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sábado, 12 de fevereiro de 2011

Luz do Mundo-Divaldo Pereira Franco

 

Índice do Blog

Caro amigo:

Caso tenha condições de comprar este livro faça-o, pois assim estra ajudando a diversas instituições de caridade, que é para onde se destina os direitos autorais do mesmo. 

Muita Paz

ANTELÓGIO

Hoje como nos dias do passado o homem sofre as mesmas necessidades,

diferenciadas pelas circunstâncias de tempo e condicionamentos de técnica.

Toda vez que se tenta, porém, uma atualização das palavras augustas de Jesus

surgem, naturalmente, críticos apressados que se referem ao Cristianismo como

uma Doutrina passadista, que esteve a serviço das religiões e foi superado pelas

realidades da cultura hodierna. Jesus para eles "pode ter existido" não tendo, porém,

outra significação senão aquela que se atribui aos agitadores de todos os tempos,

que buscaram "fermentar as massas humanas", tentando o ideal da fraternidade

entre as criaturas.

Seus feitos e Suas palavras são considerados exclusivamente do ponto de vista

sociológico, negando-se-lhes quaisquer outras decorrências que ressumbrem

odores e realidades transcendentes.

Reacionários do dogmatismo religioso anatematizam, igualmente dogmáticos, todo

esforço que objetive um estudo consolador, resultante da mensagem do Galileu

Incomparável que inaugurou oprimado do Espírito, falando uma linguagem

sempre nova e atuante em todos os tempos..

Lamentavelmente não são tais pensadores o resultado das experiências tecnicistas

ou conseqüência da filosofia cínica destes dias. Sempre estiveram presentes na

História, deixando pegadas bem expressivas do ceticismo a que se aferraram,

amargos e amargantes.

Diz-se que o papa Urbano VIII, cientificado da desencarnação do cardeal Richelieu,

após alguma reflexão, exclamara:

— "Se existe um Deus, o cardeal terá de responder por muitas coisas. Se não

existe, safou-se de boa."

No entanto, foi Urbano VIII o responsável pela guerra dos 30 anos, conseqüência

natural da Contra--Reforma. . .

* * *

O homem dos nossos dias, no entanto, à semelhança dos homens de Israel do

pretérito, têm necessidade de Deus e por isso Jesus é inadiável questão de encontro

ou reencontro individual.

Transitam em roupas juvenis os espíritos novos e dizem-se decepcionados com os

ancestrais, procurando formar comunidades onde o amor deixe de ser comércio e a

esperança se transforme em paz.

Amargurados e inexperientes, porém, enveredam pelos caminhos das emoções e

sensações inusitadas, tentando experiências paranormais por processos da ilicitude,

derrapando conseqüentemente em lamentáveis conúbios com obsessões

aparvalhantes que os dilaceram, afastando-os do amor e da paz eles que somente

experimentaram opróbrio e desprezo dos outros, desprezando-se a si mesmos,

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assim retornando às condições do primarismo humano, com mais instinto do que

cerebração...

Os adultos super confortados transformaram-se em observadores inconscientes dos

dramas gerais, negligentes quanto ao próprio destino, esperando ensejo de

refocilarem e apagar-se num nada que lhes seria o tudo, o aniquilamento da forma e

da consciência.

Os mais velhos, aferrados às convicções hereditárias, acreditam seja tarde demais

para uma revisão espiritual da vida, como se nunca fosse tarde para aprender ou

recomeçar...

Os que se acreditam melhor aquinhoados intelectual e culturalmente apreciam o

impacto decorrente do choque das gerações e sorriem como se se encontrassem

num campo de batalha em que sobreviverá o mais forte e o mais apto, a quem,

vencedor, pretendem aliar-se...

E a convulsão prossegue.

Tudo porque Jesus continua desconhecido.

* * *

Os problemas sociais, morais e políticos de hoje diferem pouco daqueles que

agitavam os dias em que viveu Jesus conosco. A super-densidade da população, as

técnicas de comunicação esmagando o espírito humano por acúmulo de

informações, produzem exaustão. Busca-se tudo para solucionar a problemática

externa, enquanto o homem prossegue sozinho, em incógnita ainda.

E Jesus continua ignorado.

Israel soberba do pretérito está hoje simbolicamente com dimensões gigantescas,

fazendo-se representar pelas grandes Nações adoradoras do deus Moloch e do

bezerro de ouro.

Rabinos odientos e fariseus impiedosos, saduceus astutos e samaritanos

detestados, galileus humildes, e levitas arbitrários multiplicam-se nestas horas,

envergando roupagem diversa e ocultos sob nomenclatura estranha...

O homem chegou à lua mas não penetrou o âmago do próprio ser. Sempre é mais

fácil a incursão para fora e a solução simplista de conquistar os outros por mais

confortadora e de melhor retribuição externa, do que a ingente conquista interior

sobre si mesmo.

Solucionam-se na atualidade intrincadas questões da técnica; a alucinação em torno

do infinitamente pequeno como do infinitamente grande, gerou a necessidade da

criação de cérebros eletrônicos para a fixação de dados e a operação de cálculos

mecânicos quase impossíveis de realizados pela mente humana, no tempo

necessário ao acionamento dos reatores agentes das supervelocidades ou cuja

vigência de respostas indispensáveis à agitação e celeridade destes dias em que se

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desenvolvem as atuais conjunturas conquanto transitórias com as suas perspectivas

sombrias, quanto nefastas, não poderiam ser atendidas com precisão.

Porque Jesus prossegue desconhecido.

Êle, no entanto, é a solução, a melhor solução para os intricados quesitos da

angústia universal.

Retorna à esfera humana, exatamente no momento ciclópico das necessidades,

conforme prometera.

Antes fora precedido por uma plêiade de pensadores e artistas que embelezaram a

Terra, e, então, inaugurou um período de paz e fraternidade, dobrando a cerviz do

Império Romano à tolerância e ao martírio, retificando os conceitos éticos vigentes.

Nestes dias, volta sob a mesma augusta companhia daqueles que lhe prepararam a

senda, ampliando enormemente os conceitos de liberdade, de paz, de justiça e de

amor conquanto ainda não vividos por todos para que na condição de

Consolador atenda a todas as necessidades e faça secar as nascentes de todas as

dores que teimam em perdurar.

Ontem cantava a Verdade e a vivia no bucolismo de uma doce Galiléia afável, verde,

e a Natureza fêz-se-lhe um outro Evangelho o da beleza e da poesia que vertiam

da paisagem que emoldurava Suas palavras e Seus seguidores.

Hoje penetra as mentes e os corações transformando-se no Amigo Divino que

mantém colóquio com os que O amam e desejam reencontrá-Lo, não obstante o

longínquo caminho por onde seguem...

* * *

Este livro, narrando e repetindo as mensagens do Senhor às Suas gentes simples e

sofridas do passado, é um convite, uma tentativa de entretecer um colóquio com os

que sofrem, apresentando-lhes Jesus, o Incondicional Benfeitor, que permanece

aguardando por nós.

Nada traz de novo que já não se haja dito. Recorda, revive, atualiza feitos e

palavras, cicia em E Jesus continua ignorado.

Israel soberba do pretérito está hoje simbolicamente com dimensões gigantescas,

fazendo-se representar pelas grandes Nações adoradoras do deus Moloch e do

bezerro de ouro.

Rabinos odientos e fariseus impiedosos, saduceus astutos e samaritanos

detestados, galileus humildes, e levitas arbitrários multiplicam-se nestas horas,

envergando roupagem diversa e ocultos sob nomenclatura estranha...

O homem chegou à lua mas não penetrou o âmago do próprio ser. Sempre ê mais

fácil a incursão para fora e a solução simplista de conquistar os outros por mais

confortadora e de melhor retribuição externa, do que a ingente conquista interior

sobre si mesmo.

Solucionam-se na atualidade intrincadas questões da técnica; a alucinação em torno

do infinitamente pequeno como do infinitamente grande, gerou a necessidade da

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criação de cérebros eletrônicos para a fixação de dados e a operação de cálculos

mecânicos quase impossíveis de realizados pela mente humana, no tempo

necessário ao acionamento dos reatores agentes das supervelocidades ou cuja

vigência de respostas indispensáveis à agitação e celeridade destes dias em que se

desenvolvem as atuais conjunturas conquanto transitórias com as suas perspectivas

sombrias, quanto nefastas, não poderiam ser atendidas com precisão.

Porque Jesus prossegue desconhecido.

Êle, no entanto, ê a solução, a melhor solução para os intricados quesitos da

angústia universal.

Retorna à esfera humana, exatamente no momento ciclópico das necessidades,

conforme prometera.

Antes fora precedido por uma plêiade de pensadores e artistas que embelezaram a

Terra, e, então, inaugurou um período de paz e fraternidade, dobrando a cerviz do

Império Romano à tolerância e ao martírio, retificando os conceitos éticos vigentes.

Nestes dias, volta sob a mesma augusta companhia daqueles que lhe prepararam a

senda, ampliando enormemente os conceitos de liberdade, de paz, de justiça e de

amor conquanto ainda não vividos por todos para que na condição de

Consolador atenda a todas as necessidades e faça secar as nascentes de todas as

dores que teimam em perdurar.

Ontem cantava a Verdade e a vivia no bucolismo de uma doce Galiléia afável, verde,

e a Natureza fêz-se-lhe um outro Evangelho o da beleza e da poesia que vertiam

da paisagem que emoldurava Suas palavras e Seus seguidores.

Hoje penetra as mentes e os corações transformando-se no Amigo Divino que

mantém colóquio com os que O amam e desejam reencontrá-Lo, não obstante o

longínquo caminho por onde seguem...

Este livro, narrando e repetindo as mensagens do Senhor às Suas gentes simples e

sofridas do passado, é um convite, uma tentativa de entretecer um colóquio com os

que sofrem, apresentando-lhes Jesus, o Incondicional Benfeitor, que permanece

aguardando por nós.

Nada traz de novo que já não se haja dito. Recorda, revive, atualiza feitos e

palavras, cicia em musicalidade fraterna as expressões que conseguiram impregnar

os séculos e não desapareceram, ora reapresentadas pelo pensamento

kardequiano, encarregado de erigir o templo novo da fraternidade universal,

delimitando as fronteiras do Reino de Deus, indimensionais como o próprio universo,

que, no entanto, começa no coração, na alma do homem atribulado de todos os

tempos.

Amélia Rodrigues

Salvador, 25 de janeiro de 1971.

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1 - A BOA NOVA

A história da Boa Nova é a epopéia do homem atormentado buscando as fontes

inexauríveis da Divina Misericórdia e recebendo a linfa refrescante da paz, que vem

sorvendo lentamente através dos dois últimos milênios.

Por enquanto, condicionado às circunstâncias da própria necessidade, não tem

sabido valer-se do gral asseado da abnegação e a toma em vasilhames

impregnados de sujidades que impedem a absorção total e lenificadora do refrigério

de que se faz instrumento.

Seguindo Jesus, o Amigo Excelente, não tem sabido o homem abandonar a

estreiteza das limitações ideológicas em torno das quais circunvaga, para buscar os

horizontes ilimitados da solidariedade onde se pode realizar e adquirir plenitude.

Asfixiado pela volúpia dos gozos imediatos, e suserano das paixões reluta no

momento de abdicar as velhas acomodações derrotistas, plasmando o esforço nobre

da sublimação dos ideais.

Confundido pelas ideologias estranhas de classes e nações, padronizando direitos e

deveres conforme os preconceitos que vitaliza estòicamente, aferra-se ao mundo

conquanto o conhecimento comprove a invalidade da estrutura das chamadas

realidades objetivas.

Por isso amargura-se, demorando lamentavelmente vinculado aos hábitos

anestesiantes nos quais se amolenta e envilece, surpreendendo-se com a morte e

desesperando-se, odiando o sofrimento e fomentando-o, fugindo ao medo e

espalhando-o, experimentando a própria alucinação justiçando-o.

No entanto, a Boa Nova em sua epopéia representa a história do homem

atormentado que bate às portas dos céus, ansiosamente, e recebe a resposta da

esperança e do amor, atendendo-o generosamente.

Por toda parte a figura do Singular Galileu era um raio de luz na noite dos apelos

humanos, clareando por dentro as necessidades gerais.

Combatido a Seu tempo não é aceito hoje, ainda, pela falsa cultura que entroniza o

crime e desdenha a honra, arrazoando contra o amor, por meio de despeito azedo,

por identificar na vitória que os desconsiderados pelo mundo conseguem em si

mesmo, como sendo Sua derrota ante o malogro das suas aspirações.

... E a epopéia do Cristo canta com toda a pujança.

Aí está no dia-a-dia a representação das vidas que a Sua Vida levantou. Repontam

em abundância as existências que Êle soergueu e no incessante renascer das

mesmas aflições como reflorescimento das velhas árvores da angústia, parecem

aguardar o Jardineiro doutrora...

