota.”

Sobre essa ópera o crítico de arte da “A Província do Pará,” o falecido literato Antônio Marques de Carvalho, disse:

“O Duque de Vizeu” soube conquistar saliente lugar entre as modernas composições; pelo menos se colocou igual à “Cavalaria Rusticana”, de Pietro Mascagni e muitíssimo acima de “Bug-Jargal”, do nosso co-provinciano Malcher.

Com efeito a música cheia e vigorosa de “O Duque de Vizeu” não pode ter paridade com os efeitos fáceis, com os “ritornelos” assimilados de outros maestros, que em não pequena porção se encontram nas composições de que acima falamos, apesar de serem ambas de merecimento conhecido. São estas as composições do maestro Ettore Bosio, algumas delas ainda inéditas:

Operas melodramáticas - “I Vesperi”, em 2 atos; “La Coppa d'Oro”, em 1 ato; “Ideale”, em 1 ato; “Seméle”, em 1 ato, o seu mais belo trabalho; “O Duque de Vizeu”, em 3 atos e “Alessandra”, em 3 atos e em preparação.

Trabalhos sinfônicos (para orquestra) – “Scherzo Danza”; Prelúdio in Fá “Omaggio a Carlos Gomes”; “Marcha Elegíaca Umberto I”; “A Taboca do Ceguinho”; “Cena Pitoresca Brasileira”; “Nazareida”, poema sinfônico em 3 partes: Círio, No Arraial e Idílio e Dança; “Andante melancólico”.

Peças diversas - Um pequeno álbum com cinco peças para piano; “Largo piangente” , para quinteto; “Vogando”, barcarola para pequena orquestra; “A Pequenina”, texto em português, para canto e orquestra; “Esser vorrei”; “Flor da Morte” e “Addio”, romanzas para piano e canto; “Marcha triunfal Augusto Montenegro”; “Estalidos”, galope para orquestra e diversas marchas para bandas; “Olímpia”, valsa; “Olímpia”, marcha solene, para orquestra; “Serenata campestre”; “All' antica”, gavota; “Ricordo húngaro” e “Samba do Costa.”, para sexteto e diversas outras.

Como crítico musical deixou renome na cidade mais culta do Brasil: São Paulo. Vem de feição notar que, já há esse tempo, embora muito moço, Ettore Bosio, nas suas discussões de imprensa, jamais desceu a verrina, silenciando, como devia silenciar, dignamente, aos excessos de linguagem dos seus adversários.

Quando, há anos, em Pernambuco, informa-nos um dos seus críticos, “numa polêmica renhida, com o cronista do “Diário Popular”, Gonçalves Silva, polêmica em que Bosio levou sempre a melhor, conquistou as simpatias pela sua linguagem cortês e elevada, em contraste com o estilo agressivo do seu competidor”. Nos artigos que o padre Florêncio Dubois escreveu contra os fenômenos observados pelo Senhor Eurípedes Prado, Bosio era impiedosamente maltratado. Foi a sua maior vítima. Bosio, entretanto, perfeitamente compenetrado do espírito da Doutrina, não deu resposta alguma. O tempo, dizia a quem o interpelava sobre o seu silêncio, responderá por mim. Mais tarde o Senhor Dubois verá quem tem razão. Foi quem agiu mais de acordo com os princípios que professava. E nada lhe quebrantou a energia. Continuou a trabalhar como dantes.

Ao lado do artista; o homem de bem. Ninguém conhece de Ettore Bosio senão atos louváveis. E se isso não bastasse, embora seja o bastante, o ilustre artista está a salvo de qualquer suspeita de conduta inspirada em interesses subalternos e inconfessáveis, porque, graças ao seu labor infatigável, conseguiu relativa abastança.

Ateu há bem pouco tempo, Ettore Bosio, assim que se persuadiu, após as mais exigentes experiências, da vida de além-túmulo, não teve a covardia moral de ocultar suas novas convicções, não obstante os preconceitos intolerantes da época. Bem ao contrário, sempre a disse e di-la sempre em toda parte. Assim abre o seu belo livro “O que eu vi”

“Ateu, eu estava perfeitamente convencido de que a alma era apenas a resultante do perfeito funcionamento cerebral humano, cujo desaparecimento coincidiria com a extinção vital do corpo.

A leitura da metafísica religioso, em lugar de me afastar do ateísmo, veio consolidá-lo mais ainda, surpreendendo-me bastante que sábios e teólogos edificassem a Grande Casa de Deus sobre alicerces tão carecentes de fundamentos científicos.

Procurei na Bíblia a prova da imortalidade da alma, mas o efeito foi completamente negativo. As incongruências e bizarras extravagâncias, para não dizer outra coisa, do Velho Testamento, distanciaram-me ainda mais do caminho da verdade.

Nas horas de hesitação, quando o espírito vacilava entre pensamentos antagônicos, dizia eu comigo:

- Será, concebível a existência de Deus, se tudo o que nós vemos é matéria? E se tudo é matéria, como é que existem leis evidentemente inteligentes e variáveis de acordo com a evolução desta? E se verdade é o infinito do Tempo, do Espaço e da Matéria, porque não admitir também o da nossa existência?

Tudo isto me passava com a rapidez do relâmpago, pela imaginação, e para tudo isto eu procurava nestes momentos de abandono espiritual uma solução racional, lógica e aceitável.

Deram-me para, ler alguns livros espíritas, mas aí também estava Deus, como eixo do seu grande mecanismo religioso, e, até então, Deus, para mim, era palavra sem significação.

Certos pontos, apenas, chamaram-me a atenção, nesta leitura: os das manifestações dos Espíritos por meio dos médiuns. Este para, mim suposto liame com os habitantes do Espaço, do mundo invisível, despertou-me, como era natural, o desejo de conhecê-lo “de visu”. De fato, na noite de 23 de Fevereiro de 1920, assisti, depois de reiterados pedidos meus, na casa do Senhor Eurípedes Prado, ao fenômeno espírita chamado materialização, sendo médium a sua própria esposa.

A respeitabilidade da família, a sinceridade do ato, o ambiente de honestidade e de absoluto desinteresse, tudo isso me convenceu de que o fenômeno era real, e, como tal, assombroso! Vi-me então em presença, pela primeira vez, de Espíritos materializados, demonstrando estes inteligência e vontade próprias, independentemente do pensar dos assistentes. Não havia mais dúvidas, eram eles os habitantes do Além.

Procurei assistiu a novas manifestações dos Espíritos para ratificar a minha opinião sobre o que tinha visto; o êxito foi completo.

A alma era imortal, e, por conseguinte - Deus, Espírito Perfeitíssimo, existia!

Eis como eu me tornei espírita.”

2) Os assistentes - Ser-nos-á impossível fazer uma enumeração aproximada das pessoas que têm assistido aos fenômenos mediúnicos produzidos pela Senhora Prado. Isso teria, pelo menos, o mérito do número. Mas na impossibilidade de uma referência completa, mencionaremos aquelas que mais de perto se interessam por eles. O que há de mais elevado e culto na Capital do Pará foi atraído às sessões do Senhor Eurípedes Prado. De memória, porque apenas meias dúzias de atas foram lavradas, citaremos algumas dessas pessoas, convindo observar que não assistimos a todas as sessões:

- Drs. Lauro Sodré e João Coelho, ex-governadores do Pará.

- Desembargadores Santos Estanislau Pessoa de Vasconcelos, Anselmo Santiago, Napoleão Simões de Oliveira, membros do Tribunal Superior de Justiça do Estado.

- Doutor Inácio Xavier de Carvalho, Magistrado federal e conhecido poeta e jornalista.

- Doutor Pio de Andrade Ramos, magistrado estadual.

- Doutor José Teixeira da Mata Bacelar, médico.

- Doutor Mata Bacelar Filho, médico.

- Doutor Antônio Porto de Oliveira, médico.

- Doutor Diógenes Ferreira de Lemos, médico.

- Doutor Jaime Aben-Athar, médico.

- Doutor Renato Chaves, médico.

- Doutor Juliano Pinheiro Sozinho, médico.

- Doutor Virgílio de Mendonça, médico.

- Doutor Ciríaco Gurjão, médico.

- Doutor Gurjão Sobrinho, médico.

- Doutor Auzier Bentes, médico.

- Doutor Pereira de Barros, médico.

- Doutor Pontes de Carvalho, médico.

- Doutor Gastou Vieira, médico legista.

- Doutor Amazonas de Figueiredo, advogado, lente na Faculdade de Direito e diretor do Ginásio Pais de Carvalho.

- Doutor Morisson de Faria, advogado, lente substituto na Faculdade de Direito.

- Doutor Severino Silva, advogado e conhecido homem de letras.

- Coronel Apolinário Moreira, diretor da Fazenda Pública.

- João Alfredo de Mendonça, jornalista.

- Eustáquio de Azevedo, jornalista e poeta, autor de vários livros de valor, em prosa e verso.

- Doutor Antenor Cavalcante, advogado e jornalista.

- Doutor Gentil Norberto, engenheiro, chefe da Comissão de Colonização do Oiapoque.

- Arquimimo Lima, agrimensor, chefe da 5º Secção da Intendência Municipal.

- José Girard, pintor, artista de mérito e lente na Escola Normal.

- Doutor Mastins Pinheiro, advogado e senador estadual.

- Doutor Justo Chermont, senador federal.

- Kouma Hourigoutchy, diplomata japonês.

- Angione Costa, jornalista e homem de letras.

- Doutor Pena e Costa, jornalista e promotor público.

- Coronel Simplício Costa, comerciante.

- Abel Costa, dentista.

- Pedro Batista, farmacêutico.

- Manoel Coimbra, diretor da Escola de Farmácia e lente na Escola Normal.

- Manoel Barbosa Rodrigues, comerciante.

- João da Rocha Fernandes, comerciante.

- Antônio Albuquerque, comerciante.

- Manoel Tavares, comerciante, etc.

Destes, nós nos ocupamos particularmente, entre os médicos, dos Drs. Porto de Oliveira, Ferreira de Lemos, Renato Chaves, Virgílio de Mendonça e Mata Bacelar; entre os jornalistas e homens de letras, dos Srs. João Alfredo de Mendonça, Eustáquio de Azevedo, pelo papel mais ou menos saliente que tomaram nas experiências.

Esta citação pessoal de nomes tem por intuito dizer aos que nos lêem que não foram ignorantes nem imbecis aqueles que freqüentaram as sessões Prado. Observaram e verificaram o fenômeno. Não modificaram, por isso, suas idéias. Atribuíram-no, em grande maioria, a outras causas, menos à fraude. O Senhor Doutor Lauro Sodré, por exemplo, cuja fidelidade aos princípios positivistas o País inteiro conhece, depois de ter assistido a uma sessão, declarou:

“Não creio que haja aí uma intervenção de almas. São, a meu ver, forças ainda desconhecidas. Mas o que repilo, pelos meus sentimentos de justiça, é a idéia da fraude.”

Assim falam as almas nobres.

O Doutor João Coelho disse, sem receio do ridículo e de anátemas, ter tido a impressão de reconhecer os traços fisionômicos do Espírito, cuja mão apertou, fisionomia em nada semelhante a qualquer dos presentes... Quem seria, pois?

*

Não se recusaram esses homens a proclamar a veracidade do fato. Porque a nossa questão é, no presente caso, uma única: essa veracidade. Nada mais do que isso. Dêem a explicação que entenderem e quiserem dar. Desde que se iniciou a fase moderna das manifestações de além-túmulo, com a “dança das mesas”, que os negativistas estabelecem mil hipóteses para explicar os fenômenos espíritas - desde a teoria do maravilhoso “músculo rangedor”, do Doutor Schiff, teoria que Jobert de Lamballe desenvolveu, até as hipóteses hipnóticas de hoje.

Cada vez mais vitoriosa, não obstante, a verdadeira causa progride, avança, conquista adeptos, invade o mundo...

Vejamos, entretanto, qual a opinião do Senhor Doutor Porto de Oliveira..

DOUTOR PORTO DE OLIVEIRA

Especialista em moléstias nervosas, foi um dos que mais se interessaram pela explicação dos fenômenos. Fê-lo, aliás, sempre lealmente, sem segundas intenções, sem atitudes reservadas. Negou a causa sempre; nunca admitiu a fraude consciente. Cremos que indica a hipnose como a origem do fenômeno. E' o que se depreende de uma entrevista concedida à “Folha do Norte”, publicada na edição de 22 de Agosto de 1920.

Disse S.S.ª: “Na minha opinião trata-se de um transe hipnótico a que é sujeita, possivelmente, a médium, por alguém presente às sessões.” Infelizmente o ilustre alienista não indicou esse alguém. Achou, decerto, que não deveria fazê-lo. Foi um mal.

DOUTOR FERREIRA LEMOS

Oculista de fama em Belém, S.S.ª assistiu a umas quatro ou cinco sessões. Em todas elas observou sempre friamente o fenômeno, aparentando quase indiferença, dispensando, por vezes, lugar na primeira fila dos assistentes. Mas, notava-se, sob aquela aparência de quase pouco caso, preocupação insistente de “penetrar o mistério”.

A alguém que lhe pediu, de uma feita, que examinasse a grade, respondeu delicadamente: “Não. Tenho olhos de lince.” Quase sempre, terminados os trabalhos, quando havia experiência em parafina, S.S.ª, como por distração, entretinha-se a fazer luvas de cera, reproduzindo o processo do Espírito pondo a mão nua no balde de parafina derretida, retirando-a para o de água fria, até que, obtida a luva, tentava retirar a mão sem inutilizar-lhe o punho, o que não conseguiu nunca. Será ocioso lembrar que, quando o ilustre médico efetuava essas experiências, já a parafina estava resfriada, acusando temperatura facilmente suportável. Ainda hoje, estamos persuadidos de que S.S.ª não se arriscaria a tentá-las no início das sessões, quando a parafina fervia, à nossa vista, no balde sobre o fogo, inteiramente liquefeita por uns cem graus de calor...

Outra circunstância apreciável: ao contrário da maioria dos assistentes, S.S.ª quase nada examinava no começo das sessões. S.S.ª demorava-se mais nesse exame quando findos os trabalhos. Então, o jovem cientista examinava detidamente a grade que durante a sessão permanecia fechada a cadeado e lacrada. Casualmente, talvez, passeava o olhar pelas paredes, pelo soalho, como quem procurasse molas e alçapões. Mas, estamos certos, S.S.ª não atribuiu nunca à fraude a produção dos fenômenos. Se assim fosse, não teria assinado as atas que voluntariamente assinou.

Um dia, entretanto, propôs-se a mandar fazer, ele mesmo, uma jaula inteiriça, toda de ferro, para ser utilizada nas experiências. Houve quem pensasse, por isso, que S. S.ª desconfiava da grade. Não bastavam o lacre, os timbres especiais, as moedas colocadas sobre o lacre. Impunha-se a grade. Conseguiu substituí-la pela “jaula”, na expressão exata e feliz do Doutor Porto de Oliveira. (1)

(1) – Vide pág.144.

Enfim, o Doutor Ferreira de Lemos parecia aplicar aos fenômenos espíritas a máxima de Floriano: confiar desconfiando sempre...

Não foi em nosso entender - e que S.S.ª nos perdoe, se pensamos mal, pois que nenhuma intenção temos de ofendê-lo - não foi apenas o desejo de resolver o caso sob o ponto de vista médico, se é que S.S.ª pensava tratar-se de um caso médico, que inspirou a idéia da jaula. Outro intuito, talvez, lhe determinasse a conduta: surpreender a fraude... Daí essa idéia luminosa da jaula...

Não seria bem isso?

O certo é que até hoje não sabemos a sua opinião sobre o caso. Apenas, quando entrevistado pelo “Estado do Pará”, o jovem médico sentenciou: “Seja como for, a materialização é um fato anormal.”

DOUTOR JOSE TEIXEIRA DA MATA BACELAR

Médico homeopata. Um dos caracteres mais austeros e mais nobres de que temos tido notícia e conhecido. Tradição de honra e bondade, o ilustre apóstolo da Ciência, mas da verdadeira Ciência que se rende à evidência dos fatos, sem preconceitos de infalibilidade nem mal entendidos orgulhos, materialista convicto que era, não fugiu à profissão de fé espírita, após a rigorosa observação dos fenômenos.

E essa mesma profissão de fé, que adiante publicamos, é um testemunho eloqüente do seu elevado caráter.

DOUTOR RENATO CHAVES

O médico legista e clínico em Belém, diretor do Gabinete de Identificação, junto à Polícia Civil. Um dia, falamos sobre o assunto, que há esse tempo, em virtude da acalorada discussão pela imprensa, era o assunto predileto de todas as palestras. S.S.ª lembrou, então, como espada de Alexandre para cortar o nó górdio das dúvidas e das polêmicas, as fichas datiloscópicas. Aceitamos com entusiasmo o alvitre. Dias depois o Doutor Chaves o tornava público pela “Folha do Norte”.

Desde a primeira troca de idéia sobre o assunto, entretanto, externamos sem reservas a nossa opinião, que até hoje mantemos. Dissemos, então, ao Doutor Renato: “O nosso entusiasmo por essa experiência nasce de que ela virá fazer perfeita distinção entre os fenômenos anímicos e espíritas. Não se admire, meu caro, se, alguma vez, a ficha obtida for idêntica à da médium. E' possível o desdobramento desta - e por conseguinte serão perfeitamente iguais a ficha do fantasma da médium e a da médium. Mas, ao lado destas, o meu amigo conseguira outras, totalmente diferentes; isto é, as fichas dos Espíritos.” (2)

(2) Vide pág. 150.

O Doutor Renato Chaves, como o seu colega, Doutor Porto de Oliveira, atribui o fenômeno a causas hipnóticas. “O fato poderá, talvez, encontrar solução nos problemas menos complexos e mais naturais do Hipnotismo” - disse o diretor do Gabinete de Identificação do Pará, quando ouvido pelos jornais.

DOUTOR VIRGILIO DE MENDONÇA

Clínico em Belém e senador do Estado. Nome político conhecido em todo o País. Tem estudos de hipnotismo, à observação do qual se dedicou desde os bancos acadêmicos. Sua tese de doutoramento versou sobre tais manifestações, sendo um dos rubricadores da chapa da fotografia, cuja publicação causou tanto alarme entre os católicos. Ignoramos se S. S.ª tem opinião feita e definitiva sobre a origem dos mesmos. Parece-nos, entretanto, que após alguns exames, minuciosos e serenos, ele os aceitou como manifestações espíritas.

Efetuou inúmeros controles, sem contudo magoar os sentimentos de honra da Família Prado, nem exceder-se inconvenientemente em suas dúvidas e conseqüentes medidas de exame e precauções. Por isso mesmo e pela franqueza com que confessa as dificuldades da ciência oficial para explicar o caso, o Espírito o chamava “o escudo da médium”, quer dizer, a testemunha ocular e insuspeita de tudo quanto se passava.

*

Dos demais médicos, muitos dos quais presenciaram uma única experiência, não sabemos o que pensam. E' certo que, ao menos aqueles a quem ouvimos, embora atribuindo o fato a causas de feição materialista, a casos médicos, repeliram nobremente a idéia da fraude. E um gesto que os honra.

São, por exemplo, palavras do Doutor Aben-Athar, tido como um sábio entre seus pares: “Quais sejam as causas, não sei. Os fatos aí estão por mim constatados. Toda idéia de fraude é inconcebível.”

Apenas um, o Doutor Ciríaco Gurjão, afirmou, ao que nos consta, tratar-se de fraude, sob o fundamento de que ele apertara a mão de um ser humano, de uma pessoa perfeitamente viva e não de um Espírito: S. S.ª esperava encontrar a mão fria de um cadáver ou nada encontrar e... estenderam-lhe a mão robusta, cheia de vida de... Espírito materializado? Não acreditou, decretando a fraude. E' anedótico, franqueza: a perfeição do fenômeno desperta a incredulidade... Mas, seria mesmo a mão de uma pessoa viva? (3) - De quem? Se o fenômeno consiste nisso mesmo. Passemos adiante.

(3) Vide considerações de pág. 135 e seguintes.

O Doutor Gurjão Sobrinho, ao que ouvimos, participa da opinião de seu ilustrado tio.

JOÃO ALFREDO DE MENDONÇA

E' da atual geração intelectual do Norte uma das figuras mais simpáticas. Sereno, metódico, observador, de rara capacidade de trabalhe. É, sobretudo, um jornalista, na acepção integral do termo. O editorial austero e doutrinário; a gazetilha, o suelto, a crônica, a notícia, todas as secções do jornal não lhe guardam segredos. Modesto, modestíssimo, o secretário da “Folha” tem um traço bem eloqüente de caráter: detesta exibições. Além disso, raros tão francos e leais.

Em sua casa, em conseqüência de fatos que a seguir se narram, realizaram-se algumas sessões. Sua esposa, mãe, irmãs e sobrinhas examinaram o vestuário e a “toilette” da médium, quando a mesma ia trabalhar, da primeira à última peça, sendo que - e é necessário que se frise - o vestido que a médium usava nas sessões era remetido à família Mendonça, muitas horas antes do início destas, com tempo bastante para ser também examinado.

Como se verá adiante, do aposento em que se vestia, na presença daquelas senhoras, a médium, até à grade, era sempre acompanhada e também estava sob a vista de todos.

O Senhor João Alfredo de Mendonça seria incapaz de consentir que sua esposa, por exemplo, se prestasse a auxiliar “truques”, nem a distinta senhora a isso se prestaria.

Uma última informação: o Senhor João Alfredo de Mendonça não é nem nunca foi espírita.

ESTÁQUIO DE AZEVEDO

Quem é que no mundo das letras, onde quer que se fale a língua portuguesa, desconhece o nome de Jaques Rola?

Dos seus méritos como escritor e poeta o País inteiro dá testemunho, através do aplauso com que a crítica recebe os seus livros. Nenhum gênero literário lhe é estranho. Poeta e prosador, excelente “conteur” e romancista. A crônica, o verso, o teatro, devem-lhe numerosos e sempre louvados trabalhos.

Do seu caráter justo, bom, direito, dirão aqueles que com ele convivem. Não tem falhas. E fazemos questão de salientar o feitio moral de todos esses homens para que o leitor saiba que não se trata de criaturas levianas.

Eustáquio, que tem um patrimônio intelecto-moral tão belo, não desdenhou vir a público dizer-se “papalvo”. (4)

(4) Vide pág. 162.

3) Os Espíritos. “O João” - Chamou-se em sua última encarnação Felismino de Carvalho Rebelo, desencarnado há uns vinte anos. Era tio da médium e possuía o caráter jovial que de quando em quando trai em suas manifestações. E' aliás um princípio comprovado da Doutrina Espírita: a morte, simples retorno à vida normal, que é a do Espírito, não melhora, só por só, o desenvolvimento intelectual e moral do morto. O que se dá, tão somente, é que, estando livre da influência, do jugo da matéria, a alma percebe melhor, e melhor compreende os diversos problemas da vida, da evolução eterna e progressiva dos seres, no seio da Criação.

Várias são as passagens em que aparece o caráter jovial desse Espírito. Ao lado dessa jovialidade, há a obstinação. Voluntariosa até quase à teimosia, não deixou nunca de enfrentar as dificuldades que o fenômeno, por este ou por aquele motivo, apresentava. Quase sempre essas dificuldades lhe vinham da hostilidade mental da maioria dos assistentes. Não há que ser muito entendido em Espiritismo ou, se quiserem, em Psiquismo, para saber a imensa influência que sobre os fenômenos exerce essa força, poderosa por excelência, que é o pensamento.

Absolutamente descrentes uns, persuadidos de mero caso psicopatico outros, de atenção fixa sobre a médium, todos esses perturbam os trabalhos, consciente ou inconscientemente, quase inutilizando as experiências.

Sabemos que a materialização do fantasma é obtida pelo poder de vontade dos Espíritos, bem assim as vestes que o envolvem:

Para os invisíveis o perispírito está como estaria para nós o nosso próprio corpo, que vestimos como bem nos apraz. Imaginemos que, no ato de compor o nosso trajo, alguém venha impedir-nos de fazê-lo, tirando-nos esta ou aquela peça, interrompendo-nos, enfim. Para consegui-lo, teríamos muito maior dificuldade do que se o fizéssemos sem aqueles obstáculos. E' o que se dá, temos razões para acreditá-lo, salvo diferenças oriundas da própria natureza dos casos, com os fenômenos de materialização. O Espírito, no ato de agregar os fluidos que, para isso, consegue ir “extraindo” da médium, recebe, como verdadeiras forças dissociativas, as vibrações mentais dos assistentes tanto mais eficazmente destruidoras do seu trabalho, quanto mais cientemente manejadas. A isso atribuímos o fato, aliás repetido, de João, especialmente nas suas primeiras experiências, recomendar aos assistentes que palestrassem, o que, às vezes, ele mesmo fazia, por intermédio de um outro Espírito incorporado na Senhora Prado, no estado de transe.

Um exemplo de influência mental sobre os trabalhos: Na sessão realizada a 15 de Dezembro de 1919, quando João se esforçava por fazer moldes em parafina, o Espírito que falava pela médium adormecida disse: “Um de vós pensa em relação aos outros. Como são tolos! Tudo isto é o produto de forças ainda desconhecidas que agem.”

E depois de uma pausa:

“E um incrédulo. E a corrente desses pensamentos dificulta ainda mais a tarefa do João... (5)

(5) Vide pág. 60.

Quanto à palestra, deu-se isto: na sessão de 30 de Setembro de 1919, em dado momento, como se notasse uma certa impaciência dos assistentes, pelo fenômeno, que demorava, o Espírito, que pela médium adormecida conversava com o Doutor Virgílio de Mendonça, pediu que a entretivessem. Esta solicitação levou aquele médico a perguntar porque João preferia a conversa à concentração, usada em casos tais.

- “Porque aquela distrai a vossa impaciência. Enquanto conversais, João trabalha. Conversai.” (6)

(6) Vide pág. 54.

Mas, mesmo assim, sempre o fenômeno se realizou, embora fracamente.

Nunca registramos “um verdadeiro desastre”. (7) Certamente que não raras vezes as sessões deixavam a desejar; mas, embora imperfeitamente, sempre se fazia alguma coisa, devido principalmente à tenacidade impressionante de João.

(7) Vide pág. 144.

Batizaram-no assim pelo fato de ter dado a sua primeira manifestação na noite de 24 de Junho. Quando lhe souberam o verdadeiro nome, conservaram aquele, mesmo porque assim já se tornara de todos conhecido. (Gravuras 3 e 4.)

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Gravura 3

Fotografia de João, quando vivo

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Gravura 4

A Fotografia do seu Espírito

Contando-nos como obteve esta fotografia, escreveu maestro Bosio no seu admirável livrinho “O que eu vi”:

“MAGNÍFICO RETRATO DE JOÃO

Um transe excelente

No dia 5 tínhamos combinado, eu e minha esposa e conosco as filhas da médium, ir tomar passes na casa do Senhor Bastos. Na volta, entramos todos em nossa casa para conversar um pouco. Uma lembrança insistente sugeria-me telefonar à Senhora Prado, mesmo sem ter assunto a tratar, o que fiz, respondendo-me em voz agitada, ela mesma. Pedia-me que mandasse incontinenti as filhas, visto sentir-se muito mal.

A ocasião não podia ser mais própria para o caso. Fomos depressa, encontrando a Senhora Prado agitadíssima e chorando convulsivamente. Não perdi tempo; cortei o cordão que prendia a tampa do chassis, abri-a e me coloquei no meu lugar. As filhas acompanharam-na até à sala, sentando-a na cadeira indicada pelo João.

O sinal não se fez esperar; dei a exposição necessária, obtendo um resultado esplêndido como se pode verificar pela fotografia abaixo. O motivo da comoção da médium foi ter visto o próprio filho Eratóstenes no quarto de dormir, achando-se este atualmente no Rio de Janeiro.

Durante o transe continuava ela soluçando fortemente. A figura nitidíssima é do Espírito “João”, que em vida tinha o nome de Felismino de Carvalho Rebelo.

Ao lado direito coloco o seu retrato quando encarnado, e junto, à esquerda, o mesmo em Espírito. E notável a clareza e nitidez da fotografia, a “pose” solene, o manto duplo, estendendo o braço esquerdo que mal se vê segurando uma parte da sua vestimenta espiritual. Na parte superior da cabeça observa-se um arco fluídico e atrás uns panos também fluídicos, envolvendo-a. Apenas uma pequena diferença entre os dois retratos: é que o espiritual tem os bigodes um pouco mais visíveis.”

Anita - Pouco tempo depois das materializações de João, uma noite, inesperadamente surgiu do gabinete mediúnico uma moça. Quem seria? Deu o nome de Anita, dizendo ter sido florista em sua última encarnação. Dedicou-se especialmente aos trabalhos de parafina, confeccionando flores de admirável perfeição.

Dentro em pouco era familiar nossa e não raras deixou cair entre as nossas a sua mãozinha mimosa e branda. (Gravura 5)

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Gravura 5

A Fotografia do Espírito de Anita

Narrando como obteve a sua fotografia, o nosso amigo Bosio assim se expressa:

A FOTOGRAFIA DE ANITA

No dia 11, às 13 horas, um toque de telefone avisou-me que era precisa a minha presença na casa da Senhora Prado. Pensando que se tratasse de mais uma chapa, não perdi tempo, fui. Chegando, soube que não se cogitava disto. O João, tendo puxado o álbum, queria falar-nos.

Espírito (dirigindo-se a mim) - Dá-me esta chapa, pois desejo fazer uma experiência. Conheço o organismo da médium. Ela está abalada com o telegrama (8). Não tirem o sofá dali, apenas as cadeiras. Quero ver se podemos desmaterializar a madeira. (E dirigindo-se a Srta. Alice). Vá tocar a minha música.

(8) - A Senhora Prado tinha recebido de Pernambuco, pela manhã, um telegrama de seu esposo.

(O que o João chama a “minha música” é uma valsa sentimental bastante inspirada e conhecida em Belém. Nas sessões de materialização “João” pediu sempre a execução ao piano, pela filha da médium, fosse para sensibilizá-la ainda mais e facilitar assim o transe.)

Não perdi tempo. Retirei as cadeiras, abri o chassis e me pus ao lado da máquina, atendendo o sinal convencionado para abrir a objetiva. A médium sentou-se na cadeira ao lado direito dela e a sua filha foi ao piano para a execução da valsa pedida, pelo Espírito. Demorou bem uns 3 ou 4 minutos, para o sinal ser dado. Abri imediatamente a objetiva, contei quatro tempos não longos, e a chapa ficou impressionada.

A figura é de Anita, Espírito familiar que apareceu em quase todas as sessões de materialização. Sabe-se que é ela, porque o “João” o disse logo depois de impressionada a chapa, por meio da faculdade auditiva da médium.

O Espírito colocou-se muito próximo à máquina, de maneira que a parte inferior da figura ficou fora do quadro, aparecendo por conseguinte de tamanho maior do que o habitual das figuras fotografadas e bastante “flou”, usando a terminologia fotográfica. Ajoelhada e vestida de branco, em atitude de quem reza, deixa ver na cabeça uma espécie de coroa ou diadema que seja, pouco nítido. O resto é bem visível, tendo da boca para o peito um fluido branco como que escondendo uma parte da fisionomia. Os traços do rosto indicam formosura não comum.

Ao lado da imagem vê-se uma planta fluídica envolvida em diversos fluidos esbranquiçados.

A figura é transparente e em certos pontos, como nas mãos, distingue-se perfeitamente a armação do sofá que lhe está atrás.

Um marujo - Após o aparecimento de Anita, surgiu um Espírito vestido à maruja e que, desde logo, conquistou a simpatia dos assistentes pela sua jovialidade. (Gravura 6.)

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Gravura 6

A Fotografia do Espírito do Marujo

O maestro Bosio no-lo descreve assim: “No dia seguinte (15 de Fevereiro), às 9 horas, novo chamado urgente pelo telefone e novo trabalho fotográfico. Desta vez não houve inconveniente algum. Impressionei duas chapas, tendo sido apenas de 20 segundos o intervalo de uma para outra. Na primeira se vê um menino vestido de colegial, de calças, blusa e boné brancos, com o braço esquerdo sobre o peito e com a mão na direção do queixo e o outro estendido ao longo do corpo. Atrás dele é reproduzida a mesma imagem em ponto maior. Abaixo do mesmo notam-se alguns pés de diversas dimensões e o fundo do quadro é cheio de fluidos. Supõe-se ser o fotografado o Espírito que foi alcunhado por “marinheiro”, quando apareceu pela primeira vez na noite de 24 de Junho de 1920, em uma sessão realizada com a presença de mais de 70 pessoas, na residência do Senhor Eurípedes Prado, esposo da médium.”

Outros Espíritos - Ainda outros Espíritos se manifestaram, mas na segunda fase dos fenômenos. Por isso deixamos para lugar oportuno, já as fotografias, já a notícia de como apareceram, para o que ainda nos serviremos das descrições do nosso amigo Ettore Bosio.

Capítulo II

AS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

Dos fenômenos - Nós as descreveremos pelas próprias palavras do Senhor Eurípedes Prado, extraídas de ligeiras notas que S. S.ª consentiu em nos ceder de uma feita que, em sua residência, conversávamos sobre esses insólitos fenômenos de mediunismo.

Falava-nos ele da grande aversão sempre manifestada por sua esposa, ao começo, em produzi-los, e acrescentou: “Tenho até algumas notas sobre o caso.” E foi buscá-las, lendo-as. Pedimos-lhes e, valha a verdade, que não foi pouco o trabalho para consegui-las, já porque, alegava ele, tinham sido grafadas “currente calamo”, já porque não desejava vê-las publicadas. Deu-no-las, entretanto, constrangido pela nossa impassível, quase inconveniente insistência.

O fato de terem sido escritas assim “currente calamo”, até mesmo, a lápis, como o foram, dá-lhes ainda maior valor, a nosso ver, porque indica apenas o propósito de registrá-las para uso íntimo. E a verdade em toda a sua singeleza e por isso mesmo mais impressionante.

Publicando-as hoje, concordamos em que é um abuso de confiança que praticamos. Devemos também confessar que não o fizemos sem hesitação. Mas seria justo guardar conosco, ficar no conhecimento de meia dúzia, fatos que poderão contribuir para a serena indagação de fenômenos tão intimamente ligados com o destino dos homens, com as causas supremas da origem e da finalidade da nossa espécie?

Estamos sinceramente persuadido que não andamos mal. Desgostaremos, talvez, um amigo, mas, insistimos, sabe Deus a quantas almas este livro, estas notas não irão levar o conforto e a esperança? Isso, pelo lado moral. Pelo lado científico, tornamos a indagar: não iremos oferecer aos doutos, aos que se ocupam com o magno estudo da personalidade humana, novos dados para as suas abençoadas pesquisas? Editando estas notas, colecionando as diversas notícias da produção desses espantosos fenômenos, não serviremos à causa da Verdade?

Não seria, além de tudo, insuportável covardia moral, a nossa, abominável ingratidão, ter tudo isso ao alcance de uma hora de trabalho e guardá-las e deixá-las morrer assim, aquelas na gaveta do Senhor Prado e estas esparsas pelos jornais?

Não! Não nos sentimos mal desatendendo ao pedido deste amigo, como já desatendemos a Ettore Bosio (9).

(9) Eurípedes Prado e Ettore Bosio, mais aquele do que este, sempre foram contrários à publicação feita por um de nós de qualquer folheto ou livro sobre os fenômenos a que assistíramos a observáramos juntos.

Quando pela primeira vez a imprensa de Belém anunciou que um de nós trataria do assunto, em volume titulado O Trabalho dos Mortos, o Senhor Eurípedes discordou. Para não desgostá-lo, silenciamos. Tempos depois, Ettore Bosio trouxe-nos uns apontamentos de observações pessoais suas, em relação a fotografias diurnas. Aconselhamos-lhe a publicação em volume. A principio aceitou e preparou-as como para imprimi-las, dando-lhes a feição de livro. Dias depois nos apareceu. Resolvera não as publicar mais. Era um caso de observação inteiramente pessoal. Não tinha o valor do controle. Receava sobretudo desagradar Eurípedes. Compreendemos. Era este quem, ainda sob a impressão da mágoa que lhe causara a acusado de fraude, se opunha ã publicação. Francamente: achamos inteiramente infundada e improcedente a maneira de pensar daquele nosso amigo. E resolvemos, pela primeira vez, desatendê-los. Solicitamos de Bosio reler os seus apontamentos.

E sem mesmo os reler, entregamo-los a Frederico Fígner, o abnegado Fred. Fígner, que, no momento, se achava em Belém, aonde viera especialmente para assistir aos fenômenos de materialização, pedindo-lhe que se encarregasse de em nosso nome, tratar da edição dos mesmos pela Federação Espírita Brasileira, no Rio de Janeiro.

O livro do maestro Ettore Bosio narra apenas uma das fases de mediunidade da Senhora Prado. Renasceu-nos ai o propósito de publicar em volume os documentos, aliás já do domínio público, referentes aos conhecidos fenômenos. O livro não é, portanto, escrito por nós. Consiste em mera coleta, nada mais. E' a narrativa simples, fidelíssima, do que se passou. Porque não publicá-la?

É, para dizer tudo, um meio que encontramos para creditar alguma coisa em nosso favor na grande, na imensa dívida de gratidão que contraímos com o Espiritismo.

Eis as palavras do Senhor Eurípedes Prado, sem alteração de uma vírgula:

Ainda na adolescência me preocupava com o problema do nosso ser após a morte. Educado na religião católica, a minha razão não se satisfazia com os seus ensinamentos. Eu não podia conceber um Deus exclusivista, vingativo e criador de entes destinados ao sofrimento eterno: ao inferno. Os meus raciocínios me convenciam da existência de um ser superior, erija essência o Catolicismo, no meu entender, desvirtuava.

Casualmente chega às minhas mãos um livro de Kardec “O Céu e o Inferno”. Li-o com sofreguidão e as idéias ali expendidas foram por mim aceitas como uma revelação. Adquiri outras obras sobre esse magno assunto e a teoria espírita transformou-se na melhor hipótese para a solução do problema religioso. Despreocupei-me, entretanto, de querer desvendar o mistério da morte e tracei o meu itinerário moral.

Mais tarde, casado e com filhos, notei que minhas idéias tinham abalado a crença católica de minha esposa e que meus dois filhos, já na adolescência, se inclinavam assustadoramente para o materialismo. Procurei freqüentar sessões espíritas e, veladamente, tentei levar às mesmas minha mulher e filhos. Não consegui que a primeira me acompanhasse, e os segundos, que às vezes o faziam, não manifestavam o interesse esperado.

Minha esposa tinha alguma consideração pelo Espiritismo, em homenagem ao nosso afeto; cheguei, porém, à conclusão de que nem ela nem os filhos partilhavam de minhas idéias.

Conhecendo teoricamente os assombrosos fenômenos chamados espíritas e tendo lido que o das mesas girantes era bastante comum, tive a lembrança de fazer experiências. Falei a alguns confrades. Estes, entretanto, satisfeitos com a fé e com os fenômenos de incorporação, psicografia, etc., obtidos nos Grupos, julgavam desnecessário o das mesas girantes. Declaravam-se contentes com a clareza meridiana da Doutrina.

Não me conformei e iniciei, em família, as experiências exigidas pelo meu temperamento. Reunia à noite, com incertos intervalos de dias, dois dos meus trás filhos mais velhos, ao redor de uma pequena mesa apropriada, na expectativa de obter algum resultado. Minha esposa, sempre convidada por mim, recusava tomar parte nessas experiências, alegando ora incredulidade, ora o fato de o filho menor querer dormir, etc.

E os dias se passavam sem que eu algo obtivesse. De uma feita, um domingo, à tarde, fiz novo convite à minha mulher que, apanhada assim de súbito por este, não encontrou pretexto para se recusar. Estávamos à janela da sala de visitas. Perto, uma mesinha de centro e sobre esta um álbum de fotografias. Tiramo-lo e sentamo-nos colocando as mãos sobre a mesa.

Passados alguns instantes fomos surpreendidos com um estalido produzido na madeira da mesa. Minha esposa, cuja incredulidade disfarçava para me ser agradável, recebeu um grande susto com o fato inesperado e levantou-se muito nervosa, indo para a janela. Insisti pela continuação das experiências. Recusou-se terminantemente. À noite, voltei a pedir-lhe, sendo afinal meus rogos ouvidos. Colocadas que foram as mãos sobre a mesa - a pequena mesa de centro da sala - o estalido não se fez esperar. Minha mulher, não obstante o constrangimento do medo que sentia, acedeu aos meus pedidos, deixando de retirar-se como pretendia fazê-lo, repetindo a cena da manhã.

Eu, penalizado embora pela situação angustiosa que a perturbava, persisti, vislumbrando já o fruto de minhas perseverantes tentativas. Alguns momentos mais e um dos pés da mesa levantou-se. Estupefação, pavor, crise de nervos de minha esposa, foram às conseqüências imediatas. Assustei-me, por minha vez, diante destas e comecei a sentir o peso de uma responsabilidade tremenda, pois, se minha mulher viesse a sofrer qualquer abalo que lhe alterasse a saúde, seria eu o único responsável, por minha teimosia.

A crise, felizmente passou, sem maus resultados, o que me animou a continuar no dia seguinte as experiências tão bruscamente interrompidas. Minha esposa, mais animada, ainda hesitante, porém, concordou em prosseguir, já com a presença de nossos filhos mais velhos. O fenômeno, então, evidenciou-se de modo pleno: a mesa levantou uma das pernas, oscilou, dando algumas pancadas. Minha esposa resistiu à crise e, assim, vencido este obstáculo, prosseguimos em nossas experiências, até que a mesa, por pancadas convencionadas, deu o nome de um nosso conhecido, transmitindo-nos um pedido feito pela entidade que se dizia manifestada.

Passados 6 ou 8 dias fomos surpreendidos por um fenômeno insólito e inesperado: encontramos atirado ao chão, no meio da sala, o álbum de fotografias ao qual já aludimos e que permanece sempre sobre a mesa-centro. Ficamos em dúvida: teria sido o meu filho menor, aliás muito travesso, ou um fenômeno? Interrogado, o menino negou.

Despreocupamo-nos desse fato e continuamos a trabalhar com a pequena mesa, obtendo manifestações sem importância. Uma noite, porém, o Espírito nosso conhecido disse-nos inesperadamente: “Eu vi quem lançou o álbum ao chão. Foi um “irmão” que passou por aqui.” (A palavra “irmão” refere-se a outro Espírito.) Essa revelação foi para mim de um efeito extraordinário: o fato de ser lançado ao solo um objeto, por uma força desconhecida, era, para mim, a probabilidade do êxito de nossas experiências!

Desta vez em diante nós nos dedicamos todas as noites a esses trabalhos, com alternativas de êxito e fracasso, recebendo manifestações sem importância por um lado, porque as comunicações eram destituídas de valor intelectual, mas, de outro lado, os efeitos físicos produzidos na mesa aumentavam de intensidade, havendo ocasiões em que eram suspensas do solo, outras em que se movia sem contacto.

Prosseguiam, assim, os fenômenos, até que, em 24 de Junho de 1918, por ocasião de uma experiência, violentos abalos agitaram a mesa.

Minha esposa, que já se ia habituando às manifestações, foi, de novo, possuída de pavor. A força que atuava sobre a mesa, em vez de suspender a perna desse móvel e dar as pancadas habituais, começou a imprimir-lhe rotações violentas.

A custo conseguimos obter um ditado inteligível e viemos a, saber por ele que o Espírito que se manifestava tão insolitamente era o mesmo que tinha sacudido ao solo o álbum de fotografias. Nada mais logramos alcançar nas experiências dessa noite (24 de Junho de 1918). O certo é, porém, que desde então o álbum não teve mais “sossego” sobre a mesa referida, e, tantas vezes o atiraram ao solo, que se inutilizou.

Essa entidade a quem demos o nome de “João”, em homenagem à data de 24 de Junho, continuou a manifestar-se. Ao começo sem ordem, sem método, até que se nos afeiçoou e principiamos a trabalhar de acordo, com designação de dia, hora, etc.

Era meia batalha vencida.

Além dos fenômenos da mesa, obtivemos remoções do álbum de cima desta para as cadeiras, de lenços de sobre a mesa para o solo e vice-versa.

Uma noite recebemos pela tiptologia o seguinte ditado:

“A médium deve concentrar-se, pois vou fazer uma surpresa. Não tenham receio. A médium dormirá - mas bastará tocar-lhe a fronte com um pano molhado que despertará logo.”

Feita a obscuridade, a médium adormeceu e sem demora uma pancada nos anunciava a realização da surpresa. Dando-se luz, encontramos uma flor sobre a pequena mesa que servia para receber as manifestações, uma flor transportada do jardim.

Essa espécie de fenômenos, chamados de transporte, repetiu-se freqüentemente, em crescente intensidade, chegando a realizar-se, em uma sessão, o aparecimento, na sala inteira e cuidadosamente fechada, de mais de vinte flores.

Foi esse o começo dos fenômenos. Seguiram-se depois as materializações em obscuridade plena, apenas perceptíveis pelo tato, enquanto se ouvia a médium ressonar ao lado, junto à fila dos assistentes; gradualmente, da obscuridade plena, passou-se a uma luz muito tênue e de materializações de membros esparsos - um braço, mãos, etc. - ao aparecimento de vultos perfeitos e até ao reconhecimento dós mesmos por parte de parentes.”

Capítulo III

Como vimos e tivemos ocasião de observar, a Senhora Prado prestava-se a contra-gosto a realizarão dos fenômenos, e o fazia somente para atender aos pedidos de seu esposo, a quem vota a mais profunda estima.

Chegara, enfim, a nossa vez de assistir a uma das sessões (28 de Setembro de 1919).

Além da família Prado, seis pessoas apenas: o Senador Virgílio Mendonça, Doutor Giovanni Costa, Srs. Manoel Barbosa Rodrigues, Manoel Batista, proprietário da Farmácia Beirão, professora Elisabet Hammond e nós.

Ao começo, breve sessão na varanda, para a produção de ligeiros fenômenos de contacto das mãos do Espírito, os quais, em verdade, ficaram a perder de vista ante os demais.

Foram colocados, no aposento destinado às sessões, dois baldes de zinco, um com parafina a ferver - e que estivera sobre um fogareiro de álcool à nossa vista - e outro cheio dágua, sendo ambos examinados pelos assistentes. Em seguida mandou o Espírito encerrá-los em uma grade (espécie de gaiola), recomendando que a pregassem bem ao soalho, o que foi feito também à nossa vista.

Tudo assim preparado, apagou-se a luz e, dentro de cinco minutos, via-se o primeiro núcleo branco de formação fluídica destacar-se do fundo negro, pois a parede caiada fora forrada de um pano preto. Em breve distinguia-se perfeitamente o fantasma que se debruçava sobre a grade.