Aqui estão embrulhadas na dor as aflitas mães viúvas em evocação à de Naim,

rogando ajuda com as almas em frangalhos, desesperançadas; vestidas de ilusão,

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derrapando na ociosidade alucinada, virgens loucas desfilam em contínuo cortejo de

insensatez esquecidas da responsabilidade, embriagando-se para logo tombarem

sonolentas nos resvaladouros do erro, perdendo os noivos, quando chegam; os

onzenários que preferem a algaravia cambial e o sonido expressivo dos valores que

perseguem, em detrimento da jóia de alto preço, que merece adquiri-rida com o

resultado arrecadado pela venda de todas as pequenas jóias, porque estão

desatentos perdem a mais preciosa: a paz interior; interrogantes os príncipes da

ciência e da filosofia, indagando e indagando sempre, sem reflexionar, fixados aos

compêndios tradicionais e aos conceitos dúbios a que se aferram, são

surpreendidos pela desencarnação para constatarem, arrependidos, tardiamente...

Rareiam os novos centuriões cuja fé rutila nos olhos e clareia por dentro,

prosternando-se ante Êle para esperar a cura do servo e consegui-la, ou da mulher

siro-fenícia cujo ardor deu-lhe intrepidez para tocar-lhe as vestes e arrancar-lhe "a

virtude" da saúde; ou a obsidiada de Magdala que rompeu em definitivo a noite

interior para que a Sua luz a incendiasse por dentro, haurindo n'Êle o combustível

que a manteria em claridade contínua até a vitória final.

Êle, no entanto, continua esperando.

Sua voz utiliza para ensinar a singeleza de um grão de mostarda, de redes a

secarem ao sol, de peixes e varas verdes, de uma figueira brava, de talentos, de

pérolas, de fermento, conhecidas de todos essas expressões, arrancadas da

experiência diária de cada um, como lição sempre nova, abrindo clareiras de

sabedoria na floresta dos conceitos complexos e inexpressivos que não conduzem a

mente atormentada a lugar nenhum.

A Boa Nova ressuma esperança, pois é a história do homem angustiado, batendo e

Jesus respondendo, em forma de socorro lenificador incessante, como a dádiva de

Deus para a libertação do ser.

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2 - A ESTRELA DE BELÉM

Cristãos decididos e sinceramente interessados na elucidação do fenômeno que

produziu a estrela de Belém, à semelhança dos investigadores materialistas hão

recorrido, através da História, a matemáticos e astrônomos capacitados, ansiosos

por uma resposta perfeitamente lógica e racional sobre o inusitado aparecimento do

astro a que se referem os escritores evangélicos. E de quando em quando fiéis às

pesquisas feitas nos mapas celestes, aqueles estudiosos tentam traçar diretrizes

que clarifiquem, em definitivo, o insuspeito acontecimento, na noite santa em que

ocorreu o Natal de Jesus, e posteriormente vista pelos Magos do Oriente, que por

ela foram guiados.

Segundo alguns observadores, fora o Cometa de Halley que naquele dia e àquele

período fazia-se visível por toda a Galiléia e parte oriental do país. Para outros era

uma conjunção oportuna de astros que produziram refração na atmosfera, incidindo

o facho luminoso sobre a manjedoura singela, que Êle dignificou com o Seu

nascimento. Conquanto possamos admitir uma ou outra hipótese, Jesus é, em

síntese, a constelação dos astros divinos ergastulados temporariamente na forma

humana para conviver com os homens, deixando pela atmosfera envolvente do

Planeta o rastro luminescente da sua imersão, como mensagem de advertência

reveladora.

Rei Divino — e não obstante, submeteu-se às conjunturas da transitória convivência

humana para, sublime, lecionar humildade.

Construtor da Terra — todavia, deixou-se experimentar pelas circunstâncias

ocasionais do ministério entre as criaturas, para ensinar a grandeza da renúncia.

Legislador Sublime — entretanto, aquiesceu sofrer as imposições da ignorância

religiosa de Israel e os padrões arbitrários da política do Império Romano,

facultando-se a decisão no jogo odioso da ética vulgar, a fim de que se cumprissem

as Leis e os Profetas, na integridade das previsões n'Êle, todo amor!

Em toda a Sua jornada, à semelhança de astro que se arrebenta em luz na

imensidão escura da noite, clareou os destinos dos homens, como obreiro

infatigável, acendendo lâmpadas de esperança nos corpos alquebrados e nos

tecidos gastos das almas, pelas constrições das paixões esmagadoras de todos os

tempos.

Misturou-se à caterva dos que viviam à Sua hora e caminhou com os pés da aflição,

sem permitir-se consumir ou contaminar pelas querelas mesquinhas, pelas

imposições tradicionais ou pelas suspeitas manifestações da idiossincrasia a que se

aferravam os que O cercavam continuamente. Por um minuto sequer não se rebelou

contra a miserabilidade que defrontava em toda a parte.. .

Arquiteto das estrelas dobrou-se, sereno, na marcenaria humilde para que o pão

fosse honrado com o suor da Sua face e a estrutura da Nova Humanidade pudesse

alicerçar-se no trabalho edificante, que é a mola mestra do progresso e da felicidade

humana.

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Mantendo incessante quão ininterrupto contato com o Pai e servindo pela

aquiescência dos anjos que se Lhe submetiam, dialogou, pulcro, demoradamente,

com os Espíritos das sombras, abrindo-lhes os ouvidos e acendendo a luz nos seus

olhos apagados, com a inteireza moral das Suas conquistas incomparáveis.

Antes, todavia, de descer aos homens, fêz que Avatares do Seu Reino viessem

ampliar as dimensões das fronteiras terrenas, preparando o solo do futuro.

E eles floresceram como superior manifestação da vida, ora na índia, disseminando

o reencarnacionismo e perfumando com toda uma filosofia de paz e renúncia os

continentes dos espíritos; ora na China, empreendendo os audaciosos vôos da

política sob as bases seguras da família, no lar e na sociedade, de modo a traduzir a

porvindoura fraternidade entre os homens, com inequívoca força de amor e respeito

ao dever; ora no Egito, rescendendo os sutis aromas da Imortalidade, nos santuários

dos Templos e na intimidade das Escolas de Iniciação, mantendo acesas as flamas

da verdade, mediante as comunicações entre os dois planos da vida; ora na Caldéia

ou na Pérsia favorecendo com a esperança milhares de vidas estioladas sob o

clamor da guerra; ora na Hélade ou em Roma criando a conceituação da beleza, da

justiça, da legislação equilibrada e do ideal do bem.

Assim também por Israel, que por longos séculos de dor se fêz depositária da

Mensagem do Deus Único, transitaram esses Embaixadores Sublimes, irrigando

com a linfa preciosa decorrente do intercâmbio espiritual os solos crestados dos

espíritos sofridos, a fim de que Êle próprio viesse oportunamente imolar-se, para

ensinar libertação total das limitações físicas e da opressão do barro humano.. .

Por isso, todos os Seus feitos empalidecem ante os Seus ditos, pois que as

realizações no corpo são menores do que a vitalização da alma, em considerando

que ninguém jamais vivera conforme Êle o fazia, transformando-se, Êle próprio, no

caminho por onde deveriam rumar todos os homens na direção da Vida e da

Verdade, que em suma Êle representava na Terra.

Mesmo assim, quando contemplava com lágrimas as dores do porvir do mundo e via

o homem imerso na fragilidade do corpo carnal prometeu voltar, através do

Consolador, que seria o liame perene de união com Êle até o fim dos tempos. . .

O mergulho que começou em Belém não terminou no Gólgota, nem desapareceu

após a visão da Jerusalém Libertada, que o vidente de Patmos preludiou. . .

Em Jesus, o Herói Invencível, que na Sua grandeza superou a astúcia de Cambises,

rei dos persas, a violência de Alexandre Magno, da Macedônia, a audácia de Cipião,

o africano, e a estratégia de Júlio César, o divino Imperador, as armas foram a

mansidão e o amor, a abnegação e a misericórdia, entretecendo com esses fios de

luz a túnica nupcial do noivado intérmino com a Humanidade de todos os tempos,

pela qual espera desde o princípio, até o instante da boda sublime, para a reunião

numa grande família, em pleno reinado da paz!

A viagem fora longa para aquele casal, principalmente para aquela mulher grávida,

durante quatro ou cinco dias, sacudida pelo trote da montaria. . .

Sucederam-se abismos e montes, subidas e descidas, quase às portas da. Cidade

Santa, chegando por fim a Belém...

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... E em pleno fastígio do Império Romano, indicado por uma estrela, anunciado

pelos anjos, nasceu Jesus!

Antes, e desde então, a Sua vida deverá ser examinada, em "espírito e verdade",

para ser compreendida e penetrada pelos olhos imateriais, os únicos capazes de

vislumbrar o Seu Reino.

Seja qual for a hipótese respeitável sobre a estrela de Belém, a união dos Espíritos

de Luz que mantinham o intercâmbio entre as duas Esferas formou um facho

poderoso que indicava o lugar da tradição, em que Êle deveria começar o ministério

entre os homens.

... Pastores e reis magos, todos videntes, convidados pelas Entidades Celestes,

seguiram-na, cada um a seu turno, enquanto os cantores sublimes, proclamavam:

"Glória a Deus nas alturas e paz na terra entre os homens de boa vontade!"

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3 - O REINO DIFERENTE

"Que estranho e enigmático era aquele Rabi! — pensava Tiago, atormentado, em

contínuos cismares. — É verdade que O amava, todavia, por mais profundo como

era aquele amor, não conseguia compreendê-Lo. A sua mensagem penetrava as

almas e as Suas atitudes de retidão conseguiam impressiona-lo de forma

irreversível. Malgrado as dificuldades em que se debatia, sentia a grandeza do

poema de amor que Êle cantava nas praias e com que arrebatava as multidões.

Receava, porém, que a Palavra não se demorasse por muitos anos como Êle

desejava. Afinal, era necessário recorrer aos nobres e aos poderosos para granjear

os favores humanos. As rédeas do poder permaneceram sempre em todos os

tempos nas poucas mãos da força. E estas somente se faziam benignas em relação

aos que agradavam as posições dos mandatários. O Rabi era integérrimo e bom,

não obstante se recusasse sistematicamente à subserviência, evitando mesmo

oferecer aos poderosos essas homenagens tão do agrado dos que

desfrutam as situações de privilégio. Não poucas vezes, fora Êle acusado pelos

Fariseus de não serem encontrados entre os Seus seguidores um príncipe sequer,

um doutor da Lei, alguém que fosse alguma coisa... E tinham razão, forçoso era

dizê-lo. E a verdade é que sempre Êle se encontrava cercado pelas multidões dos

desgraçados, os mal-cheirosos.. .

"Indubitavelmente, — considerava, magoado no íntimo, — fazia-se mister assistir os

sofredores, os enfermos, os carregados de problemas a fim de aliviá-los. . . Viver,

todavia, exclusivamente envolvido pelos leprosos, escrofulosos, paralíticos, surdos,

mudos, cegos, endemoninhados, não era atitude cor-reta... Além disso, colimando

as dificuldades em quase desacato às autoridades se permitia o Mestre a

convivência com as meretrizes e os bandidos, os cobradores de impostos — sempre

detestados! — mantendo largas e cordiais tertúlias com eles, dividindo o pão,

repartindo o peixe em repastos amigáveis e fraternos. . .

"Não, aquela não era uma atitude própria — arrematava o discípulo zeloso mas

invigilante.

"Na Terra somos obrigados — considerava, preocupado, — a viver segundo os

padrões tradicionais. Como remover os velhos óbices, sem lhes sofrer as

consequências? Que Reino seria, então, o a que Êle se referia e se propunha? Por

acaso um paraíso para mendigos e desventurados?

"Não conseguia êle mesmo sopitar o desagrado ante as pústulas virulentas;

nauseava-o a visão cavernosa da lepra, nos tecidos humanos gastos. . . Detestava

os pecadores e, nesse particular, era severo: a Lei deveria ser cumprida com toda a

austeridade a que se reportava o Tora — cada erro recebendo a necessária

punição. "Diria ao Mestre, sim, na primeira oportunidade, quanto aos seus

pensamentos, às suas conjecturas!"

Em clara manhã perfumada, enquanto jornadeavam entre Cafarnaum e Magdala, o

discípulo interessado na fácil implantação do Reino de Deus entre os homens da

Terra resolveu, confabulando com o Amigo Divino, apresentar-Lhe as suas dúvidas.

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— Rabi! — falou algo constrangido — Faz algum tempo, encontro-me angustiado

por dolorosas interrogações.

O Celeste Companheiro fitou-o com olhos transparentes, penetrando-lhe a alma.

Ante aquele gesto carinhoso nenhum segredo permanecia oculto, quedando-se

silencioso, aguardando.

— Como sabes — prosseguiu, delicado — também eu anseio pelo momento da

glorificação do Nosso Pai entre os infelizes da Terra. Todavia, creio que, cuidando

apenas dessa gente que nos cerca, muito difícil será conseguir colimar os

objetivos a que Te reportas e que todos desejamos.