Interrogado, então, algumas vezes pelo senador Virgílio de Mendonça, o Espírito disse que um outro habitante do Invisível lhe responderia às perguntas, enquanto que ele se empenhava na produção do fenômeno previamente anunciado - a feitura de um molde de mão humana em parafina -, e solicitou aos assistentes que se entretivessem em palestra. Esta solicitação levou o senador Virgílio de Mendonça a perguntar porque João preferia a palestra à concentração usada em casos tais.

- Porque aquela distrai a vossa impaciência. Enquanto conversais, João trabalha em paz. Conversai. - Respondeu.

De quando em quando ouvia-se, já o cuido da asa do balde sacudida de um lado para outro, já o da água remexida pelas mãos de alguém. Isto chamou a atenção daquele senador que, levantando-se da cadeira em que se achava, distante da gaiola um metro, se tanto, tentou aproximar-se mais ainda, de modo a observar melhor o que se passava.

Então, a voz clara do Espírito, pela médium adormecida, lhe observou:

- Porque tentas perturbar o trabalho de João? Senta-te. Não viste a grade ser pregada? Findos os trabalhos, peço-te que tu mesmo a arranques.

E assim, enquanto João, auxiliado por outro fantasma, trabalhava na confecção do molde em parafina, entre os assistentes e esse outro invisível se travou animada, freqüente conversa.

Seguramente hora e meia depois, o Espírito auxiliar anunciou que João ia terminar a primeira parte dos trabalhos.

Uma campainha ficara próximo dos baldes, mas fora da grade. Sentiu-se que esta era como que forçada. O Senhor Eurípedes indagou a razão desse fato e a explicação não se fez esperar.

- E' que colocaste a campainha longe da grade, distante da médium, cuja emissão fluídica quase não atinge. João luta com dificuldades para penetrá-la de fluidos bastantes, a fim de fazê-la vibrar. Mas esperem. Ele é teimoso. Conseguirá.

Cinco minutos mais e o som vibrante da campainha retiniu diversas vezes, alegremente, como anunciando a vitória absoluta dos esforços do Espírito.

- João está satisfeito - disse o seu companheiro do Além - eis porque a campainha soou tantas vezes. Cobri o rosto da médium e abri as luzes.

Fêz-se isto e razão de sobra tinham o Espírito de João para manifestar a sua imensa alegria: dentro da gaiola pregada ao solo, os dois baldes; o de parafina vazio e, no outro, um molde de mão humana com os dedos curvados e um formoso ramalhete de rosas angélicas!!!

Simplesmente espantoso!

Capítulo IV

SESSÃO DE 6 DE DEZEMBRO DE 1919

Jornal da Tarde, de 9 de Dezembro de 1919

Sem preâmbulos nem comentários, exporemos os fatos, fidelìssimamente, tal como se deram e o presentearam os Srs. Doutor Amazonas de Figueiredo, diretor do Ginásio; Assunção Santiago, administrador interino dos Correios, e respectivas esposas; Doutor Virgílio de Mendonça, senador estadual; Manoel Barbosa Rodrigues, comerciante; professor Sílvio Nascimento, Pedro Batista, da Farmácia Beirão, um cunhado e duas senhoritas, filhas do Senhor Prado, e nós.

Às 8 horas da noite, começou a sessão, tendo ficado a médium no meio do círculo formado pelos assistentes.

Feita a obscuridade, o Espírito determinou fossem buscar as flores deixadas na varanda e que as distribuíssem pelos assistentes. Estes repararam na espécie de flores que lhes coube. Apagaram-se as luzes. Logo, como que uma brisa bem acentuada acariciou o rosto de todos. Era o sinal de que os fenômenos começavam. Com efeito, daí a segundos sentimos a mão de alguém - mão fina mas evidentemente masculina - tocar nas nossas como que tateantes e quase simultaneamente anunciaram igual contacto os Srs. Eurípedes Prado, Doutor Amazonas de Figueiredo, minha esposa, professora Elisabet e, finalmente, a assistência inteira, com exceção da Senhora Amazonas de Figueiredo, Assunção Santiago e professor Sílvio Nascimento.

A seguir produziu o Espírito, que se dá pelo nome de João, uma série interessantíssima de fenômenos, entre os quais, num resumo, destacaremos os seguintes: troca de flores entre os assistentes, sentindo-se bem distintamente as mãos que retiravam e devolviam as flores, sendo de notar que os ramos dos Srs. Amazonas de Figueiredo, Santiago e o nosso, foram entregues às nossas respectivas esposas e vice-versa, sem equívoco algum. A retirada de um lenço do bolso do Senhor Doutor Amazonas de Figueiredo e sua imediata restituição, num trançado de forma semelhante a uma pêra; os lenços do Senhor Manoel Barbosa Rodrigues foram transformados em pequenas e interessantes estatuetas, de difícil formato. A troca de anéis: a aliança de minha esposa foi-me entregue e em troca levaram-lhe a que me pertence. O próprio Espírito no-las tirou e enfiou nos dedos. O anel do Senhor Doutor Virgílio foi-nos trazido. A professora Elisabet o Espírito retirou do colo a gravata e a bolsa, tendo dado esta ao senador Virgílio de Mendonça e aquela ao Senhor Barbosa Rodrigues, que teve também a sua aliança oferecida a um dos assistentes. Ao Doutor Amazonas o Espírito tentou arrancar a gravata e como o laço desta estivesse bastante apertado, limitou-se a tirá-la de sob o colete. Minha esposa ainda ficou por instantes sem um dos sapatos, que nos trouxeram. João também retirou-lhe o leque e pôs-se a vibrá-lo demoradamente, no ar, percorrendo o círculo inteiro, ora elevando-o bastante alto, ora aproximando-o do rosto dos presentes.

*

Todos esses fenômenos, porém, foram entremeados de detalhes interessantes: - A esposa do Senhor Doutor Amazonas mostrava-se algo receosa da aproximação do Espírito. Este como que pressentia isso, de sorte que, delicadamente, se não dirigia àquela distinta senhora. Seu esposo, entretanto, observou o fato, e, como a Senhora Amazonas tivesse dito que se não assustaria, ficou logo sem o seu leque, que o Espírito, à maneira do que fizera antes, vibrou demoradamente no ar, restituindo-o depois.

Mas, ao retirá-lo das mãos da Senhora Amazonas, fê-lo tão delicadamente, que esta quase não sentiu contacto algum. Desfeito assim o seu receio, João, então, acariciou-lhe as mãos, retirando-lhe as flores e oferecendo-as ao seu digno esposo.

A Senhora Santiago, meio assustada ao começo, também teve entre as suas a mão veludosa de João, que lhe demonstrou simpatia e afeto.

Ainda outros fatos e a nosso ver mais interessantes, como prova indiscutível da Inteligência que ali agia livremente. Assim, quando a Senhora Amazonas, utilizando-se do seu próprio leque, produziu uma leve ondulação de ar, o que alguém atribuiu ao Espírito, este, pela mesa, imediatamente disse: E' o leque de nossa irmã Sinhá. Se alguém produzia qualquer ruído, ele indicava quem era, desfazendo assim possíveis equívocos. O Doutor Virgílio, por exemplo, fez vibrar um pequeno elástico que lhe fora entregue pelo Espírito e que retirara das mãos do Doutor Amazonas. O nosso companheiro atribuiu esse fato ao Invisível, e logo, pela mesa, veio à resposta: “Não fui eu mas o irmão Virgílio.”

Pedimos a João que nos tirasse as lunetas e as levasse àquele senador. O Espírito respondeu: “O Doutor Virgílio não enxerga pelas lunetas da polícia...” - aludindo às nossas funções. Entretanto, daí a momentos as lunetas eram retiradas e, depois de serem mostradas a vários assistentes, foram entregues àquele facultativo.

Ao no-lo restituir, João puxou-nos levemente a orelha esquerda. De tudo o que se passou, porém, o mais interessante foi: ao assentar-se o senador Virgílio, o Senhor Eurípedes Prado colocara sob a cadeira dele, no chão, uma campainha.

Aproveitando a escuridão, S. Ex. retirou-a, guardando-a. João que, naturalmente, lhe surpreendeu o gesto, mandou acender a luz e procurá-la. O Doutor Amazonas, desconfiando que o Doutor Virgílio a tivesse num dos bolsos, indagou, ao que S. Ex., sorrindo, respondeu: “Peçam informações ao João.” Este reclamava que apagassem a luz e, atendido, pela mesa, declarou que fora S. Ex. mesmo quem guardara a campainha. Depois, como lhe pedissem para retirá-la de onde estava, atendeu-nos, vibrando-a longamente no ar, dando-lhe corda, alteando-a e baixando-a com rapidez, e, finalmente, pousando-a sobre a mesa, onde continuou, então, a utilizá-la, em vez da mesa, para conversar com os assistentes. Depois, sempre pela campainha, pergunta: Querem ver-me? - e como os assistentes dissessem que sim, seguiram-se os trabalhos de materialização.

Estes foram idênticos aos que já temos assistido: viu-se distintamente o Espírito atravessar por vezes o aposento, ajoelhar-se, caminhar ao lado da médium, de sorte que se distinguissem bem, inconfundivelmente, os dois vultos, etc. Como sempre, rogou música, e desta vez pediu a uma das filhas do Senhor Eurípedes, habituada já aos fenômenos e, portanto, sem receio algum, para atravessar consigo o aposento, ó que fez olhando como quem valsava. Ficando novamente sozinho, entoou uma débil, suave, mas distinta canção.

*

Todos esses fenômenos foram claramente produzidos e com uma abundância tal de detalhes imprevistos que seria absurdo, injustificável e grosseira má fé admitir a possibilidade de fraude.

Tendo o Senador Virgílio perguntado quando poderia ter informações de um fenômeno pelo qual se interessa, João, que nesse instante transportava as flores das mãos do Senhor Sílvio Nascimento, respondeu-lhe

- Mais tarde. Agora estou ocupado.

Eis aí a narração fria, deficientíssima até, sem pormenores, sem um exagero, do que se passou. Podem confirmá-la os que lá estiveram conosco. Todos fizeram as perguntas, os pedidos, às experiências que bem entenderam e quiseram, sendo atendidos.

Capítulo V

SESSÃO DE 14 DE DEZEMBRO DE 1919

Um contratempo prejudica os trabalhos

Jornal da Tarde, de 1 de Dezembro de 1919

O Espírito de João prossegue sereno e impàvidamente em seus trabalhos. Zombem os incrédulos e se irritem injustificadamente os homens de má fé, o Espírito de João continua na tarefa providencial que o Céu lhe deu, de abalar, pelo fato, o ânimo daqueles cuja orientação positiva levou ao ateísmo, ou inspira a indiferença para com tais problemas.

O sofrimento moral que de possível ataques advenha para a médium, será largamente compensado pela satisfação do dever cumprido.

Sábado último, novas experiências. Lentamente, pacientemente, o Espírito se prepara para trabalhos de importância, que só oportunamente será reconhecida. Percebe-se um plano que se executa, que se desdobra aos poucos, sob a orientação de uma inteligência clara, que sabe o que quer e age como quer, conciliando elementos para um desejado fim.

Aqui e ali um embaraço, um pequeno contratempo, mas avante sempre. Anuncia o Espírito que a sua missão durará ainda um ano, ao cabo do qual, estamos certos, produzirá fenômenos que muito se aproximarão dos observados por William Crookes e outros sábios de igual valor.

E senão vejamos: sábado último foi experimentada uma pequena grade de metal, pregada ao solo, dentro da qual foram colocados os baldes de parafina a ferver, ò de água fria e uma campainha. Feita a obscuridade, começou o Espírito a trabalhar, ouvindo-se distintamente o ruído da água, como quem lava alguma coisa. Demorava, porém, o fenômeno. Súbito outro Espírito falou pela médium adormecida:

- Houve um incidente.. João luta com dificuldades. Conversai menos e auxiliai-o, orando.

Pouco depois, o próprio Espírito de João dizia:

- A parafina foi mal preparada. Por mais que faça não lhe posso dar a consistência desejada.

Era sua intenção, declarou, oferecer uma bem feita mão de cera ao Doutor Arquimimo Lima, que assistia à sessão. Mas não estava contente.

- A mão sairá horrível - afirmou.

- Mas oferece-me flores; ficarei satisfeito.

- Essas já estão feitas - respondeu.

Soou demoradamente a campainha. Aberta a luz, verificou-se, dentro do balde de água fria, a metade de uma mão, em parafina, mas defeituosa, como o Espírito anunciara, e duas flores, também de cera, estas, porém, bem acabadas, perfeitas mesmo.

O Espírito convidou, então, os presentes para uma próxima reunião, em que fará novas experiências, aliás de muita importância, porque, além do mais, tentará isolar completamente a médium, dentro de uma grade, operando e fazendo-se ver do lado de fora, a alguma distância.

*

Esta sessão foi também entremeada de detalhes interessantes. Cantaremos um apenas. Quando João ainda se esforçava por fazer o molde em parafina, o Espírito que falava, pela médium adormecida, disse:

- Um de vós pensa em relação aos outros: Como são tolos! Tudo isto é o produto de forças ainda desconhecidas, que agem...

E depois de uma pausa:

- E' um incrédulo. E a corrente desses pensamentos dificultam ainda mais a tarefa de João...

Indagou, então, o Doutor Virgílio:

- Serei eu?

- Não. O meu irmão é o escudo da médium - respondeu o Espírito.

Quis o Espírito dizer com isto que o testemunho voluntário, franco, valioso do Senhor Doutor Virgílio de Mendonça, que nenhum interesse possui em dizer isto por aquilo, e que vem acompanhando os fenômenos com interesse de homem de ciência, detém, a distância, aqueles que em tudo encontram motivo de zombaria e pouco caso. Havia necessidade de um homem assim, culto, e cujo critério pairasse acima de quaisquer suspeitas, para, só por só, só pelo seu nome, valer mais do que as alusões ferinas e grosseiras de todos os levianos e intolerantes deste mundo.

Tomamos a nós, espontaneamente, a tarefa de ir dizendo aos nossos leitores os sensacionais fenômenos produzidos pelo Espírito de João, cuja missão é altamente humana: derramar em torno de si, robustecida pelo fato, a crença em Deus e na imortalidade da alma.

A própria dificuldade com que João lutou nessa sessão, a imperfeição dos moldes em parafina, que produziu, tudo isso é mais uma prova da veracidade indiscutível dos fenômenos.

Capítulo VI

O “Jornal da Tarde”, de 24 de Dezembro de 1919, que se publicava nesta Capital (Belém do Pará), noticiou o seguinte:

“Acentuam-se cada vez mais, em nitidez e precisão, os fenômenos espíritas, em cujas experiências, norteadas todas pelos habitantes de Além-túmulo, se empenha o Senhor Eurípedes grado.

Note-se bem que não se trata senão de experiências, cujo resultado, é certo, se revela verdadeiramente animador. Mas é preciso, ao lado da constância inteligente, cuidadoso estudo do fenômeno e sereno critério para observá-lo.

Mesma entre nós se podem aplicar as palavras de Alfred Erny, na sua excelente monografia “O Psiquismo Experimental”: “São tão numerosos os fatos e tão sérios os testemunhos, que cedo ou tarde a Ciência terá que se ocupar deles. A nossa educação, as nossas idéias, os nossos preconceitos, tudo nos afasta desses fenômenos que parecem inverossímeis porque são pouco conhecidos.”

Entretanto, desde que nos achamos em face de tais fatos, o nosso respeito pelo mundo, a nossa veneração pela rotina, o nosso apego ao preconceito, não nos devem levar a uma negação sistemática. Lembremo-nos de que as maiores mentalidades da Terra se têm ocupado dos fatos espíritas e, não raro, levadas pelo intuito de surpreendê-los em fraudes e embustes, se renderam à evidência, fazendo sinceras declarações de fé. E' que, como se diz nas “Memórias do Padre Germano”, “os fatos entram no domínio das ciências exatas, sua evidência inegável convence até aqueles que são sistematicamente incrédulos”.

Convém, porém, ponderar que os fenômenos espíritas, como todos os demais fenômenos, estão sujeitos a leis especiais e que eles só gradualmente se desenvolvem-. infringi-las é perturbá-los, impedir que se realizem, podem, pelo menos, prejudicá-los bastante. As experiências de William Crookes, que são as mais célebres do mundo, começaram pela obscuridade mais intensa e terminaram realizando-se em plena luz. Nada aí há de surpreendente.

Gesto imprudente, será, por exemplo, o do espectador que, violando aquelas leis, queira, a título de prova, tocar o corpo do Espírito.

Que lance mão de outras cautelas, de outros recursos para que não seja ludibriado, mas não se utilize de um meio que pode afetar gravemente a saúde do médium. Todos os que têm um conhecimento rudimentar da matéria, e aliás isso é facilmente compreensível, sabem que toda materialização importa numa correspondente desmaterialização de qualquer parte do corpo do médium, além dos fluidos exauridos dos assistentes.

De sorte que apertar, premir o corpo que se materializa é causar sofrimentos ao médium e até mesmo deformá-lo, porque o seu perispírito, na parte desmaterializada, cujos fluidos se encontram em relação com o Espírito que se materializa, sofrerá, naturalmente, dolorosa impressão.

Observar como o Senhor Doutor Virgílio Mendonça o vem fazendo: com excelente prudência e reserva, utilizando-se de vários recursos de prova, inteligentemente feitos, sem, porém, contrariar uma sequer das recomendações do Espírito.

Médico, particularmente apaixonado pelos estudos hipnóticos, sobre os quais versou a sua bela tese, S. Ex. vem acompanhando tais fenômenos com a imparcialidade, o sangue frio, a discrição do homem de Ciência. E ainda bem que assim é, porque, sendo quem é, o Doutor Virgílio Mendonça, ninguém terá o direito de, por muito que seja homem de má fé, pôr em dúvida a sinceridade de S. Ex., que interesse algum tem em semelhantes casos, a não ser o da Ciência.

E àqueles que desejem tocar a forma materializada, lembramos a palavra do Cristo quando se fez visível a Maria Madalena - Não me toques. Era que há esse tempo à condição especial do fenômeno não permitia oferecer-se às rudes provas da curiosa incredulidade de seus próprios discípulos, como veio a suceder tempos depois, quando mandou que São Tomé lhe tocasse as feridas. O Espírito de Katie King que iniciou a sua materialização em plena obscuridade e sem ser tocada pelos assistentes, terminou conversando com eles, sendo pesada e até dando a examinar as suas pulsações e o ritmo do seu próprio coração! Assim se dará com o Espírito de João. A pouco e pouco, suas experiências se acentuarão, o desenvolvimento da médium irá sendo maior, até que venha a surgir-nos em plena luz, para confusão daqueles que tão teimosamente querem negar a existência de fenômenos e fatos já constatados pela Ciência.

Feito esse intróito que julgamos necessário, passemos à narração fiel, fidelíssima dos fatos.

Às 8 horas, presentes várias senhoras e cavalheiros, entre os quais os Drs. Arquimimo Lima, Pena e Costa, Virgílio Mendonça, Barbosa Rodrigues, Pedro Batista e Nogueira de Faria, tiveram começo os trabalhos, cuja primeira parte constou de fenômenos já conhecidos dos nossos leitores. O Espírito efetuou o transporte, da varanda para o aposento em que se faziam as experiências, de duas flores, entregando-as, uma ao Senhor Doutor Arquimimo Lima, outra, ao professor Sílvio Nascimento. Depois, com as mãos perfeitamente materializadas, apertou a mão de vários assistentes, tendo retirado e restituído os lenços do Doutor Pena e Costa e senhora.

Ansiávamos pela experiência da materialização à meia luz, e tínhamos razão nessa ansiedade, pela estréia da grade dentro da qual devia ficar a médium. Desde logo afirmamos o êxito absoluto da experiência.

Forrado de pano preto, como poderia ser de qualquer outra cor escura, um dos ângulos do aposento, a médium foi adormecida e, depois de ficar em “transe”, colocada dentro da grade. Isolada da assistência, foi passado outro pano de uma parede a outra, improvisando-se assim um gabinete semelhante aos descritos por William Crookes em suas experiências com o Espírito de Katie King. Feito isso, o Espírito convidou vários assistentes a examinarem a médium, no gabinete que à vista de todos fora improvisado.

Aquela dormia profundamente, sentada em uma cadeira, dentro da grade, sendo esta quase da altura de um homem.

Ficou o aposento à meia luz de uma lâmpada verde, suficientemente claro, portanto. Dentro de um quarto de hora, talvez, viu-se pequeno núcleo fluídico luminoso que oscilava no reposteiro, na abertura central. Dentro em pouco esse núcleo tomou a forma esguia de um braço, acenando-nos levemente e desapareceu. Passados alguns segundos mais, vimos, surpresos, comovidos uns, inteiramente serenos outros, aparecer à esquerda o Espírito nítido e perfeitamente materializado, enquanto que se apresentava à abertura central uma faixa branca, da largura talvez de meio palmo - fronteira à grade em que permanecia encerrada a médium - como que velando por esta.

Uma, duas, três, quatro vezes e mais o Espírito se fez ver assim, nítido, perfeito, ora aparecendo na abertura da esquerda, ora na abertura central.

Simplesmente estupendo! Tinha gestos, já abrindo os braços, apontando para cima, como quem indica o céu, já tendo atitudes amigas para os assistentes.

Ajoelhou-se várias vezes, mas, subitamente, provocou uma cena verdadeiramente tocante: ajoelhou-se, convidou num gesto os assistentes para que o fizessem também, elevando as mãos postas em ação de graças! Alguns dos assistentes, especialmente as senhoras, tiveram lágrimas de comoção.

Ficou assim por alguns segundos, levantando-se depois, em um gesto de agradecimento, voltando ao gabinete improvisado. Pensamos estar finda a sessão. De repente vimos que ele elevava acima da linha daquele gabinete, rumo do teto, todo o busto! Logo depois, fez-se ver ainda uma vez e desapareceu dizendo adeus.”

*

“Eis aí os fatos subitamente narrados.

Aqueles que têm acompanhado a notícia destas experiências devem ter notado que os fenômenos aumentam gradualmente de intensidade e precisão. Abrigamos a esperança de, se não houver uma causa qualquer que venha perturbá-los, seguirem a mesma marcha das experiências de William Crookes, e terminarem pela aparição do Espírito em plena luz, que, certo, deixar-se-á fotografar. Esperemos.

E' preciso notar que essas experiências fatigam extraordinariamente a médium e a exaurem quase, pois que, como notam os cientistas neo-espiritualistas, em cada experiência se esgota sua força vital, fornecida para a formação fluídica materializada, criada com o corpo psíquico da médium e elementos materiais tomados aos assistentes.

Os incrédulos de todos os gêneros, diz Alfred Erny, podem sorrir ou encolher os ombros; isso não impedirá que os fatos existam. Nada mais brutal do que um fato, observa Broussais.

No dia 24 de Junho, comemorando o aniversário do início das experiências de João, o Senhor Eurípedes Prado resolveu efetuar uma sessão. Perante numerosa assistência, avaliada em 80 pessoas, verificaram-se vários fenômenos com absoluta nitidez. (Gravura 7.)

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Gravura 7

Aspectos da assistência á sessão comemorativa da primeira manifestação de João, realizada na residência do Senhor Eurípedes. Uma flor trabalhada em parafina, durante a sessão pelo Espírito de Anita.

Precisamente às 9 horas e quinze minutos, após terem sido tiradas, pelo maestro Bosio, duas chapas fotográficas dos assistentes, preparado convenientemente o gabinete da médium e colocada esta na respectiva grade, anteriormente descrita, a qual foi fechada, apareceu o Espírito de Anita, que confeccionou uma bela flor de parafina, cuja fotografia publicamos, mostrando-a em seguida aos circunstantes.

Depois, retirando-se este Espírito, veio um outro que, pela feição do traje, parecia ser um marinheiro.

Caso notável: dias antes, o Espírito diretor dos trabalhos houvera pedido que tocassem uma canção militar, não se efetivando o desejo do visitante de além-túmulo a conselho de um cavalheiro. Tal fato, assim, vem justificar, pela veste à maruja, o motivo da solicitação. Este habitante do Espaço arredou uma mesa, tirou de sobre a mesma dois baldes destinados aos trabalhos de parafina e colocou uma cesta de flores na maçaneta de uma das portas.

O terceiro Espírito a manifestar-se foi o de João, que distribuiu pelos assistentes muitas flores, percorrendo o local da reunião, próximo às pessoas. Todos os fantasmas, ao se retirarem do recinto, despediram-se dos presentes, acenando com os lenços.

Entre os assistentes contavam-se os Srs. Desembargador Santos Estanislau, Drs. Nogueira de Faria, Melo César, Pena e Costa, Abel da Costa, Oséas Antunes, Bacelar Júnior, Pio Ramos e Manços Vilaça, Coronel Assunção Santiago, J. J. Teixeira Marques, Manoel Barbosa Rodrigues, Antônio Luculo de Souza e Silva, Carlos Barros de Sousa, Farmacêuticos Pedro Batista e Manoel Coimbra, Professor Sílvio Nascimento, Anélio Costa, Joaquim Fernandes Antunes, Maestro Ettore Bosio, José Cruz e muitos outros, além de várias senhoras e senhoritas.”

(Da Folha do Norte, de 26-6-1920.)

Capítulo VII

Jornal da Tarde, 4 de Maio de 1920

E do mesmo órgão, em seu número de 4 de Maio de 1920, a seguinte notícia:

“Não nos enganávamos quando, há tempos noticiando uma das mais interessantes sessões realizadas em casa do nosso estimável amigo Eurípedes Prado, opinávamos que, em breve, assistíamos a fenômenos extraordinários, inspirando o mais justo dos assombros. Por ora, nos limitamos a narrar, sem comentários, os fatos desenrolados na sessão a que estiveram presentes conceituados homens de ciência, observadores insuspeitos, animados do mais puro desinteresse - excetuando-se aquele, elevado e nobre, decorrente do caráter científico de que se podem revestir tais fenômenos.

Às 8 horas da noite, em 10 de Abril do corrente ano, preparado o gabinete onde operam os Espíritos, isto é, uma armação de madeira, toda forrada de lona preta, inclusive o teto, ou parte superior; foi nele colocada uma grade, dentro da qual fica a médium isolada.

Na colocação das lonas do gabinete, foi o Senhor Eurípedes Prado auxiliado pelo Doutor Nogueira de Faria, sendo tal serviço feito á vista de todos. Dentro desse gabinete, que foi examinado pelos Srs. Drs. Jaime Aben Athar e Pinheiro Sozinho, foi colocada uma grade, alta bastante para conter uma pessoa sentada. Ao examiná-la, o Senhor Doutor Pinheiro Sozinho declarou que já a conhecia, pois que, indo certa vez a uma marcenaria encomendar um trabalho qualquer, a encontrara em confecção. Revistada, ainda assim, a grade, foi à mesma introduzida no gabinete e, dentro dela, numa cadeira, asséntou-se a médium. A pequena porta foi trancada a cadeado, as chaves entregues àqueles dois médicos, que, a pedido do Senhor Eurípedes, ainda a amarraram e lacraram.

Estavam presentes: Drs. Virgílio Mendonça, diretor da Higiene Escolar e senador do Estado; Jaime Aben Athar, diretor do Instituto Pasteur; Pinheiro Sozinho, lente da Escola de Agronomia; João Alfredo de Mendonça, jornalista, secretário da “Folha do Norte”, e esposa; Doutor Amazonas de Figueiredo, diretor do Ginásio Pais de Carvalho e lente da Faculdade de Direito, Manoel Barbosa Rodrigues, comerciante e acadêmico de Medicina, Pedro Bastos, corretor, e esposa, Doutor Nogueira de Faria, 1º prefeito da Capital, e algumas pessoas da família Eurípedes Prado.

Assentados em frente ao gabinete, os espectadores ficaram, afastados deste dois metros, se tanto. Apagou-se a luz, ficando, porém, o aposento, que nenhum outro móvel possuía, meio iluminado pela claridade vinda da saleta, através dos vidros dos portais - claridade bastante para que os espectadores se distinguissem e reconhecessem. Estes foram colocados de modo a ver o que se:a passar no gabinete, cujas cortinas da frente estavam suspensas. Bem no centro do gabinete, a, grade fechada e lacrada, dentro da qual se achava a médium.

Em breve, no interior da grade e na altura da cabeça da médium, se fez uma espécie de pequena névoa, nívea e levemente luminosa. Em seguida, ao lado começou a formação de um vulto, senda o primeiro a distinguir o fenômeno, o Senhor João Alfredo de Mendonça, que chamou para o fato a atenção do Doutor Nogueira de Faria, sentado junto a si. Ficou por alguns instantes, entretanto, apenas uma espécie de larga faixa branca, em toda a altura da grade. Fora desta começou a aparecer um outro vulto, sendo ainda a vista penetrante do Senhor João Alfredo de Mendonça, a primeira a distingui-la. Nesse instante o Espírito, por meio de baques na grade, pediu música. A esse tempo, este último vulto elevou-se em toda a altura do gabinete, tomando nitidamente forma humana, uma jovem, tipo caboclo, blusa e cinto de cor, saia, meia e sapatos brancos, sendo que seus passos não faziam ruído. Por várias vezes andou em frente ao gabinete. Aproximou-se das extremidades do círculo dos assistentes, apertando a mão do Senhor Eurípedes Prado e Senhora Pedro Bastos. De quando em quando, espalhava os longos cabelos sobre os ombros.

Era de estatura regular, quase alta para uma senhora, de compleição mais forte que a médium.

Meia hora, talvez, demorou à nossa vista, ora andando, ora apoiando-se à entrada da armação, colocando outra mão à cintura. Convém notar: enquanto a jovem habitante do Além se mostrava perfeitamente materializada, dentro da grade permanecia junto da médium o vulto branco e, à altura da cabeça deste, o floco níveo a que aludimos. Antes de desaparecer, o Espírito ajoelhou-se, orando e erguendo as mãos para o alto, como quem aponta o céu.

Desaparecida que foi a moça, começaram os assistentes a distinguir nova materialização. Daí a instantes saía do gabinete, sempre aberto à vista observadora daqueles, o Espírito de João. Vestia calças e paletó, um pano branco envolvendo o cabelo e amarrado sob o queixo, pés vestidos de uma espécie de meias brancas. Depois de ir e vir ao longo do intervalo entre o gabinete e os assistentes, apertou as mãos dos Srs. Manoel Barbosa Rodrigues, Nogueira de Faria, Eurípedes Prado, tocando ligeiramente nas do Senhor Amazonas de Figueiredo. Pedindo-lhe a Doutor Jaime Aben Athar que apertasse as suas, respondeu com um gesto que não.

Nesse momento, este facultativo observou: “Ele está de calças.” O Espírito, como que para confirmar o que o Doutor Jaime Aben Athar observara, apanhou uma cadeira que se achava próxima à Senhora Pedro Bastos, colocou o pé direito sobre a mesma, e, pousando o cotovelo sobre o joelho e o queixo sobre a mão assim apoiada, disse em voz algo abafada algumas palavras ouvidas por todos, mas nem por todos percebidas.

Também se dirigiu à esposa do Senhor João Alfredo de Mendonça, sendo que, da frase endereçada a essa senhora, seu esposo e o Senhor Nogueira de Faria distinguiram bem a palavra “marido”. Pedindo-lhe o Doutor Virgílio Mendonça que fizesse voltar o Espírito da moça, João respondeu-lhe com uma frase que a alguns assistentes pareceu ser: “Tenho (ou tenha) pena da médium.” Note-se bem: as palavras eram, ouvidas por todos, embora nem por todos claramente compreendidas. Além disso, João apanhou a pequena mas pesada mesa, por meio da qual antes do trabalho se comunica com os assistentes e, por vezes, levantou-a no ar, passando-a da uma para outra mão rapidamente, como quem faz exercício de ginástica.

A certa altura do fenômeno, arriou, por suas próprias mãos, as cortinas da frente, mandando fazer maior claridade nas lâmpadas da saleta. Foi, então, ainda melhor visto e observado.

Antes de terminar os trabalhos, João suspendeu novamente as cortinas da frente, imprensando-as nas próprias grades do compartimento lacrado em que estava a médium. Disse, então, adeus, sacudindo repetidas vezes uma espécie de lenço, seguindo-se o despertar da médium, pelo próprio espírito materializado. Feita a luz no aposento, os olhares dos Drs. Jaime Aben Athar e Pinheiro Sozinho procuraram os cadeados lacrados. Estavam inteiramente intactos. Perguntado sobre a impressão que lhe deixara o fenômeno, o Doutor Jaime Aben Athar disse:

- Quais sejam as causas, não sei. Os fenômenos aí estão por mim mesmo constatados e observados.

Desta sessão lavrou-se uma ata, a primeira desde o início do fenômeno. Eurípedes Prado, escrupuloso e tímido, não se atrevia a fazê-las.

- Pode parecer - explicava-nos - uma coação que exerço sobre os que aqui vêm. E' possível que tomem a assinatura como uma retribuição.

O Senhor Pedro Bastos e outros, demonstrando a improcedência dos temores de Eurípedes, insistiram por essa necessidade. Afinal, lavrada a ata, assinaram-na espontaneamente todos os assistentes. Foram eles: João Alfredo de Mendonça, jornalista; Doutor Jaime Aben Athar, médico; Doutor Pais de Carvalho; Doutor Virgílio Mendonça, médico; Doutor Pinheiro Sozinho, médico; Manoel Barbosa Rodrigues, comerciante; Pedro Bastos, corretor, e Nogueira de Faria.”

Capítulo VIII

A SEGUNDA ATA

Cada vez mais interessantes, as experiências continuavam atraindo a casa da família Prado numerosas pessoas. Por isso, somente de tempo a tempo cabia-nos a felicidade de vê-los, e somente temos descrito e narrado aquilo que vimos.

Eis a ata da sessão efetuada a 17 de Abril de 1920:

“Às 8 horas estavam presentes ao todo uns trinta assistentes, inclusive pessoas da família Prado. Não tínhamos tido ainda reunião com tão numerosa assistência, o que julgávamos arriscado para o êxito dos trabalhos anunciados pelo Espírito materializações, trabalhos em parafina, etc. Como se verá, o nosso receio era infundado. Preparado o gabinete, à vista e com o exame de vários dos assistentes, dentro dele foi colocada à grade onde fica a médium, inteiramente isolada, sendo essa grade, como das demais vezes, fechada a cadeado e lacrada. Junto ao gabinete uma pequena mesa e, sobre esta, o seguinte uma caixinha de madeira, de palmo e meio de altura, com gesso; um balde com parafina e outro com água fria; um jarro, uma faca e algumas flores.

Apagada a luz, ficou o aposento fraca mas suficientemente iluminado pelo reflexo das lâmpadas elétricas da saleta. Feita assim a meia escuridade, necessária à produção do fenômeno, começou em pouco, dentro da grade, a formação fluídica. Uma pequena nuvem branca oscilava, aumentando e diminuindo, até que se constituiu larga faixa branca, permanecendo dentro da grade até ao fim dos trabalhos. Alguns minutos mais e se distinguiu a formação de outro vulto que a pouco e pouco tomou as formas distintas e perfeitas de uma jovem. Era Anita, que assim se diz chamar o Espírito feminino que vem trabalhando com João. Como que depois de uma leve hesitação, deixou o “gabinete”, dirigindo-se ao Senhor Eurípedes Prado, a quem tomou a mão direita, levando-a aos lábios.

Encaminhou-se para uma das pessoas assistentes, saudando-a afetuosamente. Todos a viram: trajava de branco, saia e blusa, tendo os cabelos longos e lisos, apertados por uma fita, também daquela cor. Estava perfeita. Depois de passar e repassar ao comprido da fila de assistentes, dirigiu-se à banca onde se encontravam os utensílios mencionados antes e começou a trabalhar em parafina. Via-se que mergulhava a mão direita no balde de parafina a ferver, e logo depois no outro, de água fria, para arrefecê-la e dar-lhe consistência.

De quando em quando, mostrava o punho, tendo a mão já envolta em camadas daquela matéria. Antes de retirar o molde, estendeu o braço coberto de cera até o punho, feito o que, deixando cair o molde no balde de água fria, o levou depois para o Senhor Eurípedes Prado. Esse molde tem o feitio de uma delicada mão, pequenina e gorda. Fabricou ainda flores de cera, deixando-as dentro de um dos baldes.

Em seguida percorreu por duas vezes o aposento, no intervalo, aliás, pouco espaçoso, entre a assistência e o gabinete, depois do que se ajoelhou entoando, como em ação de graças, um cântico religioso. Este cântico comoveu até às lágrimas algumas senhoras. Levantou-se mal dizia as últimas palavras e, penetrando no gabinete, desapareceu.

Convém notar o seguinte: de momento a momento, e principalmente quando trabalhava na parafina, Anita se dirigia a outro Espírito que permanecia dentro da grade, ao lado da médium, como que para consultá-lo.

Desfeito o vulto de Anita, rapidamente até, surgiu-nos, passados alguns instantes, o Espírito de João. Trajava túnica branca, apertada à cintura, e capuz branco.

Mais familiarizado com a assistência, saúda-a com desembaraço. Tomou das flores naturais, atirando-as para os assistentes. Sacudiu ainda algumas gotas de água fria para os mais íntimos, começando a trabalhar. Primeiro, vergou-se sobre a mesa, como quem examina tudo; arregaçou as mangas, arriou o balde com parafina já esfriada e pesando seguramente uns quatro quilos, deixando cair uma pequena tábua, com grande ruído. Tomou da faca e bateu-a fortemente sobre a mesa.

Alguém, que estava mais distante, disse: “é a faca” - e logo ele, encaminhando-se para o lado esquerdo do círculo, de onde viera à observação, bateu de novo fortemente em uma outra mesa, destinada a manifestações tiptológicas, isso, talvez, com o intuito de confirmar aquela observação, e voltou a trabalhar.

Em sessão intima, João prometeu ao Senhor Eurípedes Prado tentar produzir um molde de gesso, embora manifestasse, desde logo, dúvidas sobre o êxito da experiência. Ia, agora, fazer a tentativa. Arriou o outro balde, deixando apenas sobre a banca a pequena caixa de madeira com o gesso e o jarro com água fria.

Depois de algum trabalho, durante o qual se utilizou do jarro, encaminhou-se para o Senhor Eurípedes Prado, levando-lhe um pedaço de gesso, umedecido e informe. A experiência não dera resultado. Nem pelo malogro da tentativa, João abandonou o desembaraço e graça com que caracterizou essa reunião.

Ofereceu a duas das senhoras presentes as flores em parafina, trabalhadas por Anita, e bateu palmas. Estava, assim, finda a primeira parte dos trabalhos.

Seguïu-se, então, entre o Espírito e os assistentes que se encontravam na primeira fila a troca de algumas frases, perfeitamente distintas. Prometeu deixar-se fotografar, tomando as posições em que o faria. Ao anunciar isto, levantou os braços e exclamou puff! para indicar a explosão do magnésio. Alguém, então, se ofereceu para lhe trazer aquele explosivo, ao que ele retorquiu nitidamente:.

- “Não quero, eu tenho magnésio.” (10)

(10) - Como se sabe, pouco tempo depois, as experiências fotográficas, à luz do magnésio, deram excelente resultado, acompanhadas do mais rigoroso controle.

Nesse instante a médium tossiu insistentemente. Logo, solícito, o Espírito deixou a assistência, correndo para o gabinete. Daí a instantes voltava, exclamando de modo distinto:

- “Não há novidade!”

Várias outras palavras e frases foram pronunciadas por João, sendo que, com uma senhora da família Eurípedes, entreteve verdadeiro diálogo, aliás; ouvido pelos que estavam próximos da referida senhora. Apertou a mão a diversas pessoas e, depois de se ajoelhar e orar, retirou-se para o gabinete, a fim de despertar a médium, o que fez, como de costume. Já quase a extinguir-se, o Espírito acenou, dizendo adeus.

O que sobretudo impressionou a assistência foi à solicitude que demonstrou pela saúde da médium - fato que, aliás, se observa sempre. De quando em quando, abandonava o trabalho, indo ao gabinete, em cujo interior, dentro da grade fechada e lacrada, aquela permanecia.

Antes de encerrar os trabalhos, João tirou o capuz, vendo-se-lhe a cabeça com os cabelos rentes”

Belém, 17 de Abril de 1920.”

Entre outras pessoas, assinaram esta ata os Srs. Fileto Bezerra, Ernesto B. de Castro, Alberto Viana. Manoel Barbosa Rodrigues, João Gil Júnior, Eliezer Leon, Manoel Pereira, Pedro Batista, Doutor Abel Costa, Nogueira de Faria, etc.

Capítulo IX

SESSÃO REALIZADA EM 24 DE ABRIL DE 1920

Observamos o seguinte:

Oito horas da noite, no mesmo prédio à rua Padre Prudêncio n.º 184. O “gabinete” e a grade, em cujo interior a médium já se colocara, foram preparados à vista de todos. Fechou e lacrou a grade o Senhor Eustáquio de Azevedo, conhecido homem de letras, autor de vários livros, tendo ao lado o Doutor Ferreira de Lemos, conceituado oculista paraense.

Ambos, desde o começo dos preparativos do gabinete e da grade, prestavam grande atenção. Diante daquele foram colocados, no soalho, dois baldes, um de parafina derretida, outro de água fria.

Apagada a luz e habituada a vista à meia escuridade em que fica o aposento, iluminado apenas pela luz das lâmpadas da sala e da saleta, coada através dos vidros das “bandeiras”, começou a sessão com a presença dos Srs. Drs. Ferreira de Lemos e Pontes de Carvalho, médicos; Doutor Carlos Nascimento, lente do Ginásio Pais de Carvalho; Eustáquio de Azevedo, inspirado escritor paraense; Manoel Pereira, comerciante; João Rocha Fernandes, comerciante; várias senhoras, e diversas pessoas da família Eurípedes Prado.

Indagado pela pequena mesa, destinada às manifestações tiptológicas, se tudo estava bem, o Espírito respondeu afirmativamente, pedindo colocassem uma tesoura junto ao balde de parafina. Feito isso, dentro em breve, embora um pouco mais demoradamente, começou a formação fluídica, a princípio, como sempre, no interior da grade, depois, ao lado desta, lentamente se formou um vulto branco, que tomou o aspecto e feições de uma jovem. Era “Anita”, com os seus longos cabelos soltos, vestido branco, meias brancas, sem sapatos. Dirigiu-se ao Senhor Eurípedes, que estava atrás das filas dos assistentes, apontando-lhe uma cadeira, a da extremidade esquerda, gesto que foi atendido por aquele senhor.

Em seguida, depois de se deixar ver pelos assistentes todos, dirigiu-se para os baldes, como que se ajoelhando para poder trabalhar melhor. Viu-se que procurava no soalho alguma coisa. Levantou-se e disse para o Senhor Eurípedes, de modo a ser ouvida pelos que estavam próximo deste, a palavra tesoura. “Está junto ao balde” - respondeu-lhe o Senhor Eurípedes. Mas procurando a tesoura solicitada, sobre a mesa, e encontrou-a, entregando-a, então, ao Espírito que veio recebê-la, volvendo à confecção dos trabalhos em parafina.

Feita a primeira flor, dirigiu-se para o interior do gabinete, depois do que se voltou para os assistentes da extremidade esquerda, na qual se encontravam entre outros os Srs. Eustáquio de Azevedo, Doutor Carlos Nascimento e Nogueira de Faria, perguntando em voz fina e débil: quem é Correia? Isto por três vezes, de modo claro. Como que recebera, quando fora ao interior do gabinete, uma indicação para entregar a flor a um dos assistentes de nome Correia. Tratava-se de um assíduo freqüentador das sessões que estivera ausente durante dois meses.

Anita fez ainda uma flor, oferecendo-a a uma senhora que pela primeira vez vinha aos trabalhos. Ouvia-se o ruído da tesoura, quando por ela utilizada. Sentou-se, estendendo um dos pés, de modo a ser distintamente visto, sendo que os assistentes que se encontravam à esquerda distinguiam melhor os fenômenos. Depois, ajoelhou-se em atitude de quem ora e, recolhendo-se ao gabinete, desapareceu à vista de todos.

Daí a momentos apareceu-nos “João”. Vestia calças, colete e paletó. Porque não distinguisse bem o colete, o Doutor Carlos Nascimento pediu ao Espírito que lho mostrasse. “João”, abrindo o paletó, deixou ver perfeitamente o colete, de certa cor cinzenta; isto é, viram-no perfeitamente os Srs. Nogueira de Faria, Carlos Nascimento e Eurípedes Prado.

Havia como que um certo retraimento por parte de “João”, de ordinário expansivo. Apertou a mão apenas aos Srs. Eurípedes Prado e João Correia. Levantou a mesa por diversas vezes. Chamou uma das filhas do Senhor Eurípedes e, tomando-lhe a mão direita, fê-la pousar o cotovelo sobre a mesa das comunicações, como quem se empenha em uma luta de braço. Arregaçou a calça do lado direito, deixando ver uma espécie de roupa branca, como quem trouxesse ceroulas. Durante alguns instantes esteve sentado numa cadeira junto ao “gabinete". Deu ainda algumas voltas, pelo aposento, recolhendo-se àquele para acordar a médium. Antes de terminar os trabalhos, ajoelhou-se como quem reza. Depois despertou a médium, ouvindo-se bem o ruído de suas mãos na face desta; ao desaparecer de vez, disse adeus com uma espécie de lenço, muito alvo.

Os trabalhos terminaram às 10 horas e 10 minutos da noite.

Capítulo X

SESSÃO REALIZADA EM 30 DE ABRIL DE 1920

Registei o seguinte:

Presentes os Srs. Drs. Porto de Oliveira, Jaime Aben-Athar, Virgílio Mendonça, médicos; Apolinário Moreira, então deputado estadual; Ettore Bosio, maestro; Eusébio Cardoso, conhecido solicitador; Eustáquio de Azevedo, poeta e jornalista; João Fernandes, comerciante; Manoel Pereira, comerciante; várias senhoras, além de diversas pessoas da família Eurípedes Prado; o “gabinete” foi armado à vista dos assistentes pelo Senhor Manoel Pereira e examinado pelos Srs. Drs. Jaime Aben-Athar e Porto de Oliveira, ambos médicos, sendo que este último assistia pela primeira vez às sessões, e por isso mesmo se mostrava interessado em conhecer os antecedentes dos fenômenos.

Vinda que foi a médium, antes de entrar para a grade, o Senhor Eurípedes Prado interrogou o Espírito, por meio da mesa destinada a manifestações tiptológicas, se, tudo estava bem, sendo-lhe pedido para colocar uma pequena banca em frente ao gabinete e sobre esta os baldes de parafina, água fria, etc. Em seguida a médium se colocou dentro da grade, a qual foi cuidadosamente lacrada pelo Senhor Doutor Porto de Oliveira. Apagou-se a luz, ficando, como das outras vezes, o aposento meio iluminado pela claridade das lâmpadas da saleta. Minutos depois o Espírito recomendava que as cortinas da frente e do lado esquerdo, que estavam suspensas, deviam ser dispostas de modo a serem baixadas sem dificuldade, se fosse preciso. Há várias sessões vinha aparecendo em primeiro o Espírito de “Anita”, vestindo sempre de branco e a cuja formação fluídica - ou melhor, a cuja materialização - os espectadores assistiam perfeitamente. Desta vez o fenômeno como que demorava. Dentro da grade distinguia-se apenas a gola branca do vestido da médium, mais acentuada por um lenço também branco passado em laço ao pescoço. Esta gola e o lenço facilitavam o reconhecimento dos núcleos fluídicos, porque, enquanto estes oscilam de cima para baixo, da direita para a esquerda, diminuindo e aumentando, aqueles permanecem fixos, divisados perfeitamente. Desta vez o núcleo fluídico branco demorava a constituir-se, pelo menos mais do que das outras vezes. Apenas como que leves pedaços de gazes brancas, esgarçados, orara vistos. Num dado momento, ouvia-se o ruído das cortinas de frente, que eram arriadas, isto é, uma apenas, a da direita.

Súbito, aparece-nos “João”: trajando de preto, a cabeça envolta em um capuz. Trazia nos braços um vulto branco, na posição de quem acalenta uma criança. Ajoelha-se, como de costume. Todos vêem o pequenino vulto branco, sem contudo distinguir-lhe nitidamente as formas. Seria uma boneca? Seria uma criança?

Ao começo ninguém atina com o intuito do Espírito trazendo consigo, nos braços, o pequenino visito. Entretanto, ele se aproxima dos baldes de parafina e começa a trabalhar. Distingue-se bem ele passar o “braço” da “criança” de um para outro balde, isto e, da parafina quente, para o balde de água fria em frente do maestro Ettore Bosio, próximo também do Senhor Doutor Virgílio Mendonça. Mostra-lhes a pequenina mão de cera, deixando-a cair no balde de água fria. Dá ainda alguns passos. recolhendo-se ao “gabinete”, onde faz desaparecer o vultozinho branco. Verificou-se, pois, o intuito: fabricar um molde de cera, de pequeno tamanho. Que melhor prova?

Ao voltar, anuncia ao Senhor Eurípedes Prado a vinda de um Espírito mais elevado do que ele, “João”. Percebe-se-lhe bem a voz, mas apenas os que lhe estão próximos distinguem as palavras. Ajoelha-se, em seguida, e, após ligeira oração, recolhe-se ao “gabinete” e desaparece.

As cortinas do lado esquerdo são arriadas e; sem larga demora, aparece, desse lado, trajando túnica branca, um Espírito mais alto do que “João” e mais alto que a médium. Ergue a mão direita para o teto, como quem indica o céu, e ajoelha-se em atitude de prece. Mostra-se a todos os presentes, abrindo os braços em cruz. Demora pouco, retirando-se, mas não sem se ajoelhar como fizera ao aparecer.

Há instantes de demora. Espera-se ainda a produção de outros fenômenos; mas “João” dá o sinal de findos os trabalhos. Feita a luz, os Drs. Porto de Oliveira e Jaime Aben-Athar examinaram os lacres. Estavam perfeitos.

*

Como das outras vezes, e desta mesmo, antes de aparecer materializado, o Espírito pediu música.

E' ele quem, através de pancadas na madeira ou no arame da grade, dirige os trabalhos, fazendo observações e recomendações. Antes de começá-los comunica-se com a assistência por uma pequenina mesa (manifestações tiptológicas). Nesta sessão, como não tivessem amarrado o cadeado, este, sacudido por qualquer movimento da médium, produzia ruídos semelhantes aos das pancadas das comunicações. Assim, durante a sessão, por duas vezes, o Senhor Eurípedes, equivocando-se, na persuasão de que as pancadas do cadeado eram dadas pelo Espírito, comunicando-se, interrogou-o. Da segunda vez, disse o Espírito pela médium adormecida: “E bom amarrarem o cadeado para evitar estas confusões.”

Os trabalhos foram encerrados a 1 e meia hora da noite. Os lacres e os nós, examinados pelos assistentes, estavam perfeitos.

Como, a possibilidade de truque?

*

Algum tempo depois, a 28 de Julho de 1920, o Doutor Porto de Oliveira publicou na “Folha do Norte” um artigo sobre esses fatos, intitulado: “O que vimos; o que pensamos”. Desse artigo transcrevemos a primeira parte, em que sé confirma o que acima fica descrito. As insignificantes diferenças entre as duas narrativas se explicam naturalmente, pelo intervalo de tempo decorrido.

“O ruído que se vinha fazendo em torno de pretensos fenômenos espíritas, realizados na residência do Senhor Eurípedes Prado, aguçou-nos, como a muita gente, a curiosidade, determinando-nos a pedir, por intermédio de algumas pessoas amigas, a nosso acesso a uma das sessões. Após demorada espera de quinze a vinte dias, recebemos um convite que nos foi notificado pelo prezado colega J. Aben-Athar.

Residia ainda o Senhor Prado à rua Padre Prudêncio e ali comparecendo, vai já para dois meses, fomos gentilmente acolhida pelo dono da casa, pródigo em gentilezas. Antes de iniciados os trabalhos, discretamente fizemos um rápido exame do local, nada encontrando que nos prendesse a atenção. A hora precisa, evocado pelo processo da mesa redonda o Espírito, foi o mesmo consultado sobre se poderia realizar a sessão, o que foi respondido afirmativamente.

Dispostas as coisas, foi à médium encerrada numa gaiola, constituída por grades e cuja porta foi por nós amarrada e lacrada, a instância de várias pessoas, apesar de nos termos recusado a fazê-lo. Foi feita a obscuridade, aliás, obscuridade de cinema; sentaram-se todos em semicírculo, de frente para a gaiola, colocada num canto da alcova, justamente na intercessão de duas paredes.

Poucos minutos e nuvens esbranquiçadas se desprenderam em torno da médium, se condensaram, tomaram forma. Ouvia-se, então, o ressonar da médium, vestida de “etamine” verde-escura, com gola branca e sapatos também brancos, que nos serviam de pontos de reparo no interior da gaiola. A forma atravessou a grade, encaminhou-se para o meio da assistência, saudou-a, ajoelhou-se e orou, no que foi acompanhada por alguns crentes. Logo após, levantou-se, dirigiu-se para uma mesa, sobre a qual, adrede colocados, estavam dois baldes com parafina e água fria; viu-se então que trazia ao colo uma forma, como de uma criança. Várias vezes mergulhou-lhe o bracinho no balde de parafina fundida; em seguida pegou do outro balde, pô-lo no chão e, sentando-se, diversas vezes mergulhou o braço da criança. Ergueu-se, dirigiu algumas palavras, voltada para o Senhor Eurípedes, dizendo retirar-se e que um Espírito superior em breve a substituiria. Fêz-se a luz; uma mãozinha de criança, modelada em cera, foram encontrada sobrenadando no balde. Até esta altura fizemos sentir ao nosso vizinho, precisamente o Doutor Aben-Athar, estarmos convencidos de ser a médium que nos estava ludibriando de qualquer forma. Não atinávamos, nem nós, nem ele, de que modo.

Nova espera; nova formação; jactos vaporosos, semelhantes aos produzidos pelo escoamento de vapor de uma caldeira; evoluções várias e aparições de novo fantasma. Este, porém, nada tinha., absolutamente nada, da médium, vinha vestido de um leve roupão branco; cabelos soltos, esbelto, alto, com formas perfeitas de mulher, destacando nitidamente o rosado da pele do branco do roupão. Suspendemos o nosso juízo e disto não nos pejamos. O fantasma avançou, saudou, ajoelhou-se e orou, reclinou-se depois sobre um dos ângulos da gaiola, circunvagou demoradamente o olhar pela assistência; despédiu-se, dirigiu-se à médium, despertou-a. Foi novamente feita a luz; a médium retirou-se, amparada, para um dos aposentos interiores da casa. Haviam-se passado duas horas. Despedimo-nos e saímos.

Nada assinamos, nada nos fora pedido. Sequer o nosso orado de pensar fomos abrigados a externar. Estava satisfeita a nossa curiosidade. Não mais lá voltamos.”

Isso, o que foi visto pelo Doutor Porto de Oliveira; o que S. S.ª pensa, o leitor encontrará a página 92, na qual está reproduzido o resto do artigo.

Capítulo XI

PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS FOTOGRÁFICAS

Como era natural e justo, tais fenômenos produziram celeuma, atraindo fortemente a atenção pública, provocando ardentes curiosidades, bem intencionadas umas, mal intencionadas outras. O Senhor Eurípedes Prado, não obstante profundo conhecimento do assunto, receava, entretanto, franquear suas experiências a todos os que o procuravam. Sabia do perigo existente para a saúde e a própria vida de sua esposa, e, por isso, evitava desusada concorrência, máxime quando ele não tinha a intenção de propaganda, como várias vezes o declarou e mais tarde confirmou pela imprensa.

Parecia-lhe, entretanto, que esses fatos eram dignos de estudo e observação. Por mais esquisito que isto possa parecer, devemos confessar que durante muito tempo chegamos até a acreditar que Eurípedes não possuía nem procurava possuir crença alguma. A sua maior preocupação era não parecer um místico. Contudo, não se atrevia a negar que aqueles fenômenos eram de origem além-tumular.

Não raras vezes confessava-se triste pelas deficiências e lacunas encontradas nos mesmos. Tendo bastante leitura tas ciências psíquicas, ele mesmo era exigente. Foi por esse tempo que, após dois meses de “idas e vindas” ao Senhor Eurípedes, o maestro Bosio conseguiu assistir às sessões. Amador fotográfico, o maestro Bosio logo pensou na possibilidade de obter umas fotografias espíritas à luz do magnésio.

De como se fizeram às primeiras experiências de fotografia, dá-nos informações o próprio maestro Ettore Bosio nas linhas seguintes:

“Prezado amigo Doutor Nogueira de Faria.

Cumprimentos.

Em resposta à sua carta solicitando-me informações sobre os trabalhos fotográficos obtidos por mim em diversas manifestações espíritas na casa do Senhor Eurípedes Prado, tenho o prazer de remeter-lhe a seguinte notícia:

FOTOGRAFIA A MAGNÉSIO

Após ter assistido por três vezes, na residência do Senhor Eurípedes Prado, a sessões de fenômenos de materialização, em Março de 1920, lembrei-lhe a possibilidade de fotografar os Espíritos, quando materializados. A minha proposta foi de súbito rejeitada, alegando o Senhor Prado que já tinha feito com o Senhor Pedro Batista experiência idêntica, que dera resultado completamente negativo. Ponderei que este fato não era motivo para desistir do propósito, comprometendo-me a fazer prévios ensaios em minha residência para estudar o assunto e fixar a dosagem de magnésio precisa e parcamente necessária, a fim de evitar excesso de luz, prejudicial à médium e à impressionabilidade justa da chapa. Felizmente minha lembrança foi aceita.

No meu gabinete de estudo fiz aquelas experiências, transformando-o em “atelier” fotográfico. Depois de um mês, fixei exatamente a quantidade do magnésio em 25 centigramas e, não satisfeito ainda com essas experiências, quis fazer outros ensaios na própria sala da materialização em casa do Senhor Prado, tanto, mais que a cubagem desta não era igual à do meu gabinete.

PRIMEIRA EXPERIÊNCIA

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Gravura 8 Gravura 8-A

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Gravura 8-B

Um dia do mês de Abril de 1920, às 16 horas, foquei a máquina em um ponto determinado da varanda da residência do Senhor Prado, onde um de nós devia posar, fazendo “o papel do Espírito”. Coloquei a estante para o magnésio debaixo do balão, suspenso e seguro no teto, destinado a receber a fumaça, evitando assim molestar os assistentes e empanar o ambiente. Tudo pronto, perguntei ao Senhor Prado quem iria posar. “Minha filha Antonina” - respondeu, solícito. Esta, por sua vez, recordou ser mais conveniente a própria médium, para sentir a impressão da luz do magnésio. Aceito este último alvitre, aliás mais razoável, a Senhora Prado (a médium) colocou-se no lugar indicado.

Foram tiradas seguidamente três chapas, apenas com o tempo para a mudança do chassis e da nova dose do explosivo.

Quando tirávamos a terceira chapa, a Senhora Prado, cambaleando, espavorida e trêmula, foi, auxiliada, por seu esposo, sentar-se em uma das cadeiras mais próximas. Disse, então, ter sentido, pouco antes da explosão, pousar suavemente, sobre seu ombro esquerdo, uma espécie de mão, impressão esta que lhe era completamente desconhecida, sendo a primeira vez que, em vigília, experimentava o contacto de um ser invisível.

A dosagem de pólvora para as três chapas foi a seguinte 25, 20 e 15 centigramas, sendo que a última foi insuficiente, produzindo fraca impressão, como se pode verificar pela fotografia junto. (Gravura 8-B.)

Grande surpresa nossa e júbilo imenso! Todas as chapas continham manifestações do fenômeno espírita, observando-se ao lado esquerdo da figura, na terceira, uma pequena mão, minúscula mesmo, sobre o peito, perto do ombro.

Encorajados pelo primeiro sucesso, dois dias depois, à noite, fizemos outros estudos, sendo estes coroados do melhor êxito. Daí em diante, fizemos a prova oficial, conforme está descrita.

Escusado será falar-lhe da nossa alegria, quase infantil, desses primeiros sucessos; longe estávamos de pensar nos dissabores que em breve nos aguardavam.

*

Reparando-se as três primeiras fotografias: a, b, c, nota-se que a Senhora Prado apresenta, na primeira, uma espécie de luva na mão direita; na segunda, uma espécie de bolsa de veludo preto, na mão esquerda; e finalmente, na terceira, a mão, pequenina e aberta, a que se refere o maestro Bosio.

Um quase-nada que valeu tudo para os experimentadores que, aliás, nessa sessão nada esperavam obter.

Na segunda série, vê-se que o fenômeno progride. Primeiramente, a cadeira, que estava inteiramente despida, aparece oculta a ponta esquerda do espelho coberto por um pano: na segunda, há uma larga faixa sobreposta ao vestido da médium e caindo ao lado; na terceira, essa mesma faixa, mais nítida, porque a médium está de pé; e finalmente, na quarta, surgindo do pano preto, preso à parede, uma formosa cabeça de criança ou de boneca, se o quiserem, e uma espécie de toalha branca envolvendo parte da cadeira. (Gravuras 9 e 9-A.)

Certamente que nenhum valor probatório têm estas experiências, feitas, como foram, na mais absoluta intimidade. Serviram apenas para fortalecer os experimentadores, que tinham a convicção segura do fenômeno indubitável passado só entre eles e pessoas da família.

SEGUNDA EXPERIÊNCIA

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Gravura 9

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Gravura 9-A

Apesar de obtidas assim, sem controle porque em absoluta intimidade, não havia outro motivo para ocultar a narração de tais fatos e em breve, embora sem notícia na imprensa, eles eram do domínio público.

Então alguém lembrou a “prova oficial” a que alude o Maestro Bosio. Consultado, o Espírito garantiu a possibilidade da mesma, solicitando apenas o máximo rigor de controle. Parecia que previa a celeuma que essa fotografia iria levantar. Ficou, então, assentada a sessão para o dia 15 de Maio de 1920.

Para ter uma idéia do rigor dessa sessão, basta ler o testemunho insuspeitíssimo dos dois grandes diários matutinos de Belém, acompanhando a publicação dos clichês.

Da “Folha do Norte”, de 20 de Maio de 1920:

FENÔMENOS ESPÍRITAS

Um habitante do Além fotografado nesta Capital

A fotografia, que reproduzimos a seguir, revela um interessantíssimo fenômeno espírita, manifestado na noite de 17 do corrente, na residência do Senhor Eurípedes Prado, guarda-livros da firma Albuquerque & Cia., desta praça, e cavalheiro muito conceituado nesta Capital.

Como há sido noticiado pelos nossos confrades do “Jornal da Tarde”, na residência do Senhor Prado têm ocorrido vários desses fenômenos, a que têm assistido pessoas de alto conceito em nosso meio social, entre as quais diversos médicos, magistrados, jornalistas, advogados, etc.

Atraído por essas manifestações, o maestro Ettore Bosio, que é um excelente amador fotográfico, deliberou apanhar um clichê do Espírito manifestado, tendo para isso realizado mais de uma experiência.

Estudando o processo que poderia garantir melhor êxito aos trabalhos do maestro Bosio, este, para dar um caráter de absoluta autenticidade à prova que ia realizar, convidou os Srs. senador Virgílio de Mendonça, Doutor Antônio Chermont, diretor do “Estado do Pará”, e João Alfredo de Mendonça, secretário da “Folha”, a controlarem com as suas assinaturas as chapas fotográficas que iam servir à interessante experiência.

De fato, na tarde de 17 do corrente, reunidos aqueles cavalheiros no “Centro Fotográfico”, de propriedade do professor José Girard, à rua 13 de Maio, onde foram adquiridas as chapas, aí autenticaram as mesmas com as suas assinaturas, em presença dos fotógrafos José Girard e Armando Mendonça.

Assinadas as chapas e carregado o “chassis”, foi este lacrado e só entregue, à noite, ao maestro Bosio, na residência do Senhor Eurípedes Prado, onde, às 8 horas, além de outras pessoas, estiavam presentes os Srs. senador Virgílio Mendonça, Doutor Nogueira de Faria, 1º prefeito, deputado Apolinário Moreira, Doutor Feliciano Mendonça, farmacêutico Pedro Batista, corretor Pedro Bastos e esposa, João Alfredo de Mendonça, etc.

Feitos os preparativos, o maestro Ettore Bosio, à luz do magnésio, pois o trabalho necessitava ser feito em plena escuridão, apanhou uma chapa fotográfica, a qual, depois de revelada, denunciou a presença de um ser estranho à assistência.

Convém frisar que a chapa foi revelada poucos momentos depois da explosão do magnésio, tendo sido o maestro Bosio auxiliado nesse trabalho por um fotógrafo do “atelier” Girard.

Impressa a fotografia, com geral surpresa para todos e indizível comoção do Senhor Eurípedes Prado, declarou este que o vulto fotografado reproduzia as feições do Senhor Joaquim Prado, pai daquele cavalheiro, há anos falecido (Gravura 10).

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Gravura 10

Na fotografia que reproduzimos e que é cópia fiel do clichê do maestro Bosio, vê-se colado à parede branca e junto à senhora do Senhor Eurípedes, a qual é a médium, uma figura humana, envolvida numa túnica preta, divisando-se-lhe apenas o rosto.

O fato, que encerra uma prova positiva da comunicação dos habitantes do Além, impressionou profundamente quantos a ele assistiram, os quais não regatearam as suas felicitações ao maestro Bosio, pelo esplêndido êxito da sua interessante experiência, que pela primeira vez se realiza em Belém.”

Do “Estado do Pará”, de 20 de Maio de 1920:

O ESPIRITISMO EM BELÉM

Uma fotografia transcendental

Os fenômenos ditos espíritas há uns cinqüenta e tantos anos que entraram de se produzir simultaneamente, pode-se dizer, em todos os pontos do Globo.

Daí os seus prosélitos os tomarem como uma terceira revelação.

Nos Estados Unidos, chamaram a atenção de homens de reconhecida idoneidade moral e responsabilidade científica, como, entre outros, o célebre juiz Edmonds.

Surgiram na Europa e na América nomes de responsabilidade como William Crookes, Alexandre Aksakof, Lombroso e tantos outros não menos ilustres, que se entregaram ao estudo desses fenômenos, obedecendo a rigoroso método de experimentação científica.

São célebres as sessões da Senhora Esperance, nas quais, entre numerosos Espíritos, materializava-se o de Iolanda, que operava também a materialização de vegetais, às vistas surpresas de alguns dos mais conceituados cientistas da culta Europa, entre os quais figura o grande Alexandre Aksakof, que a isso se reporta no seu monumental trabalho - “Animismo e Espiritismo”, vasta polêmica em que, sustentando a tese dos espíritas, refuta, com minúcia extrema e grande poder de lógica, as teorias do notável sábio alemão Hartmann, sobre o assunto.

Aksakof estuda teoricamente o Espiritismo, durante 15 anos, e, praticamente, durante 20, para produzir, após, a obra a que nos referimos.

Não sã menos célebres as sessões procedidas, durante três anos consecutivos, pelo grande cientista inglês Sir William Crookes, que, com o auxílio da médium Florence Cook, estudou os fenômenos de materialização do Espírito de Kate King, uma senhorita indiana que, materializada, conseguiu conviver com a família do ilustre sábio britânico pelo espaço de várias semanas, materializando-se e desmaterializando-se consecutivamente.

De tal forma interessaram tais fenômenos os centros científicos, que hoje, pode-se dizer: a literatura sobre o Espiritismo, na sua maioria firmada por nomes de grande fama mundial, é uma das mais vastas, e são inúmeras as sociedades e centros de estudos científicos que se entregam à acurada observação dos fatos.

Na França, na Inglaterra, na Alemanha, Áustria, Itália, Rússia e América do Norte fundaram-se também as chamadas sociedades de estudos psíquicos, compostas dos nomes mais notáveis nos domínios da ciência experimental, para o estudo desses fatos.

Nesta Capital, o conhecido comerciante Eurípedes Prado iniciou estudos dessa natureza, na casa de sua residência, acompanhado de pessoas idôneas.

Uma vez conseguida; as primeiras manifestações positivas, S.S.ª convidou várias personalidades em destaque, nesta cidade, para assistirem aos seus trabalhos e as quais são unânimes em confirmar a realidade dos fatos observados.

Nessas sessões, segundo sabemos, já foram observados fenômenos de nítida materialização, com emissão de voz, transporte, entre outros menos importantes, o que demonstra o alto grau de transcendentalidade a que já chegaram àqueles fenômenos.

A fotografia que damos à estampa é uma nítida chapa, em que aparecem, à luz do magnésio, a médium em transe e um fantasma de homem, que nos informam ser a reprodução fiel do falecido progenitor do Senhor Eurípedes Prado.”

Capítulo XII

Por esse tempo visitava Belém o Senhor Kouma Horigoutchy, ilustre ministro japonês acreditado junto ao Governo do Brasil, em viagem de estudo ao Norte do País.

Filho da gloriosa pátria de Togo (11), onde a crença na vida de além-túmulo, na pluralidade das existências, dá uma energia admirável ao povo e às qualidades morais que o tornam “primus inter pares” no concerto das nações civilizadas - o Senhor Kouma Horigoutchy desejou naturalmente assistir a uma das sessões da Senhora Prado.

(11) - O Senhor Ludovic Naudeau, num artigo publicado no Journal, de Paris, conta-nos uma tocante cerimônia a que assistiu, no cemitério de Aogama, em Tóquio, após a batalha de Tsushima, na qual falou o Almirante Togo em nome da Nação. Dirigindo-se aos heróis daquele extraordinário feito das armas, pediu que suas almas "protegessem a Marinha japonesa, freqüentassem os navios e reencarnassem nas novas equipagens".

Não tivemos ocasião de falar a S. Ex. e pedir-lhe suas impressões sobre os fenômenos a que assistiu. Entretanto, baseamos a transcrever a ata dessa memorável sessão, ata que traz a assinatura de S. Ex. e do outros homens ilustres; dignos de acatamento por todos os títulos.

Eis a ata:

“ATA DA SESSÃO ESPÍRITA REALIZADA NA RESIDÊNCIA DO SENHOR EURÍPEDES PRADO, EM 14 DE JUNHO DE 1920.

As 8 1/2 horas da noite de 14 de Junho de 1920, no prédio n. 43, em que reside o Senhor Eurípedes Prado, à rua dos Tamoios, presentes os Srs. Kouma Horigoutchy, ministro japonês, junto ao Governo do Brasil e ora em excursão ao norte do País; Doutor Justo Chermont, senador federal, e esposa; Doutor Virgílio Mendonça, senador estadual; Doutor Amazonas de Figueiredo, lente catedrático da Faculdade de Direito do Estado e diretor do Ginásio Pais de Carvalho; desembargador Napoleão de Oliveira, Chefe de Polícia; desembargador Santiago, membro do Tribunal do Estado; maestro Ettore Bosio, Capitão Pedro Borges, ajudante de ordens do Governador do Estado; Apolinário Moreira, deputado estadual; Doutor Pena e Costa, 3° Promotor Público; Teixeira Marques, funcionário da Intendência Municipal; Manoel Pereira, comerciante; corretor Pedro Bastos, e esposa; Doutor Nogueira de Faria, 1ª Prefeito da Capital; Senhor Eurípedes Prado e pessoas de sua família, começaram os trabalhos. No ângulo esquerdo da varanda, foi instalado uma espécie de gabinete, forrado de lona preta, e armado à vista dos assistentes. As cortinas do lado direito da armação e da frente ficaram suspensas. Dentro desta armação, a que daremos o nome de gabinete mediúnico, foi colocada uma grade, que os assistentes previamente examinaram, passando-lhe em volta uma tira de nastro, lacrando-a. Depois de receber a médium, foi essa grade fechada a cadeado e lacrada pelo Capitão de Corveta Joaquim Teodoro do Sacramento, em presença dos Srs. Kouma Horigoutchy, Justo Chermont, Martins Pinheiro, Lúcio Amaral, Capitão Pedro Borges e Napoleão de Oliveira, que pela primeira vez observavam o fenômeno. Em frente ao gabinete puseram uma pequena mesa e sobre esta dois baldes: um de água fria e outro de parafina derretida, com a temperatura bastante elevada.

Apagada a luz, a varanda ficou fracamente iluminada por uma lâmpada elétrica, que, no terraço ao lado, derramava luz bastante para o interior daquela, através dos vidros dos portais. Atrás da fila dos assistentes, em direção ao gabinete mediúnico, funcionava um ventilador. Antes de começar os trabalhos, o Senhor Eurípedes Prado recebeu uma mensagem tiptológica, em que o Espírito dizia estar tudo bem e comunicava ao Doutor Virgílio Mendonça que, em dado momento, poderia aproximar-se da grade.

Com efeito, passados alguns minutos, ouviu-se o médium falar debilmente, dizendo ao Senhor Eurípedes que pedisse ao Doutor Virgílio para se aproximar. Este, indo, solicitou ao Espírito para convidar alguém que tivesse ido àqueles trabalhos pela primeira vez. Atendendo, convidou o Senhor Kouma. Ambos, então, viram, ao lado da médium, o Espírito materializado, dentro da grade.

Cerca de vinte minutos depois, saiu do gabinete o Espírito de “João”: trajava de preto, calças e paletó. capuz branco, descalço.

Apertou fortemente a mão do Doutor Virgílio Mendonça e, de leve, a do Senhor Ministro japonês.

Ia e vinha, abria os braços, mostrando-se distintamente a todos. Depois empenhou-se no trabalho de parafina, tendo mostrado a mão revestida de cera, tocando-a os Srs. Drs. Martins Pinheiro, Justo Chermont e Virgílio Mendonça. Pronto que foi o molde, “João” o entregou a um dos assistentes que o passou ao Senhor Kouma. Aproximou-se ainda, por diversas vezes, do círculo, tendo feito outro molde e oferecido ao mesmo Senhor Kouma. Alguns dos assistentes, entre os quais o Doutor Amazonas de Figueiredo, Pedro Bastos e senhora, Nogueira de Faria, Virgílio Mendonça, pediram-lhe que trouxesse “Anita”, um Espírito feminino que por diversas vezes já se materializara. “João” recolheu-se ao gabinete e, dentro em pouco, via-se aparecer uma moça, parecendo ter 14 a 16 anos, vestida toda de branco, saia e blusa, longos cabelos soltos.

Ajoelhou-se, orando, levantando-se, ia e vinha, desembaraçadamente, sendo vista por todos muito nitidamente. Assim esteve durante um quarto de hora, talvez. Tomou o leque das mãos da Senhora Pedro Bastos, indo com ele abanar o rosto do Senhor Kouma, que parecia merecer as honras da noite. Ao ser restituído àquela senhora, o leque ficara ligeiramente humedecido no punho. Estava tão bem materializada que, na claridade enfraquecida do aposento, quase se distinguiam suas feições. Deu ainda algumas voltas e recolheu-se ao gabinete, desaparecendo.

Parecia estar finda a sessão; entretanto, reaparece “João”, desta vez vestindo túnica branca. Ajoelha-se e ora. Chegou por umas duas vezes ainda próximo à fila de assistentes e depois voltou para o gabinete. Alguns minutos mais e ouvia-se perfeitamente que ele despertava a médium. Antes de encerrar os trabalhos, ainda acenou adeus à assistência, com uma espécie de lenço.

Acordada a médium e feita a luz, foi à grade examinada pelos assistentes. O lacre e cadeado, tudo estava inteiramente intacto. Retirada a médium, o Senhor Ministro japonês colocou-se dentro da grade, examinando o cadeado, resistência dos varões, etc.

Belém do Pará, 14 de Junho de 1920.

(Assinaram)

H. Horigoutchy

Virgilio Mendonça

Justo Chermont

João José Teixeira Marques

Amazonas de Figueiredo

Pedro Rodrigues Bastos

Pedro Paulo Pena e Costa

Napoleão de Oliveira

Apolinário Moreira

Ettore Bosio

Pedro Borges. "

Por lamentável esquecimento de quem confeccionou esta ata, deixaram de ser incluídos os nomes dos Srs. Doutor Antônio Martins Pinheiro, então intendente de Belém, e Doutor Lúcio do Amaral, oficial de gabinete de S. Exa., e do Senhor Capitão de Corveta J. Teodoro do Sacramento.

SEGUNDA PARTE

Capítulo XIII

O CLERO EM CENA

O PADRE FLORÊNCIO DUBOIS

Como era natural, naturalíssimo até, o alarme que a publicação dos resultados das experiências de tais fatos produziu na sociedade paraense, conquistando adeptos em todas as classes sociais, ainda a mais culta, desgostou o clero. Urgia o combate sem tréguas nem contemplações: todos os meios serviriam, justificados pelos fins. Encarregou-se da empreitada o reverendo Florêncio Dubois, que o jornalismo indígena já proclamara polemista invencível, pelo vigor do ataque e elegância tersa da linguagem. Francês de origem, houve quem o revestisse das insígnias ilustres de êmulo de Vieira no manejo luzido e correto do nosso idioma.

O padre Florêncio Dubois, que fora à guerra, que arriscara a vida pela sua bela e querida França, voltara forrado pelo prestígio impressionante e amedrontador de um homem que estivera no “front”, espatifara alemães e não tivera nem ao menos ferimentos de “natureza leve”... Todo o seu artigo tinha rumores e feição de bombardas. E em seus ardores e torneios de polemista, de quando em quando traía os ardores desumanos do guerreiro e os modos soltos dos acampamentos: “em polêmica - disparava S.S.ª - não admito o olho por olho, dente por dente. O meu lema é: dois olhos por um olho, dois dentes por um dente. E quem não gostar da minha tática, poderá ir consolar-se com o perispírito da sua bisavó.” Em vez do púlpito de Vieira há nisto alguma coisa do “front”: Apontar armas! Fogo! Vá para o diabo que o carregue! E' inigualável. E jamais alguém o excedeu nessa tática admirável, toda sua, de patente registrada constantemente na imprensa diária. Combatia, pois, a seu jeito. Toda vez que o terreno lhe era falso e a causa ingrata, abria o fogo de chalaças pungentes.

Ao adversário, oferecia-lhe o dilema inelutável: revidar na mesma tática, ou deixar o campo. De qualquer forma estaria perdido: se revidasse, o padre Florêncio Dubois, “melindrado”, não voltaria mais à imprensa; se detestasse aquela tática, S. S.ª reverendíssima, após um ou dois artigos mais, entoaria o seu canto de vitória...

Pois foi um adversário assim, por todos os títulos temido e respeitado, que se incumbiu de investir e destroçar a verdade dos fenômenos espíritas.

Logo no primeiro disparo, viu-se que S. S.ª não vinha de brincadeira. Tomou para assunto a fotografia obtida um mês antes. Trinta dias carregando a arma, aprovisionando-se para a peleja, que seria breve e terrível.

Foi engenhoso e simples o vigor do primeiro ataque: reduziu todos os experimentadores a pó desprezível de fraudulentos e os assistentes a cinzas levianas de papalvos. Explicou o caso a seu modo, que os fins justificavam os meios. Primeiro S. S.ª falou (12) dos sorrisos de ironia que lhe despertara a fotografia, da alegria silenciosa, interior, porém, tão intensa que, para não ficar com um nó na garganta, desabafou numa risadinha quase que imperceptível sem o menor estrépito, mas que, durante alguns instantes, obrigou S. S.ª a abanar a cabeça, às pequeninas sacudidelas perpendiculares, à moda dos velhinhos a quem a idade imprime um perpétuo movimento afirmativo. Só depois de assim estrategicamente preparar o espírito público, desferiu os três argumentos capitais, digo, os três golpes mortais, fulminantes.

(12) - Artigo incerto na Folha do Norte, de 20 de Junho de 1920.

Repare-se a força e a destreza davídica da pancada: Vejo no quadro umas palavras que decerto foram acrescentadas: “Clichê Fulano”, “Clichê Beltrano”. Tais letras vieram escritas ou buriladas na chapa a lápis ou a buril, depois do banho que revelou e fixou o negativo. Pois bem: assim como é fácil juntar nomes numa chapa, da mesma é muito possível, antes de ser colocada no “chassis”, raspar, à claridade da lâmpada vermelha, a camada impressionável, em forma de fantasma. Reparem bem, exorta S. S.ª (e nós também repetimos: reparem bem), como o vulto se esconde cautelosamente atrás da médium que lhe vela a metade do corpo, como se realmente a senhora fora fotografada, numa lâmina que já trazia a forma do pretenso defunto.

E conclui, sem cerimônia alguma: “temos aqui uma patente dissimulação ou habilidade cênica, como quer que a queiram chamar.” S. S.ª esquecera que o “chassis” ficara em poder de João Alfredo de Mendonça e que este só o entregara no momento da sessão, sem que houvesse tempo para a raspagem da chapa, ao clarão de lâmpadas vermelhas.. ou amarelas.

“Dizem os kardecistas - arremete ainda S. S.ª - que o perispírito é uma nuvem, um vapor etéreo, uma névoa que flutua e, entretanto, no quadro que estudamos, o desencarnado finca pesadamente o pé no chão, enquanto que sua mão Esquerda se equilibra no encosto da cadeira. Tem-se a impressão de alguém que se está encostando, para não cair, e não de um personagem aéreo, a pairar no espaço.”

O ilustre reverendo esqueceu que, admitindo mesmo que a aparição assim se apoiasse, tratava-se de um Espírito materializado e não de um perispírito apenas.

Ainda: o Senhor Duboìs, no seu artigo, troçou a seu modo, da touca, da “toilette” do Espírito, mas, o que não fez, foi chamar a atenção dos seus leitores para a estreiteza que há na parte inferior do tronco do fantasma. Com efeito, entre o peito e a cintura, o vulto toma forma delgada impossível a um organismo humano...

Enfim, auxiliado por um gratuito inimigo do Espiritismo, S. S.ª desfecha o golpe de misericórdia na fotografia: Traslado aqui urna derradeira crítica - diz o reverendo. – Não é minha: o seu a seu dono. Afigura-se-me decisiva, como testemunha da fraude, no nosso caso: A senhora e a mobília projetam uma sombra, ao passo que o espectro, ainda que opaco, ficou inteiramente rodeado de luz. Os leitores constatam como as cadeiras e a médium vão acompanhadas pela sombra, quando a visagem aparece à laia de boneco chinês e digam, a puridade, se o defunto e se a sombra foram retratados no mesmo instante (o grifo é nosso). Enxergamos, repetidos no espaço, à distância matemática, os contornos da vidente e da mobília, e nada vemos a ladear o perispírito tão grosseiramente debuxado na chapa; o mesmo relâmpago de magnésio não iluminou decerto a senhora e o tal desencarnado porque, sendo fotografados ao mesmo tempo, tanto rodear-se-ia de penumbras a visagem como a espírita.

“Houve duas imagens ajeitadas a uma terceira vez diante do aparelho, que deram uma cena única para impressionar os papalvos.

“Não sei porque, ao afirmar o ponto final, canta-me na memória e pinga-me da pena um dito de Alexandre Dumas Filho: Fico humilhado de ver que o gênio humano tem limites e que não os tem a tolice humana.”

Foi nestes termos que o polemista católico iniciou o combate aos fenômenos de materialização.

Não faremos favor algum reconhecendo irretorquíveis os argumentos assim lançados, com energia e calor, pelo simples fato de que eles trazem o cunho das coisas peremptórias, dos fatos consumados. Desabam sobre nós como sentenças passadas em julgado, inapeláveis.

A critica, por decisiva, é a própria testemunha da fraude; a sombra deixada pela médium e pela mobília não fora retratada. num único instante com o fantasma; o mesmo relâmpago de magnésio não iluminou, “decerto” (quanta certeza!), a senhora e o “tal desencarnado”, etc. Atente-se no tom autoritário de tais afirmativas. “Magistier dixit”.

Não se verificou que, estando junto, encostado à parede, por detrás da médium, o vulto não poderia deixar sombra alguma... Cole-se o reverendo Florêncio Dubois a uma parede e mande tirar a sua fotografia. Afirmo que, ainda que S. S.ª os tivesse, nem dos seus respeitáveis pecados a menor fímbria de sombra sairia ou, se saísse, seria tão estreita quanto aquela que acompanha todo o vulto do fantasma... Mas, paciência!

Todos os argumentos do valoroso soldado católico, que bem merecia as dragonas, isto é, o anel de arcebispo pelos serviços já prestados à Igreja, se totalizam nesta afirmativa: fraude!

Ora, assim sendo, que alguém responda por nós, alguém bastante insuspeito porque menos interessado na questão que o ex-vencedor de alemães.

Capítulo XIV

Essa resposta, de um dos papalvos, não se fez esperar, e nela não sabemos o que admirar mais: se a nobreza da sua espontaneidade, se a força dos seus argumentos. Ei-la:

O nosso ilustre reverendo amigo padre Dubois não tem por hábito palestrar seriamente sobre coisas sérias. Ele próprio proclamou esta verdade, não há muito, quando aproveitou uma das suas apreciadas crônicas domingueiras para que uma formidável “reclame” em benefício das obras da Basílica de N. S. de Nazaret, a qual, querendo o povo... cair com os cobres, pode ficar concluída, mediante modestas espórtulas que integrem os centenares de contos de que o vigário precisa para o remate da construção.

Não costumando, pois, o reverendo falar seriamente de coisas sérias, nada há a estranhar na sua estirada crônica de ontem, neste jornal, a propósito dos interessantes fenômenos espíritas ocorridos na residência do Senhor Eurípedes Prado, um cavalheiro digno de todo o apreço pela sua integral idoneidade moral.

Tais fenômenos, embora não possamos explicá-los, pela ausência absoluta de estudos e conhecimentos especiais sobre o assunto, consideramo-los uma coisa séria e só seriamente podemos deles tratar, razão por que sentimos não poder acompanhar o padre no terreno chalaceiro por onde enveredou.

Preliminarmente - diga-se sem rebuços - devemos confessar que não nos move nenhum sentimento seitista. Não somos adepto nem praticante do Espiritismo, que, como religião, nos merece a mesma indiferença que votamos às missas, confissões e outros atos do ministério do reverendo Dubois.

Despido desses preconceitos religiosos, podemos dar o nosso depoimento perfeitamente idôneo e insuspeito.

Postas de lado as faceciosas objurgatórias do padre, queremos apenas ratificar com o nosso testemunho os termos da noticia que a “Folha, com a sua responsabilidade redacional, inseriu em edição de 20 de Maio pretérito, estampando nessa ocasião o “clichê” ontem reproduzido para ilustrar o artigo do padre Dubois.

São tópicos dessa notícia:

“Atraído por essas manifestações, o maestro. Ettore Bosio, que é um excelente amador fotográfico, deliberou apanhar um “clichê” do Espírito manifestado, tendo para isso realizado mais uma experiência.

“Estudado o processo que poderia garantir melhor êxito aos trabalhos do maestro Bosio, este, para dar um caráter de absoluta autenticidade à prova que ia realizar, convidou os Srs. senador Virgílio Mendonça, Doutor Alberto Chermont, diretor do “Estado do Pará”, e João Alfredo de Mendonça, secretário da “Folha”, a controlarem com as suas assinaturas as chapas fotográficas que iam servir à interessante experiência.

“De fato, na tarde de 17 do corrente, reunidos aqueles cavalheiros no “Centro Fotográfico”, de propriedade do professor José Girard, à rua 13 de Maio, onde foram adquiridas as chapas, aí autenticaram as mesmas com as suas assinaturas, em presença dos fotógrafos José Girard e Armando Mendonça.

“Assinadas as chapas e carregado o “chassis”, foi este lacrado e só entregue, à noite, ao maestro Bosio, na residência do Senhor Eurípedes Prado, onde às 8 horas, além de outras pessoas, estavam presentes os Srs. senador Virgílio Mendonça, Doutor Nogueira de Faria, 1° prefeito, deputado Apolinário Moreira, Doutor Feliciano Mendonça, farmacêutico Pedro Batista, corretor Pedro Bastos e esposa, João Alfredo de Mendonça, etc.

“Feitos os preparativos, o maestro Ettore Bosio, à luz do magnésio, pois o trabalho necessitava ser feito em plena escuridão, apanhou uma chapa fotográfica, a qual, depois de revelada, denunciou a presença de um ser estranho à assistência.

“Convém frisar que a chapa foi revelada poucos momentos depois da explosão do magnésio, tendo sido o maestro Bosio auxiliado nesse trabalho por um fotógrafo do “atelier” Girard.

“Impressa a fotografia, com geral surpresa para todos e indizível comoção do Senhor Eurípedes Prado, declarou este que o vulto fotografado reproduzia as feições do Senhor Joaquim Prado, pai daquele cavalheiro, há anos falecido.”

Tudo quanto se contém no trecho transcrito é a expressão insofismável da verdade, como pode ser atestado pelas pessoas citadas na referida notícia e pelo nosso prezado e veraz companheiro de trabalho Eustáquio de Azevedo, também presente à sessão e cujo nome fora omitido na notícia por involuntária e quase imperdoável traição da nossa memória.

De fato, escolhidas as chapas no “atelier” fotográfico do professor José Girard, em sua presença e de sua distinta esposa, separadas essas chapas de um grupo de oito ou dez caixas, foram elas autenticadas com as assinaturas dos Srs. senador Virgílio Mendonça, comandante Antônio Chermont, diretor do “Estado”, e o despretensioso autor destes rabiscos.

Constituiu essa autenticidade em escrevermos os nossos nomes, com tinta especial, numa tira de papel, a qual foi decalcada sobre duas chapas, na câmara escura; pelo fotógrafo Armando Mendonça, do “Estado”, e por outro profissional do “atelier” Girard. Com esse decalque foi obtida a transposição das assinaturas para as chapas, as quais na mesma ocasião, foram introduzidas num “chassis”.

Prevendo as objeções dos ortodoxos incrédulos, como o padre Dubois, o autor da experiência que se ia praticar, o maestro Bosio, fez questão de que fosse lacrado o “chassis”, no que foi satisfeito.

Em presença de todos, lacrou-se o estojo, que foi embrulhado num papel e este novamente lacrado. Em seguida, o maestro Bosio confiou o embrulho a quem estas linhas escreve, pedindo-lhe que só o devolvesse a noite, na ocasião da experiência.

Aceitamos a incumbência e trouxemos o “chassis” para esta redação, onde todos os nossos companheiros de trabalho viram o invólucro lacrado.

À noite, às 8 horas, levamo-lo conosco à residência do Senhor Eurípedes Prado e aí o entregamos ao maestro Bosio, verificando os presentes estar intacto o “chassis”.

Fêz-se a seguir a fotografia, à luz do magnésio, e, revelada a chapa, em nossa presença, foi obtido o resultado de todos conhecidos.

Como e quando, pois, seria possível raspar, à claridade da lâmpada vermelha, a camada impressionável, em forma de fantasma?

Falamos ontem, ao fotógrafo e ao gravador da “Folha”, e ambos afirmaram, com a sua responsabilidade profissional, serem inteiramente infundadas as razões com que o padre Duboïs pretende fortalecer a sua crítica fotográfica.

Ademais, que interesse teria o Senhor Maestro Bosio, que todos reconhecemos um homem probo, em praticar semelhantes intrujices.

E o Senhor Eurípedes Prado e sua distintíssima esposa, senhora de raras virtudes, que interesse terão em reunir, no recesso abençoado do seu lar, um grupo de “papalvos” recolhidos da melhor sociedade de Belém, “papalvos” que exercem funções de alta responsabilidade e que se notabilizam, à exceção do signatário, pela sua cultura em várias províncias do saber humano?

Que agradeçam ao padre Dubois o epíteto de papalvos os ilustres clínicos, que muito honram a classe médica do Pará, Drs. Jaime Aben-Athar, Virgílio Mendonça, Porto de Oliveira, Feliciano de Mendonça, Pontes de Carvalho e outros, bem como os não menos ilustres magistrados e advogados, desembargadores Santos Estanislau, Anselmo Santiago e Napoleão de Oliveira, Drs. Xavier de Carvalho, Amazonas de Figueiredo e Nogueira de Faria, engenheiro Gentil Norberto e senador Justo Chermont, estes dois últimos que acompanharam o ministro japonês no Brasil, Senhor Kouma Hourigoutchy, na sua visita à residência do Senhor Eurípedes.

Afinal, não cabe a nós a defesa do assunto sobre que o padre Dubois fez disparar o terrível canhoneio do “ trommelfeuer” da sua ironia aparentemente demolidora, mas inofensiva.

Há gente mais autorizada do que nós para realizar essa obra de reparação.

O nosso objetivo é apenas manter em toda a plenitude as afirmativas que fizemos aos nossos leitores sobre o que vimos, não com olhos de espírita, mas com olhos de repórter medianamente arguto.

Foi com esses olhos que pesquisamos a possibilidade de um truque nesses fenômenos, que não descobrimos pela simples razão da sua inexistência.

O fenômeno existe: o que não podemos nem sabemos é explicar a sua causa.

E se o nosso ilustre e reverendo amigo padre Dubois persistir na dúvida, há um meio prático e fácil de confundir a nossa afirmativa; e aceitar o convite que lhe dirigimos e que agora reiteramos, para assistir a uma das sessões na residência do Senhor Eurípedes. Estamos certos de que este cavalheiro não oporá contrariedade ao nosso convite.

Vamos, pois, até lá, à rua dos Tamoios n. 43, acompanhados de um ou mais fotógrafos, da confiança do padre Dubois.

Arranje a licença do Senhor Governador do Arcebispado e toca a ver se há retrato de sombra ou sombra de retrato.

Aceite o repto, pois temos certeza de que o nosso reverendo amigo Dubois será arrolado na lista dos “papalvos”, em cujo número incluiu o seu devotado amigo e admirador.

João Alfredo de Mendonça.”