Encorajado pela atitude de cordial simpatia e discreta aceitação da censura por

parte do ouvinte, prosseguiu:

— Conheço pessoas das classes mais favorecidas que se não negariam a contribuir

com a sua posição, suas moedas e títulos, de modo a facilitarem a penetração dos

nossos postulados entre os anciães e os mais representativos membros da nossa

raça. Todavia, não se inclinariam eles a aceitar uma comunhão com estes

que compartem nossos ideais: os proletários infelizes, a ralé sem nome...

O Mestre, sem traduzir qualquer surpresa ou desagrado, continuou sereno, de passo

regular, caminho a fora.

A Natureza àquela hora da manhã derramava ondas de leve perfume campesino

pela alameda agradável que resguardava a vereda.

— Anseio ver-Te em Jerusalém entre os mais expressivos nomes do povo —

aprestou-se Tiago, emocionado. — Glorificado, passarás à posteridade entre

aqueles filhos de Israel que serão sempre venerados pelas gerações futuras.

E como o Senhor prosseguisse discretamente silencioso, indagou, inquieto, o

discípulo agitado:

— Não dizes nada, Mestre? Eu gostaria de ouvir Tua opinião.

— Tenho falado a todos a mesma linguagem — acentuou, pausado, o Filho de

Deus — linguagem de amor e compreensão. Em verdade, as minhas palavras são

atos que, inconfundíveis, não podem receber interpretação incorreta, nem se

ajustam às malévolas conceituações. Não venho para os sãos, os felizes, os ditosos,

os que já receberam da Terra o seu galardão, as suas reservas de alegria e as suas

altas concessões de triunfo, conquanto transitórios.

Refletindo no conteúdo das palavras do discípulo, aduziu, compassivo:

— Tens toda a razão em ambicionar os êxitos que passam ligeiros e podes

afervorar-te à sua conquista, marchando ao lado dos que se glorificam e

dominam.. . És livre de minha parte para avançares pela rota que desejares.

Aqueles, porém, que amam a meu Pai e me servem, fá-lo-ão ao lado dos

atormentados, dos enfermos e desventurados pois que para estes eu vim. Eu sou

o Médico das alma se tenho os braços abertos para todas as dores. O meu coração

é fonte de reconforto para os que sofrem e o Reino a que me refiro não possui

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balizas na Terra, nem pode ser compreendido dentro das diretrizes do tradicional

humano. Alicerça-se sobre dores extenuantes e possivelmente nos holocaustos de

muitas vidas. Cimentar-se-á no sacrifício dos que amam e que nada possuindo não

receiam perder o que não têm.

Silenciou, fitando a estrada que serpenteava na direção da cidade a distância.

Talvez, antecipando no tempo os acontecimentos do futuro, continuou:

— O Filho do Homem triunfará, sim, em Jerusalém, de maneira

inesquecível e Seu nome passará à posteridade. . . Estará Êle entre os filhos da

raça em posição porém mui diversa à dos antepassados. Mas isto será apenas o

começo das dores reservadas aos seguidores do Reino...

O sol penetrava em fios de ouro pela copa das árvores e chilreava a passarada na

ramagem oscilante.

O discípulo fêz-se, então, pensativo.

— O Reino de Deus — concluiu o Mestre — está dentro de cada um que o deseje.

Não é trabalho externo, antes resultado do excelente labor anônimo e sacrificial

nas noites de silêncio, nos dias de angústia e dor libertadora. Ninguém o verá, e

esse herói, aquele que o conseguir realizar, não receberá aplauso, passando entre

os homens desconsiderado, incompreendido, malsinado, todavia em paz consigo

mesmo e em harmonia com Deus... Eis porque não posso atender às tuas

sugestões. Obedeço Àquela que me enviou, pensando especialmente nas

"meretrizes e nos publicanos que levarão a dianteira para o Reino de Deus", em

preferência a muitos dos homens que aparentemente se encontram vinculados ao

meu nome.

Calou-se o Mestre.

Tiago caiu em pesada reflexão, enquanto caminhava ao Seu lado. Desde então

passou a entender melhor o Reino de Deus, aquele que não tem aparências

externas e que deve ser conquistado com decisão.

* * *

Ainda hoje, diante dos espíritos difíceis, dos infelizes e dos perturbados, dos

perturbadores e pervertidos, a atitude de muitos cristãos novos não difere daquela

que Tiago, embora bem intencionado, conquanto invigilante, mantinha antes do

diálogo esclarecedor.. ,

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4 - A REGRA DE OURO

Durante alguns meses haviam estado ao Seu lado, participando das preleções na

Galiléia, pela Decápole, Jerusalém e além Jordão... Viram-No atender enfermos de

variada espécie, demonstrando invulgar poder sobre os "espíritos imundos", que O

obedeciam prontamente. Observaram-No em múltiplas situações e sentiam-se

maravilhados com Êle. Embora alguns houvessem abandonado seus quefazeres para

O seguirem, sentiam-se invadidos por dúvidas e suspeitas infundadas, é certo, porém

acautelatórias.

Aquele Visionário falava de um Reino Novo que não conseguiam alcançar nem

compreender.

"Por que não Israel?! — se perguntavam. — Longos foram os dias do cativeiro sob

o impiedoso jugo de estrangeiros desalmados; terrível o ódio das raças vizinhas; e

cruentas as batalhas que aquele povo travara para sobreviver. Novamente o

grilhão da escravatura disfarçava as dilacerações nos seus corpos e nas suas

almas. .. Por que não conferir a supremacia a Israel, no concerto das Nações?..."

Sem dúvida, o Seu poder era exercido sobre eles que estavam resolvidos, se

necessário, a imolar-se até sob o Seu comando. Quando, porém, se ausentavam e a

Sua presença diminuía o facínio neles, sentiam-se fracos, saudosos da vida que

levavam antes, receosos da empresa. Conquanto a Sua palavra rutilante e vigorosa

lhes caísse como chuva contínua sobre terra sedenta, Êle não dizia tudo.

Ensimesmava-se longas horas, quando não desaparecia inúmeras vezes, a sós,

retornando com a face pálida e os olhos que sempre brilhavam como duas gotas de

luz, sombreados de dorida tristeza.

Relutavam interiormente.

João, por ser mais jovem, febricitado depois de cada discurso, sonhava com as

estrelas e cantava entusiasmado a melodia da mocidade nas cordas da harpa do

vento. Tiago, no entanto, seu irmão, amadurecido pelos anos de luta e experimentado

em longos exercícios da vida, reflexionava, comparando Seus ditos aos escritos do

Tora.

Simão e André deixaram as redes e seguiram-No ; Levi, que estava sentado na

coletoria, convidado, levantou-se e O acompanhou. Depois, da multidão escolheu os

demais, separando-os para a Sua seara: Felipe, Bartolomeu, Tomé, Tadeu, Simão, o

Zelotes, Tiago, filho de Alfeu e Judas Iscariotes.. .

Escutaram-No há pouco, e a mensagem das bem--aventuranças ecoava docemente

nas suas almas. Jamais alguém dissera o que Êle disse e como o disse.

Flutuavam no leve ar as nobres expressões e nos rostos aflitos dos ouvintes o

contágio sublime da Sua voz realizara inesperadas transformações.

Todas aquelas gentes vieram ao monte para receberem o largo quinhão das Suas

dádivas e estavam fartas: sorriam, e a esperança salmodiava hinos de paz nos seus

corações sofridos. Retornavam, agora, aos lares, invadidos pela magia incomum do

16

Seu verbo. Jamais deixariam de ecoar aquelas promessas de vida nas quebradas

dos tempos e de repercutirem na acústica das almas.

Ali estavam eles, agora, a sós com Êle.

Chamara-os à parte e com o acento tocante da Sua poesia, reunira-os em torno da

Sua pessoa.

As estrelas espiam do engaste sombreado em que tremeluzem no alto e vertem

pranto argênteo.

O buliçoso sacudir das ramagens na aragem que perpassa mistura a Sua às vozes

do anoitecer.

Flutuando sobre o lago, nele se refletindo, o disco solar no poente de fogo e ouro

incendeia a Natureza.

O calor esmaece e um magnetismo envolvente domina, superando as manifestações

exteriores.

O Estatuto da felicidade foi apresentado e novos artigos como corolários dos

primeiros são aditados.

Por fim, embargado pela emoção, o Rabi, com as vestes claras bordadas pelo ouro

da refulgência crepuscular, esclarece:

"Tendes ouvido que foi dito: "Amarás o teu próximo e aborrecerás o teu inimigo".

Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para

que vos torneis filhos de vosso Pai que está nos céus, porque Êle faz nascer o seu

sol sobre maus e bons, e vir chuvas sobre justos e injustos." (*)

"Que ensinamento é este?!, — interrogam-se no âmago da alma surpresa. — E

reflexionam: "A Lei é severa: "olho por olho, dente por dente". A alguém que prejudicou,

tem o direito a eua vítima de cobrar a sevícia com a mesma intensidade. Como se

poderá unir o amigo e o inimigo no mesmo abraço? Ajudar o adversário qual se êle

fosse companheiro? — eis algo impossível. . . "

O Mestre os fita enternecido e os embriaga de docilidade.

O homem mau, parece dizer, está enfermo e o adversário infeliz caminha para a

loucura. Será crível atirá-los no fosso de misérias maiores?

Descerrando os lábios, indiferente ao surdo clamor deles, prossegue:

"Pois se amardes aos que vos amam, que recompensa tendes? não fazem os

publicanos também o mesmo? se saudardes somente aos vossos irmãos, que

fazeis de especial? não fazem os Gentios também o mesmo? sede vós, pois,

perfeitos, como vosso Pai Celestial é perfeito." (1)

É um desafio ousado aquele programa.

Esse Estatuto certamente regerá o Reino a que Êle se refere.

17

As lágrimas rebentam nos seus olhos e correm silenciosas pelas faces. As emoções

mais sutis os dominam.

Amar para adquirir a perfeição.

Construir a diferença no íntimo para não serem iguais aos maus. Essa diferença é

quase um nada e é tudo: o amor aos inimigos!

A "regra de ouro" para a Humanidade se impõe como o fundamento essencial do novo

Reino que Êle vem instalar na Terra.

Já não há equívocos. Os outros eram reinos levantados sobre os despojos dos

vencidos, que se transformavam em adubo fecundante, quando não se faziam

veículos de pestes dizimadoras. O forte esmagava o fraco e se apresentava como se

fora mais forte. A uzura se armava de ambição e marchava sob o comando da

impiedade para dominar.

Amar! Amar mesmo os inimigos para instaurar a Era da Misericórdia que precederia

a do amor real.

Os primeiros artigos do Estatuto apresentado eram preceitos simples, temas de

conversas das margens dos lagos e da boca das lavadeiras nos ribeirinhos

cantantes.

Conviver e amar os adversários e não lhes resistir por meio da violência. . .

Êle viveria, durante todo o Seu ministério, aquela regra. Daria a vida. Cumpriria a

Lei.

* * *

Eles quase pertenciam às mesmas famílias. Nascidos e crescidos ali às margens do

lago, se conheciam.

André e Simão, com sobrenome Cephas ou Pedro, eram ambos filhos de Jonas,

nascidos em Betsaida, residentes, porém, há muito em Cafarnaum.

João e Tiago, — os "filhos do trovão", como o Senhor os chamava — descendiam .de

Zebedeu e Salomé, que Lhe foi fiel até o Gólgota; Felipe era de Betsaida; Natanael ou

Bartolomeu, filho de Ptolomeu, provinha de Cana; Simão, o Zelotes, viera de Canaan;

Tomé ou Dídimo, por ser gêmeo, era descendente de um pescador de Dalmanuta;

Tiago, o Moço, Judas Tadeu, seu irmão e Mateus Levi, o ex-publicano, eram filhos de

Alfeu e Maria de Cleofas, parenta de Maria, Sua mãe, nazarenos todos, eram primos

afetuosos e passavam como "seus irmãos"; e Judas, filho de Simão, originário de

Kerioth, a pequena cidade da extremidade sul de Judá. . . Eis o grupo.

Todos galileus, menos Judas.. .

18

Eram os membros que participavam da fundação do Reino e recebiam as Leis que o

deveriam reger Todos seriam irmãos, mensageiros, "apóstolos" — "que são

enviados"!

O ar perfumado dos longes campos chega e a transparência colorida do céu em

poente comove.

Eles se dobram sobre as próprias necessidades e raciocinam.

O Rabi silencia.

Reino de Amor!

Lançadas suas bases, deveria resistir até os confins dos séculos.

* * *

Preservando a regra áurea do amor, Tiago, o moço, foi arrojado do pináculo do

Templo e apedrejado até a morte..

Bartolomeu, ouvindo nalma a musicalidade do amor, sofreu o martírio e morreu na

cruz de cabeça para baixo, após ser esfolado vivo.

Judas Tadeu, esparzindo aquele pólen de amor, doou a vida na Armênia, sob

flechadas cruéis.