O nosso amigo poderia ter findado assim, revidando a citação, feita pelo padre Dubois, da frase de Alexandre Dumas Filho, com esta do celebre historiador Eugênio Bonnemère: “Como todo o mundo, eu também me ri do Espiritismo. Mas, o que eu pensava ser o riso de Voltaire não era mais que o riso do idiota, muito mais comum do que o primeiro.”

*

Vem de feição transcrever aqui a carta pelo Senhor José Girard endereçada ao maestro Bosio - a maior vítima do padre polemista e guerreiro - e relativa à fotografia que S. Revma., por dever de ofício, classificou de produto de uma fraude. Essa carta do distinto artista foi provocada por uma outra de Bosio, assim escrita:

“Prezado amigo Senhor José Girard

Cumprimentos afetuosos

Rogo-vos a fineza de vos permitirdes responder-me em seguimento desta:

a) se tenho recorrido ao vosso “atelier” para revelação de fotografias espíritas;

b) se o “chassis”, contendo as chapas assim impressionadas, foram carregadas no vosso próprio “atelier”;

c) se o vosso empregado encarregado do banho revelador notou nas chapas referidas indício de fraude, por mais leve que fosse;

d) se esse empregado teve ocasião de revelar alguma chapa na residência do Senhor Eurípedes Prado, e se esse ato foi cercado de todas as garantias;

e) e, finalmente, qual a impressão que vos causaram as chapas das referidas fotografias espíritas.

Antecipo-vos os meus mais sinceros agradecimentos.

Belém, 10-5-1921.

Ettore Bosio.”

Eis a resposta:

“Belém, 11 de Maio de 1921.

Prezado amigo Senhor Maestro Bosio.

Saudações afetuosas

Em resposta à sua estimada carta, pedindo-me alguns esclarecimentos a respeito dos trabalhos fotográficos de fenômenos espíritas, posso, com toda a sinceridade, declarar o seguinte:

a) Sim;

b) Sim; sendo estas mesmas chapas, aliás vendidas por mim, retiradas do estoque existente, ficando o resto das caixas sempre em meu poder;

c) Nunca; absolutamente nenhum;

d) Sim; o meu empregado foi incumbido de revelar uma chapa na casa do Senhor Prado, imediatamente depois de tirada na sessão espírita; a chapa que serviu para esta sessão foi tirada de uma caixa de 1 dúzia escolhida a esmo, entre um lote de caixas no meu armazém, em presença dos Drs. Virgílio Mendonça, João Alfredo de Mendonça, Antônio Chermont e o gravador Armando Mendonça (13). Aberta a caixa no quarto escuro, em presença da comissão encarregada disso, foram duas as chapas colocadas no chassis e rubricadas; o chassis foi lacrado e sobre o lacre impresso o monograma de um dos membros da comissão. O chassis assim lacrado foi entregue a um dos membros da comilão, que, por sua vez, o entregou, na hora de tirar a chapa, ao operador maestro Bosio. Depois de tirada a fotografia e revelada pelo mesmo empregado em presença dos assistentes, ela foi depositada.. às 10 horas e meia da noite no meu laboratório, onde se concluiu a lavagem e secagem;

(13) - Como assim possa parecer ao leitor, convém declarar que entre o Doutor Virgílio Mendonça, João Alfredo de Mendonça e Armando Mendonça nenhum laço de parentesco existe e que nenhum é espírita.

e) Fiquei muito surpreendido com os curiosos resultados obtidos nestas chapas, os quais nunca tinha presenciado em chapa alguma.

Eis aqui, amigo Maestro, o que posso esclarecer, ficando sempre ao seu dispor.

O amigo e criado obrig.

José Girard.”

As palavras de João Alfredo de Mendonça, o reverendo respondeu:

“Eu tudo explico pela fraude, ainda pela fraude, sempre pela fraude.” E acrescentou: “Se os espíritas fazem do seu credo reclames e preconícios, assiste-me o direito de fazer contra-reclame e anti-preconícios. Cabem seus milagres que me encarrego de acolhê-los com a risada do bom senso popular. E se não, quiserem os kardecistas sofrer repulsas em público e pela imprensa, não venham impor aos leitores dos jornais a narração das suas proezas.”

Vejamos por partes o que acima ficou escrito.

Ninguém contesta nem jamais contestou ao padre Dubois o direito de crítica às doutrinas contrárias à Igreja. O direito que S. S.ª não possui, que a lei brasileira não lhe dá, é o de ofender aqueles que as professam ou que não rezam pela mesma cartilha que os sacerdotes católicos.

No caso em apreço, S. S.ª caluniou os que, não tendo praticado fraude alguma, são por S. S.ª apontados como fraudulentos. Mais: S. S.ª ofendeu aqueles que, tendo afirmado a veracidade de certos fenômenos, porque os verificaram, foram arrolados por S. S.ª entre mentirosos e papalvos.

Esse direito é que S. S.ª não tem, nem decerto lho aconselha, estamos convictos, a sua consciência de homem culto.

Além disso, há na última frase transcrita uma inverdade nós, os espíritas, não impomos nem impusemos nunca aos leitores dos jornais a narração das nossas proezas. Antes que tudo, não as praticamos. Se as manifestações de além-túmulo são proezas, não nos pertencem, mas aos próprios mortos.

Praticou-as o próprio Cristo, desde quase a hora da sua “ressurreição”, já aparecendo a Maria de Magdala e dizendo-lhe: “não me toques”, já a caminho de Emaús e ainda quando feriu de morte a incredulidade de Tomé...

Dessas proezas anda cheia a história dos Santos - e é bem rara a pessoa que não tenha a contar a aparição de um parente, de um amigo, de um ser querido, enfim, que a morte levou.

Mas, vamos admitir que nós, os espíritas, as praticássemos. Noticiá-las importa em impor a sua leitura? Se alguém as lê é porque isso lhe apraz. Não leia. Tanto vale. A verdadeira propaganda espírita, aquela que fica, que desperta a fé inextinguível, quase sempre começa pelo fato e tem quase sempre a sua incude na cura de um sofrimento físico ou moral. Depois é que vem a leitura, o estudo, a meditação. Isso em regra geral, que há exceções e muitas. Conheço inúmeras pessoas que se convenceram das verdades espíritas tão somente pelo raciocínio, pelo estudo comparado das outras religiões.

*

A questão, entretanto, avultou, dividindo-se o campo limitado pelos pontos de vista de cada um dos que a discutiam de um lado o reverendo Florêncio Dubois e seus correligionários afirmando caluniosamente a fraude; de outro lado, aqueles que, repelindo a “hipótese espírita”, entre os quais muitos médicos de valor, também repeliam a idéia da fraude, atribuindo de preferência os fenômenos a casos de psicopatia (14); e, finalmente, os espíritas assegurando a veracidade dos fenômenos, a sua origem além-tumular, sem negar, entretanto, o que seria extravagante e tolo, a possibilidade, em certos casos, do desdobramento do médium.

(14) - Escreve o Senhor Doutor Porto de Oliveira na Folha do Norte de 2 de Agosto:

“Admitir ao Senhor Prado o propósito de ludibriar o público e, sobretudo, os seus amigos, explorando as fragilidades cerebrais de sua esposa, ciente como deve ser dos riscos a que a exporia, é um fato que repugna acreditar. Seria aberrar de todos o preconceito moral. Atribuir a Exma esposa do Senhor Prado conivência em tais manejos, igualmente o nosso Espírito repele: conceber que a mesma Exma. senhora ludibrie o próprio marido, e indiretamente aos demais, não há intuitos confessáveis que o justifiquem”.

Influência estranhas poderão exercer, sobre a médium ou sobre o próprio marido, tão grande ação ao ponto de levá-la, ou a ambos, à prática de tais fatos? Estaremos em presença de um caso de psicose a dois, ainda não estudada por Seghele?

A própria médium, em hipnose, não poderá desdobrar ou pluralizar a personalidade de forma a motivar a aparição de vários fantasmas? São hipóteses aceitáveis. E, provavelmente, uma delas explicará o caso interessante.

Grande histérica, psicopata de qualquer categoria, a médium será talvez capaz de inconscientemente praticar tais proezas.

Todos os experimentadores têm trabalhado com médiuns estranhos a família, onde a possibilidade de serem ludibriados. No caso, porém, do Senhor Prado, não se pode admitir que a própria esposa o faça: seria indigno de comentário. Em qualquer caso a psicopatia seria aceitável e nisto concordam todos os mestres.

Somos dos que admitem a realidade de alguns fenômenos psíquicos, posta a margem, naturalmente, a hipótese espírita, como a mais fraca, hipótese meramente provisória.

No caso concreto, cremos que a médium consegue por um truque inconsciente abandonar a grade e produzir os fenômenos a que todos assistem.

Grade especial, inteiriça e toda de ferro, sabemos estar sendo executada numa conhecida serralheria: será uma prova valiosa e é mister que não a recusemos."

Capítulo XV

AINDA A OFENSIVA DO SENHOR FLORÊNCIO DUBOIS

Entretanto, fiel ao seu método, oscilando entre a “pedrinha de sal grosso” (15) e as acusações injuriosas, porque imputavam aos esposos Prado e ao Maestro Bosio fatos ofensivos da reputação, do decoro e da honra dos mesmos, o padre Florêncio Dubois mantinha a mesma atitude agressiva do primeiro momento. Fora raptado para assistir ao fenômeno; aceitou, mas, em vez de aguardar a prova, o que seria coerente e justo, enquanto “esperava” o dia, não poupou agravos à família Eurípedes Prado.

(15) Chalaceiro sou eu. Na insipidez das minhas frases deito uma pedrinha de sal grosso. Se não tenho boa mão, a culpa é do meu gênio mal abastecido de dotes. Cada saco dá a farinha que tem, e cada árvore a fruta que lhe é própria. (Da Folha do Norte, de 23 de Junho de 1920.)

Afinal, publicou as condições em que aceitaria o repto que lhe lançara João Alfredo de Mendonça. Ei-las:

“AS MINHAS CONDIÇÕES

1° - Efetuar-se-a a sessão em outro local que não a casa do Senhor Eurípedes Prado: por exemplo, numa casa de família, onde não haja bastidores, gabinetes, alçapões, postigos, etc...

2º - A sala ficará sem mobília, quadros, espelhos, cortinas, sofás: apenas cadeiras.

3º - Duas ou três senhoras revistarão cuidadosamente a médium, de modo a que esta não oculte, debaixo do vestuário, flores, mãos artificiais, tubos de matérias fosforescentes, tecidos finos, cabeças de espectro...

4º - Ficará a médium num círculo formado pela assistência, de modo a ter liberdade de movimentos.

5º - Com exceção do marido, nenhuma pessoa de sua família acompanhará a médium.

6º - O marido sentar-se-á no meio da assistência, como espectador.

7º - Os convidados serão metade dos amigos do Senhor Eurípedes Prado, metade dos meus amigos.

8º - Interrogaremos o Espírito que porventura aparecer.

9°- Toca-lo-emos de leve, a fim de constatar se é deste ou do outro mundo.

10º - Levaremos fotógrafos nossos, como o Senhor Eurípedes levará os seus. As chapas deverão estar nos embrulhos, como vêm estes das casas comerciais.

11º - Examinaremos o local, antes e depois da sessão.

12º - Pediremos à médium que evoque defuntos nossos conhecidos.

13º - Dispensaremos a execução de trechos musicais.

14° - Igualmente recusaremos que a médium se feche na sua gaiola.

15º - Finalmente, pediremos mais de uma sessão.

Respondam, sim ou não, ao pé da letra, os cavalheiros do Espiritismo, que irei, com muito prazer, contemplar o que nunca vi, nem verei: um defunto a falar, ou a andar.

Padre Dubois.”

(Da Folha, de 28 de Junho de 1921)

Respondeu o Senhor Eurípedes Prado, nestes termos:

“Ilmos. Srs. João Alfredo de Mendonça e Doutor Nogueira de Faria.

Li as condições sob as quais o padre Dubois se dignará assistir a uma ou mais das sessões em que se produzem os fenômenos a cuja observação me dedico.

Não disponho das modalidades do fenômeno para submetê-lo a certas e determinadas condições.

Replicando proponho, por minha vez, as condições cujo critério submeto à apreciação da intelectualidade paraense.

O fenômeno será provocado dentro das modalidades habitais, pois não disponho de poder para modificá-lo.

Nada de amigos, nem meus, nem do padre.

Sentar-nos-emos, eu e o padre, na fila de cadeiras destinadas à assistência, ficando ao nosso lado oito, dez ou doze (o número não importa) membros da Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará, excluindo os que professarem idéias católicas ou espíritas. Eu e o padre aceitamos, previamente, o laudo dessa comissão.

Entenda-se que não discuto a causa do fenômeno; desejo apenas que fique verificado se há ou não fraude.

O padre parece temer o contacto dos médicos, mas eu, que não considero os fatos espíritas uma religião, e que sou, mesmo, contrário à sistematização religiosa, estou convencido de que aos Srs. médicos ninguém pode negar a presunção de representarem uma das classes mais cultas do meio científico. Não argumentemos com exceções; nada de sofismas.

Quem se coloca sob o gládio de homens de ciência, não se esconde.

Repito: nada de amigos, quer meus, quer do padre. Venham juízes esclarecidos e imparciais.

Com apreço, firmo-me

De VV. SS.ª Am.° At.° Obr.°

Eurípedes Prado.”

(Da Folha do Norte, de 27 de Junho de 1920)

Mas, o Senhor Dubois, em vez de, como seria justo, aguardar a resposta do Senhor Prado, no mesmo dia em que este publicava as linhas supra, isto é, a 27 de Junho, ocupava duas colunas do mesmo jornal, a “Folha do Norte”, e, entre outras coisas, afirmava:

a) que o retrato era legítima trapaça;

b) que “perscrutando as falsidades que tressuavam na chapa famosa, enxergava dezenas de indícios de trampolinagem, pouco importando lhe fosse dado descobrir onde, como e quando se dera a tramóia”;

c) que as fotografias de Eurípedes Prado, com os seus embustes, exalavam “pitiú de velhacaria”

d) que fora a Senhora Prado quem, “com a virtuosidade adquirida em constantes exercícios, tirara do regaço panos pretos e os aplicara no lugar conveniente”, etc.

Quer dizer: para o Senhor Dubois, Eurípedes Prado era trapaceiro, falsário, trampolineiro, embusteiro, velhaco e sua própria esposa uma “virtuose” em todos esses atos indignos.

Diga-se em sã consciência: Como lutar com um adversário assim?

Não satisfeito ainda com essas injúrias, o Senhor Dubois, no dia 29, respondendo ao Senhor Prado, publicou o seguinte:

“Senhor Eurípedes Prado.

O repto foi atirado a mim, não aos médicos. Ao desafiado, portanto, e não aos médicos, pertence à escolha das armas digo, das condições.

Pode o senhor convidar quantos médicos lhe aprouver, que a isto não vejo dificuldade, nem vantagem. Por segredo profissional, por discreção de cavalheiros, por desgosto de entrarem numa polêmica, para não melindrarem clientes, os médicos ficarão na dúvida científica, não darão laudo nenhum, abanarão a cabeça, e tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes.

Alguns médicos já deram prova de que são demais impressionáveis. Em tais sessões menos serve a Ciência do que o sangue frio. O júri, em vez de médicos, devia ser de prestidigitadores, habituados a todas as habilidades.

“Não disponho, diz o senhor, das modalidades do fenômeno para submetê-lo a certas e determinadas condições. Minhas condições não afetam as modalidades do fenômeno”.

Se há fatos mediúnicos, não os impedirá a mudança de casa... a falta de mobília... a revista da médium... o círculo dos assistentes... o afastamento dos parentes da médium... a presença dos meus amigos... a vinda de um fotógrafo... o exame do local... a supressão da gaiola... as perguntas à médium.

Em vez de discutir uma por uma estas condições, o senhor achou melhor repeli-las em bloco, apelando para médicos, quando a prestímanos é que devíamos recorrer.

Sem ofender à culta classe médica, repito aqui a observação de um moço distinto. Cada vez que por aqui aparece um prestidigitador, o seu primeiro cuidado é convidar a Faculdade, para que constate como no palco se degola uma mulher. E os esculápios riem-se do truque, sem atinarem com a explicação.

Sentar-me na sessão como simples espectador, dirigindo olhares melosos ao fantasma e à boneca, é coisa que não me convém. Presenciei admiráveis ilusionismos e nunca me foi dada à chave dos artifícios do artista. A cada pergunta este respondia: “E fácil, porém é preciso saber!” Desejo muito ir as mediunizações, mas não quero que me impossibilitem a pesquisa. Ficar, numa cadeira, de mãos juntas, de joelhos apertados, com ares abeatados, quietinho como um colegial, serviria aos planos do Senhor Eurípedes, não à minha vontade de tudo desmascarar.

Desde alguns dias, os espíritas se sangravam na veia da saúde. Diziam que eu não devia impor condições que estorvassem a médium. Preparavam-se uma porta de saída. Nunca acreditei que me deixassem entrar, porque o exame da fotografia provou de sobejo que na sua casa, senhor, reina a fraude, e uma fraude deslavada. Não há um fotógrafo que desconheça o embuste, sobretudo quando, em vez da reprodução dos jornais, vai diretamente examinado, com a lente, o retrato.

As condições minhas são as que impõem as comissões de sábios, na Europa. Achando-as duras, o senhor podia propor uma base de discussão. Prontificava-me, a fim de provar minha boa vontade, a renunciar a certas cláusulas. Aceitei as trevas, porque disto fazem muita questão os ocultistas, e para isso têm seus motivos.

“Atualmente - diz William Mariatt - as materializações são menos comuns que dantes... devido à invenção das pequenas lâmpadas elétricas de bolso, que são dirigidas às formas espíritas por “descrentes” presentes. Esta é a razão “por que os médiuns fazem questão que os assistentes sejam “crentes” convictos: desse modo eles não se arriscam a ser “presos em flagrante delito de embuste.

Não reclamei o direito de agarrar o fantasma, porque dizem os kardecistas que seria a morte da médium, e nisto têm cerradas de razões. Não exigi de ficar ao lado da evocadora, porque os espíritas sustentam que seria obstar aos fenômenos, e nisto ainda têm milhares de razões.

Mostrei-me, enfim, bom rapaz.

De nada valeu. Não posso levar fotógrafo, nem amigos. Proibidos são os médicos católicos, por demais incultos. A sessão terá lugar na morada do Senhor Eurípedes, porque de outro prédio não gostam as sombras, e vejo sempre toneladas de razões para esta sábia determinação.

“Eu e o padre aceitamos, de antemão, o laudo desta comissão.”

Perdão! Abaixo o “magister dixit”. Acredito na verdade, e nada mais! Não temo aos médicos. Não lhes reconheço aí competência, porque o fato de ficarem sentados não lhes permite averiguar dos fatos.

Ou o Senhor Eurípedes dá-me a mais ampla liberdade de ação, para pegar a médium com a boca na botija, ou lá não vou. Se quiser, faça suas propostas.

Senão, temos conversado.

E os espíritas ficam publicamente convencidos de fuga, de fuga imoral, de fuga vergonhosa.

Tenho dito.

Padre Dubois.”

(Da Folha do Norte, 29 de Junho de 1920)

E a seguir, no dia 30 de Junho e 1 de Julho, respondendo a um artigo nosso, o padre Dubois prodigalizou jocosidades de mau gosto e novas injúrias ao Senhor Eurípedes Prado. Percebia-se o intuito de provocar um gesto que o livrasse da aceitação do repto.

Certamente que outro espírito mais afeito à luta e aos botes da maldade humana, se dominaria, subjugando os ímpetos da indignação ou desprezando tais insultos. Isso, porém, era prova superior às forças de Eurípedes, que, após dura crise moral entre o desejo veemente de uma desforra a que nenhum homem de bem negaria o seu aplauso e a violação dos princípios que professava, preferiu o caminho traçado nestas linhas:

Escreve-nos o Senhor Eurípedes Prado:

“Não respondo ao padre: a linguagem em que ele se expressa dispensa-me perfeitamente desse encargo. No entanto, sou forçado a chamar a atenção dos que têm acompanhado esse assunto para o seguinte:

Autorizei o convite ao padre para assistir a uma sessão das que se realizavam em minha casa, porém, não podia me comprometer a comparecer a uma sessão idealizada por ele, sujeitando-me a certas e determinadas condições.

Hoje venho declarar, aos que não conhecem as modalidades do fenômeno, que este é realizável dentro da maioria das condições questionadas, porém a má fé do padre, exemplificada pelos bárbaros insultos com que, propositadamente, procurou incompatibilizar-se comigo, obrigou-me a evitar-lhe o contacto.

Conforto não me tem faltado de pessoas sensatas e um certo número de homens cultos e independentes, acima de toda a suspeição, vai-se congregar para realizar uma série de experiências, que comprovarão a verdade.

Esperem pelos fatos.

Eurípedes Prado.”

Estava resolvida a contenda. A tática do Senhor Florêncio Dubois dera-lhe a vitória, que era, no caso, não ir às sessões. Triunfante deixou cair sem perda de tempo, sobre o terreno da luta, a espada, no seu entender,

ÚLTIMA PÁ DE CAL

O Senhor Eurípedes Prado foge de galho em galho, de subterfúgio em subterfúgio, de escapatória em escapatória.

Primeiro, recusou em bloco minhas condições: agora acha algumas aceitáveis.

Primeiro queria-me ao seu lado, rodeado de um certo número de médicos. Agora, nem pintado me admite.

Porquê?... Insultei-o?

Olhe, Senhor Eurípedes, V. S. perde uma bela ocasião de ficar calado. Não mande à imprensa as desculpas que outrem redige, e a quem dá o senhor o seu nome.

Insultei? Porventura, atingi sua probidade comercial, sua honra conjugal, a fama dos seus filhos, as virtudes de sua esposa? Não, meu amigo! Respeito o seu lar, a sua casa, tanto que, devendo desmascarar as fraudes, não o quis fazer na sua residência, onde me agrilhoariam as leis da hospitalidade.

Combato, isto sim, e sem piedade, as mistificações de que foi teatro o seu domicílio, consciente ou inconsciente o dono. Grosseiro e de má fé me diz o senhor, ou quem lhe rabiscou a carta. O público, que está rindo à socapa, já decidiu a contenda.

Começarei, breve, uma série de artigos sobre o Espiritismo. Pode o senhor se consolar com os confortos que lhe traz a gente sensata e culta, independente e acima de toda suspeição. Chore na cama que é lugar quente. Espero as suas futuras experiências. As atas guiarão minha crítica.

Por enquanto, não mais me ocuparei do senhor, o que seria contra a caridade.

Quanto ao João, que ficou enterradinho, desejo que, até o dia em que o fizerem ressuscitar, a terra lhe seja leve... com o Pão de Açúcar em cima...

A espera de suas próximas experiências, sou do senhor um amigo desconfiado.

Padre Dubois.”

(Folha, 3-7-1920.)

Diz o padre Florêncio Dubois que não insultou Eurípedes e lhe respeitou o lar!

Regressem os que percorrem estas páginas ao que antes ficou transcrito e assinado por aquele sacerdote - e julguem.

Será, porventura, respeitar um lar reproduzir em público uma, duas, centenas de vezes a afirmação de que nele se praticam mistificações e tramóias?

Será respeitar a honra de um homem chamar-lhe trampolineiro, do autor de atos que tressuam “a pitiú de velhacaria”?

Será respeitar uma senhora acusá-la de “virtuosidade” em atos de fraude?

E as outras injúrias atiradas a essa digna família seria respeitar-lhe a honra e o lar?

Palavra de honra! a gente fica sem saber o que pensar e o que responder...

Capítulo XVI

A RECUSA DO SENHOR EURÍPEDES E A NOSSA OPINIÃO

Em todos os apontamentos, notícias, artigos, aqui reunidos e também em nossos comentários, temos procurado obedecer ao mais firme espírito de imparcialidade. Não importa que sejamos crentes. A crença não nos perturba nem diminui os nossos sentimentos de justiça. Poderemos errar - mas mesmo errando somos sincero. Ninguém tem o direito de nós negar essa atitude de franqueza e justiça.

Por isso mesmo devemos deixar aqui de modo claro, inequívoco, que fomos dos que discordaram da maneira de pensar do nosso prezado amigo Eurípedes Prado, quando S. S.ª, ferido em sua dignidade, trancou ao padre as portas do seu lar ultrajado por este sacerdote e por ele ostensivamente indicado ao público como ninho de fraudes.

Bem sabemos como insolitamente este sacerdote se excedeu em sua maneira de apreciar o fenômeno. Dessa linguagem injuriosa há, nas transcrições feitas neste livro, provas abundantes. Nem queremos dar medida à dignidade alheia, modificar alheios temperamentos. Deus nos livre disso!

Mas, parece-nos que teríamos forças para dominar os sentimentos de revolta despertados pelas injúrias do contraditor e recebê-lo na sessão ou sessões do repto.

Colocaríamos acima da nossa dignidade pessoal a dignidade da causa em geral, máxima quando nela houvéssemos interessado a de terceiros e aliás estava no proveito daquela própria demonstrar a improcedência das acusações do Senhor Dubois.

Tal foi nosso modo de encarar o caso. Chegamos mesmo a solicitar ao Senhor Eurípedes que consentisse em aceder à prova. Mas o nosso amigo permaneceu irredutível. Sujeitou-se a novas experiências em casa estranha, mas não em presença do seu antagonista. Não podia consentir em estar lado a lado com aquele que tão fundamente ofendera o seu lar e injuriara sua esposa.

Acreditamos nosso dever deixar consignada aqui essa divergência que, aliás, não alterou as nossas relações de amizade fraternal e mutuamente respeitosa.

*

Pensamos ser bem oportuna a transcrição do resto do artigo: “O que vimos; o que pensamos”, do Senhor Doutor Porto de Oliveira, ao qual já aludimos na página 70.

“Na obscuridade da nossa existência, fato algum de relevo, no sentido de tais manifestações, teve lugar; posteriormente à sessão nada mais vimos.

Reputamo-nos um equilibrado; a nossa vida privada e pública deve falar por nós. A nossa probidade profissional, orgulhamo-nos, pode ser submetida a qualquer prova. Somos temperante; gozamos saúde relativa; somos de emotividade pouco fácil. Tudo isso vale por se dizer que nos achamos em condições de tomar parte calma e friamente em tais práticas.

Dadas as condições do meio, não aceitamos a hipótese de um “truque” consciente. Cumpre que no-lo demonstrem.

A hipótese de um “truque” inconsciente da médium, como se pode dar com as grandes histéricas, é, porém, possível e aceitável. Carece surpreendê-lo, todavia.

Uma alucinação? Mas a alucinação é uma percepção sem objeto e a objetivação ali era palpável. Sugestão hipnótica coletiva é difícil de crê-lo. A nossa pouca leitura do assunto, sobretudo a impressão que nos deixou o livro de W. Crookes, impôs-nos a convicção da possibilidade de tais fenômenos, explicáveis algum dia. Vale alguma coisa a autoridade moral e científica daquele sábio eminente; em sua companhia, e de outros muitos, não nos pejaremos de ter sido ludibriado. Mais, muito mais do que vimos na residência do Senhor Prado, narra Crookes no seu livro famoso. Por isso o nosso juízo ficou em suspenso e nos deixamos incluir no número dos papalvos.

Como profissional médico, pouco ciente e sem ambições maiores, nunca pretendemos ser impecável, e, até onde a nossa argúcia não logra atingir, julgamos sempre possível atingir a dos outros. Daí o termos aplaudido o gesto do padre Dubois, se bem que trilhemos caminhos diferentes.

O padre nega em absoluto sem ter visto; nós vimos, admitimos a possibilidade, mas pedimos um exame mais detido, eis a diferença.

Lutador, cronista elegante, polemista de respeito, o padre Dubois saiu a campo de lança em riste: o seu ânimo belicoso e a jovialidade gaulesa apuraram-se no campo da batalha. O sacerdócio impôs-lhe uma tarefa que o temperamento combativo de antemão prelibara.

Convidado a nosso pedido, não podíamos impor condições; sentimentos de delicadeza a mais rudimentar impediram-nos de atentar contra a mais comezinha das recomendações. Demais, a simples curiosidade nos levara à residência do Senhor Prado.

*

A questão, porém, tomou vulto, fechou-se. O padre Dubois atacou, foi reptado; aceitou o repto e impôs condições. Podia fazê-las; fê-las de modo perfeitamente cabível. Todas as suas condições são perfeitamente aceitáveis dentro das próprias doutrinas espíritas.

Analisemo-las uma a uma. Quanto à primeira - mudança de cenário - justíssima. Para os espíritas, dizem os especialistas, o Espírito não tem noção de espaço ou tempo.

Relativamente à segunda - ausência de mobília, razoável, e tanto mais quanto nas experiências do Senhor Eurípedes, além da gaiola, das cadeiras e dos assistentes e do ventilador, apenas existia no ângulo aposto da sala um guarda-vestidos. Tudo pode ser suprimido e o padre satisfeito.

A terceira se refere ao revistamento da médium, em que nada enxergamos de vexatório, pois seriam senhoras que tal fariam.

A quarta pede para fechar-se o círculo dos assistentes.

A quinta e a sexta referem-se propriamente ao Senhor Prado e parece fácil de satisfazer, o Senhor Eurípedes nunca deixou de fazer parte da assistência e de sentar-se entre ela.

A sétima estipula quantos convidados de ambas as partes; é questão de pouca monta.

A oitava - interrogatório do Espírito. Perfeitamente, o Espírito se comunica e responde ou não, às vezes.

A nona, aceitável, porque é notório que o João toca e tem sido tocado por diversas pessoas.

A décima diz respeito às fotografias; ainda aceitável, pois se real o fato, todas as placas serão sensibilizadas.

A duodécima trata da evocação de Espíritos de conhecidos do padre; aceitável ainda, porque o insucesso não infirmaria a experiência, porque se diz que nem sempre os Espíritos determinados atendem às evocações.

Décima-terceira - dispensa de trechos musicais, não só aceitável, como louvável.

Décima-quarta - dispensa da grade - Crookes também a dispensava.

Décima-quinta e última, mais de uma sessão - desnecessário de se comentar.

São, portanto, vêem todos, absolutamente cabíveis, aceitáveis, as exigências do Senhor padre Dubois; foi ele até muito razoável nas suas pretensões. Muito mais esperávamos; surpreendeu-nos até.

Se de fato tais fenômenos se dão, se a sugestão deles é parte integrante, pensamos que o padre, dada a preocupação intensa de não ver as manifestações, acabaria vendo mais do que todos os outros. Caber-lhe-ia, então, e de justiça, o título de papalvo-mór.

As evasivas do Senhor Prado não são de bom quilate; a opinião pública não as pode aceitar, e a opinião pública é muito exigente e sobretudo severa nos seus conceitos. Tendo em jogo a sua respeitabilidade, deve o Senhor Prado sujeitar-se às provas, e nisto deve ajudá-lo sua Exma. esposa, senhora de virtudes excelsas, mas de nervosismo acentuado.

Ignoramos qual irá ser a resolução da diretoria da Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará. Pouco aparelhada para tais estudos, certamente não irá levianamente emprestar o seu nome para acobertar tais fenômenos, sem que eles sejam absolutamente comprovados.

De nossa parte, se a honra nos coubesse de representá-la, não a aceitaríamos, senão também impondo condições, e essas condições seriam diferentes das do padre Dubois. A maior seria a de termos à mão uma pêra ligada a uma lâmpada e podermos fechar o circuito no momento da aparição. E' intuitivo que por mais fregoliano que seja o indivíduo, não terá a rapidez da luz. Não se argumente com o sofrimento da médium, por isso que já tem ela se submetido à luz do magnésio, muito mais intensa e ofuscante; acresce que a lâmpada ficaria acesa o tempo justamente indispensável para a verificação.

As leis que regem o fenômeno espírita são ainda em sua maior parte desconhecidas. E' um novo campo de ação para a ciência bem intencionada, justa e prudente. Não são poucos os fatos que nos atestam como tem ela sido rudemente castigada em seus preconceitos e em seu orgulho.

Não sabemos se seria possível a praticabilidade do circuito elétrico proposto pelo Doutor Porto de Oliveira. Essa, sim, é que seria uma condição que não aceitaríamos sem antes ter profunda certeza de que ela não viria a ser prejudicial ou fatal à médium.

Quem é que nos garante que a irradiação de uma lâmpada elétrica não é mais perigosa, agressiva e dissolvente do que a luz do magnésio, não obstante esta ser produzida pela explosão?

Capítulo XVII

Estaria finda a memorável luta?

Um profundo sentimento de tristeza nos invadira. Secundado pelo Maestro Bosio que, com admirável paciência, tinha notícias de como era maltratado e ridicularizado pelo padre

Dubois, procuramos evitar esse desenlace que, no entender de algumas pessoas, era preconcebidamente encaminhado pelo nosso valoroso mas ferino e injusto adversário.

Mesmo depois dos artigos em que Eurípedes era chamado velhaco e trampolineiro, ainda tentamos, em companhia do nosso amigo Manoel Barbosa Rodrigues, obter dele a promessa da mais absoluta impassibilidade diante da conduta do Senhor Dubois, a fim de conseguir a presença deste nos fenômenos, tão intimamente convencidos estávamos de que S. S.ª se renderia à evidência dos fatos, a exemplo dos seus colegas de Lerida, mal grado outros externarem a profunda persuasão de que, se o fenômeno se reproduzisse, ou Dubois cometeria qualquer imprudência perturbadora do mesmo, ou arranjaria outro pretexto para explicá-lo, que não o Espiritismo.

Também o Doutor Porto de Oliveira tentou obter do Senhor Prado a prova anunciada com a presença do padre Dubois, mas o nosso digno amigo se mostrou irredutível, ferido no que há de mais santo: a sua honra.

Tudo estaria perdido? Seria possível que a verdade ficasse, assim, empanada e abatida?

Convém notar que há esse tempo a Senhora Prado estava já exausta, quase enferma. Não somente os contínuos trabalhos de materialização como sobretudo em conseqüência da crise moral de se ver subitamente acusada, em público, de trampolineira; - o estado moral de Eurípedes, prostrado, de cama, pelo sofrimento de não poder, já em virtude dos princípios que professava, já em virtude do pedido insistente de amigos, repelir como desejava, como era veemente desejo seu, a maneira insólita, agressiva, injuriosa, com que fora tratado pelo antagonista; tudo isso abalara profundamente a Senhora Prado sobre quem chegara a hora de sofrer as torturas da inquisição moral a que estiveram, estão e estarão ainda por muito tempo sujeitos todos os grandes médiuns.

Mas, mesmo assim, Eurípedes resolveu dar uma prova pública de que, sendo-lhe impossível vencer a repugnância de receber o Senhor Dubois em sua casa, não era um velhaco como a S. S.ª aprouve chamá-lo. E procurou efetuar sessões em casas estranhas, inteiramente insuspeitas.

Foi escolhida a do Senhor João Alfredo de Mendonça, cujo caráter ele pensava estar acima de toda dúvida, especialmente para o Senhor Dubois. Esperava-o aí, como adiante se verá, mais um golpe rude e cruel, que, de inesperado, quase o desanima para sempre.

Entretanto, logo na primeira experiência, foram consideradas quase todas as condições do Senhor Dubois: mudança de casa, sala sem mobília, revista da médium, toques no Espírito, exame detido do local, antes e depois da sessão, dispensa de trechos musicais, ausência de parentes da médium, dispensa de grade numa das sessões, etc.

Isto, como dissemos, nas sessões de materialização e trabalhos em parafina. Nas sessões de fotografia, seriam levados pelo Senhor João Alfredo ou, como ele, por pessoas insuspeitas, os fotógrafos estranhos.

Quanto ao interrogatório dos Espíritos conhecidos dos experimentadores, estranhos à família Prado, era intenção nossa, findas essas experiências, e por se tratar de fenômeno puramente independente, de outra classe, conseguir sessões de incorporação, com outros médiuns, certos de que nas mesmas Deus permitiria a evidência da verdade, não obstante a possibilidade natural das mistificações, as quais, para os espíritas imparciais, ainda constituem prova de fato.

Devemos dizer que a médium mandava com bastante antecedência, para ser examinado, o vestido que devia usar na ocasião das sessões. Ia sem o menor embrulho, nem mesmo a sua bolsa portátil. Ao entrar em casa do Senhor João Alfredo, ficava entregue às senhoras, com quem palestrava até à hora de mudar a roupa. Só depois de revistada por uma comissão daquelas, e sem mais contacto com pessoa alguma, era introduzida na grade e esta amarrada em cruz por um nastro, imediatamente lacrado, sendo que alguns dos assistentes ainda tomavam precauções particulares.

A família Prado, diante de todo este rigor, estava perfeitamente convencida de que ninguém ousaria pensar em fraude...

Teria razão?

Capítulo XVIII

A “Folha do Norte”, de 15 de Julho de 1920, assim noticiou e começo dessas experiências:

“Como está inteirado o público, em virtude da publicação de uma fotografia espírita neste jornal, o nosso colaborador padre Dubois escreveu diversos artigos acusando de fraudulenta tanto aquela fotografia como outros trabalhos do mesmo gênero, obtidos pelo Senhor Eurípedes Prado, conceituado comerciante em nossa praça”.

Saíram a campo, defendendo a autenticidade de tais fenômenos, o nosso companheiro João Alfredo de Mendonça, que assistira a algumas sessões, inclusive a em que foi conseguida a fotografia questionada, e o Doutor Nogueira de Faria.

Ambos, em seus artigos, convidaram aquele nosso colaborador a assistir aos trabalhos mediúnicos que tão profundamente vêm impressionando a opinião pública.

Tendo aceito o repto, o rev. padre Dubois, entretanto, continuou a discutir o assunto como lhe pareceu mais acertado, usando de linguagem que o Senhor Eurípedes Prado considerou ofensiva, pelo que se recusou a aceitar em sua residência a assistência daquele sacerdote. Mas, o Senhor Eurípedes, em defesa da veracidade dos seus trabalhos e por solicitação do maestro Bosio, resolveu realizar uma série de sessões, na residência de cavalheiros cuja idoneidade moral pairasse acima de qualquer suspeita e na presença de pessoas, cujos nomes e conceitos merecem o mais alto acatamento da opinião pública.

Ficou, assim, assentado que em tais sessões fossem observados fenômenos distintos: 1º sessão - trabalhos em parafina; 2º sessão - materialização; 3° sessão - fotografia.

Para julgar destes trabalhos, da sua veracidade e nitidez, mediante condições razoáveis e que não valessem por impossibilidade à realização dos mesmos, foi escolhida uma comissão permanente, e constituída de elementos os mais respeitáveis e insuspeitos. Com efeito, essa comissão ficou composta dos Srs. José Teixeira da Mata Bacelar, Bacelar Filho, Ferreira de Lemos, Pontes de Carvalho e Pinheiro Sozinho, médicos; desembargador Anselmo Santiago, Doutor Morisson de Faria, advogado em Marabá; Doutor Severino Silva, diretor da Biblioteca, e outros.

Do resultado dessa primeira experiência, terão notícia os nossos leitores pela ata agora publicada e da qual, entretanto, não constam detalhes interessantes, isso devido ao adiantado da hora em que terminaram os trabalhos, imediatamente aos quais foi a mesma lavrada.

Assim, a ata omitiu que, apesar de não ter conseguido a modelagem desejada, em conseqüência da má dosagem da parafina, o Espírito deixou patente o esforço que empregada para obtê-la, nos quatro moldes imperfeitos, que foram encontrados no balde respectivo, nos quais, mau grado isso, se distinguia bem a fatura de dedos, unhas, etc.

Tal insucesso, aliás, só redunda em benefício da veracidade do fenômeno.

Um desses moldes foi guardado pelo nosso prezado e velho amigo Doutor Mata Bacelar.

Também foi omitida a circunstância de ter o Senhor Doutor Ferreira de Lemos verificado a normalidade do pulso da médium. Senhora Eurípedes Prado, antes do início dos trabalhos, encontrando-o fatigado e enfraquecido, ao fim dos mesmos.

Uma das casas escolhidas para essas experiências foi a do nosso colega João Alfredo de Mendonça, cuja imparcialidade no caso ficou patente do seu próprio artigo em defesa do critério e isenção com que a “Folha” vem noticiando tais fenômenos, não faltando à verdade nem se deixando ingenuamente enganar.

A comissão prosseguirá em seus trabalhos com o mesmo rigor de controle, solicitando para isso várias sessões, devendo, ao considerá-las bastantes para a formação do seu juízo, publicar um relatório, dando franco testemunho daquilo que viu e observou.

Sabemos ser propósito inabalável do Senhor Eurípedes Prado não vir a público antes de findar as experiências anteontem iniciadas, quaisquer que sejam as objeções que lhe sejam feitas pela imprensa.

Publicamos a seguir a ata dos trabalhos anteontem realizados, a qual foi redigida e lavrada pelo Doutor Severino Silva:

“Aos treze dias do mês de Julho do ano mil novecentos e vinte, às nove horas da noite, encontrando-se na casa de residência do Senhor João Alfredo de Mendonça, à praça Saldanha Marinho n° vinte e três, os senhores desembargadores Anselmo Santiago, doutores José Teixeira da Mata Bacelar, Ferreira de Lemos, Juliano Pinheiro Lira Sòzinho, Mata Bacelar Filho, Pontes de Carvalho, Morisson de Faria, Pio Ramos, Severino Silva e Nogueira de Faria, Angyone Costa, Andrade de Queiroz, coronel Orvácio Marreca, Manoel Barbosa Rodrigues, Manoel Tavares, maestro Ettore Bosio, Eurípedes Prado e João Alfredo de Mendonça, senhoras Cristina de Mendonça, Teivelinda Guapindaia Mendonça, Idália Mendonça e Maria do Carmo Faria, mlles. Lili Mendonça, Mary Teixeira e Maria Cristina Teixeira, numa sala contígua à de visitas, para a verificação dos fenômenos espíritas já conhecidos nesta Capital, procedeu-se à armação do gabinete mediúnico, ato em que tomaram parte vários dos cavalheiros presentes. Foi no dito gabinete introduzida a grade para acomodação da médium, Senhora Eurípedes Prado, feito o que retirou-se a lâmpada de luz elétrica, que ilumina a sala, para começo da realização do fenômeno. Antes disso, encerrada a médium na grade, foi esta amarrada em três lugares diversos e após, sobre os pontos amarrados, aplicado lacre, sendo no ponto de intersecção da porta da grade com o ângulo da mesma colocada sobre o lacre uma moeda de níquel, de cem réis (16). A seguir, os presentes examinaram as portas, devidamente trancadas e lacradas, do referido departamento. Ao lado do gabinete mediúnico foi colocada, a pedido do Doutor Mata Bacelar, outra grade, dentro da qual foram postos dois baldes, um com água quente, em elevada temperatura, outro com água fria, achando-se no primeiro a parafina para a modelagem de mãos humanas. Antes do inicio de tais experiências, foi a Senhora Eurípedes conduzida pela Senhora Cristina Mendonça, senhoritas Lili Mendonça, mãe, irmã e sobrinha, respectivamente, do Senhor João Alfredo de Mendonça, e uma empregada da casa, Teodora Tavares da Paz, a um dos aposentos do interior do prédio, onde foi por estas pessoas examinada sua “toilette”, procedendo à mudança do vestido que trazia por um azul-marinho, com gola branca, tudo isso para afastar qualquer móvel ou suspeita de fraude, concluindo as pessoas que assistiam à mudança de “toilette” da médium nada trazer esta consigo que pudeste suscitar desconfiança.

(16) - Atualmente, dez centavos.

Encerrada a Senhora Prado no gabinete, todos os presentes dispostos de maneira a impossibilitar o trânsito por qualquer das portas do aposento, começaram por ouvir um ansiar, a princípio suave, depois acentuado, profundo, com longos suspiros, despedidos pela médium. Cerca de um quarto de hora transcorrido, notou-se o aparecimento, tênue e ondulante, de uma fosforescência em torno da médium, que ora se avolumava, ora se reduzia e extinguia. Finalmente, o núcleo cimo fosforescente foi-se adensando até constituir uma forma humana bem distinta, à exceção do rosto, vendo-se todo o vulto coberto de uma túnica branca. A princípio, desceu as cortinas do gabinete, levantando-as em seguida, atos esses flagrantemente pressentidos pelo ruído do pano agitado e os gestos dos braços do fantasma. Feito isso, arredou a grade em que estava encerrada a médium, aproximando-a da menor que continha os baldes referidos. Quer ao aparecer, quer ao desaparecer, o fantasma ajoelhou-se, após o que acenou para os presentes, num gesto de despedida. Seguiu-se o trabalho de modelagem, ouvindo-se, de quando em quando, o ruído da água dos baldes e da asa dos mesmos, como que agitados inteligentemente. A certa altura, perceberam-se sinais tiptológicos, ao que o Senhor Prado, atendendo, conseguiu a palavra “porque”, ditada letra a letra, e, como esse processo se tornasse demorado; o mesmo cavalheiro pediu que a comunicação fosse feita pelo órgão da médium. Ouviu-se então esta dizer: - “Porque param, de quando em quando, o ventilador?” Decorridas duas horas, novos sinais tiptológicos foram ouvidos, percebendo-se a sílaba “im”. Ainda outra vez, o Senhor Prado solicitou a comunicação por incorporação. Atendido, a médium respondeu tornar-se impossível à fatura da mão de parafina pelo excesso de carnaúba que esta continha. Perguntado ao Espírito pelo Senhor Prado se não era possível nova materialização, foi-lhe respondido, por intermédio da “médium” , negativamente, à vista do grande esgotamento da mesma. A seguir, o fantasma surgiu aos presentes, acenando-lhes um adeus com um lenço, ato este bem verificado por todos. Após, ouviram-se palmadas repetidas, no gabinete, denunciando-nos o despertamento da médium pelo Espírito, notando-se a respiração ansiada, como dolorosa, da mesma. Despertada esta, e antes de se fazer luz, chamou-se à atenção da mesma, convidando-a a proteger-se do choque brusco da luz, que se ia fazer no recinto. A médium abrigou o rosto com um lenço, cobrindo-o rigorosamente, tapando os olhos, sendo, ato contínuo, conduzida por seu esposo, Senhor Eurípedes Prado, para a saleta contígua à sala em que se verificou a reunião, sendo examinados os selos, que se achavam intactos, bem como inalterável a moeda aposta a um deles. Do que para constar, foi lavrada a presente ata assinada por todos os que assistiram às manifestações acima descritas.

Declaramos, sob penhor de nossa honra, que foi impossível, pela rigorosa fiscalização realizada, qualquer ato fraudulento, ou passível da mínima suspeita de autenticidade.

Anselmo Santiago, Doutor José Teixeira Mata Bacelar, Doutor Pontes de Carvalho, Severino Silva, Manoel Tavares, Orvácio Marreca, Angyone Costa, Andrade Queiroz, João de Morisson Faria, Pio de Andrade Ramos, Doutor Mata Bacelar Júnior, Pinheiro L. Sòzinho, Manoel Barbosa Rodrigues, Maria do Carmo Faria, Nogueira de Faria, Ferreira de Lemos, João Alfredo de Mendonça, Lili Mendonça, Mary Teixeira, Idália Teixeira, Cristina Mendonça, Teivelinda de Mendonça.