André, crucificado, e Felipe, martirizado, permaneceram amando.

Simão, o Zelotes, amando, deixou-se crucificar na Pérsia em singulares traves...

Tomé, o Dídimo, renovado, crente e amoroso, padeceu o golpe de uma lança, na índia,

oferecendo-Lhe a vida...

Tiago teve decepada a cabeça, fiel ao amor, na Casa do Caminho...

Mateus, também, amoroso, consentiu em ser martirizado...

Pedro, esfuziante, dominado pelo milagre de amor, permitiu-se crucificar em

Roma...

O tributo do amor — não resistir aos maus!

Do grupo híbrido sai a Nova Humanidade a renovar e modificar a Terra.

"Amai os vossos inimigos" e doai o bem a quem vos faça o mal — enunciara.

O Reino de Deus chegara à Terra dos homens e confraternizava com eles, em nome

do Amor.

(*) e (1) — Mateus 5: 43 a 48

Nota da Autora espiritual.

19

5 - ENSINA-OS A ORAR

O planalto da Judéia se eleva naquele local a quase 830 metros acima do nível do

mar, sendo ali o seu ponto culminante. Ephrém é região bucólica, onde os

damasqueiros se arrebentam em flores, se vestem de frutos, e as tulipas se

multiplicam em campos verdejantes com a abundância do sol dourado, cujos poentes

se demoram em fímbrias coloridas, contrastando com as sombras das noites em

vitória...

A aldeia de Ephrém ou Efraim é um amontoado de casas singelas entre flores

silvestres e roseiras variadas, situando-se sobre um largo terraço fértil do planalto

árido, onde, no entanto, abundam nascentes cantantes e de cujas bordas se

avistam no longo vale que se esconde em baixo das imensas costas talhadas a pique

em alcantis, pelo lado do Moab, o tranqüilo Jordão e o mar Morto. Dali, a visão dos

horizontes é um convite à meditação, fazendo que o homem se apequene ante a

grandeza de Deus.

Naquela paisagem tudo são convites às coisas divinas.

Nesse plano de exuberante beleza, o Mestre elucida os companheiros fiéis, quanto à

comunhão com o Pai. Já lhes falara diversas vezes sobre a necessidade da oração

e em muitas ocasiões deles se apartara para o silêncio da prece. Ensimesmado,

freqüentemente buscava a soledade para a ligação com Deus. através desse

ministério ardente e apaixonado.

* * *

Os livros da fé ancestral, todos eles, se reportam à exaltação do Senhor, mediante o

"abrir a boca" da alma e falar aos divinos ouvidos.

Aquela será a última primavera que passariam juntos. Os colóquios, as lições serão

interrompidos, Êle o sabe. Ministra as últimas instruções. O Cordeiro inocente logo

mais deverá marchar na direção do matadouro. Quanto há, no entanto, ainda, a dizer!

São "crianças espirituais" aqueles companheiros, bulhentos e sem a noção exata do

que lhes será pedido.

O tempo urge!

As Suas vigílias são maiores e Seus solilóquios mais demorados.

* * *

Retornava desse colóquio, e a placidez da face denotava a vitalidade haurida no

intercâmbio com o Pai...

Os discípulos aguardam-No com carinho, ansiedade, e inquirem-No quanto à melhor

forma de orar, como dizer todos os ditos da alma Àquele que é a Vida e que sabe

das necessidades de cada um em particular e de todos simultaneamente...

20

Havia, sim, em todos, o desejo veemente de aprender com o Rabi, — que tantas

lições lhes dispensara antes com invulgar sabedoria! — a mais eficiente das orações.

Inquiriam, porém: "se Deus nos conhece e sabe o de que temos maior urgência,

por que se há de Lh'o rogar? Como fazê-lo, então?"

— "Ensina-nos a orar!" — pediu um dos discípulos, amigo devotado.

Seus olhos estavam incendiados de luz e nele havia aquela confiança pura da

criança que se entrega em total doação e aguarda em tranqüilidade enobrecida.

O Mestre relanceou o olhar pelas faces expectantes daqueles que O buscavam seguir

e desejavam adquirir forças para, no futuro, se entregarem inteiramente ao

Evangelho nascente; depois de sentir as ânsias que através dos tempos estrugiriam

nos continuadores da Sua Doutrina, pelos caminhos do futuro, sintetizou as

necessidades humanas em sete versos, os mais simples e harmoniosos que os

humanos ouvidos jamais escutaram, proferindo a oração dominical.

As frases melódicas cantaram delicadas através dos Seus lábios como se um coral

angélico ao longe modulasse um cantochão de incomparável melodia, acompanhando

suavemente.

Uma invocação:

"Pai Nosso que estás nos Céus;" (*)

Glorificação d'Aquele que é a vida da vida, Causa Causica do existir, Natureza da

Natureza Nosso Pai!

Três desejos do ser na direção da Vida, após a referência sublime ao Doador de

Bênçãos:

"Santificado seja o Teu Nome.

"Venha a nós o Teu Reino,

"Seja feita a Tua vontade, na terra como no céu;"

Eloqüentes expressões de reconhecimento ao Altíssimo; humildade e submissão da

alma que ora e se subordina às inexauríveis fontes da Mercê Excelsa; entrega total,

em confiança ilimitada. Exaltação do Pai nas dimensões imensuráveis do Universo;

respeito à grandeza da Sua Criação, através da alta consideração ao Seu Nome;

resignação atual diante das Suas determinações divinas e divina presciência.

Canto de amor e abnegação!

Três rogativas, em que o homem compreende a própria pequenez e se levanta,

súplice, confiante, porém, em que lhe não será negado nada daquilo que solicita:

"O pão nosso de cada dia, dá-nos hoje;

"Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores;

21

"Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos de todo o mal."

A base da manutenção do corpo é o alimento sadio, diário, equilibrado, tanto

quanto a vitalidade do espírito é a sintonia com as energias transcendentes — dános

hoje!

Sustento para a matéria e força para o espírito, de modo a prosseguir no roteiro de

redenção, no qual exercita as experiências evolutivas.

Reconhecimento dos erros, equívocos e danos causados a si mesmo e ao próximo —

perdoa-nos!, — ensejando reparação, através da oportunidade de refazer e

recomeçar sem desânimo, superando-se e ajudando aos que nos são vítimas —

como perdoamos aos que nos devem!..

Forças para as fraquezas, em forma de misericórdia de acréscimo, multiplicando as

construções das células e das energias espirituais; reconhecimento das incontáveis

fragilidades que a cada instante nos sitiam e nos surpreendem — livra-nos de

todo o mal!

* * *

A musicalidade sublime canta em balada formosa na pauta da Natureza,

conduzida pelo vento.

A mais singela, a mais completa oração jamais enunciada.

Há emoções nos espíritos que reconhecem a responsabilidade de conduzirem o

sublime legado na direção do futuro.

A ponte de intercâmbio entre os dois planos do mundo está lançada. Transitarão,

agora, as forças mantenedoras do equilíbrio.

"Pedi e dar-se-vos-á;" — exorou o Pomicultor Divino.

"Ensina-nos a orar!" — rogara o discípulo ansioso.

As virações daquela hora embalsamam o ar de mil odores sutis e constantes, e há

festa nos corações.

O Reino de Deus está, agora, mais próximo. Divisam-se os seus limites e se

vislumbram as suas construções...

Nenhum abismo, nenhum óbice. Vencidas as indecisões, os caminhos se abrem,

convidativos, oferecendo o intercâmbio.

Aqueles homens que se levantarão logo mais da insignificância que os limita e irão

avançar no rumo do infinito, doravante, orando, estarão em comunhão permanente

com o Pai.

O homem sobe ao Pai no Céu — o Pai desce ao homem na Terra.

22

Já não há um díptico.

Do solilóquio chega-se ao diálogo.

E do diálogo o espírito sai refeito, num grande silêncio de paz e vitalidade,

exaltando o amor de Deus na potencialidade inexcedível da oração.

"Ensina-nos a orar!"

"Pai Nosso que estás nos Céus..."

(*) Conquanto as divergências entre os textos de Mateus (6:9-15) e Lucas (11:1-4) preferimos as

anotações do primeiro, embora aquele situasse a preciosa oração, em continuidade ao Sermão do

Monte. Assim o fazemos, considerando a métrica e o ritmo que se observam nas narrações das línguas

semitas e por registrar a omissão de todo um verso nas anotações de Lucas. Outrossim, tomamos

como lugar da ocorrência as circunvizinhanças da aldeia de Ephrém ou Efraim ao invés do Monte das

Oliveiras, conforme a situam diversos exegetas e historiadores escriturísticos.

Nota da Autora espiritual.

23

6 - E ÊLE DORMIA

Duas vezes por ano, janeiro-fevereiro e março--abril, sobre as águas do mar generoso

da Galiléia cintilam mais cedo as estrelas. (*)

Antes que o poente de ouro desapareça de todo perpassam os suaves favonios

enquanto coruscam os astros no firmamento.

Aquele mar cercado pelos povoados como conchas brancas nas bordas, piscoso e

amado tornar-se-ia por todo o sempre o cenário incomparável que emolduraria a Sua

pessoa na epopéia das Boas Novas.

Ali, nas claras manhãs ou nos entardeceres festivos, a Sua voz musicava com

esperança os espíritos enfraquecidos nas lutas e os alentava.

Milhares de homens, mulheres e crianças naquelas paragens receberam das Suas

mãos sublimes as fartas concessões da saúde, as dadivosas bênçãos do reconforto.

Seus lábios se entreabrindo traçaram as inconfundíveis diretrizes da legislação do

amor — o fundamento essencial do Seu Messianato!

Mutilados do corpo e da alma, atormentados na forma e na essência, recorreram

vezes incontáveis ao Seu concurso e receberam o auxílio lenificador de que

careciam.

Nas águas plácidas e nas areias encharcadas, estavam sempre ao alcance os

barcos para as jornadas às outras terras, ou para poder evadir-se, quando a

insaciável avidez do povo teimava por tocá-Lo, na ânsia incontida de recolher mais

auxílios e incessantes socorros...

* * *

Nos meses de Ticri e Nisan (1) aquelas águas normalmente serenas, quase sempre

mar-espêlho, agitam-se de inopino, crescendo suas vagas a alturas desmedidas,

sacudidas por ventos inesperados, tormentosos.

Nesses períodos os pescadores cuidam de não se adentrar pelas águas

traiçoeiras entre o meio-dia e a meia-noite a fim de se pouparem às surpresas

das arremetidas tempestuosas.

A mensagem alcançara as fronteiras indimensionais das almas, alastrando-se pelos

países dos homens. De toda parte acorriam os necessitados de todo jaez a

buscarem o Seu concurso.

À hora undécima o céu apresenta-se fulgurante e as águas tranqüilas balouçam

suavemente tocadas por ventos leves e cantantes.

— Saiamos daqui — diz Jesus. — Os barcos estão prontos?

— Sim, Rabi. — Retruca Simão.

24

— Devemos atingir a outra margem antes da alvorada, — elucida o Amigo Divino.

— Mas neste período — relata o velho pescador— as tempestades sopram de

surpresa e colhem os incautos imprevistamente, ameaçando-lhes as vidas.

— Não temamos as coisas que promanam de Nosso Pai — esclarece Jesus. —

Estou extenuado. Saiamos daqui.

Os barcos deslizam sobre as cristas das ondas eriçadas a arrebentar-se em renda

de espumas.

O Rabi toma de um travesseiro, e na popa da barca em que seguem os irmãos

Boanerges — João e Tiago — procura repouso.

A brisa amena e o ar transparente parecem confraternizar com os astros em festa

de prata salpicante no alto.

Ao longe ficam as praias e Cafarnaum tem os olhos acesos, em candeias

vermelhas e lâmpadas de barro fumegando...

As montanhas se recortam nas sombras em redor das águas no outro lado,

desenhando múltiplas imagens grotescas.

As cidadezinhas da orla das águas rebrilham distantes com as suas luzes festivas, e

de longe chegam canções trazidas pelas vagas...

O Mestre dorme em plácida serenidade.

Os vultos dos companheiros aparecem e se recortam na noite, próximos, nos outros

barcos.

Os remos cantam nas águas e os lemes estão seguros com vigor.

Há uma inocente alegria conquanto algumas mesclas de preocupação.

Judas exclama:

Não será uma temeridade esta viagem?

O Rabi está conosco, portanto, não há problema, — redargue João.

Simão, porém, sabe dos perigos, neste período — investe o Iscariotes.

De fato, se formos colhidos por um vendaval — obtempera Simão — nossas vidas

estarão ameaçadas.

Mas Jesus está conosco — insiste André.

25

No entanto, dorme, — chasquina Judas — enquanto deveria vigiar; isto, para ser

fiel às Suas próprias palavras...

Não temamos. Confiemos. — Conclama João. — A noite está serena e o Pai vela por

nós.

— Contudo, é perigoso — retruca, mais uma vez, a inquietação de Judas.