15 de Julho de 1920.

Capítulo XIX

Na segunda sessão os fenômenos surgiram mais nítidos e menos demorados. A “Folha do Norte” os noticiou nestes termos:

“Publicamos a seguir a ata de mais uma sessão em que foram observados os impressionantes fenômenos espíritas de que nos temos ocupado largamente e que tanto interesse têm despertado nesta Capital”.

ATA da sessão experimental dos fenômenos de modelagem em cera e materialização, efetuada na residência do Senhor João Alfredo de Mendonça, em 17 de Julho de 1920.

Aos dezessete de Julho de mil novecentos e vinte, nesta cidade de Belém do Pará, em a casa de residência do Senhor João Alfredo de Mendonça, à Praça Saldanha Marinho, 23, pelas oito e meia horas da noite, presentes às senhoras e senhorinhas, Amélia de Castro Maia Soeiro, Idália Teixeira, Cristina Mendonça, Lili Mendonça, Teivelinda Mendonça, Mary Teixeira e Maria Teixeira, e os cavalheiros desembargador Anselmo Santiago, doutores J. da Mata Bacelar, Bacelar Filho, Pontes de Carvalho e Ferreira de Lemos, doutores Severino Silva, Antenor Cavalcante, Pio Ramos, Nogueira de Faria e Morisson Faria, os primeiros médicos clínicos nesta cidade e os últimos formados em Direito, coronel Orvácio Marreca, Srs. Manoel Barbosa Rodrigues, João da Rocha Fernandes, Alberto de Andrade Queiroz, Angyone Costa, Manoel. Tavares, João Alfredo de Mendonça, Eustáquio Azevedo, Manoel Coelho de Souza, maestro Ettore Bosio e Euclides Góes, deu-se início às experimentações. Fundida a parafina à vista de todos e depois de examinada a médium, Senhora Eurípedes Prado, pelas senhoras presentes, armou-se o gabinete mediúnico ao fundo da sala de jantar, num ângulo da mesma sala. Organizaram esse gabinete, em plena luz, os senhores Manoel Coelho de Souza e o Doutor Pio Ramos, ficando as duas faces desse gabinete, que encostavam às paredes do aposento, forradas com um pano preto, e as duas outras com as cortinas levantadas. Ao centro desse gabinete colocou-se a grade e a médium e, ao lado, sobre uma pequena banca, dois baldes de zinco, um com a parafina em fusão e o outro com água fria. Dispuseram-se os assistentes em duas filas de cadeira: colocadas em ângulo reto, interceptando as portas que davam para o espaço onde se iam realizar as experiências e a passagem de quem quer que para esse espaço tentasse dirigir-se, e, depois de consultado o Espírito, que se esperava havia de manifestar-se, por intermédio da mesinha, onde se sentaram a Senhora Prado e seu marido, sobre quaisquer modificações a fazer, encerrou-se a médium na grade, sendo esta fechada por diferentes laços de nastro, que foram lacrados ao centro e em todas as suas pontas e em um deles aplicado um níquel. Os laços e os lacres foram aplicados pelo desembargador Santiago e pelos Srs. Manoel Coelho de Souza, Doutor Antenor Cavalcante e Euclides Goes, os três últimos assistindo pela primeira vez a experiência da natureza das que se iam realizar. Feito o escuro, ouviram-se, pouco depois, pancadas no interior do gabinete e, consultado o ser que assim se manifestava sobre o que significavam aqueles sinais, disse ele, também por sinais tiptológicos, que o balde de parafina estava muito distante da grade e, depois de várias posições, foi a mesa que continha estes baldes, da parafina e da água, colocada em frente ao gabinete mediúnico e à grade da médium. Cumpre assinalar que na primeira sessão experimental, efetuada a 13 do corrente, a parafina fora colocada sob uma grade, lacrada na presença dos assistentes, mas estes hoje propuseram dispensar-se a grade, no desejo de apreciarem o fenômeno nas suas diferentes modalidades de produção. Feito de novo o escuro, aguardou-se a produção das manifestações. Após algum tempo viram todos os assistentes formar-se um núcleo branco, como uma nebulosa, ao pé da médium, núcleo que aumentava às vezes e outras diminuía. Ora percebia-se uns pés brancos, ora um braço que procurava desprender-se da grade em que estava a médium. Por fim um vulto desprende-se, sai pela face lateral do gabinete, envolto em um roupão branco e mostra-se com sua estatura elevada, muito mais corpulento do que ela. E a figura de um homem alto e forte que se mostra, dando alguns passos, mostrando claramente todos os seus contornos. E' o Espírito familiar à Senhora Eurípedes - o João - conhecido por todos os que já têm assistido a essas manifestações. Dirige-se à mesa em que estão os baldes, arrasta-a fazendo forte ruído e facilmente, apesar de ter ela sido removida por duas pessoas por causa dos baldes que sobre ela pesavam. Esse Espírito abaixa as cortinas do gabinete, que estavam suspensas, e depois de alguns instantes recolhe-se ao mesmo gabinete. Momentos após, quando uma veste branca percebida, nos fazia supor que o mesmo Espírito voltava a mostrar-se, aparece uma figura completamente diferente. E' um Espírito de criança, absolutamente inconfundível com a médium. Aparenta uns 14 anos e tem longos cabelos negros, soltos, cabelos que ela às vezes puxa por sobre os ombros para frente do corpo. Veste de branco, um vestido apertado à cintura por uma fazenda que se destaca da do restante da veste, talvez pela diferença de tecido. E' Anita, dizem os assistentes que já a conhecem. Dá ela alguns passos em frente ao gabinete e ao lado deste e depois se dirige à mesa em que estão os baldes, colocando-se entre esta e o gabinete. Aí demora algum tempo e os assistentes vêem os seus movimentos sobre o balde de parafina, como quem está a fazer algum trabalho. Passados alguns minutos dirige-se para a assistência com o braço estendido como a pedir ou oferecer alguma coisa, vendo-se depois que tem ela na mão um objeto e que o deposita na mão do Senhor João Alfredo de Mendonça. Era uma flor em parafina, uma curiosa e esquisita flor, uma como variedade de cataleia. Volta Anita ao balde e daí regressa com uma outra flor que procura depositar na mão de D. Cristina Mendonça, mãe do dono da casa. Como essa senhora não estendesse a mão convenientemente, Anita deixa cair ao chão a flor que depois se verificou ser um cacho de três pequenas flores, artisticamente feitas. Em todos os movimentos de Anita notava-se a graça natural de uma menina e ao mesmo tempo um perto receio. Retira-se Anita para o gabinete e daí a pouco reaparece o João, o qual se dirige para a mesa, torna a empurrá-la, afastando-a da grade ainda mais e colocando-a em posição um tanto oblíqua ao gabinete. Começa então a modelagem em parafina. Vê-se perfeitamente o Espírito meter a mão em um e outro balde e levantá-la repetidas vezes, mostrando-a à assistência e colocando-a na corrente de ar do ventilador. Em uma ocasião, ouve-se ele dizer - está flácido - e, depois, vê-se transportar um balde para o ângulo do gabinete e tornar a trazê-lo momentos depois para a mesa, ouvindo-se claramente o ruído característico do zinco batendo sobre a madeira, ao ser arriado. O vulto dirige-se, em seguida, aos circunstantes, com a mão enluvada em cera e toca na mão da quase todos, deixando sentia-se a parafina mole e ainda quente. Os assistentes ficam com parafina aderida, aos dedos e o Doutor J. da Mata Bacelar sente o calor da mão que lhe é dada, algum tanto intensamente. Recolhe-se o Espírito ao gabinete e, em um dado momento, ouvindo-se um soluço mais forte da médium, ele aparece à frente da cortina e diz - não há novidade. - Regressando, apresenta uma mão de parafina e oferece-a ao Senhor João Alfredo de Mendonça. Preparada outra mão, percebendo-se os movimentos do Espírito e ouvindo-se o ruído da água agitada, apresenta-a ele aos assistentes e, como diversos braços se estendessem para recebê-la, ouve-se o Espírito pronunciar o nome - Bosio. O maestro aproxima-se e, recebendo a mão, agradece efusivamente. Ouvem-se algumas palavras que se não entendem e depois as palavras - Põe na “Brasileira”. A assistência acha graça e o Espírito corre para o gabinete e, soerguendo em parte a cortina, bate palmas sonoras, perceptíveis. A assistência fica atônita, mas o Espírito repete as palmas como que convidando os circunstantes a acompanhá-lo. Estrondam as palmas da assistência e o Espírito esconde-se no gabinete e depois se mostra dentro da grade agitando um lenço em despedida. A médium desperta e, dando-se-lhe um lenço para vendar os olhos, faz-se à luz. Examina-se a grade os selos estão intactos, os nós do mesmo modo por que foram feitos, a moeda de níquel, que fora aposta a um dos lacres, continua presa e há certa dificuldade em tirá-la para desfazer o laço e abrir a grade. A médium recolhe-se, cambaleante, amparada por seu marido, e a assistência comenta os fenômenos, acordando em lavrar-se a presente ata que, depois de lida e verificada estar conforme com o que foi observado, vai assinada por todos os presentes. Estes asseguram, por sua honra, serem verdadeiros todos os fatos aqui narrados, e não haver possibilidade de truque ou fraude de qualquer espécie. A médium não podia sair da grade; seu marido esteve, durante todo o tempo do trabalho, sentado na primeira fila de espectadores, visível a todos pela sua veste branca salientando-se no escuro da sala; o maestro Bosio esteve fora do círculo de cadeiras dos assistentes, apreciando de pé os fenômenos; nenhuma pessoa penetrou, nem podia penetrar sem ser notada, no círculo limitado pelas cadeiras dos assistentes. Convém assinalar que, concluídos os trabalhos, os Drs. Pontes de Carvalho e J. da Mata Bacelar examinaram o pulso da médium e tomaram sua temperatura, verificando ter ela cem pulsações por minuto, enquanto que acusava apenas trinta e seis graus e dois décimos de calor. Sendo a maioria dos espectadores contrária às idéias espiritualistas, fica entendida que a palavra - Espírito - aqui empregada, não importa em renúncia dessa maioria às suas opiniões, e foi empregada em falta de outra que mais imparcialmente designasse o que se viu. Eu, João de Morisson Faria, escrevi a presente, que assino com os demais, e que vai por mim rubricada em todas as suas folhas.

Amália de Castro Maia Soeiro, Cristina de Mendonça, Idália Teixeira, Teivelinda G. de Mendonça, Mary Teixeira, Maria Cristina Teixeira, Anselmo Santiago, Doutor José Teixeira da Mata Bacelar, Doutor Mata Bacelar Júnior, Doutor Pontes de Carvalho, Diógenes de Lemos, Severino Silva, Antenor Cavalcante, Pio de Andrade Ramos, Nogueira de Faria, Orvácio D. C. Marreca, Manoel Barbosa Rodrigues, João da Rocha Fernandes, Alberto de Andrade Queiroz, Angione Costa, João Alfredo de Mendonça, Eustáquio de Azevedo. Manoel Coelho de Souza, Ettore Bosio, Euclides Goes, Manoel José Tavares.

Capítulo XX

Prosseguiam assim os trabalhos em paz, sem que pessoa alguma se lembrasse de atribuí-los à fraude, tamanho era o rigor de controle e tão digna a família em cuja casa eles se realizavam.

Nós, o Maestro Bosio e quem estas linhas escreve, mais de perto interessados no caso, tínhamos esperanças de que as experiências continuariam por maior número de vezes, até que fosse possível aos Espíritos, à mercê do desenvolvimento da médium e confiança na assistência, dar aos fenômenos tal intensidade, tão nítida e perfeita que a todos convencesse da veracidade indiscutível da imortalidade da alma, da sua individualidade consciente e da sua manifestação “post-mortem”.

Deus, porém, não quis, como se verá. Leiamos, entretanto, antes de tudo, a ata da sessão realizada em 24 de Julho, na residência da família Mendonça.

“Aos vinte e quatro dias do mês de Julho de mil novecentos e vinte, cerca de oito horas da noite, na residência do Senhor João Alfredo de Mendonça, à praça Saldanha Marinho nº 23, acham-se presentes os Srs. Desembargadores Napoleão Simões de Oliveira, Anselmo Santiago, Drs. Ciríaco Gurjão, Gurjão Sobrinho, Ausier Bentes, Bacelar Filho, clínicos nesta capital; Drs. Severino Silva, Nilo Pena, Nogueira de Faria e Cândido Marinho, bacharéis em Direito; Srs. Eustáquio de Azevedo, Apolinário Moreira, Genélio Borralho, Manoel Tavares, João Alfredo de Mendonça, Manoel Néri Pereira, Álvaro Menezes e Eurípedes Prado; Sras. Maria do Carmo de Faria, Maria José de Araújo, Ausier Bentes, Clara Valente, Cristina Mendonça, Teivelinda Mendonça, Idália Teixeira, Bacelar Menezes; Senhoritas Lili Mendonça, Mary e Maria Cristina Teixeira e Teodora Soares, seleta assistência reunida especialmente para assistir à sessão de fenômenos espíritas, traduzidos pelo aparecimento de “João” e trabalhos de materialização.

As 9 horas deu-se começo à armação do gabinete mediúnico, cuja aparência é a de um cubo de dois metros aproximadamente, sendo as faces constituídas por ligeira armação de madeira, que sustenta cortinas de pano preto e especialmente destinado a favorecer a visibilidade na formação e conseqüente aparecimento do Espírito; - o presente ato foi observado por várias pessoas presentes e minuciosamente acompanhado pelos Drs. Ausier Bentes, Nilo Pena, Ciríaco Gurjão e Gurjão Sobrinho.

Iniciaram-se os trabalhos com a consulta feita pelo Senhor Eurípedes Prado, ao Espírito de “João”, sobre se este realizaria seus atos de materialização naquela noite – obtendo resposta afirmativa. Imediatamente depois foi transportada para perto do gabinete uma espécie de grade, construída de madeiras e barrilhas de ferro, em sentido horizontal, com uma única abertura, que serve de porta, e que, depois de exame meticuloso de várias pessoas curiosas, foi conduzido para o interior do gabinete. Terminados esses preparativos, foi a médium convidada a entrar para o interior da grade onde se achava uma cadeira para a mesma sentar-se.

Há a notar que a médium mudou as vestes, na presença das senhoras Ausier Bentes, Álvaro Menezes, João Alfredo de Mendonça, senhoritas Mary Teixeira e Teodora Soares.

A seguir foi a médium introduzida para o interior do gabinete mediúnico e após ter sido encerrada na grade, que lá se achava, foi à mesma grade fortemente amarrada em cruz, em sentido perpendicular, por nastro branco, cujas extremidades foram depois cuidadosamente lacradas pelos Drs. Ausier Bentes e Nilo Pena; a única abertura, que servia de porta, foi meticulosamente amarrada em dois pontos, tendo sido igualmente lacrada e, sobre todos os lacrados, foram apostas moedas correntes do país. Em seguida procedeu-se à lacragem das portas e janelas, feita pelo Senhor João Alfredo de Mendonça, com assistência dos Drs. Gurjão Sobrinho e Severino Silva, após o que foram transportados para perto do gabinete mediúnico dois baldes de zinco, contendo um, parafina liquefeita em alta temperatura, e o outro água fria, ambos colocados sabre um pequeno estrado de madeira, de pequena altura; na presente sessão foi o pequeno estrado colocado em substituição a uma mesinha, até então usada para tal fim, mas que tinha o inconveniente de interceptar a visão completa dos vultos materializados. Concluídos esses pequenos atos preparatórios, foram as luzes do compartimento apagadas, ficando o mesmo debaixo de uma penumbra bem acentuada, devido a uma forte lâmpada a nitrogênio, colocada na sala vizinha, que irradiava sua luz pelas bandeiras das portas. Releva notar que as pessoas presentes, e que já assistiram a sessões anteriores, foram unânimes em reconhecer que trabalho nenhum de materialização houvera sido feito com penumbra tão clara.

Decorrida cerca de meia hora, começaram os assistentes a notar que no gabinete mediúnico e como que partindo do ponto em que se achava a médium, se formavam nuvens esbranquiçadas, que ora se alongavam, ora se adelgaçavam, fazendo compreender achar-se em franco início o fenômeno de materialização. O núcleo, como fosforescente, mantinha-se em torno da médium e, cada vez mais, se revestia da forma humana, até que, decorridos mais ou menos vinte minutos, viram todos, distintamente, o vulto branco de uma mocinha de cabelos soltos e que, após ter baixado uma das cortinas do gabinete, aproximou-se do Doutor Nogueira de Faria estendendo-lhe a mão, com em sinal de cumprimento; em seguida dirigiu-se para o lugar em que se achavam os baldes, dando a entender que iniciara a confecção de objetos em parafina; após uns quinze minutos, ergueu-se, lançando no balde de água fria um objeto que, ao finalizar a sessão, verificou-se ser uma flor, tipo cataleia.

Terminado este trabalho, volveu o vulto para junto da médium, desaparecendo e dando lugar à nova aparição, de outro vulto, desta vez de conformação masculina, como trajando calças curtas e blusa, gênio vivo e irrequieto, ora dirigindo-se para um, ora para outro lado; num momento, dirigindo-se para o lugar onde se achavam os baldes, pegou-os, transportando-os para junto da parede, tudo acompanhado do ruído especial produzido pela alça do balde ao cair sobre si mesmo. Volvendo novamente para o lugar onde se achavam os baldes, com o pé direito empurrou o pequeno estrado, a uma distância seguramente de um metro. Após estas demonstrações, volveu ao gabinete mediúnico, onde baixou as cortinas, desaparecendo.

Passada a segunda materialização, cerca de vinte minutos depois, envolto em ampla túnica branca, apareceu o Espírito de “João”, que ao abrir o gabinete suspendeu as cortinas do mesmo, de modo a distinguir-se perfeitamente o interior do gabinete, dando a compreender que a médium se encontrava no ponto em que a colocaram, no início dos trabalhos. Havendo indagações entre os assistentes, se a médium se achava de fato no interior da grade, o Espírito de “João” aproximou-se da mesma e fez ouvir distintamente o ruído de palmas, aplicadas presumivelmente no rosto da médium, desfazendo, portanto, a dúvida suscitada; várias vezes “João” repetiu essa demonstração. Deixando o gabinete, dirigiu-se à extremidade da. fila, onde se encontravam o Doutor Nogueira de Faria, Desembargador Anselmo Santiago e Senhor Eustáquio de Azevedo, estendendo-lhes a mão, em cumprimento, sendo por todos esses senhores correspondido. Imediatamente volveu à outra extremidade oposta da fila das cadeiras, onde se achavam os Drs Ausier Bentes, Ciríaco Gurjão, Gurjão Sobrinho, Nilo Pena e Senhora Alfredo de Mendonça, os quais, compreendendo a aproximação de “João”, estenderam as mãos, tendo sido quase todas tocadas levemente por ele, de um modo palpável e de nítida impressão material, sendo digna de registo a distinção acentuada da coloração da manga da túnica para a epiderme da mão do Espírito.

Durante os cumprimentos de “João”, ouviram-se fortes gemidos, como dolorosos, partindo do gabinete mediúnico, o que obrigou “João” a voltar bruscamente para junto da médium, tendo então, ao chegar ali, arriado com violência as cortinas do gabinete, dando a compreender certa irritação, talvez proveniente de alguma irregularidade ocorrida.

A seguir fizeram-se ouvir fortes sinais tiptológicos, partidos do gabinete mediúnico, determinando a retirada imediata da médium, que se achava em estado ofegante, despedindo de espaço a espaço soluços angustiosos, denunciando flagrante estado de sofrimento. Cumpriram-se as determinações de “João” e, tendo o Senhor Prado a cautela de proteger a médium da forte luz que se ia fazer, acendeu-se a luz elétrica do compartimento e, com grande espanto, tudo no gabinete da médium se encontrava no perfeito estado em que se iniciaram os trabalhos da sessão, desde a grade até os lacrados, que foram meticulosamente examinados pelos Drs. Ausier Bentes, Ciríaco Gurjão, Gurjão Sobrinho, Nilo Pena e mais pessoas curiosas.

Após esse exame rigoroso, foram os nastros deslacrados e cortados, tendo sido a médium retirada da grade, desacordada, estampando-se em sua fisionomia acentuada expressão de mal-estar.

No balde de água fria foi encontrado belo tipo de flor feita em parafina, que, após ter sido admirada pelos presentes, foi ofertada ao Senhor Desembargador Anselmo Santiago, que a conduziu à sua residência.

E eu, Nilo Pena, tendo sido escolhido e convidado para lavrar a presente ata, o fiz de próprio punho e em testemunho de verdade, assino-a com os demais presentes.

Belém, 24 de Julho de 1920. - (aa.) Nilo Pena, Napoleão de Oliveira, Anselmo Santiago, Álvaro Menezes, Apolinário Moreira, Mata Bacelar Júnior, Eustáquio de Azevedo, Genélio Borralho, Manoel Pereira, João Alfredo de Mendonça e Cândido Marinho.”

*

Como se vê, confrontando os nomes das pessoas mencionadas nas atas anteriores com os constantes desta última, entre os novos assistentes se encontravam o Doutor Ciríaco Gurjão, clínico de renome em Belém e deputado estadual; Ausier Bentes, médico estimadíssimo, já pela sua competência profissional, já pelas suas qualidades de caráter e de coração e o Doutor Gurjão Sobrinho, também clínico em Belém, formado há poucos anos.

Lê-se na ata - e, ela está assinada por pessoas de bem - que os Srs. Ciríaco Gurjão e Gurjão Sobrinho, Ausier Bentes e Nilo Pena assistiram e acompanharam minuciosamente a armação do gabinete, o ato de ser a grade, contendo a médium, “fortemente amarrada em cruz” por nastro branco cujas extremidades foram depois “cuidadosamente lacradas” pelos Drs. Ausier Bentes e Nilo Pena, sendo que a “única abertura”, que servia de porta, fora “meticulosamente lacrada” e sobre todos os lacrados foram apostas moedas correntes do país. Em seguida se procedeu à lacragem das portas e janelas, feita pelo Senhor João Alfredo de Mendonça, “com a assistência dos Drs. Gurjão Sobrinho e Severino Silva, após o que etc.”

Terminada a sessão, “com grande espanto tudo no gabinete da médium se encontrava no perfeito estado em que se iniciaram os trabalhos, desde a grade até os lacrados que foram meticulosamente examinados pelos Drs. Ausier Bentes, Ciríaco Gurjão Sobrinho, Nilo Pena e mais curiosos”.

Note-se ainda que “trabalho nenhum de materialização houvera sido feito com penumbra tão clara, como os que tinham assistido às sessões anteriores foram unânimes em declarar...”

Pois bem: feita a ata e já assinada aliás por alguns dos assistentes, ao ser apresentada ao Doutor Ciríaco Gurjão, S.S.ª negou-se a subscrevê-la, alegando, ao que nos consta, que ficara convencido de que a mão que apertara houvera sido de um ser humano e não de um Espírito.

Valha-nos Deus! Se o fenômeno era de materialização, se consistia nisso mesmo, em o Espírito se apresentar como um ser humano!

Quem seria esse homem ou mulher que estaria a representar ali uma farsa? As portas não haviam sido lacradas, a grade não havia sido amarrada e lacrada? O semicírculo da assistência, porventura, não era tão fechado, tornando absolutamente impossível a entrada de qualquer pessoa para o resto do aposento em que se realizava a prova? E se isso fosse possível, quem seria a pessoa capaz de se prestar a semelhante risco, admitindo mesmo que nós, os espíritas, fossemos capazes de ato tão infame? Mas, admitindo mesmo que tivéssemos pagado alguém para a fraude odiosa e vil, a família Mendonça poderia ignorá-la?

A casa não estava inteiramente trancada? O próprio portão da rua não ficara fechado durante a sessão? Por onde sairia tal intrujão, findos os trabalhos, sem que pessoa alguma o visse, sem o consentimento, a cumplicidade da família Mendonça? Quem teria a insensatez, a coragem inaudita de pensá-lo?

A não ser assim, um de nós, da assistência? O Doutor Gurjão seria capaz de, em caso idêntico, se prestar a semelhante papel? Certamente que não. Pois, como S. S.ª, nenhum de nós, os espíritas que ali estávamos, sê-lo-íamos também.

A médium?

Mas os lacres não estavam intactos?

Quem seria afinal esse “ser humano”, eliminada a hipótese da materialização?

Alçapões, saídas falsas? Na casa de João Alfredo de Mendonça? Francamente, é o cúmulo!

Se S. S.ª ainda atribuísse, como alguns de seus ilustres colegas, como, por exemplo; o Doutor Porto de Oliveira, se tratar de um caso de hipnose, vá: S. S.° é médico e o preconceito científico, como todos os preconceitos, obstinado. Mas atribuir à fraude fenômenos tão rigorosamente observados - desde a mudança de traje da médium na casa da família respeitável em que os mesmos se realizavam, é, repetimos, o cúmulo!

Que dizer diante disso? Fazer o que fez o Senhor Eurípedes Prado: suspender as experiências, certo de que, por maiores, mais exigentes, mais severas que fossem, haveria e haverá sempre alguém bastante sábio ou bastante leviano para afirmar a existência da fraude!

Desta vez, suspendendo os trabalhos, S. S.ª teve todo o nosso aplauso. Quando do repto Dubois, o Senhor Eurípedes Prado, justamente ferido, se recusou a permitir numa sessão a presença daquele sacerdote, isso nos desgostou e nunca lhe escondemos esse desgosto e o nosso desacordo.

No caso do Doutor Gurjão, porém, estivemos desde logo com a sua maneira de pensar. Quando não bastassem as considerações já formuladas, poderíamos ainda perguntar: e quem seria capaz de mergulhar as mãos na parafina, que, à nossa vista, saíra do fogo, aquecida até à fervura? E o Espírito não fabricou flores, não obstante a péssima dosagem daquela substância?

*

Uma última consideração em testemunho da verdade lavrou a ata o Doutor Nilo Pena. Quem é o Doutor Nilo Pena? Será alguém capaz de pregar carapetões? Será algum pobretão desonesto capaz de, por dinheiro, dizer gato por lebre? Felizmente não. Todos em Belém o conhecem. A sociedade belemense o estima. E' fazendeiro. E' rico. E' digno. Será um doente, um tipo sugestionável? Não. Bem ao contrário. E' sadio, equilibrado, forte, e até um dos mais apaixonados cultores do esporte.

E as demais pessoas que assinaram a célebre ata?

Seriam todos uns pagos ou uns imbecis? Não haveria alguém, entre tantos, que visse a fraude? Onde, enfim, a prova desta? No contacto da mão materializada do Espírito? Mas se nisso, repetimos, está o fenômeno! Então, que diria Crookes, tomando as pulsações de Katie King, ouvindo-lhe o pulsar do coração, carregando-a nos braços, com ela conversando familiarmente e declarando-a, enfim, um ser tão material quanto a médium?

Que diriam Aksakof e tantos outros com as suas admiráveis experiências?

E compreendeu-se bem que isto de ser Crookes e Aksakof não é para todo mundo!...

Capítulo XXI

EXPERIÊNCIA CULMINANTE

O excesso de controle. - Aparato desnecessário

Ainda quando as experiências eram realizadas em casa do nosso amigo João Alfredo de Mendonça, ficava mais ou menos assentado, na melhor harmonia

a) experiências com uma jaula mandada preparar pelo Doutor Ferreira de Lemos;

b) experiências datiloscópicas, presididas pelo Doutor Renato Chaves.

Quando o Senhor Eurípedes teve notícias da opinião do Senhor Doutor Gurjão, caiu em absoluto estado de desânimo.

- E' inútil a luta - dizia-nos. - Sempre haverá quem argumente com a fraude.

A idéia de que alguém o julgava capaz de uma fraude o magoava muito. Era a sua conversa predileta. Chegamos mesmo a ficar apreensivos, quanto à saúde do Senhor Prado que, abalado por essa idéia, passava noites sucessivas sem poder conciliar o sono, recorrendo, por vezes, ao cloral.

Esposa dedicada, a Senhora Prado acompanhava o esposo nessas vigílias cruéis, exaurindo-se por sua vez, caminhando a largos passos para um esgotamento nervoso, que lhe poderia ser fatal.

O público, a gente alheia à questão, mal imaginava o sofrimento moral daquelas duas criaturas, extremamente sensíveis, apontadas a uma cidade inteira como capazes de atos de trampolinice, de abuso da boa fé de pessoas dignas e respeitáveis. Ainda assim, a Senhora Prado, sempre nos pareceu mais forte que o esposo. Nesses dias, porém, estava profundamente abalada e tal era a sua fraqueza que, já na última sessão, por causa que não chegamos a averiguar bem, “João” fora obrigado a suspender subitamente a sessão, mandando socorrê-la (17).

(17) Vide pág. 133.

Outro, mais sereno, tomaria um período de tempo maior para repouso de sua esposa e seu próprio repouso, pois que, após noites de insônias exaustivas, o Senhor Prado saía e passava o dia tratando de negócios comerciais, que exigem cuidados especiais, considerando a crise econômica da praça. Ele não quis assim; resolveu “acabar” com aquilo e outro erro, a meu ver, assentou efetuar de umas sós vezes ambas as provas da jaula Ferreira de Lemos e das experiências datiloscópicas.

E' preciso dizer que, enquanto todos esses transes se passavam, o reverendo Dubois não abandonara o sistema de fazer ironias e injúrias ao casal Prado, tortura moral aumentada pelos reclamos para uma revista de costumes que seria levada em Nazaret, intitulada - “O João”.

A esse tempo, também, surgira pela imprensa o Doutor Porto de Oliveira, e o Senhor Prado fora obrigado a responder-lhe, sendo que essa troca de artigos não descambara nem de leve da linha simpática da cortesia e do cavalheirismo.

Puseram a jaula Ferreira de Lemos em exposição. Os jornais publicaram-lhe a fotografia - e enquanto isto se fazia a Senhora Prado estava quase de cama!

Contudo, nós, os que defendíamos já a verdade dos fenômenos espíritas, já a honra da família Prado, tínhamos a mais absoluta confiança em ambas as provas. Quem vira o que víramos, repetidas vezes, já na intimidade, sem controle nem desconfiança, já nas sessões, poderia lá ter a menor duvida?!

Simpatizávamos muito mais com a experiência datiloscópica, notando ainda que a prova “da jaula” era antipática à médium. A nosso ver aquela prova daria, sobretudo, a distinção do fenômeno anímico do fenômeno espírita. Várias vezes o disséramos ao nosso ilustre amigo Doutor Renato Chaves. Tínhamos absoluta certeza de obter, em mais de uma sessão, é claro, duas espécies de fichas: umas reproduzindo as impressões digitais da médium; outras as impressões dos Espíritos. No primeiro caso tratar-se-ia do desdobramento da médium, do fantasma de um vivo, fato este abundantemente verificado já!

Tamanha era a nossa convicção que, de uma feita, chegamos a dizer a João Alfredo de Mendonça: Temos esperança de que em breve a “Folha” publicará as impressões digitais da Senhora Prado, do seu duplo e do Espírito do “João”.

*

Mal a Senhora Prado se considerava em condições de trabalhar, o Senhor Prado mandou-nos chamar, pedindo que combinássemos com o Doutor Renato Chaves as experiências datiloscópicas, enquanto S. S.ª em pessoa ou outro confrade se encarregaria de idêntica incumbência junto ao Doutor Ferreira de Lemos.

Ficou assentada a sessão para o dia 20 de Agosto, tendo aqueles facultativos a. liberdade de escolher a assistência. Tivemos a honra de ser aceito pelo Doutor Renato e conosco o maestro Bosio - com este combinamos ficar, muito propositadamente, fora e atrás do círculo de assistentes.

Chegara a inolvidável noite.

Do aparato da sessão, se encarregara de dizer o “Estado do Pará”.

“Às 7 horas da noite davam entrada na residência do Senhor Prado o Doutor Renato Chaves, acompanhado do pessoal da repartição de identificação: Srs. Moisés Bensimon, Artênio Beckman, Carlos Lacerda e Antônio Brasil, conduzindo todo o material preciso.

Em seguida chegava o Doutor Ferreira de Lemos, acompanhado do condutor da grade.

A Senhora Prado demonstrava estar presa de grande emoção nervosa.

Antes de ser iniciada a sessão, o Doutor Renato Chaves pediu aos seus colegas Ausier Bentes e Porta de Oliveira e ao Senhor Prado que autenticassem com suas rubricas as papeletas em que iam implantadas as impressões digitais de todos os presentes e a do “Espírito”.

Tiradas as impressões de todos os presentes, pelo mesmo Doutor Renato foi nomeada outra comissão para assistir ao lacramento das portas.

Esta comissão se compôs dos Drs. Sinval Coutinho, Ausier Bentes e Senhor Moisés Bensimon, sendo este último o lacrador. Foi colocado em seguida, num canto da sala, um biombo de fazenda preta e dentro deste a grade.

A tudo isso assistia a Senhora Prado, contendo a custo as lágrimas.

O Doutor Virgílio Mendonça chamou particularmente o Senhor Eurípides, Prado, aconselhando o adiamento da sessão. A seu ver, a Senhora Prado não poderia trabalhar. O choque daquele aparato, tanta gente desconhecida, sentir-se objeto de desconfiança que sabia nunca ter merecido, a sua antipatia pela prova da jaula - o que mais chocava os seus sentimentos elevados - tudo isso reagia contra a pobre senhora, comovendo-a, provocando-lhe uma grande e grave desordem nervosa.

O Senhor Eurípedes obstinou-se: “queria liquidar aquilo”. Não se recusou a nenhuma exigência.

Di-lo o próprio Doutor Ferreira de Lemos, testemunha insuspeitíssima. Quando ouvido pelo “Estado do Pará”, declarou poder afirmar que tanto o Senhor Eurípedes Prado como sua esposa não demonstraram vacilação alguma perante a grade e os preparativos de identificação, notando, aliás, que o Senhor Prado teve sempre a maior boa vontade em auxiliá-lo, tendo solicitado a prova.”

Continuamos a transcrever a notícia do “Estado do Pará”

“Ia começar a memorável sessão. A Senhora Prado e seu marido sentaram-se a. uma mesinha afastada e aí se conservaram um em frente do outro, durante uns três minutos, mais ou menos. Em seguida ela se levantou soluçando e, demonstrando excitação nervosa, aproximou-se da porta da grade.

Antes de entrar, entre soluços proferiu a seguinte frase: - Esta é a terceira e última grade em que entro! (18)

(18) Quis dar-se uma segunda intenção a esta frase, acrescentando-se que, ao ser tirada da grade, tendo um lenço atado ao pescoço, Madame Prado dava a impressão de ter cometido um ato de loucura. Nunca houve tal e, felizmente, um dos assistentes, o Doutor Porto de Oliveira, pela imprensa, opôs logo, sempre leal, formal desmentido ao boato leviano. Em relação à grade, a frase tem a seguinte explicação: embora sempre procurasse ocultar seus sentimentos, a Senhora Prado sentira-se melindrada com a idéia. Uma grade de ferro! - exclamava. Não sou fera nem criminosa. Submeter-me-ei a prova, mas uma única vez!! Quanto ao lenço ao pescoço - um lenço branco - há o seguinte: nas sessões, a Senhora Prado vestia sempre de escuro, pana melhor se distinguir o começo da formação do fantasma, e, como este ondulasse para a direita e para a esquerda, ora subindo, ora descendo, combinou-se desde as primeiras experiências que a médium tivesse aquele lenço branco ao pescoço que, permanente e imóvel, permitiria distinguir-se a médium dos núcleos fluídicos que se formavam. Eis a verdade.

E entrou.

Aproximou-se, então, o Doutor Porto de Oliveira e trancou os cadeados de campainha, em número de dois.

Apagaram-se as luzes a uma ordem do Senhor Prado. Penumbra. Expectativa. Dez minutos de espera. Ouvem-se soluços da médium. Dentro da grade começa a formar-se uma pequena mancha branca, que se vai desenvolvendo a pouco a pouco, aumentando e diminuindo. Próximo da grade, sobre uma mesa, estendiam-se as papeletas com uma placa com tinta de impressão, pronta para as marcas digitais do “João”. O vulto, que não tinha forma definida, parecia querer deslocar-se para o lado da mesa, porém os seus esforços como que eram inúteis, pois não alcançava destacar-se do local, onde se encontrava a médium (19).

(19) Não é para admirar que assim sucedesse. Concorre com a do transe incompleto, ou quase nenhum, a solicitude sempre manifestada do Espírito de "João" pela médium. Ao menor gemido desta, ao menor ruído, soluço ou qualquer outro incidente que indicasse o mal-estar, ele corria logo ao gabinete e não foram duas nem três as vezes que mandou suspender imediatamente a sessão. Imagine-se agora a preocupação desse Espírito vendo o estado de angústia da médium, que não lhe permitiria a realização de prova tão importante! (Vide pág. 133.)

Demoravam seguramente uns 20 minutos essas tentativas do vulto. A assistência comentava em voz baixa. De quando em quando se escutava um soluço da Senhora Prado. Com relativa rapidez a forma branca foi desaparecendo e logo se ouviu o bater nervoso da Senhora Prado, chamando alguém. O Senhor Prado perguntou, pressuroso, se era preciso menos luz.

Respondeu a Senhora Prado:

- Quero sair!

Apressadamente o Senhor Prado mandou que seu filho, que se achava fora, fizesse luz.

E a luz se fez.

O Doutor Porto de Oliveira, que tinha a chave, abriu a grade, que agora se achava rodeada de todos os presentes, e daí foi retirada a médium, que havia perdido os sentidos e trazia um lenço apertado à garganta, dando a todos a impressão de que havia cometido um ato de loucura. Vários médicos presentes conduziram-na para os altos da casa.

A placa e as papeletas conservavam-se na mesa, intactas.

Por essa descrição minuciosa da sessão de ontem, evidencia-se que não tiveram resultado favorável às experiências lembradas pelos Drs. Renato Chaves e Ferreira de Lemos.

Que venham os motivos desse resultado negativo. (20)

(20) Nada mais natural do que pedi-los. O valente órgão paraense os encontrará, no Cap. XXIII deste livro e nas próprias palavras do Doutor Porto de Oliveira e Ferreira Lemos. (Vide nota de pág. 144.)

Durante a sessão nós nos achávamos por trás da fila dos assistentes. Continuávamos a ter a mais absoluta confiança no fenômeno, ainda mesmo diante da excitação nervosa da médium, da sua indisposição psíquica.

Não nos ocorrera a hipótese de a médium não cair em transe. Por isso foi grande o nosso júbilo quando vimos o começo da formação fluídica e para ela chamamos a atenção do Doutor Renato Chaves.

E' certo que “O Imparcial”, órgão vespertino, noticiou ter ouvido o Doutor Renato Chaves e que este lhe declarará nada ter visto. Houve, decerto, engano daquele órgão da imprensa paraense. O Doutor Renato certamente disse não ter obtido resultado algum quanto à identificação. Isso é exato. Nem poderia obtê-lo porque a experiência foi incompleta. Mas, que S. S.ª viu o fantasma em formação ou, se quiserem, a formação do duplo da médium, podemos garantir que viu. Nós lho mostramos. Nem admitiremos que S. S.ª tivesse feito aquela declaração, nem admitirá todo aquele que o conhecer. E S. S.ª um homem direito.

Capítulo XXII

A notícia do “Estado” foi confirmada pelo Doutor Ferreira de Lemos, como se vê desta publicação, nesse mesmo brilhante órgão.

AS MATERIALIZAÇÕES DO JOÃO

O Doutor Renato Chaves prefere não tratar do assunto. - O Doutor Porto de Oliveira falará em outro jornal. - O que diz o Doutor Ferreira Lemos.

Causou forte impressão ao público a notícia ontem estampada no “Estado” sobre a sessão espírita realizada às 9 horas da noite anterior, na residência do Senhor Eurípedes Prado, à travessa de S. Mateus, 144, a fim de serem feitas experiências, que seriam deveras emocionantes se resultassem completas, autênticas, em paralelo com as normas e precauções exigidas pelos Drs. Ferreira Lemos e Renato Chaves.

Entretanto, empenhados em tornar conhecidas dos nossos leitores as opiniões de alguns dos cavalheiros presentes à sessão, especialmente as dos dois clínicos acima citados, mandamos solicitar de ambos a permissão de divulgar as suas impressões.

Motivos alheios aos nossos desejos impediram-nos de publicá-las.

O Doutor Renato Chaves, um tanto indisposto, resolvera não tratar do assunto.

Mas, o Doutor Porto de Oliveira, procurado pelo emissário do “Estado”, declarou, já haver escrito sobre as impressões que recebeu durante a sessão, transmitindo-as a outro jornal.

À noite, o Doutor Ferreira Lemos recebeu gentilmente em sua residência o nosso representante.

Disse-lhe S. S.ª não ter o intuito de externar uma opinião pessoal. Não.

O “Estado” - prosseguiu ele - publicou notícia minuciosa que era a expressão da verdade do que aí se passara. Considerava um caso melindroso esse em que se teria de, talvez, cometer uma imprudência, expondo a comentários desairosos o nome de uma senhora.

Pode afirmar que tanto o Senhor Eurípedes Prado como sua esposa não demonstraram a menor surpresa ou vacilação perante a grade e os preparativos de identificação do Doutor Renato; notou, aliás, que o Senhor Prado teve sempre a maior boa vontade em auxiliá-lo em tudo, sendo ele quem lhe escreveu um cartão, pedindo uma entrevista. Realizada esta entrevista, o Senhor Prado manifestou-se de pleno acordo com S.Sª, lembrando a conveniência de ser feita uma grade bastante segura.

Nada pode referir quanto à autenticidade dos fenômenos, porque, se não realizaram as experiências projetadas, foram nulas as pesquisas. E' inoportuno cuidar do assunto com propriedade sem incorrer num grave erro, por isso julga acertado aguardar ocasião propícia às observações que se pretende efetuar e à conseqüência crítica insofismável, então, à luz dos fatos.

A verdade, porém, é que o caso de materialização é anormal.

Averiguou-se que a Senhora Prado era presa de grande comoção nervosa, como já disse o “Estado”, estava visivelmente enferma. Daí o resultado incompleto das experiências, o que se não pode absolutamente classificar de fracasso.

A Senhora Prado, ora em tratamento de saúde, repousará por algumas semanas, talvez; e, uma vez restabelecida, voltará à sessão em que se fará a prova definitiva das materializações do João. Esperaremos, pois, disse S. S.ª.

A grade, cujo “clichê” o “Estado” reproduz, está bem guardada em sua residência; - o Doutor Ferreira de Lemos, dando alguns passos, mostrou-a ao nosso representante - não há receio de que seja exposta a alteração, a um qualquer desarranjo.

De resto - concluiu S. S.ª - é um caso melindroso esse em que figura uma família que por sua afabilidade e evidentes relações na sociedade belemense merece todo o acatamento e respeito.”

O Doutor Porto de Oliveira referiu o caso da seguinte maneira:

UMA PALESTRA COM O DOUTOR PORTO DE OLIVEIRA

A propósito da sessão experimental de materialização espírita, anteontem realizada na residência do Senhor Eurípedes Prado, à travessa de S. Mateus nº 144, a que assistiram vários médicos e pessoas de destaque em nossa sociedade, procuramos ouvir a opinião do Doutor Porto de Oliveira, um dos assistentes, a respeito dos sucessos ocorridos na referida sessão.

O distinto clínico, informado do nosso objetivo, prontificou-se em nos atender, entretendo a palestra que, a seguir, vamos sumariar.

O Doutor Porto de Oliveira declarou-nos ter comparecido à sessão algo constrangido, em atenção somente ao convite dos seus colegas, Drs. Renato Chaves e Ferreira de Lemos, promotores da mesma. A polêmica que manteve na imprensa, não há muito, com o Senhor Eurípedes Prado, muito embora não tivesse desbordado os limites da cortesia que se devem os homens educados, não existindo, por isso, ressentimentos pessoais entre ambos, constrangeu de certo modo o Doutor Porto de Oliveira a comparecer à residência daquele cavalheiro, como membro de uma comissão que, para a verificação da realidade dos fenômenos ditos espíritas, exigia condições um tanto vexatórias para a família Prado.

Vencendo, porém, esses legítimos escrúpulos, o Doutor Porto compareceu à sessão, merecendo um acolhimento gentil e atencioso por parte do Senhor Eurípedes e sua família, acolhimento esse que fez dissipar quaisquer dúvidas que pudesse nutrir sobre a conveniência ou não da sua presença ali.

- Não há negar que a experiência deu lugar a um verdadeiro desastre (21) - disse-nos o Doutor Porto de Oliveira -, mas esse fato deve ser atribuído não só ao rigorismo das provas, que, uma vez satisfeitas, não mais dariam ensejo a controvérsias, como também a circunstâncias ocasionais que contribuíram para indispor a Senhora Prado a praticabilidade das experiências, conforme apregoam os adeptos das idéias espíritas.

(21) Se o Doutor Porto de Oliveira emprega, como supomos, a expressão "um verdadeiro desastre" no sentido de não ter o Espírito saído da grade nem ter produzido as impressões datiloscópicas, bem. Mas se quer dizer a ausência absoluta do fenômeno, então, não. Que houve um começo francamente visível de materialização, é inegável.

Nem outro poderia ser o intuito de S. S.ª, senão aquele, pois que se alguém andou em tais experiências de animo sinceramente inspirado pelo amor da verdade e do estudo, o Doutor Porto de Oliveira foi um desses.

Como se vê, S. S.ª fala em "verdadeiro desastre". Não houve tal e isso mesmo se deduz das próprias palavras do ilustre alienista. Como haver desastre, se a médium não caiu em transe? Que melhor defesa do resultado da sessão do que as palavras de S.S.ª? Se ao Doutor Porto de Oliveira, espectador, tão profunda emoção causou todo aquele aparato, imagine-se a pobre senhora, que era a vítima de tanto e tão injustificado rigor?

Inserimos a seguir, sem modificação alguma, o trecho do artigo que tínhamos feito para publicar após as entrevistas dos ilustres Drs. Porto de Oliveira e Ferreira de Lemos.

Tendo sabido de nossa, intenção, o Senhor Eurípedes Prado mandou solicitar-nos que nada fizéssemos em tal assunto. Resolvera dar fim as suas experiências, iniciadas com tão serena boa vontade de servir a Ciência e a Verdade.

Receava pela saúde de sua esposa, fortemente combalida. Mais tarde, talvez, reencetasse os seus trabalhos, mas, então, para um diminuto número de amigos, que o acreditassem incapaz de fraude. Acedemos, mas a contragosto. Embora frágil, era a defesa da causa e do próprio Eurípedes.