— Rememos — propõe Pedro, na condição de timoneiro.

As terras da Decápole estão à vista, desenhadas nas sombras à frente.

— O dia fora exaustivo. — Relaciona o jovem Boanerges. — O Mestre atendeu

a gentes de várias partes que levarão, agora, as notícias.

Seus olhos fulguram de alegria.

Eu vi um cego abrir os olhos — relata com palavras medidas, Simão bar Jonas —

e as lágrimas cristalinas diziam da emoção incomparável daquele beneficiado.

E o leproso? — interroga Tiago — Nauseante, estava recurvado e exsudava

putrefação. Cambaleando e rouquenho, acercou-se do Mestre. O olhar que o Rabi

depositou sobre êle, comoveu-me. Vi a palidez no Seu rosto e uma indescritível

tristeza se Lhe desenhou na face. Tocou-o e logo as carnes começaram a agitarse,

a transformar-se todo êle ante a minha admiração.. . Quando o homem saiu

exultante, interroguei o Mestre: — "Por que, Senhor?"

"Por ser enfermo o seu espírito calceta e leviano — respondeu, acrescentando:

que lhe não aconteça nada pior!"

"Pior do que a lepra? — indaguei.

"Sim, redargüiu, — a perda da vida espiritual". .. e seguiu adiante.

— Olhem as nuvens — gritou Judas, deixando transparecer um assomo de pavor.

Repentinamente as estrelas desaparecem sob nuvens escuras, borrascosas.

Sopraram ventos inesperados de várias direções e o pânico tomou vulto.

Os barcos oscilam nas águas a crescerem. Trovões espoucam após relâmpagos

ligeiros.

No célere clarão pode-se ver o medo estampado nos homens receosos...

— E Êle dorme! — exclama André.

— Dorme enquanto perecemos! — grita Judas.

— Confiemos! — insiste João.

26

— O barco não suportará a borrasca — relata Simão.

Cai a tempestade. As forças em desgoverno sacodem o mar e o tumulto domina a

paisagem.

Sombras e desgraça em algaravia de horror. Lutam os titãs da Natureza.

Adernam as embarcações e os viajantes se aparvalham.

— O Mestre dorme, Deus meu, e nós... — desespera-se Judas. — Acordem-n'O!

— Mestre, Mestre! — chama João, receoso e trémulo — pereceremos, se não nos

salvares.

— Se não nos salvares? — repete, temeroso e revoltado, Judas. — Terá que

nos salvar. A idéia da viagem perigosa foi Êle quem a teve.

Brame o mar e ululam os ventos.

Que tendes? — indaga, sereno, o Rabi.

— Perecemos, Amigo! — explica, tímido, o amado...

Ele se ergue, abre os braços. O relâmpago veste-O de claridade de prata e

ouro, emoldurando-O, num átimo.

— Calai! Emudecei!

A voz supera a gargalhada das forças desconexas da Natureza.

— Aquietai!

O brado arrebenta-se nos longes das praias. Os ventos amainam e as águas

desencrespam-se

As estrelas olham com lampejos argênteos e a serenidade bonançosa veste

novamente a paisagem.

Os sorrisos bailam nos lábios de todos e nova tranqüilidade povoa as barcas, que

deslizam cantando, ao cortarem as águas, agora calmas.

A tentação dissera há pouco por aquelas bocas:

— Não te importas que pereçamos? — quando indagara Simão, traduzindo as

dúvidas gerais.

No entanto, Êle ali estava.

27

O tormento interior começou a crescer naqueles espíritos tímidos. E se

interrogavam: — "Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?" e todavia,

viviam com Êle, mas não O conheciam...

Pelo amanhecer os barcos alcançaram as praias e as encostas de Gerasa, na

Decápole.

* * *

Recordando a tempestade do mar da Galiléia, merece que examinemos o mar da

nossa alma e Á tormenta das paixões que nos açoitam com freqüência inesperada,

intempestivamente, enquanto o Cristo, que deveríamos trazer internamente, jaz

adormecido sem que as nossas ações o despertem.

Era o mês de Ticri, à hora undécima, e no mar calmo; de repente espoucou a

tempestade enquanto, plácido, Jesus dormia. ..

(*) Mateus 8:23 a 27 Marcos 4:35 a 41 Lucas 8:22 a 25

(1) Setembro . outubro, março - abril.

Outros historiadores informam que a tempestade ocorreu no mês de dezembro.

Preferimos situá-la em outubro de 28.

Nota da Autora espiritual.

28

7 - PÃO DA VIDA

— Saiamos daqui!

As notícias da morte de João chegaram enriquecidas de detalhes...

Jesus tinha necessidade de orar e demorar-se em Soledade com o Pai.

A mensagem como grão de trigo feito luz se multiplicava, em farta sementeira por

toda a parte.

Enfermos desenganados e espíritos marcados por fundas desilusões apressavamse

a buscá-Lo, depois de escutarem as narrativas empolgadas a Seu respeito.

Acorriam sob os panos sombrios das aflições e, ansiosos, O envolviam com as

rogativas e lamentos lancinantes. Onde quer que se encontrasse, ao Seu lado

estava a multidão de mutilados do corpo, da emoção, do espírito...

Infatigável Êle socorria com amor, abnegado, gentil. Suas mãos acionadas pela

misericórdia e Seus lábios cantando ternura leniam todas as exulcerações e

acenavam esperanças aos magotes numerosos, a se multiplicarem incessantemente.

— Saiamos daqui e atravessemos o mar, para a outra banda - falou o Senhor... (1)

* * *

A missão dos Reformadores é toda aspereza; o sacerdócio do Amor se manifesta em

rio de renúncias; a doação do Herói da Salvação se apresenta na oferenda da própria

vida. Onde se encontram, aí estão as dores e as angústias, os desesperos e os

desaires, rogando, aguardando, insaciáveis.

Era manhã de Abril.

A Primavera espoucava escarlate nas pétalas das anémonas em flor, o campo

relvado em matizes brancos se salpicava de atrevidas madressilvas que sobressaíam

e oscilavam no verde, ao sabor dos ventos leves, brincando a rés-do-chão. O céu azul

e transparente parecia confraternizar com o mar tranqüilo, aberto aos barcos de

velas coloridas. Havia mesmo uma sinfonia discreta na manhã formada das

onomatopéias generosas da Natureza.

A barca vence as distâncias deslizando com Simão ao comando. A festa dos júbilos

sorri nos doze que estão acompanhando o Rabi na barca que entoa melodias nas

vagas levemente encrespadas a se deixarem cortar...

A multidão, na praia, reflexiona, interroga e olha a barca movei no mar azul.

Alguém sugere a direção que segue a embarcação que conduze o amado Fugitivo.

Outrem opina que todos O sigam; surpreendê-Lo-ão adiante. Há uma alegria

espontânea. A mole humana, volumosa, se movimenta. Muitos chegaram de longe e

não podem perder a oportunidade.

29

O rumo é Bethsaida-Julíade, distante pouco menos de dez quilômetros: uma

agradável marcha!

O povo se divide em grupos e canta; vence as distâncias; há que encurtar os

caminhos e toma a ponte que atravessa o Jordão.

O dia espia em luz branda o movimento, a agitação.

Quando a barca alcança o ancoradouro da cidade a massa colorida, aguarda. . .

O Mestre contempla o poviléu.

Os olhos de todos n'Êle se cravam e falam sem palavras. Crianças choram e

enfermos lamentam. Alguns sorriem, outros apenas O fitam e se enternecem . ..

O Rabi se comove.

Todos Lhe requerem o concurso.

As aflições humanas, densas, suplicam Sua compaixão e os homens são a Sua

paixão.

Conquanto desejasse a soledade, ante os que sofrem, se compadece, sorri

compassivo, generoso. Êle compreende aquelas dores, sente-as quase nalma.

Apontou um cerro próximo e o galgou. As criaturas O seguiram. Em volta, a

vegetação rasteira com giestas em flor e a larga paisagem sob um céu transparente.

Êle começou a falar e o verbo claro cai nas almas, blandicioso e reconfortante,

iluminando consciências, clarificando os íntimos problemas dos espíritos inquietos.

A palavra fluente cala e a saúde lhe sai do amor na direção dos padecentes que se

refazem em Sua presença, ao Seu contato.

O dia avança e a hora está adiantada. Carinhosamente os discípulos O advertem:

Despeçamos a multidão para que as pessoas se possam alimentar, pois este é um

lugar distante, deserto...

"Dai-lhes vós de comer" — redargüiu o Mestre.

Senhor — responderam os discípulos preocupados — mas todos têm fome e não

poderíamos comprar-lhes pães suficientes. Se fôramos adquirir repasto,

necessitaríamos de uns duzentos dinheiros para os não deixar totalmente

esfaimados. . . São muitos os que aqui estamos.

Que temos? — inquiriu, tranqüilo, Jesus.

Nada ou quase nada. Segundo me informaram, um homem trouxe cinco pães de

cevada e dois peixes. Mas, que são ?...

Trazei-os e mandai que o povo se sente em grupos.

30

Ali estavam quase cinco mil ouvintes e aflitos que se recobravam com o Seu hálito

de transcendente poder.

Lá em baixo estavam o mar em espelho colossal, no rumo do oriente, mais ao longe

a cidade ribeirinha e branca em claros e verdes: Cafarnaum; ao sul o casario de

Magdala, avançando sobre as águas, nos outeiros, Tiberíade entre bosques espessos

em construções de pedras; Corazim nas montanhas, encravada como uma rosa

alvinitente.

As altas cordilheiras com a fímbria diluída no clarão do dia se destacam no cenário

formoso.

Ergueu as mãos e orou em silêncio. O murmúrio do povo calou a boca da aflição.

Levemente pálido pareceu transfigurar-se. Tomou os pães e os peixes partiu-os e

repartiu-os, ante os olhos atônitos dos mais próximos e estes se'foram repartindo e

multiplicando como semente, que fecundada, se desdobra em espigas ricas sob o

milagre da terra, fazendo-se toda uma seara... (2)

Todos se acercam alegremente e cestos são apresentados; enchem-nos e repartem a

messe com o povo que se nutre até ao enfartamento...

... E sobra o suficiente para encher mais alcofas com o que resta, excedente,

abundoso. (*)

* * *

Salve, Rei de Israel! — grita uma voz.

Conduze-nos à conquista de Jerusalém! — clama outra. — Seguiremos contigo!

Aleluias explodem, espontâneas. Os discípulos exultam e O envolvem com inexcedível

carinho, excessiva emotividade, numa ternura sem palavras, extravasante.

Os olhos do Mestre se nublam. Faz-se mais pálido e os lábios tremem como se

sofresse uma dor surda, forte.

O ar acolhe a exaltação da massa convulsionada pelo espetáculo de há pouco e

referta de alimento pelos Seus poderes.

Na febricidade geral, os companheiros percebem-No afastando-se, refugiando-se por

detrás das sebes, nas sinuosidades das pedras.

Felipe O busca e chama:

— Deixa-me a sós. — Êle fala, triste; é uma ordem e uma súplica.

A multidão se dispersa, os discípulos descem o monte. O ar está morno. Eles

retornam à barca e volvem a Cafarnaum. . .

... Lá O encontram.

31

* * *

"Eu sou o pão da Vida!

"Este pão não mata a fome.

"O pão que sou farta para todo o sempre.. .

"Credes porque vos alimentastes.

"O pão que vos possa dar nunca mais vos permitirá a fome."

"Trabalhai não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para

a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará; porque sobre Êle o Pai, que é,

Deus imprimiu o seu selo.

"A obra de Deus é esta, que creais naquele que Êle enviou.

"Eu sou o pão da vida: o que vem a mim, de modo algum terá fome e o que

crê em mim, nunca, jamais terá sede.

"Tudo o que o Pai me dá, virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o

lançarei fora; porque eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a

vontade Daquele que me enviou.

"A vontade daquele que me enviou é esta: que eu nada perca de tudo o que

Êle me tem dado. . .

"Pois esta é a vontade de meu Pai: que todo o que vê o Filho do Homem e

Nele crê tenha a vid a . . . . "

Pão da vida!

Este pão — o de todo dia é transitório; — aquele que Êle dá é perene, suprime

as necessidades, todas as necessidades.. .

O mundo O busca e os homens O querem, mas desejam este pão transitório do

monte, não aquele, o da vida, que também foi oferecido no monte.

Este, o do estômago, sim, pedem e querem hoje os homens.

Aquele, o da vida — talvez, depois; não, não sabem quando o querem os

homens.

Era abril, em festa de Primavera.

Êle é o Pão da Vida.

Em soledade com o Pai e a multidão.

A multidão na Primavera e o Pão da Vida em todas as Estações.

32

(*) Santo Agostinho estudando a "Multiplicação dos pães", interrogava: "Quem é que

alimenta o universo, senão Aquele que, dum punhado de sementes, faz nascer as searas?