Não fui promotor dessas provas experimentais. Se fosse experimentador e não mero observador, como fui, daria preferência a um processo menos aparatoso e menos constrangedor. Não exigiria a grade de ferro, a que melhor chamaríamos jaula, com os seus cadeados de alarme, nem a “mise-en-scene” que precedeu a entrada das pessoas na sala e da médium na citada gaiola.

Atendendo à solicitação do meu ilustre colega Doutor Ferreira de Lemos, fechei um dos cadeados; mas não posso ocultar a comoção que experimentei diante daquela cena dolorosa, vendo uma senhora, por todos os títulos respeitáveis, sujeita aos olhares investigadores de numerosas pessoas, em sua maioria estranhas ao seu convívio.

Desde o início dos trabalhos, a Senhora Prado denunciava a sua excitação nervosa, que aumentou depois de ter sido encerrada na jaula de ferro, quando entrou a soluçar e a chorar convulsivamente.

Um ponto a retificar nas notícias divulgadas é o que se refere a uma suposta tentativa de suicídio da médium. Tal não se deu, posso afirmar, e se alguém teve a impressão da prática de um ato de loucura, essa suposição foi gerada pela natural confusão que se estabeleceu, não dando margem a uma observação mais calma e atenta.

A Senhora Prado trazia um lenço apertado no pescoço, mas não apertado à garganta, como se disse. Quando a socorreram, pude verificar que aquela senhora como que procurava desafogar-se, afrouxando a gola do vestido para melhor poder respirar.

Na minha opinião trata-se de um transe hipnótico a que é sujeita possivelmente a médium, por alguém, presente às sessões. Seja como for, penso que a experiência de ontem, embora fracassada, deve prosseguir para completa elucidação dos fatos.

A prova que se fez não é nem deve ser definitiva. Há absoluta e indeclinável necessidade de outras.

Capítulo XXIII

Dizíamos, então: Ainda é muito cedo para que os adversários intransigentes e teimosos do Espiritismo cantem vitória. O insucesso, aliás, parcial, de uma experiência, não autoriza hinos de triunfo.

Há tempos, em Nova Iorque, o professor Mapes constituiu um círculo de doze pessoas, homens de talento e cépticos, que previamente assentaram reunir-se vinte vezes seguidas com um médium.

Nas dezoito primeiras noites os fenômenos apresentaram um caráter tão indeciso e trivial, conta-nos Russel Wallace, que muitos dentre os assistentes deploravam a perda de um tempo precioso; no curso das últimas sessões, porém, produziram-se fatos de tal modo notáveis que o estudo foi prosseguido pelo mesmo círculo durante quatro anos. Todos os seus membros se tornaram convencidos adeptos.

Dale Owen narra que o banqueiro Livermore, tentando com a médium Kate Fox fazer materializações do Espírito de sua esposa Estela, só na 24.° sessão (vigésima quarta, senhores!) conseguiu alguma coisa de aproveitável. Mais tarde, pôde conversar com esse Espírito e obter ditados diretos.

*

Todo espírito medianamente culto não ignora as vicissitudes das idéias novas. Estas avançam e vencem com o sacrifício dos que têm a coragem moral para expendê-las. A rotina, comodista e preguiçosa, tendo por si a força poderosa da inércia; o preconceito, orgulhoso e pedantesco; a maledicência perversa, atrevida e covarde; a frivolidade serigaita; a má fé perfidiosa e impudente, se pactuam e se dão as mãos fincando barreiras - e só de ripanço abandonam o terreno, pelo assédio constante dos fatos.

Ciência e Religião, quantos mártires têm tido? Compreende-se, por isso, o suspiro de alívio dos rotineiros; a gana jubilosa dos de má fé; o sorriso glacial e desdenhoso dos orgulhosos áulicos do preconceito; o alvoroço fanfarrão dos maledicentes, quando as idéias novas registram um insucesso, sofrem uma contrariedade, a mais explicável e natural, embora. As idéias, entretanto, são heróicas. Marcham instintivamente, irresistivelmente, arrastadas pela ordem natural das coisas, acionadas pela fatalidade progressista da evolução. E caminham. Vencem. Riem por último.

*

O exame sereno e imparcial do resultado da sessão, realizada na noite de 20, redundará em favor da existência e da veracidade dos fenômenos observados pelo Senhor Eurípedes Prado.

“In primo loco”, deve-se considerar o estado moral e psíquico da médium na hora da experiência - estado esse o mais desfavorável possível, emocionado e nervoso em extremo. E nada mais razoável de que assim tivesse sido. Inventaríamos o que a Senhora Prado vem sofrendo há dois meses acusada publicamente de comediante, sujeitando-se a provas rudes, como essa de efetuar sessões fora de casa, exame de vestes, embora em presença de senhoras respeitáveis e distintas; sentindo-se alvo de ironias pugentïssimas e da irreverência dos frívolos, que, numa inconsciência assombrosa, se aproveitam das coisas mais sérias e graves, para servirem o interesse próprio...

Imagine-se tudo isso e mais: após dois meses de sofrimento moral intenso, o achar-se diante de um auditório estranho e numeroso, que a sujeita a provas não menos dolorosas. Só um espírito forte, mas muito forte, poderia resistir, no primeiro instante, máxime, quando de antemão sabia que a disposição mental desse auditório era contrária à realização do fenômeno, e que, voluntária ou involuntariamente, iria dificultá-la ainda mais!

A Senhora Prado não pôde, infelizmente, dominar a crise que a atormentava. Nada mais natural, nada mais justo, nada mais digno de respeito do que essa emoção. Só os inconscientes e os maus podem pensar de outra forma. Nessa exaltação psíquica, nesse estado de espírito, a médium não caiu em transe. De quando em quando um soluço mais profundo nos indicava que ela não adormecera por completo. Pois bem: mesmo assim, a formação fluídica se fez; ninguém poderá negá-lo. O “Estado do Pará” o disse, o Doutor Ferreira de Lemos o afirmou, como afirmaram todos os de boa fé que lá estiveram. Ondulava de alto a baixo, para a esquerda e para a direita, aumentando e diminuindo, condensando-se e adelgaçando-se, vendo-se bem que o Espírito se esforçava pela realização completa da prova! (22)

(22) Vide a notícia do Estudo do Pará, já citada.

O organismo da médium, porém, profundamente abalado, em transe incompleto, não auxiliava os esforços do Espírito. Digam o que entenderem e quiserem; o insucesso parcial de uma primeira experiência, confiada à verificação da Ciência, ai representada por ilustres clínicos, veio dar-nos a prova da veracidade dos fenômenos. Não fora o constrangimento moral da médium, não fora a sua súbita indisposição física, e os fenômenos se teriam realizado. E se disso não estivessem profundamente convencidos - como nós o estávamos - os esposos Prado teriam evitado a prova, que nunca temeram.

Decerto que diversas circunstâncias concorreram para o resultado, negativo em parte, dessa experiência, algumas das quais de todos percebida. Outras só nós, os crentes, poderemos aceitar e explicar.

Somos dos que pensam que a Senhora Prado deve repousar. Seu esgotamento nervoso é evidente e prosseguir assim nas experiências é quase um crime. Mais tarde, quando inteiramente restabelecida, então, e só então, deve voltar à sua tarefa elevada e sagrada, a serviço da Ciência e da Religião.

O contratempo de anteontem não deve desanimar os esposos Prado. Bem maior será a satisfação de amanhã, quando tiverem a dita de provar que estão com a verdade e que não andaram mal nem levianamente aqueles que, sob palavra de honra, afirmaram a autenticidade dos fenômenos.

A Senhora Prado conhece, felizmente, o martirológio de todos os grandes médiuns. “O médium, escreve Leon Denis, é muitas vezes uma vítima e quase sempre uma mulher. A Idade Média a havia considerado, assim, como feiticeira - e queimava-a. Hoje, menos bárbaros, se contentam com o deprimi-la, chamando-lhe charlatã ou histérica.”

E o ilustre filósofo lionês nos recorda a violentíssima perseguição sofrida por Margarida e Catarina Fox; as cenas de selvajaria de que foram vítimas, as tempestades de ameaças e injúrias que sofreram; a dor da Senhora Hauffe, a célebre vidente de Prevost, tratada com o máximo rigor no próprio lar paterno; as torturas morais de Madame Esperança; as acusações violentas contra Howe, Slade, Eglington, Paladino, Ana Roche...e tantas!

A recordação da coragem moral desses heróis e dessas heroínas do Neo-Espiritualismo deve confortá-la e fortalecê-la - pois que o seu carrinho está traçado pelo nobre exempla do sublime devotamento dessas criaturas providenciais.

Então a própria ciência médica, que está longe de ser infalível, virá reconsiderar o seu diagnóstico de hoje, proclamando a vitória da verdade, que será a vitória de Deus.

Capítulo XXIV

DATILOSCOPIA E ESPIRITISMO

No mesmo dia em que a “Folha” inseria a opinião elo Doutor Porto de Oliveira, o Doutor Renato Chaves publicava o seguinte artigo:

“Eis-me de novo a tratar da datiloscopia nos fenômenos espíritas. A sessão realizada na casa do Senhor Eurípedes Prado, revestida da mais rigorosa fiscalização e isenta de quaisquer possibilidades de fraude, não foi, infelizmente, de molde a dar ensejo à retirada das impressões digitais do “fantasma”, cognominado - João, apesar de destinada a essa função, conforme aviso que tive.

O insucesso da experiência pode ser explicado de vários modos e é hoje do domínio público.

Lançando mão, entretanto, da individual datiloscópica do “Espírito”, que me foi gentilmente oferecida pelo Doutor Nogueira de Faria e obtida na última sessão preparatória das diversas que precederam à aceitação do meu oferecimento de investigações, publicado há dias, e cotejando-a com a da médium, anteontem retirada, cheguei à conclusão de que a ficha deixada pelo “fantasma” , naquela ocasião, é inteiramente idêntica à da médium, isto é, que ambas são, não há que duvidar, procedentes das mesmas mãos.

E esta identidade é absoluta em todos os desenhos das linhas papilares, nas figuras geométricas, nos números, nas cicatrizes e, enfim, em todos os pontos de reparo.

Como havia prometido, publico aqui duas fotogravuras uma de trechos da ficha da Exma. Senhora Prado, por ela assinada e com todos os requisitos de autenticidade, sendo retirada, debaixo de todo o rigor técnico, por um dos funcionários do Gabinete de Identificação: e a outra da reunião de algo mas das melhores impressões das mãos do “fantasma”. (Gravuras 11 e 12.)

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Gravura 11

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Gravura 12

As impressões, facilmente visíveis e idênticas do “Espírito” e da médium, vão nos clichês assinadas com a mesma letra, em baixo de cada uma delas.

Alguma diferença que possa haver, ao primeiro golpe de vista, entre elas, referindo-se exclusivamente ao tamanho, pode-se compreender assim: a ficha da Senhora Prado foi retirada em uma goteira de Vucetich, apanhando, portanto, toda a extensão das extremidades digitais, ao passo que a do “fantasma” foi conseguida, com inexperiência, sobre um plano liso, colhendo, por conseguinte, só a porção média dos dedos, aliás, a mais importante, pois lá é que se encontram os sinais característicos que dão margem ao diagnóstico diferencial, para classificação e para o exame detido.

Sei que os senhores espíritas, aqueles que com a maior boa fé estão convencidos das teorias místicas do transcendentalismo, encontram ou dão explicação para o fato dessa perfeita identidade de ambas, não lhes causando ela nenhuma surpresa; quanto a mim, porém, constatando-a, como acima se vê, suponho, sem ter, contudo, a idéia de convencer a ninguém, que, afastada a possibilidade inverossímil de fraude consciente e premeditada, na médium, o fato poderá, talvez, encontrar solução nos problemas menos complexos e mais naturais do hipnotismo.

E fica assim terminada a minha missão.

Doutor Renato Chaves.”

Não nos surpreendeu o resultado a que chegou o Senhor Doutor Renato Chaves.

Fomos dos que, repetimos, abraçamos com entusiasmo a idéia das impressões datiloscópicas, lembrada pelo nosso ilustre amigo, Doutor Renato Chaves. Elas viriam, sobretudo, de modo indiscutível e inequívoco, provar a existência do fenômeno anímico ou do fenômeno espírita. Seria o meio, senão de distingui-lo, ao menos de provar que são distintos, porque um não elimina o outro. Por diversas e freqüentes vezes trocamos idéias sobre o assunto com o operoso diretor do nosso Gabinete de Identificação, dando-lhe conta com a maior franqueza e lealdade das experiências íntimas que o Senhor Eurípedes Prado se dispusera a realizar, o que é um testemunho de boa fé e confiança.

Além daquela que lhe entregamos, outras fichas possuímos correspondentes à primeira e segunda experiências íntimas, sendo que em todas essas tiramos as impressões da médium. Não nos surpreendeu, portanto, o resultado a que chegou o ilustre Doutor Renato Chaves, mediante a ficha que lhe cedêramos. Apelamos para o próprio testemunho de S. S.ª Felizmente, entretanto, aquelas impressões não são as da prova oficial, não foram obtidas com a assistência e a verificação daquele nosso ilustre amigo (23). Esperamos que isto se dê um dia, para completa elucidação do interessantíssimo caso - e talvez, então, se verifique aquilo que lhe anunciamos impressões digitais semelhantes às da médium, comprovando um fenômeno anímico, impressões digitais diferentes das da médium e da assistência, afirmando o fenômeno espírita.

(23) Há mais ainda: em nossas experiências íntimas, todos nós: os esposos Prado, seus três filhos maiores, sempre tirávamos as nossas fichas. Não teria eu, por engano, apanhado a ficha da médium e levado ao Doutor Renato Chaves, pensando ser a do fantasma? Não é um fato tão possível e tão natural? Não quero, contudo, invocá-lo. A coincidência ou semelhança encontrada pelo meu amigo não me surpreende. Ao contrário: eu esperava pelos motivos expostos e é a isto a que alude o Doutor Renato quando escreve: "Sei que os senhores espíritas encontram ou dão explicação para o fato dessa perfeita identidade de fichas, não lhes causando a mínima surpresa."

(Leia-se o artigo publicado na “Folha” pelo nosso confrade Apolinário Moreira.) Era intenção nossa, passada que fosse a experiência da grade Doutor Ferreira de Lemos, solicitar dos esposos Prado a fineza de, sem exigências humilhantes, consentirem em efetuar outras experiências datiloscópicas dirigidas pelo Doutor Renato Chaves, a quem há muitos dias transmitimos a esperança de obter impressões digitais da própria alma do médium (desdobramento da personalidade), e de outros Espíritos, entre os quais “João” e “Anita”.

Seria esse um estudo bem digno do ilustre diretor do nosso Gabinete de Identificação e de seus distintos colegas, especialistas na matéria.

Só então teríamos ensejo de encontrar um ponto de partida para a verificação da hipótese mais razoável para a explicação de tais fenômenos.

*

Que nenhuma surpresa causa a identidade de fichas entre a médium e o Espírito, disse-o o nosso amigo Apolinário Moreira, deputado estadual e espírita convicto, no mesmo dia e pelo mesmo jornal em que o Doutor Renato publicou o resultado de suas experiências. Os artigos estão lado a lado, na mesma página. Depois de ler o trabalho daquele médico, lê-se no do Senhor Apolinário o seguinte, reproduzindo, aliás, a idéia externada por nós:

“Pensamos que, nas sessões da Senhora Prado, tomando-se a impressão digital dos Espíritos que lá se manifestam, será fácil estabelecer se estamos diante do duplo da médium, ou se realmente se trata com habitantes do outro mundo. “

E de toda a conveniência incluir aqui esse artigo.

Capítulo XXV

Não nos furtamos ao dever de transcrever o artigo a que no capítulo anterior aludimos, do nosso prezado amigo Apolinário Moreira, atual diretor da Fazenda Pública do Estado. Ei-lo:

FANTASMAS DA TERRA E DO ALÉM

Um dos escolhos com que topam os investigadores dos fenômenos psíquicos, ou espíritas, é a distinção, que lhes cumpre fazer, dos fatos devidos unicamente ao próprio Espírito do “sujet”, ou “médium”, e dos que se podem, com segurança, atribuir a seres humanos outrora viventes na Terra, ou mesmo extraterrestres.

Falta em geral esse critério, na maioria das reuniões que se organizam sem método e sem estudo prévio da natureza do fenômeno.

Entretanto ninguém, de boa fé, quererá contestar as vantagens que advêm ao experimentador imparcial, de aproveitar os largos subsídios e esclarecimentos fornecidos por anteriores observações. Sempre fomos infenso aos círculos espíritas onde há uma tendência mística para aceitar cegamente, sem exame, quanta coisa dizem os médiuns, ou, por eles, os desencarnados, termo com que Allan Kardec designa as almas dos mortos.

Nesses grêmios, é que se encontram os “adeptos fanáticos, de aspecto inspirado, de rostos magros e pálidos; animados por duas pupilas febris”, que o Doutor Gibier acha que têm “o mesmo aspecto dos primeiros cristãos, que iam espontaneamente entregar-se para pasto das feras nos circos romanos” (24).

(24) Gibier - Espiritismo ou Faquirismo.

Em tais meios, se estala uma tábua do soalho, um rato corre no forro, fulano abusa do aperitivo, ou beltrano redobra de neurastenia - tudo é obra dos Espíritos brincalhões e obsessores. Atendem piamente quanta tolice lhes vem dos graciosos, que do Além se divertem em lhes impingir xaroposas e massudas dissertações, assinando-as com os nomes de Jesus, Platão, São Fulano e São Sicrano, Buda, Mafoma, Moisés, etc., conforme a idéia religiosa predominante no Centro. Essas mistificações abundam, porque as suas vítimas não estudar, não procuram conhecer a árvore pelo fruto, recusam os conselhos de confrades experientes, mantendo-se num verdadeiro círculo vicioso. Já se fazem, entre esses crentes, batizados e casamentos “espíritas”, engendrando-se uma organização de culto, mais ou menos imitada do Catolicismo, como este, dizem com alguma razão, moldou a sua pela do Budismo.

Felizmente, não são poucas as sociedades públicas e os grupos íntimos que pesquisam a sério, e cuidadosamente, o Espiritismo e demais fenômenos que com ele se relacionam estreitamente.

O mundo invisível é quase a imagem perfeita do nosso. Entre os seus habitantes existem as diferenças intelecto-morais que notamos na Terra.

Entre eles, devemos também escolher as nossas relações; selecionando as que convêm aos nossos sentimentos ou têm afinidades com o nosso grau de cultura e de moralidade.

*

Dissemos que cumpre distinguir entre os casos de animismo, isto é, “todos os fenômenos mediúnicos que podem ser explicados por uma ação que o homem vivo exerce além dos limites do corpo” (25); e os fenômenos que “oferecem bases sérias para a admissão da hipótese de uma comunicação com os mortos (26). Os médiuns produzem fenômenos de animismo, quando age o seu próprio Espírito, e, de Espiritismo, quando apenas servem de órgão, mais ou menos maleável e inconsciente, a seres desencarnados. Em regra geral, a prova de identidade da alma, ou do ser que se apresenta, é dada pelo fundo intelectual revelado, e, sobretudo, pelo cunho individual. Se, numa sessão espírita, as entidades invisíveis que voluntariamente comparecem, sustentam opiniões de encontro à vontade, às convicções e ao caráter do médium; se demonstram uma superioridade intelectual incontestável sobre este; falando, por exemplo, línguas que o “sujet” desconhece; comunicando fatos que este e os assistentes ignoram (o que arreda a hipótese de uma sugestão individual ou coletiva); é claro que os mais incrédulos terão de procurar uma explicação, implicando a existência e ação de um agente, fora do médium e do meio.

(25) - Aksakof - Animismo e Espiritismo.

(26) - Idem.

Numa sessão de materialização, porém, como verificar se o fantasma pertence a um morto, ou ao próprio médium?

Não só pelo conteúdo intelectual do fenômeno, como, também, pelos moldes das mãos, pés ou rosto da aparição, obtidos em parafina e gesso, e, modernamente, pelas impressões digitais, fáceis de conseguir.

Posta de lado qualquer possibilidade de fraude, encerrado o médium numa gaiola bem fechada, ou amarrado à cadeira, nem por isso o fenômeno merecerá menor interesse, se a impressão digital, ou as moldagens, feitas à suficiente distância da prisão do médium, coincidirem com a impressão e os membros deste. Nesse caso, ficará, pelo menos, provado que o desdobramento do corpo humano é um fato indiscutível, que nos faz entrever a imortalidade. São raros ainda os bons médiuns, e é por isso que Davis alega ser “a proporção das manifestações espiríticas, muita medíocre, mesmo presentemente” (27). E, nos casos de materialização, o Doutor Encausse (Papus), sem negar a possibilidade da teoria espírita, acha que ela se realiza muito raramente, não sendo fácil a produção do fenômeno, porque exige da parte do médium “une énorme dépense de fluide très lourd, physique pour ainsi dire” (28).

(27) A. J. Davis - Fountain.

(28) Papus - Estudo, na revista L'Initiation.

Quando uma entidade estranha ao médium se manifesta e materializa, o “sujet” fornece-lhe seu próprio fluido, que o Espírito aplica “sur sa forme invisible comme le sculpteur applique de la terre glaise sor une carcasse de fils de fer” (29). Muitas vezes, porém, as aparições demonstram irrefutavelmente a sua independência.

(29) Idem.

Numa experiência feita na Inglaterra por Adsheão, fui empregada uma gaiola, fechada com parafuso, onde ficou a médium, a Srta. Wood. Mostravam-se dois fantasmas, homem e mulher. Deixaram ambos o molde do pé esquerdo na parafina. Esses dois pés esquerdos, de conformação e dimensões diferentes, também diferiam do pé esquerdo da médium (30).

(30) Aksakof - Obra cit.

Pensamos que, nas sessões da Senhora Prado, tomando-se a impressão digital desses Espíritos que lá se manifestam, será fácil estabelecer se estamos diante do “duplo” da médium, duplo que pode alterar possivelmente a personalidade própria, reproduzindo qualquer tipo por ela vivido em existência anterior, mas não mudar a sua ficha datiloscópica; ou, se, realmente, se trata com habitantes do outro mundo. O mesmo, com as moldagens. E ótimo seria que o Espírito precisasse a sua identidade, revelando-se intelectualmente, e orientando-nos quanto à sua última passagem no planeta. Não podemos entender-nos agora sobre a repercussão fatalmente sofrida pelo médium, de qualquer choque ou ação, praticada no fantasma. Esse ponto, os perigos que cercam o “sujet” e todos aqueles que inconscientemente, ou propositadamente, desdobram o seu duplo viajando no Astral, abordaremos, talvez, mais adiante.

Os que sabem... não levarão a mal que se dêem alguns úteis esclarecimentos aos neófitos do mistério... Em um artigo, não nos é possível amontoar centenas de fatos que corroboram nossas afirmações. O eminente Charles Richet escreveu, no prefácio da tradução francesa dos Phantasms of the Living, crismado, na versão, com o título de Les Hallucinations Télépatiques: “Existem verdades novas, que, por mais estranhas que pareçam à rotina, serão um dia cientificamente demonstradas. Esses fenômenos são difíceis de admitir, porque tememos tudo que é novo, porque não queremos ser tirados da indolência e por uma revolução científica que perturbaria as idéias banais e os dados oficiais. Dentro de quatro séculos, em 2200, os nossos bisnetos pasmarão de nossa ignorância e ainda mais da nossa presunção em negar sem exame o que não compreendemos. Esta é a primeira vez que se ousa estudar cientificamente o que acontece depois da morte. Quem, pois, ousará dizer, sem ter lido este livro, que isso é uma loucura?”

E o Senhor Méric (31) avançou: Que nous savons peu de chose! Connaissons nous la matière, la force, 1'esprit, le corps humain?

Connaissons-nous les conversions innombrables que peuvent subir les atomes du corps humain?

Connaissons-nous les lois de 1'association et de la desintégration de ces atomes qui vibrent dans I'ether, ou dans 1'homme ou dans les espaces stellaires? Qui donc aurait le droit de nous dire, c'est impossible! quand on a devant soi I'inconnu de la matière et la puissance de Dieu?”

(31) Meric - L'Imagination et ses Prodiges.

APOLLINARIO MOREIRA. "

Capítulo XXVI

CHAVE DE OURO

Findou-se de tal modo a primeira parte dessas experiências. Do que acaba de ser exposto com a maior lealdade, o leitor concluirá com quem está a absoluta verdade. Mas não resistimos, “data venia”, ao desejo de encerrar a primeira parte desta racolta sem iluminá-la com as duas profissões de fé assinadas, uma pelo ilustre Doutor José Teixeira da Mata Bacelar e outra pelo conhecido poeta Eustáquio de Azevedo, o decano da família literária do Pará, cujo nome é acatado em todo o nosso País e fora dele; que por uma profissão de fé vale essa página de ouro que adiante se lê:

SEM AMBAGES

UMA PROFISSÃO DE FÉ

On l'a dit avec juste raison: c'est à

la Science à s'accommoder aux faits,

non aux faits s'accommoder a

la Science.

E. BOIRAC

Em um artigo que publiquei na “Folha do Norte”, em Outubro, eu disse quais foram as minhas impressões diante do que vi em três sessões espíritas, na casa da honrada família Prado.

Já então, o meu espírito, fundamente abalado em suas priscas convicções filosóficas, sentia-se atraído para as investigações no campo dessa ciência cheia de novidades, que não podem ser indiferentes ao homem que tem sede de saber. E hoje, depois de alguma leitura, de novas observações e de séria meditação, venho dizer, com essa franqueza e coragem que me são peculiares, que o Espiritismo conta mais um crente sincero, disposto a levar avante as suas observações e cogitações, quer no campo da observação dos fatos, como ainda no terreno filosófico e religioso.

Dando mesmo de barato, como querem muitos, que o Espiritismo é um conjunto de hipóteses, eu direi, como Boirac: “A Ciência tem o direito de exigir que toda hipótese forneça suas provas; mas não tem o direito de interdizer a nenhuma hipótese o acesso do seu tribunal.”

Conheci a mentira e dela me afastei, começo a lobrigar a verdade e dela me aproximo.

Estou escrevendo ainda sob a impressão do que vi e observei na noite de 28 do mês passado, em minha própria casa, à vila de Santa Isabel; e foram tão extraordinários e decisivos os fatos que ali se passaram nessa noite memorável, que eu desafiaria ao maior sabichão, empanturrado de ciência infusa, a que os contestasse vantajosamente.

Vamos expor sucintamente os fatos observados e a público sensato que julgue.

Nessa noite de 28, a família Prado dignou-se de dar, a meu pedido, uma sessão na dita minha casa, onde se achavam cerca de dez pessoas entre as de minha família e mais duas por mim convidadas. Os trabalhos se dividiram em duas partes, sendo a primeira em minha sala de jantar e a segunda na sala de visitas.

1° Parte - Sentados em torno da mesa de jantar sobre a. qual estava um candeeiro aceso, o Senhor Prado me pediu papel e lápis, que eu mesmo depositei sob a mesa. Depois de ligeira palestra, a Senhora Prado, que se achava ao lado de minha senhora, disse-me que o “João” estava escrevendo uma carta a mim dirigida e que se esforçava para fazê-lo com letra bem legível. Um instante depois ouvimos vibrar uma campainha, que fora posta também em baixo da mesa. Era o sinal de estar concluída a carta, que apanhei e li, e era assim concebida:

“A paz de Jesus seja, entre vós.

Espero que o irmão Bacelar observe bem o fenômeno e defenda o meu pobre inocente.

Seu irmão dedicado:

João

A Senhora Prado disse-nos que o “João” pedia mais papel e lápis. Coloquei novamente o bloco e o lápis sob a mesa e dois minutos depois a mesma senhora me deu o seguinte recado, mandado pelo “ João.”:

“Peço para o Doutor Bacelar ler só para si o que acabo de escrever, e, se não compreender bem, faça-o ler pelo irmão Eurípedes.”

Retirei o bloco de debaixo da mesa; procurei ler o que nele estava escrito e, não o conseguindo, passei ao Senhor Eurípedes, que, depois de alguma dificuldade, pôde ler e dizia assim:

“Perdoa. Na materialização retira esta criança. Do irmão - João.”

O João pedia não consentisse que uma menina que se achava presente assistisse aos trabalhos de materialização, que iam começar, no que foi atendido.

2º Parte - Passando à sala de visitas, onde eu tinha improvisado uma câmara escura, sentamo-nos em meio círculo próximo a ela; e a médium, depois de pequeno trabalho preparatório, sentou-se em uma cadeira, que coloquei dentro dessa câmara. Vinte minutos após, surgiu ante nós um fantasma. Era o “João”, que, ajoelhando-se, elevou as mãos aos CÉUS, como e fizesse urna prece; ergueu-se em seguida e foi ao encontro? do maestro Bosio, que lhe ofereceu um ramo de flores naturais que ele se apressou em distribuir entre as pessoas presentes, dando-me uma rosa e um aperto de mão. Depois o fantasma voltou para o interior da câmara escura, de onde regressou em seguida. Pedia música.

Nesse instante ouvimos a médium dizer que “João” O maestro Bosio sentou-se ao piano, da melhor vontade, e; ao som de melodioso acordes improvisados pelo distinto pianista, nós, cheios de pasmo e assombro, ouvimos a voz fraca mas sonora do “João” cantando em completa harmonia com os sons que se evolavam do piano!!!.

Em seguida o “João.” pegou em uma mesa, que se achava à nossa frente, elevou-a no ar à altura da cabeça, ao tempo em que a médium nos cientificava, de dentro ela câmara, onde se achava ele assim procedia no intuito de nos mostrar que dispunha de bastante força! Mas não ficou só nisto as surpresas que nos esperavam nessa noite inesquecível: “João” penetrou na câmara, no mesmo instante que surgia à nossa frente à figura, vaporosa de “Anita”, vestida de branco e de cabelos soltos. O “João” pediu que retirassem a mesa de nosso meio e ordenou que ela passeasse, e ao som do piano vimos e ouvimos o que eu nunca supus um ente fantástico que acabava de surgir entre nós, a dançar e a cantar com voz afinada, e doce como uma, melodia do empireo!....

Que mais precisava eu para despir essa túnica de Nesso que me estava preste a envenenar a alma.?!

Vibrando de emoção, Senti que as minhas crenças, de tantos anos, se desfaziam em pó, e, sem deixar de ser um livre pensador, transpus os limites traçados pelo monismo e dirigi o meu Espírito para o Transcendental, sem me preocupar com o sambenito, que é o castigo reservado a todo aquele que renega o credo dessa igreja onde pontifica Buckner.

Não importa. Sei que busco um ideal mais nobre.

Dr. Matta Bacellar

(Folha do Norte, 14 de Dezembro.)

MAIS UM PAPALVO...

Salvo seja

em risco iminente de incorrer nas penas horríveis do direito canônico, com a excomunhão à frente (credo!), e nas malhas intrincadas do espírito dicaz e galhofeiro de meu simpático e erudito amigalhão, padre Florêncio Dubois; eu, que, não há muito por estas colunas, em sucessivos artigos de polêmica, ridicularizei o Espiritismo, não acreditando nos seus fenômenos, nem à mão de Deus Padre, pelo que lia e ouvia contar; eu, que tercei armas contra essa doutrina com Arquimimo Lima, Elmira Lima, Nogueira de Faria e outros, porque tinha sempre em memória a mentirosa frase latina: spiritus qui vadit non radit; venho agora, mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa, penitenciando-me de tudo quanto disse e escrevi contra os fenômenos espíritas, muito embora mais tarde tenha de morrer queimado, como Galileu quando positivara o movimento da Terra, afirmai, com a minha palavra de honra, e, se fosse católico, apostólico, romano, juraria com a destra sobre os Santos Evangelhos, pela minha honra e pela minha fé, que esses fenômenos existem e são uma verdade incontestável, porque eu os vi, ouvi e toquei.

Apurando o que em torno de mim se dizia ultimamente, e a imprensa, com. insistência, publicava, eu, incrédulo sempre, como S. Tomé, e prelibando o gozo (confesso agora) de desmascarar publicamente os que, até então, julgava uns “fiteiros”, fui assistir, após a devida permissão, a uma das sessões realizadas na residência da família Eurípedes Prado, que ainda não tinha a honra de conhecer, e lá entrei uma noite, de espírito prevenido e rebelde a insinuações, como inimigo disfarçado, como um espião de guerra em campo contrário...

Eu era, repito, positivamente infenso a tudo aquilo; mas, o que, então, aí presenciei, ouvi e observei, convenceu-me; fora ali com o fixo intuito de acabar de vez com os reclamos públicos sobre a assunto, que já me faziam mal aos nervos... mas, “fui buscar lã e saí tosquiado”: “caí da corda”, como diria o padre Dubois na sua variada e interessante dialética popular, e não tive outro remédio senão meter “a minha viola no saco”.

Não há diatribe, critiquice e pilhéria que valham, convençam-se disso: caem pela base, por irresistentes, diante da positividade dos fatos, da verdade dos fenômenos, visto por um número já avultado de pessoas criteriosas, respeitáveis, e por isso mesmo insuspeitas, que não dariam a sua afirmação solene se, de leve ao menos, duvidassem do que seus olhos viram; que não se deixariam ludibriar, tão imbecilmente, pelos; truques de prestidigitadores, imagináveis...

Não. Os fenômenos existem; a dinâmica que os impulsiona, o poder a que obedecem, as causas que os produzem é que são mistérios ainda; mas, um dia virá, breve, talvez, em que a Ciência, que com o tempo tudo desvenda e esclarece, nos explicará isso.

Eu sou um convertido hoje, lamentando, de coração, como papalvo que também fico sendo - o alto descortino e a sapiência maravilhosa dos “iluminados” sectários “à outrance”...

Jacques Rolla.

Concordamos que a bela coragem moral do velho médico e do nosso querido poeta não se fez para toda a gente - mas quantos e quantos não sentiram, ao ler essas palavras de nobreza e de fé, a consciência da própria inferioridade, o remorso da covardia de não proclamarem, assim, aos quatro ventos, a convicção que lhes vai na alma...

TRABALHOS EM PARAFINA

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Gravura 13

Rogamos a atenção dos que nós lêem, especialmente para mãos: a 1ª, da esquerda para a direita, apresenta os dedos fechados; a 2ª, que é uma perfeição admirável, tem a cintura do punho bem acentuada; a 3ª, como que segura alguma coisa entre o polegar e o indicador. Com efeito, este modelo último, que foi obtido em uma das sessões de abril, tinha entre os dedos uma flor. Vê-se que seria, em qualquer um dos casos, impossível retirar a mão sem quebrar a parafina, se essa mão fosse de um ser humano.

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Gravura 14

Um dos mais perfeitos trabalhos de Anita a florista de além-túmulo.

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Gravura 15

Formosíssimas flores oferecidas pelo Espírito de Anita a Senhora Ettore Bosio

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Gravura 16

Uma das formosas cataleias feitas por Anita na sessão comemorativa do aparecimento de João, perante a numerosa assistência que se vê na gravura 7.

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Gravura 17

Outra lindíssima cataleia feita por Anita na sessão de 24 de junho de 1920.

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Gravura 18

Luvas e flores obtidas em uma das sessões realizadas em casa do Sr. João Alfredo de Mendonça e expostas, a pedido do Espírito, num dos estabelecimentos da Rua Conselheiro João Alfredo, uma das mais concorridas de Belém.

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Gravura 19

Depois de exposto durante dias ao público, este modelo, que, como os demais, era oco, recebeu gesso a fim de reproduzir a conformação interior. Essa operação foi feita no mesmo estabelecimento “A Brasileira”, sendo operador o Dr. Nilo Pena e outras pessoas que ali se achavam casualmente.

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Gravura 20

E um dos mais perfeitos modelos obtidos. Distingue-se perfeitamente bem toda a trama da epiderme. Cremos que foi esse trabalho em parafina, que impressionando vivamente o Dr. Nilo Pena, o levou a assistir sessões da Senhora Prado, das quais, segundo nós afirmou, guarda a mais funda impressão.

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Gravura 21

De quando em quando, sempre apontada pelos inimigos do Espiritismo, surgiu a idéia da fraude como a única capaz para explicar os fenômenos. Tendo o “João” fabricado em parafina o modelo de um pé, em sessão a que assistiram, entre outras pessoas os Srs. Gentil Norberto, chefe da Comissão de Saneamento do Olapoc; Doutor Pontes de Carvalho, medico; Amazonas de Figueredo lente da Faculdade de Direito; Desembargador Anselmo Santiago e outros, o maestro Bosio e o Sr. Eurípedes Prado resolveram oferecer a importância de 5:000$000 (atualmente, cinco mil cruzeiros), a quem fizesse um outro modelo em condições idênticas ás em que o Espírito fizera aquela. Escusado será dizer que pessoa alguma apareceu. O molde supra e a reprodução em gesso.

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Gravura 22

Modelo em gesso.

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Gravura 23 Gravura 24

Experiência feita pelo maestro Bosio. S.S.ª pôs um anel de ouro, amarrando ao qual um pedacinho de papel por ele rubricado, entre os baldes empregados nos trabalho de parafina e já anteriormente descritos. A Experiência foi coroada de pleno êxito. A luva obtida apresentava no dedo anular a jóia em questão, conservando perfeitamente o papel. Posto o gesso e desfeita a luva de parafina, o novo modelo conservou-a tal qual aparece na fotografia. Pretendia-se repetir esta experiência, foi feita em 31 de Janeiro de 1921, em presença do Exmo. Sr. Dr. Lauro Sodré. Entretanto tendo S. Ex. embarcado a 3 de Fevereiro pela manhã, não foi possível fazê-la por absoluta carência de tempo do benemérito ex-governador do Pará.

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Gravura 25

Modelo fabricado pelo Espírito de “João”, na noite de 31 de Março de 1921, e ao lado o positivo em gesso.

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Gravura 26

Seria possível retirar a mão que produziu semelhante modelo, inteiriço como todos os demais, estando assim inteiramente fechada, sem quebrá-la? Repare ainda o leitor na estreitura do punho em relação ao corpo da mão.

OUTROS FENÔMENOS

a) Escrita direta.

b) Uma intervenção cirúrgica.

A) ESCRITA DIRETA

Não era só, entretanto. Novas conquistas da tenacidade do meu amigo o aguardavam.

Urgido pela necessidade de matricular o filho mais velho num dos estabelecimentos de ensino, no Rio de Janeiro, e também em benefício de sua saúde, o Senhor Eurípedes Prado embarcou nos primeiros dias de Janeiro para o sul da República.

Amigo íntimo de Bosio, que sempre lhe dera as mais estreitas provas de estima, conhecendo bem os laços que prendiam as duas famílias, e conhecendo também a dedicação de Bosio pelos fenômenos, consentiu que continuasse suas experiências, mediante condições

a) As sessões teriam lugar somente entre as duas famílias: Bosio e Eurípedes, em absoluta reserva;

b) que tais experiências não se estendessem a materialização, quer dizer, apenas a fenômenos de transporte, tiptologia, escrita direta, etc.

O primeiro fenômeno obtido foi de escrita direta. O feliz experimentador assim o descreve:

“Na noite de quarta-feira, 13, na minha residência, sita a travessa São Mateus, 100-A, às 21 horas, ali nos achávamos eu, a Senhora Prado (médium), suas filhas, e minha esposa, prontos para receber a prometida comunicação.

A mesa, coberta por um pano, sentáramos eu e minha mulher aos lados e, à cabeceira, a médium; e, como assistentes, sentaram-se nas cadeiras de balanço que se achavam próximas as filhas da médium. Apagaram-se as luzes, exceto a do 3° quarto da puxada, a fim de iluminar o corredor de modo tênue e, assim, indiretamente, todo o ambiente onde se efetuava a experiência.

Em seguida, minha esposa colocou debaixo da mesa um caderno de papel almaço e sobre este um lápis, tendo somente rubricado a primeira página, por supor que o fenômeno só aí se daria.

O papel foi posto debaixo da mesa, por ser a escuridão aí mais intensa, facilitando desta forma a escrita por mão de um Espírito.

Concentramo-nos, cada qual orando mentalmente.

Pouco depois, “João” disse à médium, pelo sentido auditivo:

- “Está pronto o primeiro ditado. Há outro irmão que se quer comunicar.”

Poucos minutos depois, continuou: - “Este sim, que escreve bem, com pontos e vírgulas.” (32)

(32) O Espírito alude à circunstância de as manifestações escritas, em sua generalidade, serem transmitidas vertiginosamente, sem que os desencarnados se preocupem com a pontuação.

Acabada a escrita pelo novo manifestante, “João” deu sinal de pronto, por pancadas repetidas.

Eu - Pode-se acender a luz?

Espírito - Sim.

Feito isto, encontramos uma comunicação dirigida à minha esposa, assinada por “Guilherme”, Espírito de pessoa que foi por nós conhecida na Itália, e cuja identidade ficou provada. Deixamos de transcrevê-la pelo seu caráter inteiramente íntimo.

Na viagem que fizemos, em 1912, para visitar os nossos parentes naquele país, minha mulher conheceu uma única pessoa com o nome de “Guilherme”: meu irmão mais velho, desencarnado há 6 anos. O assunto da comunicação acima referida liga-se a um fato acontecido naquela época, por nós completamente esquecido e ora recordado pelo Espírito.

Mais uma outra escrita de duas páginas completas, grafadas em caligrafia corrente, seguindo as linhas do papel e que transcrevo na íntegra. (Gravura 27.)

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Gravura 27

Fac-Símile de uma manifestação por Escrita Direta

COMUNICAÇÃO

“A paz seja entre vós.

A dor é uma bênção que Deus envia aos seus escolhidos. Não vos aflijais quando sofrerdes, pois se vos designou a dor nesse mundo para obterdes a glória do Céu.

Sede pacientes, pois a paciência é também uma forma da caridade ensinada por Cristo, enviado de Deus. A caridade que consiste na esmola dada aos pobres é a mais fácil das caridades; porém a mais penosa e, por conseqüência, a mais meritória, é a que consiste em perdoar àqueles que Deus colocou entre o vosso caminho para serem instrumentos do vosso sofrimento e vos porem em prova a paciência.

Eu vos abençôo. Dou este conselho porque vejo a união entre vós; continuem a ser unidos. E' o que desejo.”

Esta comunicação é cópia (33), com poucas modificações, de outra dada por “Um Espírito amigo”, no Havre, em 1862, e publicada no “O Evangelho segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec, sob o título “A Paciência”, comunicação esta que transcrevemos para que o leitor melhor possa compará-las. (Pág. 159):

(33) Este fato faz lembrar fenômeno idêntico observado por Stainton Moses, e por ele narrado no seu precioso livro Ensinos Espiritualistas.

A PACIÊNCIA

A dor é uma bênção que Deus envia aos seus escolhidos. Não vos aflijais quando sofrerdes; mas, ao contrário, bendizei o Senhor Todo Poderoso, que vos designou a dor nesse mundo para obterdes a glória do Céu.

Sede pacientes, pois a paciência é também uma forma de caridade ensinada por Cristo, enviado de Deus. A caridade que consiste na esmola dada aos pobres é a mais fácil das raridades; a mais penosa e, por conseqüência, a mais meritória, é a que consiste em perdoar àqueles que Deus colocou em vosso caminho para serem instrumentos dos vossos sofrimentos e vos porem em prova a paciência.

A vida é difícil, bem o sei: compõe-se de mil futilidades, quais alfinetadas que acabam por ferir; mas é mister comparar os deveres que nos são impostos às consolações e compensações, que nos vêm do outro lado, para então vermos que as bênçãos são mais numerosas que as dores. O fardo, quando se olha para cima, parece mais leve que quando se curva cabeça para o chão.

Coragem, amigos, o Cristo é o vosso modelo; nenhum de vós sofreu como ele, que, aliás, não tinha motivo para isso, ao passo que vós tendes de expiar o passado e fortificar-vos para o futuro. Sede, portanto, pacientes e cristãos; esta palavra encerra tudo.

Havre, 1862.

Um Espírito Amigo.

Tendo causado bastante pesar a Luísa a mensagem do Espírito “Guilherme”, a médium, sensibilizada por este fato, pediu ao “João” que, pelo mesmo meio, se dirigisse àquela, confortando-a. Acedendo ao pedido, depois de apagadas as lâmpadas, este escreveu, com o papel sobre a mesa, algumas frases consoladoras que deixo também de transcrever, pelas razões expostas linhas atrás.

Em seguida, “João” bateu com a sua mão materializada sobre a minha e foi, após, acariciar a fonte de Luísa, com o fim de acalmá-la de sua aflição.

Melhor do que nós dirá a respeito deste interessantíssimo fenômeno o nosso amigo Maestro Bosio. Transcrevemos do seu excelente e sincero livrinho “O que eu vi” a notícia detalhada do caso.

B) INTERVENÇÃO CIRÚRGICA FEITA PELOS ESPÍRITOS

E' do “Jornal do Comércio”, de Manaus, de 22 de Maio último (1921), a notícia que abaixo transcrevemos com o título e subtítulo supra.

Como verificarão os nossos leitores, o “João” arribou para Parintins, não se sabendo se a “Anita” o acompanhou.

Segue-se a notícia publicada pelo nosso confrade amazonense:

“Os mistérios do Ocultismo vão exercendo a sua influência no seio dos moradores de Parintins.

E' o que se depreende de uma longa missiva que nos foi enviada daquela cidade, por pessoa fidedigna, relatando os acontecimentos fenomenais que, à guisa de curiosidade, passamos a noticiar.

No dia dezessete deste mês, o Senhor Eurípedes Prado realizou em sua casa uma sessão espírita, com o fim de demonstrar às pessoas em evidência na sociedade parintinense que é um fato a revelação dos Espíritos e a proficiência destes na cura de certas moléstias que afetam a vida da Humanidade.

O caso, como é natural, despertou a curiosidade pública, comparecendo à residência do Senhor Prado muitas pessoas de destaque, inclusive o Doutor Alexandre de Carvalho Leal, que manifestou o desejo de ser medicado pelos Espíritos, alegando que vinha sofrendo de um incômodo na garganta.

A sessão teve lugar na sala principal do edifício, às 20 horas, vendo-se ali, ao centro, uma pequena mesa com flores, gastas de algodão, pires, tímpanos e outros petrechos. Em torno desse móvel, dispostas em forma de semicírculo, corriam duas filas de cadeiras ocupadas pelos assistentes e, num dos cantos do recinto, erguia-se uma cortina de linho escuro e transparente, tendo por trás uma cadeira de embalo, na qual tomara assento à “médium”, D. Nicota Prado, que também ia ser operada de um abscesso na boca.

Foi sob a impressão desse aspecto estranho e esquisito, que se deu o início ao processo do Ocultismo. Apagadas as luzes da sala e conservadas apenas as dos quartos contíguos, os assistentes lobrigaram, desde logo, a visão de uma nuvem diáfana que se formava junto à cadeira da médium. O fenômeno durou apenas quinze minutos, tempo em que, através da sombra, se materializou a figura do primeiro Espírito, mas, de modo tão perceptível, que os presentes o viam dar “passes” na médium.