O mesmo poder que, de alguns grãos, faz germinar o trigo, nas Suas mãos multiplica os

pães. Porque o poder pertencia a Cristo, e esses cinco pães são como as sementes que

não foram lançadas à terra, mas que foram multiplicadas por Aquele que fêz até a própria

terra."

(1) Mateus - 14:13 a 21 Marcos - 6:30 a 44 Lucas — 9:10 a 17 João - 6: 1 a 14.

(2) Vide "A Gênese", de Allan Kardec, Capítulo XV. Item 48 a 51.

Optamos pelo estudo segundo a narração dos Evangelistas.

3)João — 6:27, 29, 35, 37 a 40.

Notas da Autora espiritual.

33

8 - PESCADOR DE HOMENS

Aquele fim de maio estava ardente, fenômeno comum naquela quadra do ano. Logo

o Astro-Rei fazia incidir diretamente o seu facho de luz, e calor asfixiante

atormentava, desafiador.

Ao longe, as encostas do Galaad, com revérberos de cobre luzido vencendo as

brumas secas, são muralhas naturais e altaneiras na paisagem fronteiriça ao Lago.

Àquela hora, porém, soprava uma brisa amena, diluindo as névoas da madrugada,

enquanto albatrozes e pelicanos se demoram sobre as pedras negras que se

adentram pelas águas piscosas com reflexos de prata.

O recorte curvo da praia estava apinhado pela mole ansiosa, que a acorrera desde

cedo, para ouvi-lo e rogar-Lhe a bênção do socorro para as múltiplas aflições de que

se via possuída.

Nos dias anteriores aquela voz ecoara pelas regiões ribeirinhas como um canto de

esperança, em cuja melodia as concessões do amor divino eram moduladas em

convites amenos que chegaram aos ouvidos dos homens sofredores.

Todos, portanto, necessitados e curiosos, desejavam vê-Lo de perto e receberam o

benefício que Suas mãos esparziam em abundância.

A Natureza estava calma e as ansiedades vibravam nos corações.

* * *

A noite fora longa e infrutífera.

Eles estiveram por todas as horas a atirar as redes e recolhê-las vazias. As águas

generosas também tinham seus caprichos. Aquela era uma noite de cansaço e

desaire.

Sem luar os barcos encalhavam nos bancos de areia e todo o esforço daqueles

homens ofegantes redundara improfícua.

Retornavam aos penates do dia, corpos moídos, olhos ardendo, modorrentos e mal

humorados...

O magote humano na praia parecia um borrão colorido e móvel, contrastando com

as areias alvas.

Duas barcas foram deixadas vazias e as redes começaram a ser distendidas nas

varas de sustentação da praia.

"Apertado pela multidão que ouvia a palavra de Deus..." (*)

34

.. . Entrando numa delas em que se encontrava Simão, o seu proprietário, falou, um

pouco mais ao povo expectante.

Seu verbo de luz clarificava as consciências inquietas e asserenava os espíritos em

turbulência.

Sua silhueta de braços abertos bordada de ouro no contraste com o dia fulgurante,

parecia a de uma ave sublime que estivesse prestes a alçar vôo buscando rumos

ignotos.

Havia n'Êle um poderoso magnetismo que Lhe acompanhava as palavras conhecidas e

comuns, encadeadas como outrem jamais antes as enunciara, e que tocava com

estranho e vigoroso poder balsamizante. Algumas penetravam como punhais; outras

rociavam como perfume precioso de lavanda no ar...

Depois de haver consolado o povo que O buscara, voltou-se para Simão e disse:

"Faze-te ao largo e lança as redes para a pesca."

Mas retornamos de lá, agora, Senhor, sem nada conseguir.

Não recalcitres, Simão.

A barca desliza cantando sobre a crista das ondas levemente encrespadas, e, ao

ritmo do vento que perpassa e inflama as velas coloridas, se distancia, avançando

com celeridade.

Recolhe os panos — ordena, gentil, — e atira as redes.

Aí estivemos, Amigo — elucida o pescador — e tentamos até o cansaço; nossos

esforços redundaram inúteis. "Porém, sobre a tua palavra, lançarei as redes."

As redes imensas em forma de tarrafas circulares, com chumbos amarrados às

pontas, se abrem no ar em leque formoso e batem sobre as águas, mergulhando as

malhas resistentes, desenroladas dos braços vigorosos que as sustinham.

Logo puxadas se apresentam abarrotadas, quase arrebentando a tecedura forte.

O espanto, a algaravia e a explosão de júbilos dos homens espoucam em

alacridade infantil.

A carga abundante é levantada para bordo e a barca próxima é chamada, aos

gritos, em socorro...

***

Na popa, recortando o disco solar esfuziante, o Mestre contempla aqueles homens de

alma infantil, crestados pelas lutas diárias, inundados de alegria, emocionados até o

pranto.

"Sim, ama-os — medita o Desconhecido Mestre. — Viera ter com eles para que

pudessem ascender ao Pai. Ser-lhe-ia necessário sofrê-los, dar-se em totalidade

35

de oferenda, caminhar ao lado deles, assisti-los e perdoá-los sempre. Sim, amavaos!"

Longe, neles, estavam as ansiedades espirituais. Desprovidos, por enquanto, de

entendimentos, se atiravam ávidos ao dia-a-dia, na pesca, na conquista do pão...

Seria necessário dilatar-lhes a percepção, ampliar-lhes os horizontes...

Simão ergueu os olhos úmidos e fitou-O.

Ouvira-O antes e O acompanhara desde Bèthabara, de volta de Jerusalém, mas não

entendera tudo quanto Êle falara.

Explodindo de emoção inesperada, baldoou o homem do mar:

"Retira-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador", e prorrompeu em

pranto espontâneo.

A confissão ingénua, a alma desnudada, o coração ardente falavam daquele

timoneiro que amava o mar e nele encontrava a segurança e a vida.

0 plâncton que chegava trazido pelas correntes subterrâneas do Jordão, ali

favorecia a piscosidade das águas e êle conhecia aquelas correntezas e os

mistérios do Lago que era seu berço e o amigo com quem confidenciava nas noites

longas e doridas de soledade...

"Aquele homem, no entanto, donde o conhecia? — refletiu num átimo, vencido pela

força daquela voz que ordenava sem impor e ninguém desconsiderava, e daquela

face. . . — Êle lhe parecia tão fraco e era tão forte! Não sendo um pescador, como

soubera e pudera tanto?!"

"Simão, não temas: de ora em diante serás pescador de homens."

A mensagem ecoou na sua alma, em linguagem singular; pescador, sim, o era.

"Pescador de homens!", que seria ? Tranquilizou-se, porém.

Toda uma festa de sons dominou-o e êle fremiu ao peso de desconhecidas vibrações.

Desejou recusar, dizer da pequenez e miserabilidade, não pôde fazê-lo. Imobilizado

naquele momento que parecia uma eternidade — ausência do tempo e anulamento do

espaço — sentiu-se impossibilitado de cingi-Lo ou postar-se-Lhe aos pés.

A garganta seca, estreitada, estrangulou-lhe a voz.

Chorou, e, no íntimo, reflexionou: sabes o que fazes, Senhor!

* * *

As notícias alcançam as praias.

Há uma revoada de inusitada alegria em todos corações.

36

Novos grupos afluem. As carpas estremecem, ainda, em reflexos automáticos e o

contentamento se generaliza.

Pedro, João, Tiago e André que participaram mais de perto do acontecimento

experimentam, todavia, desconhecido pressentimento, que os seguirá desde então...

Não poderiam definir o que lhes passava, Relancearam o olhar em volta, e

encontraram o Rabi, afastado, que fitava aquele amado Lago de Genesaré, enquanto

o ar pesado do dia vitorioso abafava.

Pescador de homens!

* * *

Desde então, abandonaram tudo, mesmo o mar amigo, e avançaram na direção do

porvir sob o Seu comando, e depois foram conduzidos por Simão a "pescar homens".

(*) Lucas 5: 1 a 11

Nota da Autora espiritual.

37

9 - LUZ DO MUNDO

"Se é pecador, não sei. Uma coisa sei: eu era cego e agora vejo." (*)

A frase lhe escorreu dos lábios cantantes modulada nas vibrações dos sorrisos. E

era um desafio. Respondendo à ardilosa indagação dos intérpretes da Lei, dos

fariseus, superava qualquer astúcia com as soberanas argumentações da Verdade.

Aqueles olhos, até há pouco apagados, agora, transparentes e iluminados, viam. Não

se acostumaram sequer ainda com a contemplação da paisagem: os detalhes se

perdiam na exuberância de cores e na diversidade das formas. O Astro-Rei irizando

com mil matizes, dantes jamais sonhados, fulgurava solto no céu claro, imenso,

inimaginável para êle. A alegria de todas as coisas em festa num banquete

deslumbrante para aquela visão que sofrera os longos, demorados anos de

escuridão...

Tudo em mensagem de encantamento. O homem, o ser humano, no entanto, lhe

parecia muito triste naquele concerto de belezas indescritíveis: a folha, a flor, a

gramínea verde, o vetusto arvoredo, a túnica marrom-esverdeada-escura dos

montes altaneiros ao longe, a alegria da face das crianças e os pesados crepes

invisíveis sobre o rosto dos homens.

Sim, fora um nado-cego.

Criado na cegueira do mundo identificava todos os ruídos e as formas que seus

dedos ágeis apalpavam, compondo modelos que a mente, no entanto, não podia

conceber. A realidade lhe penetrava, exigindo novas conceituações.

Passavam os anos e a sua dor se fixava nas carnes do desespero íntimo, como

cravos de ira e mágoa.

A escudela de esmola nas mãos e a voz lamentosa em rogativa.

Aquele caminho entre a piscina do Enviado e o seu lar de pobreza, fizera-o e o

refizera quantas vezes! A esperança se apagara de sua vida, anulando quase o

sonho de felicidade... e vivia.

* * *

A piscina de Siloé se tornara famosa desde os dias do profeta Isaías, que elogiara

as suas águas. Aquelas linfas atravessavam grande distância, em canal rasgado

abrupto na rocha viva, desde os tempos de Ezequias.

Há muito, infelizes e enfermos lhe buscavam, esperançosos, c mergulho, guardando

esperanças de refazimento.

As águas cantantes se renovavam e as massas de enfermos se multiplicavam.

38

Aquele outubro estava já ardente e o pó pairava no ar morno do dia sem ventos

refrescantes.

As estradas estavam movimentadas pois que as Festas logo mais começariam em

Jerusalém, dadivosas.

Êle deixara as paragens da querida Galiléia para, transpondo as fronteiras,

atingir a Judéia onde sabia estarem reservadas muitas dores.. .

Os companheiros seguiam-No animados, desejosos de penetrar-Lhe todas as lições

e integralmente o ministério, que, às vezes, lhes parecia complexo demais para

suas mentes desacostumadas a incursões mais profundas no raciocínio.

Deslumbravam-se sempre, logicavam raramente. O pão que dos Seus lábios caía na

boca dos seus corações se apresentava em algumas circunstâncias azedo,

desagradável. Estar com Êle era vibrar de felicidade e sofrer de ansiedades

incontroláveis. Êle era capaz de tudo, e o demonstrara vezes sem conta. No entanto,

falava também do Pai, e das Suas dores, lutas e a paixão. . . A que paixão, se

referia, não O compreendiam.

Era sábado! A Judéia, à semelhança da Galiléia e talvez mais zelosa, era ufana em

manter as exigências da forma, da aparência. Guardar o dia de descanso era

mais importante do que se guardar das paixões. Invariavelmente, o israelita, ali, era

considerado pela maneira como observava o "Dia do Senhor" e, todavia, muitas

conveniências podiam modificar o próprio Estatuto que se deveria cumprir à risca.

"Mestre, quem pecou para que este homem nascesse cego? êle ou seus pais?"

A interrogação dos companheiros se fundamentava.

As enfermidades graves são resgates de crimes que passaram sem punição, não

corrigidos, ocultos...

Sabia-se que o homem o é como procedeu em vida anterior e que cada um se faz o

construtor do edifício da própria vida. Cada corpo, cada estado de emoção e de

espírito, a felicidade ou a desdita são elaborações próprias, senão deste, de um

avatar anterior. Logo, a interrogação oportuna.

O Mestre fitou o homem de olhos em trevas e se apiedou.

"Nem êle, nem seus pais pecaram — elucidou com eloqüência o Amigo

Divino. — Mas isto se deu para que as obras de Deus nele sejam manifestadas."

Os homens — crianças espirituais na maioria — desejam a fé que penetra pelos olhos

e exigem fatos que não podem entender. O milagre — ou derrogação das leis

naturais — os atrae pelo maravilhoso. Raros se aprofundam em descobrir fora da

aparência a mecânica da sua execução. Era necessário, portanto, atender a esses

homens, ingênuos que facilmente se fazem maus, ignorantes que se podem revelar

bons.

39

Sem débitos, sem culpas, aquele homem, por amor escolhera a provação da

cegueira para que o seu Senhor pudesse ser conhecido, revelado, sem

modificar as Leis da Justiça.