Evaporada a nuvem, o espectro levantou a cortina e assomou em pleno recinto, aos olhos dos circunstantes, tendo as mãos levantadas para o céu, como que a pedir graças a Deus.

A perplexão foi geral, não se ouvindo, nesse ínterim, o menor sussurro. Em meio desse silêncio, de olhos cerrados como uma pessoa em estado de letargia, a médium fez um gesto com a mão para o Doutor Leal, que, ato contínuo, tomou assento numa cadeira isolada, a três passos da mesa. Nesse momento o Espírito, que se dizia de um médico, tirou uma pasta do Doutor Leal e o medicou por espaço de alguns minutos, dando repetidas fricções no pescoço.

Em seguida entregou o algodão à esposa do medicado e encaminhou-se lentamente para o canto da sala. Aí descerrou a cortina e fez ressaltar aos olhos da assistência o vulto da médium, que permanecia ainda na cadeira, em completo estado de imobilidade.

Há esse tempo, ocorria outra cena impressionante. Nova silhueta diáfana se projetou no canto, fazendo surgir à visão de outro Espírito materializado, que se dizia chamar João.

A assistência ficou estupefata. Mas a sua admiração foi tanto maior, quando viu os dois Espíritos arrastarem lentamente a cadeira da médium até o centro do recinto.

Nessa ocasião, uma voz estranha e isolada murmurou na sala. Era a médium que pedia ao Doutor Leal entregasse um lenço ao Espírito do médico.

A visão aproximou-se do Doutor Leal, tomou o lenço e voltou ao lugar onde estava o outro Espírito velando a doente. Ai, no decurso de quarenta e cinco minutos, praticou a operação, ouvindo-se nesse intervalo um como rumor de pinças a tocar nos dentes da operada. De vez em quando, D. Nicota Prado soltava gemidos abafados, mas sempre imóvel e hirta como uma pessoa atacada de catalepsia.

Terminado o ato operatório, a médium moveu-se e, atuada pelo Espírito do médico, deu uma breve explicação sobre o caso cirúrgico.

Seguidamente, o Espírito de João lançou mãos das flores que repousavam sobre a mesa e atirou-as aos assistentes, demonstrando o desejo de ouvir um pouco de música.

Os Srs. Tudo Menezes e Clóvis Prado tocaram uma valsa, que foi acompanhada a coro vocal, por todos os assistentes.

Findo esse ato, João pegou num tímpano e o fez soar em torno de sua cabeça, em repetidos gestos de exultação. Depois tirou da cabeça o seu capuz branco e, acompanhado do Espírito do médico, em acenos de cortesia, desapareceu misteriosamente do recinto. Assim terminou a sessão.

Diz ainda à missiva que, em virtude da intervenção médico-cirúrgica do Espírito, o Doutor Alexandre Leal e D. Nicota Prado melhoraram sensivelmente.

Entre as pessoas que assistiram à sessão, contam-se o Coronel Tomás Antônio Meireles, chefe político em Parintins; Major Raimundo Gonçalves Nina e uma filha; Capitão João Meireles, Delegado de Polícia; Clóvis Prado e família, Jonas Pais Barreto, Tude Henriques de Menezes, D. Maria José Carvalho Leal e Srta. Lourença Amália Leal.

O Senhor Eurípedes Prado é comerciante na praça de Belém do Pará e acha-se a passeio em Parintins, acompanhado de sua família.

TERCEIRA PARTE

FOTOGRAFIAS

A PROVA FOTOGRÁFICA

Como que respondendo à campanha sem tréguas em que muitos ainda se empenham, os Espíritos a pouco e pouco encaminham os fatos para uma demonstração irrefutável da verdade de que são portadores, emissários da Misericórdia Divina. Nenhuma prova mais certa, mais segura do que aquela chie nos oferece a fotografia, mal grado o maldoso engenho de uns e o cepticismo doentio e crônico de outros tentarem ainda a acusação cediça e gasta da fraude!

Mas nos parece que ao maestro Bosio cabe a glória da descoberta da fotografia espírita diurna sem intervenção alguma do magnésio (34). São comuns as chapas obtidas à luz do magnésio - e, mesmo, devemos dizer que fatos conhecemos em que, indo pessoas tirar o retrato, ao serem reveladas as chapas estas acusavam vultos e fantasmas ao lado daquelas.

(34) Ler o livro de Madame Esperança, No País das Sombras, últimos capítulos.

Seja como for, entretanto, de experiências assim feitas de modo certo e determinado “oficial”, não tínhamos notícias, como notícias não tínhamos de o próprio Espírito descobrir a objetiva, assim, ele mesmo servir de fotógrafo de outros seres do Além!

Possa esta nova estimular outros experimentadores a quem, para melhor orientação, recomendamos a leitura do livro do nosso amigo Ettore Bosio, “O que eu vi”, no qual ele descreve, minuciosamente, as instruções que recebia dos Espíritos sobre essas insólitas experiências.

Ele próprio nos contará esses fatos, com a sua linguagem sempre clara e sincera.

FOTOGRAFIA LUMINOSA

Desde a época do 2° aniversário da aparição do “João materializado, diz-nos o maestro Bosio, que ele prometera, pela tiptologia, uma fotografia luminosa. Ainda a família Prado residia na rua dos Tamoios, quando foi feita a primeira tentativa, de efeito negativo.

Colocada a máquina no corredor da casa, focada em um dos pontos indicados pelo Espírito e deixada a objetiva aberta toda a noite, apenas se conseguiu na chapa algumas manchas fluídicas de um branco-neve.

Perguntado ao “João” a razão do insucesso, disse-nos, por meio da mesinha mediúnica, que pretendera fazer posar um Espírito de velha, mas que não o lograra, visto esta não somente não querer fotografar-se, mas também não ficar diante da objetiva o tempo necessário para impressionar a chapa.

No mês de Julho, não recordo o dia, a família Prado e a minha foram convidados para passar o dia com a do Senhor João da Rocha Fernandes, dedicado amigo nosso, voltando de lá, perto da meia-noite.

Já no dia anterior a este o “João” nos prometera outra tentativa na nova residência do Senhor Prado, travessa São Mateus, 142. Recebidas as instruções precisas, cumprimo-las escrupulosamente.

A máquina, àquela hora mesma, foi focada para o centro da pequena sala do 1° andar, ao lado de outro aposento, com porta de comunicação, ficando esta aberta, e no qual a Senhora Prado e seu esposo dormiam. Abri o chassis e tapei cuidadosamente a objetiva, perguntando ao “João” se ele podia tirá-la, o tempo preciso para fazer a exposição, e recolocá-la. Respondeu-nos afirmativamente.

Fechou-se a porta que dava para o corredor, retirando-me em seguida. De manhã cedo, às 6 horas e meia, fui saber do resultado. A máquina estava aí com a objetiva tapada da mesma forma como a tinha deixado.

Teria o “João” aberto a máquina e impressionado a chapa? Como sabê-lo? Perguntamos-lhe então, pela tiptologia, e ele nos respondeu o seguinte: - Quero saber vossa opinião sobre o meu primeiro trabalho fotográfico!

Seria possível? Mau grado as coisas espantosas a que já assistíramos, ansiávamos pela prova desta experiência.

Corri a revelar a chapa no atelier Girard.

Não poderei descrever a minha emoção ao descobrir, ainda no banho revelador, que a chapa fora impressionada! E' a mais bela fotografia que obtivemos! (Gravura 28.)

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Gravura 28

Eis o histórico breve e sincero da primeira e única fotografia que conseguimos, neste gênero.

Circunstâncias diversas concorreram para que até hoje não se repetisse mais essa experiência, entre elas a disposição de cômodos da nova moradia do Senhor Prado, muito clara para este fim.

FOTOGRAFIAS ESQUISITAS

Mais da que aos incrédulos, a nós mesmos, os espíritas, familiarizados com os fenômenos que vimos relatando, alguns se apresentam revestidos de aspectos tais, que nos intrigam, deixando-nos inteiramente perplexos e desnorteados.

Assim o caso das três fotografias que se seguem, todas esquisitas, prestando-se admiravelmente à maledicência e à crítica parcial, ávida de ensejos para o ataque injusto.

Na primeira fotografia aparece fora da grade, onde está a “médium”, uma perfeita cabeça de boneca sobreposta a roupagens brancas, a cujas pontas, do lado direito, está como que amarrado no mastro que, lacrado, fechava a grade. De onde veio essa cabeça de boneca? Um transporte? Não é inteiramente inadmissível a idéia. Perguntado, o Espírito disse, apenas: imagem do Manoel Barbosa Rodrigues - um dos mais assíduos freqüentadores das sessões de materialização, que não fora, aliás, nessa noite. “Ele se lembrará”, acrescentou o Espírito. (Gravura 29.)

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Gravura 29

Interrogado por nós, Barbosa Rodrigues, por mais esforços que fizesse, não conseguiu reconhecer a cabeça, fato que até hoje o intriga.

Vê-se também, nessa fotografia, como que saindo das mãos ou da boca da médium, uma faixa branca que, atravessando da grade maior para a outra menor, onde se achavam os baldes, cai sobre estes. Dentro desta última frade, muito pregada, se encontravam os baldes em que o Espírito mergulhava a mão para fazer moldes em parafina. Nota-se, numa das extremidades da faixa branca fluídica, como que um molde de mão.

*

Esquisita ainda é a fotografia n. 30. Vê-se entre a Senhora Leopoldina Fernandes e a Srta. Antonina, que é médium psicografa, um vulto com o rosto coberto. Em inúmeras fotografias publicadas em obras congêneres temos observado casos idênticos. Consulte-se, por exemplo, os recentes trabalhos de Madame Lacombe e de Madame Bisson.

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Gravura 30

Não sabemos a que atribuir esse fato de os Espíritos ocultarem a fisionomia – a não ser que, nem sempre permitindo o ambiente à materialização tão perfeita que faculte a recomposição dos traços fisionômicos em seus mínimos detalhes, eles prefiram apresentá-los vendados.

Repare-se, por exemplo, nestas fotografias obtidas por Madame Lacombe (Gravuras 30-A e 31).

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Gravura 30 A

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Gravura 31

E' desnorteante. Há, decerto, casos em que o Espírito parece completa, nitidamente materializado. Nas experiências da Senhora Prado, registamos três casos célebres: o aparecimento de Hilda, filha do Doutor Melo César; Sita, do Senhor Teixeira Marques, e Raquel, de Frederico Fígner, reconhecidas todas por seus pais.

Esta última aparição foi a mais perfeita de todas. Leia-se a comovente narrativa dessa sessão, feita pelos pais de Raquel, no último capítulo deste livro.

*

Muito mais esquisita é ainda a terceira fotografia. Vê-se um fantasma de pés e mãos de adulto como que segurando uma criança, cuja cabeça encantadora e de uma beleza celestial surge à altura em que devia estar a daquele. (Gravura. 32.)

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Gravura 32

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Gravura 33

Primeira experiência, após a memorável sessão de 20 de Agosto de 1920. Vê-se colocada sobre o braço do Senhor Manoel Tavares, sentado em primeiro lugar, á esquerda, uma pequena mão branca, envolta em panos.

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Gravura 34

Segunda experiência - No assoalho, tocando os pés do Senhor Manoel Tavares está a mão aparecida na experiência anterior. O Senhor acusou a pressão dos dedos do Espírito apertando o pé.

Mas porque essas fotografias apresentam essas anomalias, essas singularidades, devemos ocultá-las? Não! São tão verdadeiras quanto as demais. Ao contrário, devemos mostrá-las ao público, submetê-las à apreciação de todos, dizendo-lhes os nossos próprios embaraços, as nossas próprias perplexidades.

Ainda merece uma referência à fotografia do Espírito de e João”, reproduzida na gravura nº 41. Está envolto numa espécie de lençol visivelmente amarrotado e calçando sapatos de lona branca. Seria ainda um caso de transporte e cuja recomposição de tais peças de uso fosse tão somente de sorte a impressionar a chapa e não a retina do experimentador? Eram 9 horas da manhã.

Além da médium, nada era visto diante da objetiva. Revelada a chapa, acusou a roupagem e os sapatos. Não é desnorteador?

FOTOGRAFIAS OBTIDAS DE DIA

As experiências do Maestro Ettore Bosio, obtendo fotografias espíritas em pleno dia, vêm, pensamos, facilitar a solução ao problema de além-túmulo.

Rolam por terra, definitivamente, as acusações dos inimigos do Espiritismo, que em tudo deparam fraudes e mais fraudes.

A fiscalização das chapas é facílima: logo após a impressão elas podem ser reveladas, à vista dos experimentadores.

E' possível que nem sempre os resultados sejam satisfatórios, pelo menos na fase inicial das experiências, devendo, entretanto, os experimentadores desde já ter uma preocupação capital: operar somente quando o transe for completo. E indispensável.

Solicitamos a atenção dos que nos têm lido para observarem detidamente essas fotografias. São quase todas transparentes, sendo que, além do fantasma focado, parece que, em diversas, há semblantes que, embora quase apagados, são perfeitamente distinguíveis.

Sem mais comentários, leiamos a palavra do Maestro Bosio, que nos vai dizer como obteve essas admiráveis fotografias.

INÍCIO DA FOTOGRAFIA ESPÍRITA EM PLENO DIA

Narra-me assim o Maestro Bosio a descoberta da fotografia diurna dos Espíritos, sem auxílio do magnésio:

“O meu amigo Prado se achava ausente; tinha ido a Santa Isabel, localidade distante 2 horas da capital.

Falando-me a Senhora Prado sobre a sua extrema sensibilidade mediúnica, dizia-me que, quando longe de seres queridos, como sua mãe, filhos, esposo, etc., sentia profunda tristeza e uma impressão estranha, uma espécie de abandono e enfraquecimento geral, provocando isto um estado que não sabia bem definir. Nestas ocasiões, acrescentou, vejo o meu próprio duplo.

- Eureca! disse eu, temos fotografia em pleno dia!

- Como?

- Permita-me, senhora, que eu coloque, focada, a máquina na direção da cadeira em que se acha presentemente sentada, a qual será conservada sempre no mesmo lugar conjuntamente com o aparelho fotográfico. Qualquer momento em que a senhora se sentir cair em transe, procure sentar-se nela e confie em Deus. Nada lhe sucederá de maior.

Ficou assim combinado. Instruí a Srta. Antonina (filha da médium), pedindo-lhe que, dado o momento preciso, abrisse a tampa da objetiva, contando 5 tempos regulares.

O momento não se fez esperar, impressionando uma chapa, a qual, revelada incontinenti, acusou fotografada fluidicamente a médium, de tamanho muito maior do que o natural, ficando apenas na cadeira poucos fluidos e vendo-se, sempre nesta, a forma tenuíssima da parte inferior do corpo da Senhora Prado! Maravilhoso! Assombroso mesmo! (Gravura 35)

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Gravura 35

A Srta. Antonina, única testemunha de vista, ficou “intriguée” com o sucedido, tanto mais porque se recordava perfeitamente de ter visto sempre sua genitora sentada na cadeira, conservando-se aí antes, durante e depois, até acabar o transe.

Surpreendida e desconfiada, acostumada, pelos fenômenos de materialização, produzidos anteriormente, às contínuas e cruéis calúnias dos “sabichões”, procurava convencer-se da veracidade do fato, não achando explicação nenhuma plausível. “Se estivesse presente meu pai, dizia ela com muita graça, eu estaria tranqüila; teria, pelo menos, mais um testemunho do que se passou.” Rimos bastante e brincamos muito com o seu estado de dúvidas e de agitação.

Renovamos a experiência poucos dias depois. Estavam presentes nessa ocasião o Doutor João Corrêa (irmão da médium) e também as Srtas. Alice e Antonina (suas filhas), além do seu amigo Bosio, na qualidade de fotógrafo-amador. Eis o magnífico resultado: (Gravura 36.)

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Gravura 36

Estes dois especímenes fotográficas, pelo seu assombro, fizeram tomar ao Senhor Prado, quando de volta de Santa Isabel, uma dolorosíssima resolução: suspender essas experiências alegando ele que, pela surpresa do transe da médium, não podia haver outras testemunhas que não fossem os membros da sua família e o fotógrafo, quando porventura se achasse presente.

Deus sabe o que faz, meu bom amigo Nogueira!

O Senhor Prado resolveu outra viagem e desta vez por maior tempo, indo com seu filho Erato até ao Rio. Permitiu-me, por extrema gentileza, e dados os laços de recíproca estima entre nossas famílias, que observasse todos os fenômenos espíritas produzidos por efeito da mediunidade de sua esposa, menos o da materialização.

Foi quando pude obter a bela série de chapas que se acham o “O Trabalho dos Mortos” (gravuras 37 a 44.)

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Gravura 37

Terceira fotografia obtida de dia ás 8 ½ horas da amanhã de 16 de Janeiro de 1921. Os fluidos brancos formam uma figura diáfana à esquerda da médium, cujo corpo desmaterializado em grande parte é quase todo transparente. Vê-se através dele o encosto e a armação da cadeira, a palhinha do assento sendo apenas opacos o braço direito e uma pequena parte da mão.

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Gravura 38

Fotografia tirada no dia 18 de Janeiro de 1921, às 10 horas da amanhã. O maestro Bosio considera o resultado incompleto e incerto por não ficar provado, positivamente se as manchas brancas que apareceram na vidraça da porta ao fundo foram eleitos de algum fenômeno ou por outra qualquer causa. Mas perguntamos que causa seria essa? Elas lá não estavam e entretanto, impressionaram a chapa. De onde vieram?

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Gravura 39

Experiência. Fotografia obtida às 9 horas da amanhã de 19 de Janeiro. Fantasma diáfano, de estatura muito maior que a médium. Veja-se como que se derramando do corpo da médium, a onda fluídica formadora do fantasma.

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Gravura 40

Fenômeno luminoso refletindo no soalho. Fotografia diurna. Com uma boa lente, parece-nos que distinguimos vários semblantes, embora indistintamente. Atente bem o leitor para o alto da claridade da parede e a direita da mesma claridade.

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Gravura 41

Fotografia obtida no dia 30 de Janeiro, às 9 horas da amanhã. Reconhece-se francamente a fisionomia do Espírito de “João” confrontando-se, já com o seu próprio retrato reproduzido na gravura 3, já com a do fantasma.

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Gravura 42

Fotografia de um grupo de Espíritos obtida no dia 10 de Fevereiro de 1921, as 8 ½ da manhã. Além dos fantasmas perfeitamente visíveis, no primeiro plano, o leitor atento, com o auxilio de um alente, distinguirão, no alto, vários semblantes também perfeitamente visíveis.

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Gravura 43

Fotografia obtida no dia 23 de março, às 9 horas da manhã. Para conseguir fotografar esse espírito foi uma luta insana que o maestro Bosio relata minuciosamente no seu livros tantas vezes já citado. O Espírito de “João” disse-o perseguidor de um dos nossos mais estimados confrades.

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Gravura 44

Fotografia obtida às 3 horas da tarde do dia 25 de Março de 1921, pelo maestro Bosio. Vê-se distintamente o corpo do fantasma todo transparente. Dava nas sessões o nome de Evangelista. Além do seu vulto, há sombras luminosas em diversos postos da chapa.

QUARTA PARTE

Cartas do Dr. Melo César e Jose J. Teixeira Marques

Quis Deus, em sua alta sabedoria, que à crítica mordaz, implacável e ferina destes; à dúvida justa e bem intencionada daqueles; à indagação louvável e estudiosa de outros, se opusesse à palavra insuspeita e o testemunho comovido de criaturas que tiveram a dita inefável e rara de rever seres adorados, graças ao fenômeno de materialização.

Assim aconteceu com os Srs. Doutor Melo César e José J. Teixeira Marques, o primeiro conceituado advogado no foro de Belém, e o segundo conhecido guarda-livros e quartanista de Medicina.

No livro “O que eu vi”, de Ettore Bosio, estão insertas as cartas em que ambos confirmam a materialização de suas filhas Hilda e Sita, respectivamente, e que adiante transcrevemos.

Assim aconteceu com o nosso dedicado confrade Frederico Fígner, do Rio, vindo especialmente a Belém para assistir às sessões da Senhora Prado.

Será a chave de ouro desta recolta a descrição comovida e comovedora feita pela digna esposa daquele nosso amigo, dessa memorável sessão em que, durante 40 minutos, ambos reviam a sua adorada Raquel, mais formosa ainda, envolta no clarão etéreo dos Espíritos bons e felizes! (35)

(35) Página 263.

Depois reproduziremos a entrevista concedida pelo nosso venturoso confrade ao “Estado do Pará”, na qual também nos fala, de alma aberta, da intensa e sagrada comoção que lhe despertou esse estranho encontro com a sua filha morta! (36) Sem os obstáculos de ambiente e as desconfianças prejudiciais que as sessões de fiscalização criam, a materialização de Raquel foi completa.

(36) Página. 279.

Tratava-se de uma ressurgida, tão nítidos e perfeitos estavam-lhe os traços fisionômicos, em seus mínimos detalhes.

As sessões íntimas têm grande valor. Não só o próprio médium se sente mais à vontade, como os Espíritos procedem livremente, sem o receio de qualquer imprudência por parte dos assistentes, que venha atingir e prejudicar a saúde daquele.

Tivemos a ventura de tomar parte em algumas dessas sessões íntimas. Narrá-las em todo o seu esplendor, seria até aumentar a incredulidade dos que rejeitam o fenômeno, tão espantosos são os fatos que elas oferecem.

Bendita seja a Misericórdia Divina!

Eis descrita pelo maestro Ettore Bosio a sessão em que se realizaram as materializações dos Espíritos de Hilda e Sita, às quais aludimos neste livro:

Na presença dos Drs. Pereira de Barros, médico conceituado e diretor da Casa de Saúde do mesmo nome; Mata Bacelar, médico homeopata de grande nomeada; Pinheiro Sozinho, diretor da Escola de Agricultura, e esposa; Melo César, advogado, esposa e filha; Francisco Viana, cirurgião dentista, esposa, filha e cunhada; Abel da Costa, cirurgião dentista; Bacelar Júnior, médico, e os Srs. Teixeira Marques, chefe de secção da Intendência de Belém e diretor da Escola Prática de Comércio, e sua esposa; Álvaro Menezes, farmacêutico homeopata; Pedro Bastos, corretor, esposa e filha; João da Rocha Fernandes, capitalista, senhora e filha; Manoel Tavares, guarda-livros da Casa Antônio Albuquerque & Cia., esposa e filha; Eurípedes Prado e filhas; Maria Figueiredo Costa, esposa do Coronel Simplício Costa; Barbosa Rodrigues, comerciante, esposa e filha, e do Senhor Doutor Gaston Vieira, médico legista e esposa, e de outros cavalheiros, efetuou-se na noite de 22, às 21 horas, uma sessão de materialização, sendo médium a Senhora Prado, em minha residência, sita à travessa São Mateus n. 100-A, em sala expressamente preparada para este fim, tendo uma única porta de entrada, o chão cimentado e completamente descoberto, sem tapete que pudesse fazer supor alçapões, etc., as paredes completamente nuas, despidas de qualquer ornamentação, pintadas de cor cinzenta escura, o teto idem, parecendo a sala com uma grande caixa de 10 metros em quadro, contando apenas três filas de cadeiras, uma grade e uma câmara obscura móvel.

Nesta sala muitas sessões de materializações se realizaram, limitando-me a descrever apenas esta, visto como muitas das demais se encontram amplamente narradas, ou melhor, ilustradas, no “O Trabalho dos Mortos” (Livro do João), do meu bom amigo e confrade Doutor Nogueira de Faria.

Depois de colocada a médium dentro de uma grade quadrada, de forma cúbica, com varões de ferro, de tamanho apenas suficiente para contê-la sentada em uma cadeira comum, não havendo na dita grade porta alguma, mas sim uma única abertura da sua parte inferior para a entrada da médium, suspensa na ocasião à altura da mesma; para isto se poder operar, foi fixada em uma tábua, sobre a qual a médium se achava já sentada, por meio de quatro porcas, engatadas em espigões de ferro, fixos na mesma.

Este trabalho foi feito por algumas das pessoas presentes.

Examinada cuidadosamente a câmara obscura, que se encontrava no meio da sala para este fim, formada de armação de dois quadros laterais da largura aproximadamente de dois metros, seguros apenas com travessas de 6 centímetros, formando assim uma caixa com teto, fundo e frente abertos, tendo, tanto dos lados como na frente, pendurados, uns levíssimos cortinados soltos, de pano preto, no seu total comprimento, foi esta empurrada, visto ter roldanas, até à parede do fundo, onde se achava a grade já descrita, cobrindo esta e fixando-a na parede por meio de espigões.

Apagaram-se as luzes gradualmente, ficando a sala com claridade suficiente para serem vistas a parede do fundo, em toda a sua extensão, a câmara obscura no centro, e nesta a grade com a médium dentro, já em estado de transe completo.

Depois de uma espera não muito longa, apareceu, saindo do cortinado da frente, o fantasma de uma moça, trajando túnica branca, amarrando-lhe uma larga faixa da mesma cor, dos pés até o queixo, como se fosse amortalhada à maneira judaica. Cabelos escuros, soltos e caídos sobre os ombros, no peito. Procurou em primeiro lugar a Srta. Nair Melo, médium de efeitos físicos, que se achava perto da câmara obscura, com auxílio fluídico, atenuando assim em parte o abatimento da médium de materialização, durante o trabalho, auxílio aliás, para mim, desnecessário, visto como nunca foi preciso nas sessões anteriores. Foi a pedido do Espírito “João” que assim se proceder. Depois de abraçá-la e de lhe apertar a mão, pediu que dissesse em voz alta ser ela a filha do Senhor Teixeira Marques, indo em seguida na sua direção; bem próximo, pronunciando a seguinte frase: “Meu querido pai!” E estendeu-lhe a mão. Com fadiga e a passos curtos, por se achar amarrada. voltou para perto da câmara, ajoelhando-se em atitude de quem reza, e retirando-se em seguida (37).

(37) Percebe-se claramente a intenção do Espírito, apresentando-se assim: dar-se a reconhecer, pois, tendo sido casada com cavalheiro hebraico, ao morrer fora sepultada de acordo com os costumes desses irmãos.

Pequeno intervalo. Outra figura se mostra, abrindo o leve cortinado e é o vulto de Hilda, falecida em 1918, na época calamitosa da gripe. Filha do Doutor Melo César, que também se achava presente, com a sua esposa e filha Nair. Veste túnica branca atada na cintura. Os seus cabelos castanhos estão soltos, caídos na frente, com fitas pretas amarradas nas extremidades.

Deu a mão à Srta. Nair e foi diretamente a seu pai, de traços abertos, parecendo que ia abraçá-lo. Comovido, o Doutor César levanta-se para corresponder à expansão afetuosa de sua idolatrada Hilda, mas esta recua, talvez receando prejudicar a médium, dizendo neste momento: “Meu bom pai!”

Retirando-se, voltou-se para sua irmã Nair, com a qual brincou, pegando-lhe suavemente os cabelos, acariciando-a nas faces, dando-lhe umas leves palmadas na mão, etc. Ouvindo Hilda sua querida mãe trocar, disse à irmã: “Dize aos nossos pais que não chorem, eu sou muito feliz!” Ajoelhou-se, orou e retirou-se.

Mais um Espírito materializado apareceu nesta memorável sessão – o de Maria Alva, que, conforme já se disse anteriormente, foi minha filha na última existência. Vestida de branco, também com larga faixa preta a tiracolo, tinha os cabelos pretos divididos em duas tranças visíveis, uma na frente e outra atrás, caídas nas costas. Cumprimentou a Srta. Nair oferecendo-lhe uma flor, percorreu a sala, na sua extensão, e, dirigindo-se para minha esposa Luísa, para lhe dar um galho de alecrim, ajoelhou-se à sua frente, orando. No ato da entrega, disse: “Tome, plante para mim.” Apertou-lhe a mão, beijando-a. Veio também para a fila do nosso lado, oferecendo-nos flores.

Em quarto lugar vimos o Espírito de “João”, o querido dos assistentes, conhecido desde as primeiras manifestações espíritas da casa Prado. Estava triste. Ajoelhou-se e rezou muito. Aproximou-se dos assistentes, oferecendo também flores, e apertando-lhes as mãos, em sinal de despedida, pois a médium ia temporariamente para Parintins, com a família. Retirou-se, voltando pouco depois para nos saudar, agitando por muito tempo um lenço branco. Procurou o Senhor Eurípedes Prado, e, entregando-lhe umas flores secas, disse

- Devolva-as ao irmão Simplício.

Mais um outro vulto: o marinheirinho. Calças brancas, curtas até aos joelhos, meias também brancas, blusa de cor, lenço no pescoço, cinto apertado à blusa, e neste, pendurado, um pequeno sabre. Na cabeça um boné que tirou pouco depois do seu aparecimento. Gordo, baixo, com movimentos esbeltos. Começou a brincar com a Srta. Nair, segurando-lhe ambas as mãos, e movimentando-se ritmicamente, como quem deseja dançar. Sempre com ar brincalhão, caminhando apressadamente, procurou diversas pessoas, apertando-lhes efusivamente e com força as suas mãos, a ponto de fazer exclamar ao Doutor Mata Bacelar: - “Tem força, o rapaz!” Voltou a brincar novamente com aquela senhorita, e desapareceu.

Eis-nos finalmente chegados ao último fantasma que se materializou! O “Evangelista”, assim por nós conhecido. Grande túnica de um branco fosforescente, largas mangas, barba preta crespa, poucos cabelos, em atitude austera, solene, com o olhar dirigido ao céu, levantados os braços para o indicar. Firme, em pé, perto da câmara, olhando-nos depois com ar de bondade e amor. Admiravelmente belo pelo vigor da sua figura, pela luz que do seu corpo se expandia, pela elevação e solenidade do seu porte! Passou ao lado oposto da câmara, sempre conservando o tom de superioridade evangélica, e assim ficou muito tempo. Sentíamo-nos todos deslumbrados pela graça que Deus nos tinha concedido naquele momento. Enfim, retirou-se, não sem se ajoelhar e orar.

Depois da espera necessária para a desmaterialização, acordando o mesmo Espírito “João” a médium, por meio de leves palmadas dadas nas suas faces, foi suavemente aumentada à luz da sala, verificando-se, então, que tudo se achava igualmente disposto como no começo da sessão, isto é, a grade dentro da câmara obscura, com a médium aí sentada e na mesma posição, sendo preciso, para retirá-la, desparafusar as porcas, e quatro pessoas levantarem a grade à altura da sua cabeça, para esta se poder retirar. Verificou-se neste momento que a Senhora Prado se achava muito incomodada, com forte dor de cabeça e tonturas, bastante fatigada e muito enfraquecida, com o pulso um pouco agitado.

Ettore Bosio.”

A propósito dos fenômenos assim narrados, o maestro Bosio dirigiu aos seus amigos Doutor Melo César e Teixeira Marques a seguinte carta, obtendo as respostas que se lhe seguem

Pará, 8 de Maio de 1921.

Ilmo. Senhor Doutor.

Cumprimentos.

Consinta-me em sua bondade que lhe solicite a fineza de me responder em seguimento desta:

a) se o senhor assistiu a algumas das sessões de materialização realizadas em minha residência, graças à mediunidade da Senhora Prado;

b) se, entre os Espíritos que se materializaram, reconheceu algum;

c) qual a impressão que lhe ficou da veracidade desses trabalhos.

Seu grato amigo

Ettore Bosio.

Resposta do Doutor Melo César:

“Ilmo. Senhor Ettore Bosio.

Em resposta à sua carta, cumpre-me dizer o seguinte:

Assisti a duas sessões de materializações de Espíritos, realizadas em sua residência, à travessa S. Mateus, 100-A, nesta Capital. A primeira sessão foi a 9 e a segunda a 22 de Março deste ano.

A médium das materializações - Senhora Prado -, em estado de completa letargia, achava-se sentada em uma cadeira, dentro de uma gaiola de ferro, no fundo do salão. As sessões começavam às 9 horas da noite.

O primeiro Espírito que apareceu materializado foi o de minha filha Hilda, falecida nesta Capital a 28 de Setembro de 1918.

Além de reconhecida perfeitamente por mim e por minha família, que assistiu às sessões, foi reconhecida por muitos outros assistentes, que a conheceram em vida. Depois de sua permanência entre nós por alguns minutos, desapareceu Hilda e apareceu materializado o Espírito de Maria Alva, a qual, segundo declarou, fora filha do meu distinto amigo, a quem dirijo estas linhas. Também demorou alguns minutos entre nós, Maria Alva, cuja forma desapareceu rapidamente.

Apareceram ainda materializados os seguintes Espíritos: o de um marinheiro, rapaz de seus 17 a 18 anos de idade; o de uma filha do Senhor Teixeira Marques, o de um desconhecido e o do João, já bastante conhecido de todos os que assistiram às sessões anteriores realizadas na residência do Senhor Eurípedes Prado. Os fenômenos das materializações, por mim observados com a máxima atenção, foram igualmente observados por cerca de 50 pessoas que assistiram às sessões, entre as quais se contavam médicos, comerciantes, funcionários públicos, cirurgiões-dentistas, advogados e muitos outros de destaque em nosso meio social.

A impressão que me ficou no espírito é a de que todos esses entes desencarnados continuam a viver perto de nós, comunicando-se conosco, quando assim é permitido, e que a sua morte aparente não foi mais do que a sua libertação da matéria grosseira que os trazia preso durante a vida terrena. Por mais rigoroso ou descrente que seja o observador de tais fenômenos, de modo algum poderá justificar a hipótese da fraude.

Éramos umas 50 pessoas, como ficou dito, os assistentes das duas sessões, e posso declarar que as nossas afirmações de que os fenômenos por nós observados - são reais, são verdadeiros - têm muito mais valor do que as negações de todos aqueles que ainda não assistiram a materializações de Espíritos.

E' lógico que as afirmações de poucas pessoas que viram, que observaram, que estudaram um fenômeno qualquer, sejam muito mais valiosas do que as negações de cem mil que não viram, que não observaram, nem estudaram esse fenômeno, como mui judiciosamente notou Alfred Erny no seu “Estudo dos Fenômenos Psíquicos” (38).

(38) Psiquismo Experimental.

Autorizo-o a fazer da minha resposta o uso que lhe convier.

Do Am.° Cr.°

Manoel C. de Mello César

Resposta do Senhor Teixeira Marques:

“Belém do Pará, 13 de Maio de 1921.

Meu caro Senhor Maestro Bosio.

Saudações.

Em resposta à sua carta de 8 deste mês, tenho a dizer-lhe que assisti, em sua residência, a uma sessão espírita de materialização, não me recordando, agora, a data. Essa sessão me deixou a mais grata recordação, pelo fato de, entre os cinco Espíritos que durante duas horas estiveram conosco, contar-se o de minha filha Sita, falecida em Dezembro de 1917.

Minha filha, casada com o Senhor Simão Roffé, foi sepultada conforme o ritual hebraico e, talvez, para oferecer prova de identidade, assim apareceu, não deixando perceber, portanto, senão parte do rosto, isto é, tendo encoberta a região mentoniana.

Seu talhe, seus cabelos, suas mãos que ela teve entre as minhas, sua voz quando disse - meu querido papá - me deixaram a certeza de estar em presença desse ente querido.

Quem assistiu, como eu, às manifestações de João, desde o seu início, em casa da família Prado, primeiramente fenômenos ocultos e gradativamente a olho nu, em companhia de pessoas de respeitabilidade social, nunca poderá duvidar deles e atribuí-los à fraude.

Eu sou dos que desde o começo desses trabalhos investigam e fiscalizam tudo, já na residência da família Prado, já na do Senhor Coronel Simplício Costa, e, seja aqui, ali ou acolá, o fenômeno é patente, só negado pelos que falam sem ver ou que os vendo são os piores cegos por não quererem enxergar.

Houve sessões, Senhor Maestro Bosio, em que João fez tudo, absolutamente tudo quanto lhe solicitei que fizesse.

Somente em documento muito longo eu lhe poderia contar tudo quanto tenho assistido por efeito da mediunidade da Senhora Prado, mas sua carta se refere à sessão a que assisti em sua casa, e, o que disse, é o que com sinceridade se me oferece dizer.

Fico ao seu dispor e pedindo a Deus pelo bem-estar da distinta família Prado, cuja missão bendita vai sendo cumprida, sob os golpes dos maus, mas amparada pelas nossas fervorosas preces a Mãe Santíssima.

Pode fazer desta o uso que quiser.

Do amigo,

Teixeira Marques.

AS MATERIALIZAÇÕES

DE

RAQUEL FIGNER

Aos Corações Amantíssimos

De

Frederico Figner e D. Ester Figner

Com as homenagens da minha profunda e respeitos estima

AS MATERIALIZAÇÕES DE RAQUEL

UM DEPOIMENTO VALIOSO

No dia 28 de Abril de 1921, chegou a Belém o Senhor Eurípedes Prado, com sua senhora (a médium) D. Ana Prado. Por nos obsequiar e por amor à Doutrina, fizeram o sacrifício de deixar seus filhinhos em Parintins e de empreender, num vapor incômodo, uma desagradável viagem.

Na noite de 30 de Abril de 1921, achando-nos a conversar em casa, do maestro Bosio, onde o Senhor Prado e sua senhora se haviam hospedado, essa última que, sentada numa cadeira de balanço, tomava parte na conversação, em dado momento deixou de falar, notando-se que adormecera. Supusemos fosse de fadiga, por haver dormido mal as noites anteriores, acompanhando o marido que, doente, quase não dormia.

Ao cabo, porém,de algum tempo, começou, sem despertar, a mover os dedos da mão esquerda que descansava sobre o braço da cadeira. Ficamos atentos. Daí a pouco, dirigindo-se a mim, disse

- Não gosto de ver mamãe de preto. Não assaltei a médium. Sentia-me bem, perto de mamãe, e, como a médium se desprendesse, aproveitei para falar.

Passado algum tempo, a médium estremeceu e, tapando os olhos com o lenço, se encaminhou maquinalmente para o quarto, assistida por duas amigas que, lá chegando, a deitaram na cama.

Uma vez deitada, tornou a falar, dizendo:

- Mamãe, não gosto de te ver de preto. O luto não está na roupa, está no teu coração, na dor que está no teu coração.

Perguntando-se-lhe se era Raquel quem falava, nada respondeu. Penso, entretanto, que foi ela, ou um dos meus filhinhos desencarnados antes dela.

O maestro Bosio perguntou então qual o irmão que estava presente. Logo, falando pela médium, o Espírito respondeu:

- Não tenham receio; ela está sobe minha guarda.

O maestro Bosio inquiriu se era João. A resposta, dada imediatamente, foi:

- Sim, sou eu. Nossa irmã foi a Parintins ver os filhinhos.

Continuando a falar, João disse mais:

- Vamos todos trabalhar para que amanhã o irmão Eurípedes esteja de pé e eu possa conduzir o meu trabalho. Respondeu o maestro Bosio:

- Sim, vamos trabalhar: orar.

Ao que João respondeu:

- Vocês, não; nós daqui.

Durante todo esse tempo o Espírito da médium esteve em Parintins, visitando os filhos que lá deixara, conforme nos declarara João. Disse este, por fim:

- Saiam todos, pois que ela deve despertar cercada apenas das pessoas que para aqui a trouxeram.

Em seguida, disse que no dia imediato teríamos sessão, porquanto ele precisava provar ao Espírito perturbador que não conseguiria impedir o fenômeno.

Todo esse tempo, o Senhor Eurípedes se conservou deitado, no quarto ao lado, em palestra com alguns amigos.

Despertando, a médium narrou o que vira durante o desprendimento do seu Espírito. Disse que, desprendido este, vira o seu corpo sentado na cadeira. Todos os que se achavam de frente para a porta da rua observaram que, em certo momento, essa porta se abrira e fechara por si só, Frederico imediatamente correra à porta e, tendo-a aberto, verificara que nas proximidades da casa não se encontrava pessoa alguma.

PRIMEIRA SESSÃO A 1 DE MAIO DE 1921

No dia 1 de Maio estávamos todos ansiosos, mas confiantes na promessa de João.

O Senhor Eurípedes passara regularmente a noite. Pela manhã, no entanto, foi de novo um pouco atuado pelo Espírito, que Frederico conseguiu afastar por meio dos passes.

As 11 da manhã, ele se levantou da cama, sendo essa a primeira vez que o fazia, desde que chegara. A partir desse momento, cessou todo o mal-estar que vinha experimentando. À noite, sentia-se completamente restabelecido, conforme João prometera.

Tivemos uma sessão admirável. Falando ao ouvido da médium, determinou João que só as pessoas íntimas fossem admitidas, pois, dizia ele, era apenas uma sessão preliminar.

Impossível me é descrever as sensações que experimentei. Nenhum pavor tive. Antes, senti-me possuída de um respeito profundo diante do fenômeno a que assistia. Sentia-me elevada, como que purificada. Parecia-me que o Céu baixara à Terra.

A essa sessão de 1 de Maio estivemos presentes: o Senhor Prado e senhora (a médium), o maestro Bosio e senhora, o Senhor Manoel Tavares e senhora, Doutor Mata Bacelar, Senhor Viana e senhora, Senhor Batista, Fred Figner, eu e nossa filha Leontina.

Frederico e eu pedimos insistentemente à médium que dispensasse as grades dentro das quais costumava ficar. Estávamos certos da realidade do fenômeno e, portanto, não podíamos consentir que ela se metesse naquela gaiola, que tão mal a impressionava, assim como ao bom irmão João. Ela, à vista da nossa insistência, se sentou numa cadeira de balanço, dentro da câmara escura.

Abaixaram-se as luzes, não tanto, porém, que não víssemos uns aos outros distintamente. A escuridão só era quase completa na câmara onde estava a médium. Mas, ainda assim, perfeitamente se via a gola branca do seu vestido e o lenço com que ela tapava os olhos, evitando a luz.

Enquanto esperávamos o Doutor Mata Bacelar, que foi o último a chegar, Frederico fez uma prece. Todos depois nos sentamos e começamos a conversar, porém sempre atentos para a câmara onde se encontrava a médium, de sorte que todos a víamos na sua cadeira de balanço.

Decorridos uns cinco minutos, principiamos a ver formar-se uma mancha de grande alvura e que mudava de posição, mas conservando-se sempre à volta da médium. Essa mancha foi aumentando e, à medida que crescia, mais se agitava. Dir-se-ia que primeiro formava a roupagem com que o Espírito se apresenta. Tendo chegado a um certo tamanho, foi crescendo aos poucos. Em certos momentos, desaparecia para logo reaparecer, até que se tornou a figura perfeita de um homem. Passou para fora da cortina e flutuou como uma nuvem para o lado esquerdo da câmara. Era João.

Uma vez completamente materializado, fechou a cortina, para evitar que a claridade banhasse a médium, aproximou-se lentamente de um banco onde havia um tímpano e com este deu o sinal convencionado para se aumentar à luz, o que foi feito. O Espírito João tornou-se nitidamente visível.

Caminhou com os braços estendidos para o Senhor Eurípedes e lhe fez alguns passes. Ajoelhou-se, ergueu as mãos ao céu e, levantando-se, foi à câmara ver a médium. Em seguida se dirigiu para mim e se pôs de pé na minha frente.

Falei-lhe. Expus-lhe toda a minha dor. Disse-lhe o motivo da minha ida ao Pará. João ouviu-me atentamente. Depois, estendeu os braços num gesto de me abençoar e os levantou para o céu. Tudo isso fez defronte de mim e a uma distância que, se estendêssemos horizontalmente os braços, nossas mãos se tocariam.

Ao terminar a narrativa que fiz de todas as minhas mágoas, ofereci-lhe as flores que lhe levara e apresentei a carta de Dona. Elizabet. Ele recebeu tudo com a mão direita, passando em seguida para a esquerda e, estendendo aquela, passou-a suavemente sobre a que eu lhe estendera.

O contacto da sua mão me deu a impressão exata de uma mão humana e senti que tinha a temperatura normal destas. Ele tem uma bela compleição. E muito mais alto do que a médium, que é de estatura muito baixa. Não nos foi, todavia, possível apreciar bem o rosto. Via-se que havia rosto, mas não se lhe distinguiam claramente os traços. Suas vestes são de extrema alvura; assemelham-se às de um frade, com um capuz, que traz sobre a cabeça.

De vez em quando, João vai à câmara, para ver se a médium está bem, e volta, permanecendo sempre visível, pois que, para fazer a sua observação, apenas introduz a cabeça na câmara.

Depois do João, apareceu-nos um outro Espírito, dentro da câmara, com a cortina entreaberta, de maneira que observamos a sua formação e seus movimentos. Esse, porém, não saiu da câmara e se transformou em seguida numa moça, cujo rosto vi muito regularmente, assim como os cabelos a lhe caírem sobre os ombros.

A seguir, apareceu, na abertura da câmara, um Espírito completamente materializado, trazendo à cabeça uma espécie de chapéu mole de linho e, passado por baixo do queixo e amarrado por cima do chapéu, um pano escuro, como usam algumas pessoas quando têm dor de dentes. A vestimenta era igual à de João. Note-se que na abertura da direita da câmara, por onde João entrara e saíra, víamos bem nítida a sua túnica, como que a flutuar acima da câmara.

Quando o outro Espírito se apresentou na abertura da esquerda, aí parou. Logo se ouviu a voz da médium, que vinha de dentro da câmara e pedia que parassem o ventilador para que o irmão pudesse caminhar. Parado o ventilador, o Espírito, atravessando toda a sala, foi até junto do Senhor Eurípedes, deu-lhe passes, levantou as mãos para o alto e terminou por fazer um gesto como que abençoando aquele senhor. Voltou para perto da abertura onde se achava a roupagem de João, pegou-a e puxou-a um pouco para nos mostrar que era real, que era matéria. Aí se demorou alguns minutos, andando de um lado para nutro, deixando-se observar e movendo os braços de maneira que reconhecêssemos ser exatamente uma criatura humana. Suas mãos, seus pés, todo o seu corpo, enfim, eram claramente visíveis. Apenas do rosto não se lhe podiam distinguir bem os traços.

Cumpre notar que os Espíritos que se materializaram eram muito mais altos que a médium. Seus pés assentavam completamente no chão, porquanto nos sapatos não traziam saltos.

Em suma, foi uma verdadeira maravilha o que eu tive a graça de ver.

Depois desse segundo espírito, voltou João, trazendo nos braços alguma coisa que parecia uma criança recém-nascida. Dissemos todos: E' uma criança, e ele com um aceno de cabeça confirmou. Levou-a em seguida para dentro da câmara. Reapareceu e ficou algum tempo a nos olhar.

Das flores que lhe tinham sido ofertadas, deu uma ao Senhor Eurípedes, atirou uma ao Senhor Viana e distribuiu as restantes com os outros assistentes.