Há um estranho silêncio entre os que contemplam o cego e fitam o Galileu

Sublime.

"Cuspiu sobre o pó" e fêz uma singular pomada que aplicou nos olhos fechados do

cego, e disse:

"Vai lavar-te no tanque de Siloé."

* * *

"Lavei-me e comecei a enxergar" — narrou o homem aos que o investigavam,

coléricos.

— Conheces esse homem?

— Não.

— Onde se encontra agora?

— Não sei.

— Que te fêz Êle?

— Já disse: "Aquele homem, chamado Jesus,fêz lodo, ungiu-me os olhos e

disse-me: vai a Siloé e lava-te; fui, lavei-me e fiquei vendo."

— E nasceste cego?

— Sim, todos aqui me conhecem. Uns diziam que era outrem, comigo parecido;

não, sou eu mesmo.

A ira espuma veneno e a astúcia tece a rede das ciladas.

Os pais do ex-cego temeram e, tremendo, mandaram que o interrogassem outra

vez.

— Podemos expulsar-te e aos teus da Sinagoga.

— Eu sei.

—Êle é um pecador, pois curou num sábado; não vem de Deus, porque

desrespeita as Leis de Deus...

— Não sei, não sei. "Se é um pecador não sei. Uma coisa sei: eu era cego e agora

vejo."

40

—"E' necessário que façamos a obra do que me enviou, enquanto é dia; vem a noite,

quando ninguém pode trabalhar. Estando eu no mundo, sou a luz do mundo."

Aquele homem fora lançado fora.

Testemunhara a verdade. Preferira o abandono à mentira e o desamparo à ilusão.

Era cego e agora via e via corretamente.

"Crês tu no Filho do Homem?" — Interrogou-lhe Jesus ao reencontrá-lo.

— Quem é êle Senhor, para que eu creia nele?

"Já o viste, e é êle quem fala contigo."

"Creio, Senhor." (1)

— Teus olhos vêem o Esperado. Rejubila-te. Vês e compreendes.

A Natureza parece cantar a música da sua alegria.

O Rabi se alegra, também, e fala:

"Eu vim a este mundo para um juízo, a fim de que os que não vêem, vejam; e

os que vêem se tornem cegos."

Há duas cegueiras: a dos olhos do corpo e a do espírito.

Êle se dirigiu aos Seus e lhes falou da Sua ligação com o Pai e da cegueira dos

que vendo não enxergam porque não distinguem as sombras da luz...

Ainda agora os cegos piores não distinguem.

— Quem pecou? — perguntam.

O espírito andarilho das estradas do Infinito, seguindo na direção do Amanhã,

sofrendo em paz e paciência se recupera e ressarce.

Renascer e recomeçar a vida para se libertar.

A luz clareia e penetra, espancando as trevas.

Muitos preferem a ignorância para não carregar a luz da responsabilidade.

Jesus é a luz do mundo.

... Era um cego de nascença e, no entanto, viu.

... Era outubro e junto ao Templo, próximo à piscina de Siloé, à luz do sol ardente,

Êle se fêz a luz do mundo, desde então, até sempre.

Luz do Mundo!

41

(*) João 9: 1 a 41.

(1) Uma antiga lenda de Provence, na França, narra que o nado-cego curado

seria mais tarde o Santo Restituto.

Notas da Autora espiritual.

42

10 - O LEGADO DA TOLERÂNCIA

A perene madrugada inebriava aquelas vidas.

Dias assinalados pela apoteose da esperança, inundados de amor, em que a

cornucópia da misericórdia derramava bênçãos em abundância, constituíam uma

quadra que jamais a Terra experimentara nos seus fastos passados ou voltaria a

gozar no futuro...

A paisagem dos corações cada vez se multiplicava pela presença dos aflitos e

angustiados que se atropelavam na expectativa de fruir os resultados felizes

daqueles momentos, que, talvez, fossem interrompidos logo mais...

As conjunturas da política dominante e ignominiosa do usurpador estrangeiro

produziam sulcos de revolta no solo das almas, e os bajuladores armavam ciladas

nas bocas torpes dos representantes da comunidade, procurando pôr a perder o

Pomicultor Sublime.

Onde Êle surgia, à semelhança de radiosa luz, atraía necessitados do corpo e da

alma. Suas sementes de amor eram espalhadas fartamente em tentativas

constantes de futura fecundação abençoada.

Os convidados ao colégio da fraternidade, que conviviam na Sua intimidade,

armazenavam os grãos da vida, aprimorando a terra íntima do espírito para fecundálos

oportunamente.

Não compreendiam, porém, em toda a magnitude a grandeza da Mensagem que Êle

espalhava em fortuna farta.

Assim, repontavam ciúmes em forma de zelo exacerbado, — queixas injustificáveis, —

todas essas bagatelas da pequenez humana na planície das paixões, sem forças

para superarem os óbices, galgando por fim o planalto da compreensão geral.

A Boa Nova seguia triunfalmente e muitos que dela se beneficiavam saíam a

comunicar a outros corações o milagre da sua claridade lenificadora.

As narrações exaltadas competiam com os ódios que explodiam resultantes do

despeito gratuito dos comensais da politicagem religiosa e da administração ingrata.

* * *

Senhor, eis que encontramos um homem pelo caminho que curava em Teu Nome,

expulsando Espíritos infelizes, — revelou, expedito, João, retornando de pequena

viagem. (*)

E que fizeste? — Inquiriu Jesus.

Repreendemo-lo — protestou o discípulo inexperiente. — Expusemos que êle

não tinha o direito de usar o Teu nome, pois que não privava contigo, não

formava no grupo dos nossos. E fi-lo, defendendo os nossos objetivos para que os

43

propósitos de elevação em que nos empenhamos não se entorpeçam através de

pessoas incapazes de imprimir à própria vida a excelência da lição que nos

transmite.

Brilhavam em júbilo os olhos do jovem companheiro, excessivamente zeloso quanto ao

futuro do Evangelho nascente.

Jesus, porém, fitou-o com infinita bondade, admoestando-o, benigno:

— Fizeste mal; pois todo aquele que não é contra nós é por nós.

"Se alguém em meu nome expulsa Espíritos maus, asserenando obsessos e

acalmando obsessores, cultivando nas almas o pólen da saúde que se converte em

pomar de tranqüilidade, não poderá voltar-se contra nós, depois, assacando

calúnias e no futuro erguendo-nos acusações. A palavra de amor é moeda de paz

para aquisição do continente das almas."

E desejando expressar de maneira inolvidável o significado da tolerância e da

caridade, prosseguiu:

— O servidor do Evangelho deve fiscalizar com sincera acuidade as nascentes

íntimas dos sentimentos de modo a cercear no começo os adversários cruéis,

que são o egoísmo e o orgulho, a inveja e o ciúme com toda a corte de nefandos

sequazes. . . Os inimigos de fora não conseguem atingir o homem, senão

exteriormente, pois que só alcançam a forma, sem lobrigarem mudar a constituição

intrínseca do ser. Vinculado ao ideal superior da vida a que se entrega, o discípulo

sincero compreende os que dormem no amolecimento das paixões, desculpa os perseguidores

e não receia que outros corações, também, fascinados pela luz da

verdade, desejem integrar-se no lídimo ideal da solidariedade a benefício de todos.

Dia virá em que a Mensagem da Boa Nova se espalhará pelos múltiplos campos do

mundo em formosa semeadura de abnegação, convocando multidões ao ministério

excelso. Irmanados no ideal do serviço, todos aqueles que nos não combaterem

ajudar-nos-ão, contribuindo eficientemente para a colheita dos resultados valiosos.

Como se se alongasse pelos confins dos tempos, pressentindo as dores acerbas e as

lutas árduas pela implantação do Reino de Deus entre os homens, o Mestre concluiu:

Irromperão em catadupas violentas os rios do sofrimento, de quando em quando,

arrebentando represas e correndo destruidores com o objetivo de esmagar os que

estejam à frente, em nome das paixões irrefreáveis, ou em caudais contínuas

ameaçando arrastar os que teimem em suportar-lhes o ímpeto... Eu estarei

vigilante, porém, acima das vicissitudes, socorrendo os timoneiros da fé e

recolhendo os náufragos.. . No entanto, as desagregações inter nas, as disputas

intestinas pela supremacia de uns em detrimento de outros, as lutas pela herança,

esgrimindo as armas nefastas das guerras surdas e as intrigas sutis, serão mais

danosas do que as agressões que procedam do mundo contra o nosso ideal de

amor. . .

44

"Interliguem-se todos aqueles que sonham com a imortalidade, os que me amam,

afastando barreiras e derrubando obstáculos para que mais rapidamente se

implantem as realidades do amor e do perdão no solo das vidas...

"Ninguém se escandalize nunca, por encontrar fora da grei o mensageiro da saúde,

o intermediário do bem, porque aparentemente estejam desvinculados das linhas

conhecidas do serviço.

"Meu Pai dispõe de recursos que nos escapam e como é o Autor de tudo e de

todos, cumpra cada um irrestritamente com o seu dever, transferindo para Êle, o

Senhor de todos nós, os resultados do nosso trabalho."

Silenciou, tranqüilo, e uma aragem de confraternização penetrou melhor nos homens

que O escutavam, no reduzido grupo da amizade, como se avaliassem as

responsabilidades que lhes cabiam.

Face ao dever maior, a tolerância é medida de justo progresso, tradutora das

conquistas realizadas pelo discípulo fiel e afervorado da Verdade, no serviço

redentor.

(*) Marcos 9:38 a 42.

Nota da Autora espiritual.

45

11 - MULTIDÃO DE SOFRIMENTOS

Sempre estava Jesus Cercado pela multidão. Entardecia...

A multidão representava as enfermidades e mazelas que Lhe eram conduzidas pelos

magotes humanos, assinalados pela dor.

Em todos os tempos o sofrimento é a cobrança do pretérito culposo dos

atormentados em lapidação benéfica para a própria redenção, em clima de urgência.

A lepra, ingrata e hedionda, procede do espírito que exterioriza a degenerescência

dos tecidos sutis, exsudando as misérias íntimas na faina incessante da

purificação. Assim a cegueira e a surdez, a paralisia e a mudez, o câncer e tantos

outros suplícios expressam o limite imposto ao devedor na faculdade cujo uso foi mal

aplicado, fazendo o ser calceta em si mesmo, carecente de imediata reparação.

A falta do órgão ou membro, a desarmonia da faculdade ou função representam

sempre a cobrança que chega em forma de controle e educação, predispondo o ser

para a liberdade.

E como a dor tem sido a característica da vida humana, Jesus estava sempre cercado

pela multidão.

Eram os atormentados de ontem ora envergando as marcas e manchas do passado,

na condição de atormentados atuais, buscando, sequiosos, a água lustral do

Evangelho do Reino, para lavarem as imundícies da imperfeição.

Cercado pela multidão Êle abria os braços e descerrava os lábios, socorrendo e

falando...

A voz modulada em musicalidade divina derramava lições de vida em urgente

profilaxia, de modo a que todo aquele que pudesse recuperar-se não tornasse aos

erros transatos, a fim de não se acumpliciar com o crime, do que decorre sempre

mais graves e danosos compromissos. E as mãos misericordiosas libertavam das

amarras limitadas do padecimento, facultando agilidade e meios de crescimento

superior aos beneficiados.

A multidão buscava-O sempre ansiosa...

Dos Seus lábios recolhia pérolas em luz, gemas em claridade incomparável para

iluminar a senda de percalços e pedrouços. E das Suas mãos recebia o vigor em

dádivas de saúde, que renovavam as peças gastas e os implementos orgânicos em

desconsêrto, produzindo o refazimento e a paz.

Amava-O a multidão; ao menos necessitava d'Êle avidamente e O seguia.

* * *

Começava o ministério entre expectativas e ansiedades.

46

Quantas vezes Israel tivera outros profetas!

Procediam de todos os rincões e se caracterizavam não raro, pela severidade e

aspereza dos conceitos que, semelhantes a látego em brasa punitiva, azorragavam

com doestos e ameaçavam com longas e penosas correções...

Há pouco escutara-se a Voz do Batista e a sua figura austera derramava o verbo

abrasador, conclamando ao arrependimento e ao aproveitamento da hora, antes

que se fizesse tarde.

Êle, porém, Aquele suave Rabi, era a mansuetude e a abnegação. Quando o

semblante se Lhe fazia grave, a meiguice e a dor exteriorizavam todo o Seu amor e ao

mesmo tempo refletia as Suas esperanças, penetrando no porvir, em cujo curso

incessante dos tempos o homem encontraria a paz...

Era o mês de Nisan. A tarde caía suave e calma.

A notícia da cura da sogra de Simão, cuja febre repreendida pelos Seus lábios se

evadira, atraia a multidão dos necessitados.

Carreados por ventos brandos, aromas sutis balsamizavam a tarde em festa de luz.

A praia amiga, referta de esperanças, suspirando nos corações ansiosos dos

homens, ali representava todos os tempos: o ontem e o amanhã da dor perseguindo

a paz...