Voltando à câmara, introduziu aí a cabeça, como que para falar à médium, e, por intermédio desta, mandou que fizéssemos uma prece para ser encerrada a sessão. Frederico começou a fazer a prece em voz alta e João se ajoelhou, tomando a atitude de quem ora. Antes que a prece terminasse, entrou na câmara e saiu logo, trazendo na mão um pano grande, muito alvo, semelhante a um lenço, com o qual se pôs a acenar como quem se despede. E foi pouco a pouco se desmaterializando às nossas vistas. Levantou a cortina e vimos, como no princípio da sessão, a mesma nuvem branca flutuando em torno da médium. Percebia-se bem que João lhe dava passes. Ouvimos depois algumas pancadas, como se alguém lhe estivesse dando tapinhas no rosto. Explicou-nos o maestro. Bosio que era João a despertar a médium, dando-lhe palmadinhas nas faces.

Já então distinguíamos de novo o lenço branco da médium e a gola do seu vestido. Acompanhando os volteios da mancha branca, percebíamos estar ali verdadeiramente um ser inteligente, pelos esforças que fazia por despertar a médium, a quem João dedica grande afeto.

Cheia de indizível comoção, em estado de profundo reconhecimento a Deus pela sua misericórdia, via escoar-se assim um dos instantes mais felizes da minha vida. Tinha a impressão de que o Céu se unira a nós, míseras criaturas.

Espero, com toda a impaciência, o momento ditoso de começar a próxima sessão.

SEGUNDA SESSÃO A 2 DE MAIO DE 1921

Pessoas presentes: o Senhor Prado e senhora (a médium), maestro Bosio e senhora, Senhor Manoel Tavares e senhora, Senhor Antônio Bastos, senhora e filha, Senhor João da Rocha Fernandes e senhora, Doutor Mata Bacelar, Doutor Remígio Fernandez, Doutor Pereira de Barros, Senhor Barbosa e senhora, Doutor Nogueira de Faria e senhora, Senhora Albuquerque e filho, Coronel Santiago e senhora, Frederico Fígner, senhora e filhas. Entre essas pessoas, algumas havia inteiramente incrédulas.

Depois de tudo bem examinado e de estar a médium (aliás contra a nossa vontade) fechada dentro das grades, apagaram-se as luzes. Daí a uns dez ou quinze minutos começaram a aparecer às manchas brancas de que já falei anteriormente. João, ainda não de todo materializado, pediu o tímpano que haviam esquecido de colocar junto à câmara.

Passados alguns instantes, indicando com o tímpano as letras do alfabeto, ele pergunta se não querem ir observar a médium em transe, dentro da grade. Acendeu-se uma vela a cuja chama servia de anteparo um chapéu, a fim de que a luz não batesse em cheio na médium, e alguns senhores foram até perto da câmara, verificando que esta se achava adormecida e tudo intacto.

Segue-se um pequeno intervalo, após o qual começamos a ver de novo as manchas brancas a se condensarem até tomarem a forma de uma pessoa. Essa forma se apresentou, primeiro, de tamanho reduzido. Em seguida, porém, tomou as dimensões de um homem bem proporcionado. E' João, o nosso bom amigo.

Saiu da câmara e caminhou por diante de todos os que estavam na primeira fila de cadeiras: recebeu as flores que alguns dos assistentes lhe ofereceram, inclusive eu, Frederico e minhas filhinhas Lélia de sete anos, Helena e Leontina; e, feito isso, começou a distribuí-las com alguns dos presentes, jogando-as muitas vezes para o ar. Todos os seus movimentos são absolutamente humanos. Não se pode ter a menor dúvida de que seja um homem quem está em nossa presença. De vez em quando vai à câmara escura para observar a médium, mais sem nunca deixar de ser visível a todos.

De uma das vezes fica dentro da câmara, enquanto que pela outra porta sai um vulto, que dizem parecer o marinheirinho. Este se demorou um instante fora da câmara e tornou a entrar. Aparece de novo João. Afinal, eles se materializam sucessivamente às nossas vistas.

Materializou-se um rapaz, que nenhum dos assistentes conhecia. Perguntando-se-lhe se entre os presentes havia algum parente seu, acenou com um lenço negativamente e levantou a mão direita para o alto, como a indicar qualquer coisa. Perguntaram-lhe se com isso queria significar que seus parentes estavam no Espaço. Respondeu, por acenos, que sim.

Surgiu em seguida, junto à cortina, uma moça, com todas as aparências e gestos de minha filha, a tal ponto que dissemos: E Rachel! Então, quando se ajoelhou, era perfeitamente ela. Os gestos eram todos absolutamente os de minha Rachel, e mesmo o corpo, a forma, o vestidinho acima do tornozelo, de mangas curtas e um pouco decotado. Apresentou-se-nos assim muito parecida, porém ficou distante de nós, bem junto à câmara onde se achava a médium.

Entrou depois na câmara e de novo saiu, trazendo sobre a cabeça um capuz branco, que lhe encobria os cabelos e os ombros. Caminhou em direção a mim, dizendo, com uma. voz fraquinha e como que chorosa: “Mamãe, mamãe.” A medida que de nós se aproximava, ia, por assim dizer, diminuindo, tornando-se menos semelhante, de corpo, à minha filha. Veio até bem perto de mim e aí parou. Não tinha então as formas tão perfeitas. Reconheci-lhe, porém, a fronte, as sobrancelhas; verifiquei, em suma, que era minha filha.

E' possível que, por ser a primeira vez, não houvesse podido materializar-se bem. Penso, todavia, que foi devido à assistência, porquanto, voltando certa vez à câmara, fez a médium dizer: “Afastem-se os que estão atrás de mamãe, pois que há ali uma corrente contrária, que me impede de aproximar-me.” Imediatamente todos se afastaram e ela pôde com facilidade vir até muito perto de mim e falar. Ouvi e vi perfeitamente que a voz partia da boca de minha filha, pois me achava de joelhos diante dela, a contemplá-la e a ouvi-la.

Disse-me, em voz baixa, porém que todos ouviram: “Para que essa roupa preta? Sou muito feliz, muito feliz.” E moveu os braços para cima numa expressão de contentamento. Frederico, Leontina e Helena choraram muito. Eu experimentei grande emoção, mas não pude chorar.

Depois de proferir aquelas palavras, pegou de minha mão e beijou-a, coisa que não fazia aqui na Terra, por isso que eu e Frederico não gostamos que os nossos filhos nos beijem as mãos. Entretanto, isso foi uma prova. E' que durante toda a sua enfermidade, ela, o meu anjo adorado, me beijava a mão e me cobria de carícias. Vivíamos acariciando-nos, as duas, como se estivéssemos a despedir-nos para uma grande viagem.

Também o referir-se ela à roupa preta foi uma misericórdia e uma prova, pois que eu dizia sempre que só tiraria o preto se minha filha viesse em pessoa falar-me a esse respeito. E, como tenho a certeza de que foi ela quem me falou, fiz-lhe a vontade: desde aquele instante tirei o vestido preta e nunca mais em minha vida, morra quem morrer, o usarei. Sei hoje, com toda a segurança, que isso desagrada aos nossos entes queridos que partem para o Além.

Leontina lhe entregou uma rosa. Ela acariciou a mão da irmã, passando-lhe por cima a rosa, e retirou-se para a câmara escura, onde fez que a médium dissesse: “Vou levar para o Espaço a rosa que me deste.” Enfim, uma maravilha, a maior das misericórdias que uma criatura pode receber.

Materializaram-se em seguida os Espíritos de Maria Alva e o de uma moça que parecia ser o que costuma apresentar-se numa sessão que o maestro Bosio freqüenta e que se mostra sempre com um diadema na cabeça, diadema que ela trazia esta noite, mas que não estava muito visível. Como não a reconhecessem, disse pela médium: “Olhem para o emblema que trago na cabeça e me reconhecerão.” Como o emblema não estivesse bem visível, conforme notamos acima, ela entrou na câmara e, ao voltar, sem ter demorado, trazia-o muito mais nítido, belamente iluminado.

Antes, como já disse, aparecera Maria Alva, muito desembaraçada. E' uma moça gorda, de braços roliços e cadeiras redondas. Veio com os cabelos soltos e com um pano de cor escura a tiracolo, lembrando um vestuário grego. Tendo sido, em outra encarnação, filha do maestro Bosio, dirigiu-se a ele, pegou-lhe fortemente as mãos, beijou-as e deixou que lhe beijasse as suas. Depois foi ter com a Senhora Bosio e, brincando com ela, lhe deu, na palma da mão, forte palmada, cujo estalido todos ouviram.

E' preciso dizer que, quando o Espírito está materializado, João baixa a cortina da câmara e toca o tímpano para que seja aumentada a luz, ficando assim os Espíritos completamente visíveis. Em seguida, ele pede música.

Maria Alva ofereceu-me uma angélica, e outras flores a outros assistentes.

A moça do diadema, a quem chamaram Diana, esteve bastante tempo entre nós, deixando-nos ver bem o seu diadema iluminado, assim como toda a beleza de suas formes e de seu rosto.

Desde, que essas boas irmãzinhas se retiraram, voltou João e conosco ficou ainda algum tempo, mostrando-se e brincando com os presentes. Chegou-se ao ouvido de uma das senhoras e disse o nome dos assistentes que concorriam para prejudicar o trabalho. Logo no início da sessão, ele dissera pela médium “Está alguém na sala, que prejudica os trabalhos.” Só no fim da sessão, entretanto, declinou o nome desse alguém. Era., de fato, um incrédulo, mas que, apesar disso, chorou, quando viu toda aquela magnificência.

Por fim, tomando de um lenço, que ele decerto materializara como havia feito com a sua roupa, João acenou por longo tempo em sinal de despedida. Vimos, como sempre, a desmaterialização operar-se dentro da câmara, pois que, quando isso se vai dar, ele suspende a cortina, para que a médium fique visível.

Ouvia-se-lhe a voz chamando a médium para que despertasse e ouvia-se igualmente o ruído das tapinhas que lhe dá com o mesmo intuito. Ele se conserva em derredor da médium até que esta desperte. Vimos às manchas brancas que sempre vemos no começo e no fim das sessões. Dessa vez a médium sofreu um certo abalo, porque alguém, imprudentemente, aumentou a intensidade da luz.

E' assombroso tudo quanto tenho visto. Estou em suspenso à espera de outras horas felizes, como as que passei junto desses bons irmãos do Espaço, aos quais só Deus pode recompensar o imenso lenitivo que trouxeram ao meu coração dilacerado pela dor da separação de minha amada filha Rachel.

TERCEIRA SESSÃO A 4 DE MAIO DE 1921

Pessoas presentes: Senhor Eurípedes Prado e senhora (a médium), maestro Bosio e senhora, Doutor Mata Bacelar, senhor e senhora Manoel Tavares, Frederico Fígner, senhora e filha Leontina.

Feito o círculo para a produção dos fenômenos de efeitos físicos, apagaram-se as luzes. Frederico e eu colocamos sobre as pernas seis lenços, dos quais quatro estavam comigo. Começaram os fenômenos tocando o Espírito João no Doutor Mata Bacelar e depois no maestro Bosio. Senti, em seguida, que me tocavam no colo. Passados alguns momentos, senti que me colocavam qualquer coisa no colo. Nisto diz à médium que João mandava, que acendessem as luzes, feito o que, verificou-se que eu tinha no colo um lenço amarrado em forma de flor.

Apagadas de novo as luzes, João continuou a fazer o mesmo trabalho com os lenços, mas amarrando cada um de uma forma diversa. Fez isso com um dos de Frederico, sem tocar no outro.

Da primeira vez que tirou os lenços do meu colo, levou dois e restituiu um amarrado. Tirou depois os outros dois que haviam ficado e logo nós restituiu amarrados também. Um dos dois primeiros, porém, ele conservou consigo e só mo deu no fim da sessão, trabalhado igualmente, como os demais.

De repente, Leontina soltou um grito e disse que alguém lhe havia tocado na perna. Quase ao mesmo tempo, senti e disse alto que alguém colocava a mão sobre o meu ombro esquerdo. Julgamos fosse João. Logo, entretanto, D. Nicota (a médium) disse: “João está dizendo que não foi ele e sim a irmã de Leontina que a tocou, assim como em D. Esther.” Vindo a saber desse modo que minha filha se achava presente, se bem que invisível, dirigi-me a ela. Imediatamente Rachel se fez sentir atrás de mim, tocou-me o rosto e passou a mão sobre a minha cabeça, acariciando-me. Eu lhe dizia:

- Vem, minha filha, beija-me, abraça-me; vem junto de mim, bem sabes que não tenho receio. Vem, minha adorada Rachel, vem bem junto da tua mãezinha.

À medida que lhe falava, mais Rachelzinha se fazia sentir. Beijou-me muito, fortemente, dando-me beijos estalados que a assistência ouvia. Apertava meu rosto contra seus lábios, tal como se aqui estivesse. Beijei-lhe as mãozinhas, toquei-lhe as unhas, verificando que estavam como as usava, pontudas e polidas. Quando ela assim me abraçava, perguntei-lhe: “Minha filhinha, és feliz?” Ela me enlaçou então de tal forma com seus braços que não mais senti o espaldar da cadeira em que estava sentada. Sentia unicamente o contacto muito vivo do seu corpinho, seu calor, sua respiração, seu hálito. Era perfeitamente minha filha a me dizer ao ouvido: “Sim.” Perguntei-lhe ainda: “Estás contente com tua mãe? Vim de blusa branca.” Minha Rachel pegou das duas abas da blusa e as sacudiu num gesto de contentamento, demonstrando que bem estava vendo.

Avaliem os que lerem estas linhas sinceras a minha alegria, a minha felicidade, o meu reconhecimento a Deus, por me haver permitido, ainda uma vez, sentir, ouvir, tocar a minha filha muito amada!! Ela me tomou de novo o rosto e, puxando-o para o lado, como era seu costume, beijou-me seguidamente muitas vezes, com grande amor.

Sempre a conversar com o meu anjo querido, disse-lhe: “Minha filhinha, vai beijar, vai acariciar teu paizinho.” No mesmo instante ela se fez sentir atrás do pai e se pôs a beijá-lo e a acariciá-lo da mesma forma que fizera comigo. Por fim, deu-lhe um beijo estalado no ouvido.

E' uma maravilha, que não se pode descrever. Ante tanto poder, a criatura de carne desaparece.

Nessa altura dos trabalhos, disse João: “Terminem esta sessão, pois que a médium está perdendo muitos fluidos, o que pode vir a prejudicar a sessão de materialização.” Antes, porém, que a sessão fosse encerrada, disse ele ainda: “Tirem o tímpano que está no chão, entre Fígner e Leontina, e coloquem-no entre os pés do Fígner. Leontina que tire os pés do caminho, pois posso esbarrar nela.” Isto disse por brincar com Leontina, que estava com medo.

Cumpridas as ordens de João, todos lhe sentimos a presença. Tirou o tímpano que estava no chão, entre os pés de Frederico, andou, fazendo-o ressoar no espaço, por cima das nossas cabeças e tocando com ele em todos, especialmente em mim. Tudo isso era feito, apertando João sempre o botão do tímpano, de sorte que pelo som sabíamos a todo o momento onde ele estava. As vezes o som vinha do teto. Pedi-lhe repetidamente que colocasse o tímpano na minha mão. Afinal, mandou que eu estendesse a mão e nela depositou o tímpano. Ordenou que acendessem as luzes, o que feito, todos viram que aquele objeto estava na minha mão.

Terminada essa sessão, preparamo-nos para a de materialização.

Acenderam-se as luzes, arrumaram-se as cadeiras diante da câmara escura, a médium se sentou numa cadeira de balanço dentro da câmara, sempre na mesma posição, tapando os olhos com o lenço. Uma vez tudo disposto, apagaram-se as luzes mais fortes, ficando a sala mergulhada na semi-obscuridade em que ficam os cinemas quando a fita está sendo passada.

Começaram a condensar-se os fluidos e daí a pouco aparecia um vulto no qual, à medida que se formava, íamos eu, meu marido e minha filha, reconhecendo a nossa querida Rachel. E, de fato, o era. Rachel nos apareceu em toda a perfeição de suas formas, tal qual fora, absolutamente reconhecível. Ali estava viva e palpitante.

Antes que houvessem apagado as luzes, João mandou que uma cadeira fosse colocada entre a assistência e a câmara. Quando minha filha saiu, perfeitíssima, da câmara, ajoelhou-se e levantou as mãozinhas para o céu. Ajoelhei-me também e todos os que estávamos presentes a acompanhámos na prece que dirigia ao Senhor. Depois, levantou-se e foi sentar-se na cadeira vazia, tomando exatamente a posição em que está numa fotografia, da qual pouco antes eu falara, dizendo que nesse retrato se lhe viam bem os braços e as mãos. (Gravura 45.)

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FOTOGRAFIA DE RAQUEL FÍGNER

“A Ressurgida” cujo Espírito se materializou com admirável perfeição em 4 de Maio de 1921.

Tomou com a maior exatidão a pose em que se vê na aludida fotografia. Fez, portanto, uma coisa que só ela podia fazer. Todos os da sua família, que ali nos achávamos, exclamamos ao mesmo tempo: “Olhem a nossa Rachel perfeitinha, igualzinha ao retrato.” E ela viva, perfeita, deixava que a víssemos bem e a reconhecêssemos. Não havia dúvida, nem podia haver, era a nossa Rachel.

Eu lhe falava e ela me prestava toda a atenção. Em seguida, levantou-se, veio até junto de mim, colocou-se bem à minha frente, recebeu das minhas mãos umas flores que levara e que suas irmãzinhas Lélia e Helena lhe mandavam. Disse-lhe Leontina: “O Senhor Amábile também mandou lembranças e um abraço.” Ao que ela respondeu levantando as mãozinhas para o céu, como que oferecendo a Deus. Recebeu flores também das mãos de seu pai e de sua irmã Leontina. Enfim, Rachel estava diante de mim tão perfeita e tão viva que se não podia ter a mínima dúvida. Eram os mesmos braços alvos, as mesmas lindas mãos que tinha aqui na Terra. Em tudo, nas maneiras, nas formas, no rosto, era a minha adorada filha.

Voltando ela à câmara escura, disse a médium: “Raquel pede que sua mãe se sente na cadeira em que ela esteve.” Sentei-me imediatamente nessa cadeira, porém de frente para a câmara. Logo disse Rachel pela médium: “Mamãe deve voltar às costas para a câmara e ficar muito quieta.” Assim fiz e disse: “Pronto, minha filha. Estou impassível. Podes vir sem receio.” Logo ouvi uns passos e senti minha filha a meu lado, abraçando-me muito apertadamente e dando-me beijos tão estalados que toda a assistência escutava. Encostava seu rosto ao meu com extremo carinho. Depois de muito me acariciar, de me dar todas as provas de amor e de que era bem a minha Rachel, disse-me distintamente, com voz forte, que todos ouviram: “Não quero que ande mais de preto, ouviu? Quero que venha toda de branco, assim como eu estou.” Respondi-lhe: “Sim, minha filha, far-te-ei à vontade, farei tudo o que quiseres. Já o fazia quando estavas na Terra: hoje, que não farei para te ser agradável? Sim, meu anjo, não usarei mais roupa preta.”

De novo me beijou muito e, com os braços passados por trás do meu pescoço, tirou, das flores que lhe havíamos dado, uma rosa vermelha e a enfiou no decote da minha blusa branca. Vi nitidamente suas mãozinhas, seus dedos. Era positivamente sua aquela maneira de fazer as coisas, eram indubitavelmente seus aqueles gestos. Estávamos todos vendo a nossa Rachel exatamente como era.

Foi novamente à câmara escura, isto é, ficou de pé à porta desta e voltada para dentro como se falasse com alguém. Como eu continuasse na cadeira, a médium falou assim: “Diga à mamãe que saia da cadeira. E' papai que deve sentar-se agora.” Imediatamente me levantei e Fred sentou-se na mesma posição em que eu estivera. Rachel chegou-se a ele, abraçou-o, beijou-o, acariciou-o muito, do mesmo modo que fizera comigo. Passou o braço esquerdo sobre o ombro esquerdo do pai, de forma que se lhe via a mão caída sobre o peito deste aquela mão lindíssima que eu tão bem conhecia e que não podia deixar de reconhecer ali ser inteiramente a mesma da minha Rachel. Estendeu o braço direito tomando uma posição muito graciosa, formando com o seu querido pai, presa da mais viva emoção, um grupo admirável. Não cessávamos de soltar exclamações e de agradecer a Deus tanta misericórdia. Dizíamos: “Filhinha adorada, Deus te abençoe. Deus te pague.”

E' impossível descrever tudo, pois são inúmeras as minúcias. Separando-se de seu pai, depois de muito o acariciar, Rachel tomou de um galho de angélicas e, pelas costas dele, o colocou na lapela de seu paletó. Fez isso com a mais absoluta naturalidade, notando-se-lhe o esforço a que se viu obrigada para passar o talo um pouco grosso da flor na casa meio fechada. Nos gestos, que então fez, como em todos os outros, era a Rachel que conhecíamos.

Reproduziu por duas vezes a posição da fotografia, puxando, antes de se sentar, a cadeira, para pô-la como desejava. Repetidas vezes veio até junto de nós, distribuiu com os assistentes o ramo de flores que lhe havíamos oferecido, ouvindo-se distintamente o ruído que faziam as folhas quando ela separava as flores. Deu-me com muito carinho um ramo de jasmins do Cabo. Quando assim, diante de nós, virava-se de um lado para outro, a fim de que bem a reconhecêssemos e nenhuma dúvida nos ficasse nos espíritos. Frederico e Leontina choravam, soluçando convulsamente. Ela, então, parando defronte de nós, disse, com voz firme, que notoriamente partia de sua boca: “Não chorem.” Todos caímos de joelhos diante da nossa querida Rachel. Em dado momento, Leontina perguntou-lhe se seus irmãozinhos Aluízio e Gabriel estavam presentes e ela respondeu clara e distintamente: “Não.” Esteve algum tempo a andar de um lado para outro, mostrando-se bem.

Como trouxesse os cabelos suspensos, eu disse: “Minha Rachel, ainda não vi os teus cabelos. Mostra-nos a tua linda cabeleira.” Ela foi à câmara e logo voltou, trazendo os cabelos a lhe caírem soltos sobre os ombros, lindos quais eram na Terra. Punha-se de frente e de costas para nós, a fim de que bem a pudéssemos apreciar.

Depois, foi à câmara escura e de lá veio trazendo um pano branco, com o qual se pôs a acenar em sinal da adeus. Que emoção! Todos exclamavam “Adeus, Rachelzinha! Adeus, meu amor! Deus te abençoe!” Enfim, de nossos lábios saíam todas as exclamações de carinho que se podem dirigir a uma criatura adorada e saudosa quanto o é a nossa inesquecível Rachel!! Não há na vida coisa mais sublime. A misericórdia de Deus é tão grande que não há palavras nem sentimentos com que se lhe agradeça. De puro amor se nos enche o coração.

Depois de Rachel, veio o nosso bom irmão João, que ainda não aparecera naquela noite. Não apareceu, disse-o ele, por ter querido deixar todos os fluidos para Rachel, a fim de que ela pudesse materializar-se bem, como de fato aconteceu.

A música, no andar de cima, tocava sempre, desde o início da sessão, João aproximou-se de nós e disse que ia fazer, materializado e em nossa presença, o que não fizera anteriormente, isto é, trabalhar um dos lenços de Frederico, aquele que na sessão anterior ficara sem ter sido atado. E assim fez. Fê-lo da maneira mais linda que se possa imaginar. Todos o víamos perfeitamente bem, em pé defronte de Frederico, a trabalhar o lenço e cantando ao mesmo tempo. Prestei muita atenção, para ver se aprendia a atar o lenço daquele modo; porém, ele o fez tão depressa que não me foi possível perceber. Concluído o trabalho e sempre a cantar, entregou o lenço a Frederico, tal qual o faria um homem.

Pela médium disse qualquer coisa sobre a música que estavam tocando. Como não houvéssemos ouvido bem, perguntou-se-lhe se queria que tocassem outra música. Ao que ele respondeu com voz máscula: “Não.” Interessante é que canta às vezes num perfeito falsete e doutras vezes em tom grave.

Depois de estar João aí algum tempo conosco, vimos um vulto pequeno que se encostava à cadeira colocada no meio da sala e falava com voz muito fraquinha. Eu e as demais pessoas presentes procuramos ouvir o que dizia e escutamos distintamente: “Mamãe, mamãe.” Perguntei: “Será um de meus filhinhos?” Respondeu-me: “Sim.” Vi perfeitamente que era uma criança, que tinha cabelos louros e que repousava um dos bracinhos sobre a barriga. Também os nossos filhinhos não nos haviam esquecido. Não pude saber ao certo se era Aluízio ou Gabriel. Suponho fosse Gabriel, que era louro, ao passo que Aluízio tinha os cabelos castanho-escuro.

Voltou João, que se despediu de nós. Quando estava despertando a médium, fez que esta dissesse: “Causa-me tristeza vera minha médium ir embora.” Ele queria que ela ficasse em Belém.

Numa das sessões, disse João: “Ah! se vocês tivessem isto lá no Rio!”

QUARTA SESSÃO A 6 DE MAIO DE 1921

Na noite de 5 para 6, D. Nicota, a médium, sonhou que João lhe dizia que no dia seguinte, 6, haveria sessão de materialização e que Rachel faria sua mão em parafina líquida, à vista de todos; imergiria duas vezes a mão na parafina e em seguida iria tocar em seus pais para lhes mostrar e fazer sentir o calor da parafina.

Ao amanhecer, D. Nicota referiu ao Senhor Eurípedes, seu marido, o que sonhara. Depois, dirigindo-se a João, pediu-lhe que confirmasse o sonho. Imediatamente, um álbum, pelo qual dá ele sinal da sua presença, se moveu saindo da posição em que estava. Colocaram-no de novo no lugar donde saíra e D. Nicota disse: “Move-o outra vez para termos confirmação.” Logo o álbum se moveu à vista dos presentes. Estava, portanto, confirmada a veracidade do sonho.

A noite houve a sessão de que João falara à sua médium. Foi, porém, muito íntima, pois João desejava que os fenômenos se produzissem muito perfeitos e, na sua opinião, a presença de incrédulos na assistência poderia prejudicá-los.

Marcou a sessão para as 8 horas da noite. Mas, como algumas pessoas só poderiam chegar depois das 8 horas, o Senhor Eurípedes procurou convencê-lo de que melhor seria começar um pouco mais tarde. Ele respondeu: “Não; deve ser às 8 horas em ponto. Depois verás justificada a minha insistência por principiar a essa hora.” E tinha razão, pois que a sessão só terminou quase à meia-noite.

Às 8 horas em ponto, portanto, foi ela aberta, estando presentes o Senhor Eurípedes e senhora (a médium), Doutor Mata Bacelar, senhor e senhora Manoel Tavares, maestro Bosio e senhora, Fígner, senhora e filhas Leontina e Helena.

Satisfazendo aos desejos manifestados por minha filha na sessão anterior, apresentei-me toda de branco.

Apagaram-se as luzes e instantes depois observamos que a materialização começava. Logo que esta tomou forma, reconhecemos a nossa adorada Rachel. Assim saiu da câmara, o seu primeiro gesto foi, como sempre, o de se ajoelhar e orar, no que a acompanhamos. Apenas viu que eu me achava de branco, manifestou grande satisfação. Falava, batia palmas e pulava de alegria, como costumava fazer na Terra, quando experimentava um vivo contentamento. Dizia: “Que bom! Estou muito contente! Mamãe está toda de branco! Está tão bonitinha!!”

Dizer da minha felicidade, por poder uma vez mais ver rainha filha, perfeita como era e dando mostras de alegria, tal qual fazia aqui na Terra, é coisa impossível. A criatura faltam palavras para definir o que sente nesses momentos de suprema ventura. Prossigamos.

Depois dessa demonstração de alegria, a minha Rachel começou o trabalho da moldagem da sua mãozinha em parafina liquida e quente. Cumpre notai que João me mandara dizer pela médium o seguinte: “Diga-lhe que, quando a filha puser a mão na parafina, não deve exclamar - coitadinha! - pois que Rachel não sente dor alguma.”

Conforme ele havia anunciado, Rachel começou o trabalho imergindo duas vezes a mão na parafina e em água fria. Em seguida, veio a mim e colocou a sua mãozinha enluvada de parafina dentro da minha. Depois, retirando-a, colocou a outra que estava com luva de parafina, a fim de eu sentisse e notasse a diferença da temperatura. O mesmo fez com o pai.

Ao colocar a sua na minha mão, ela estava bem defronte de mim e muito perto, de sorte que, não só eu lhe sentia e via a mão, como via perfeitamente o rosto. Era á minha Rachel, tal qual eu a tivera na Terra. O rosto, o pescoço, o colo eram os seus. Não havia para mim possibilidade de ter a menor dúvida de que fosse a minha muito querida filha. Aproveitei assim as duas sensações ao mesmo tempo: via e sentia a minha filha. Só Deus me poderia dar tamanha felicidade, treze meses após a desencarnação dela.

Depois de se mostrar bem a todos, Rachel voltou aos baldes de parafina e água fria e quente, continuando o trabalho durante umas duas horas. Víamos minuciosamente esse trabalho, porquanto a luz era bastante forte e nos permitia distinguir tudo. Metia a mão na parafina fervendo, depois na água fria, examinava o molde e de quando em quando ia à câmara consultar o João que se conservava dentro desta e que, ao que suponho, lhe dava instruções. Durou tanto tempo esse trabalho que a água e a parafina esfriaram. Verificado isso, Rachel entrou na câmara e João, pela médium, deu ordem para que novamente aquecessem a água e a parafina. Como demorassem em apanhar as vasilhas, disse ele pela médium: “Deixem, vou materializar-me para entregar as vasilhas.” Em seguida saiu da câmara, tomou a panela dágua e a colocou defronte dos assistentes. Pegou depois do balde de parafina, que é bastante pesado e, supendendo-o com o braço estendido e firme, o foi colocar junto da panela. Provou assim a sua completa materialização, exibindo a força da sua musculatura perfeitamente humana. Enquanto aqueciam a água e a parafina, pôs-se ele a brincar conosco.

Em dado momento, esbarrou na tampa da panela, que ficara no chão. A Senhora Tavares disse: “O João não viu a tampa, coitado!” Ele imediatamente se abaixou, apanhou a tampa e a entregou àquela senhora, como que a lhe dizer: Vejo muito bem.

Os Espíritos se materializam tão perfeitamente, ficam tão humanizados que, como nos acontece a nós, esbarram nos objetos que se acham em seu caminho. Não se tem a menor impressão de um fantasma.

Doutra vez, ele esbarrou numa garrafa de aguarrás que também estava no chão e fê-la cair. Ato contínuo, abaixou-se, apanhou a garrafa e foi colocá-la num lugar afastado de seu caminho. E' simplesmente assombroso! Não há palavras que o descrevam.

Enquanto esperávamos as vasilhas, João pediu lápis e papel. Frederico foi buscar o que ele pedia e entregou a Senhora Tavares para que lhe passasse uma folha de papel e dois lápis, um deles numa lapiseira de metal. João experimentou no papel qual dos dois lhe convinha mais e preferiu o da lapiseira. Disse então alguém: “Vamos ver que surpresa João nos vai fazer.” Ao que ele respondeu pela médium: “Não é agora. Só depois de concluído o trabalho da parafina.”

A Senhora Tavares, pilheriando, disse: “Ganhei do João um presente” - referindo-se à tampa da panela que ele lhe dera pára segurar. João, a gracejar, respondeu pela médium: “Isto não é sério.” Depois, ainda pela médium, pediu trouxessem as vasilhas que estavam demorando muito. Daí a pouco desceram as vasilhas e foram colocadas sobre os bancos que lhes eram destinados. Ele, a conversar conosco enquanto as arrumava, disse com seus próprios lábios: “Agora virei cozinheiro.”

Em seguida, dentro na câmara e logo surgiu a nossa querida Rachel, que ainda por muito tempo continuou o trabalho que começara. Ouvia-se o mergulhar da sua mãozinha na parafina e na água fria. De vez em quando derramava água e parafina no chão. Isso acontecia sempre que retirava bruscamente a mão de dentro da vasilha. De espaço a espaço pegava uma ponta do vestido e passava no molde, como que para secar ou alisar. Por mais de uma vez no curso do trabalho, João, pela médium, pedia que tivéssemos paciência, por isso que aqueles trabalhos são demorados.

Era ela, sempre ela, que ali estava diante dos nossos olhos. Já durava tanto a sua materialização, que tive a ilusão de se achar minha filha aqui na Terra sem haver desencarnado. Depois de muito trabalhar, a minha Rachel deixou o molde centro do balde de água fria e entrou na câmara.

Disse então, João, pela médium, que a nossa irmã Anita viria fazer umas flores de parafina em a nossa presença. Veio Anita, tirou a vasilha dágua quente, que estava em cima do banco, colocou-a no chão, e, puxando o banco, sentou-se junto à, vasilha e começou o seu rápido trabalho. Esteve uns dez ou quinze minutos a fazer a flor. Uma. vez pronta, imergiu-a no balde dágua onde estava o molde e João disse, pela médium, que Anita havia feito a flor, para que a irmã Rachel a entregasse juntamente com o molde.

Efetivamente, logo apareceu Rachel e tirou com muito cuidado o molde e a flor de dentro dágua. Trouxe o primeiro e o depositou em minha mão. Recebi-o com todo o respeito e cheio da mais viva satisfação. Entregou a flor a Frederico. Emocionadíssimos, agradecemos, pedindo-lhe nos desse suas mãozinhas para beijar. Deu-me a mão, que beijei com muito amor e carinho, Helena pediu que também lhe deixasse beijar a mão e ela deixou. Frederico fez o mesmo pedido. Ela lhe estendeu a mão, mas não consentiu que ele beijasse, até que, em certo momento, rapidamente se ajoelhou e, puxando fortemente a mão do pai, deu-lhe um beijo estalado, que toda a assistência ouviu.

Leontina igualmente lhe pediu que a deixasse beijar-lhe a mão, ao que ela não acedeu. Mas, voltando-se para mim, como se tivesse a intenção de provar à irmã que não se esquecia dela, disse-me pelos seus próprios lábios: “Mamãe, leva minha irmã às festas e ao teatro, como fazias comigo. Leontina, tão bonitinha!” Leontina, chorando, muito comovida, agradecia.

Rachel conservava-se bem defronte de nós, mostrando-nos completamente o semblante, de acordo com o que já nos havia dito anteriormente numa sessão de tiptologia, antes de partirmos para o Pará. A todas as pessoas presentes prostrou nitidamente o seu rosto, seu colo, seus braços. Mostrou-se, enfim, perfeitamente materializada, como se estivesse viva na Terra.

Certa vez em que ela estava diante de mim, perguntei-lhe “Minha filha, foi Aluízio ou Gabriel que aqui veio na última sessão?” Ela me respondeu de seus próprios lábios: “Bilé”. Prova magnífica foi essa da sua identidade, pois ali só ela e nós conhecíamos o apelido do nosso Gabriel. Rachel disse isso numa ocasião em que desfolhava rosas sobre as nossas cabeças.

Tendo tirado o lenço que trazia no decote do vestido e depois de se ter mostrado muito claramente, sob o máximo de luz que os aparelhos preparados podiam dar, ela se retirou para a câmara e, saindo de novo, ia, com aquele mesmo lenço, começar os acenos de despedida, quando lhe pedi: “Minha filha, espera um pouco. Temos aqui umas flores que trouxemos para te dar.” (As flores não tinham sido entregues antes, por haver João dito que só o fizéssemos depois do trabalho de parafina.)

Rachel voltou-se pana o interior da câmara, como que a pedir instruções, ou a transmitir o pedido, penso que a João. Logo, porém, voltou, recebeu de nossas mãos os flores, distribuiu-as conosco e com os demais assistentes. Conforme costumava fazer aqui na terra, nos dias de aniversário meu e do pai, desfolhou algumas rosas e espargiu sobre as nossas cabeças e sobre as das irmãs, dando-nos uma impressão viva da sua personalidade terrena. Foi uma cena emocionante. Todos choravam!!! Depois, erguendo as mãos para o céu, disse, de sua própria boca: “Graças a Deus. Sinto-me contente por ter vencido a dor de mamãe. Vou subir muito alto!!!” Tomou de novo o lenço e acenou com ele durante muito tempo, a despedir-se.

Comovidíssimos, nós lhe dizíamos: “Adeus, adeus, filha adorada. Deus te abençoe, Deus te pague.” Eu não me podia conformar com a idéia de que a minha filha partisse de junto de mim, pois que a sua presença não foi uma simples materialização; foi uma perfeita ressurreição. Todos os que hão assistido aos fenômenos, inclusive o Senhor Prado, marido da médium, ficaram maravilhados, dizendo pouca terem visto tanta perfeição. Os espíritas do Pará sentem-se felizes por essa grande graça de Deus. Tornamo-nos todos membros de uma só família.

Deus de bondade, Deus de misericórdia, perdoa os momentos de desespero que tive e dá que eu possa praticar atos dignos da grande esmola que do teu infinito amor recebi.

Após a despedida de Rachel, veio João, como sempre perfeitamente materializado, e, puxando um dos bancos em que estiveram os baldes, pôs-se a escrever, dando-nos portanto a surpresa que nos prometera para depois do trabalho de parafina.

Quando começou a escrever, debruçado sobre o banquinho, a. ponta do lápis quebrou. Então, ele se levantou e pediu um outro lápis, dizendo que o primeiro se havia quebrado. Frederico passou-lhe um outro, como o faria a uma criatura da Terra, João o tomou e, virando o papel do outro lado, escreveu à nossa vista o seguinte, que se acha reproduzido na gravura 46.

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Gravura 46

“Saudades vou assistir a fotografia no girar.”

Depois, acenando com o lenço em sinal de despedida, entrou no gabinete e se desmaterializou, como o fizera das outras vezes.

Esther Fígner.”

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Gravura 47

Molde de parafina da mão de Raquel, flor, também de parafina feita pelo Espírito de Anita e lenços atados pelo Espírito João.

OS SENSACIONAIS FENÔMENOS ESPÍRITAS

Duas horas e 40 minutos materializada! - Pais que revêem a filha falecida - Muitos Espírito materializados na mesma sessão - O que nos disse o Senhor Fred Fígner.

Em uma das vezes em que veio a público, bela imprensa, o Senhor. Fred Fígner, chefe da Casa Édison, do Rio de Janeiro, afirmou ter visto sua filha, falecida há muitos meses, completamente materializada, por virtude da mediunidade da Senhora Eurípedes Prado, nesta Capital.

Depois desta declaração, e, aliás, antes dela, começaram a circular na cidade diversas narrativas dos sensacionais acontecimentos. Resolvemo-nos, pois, obter do Senhor Fred Fígner, hospedado no Grande Hotel, uma entrevista, na qual pudéssemos informar aos nossos leitores, com absoluta segurança, o que de verdade havia naquelas narrativas.

Dirigimo-nos assim, àquele hotel, onde fomos recebidos cavalheirosamente pelo Senhor Fígner.

Formulado nosso desejo, S. S.ª falou:

- Deseja o senhor que lhe relate os fenômenos por mim presenciados e produzidos com a privilegiada mediunidade da Senhora Eurípedes Prado? Pois não, Senhor Redator, com muito prazer. Vou dar-lhe alguns pormenores que presenciamos, eu e minha família, em três sessões riquíssimas de fenômenos.

Começarei por lhe dizer que aqui vim, não por curiosidade minha, visto que sabia ser a materialização um fato comprovado por Crookes, em primeiro lugar, em Londres, desde o ano de 1871, quando começou, então, a hoje célebre materialização de Katie King, servindo de médium a Srta. Florence Cook, e, seguidamente, experiências idênticas relatadas por tantas outras sumidades científicas.

Vim com o fito único de minorar a tristeza e a dor que acabrunhavam minha esposa, por haver desencarnado uma filha nossa muito amada.

Aqui chegando, tive a desilusão de não encontrar a família Prado. Recebido pelos meus confrades, prontificaram-se eles a telegrafar ao Senhor Prado, participando-lhe minha chegada com a família, e pediram, se fosse possível, viesse até aqui. A despeito de adoentada sua esposa, resolveu ele aceder ao apelo, aqui chegando no “Pais de Carvalho”, no dia 28 de Abril, depois de uma penosa viagem de 7 dias.

No dia 1° de Maio, fez-se uma sessão preliminar, a que estiveram presentes, além da família Prado, a família Manoel Tavares, a família Bosio e o Doutor Mata Bacelar.

Materializaram-se João e um Espírito denominado Evangelista. Havia bastante luz e distinguiam-se os Espíritos perfeitamente, como se fossem homens com vestes brancas que andassem de um lado para outro. Demorou-se João bastante tempo conosco, de forma que bem o pudemos ver e sentir. Minha esposa, dirigindo-se a João, contou-lhe seu sofrimento, o que atento ele ouvia. Recebeu de minha senhora umas flores que ela levara, as quais João passou para a mão esquerda. Em seguida estendeu João a mão direita à minha senhora, fazendo ela o mesmo; João passou sua mão sobre a dela, fazendo-lhe sentir que estava perfeitamente materializado.

Por fim, João, sacudindo um lenço em sinal de despedida, entrou na câmara, começou a desmaterializar-se às nossas vistas, como o fizera quando se materializou. Daí a pouco, ouvíamos umas pequenas pancadas que ele dava no rosto da médium para a despertar.

Esta primeira sessão me deixou completamente frio, visto que eu vira tão somente aquilo que esperava.

Tudo aquilo era coisa muito natural para mim, quanto a sua realidade.

Minha esposa, porém, apesar de também conhecer, de leitura, os fenômenos, ficou muito satisfeita, começando a nutrir esperanças de ver nossa filha, moça de 21 anos, desencarnada a 30 de Março de 1920.

A segunda sessão, realizada a 2 de Maio, foi, realmente, muito mais importante.

Havia nessa ocasião pessoas que não conheciam os fenômenos, bem como a Doutrina Espírita, entre elas o Doutor Remígio Fernandez, o Senhor Barbosa e a Senhora Pernambuco.

Materializaram-se muitos Espíritos de diversas estaturas, entre eles a nossa cara filha Rachel.

Mas, devido talvez ao excessivo número de materializações, que absorveram muitos fluidos, e entre os Espíritos materializados um de nome Diana que, creio, se apresentou com um brilhante diadema na cabeça, a materialização da nossa Rachel não era tão perfeita como esperávamos; no entanto, era bastante para ser reconhecida por todos nós. Nessa sessão, ela perguntou, à sua mãe, “porque aquele vestuário preto, visto que ela se sentia muito feliz”.

No dia 4 de Maio fizemos outra sessão, e nesta a materialização de nossa filha foi a mais perfeita possível. Rachel apresentou-se com tanta perfeição, com tanta graça e tão ela mesma, com os mesmos gestos e modos, que não pudemos conter nossa emoção e todos, chorando, de joelhos, rendemos graças a Deus, por tamanha esmola.

Era Rachel viva, pronta para ir a uma festa. A sua cabeça erguida, os seus braços redondos, o seu sorriso habitual, as suas bonitas mãos e até a posição destas, toda sua exatamente como era na Terra. Falou à mãe, pedindo-lhe exatamente que na próxima sessão viesse toda de branco como desejava e aí estava materializada.

Rachel tocou todos nós com sua mão; sentimos todos o seu calor natural e, à observação de minha esposa: “Rachelzinha, tu tinhas os cabelos tão bonitos, mostra-nos os teus cabelos”, ela entrou no gabinete e, voltando instantes depois. virou-se duas vezes, mostrando-nos seus cabelos compridos e ondulados. Aceitando as flores que lhe oferecemos, fez sua mãe sentar-se em uma cadeira junto ao gabinete e de costas para este. Abraçou-a e beijou-a muito carinhosamente, depois lhe colocou uma rosa na blusa branca, que minha esposa vestira para ser agradável à filha, que na véspera não gostara de vê-la de preto. Na ocasião em que lhe colocou a rosa, falou-lhe de seus próprios lábios, dizendo-lhe: “Não quero que ande de preto, ouviu? Quero que venha toda de branco, assim como eu estou.”

Toda essa frase minha filha a pronunciou tão clara e distintamente que todos, além de minha esposa, a ouvimos.

Depois, sentando-me eu na mesma cadeira por ordem sua, acariciou-me como fizera à sua mãe, colocou uma angélica na lapela de meu paletó, apoiando-se com todo o peso de seu corpo sobre meus ombros. Por fim, sacudindo um lenço em sinal de despedida, entrou no gabinete e desapareceu.

Puxei o relógio, Rachel tinha estado aí 40 minutos.

Depois saiu o João e cantou, muito satisfeito com a materialização de sua discípula.

A 6 de Maio fizemos a última sessão.

O resultado foi o mesmo da anterior, com acréscimo de Rachel fazer diante de nós uma luva em parafina, de sua mão esquerda, consultando muitas vezes João, que se achava no gabinete, porém à nossa vista, durante todo o tempo em que ela trabalhava com a parafina. Logo ao se materializar, Rachel, saltando e batendo palmas, demonstrou sua satisfação por ver sua mãe toda de branco; e ao despedir-se, pediu-lhe que levasse sua irmã Leontina às festas e ao teatro, como fazia com ela. Rachel esteve conosco, nessa ocasião, durante duas horas.

Por fim, pedi a Rachel que me permitisse beijar-lhe a mão. O mesmo pedido foi feito por minha esposa e mais duas filhas aí presentes, além de umas 10 pessoas. Ela deu a mão a beijar a sua mãe e à menor das suas irmãs; e, aproximando-se de mim, num gesto rápido, todo seu, pegou minha mão com bastante força e beijou-a. E, sacudindo um lenço em sinal de despedida, entrou no gabinete. Não sentimos sua partida, pois estamos certos de que não será esta a última vez que a veremos. Rachel vive! disto estava certo antes de aqui vir e continuo na mesma certeza.

Tenho entretanto de confessar que estas duas horas e 40 minutos foram para todos nós o tempo mais feliz de nossa existência.

E permita-me que, por seu intermédio, uma vez mais agradeça ao Senhor e à Senhora Prado o sacrifício que fizeram de vir aqui, e ao maestro Bosio e senhora as gentilezas de que nos cumularam, assim como a todos os confrades e amigos o acolhimento que nos fizeram. Agradeço também à “Folha do Norte” pela cessão de suas colunas.

Que Deus lhes pague!

NOTA OFICIAL

Eis finda a nossa tarefa. De bom grado reuniríamos em apêndice tudo quanto se escreveu na imprensa de Belém sobre os fenômenos espíritas observados pelo Senhor Eurípedes Prado, desde os artigos do reverendo padre Florêncio Dubois às noticias mais simples. Isso, porém, daria a este volume proporções que ele não comporta.

Parece-nos ter colhido o que houve de mais útil e mais esclarecedor sobre o caso.

Resta-nos um conforto: sentimos bem que não nos afastamos da linha de absoluta imparcialidade e justiça.

Isso nos basta.

FIM