Êle aproximou-se e começou a curar.

Luz Divina em sombra densa, Sua aura reativava as forças fracas, recompondo os

desgastes e desalinhos dos infelizes.

O espetáculo da alegria espontânea explodindo, comovia, e a reconstrução da saúde

ante o olhar esgazeado de surpresa dos comensais do sofrimento, a rearticulação das

faculdades psíquicas dos antes atormentados, os espíritos imundos expulsos pelo Seu

magnetismo fascinavam, e, num crescendo, avolumavam-se as emoções à Sua

volta.. . (*)

As vozes extremunhadas dos obsessores desligados das vítimas, gritavam:

"Tu és o Filho de Deus!"

Êle, porém, sereno e pulcro, respondia:

"Eu vos proíbo de falar. Afastai-vos daqui..."

No desabrochar natural das alegrias, uma pausa fêz-se espontânea durante o

sublime repasto da esperança. Êle, então, falou com eloqüência e magnitude:

— Todos os males promanam do espírito. Tende tento!

47

"O espírito é a fonte gentil e abundante onde nascem a enfermidade e a saúde, o

destino e o porvir de cada ser, conforme se acumulam nas nascentes os atos que

padronizam as futuras necessidades. Enquanto o homem não mergulhar na

intimidade dos seus problemas para solucioná-los à luz da razão e do amor, não

conseguirá o lenitivo da harmonia.

"Sois o "sal da Terra". O valor dele é mantido enquanto conserva o sabor.

"Sois a luz" da oportunidade, enquanto mar chardes espargindo bênçãos e

distribuindo esperanças.

"Deus, Nosso Pai, é o Criador, mas o homem, ascendendo, é o autor da sua dita ou

desgraça.

"Inutilmente buscareis fora a saúde se não a mantiverdes retida no âmago do

espírito, cuja perda se transforma em incessante aflição e maior tormento.

"A saúde, a seu turno, é oportunidade de evolução e de responsabilidade para com

a vida.

"Buscai antes o amor e fazei todo o bem possível, para vos conservardes em paz. O

amor é a candeia acesa e o bem o combustível que a mantém.

"Pacificai-vos para que vos conduzais em espírito de sabedoria, fazendo longos e

proveitosos os vossos dias de júbilo na Terra e felizes, mais tarde, nos Céus."

Clara manhã. Sua presença apagava a noite sugando-a com beijos de luminosidade

libertadora. E por onde andava, lá estava a multidão aflita e Êle prosseguia

disseminando a saúde, por ser o Excelente Mensageiro da Vida.

* * *

Ao longe o sol declinava, caindo além dos montes, adornando a paisagem de ouro

fulgurante no ar, e todos, tocados pela Sua misericórdia, os antes aflitos,

debandaram na direção do lar, deixando a meditar, em profundo recolhimento sob o

fulgor das primeiras estrelas, o Filho do Altíssimo...

(*) Lucas 5:40-41.

Nota da Autora espiritual.

48

12 - EPHPHATHA — ABRE-TE!

Ecoava pelas serranias a bênção da cura produzida na mulher cananéia, qual raio de

inesperada luz que atingisse demorada noite que dominava os habitantes de Tiro.

Face ao inusitado fenômeno, uma compreensão nova começou a dilatar o

entendimento daquelas gentes ante o fato irretorquível da divina interferência, que a

todos comovera.

Era, porém, mister que Êle conduzisse a mensagem por toda parte, pois que para

isso viera.

Deixou, portanto, as alturas da montanha e começou a descer, buscando as

paisagens queridas do Lago como para refazer-se das demoradas fadigas.

Na longa jornada fruíra com os amigos a necessária comunhão com o Alto. Todavia,

deveria prosseguir no ministério sublime da sementeira da esperança.

Os tecidos gastos que se refaziam ao contato das Suas mãos voltariam a

disjuntar-se, pois que todos os homens marcham inexoravelmente para o túmulo.

Por mais longos e demorados sejam os dias do ser na Terra, cada etapa

reencarnatória é sempre breve período que faculta aprendizagem mas não realiza

todo o trabalho de sublimação num só lance. Imprescindível, portanto, conceder aos

homens os instrumentos de libertação definitiva das amarras infelizes para facultar a

ascensão dos candidatos em experiências necessárias quão dolorosas.

Por essa razão, a palavra de vida tinha regime de urgência, por transformar-se em

fonte de incomparáveis benefícios, de cujas consequências o homem galgaria os

degraus superiores, na busca da felicidade e da paz.

Vivendo entre os homens permitia-se o Mestre sentimentos que O nivelavam aos

companheiros, de modo a fazer-se um igual, conquanto a Sua elevação incomparável

de Sublime Guia e Benfeitor de todos.

Cercava-se dos amigos e ofertava-lhes os tesouros incalculáveis da esperança na

Vida Espiritual, lenindo-lhes todas as aflições e enxugando-lhes os suores pesados

com o lenço da ternura e os panos da amizade pura.

Atendia às rogativas das mães aflitas ante os esquifes dos filhos adormecidos em

catalepsia profunda; auscultava os sentimentos de dor e de angústia, tentando

diminuir a mágoa e o medo; acudia à solicitação infantil; dialogava com os

comensais da usura e da delação observando-lhes os abismos íntimos entulhados de

treva; remendava corpos dilacerados, abrindo olhos e ouvidos, desvinculando das

criaturas os espíritos imundos, mas tudo isto não era o essencial...

49

Sua compaixão socorria, consoladora, as mazelas humanas a fim de sustentar os

lutadores e aflitos, não obstante, cuidasse de que cada um dos beneficiados não

voltasse aos erros, de modo a se defenderem de males muito maiores.

Penetrar nas paisagens das almas e clarificá-las; arrancá-las do potro do ódio e

das algemas do orgulho; quebrar todos os grilhões com o pretérito culposo e fazer

brilhar a luz da confiança nova — eis o ministério maior a que Êle dava o seu mais

expressivo carinho, albergando nos horizontes infinitos do Seu verbo de luz as

Humanidades dos tempos porvindouros...

Os homens, porém, mergulhados no corpo de névoa, esquecidos das visões

santificantes das Esferas Espirituais, atormentam-se e debatem-se pela conquista do

maravilhoso, do deslumbrante, a fim de poderem avançar embora claudicantes, no

rumo da legítima aspiração.

E por isso, o Mestre socorria as necessidades das multidões que O seguiam e

buscavam ávidas de novos milagres...

Além do Lago estavam as terras da Gaulonítida e da Decápole, coroando os montes

rasgados abruptamente sobre as águas...

Aqueles sítios que se caracterizavam pelo orgulho da cultura helenista e eram

irrigados pelo politeísmo recusavam tudo que procedia de Israel, em velhas e

demoradas rixas, particularmente quando originados da Galiléia, que eram terras de

pastores, pescadores, lavradores, gentes simples e humildes...

O Mestre, todavia, experimentava a necessidade de levar a todas as terras ao

alcance das Suas jornadas o verbo divino e reconfortante.

Como, porém, as notícias dos Seus prodígios já atingissem aquelas regiões,

aglomeraram-se curiosos que O identificaram e de inopino uma multidão se adensou à

Sua volta.

Como as enfermidades são a resultante dos desregramentos humanos e estes se

encontrem por toda parte, ali, diante das mãos, os limitados e infelizes formavam

compacto grupo, ansioso, cheio de esperanças...

Nas suas almas as interrogações íntimas inquiriam quanto às possibilidades do

Galileu e cantando expectativas acercavam-se ávidos, buscando o aguardado milagre

libertador de fora, pois o verdadeiro fenômeno da libertação que procede de dentro

sempre fica à margem do interesse coletivo.

Diante d'Êle exaltam-se os desejos superiores. A Sua paz irradiante transforma-se

nos que O cercam em festa de alegria e a Sua luz ignota penetra dulcificando, de

modo a que singular e insólita serenidade de todos se aposse, tranqüilizante.

Nesse clima que visita aqueles que ali ora O recebem, alguém, em nome do desejo

de todos, antes de qualquer delonga, antecipando a que os Seus lábios entoem o hino

do despertamento de consciências, toma de um atormentado, de todos conhecido,

um surdo e gago, e apresenta-o a Êle, rogando, em dúvida, Sua intervenção. (*)

50

O homem que personifica a representação das chagas humanas de todos os tempos

deseja e duvida, anseia e teme, quer e não compreende, deixando-se arrastar

inerme pela curiosidade geral.

Comovido ante o paciente irresponsável, cobaia ignorante da mole humana, que testa

a Sua grandeza e o Seu poder, toma-o pela mão e afasta-se...

O homem segue-O tocado pelo estranho magnetismo que se irradia do Mestre.

Sente-se como jamais outrora experimentara sensação igual, e acompanha quase

em júbilo o incomparável Estranho, entregando-se-Lhe tranqüilamente, agora em

totalidade de confiança.

. . . A sós, o Amigo ergue os olhos aos Céus, põe os seus dedos nos ouvidos do

enfermo e toca-lhe a língua.

Ephphatha — diz o Rabi — Abre-te!

Desconhecida energia vitaliza aquele ser alquebrado, vencido, e êle brilha pelos olhos

em fulguração de felicidade.

Fala, ouve e toda uma sinfonia canta no seu espírito, fazendo-o vibrar.

— Não o digas a ninguém, — ordena o Médico Divino.

... Mas o homem, dali saindo, narra aos ouvintes deslumbrados a cura de que fora

objeto.

* * *

Considerando a moderna fenomenologia mediúnica — antiga na forma, pois que de

todos os tempos, e hodierna pelos ensinamentos por ela hauridos — os mesmos

interesses perturbam as atuais multidões como no passado àquelas que

acompanhavam Jesus.

E ainda hoje, conquanto ouçam a Verdade, demoram-se de entendimento tardo,

quais se fossem surdos e embora falem, gaguejam diante dos compromissos

superiores, demorando lamentavelmente na mesma odienta pachorra a que se

acostumaram, rogando, porém, novidades, o sobrenatural, o maravilhoso, para

prosseguirem no reino encantado da ilusão.

... E Êle erguendo os olhos proferiu: Ephphata!

O surdo e gago, reconhecido, saiu a narrar o de que fora instrumento, iniciando

de logo a própria, indispensável renovação.

(*) Marcos 7:31 a 37.

Nota da Autora espiritual.

51

13 - ATIRE A PRIMEIRA PEDRA

Apedrejar!

Transcorreram as Festas dos Tabernáculos e as gentes retornavam às cidades,

aos povoados, aos campos, às atividades diárias. Aqueles dias foram de júbilos e

exaltação nos quais a alma de Israel se rejuvenescera, tomada do entusiasmo festivo

que irrompera em Jerusalém naquela ocasião. As comemorações evocativas dos

dias passados, no deserto, sob tendas, após a saída do Egito, significavam a vitória

do povo sobre o estigma do cativeiro e das rudes provações.

Aquela fora uma ceifa dadivosa.

Os peregrinos vinham de toda parte confundir os seres nos sorrisos generalizados

e a capital se transformava na Casa de todos.

Naqueles dias de outubro já se conhecia a estranha e poderosa voz do Cantor

Diferente, delimitando as novas fronteiras do Reino de Deus. As multidões

esfaimadas ouviam aquela Palavra e se entusiasmavam, acompanhando o singular

Peregrino.

A fome de pão se misturava à necessidade da paz, e as massas angustiadas,

especialmente naquele período, aguardavam o Messias. Havia sinais comprobatórios

da Sua vinda. Muitos foram, pressurosos, à "Casa da Passagem" para escutar, na

vau do Jordão, o Batista. Êle, no entanto, afirmara e todos repetiam: — Eu sou

apenas o preparador dos caminhos, para Êle passar.. . aquele que segue primeiro,

à frente, endireitando a passagem...

E de fato, êle passara deixando um apelo veemente para a consciência dos homens:

o do arrependimento de todos os erros, com o conseqüente nascimento do homem

novo sobre os escombros do homem velho.

Herodes, ao decapitá-lo, penetrou em funda amargura, no entanto, o povo que lhe

conhecia a vida atribulada e a conduta adulterina comentava, mordaz, sobre as

consequências do seu crime e os lastimáveis resultados que adviriam no futuro.

A Voz, porém, se fizera mais forte, surpreendentemente, após ti morte de João.

Paralíticos e cegos, leprosos e meretrizes, pescadores e a grande plebe a ouviam...

Homens representativos dentre os doutores e os levitas a escutavam e conquanto se

ressentissem das duras verdades que ela enunciava, não conseguiam condições para

silenciá-la, reconhecendo-a autêntica.

Expectativas felizes pareciam dominar todo o Israel e os sonhos de liberdade

longamente acalentados voltavam a interessar as paixões dos sôfregos corações

humanos.

52

Preconizava um Reino e ensinava onde repousavam as suas primeiras balizas, já

fincadas no solo dos espíritos. Todavia, quando se fitavam os olhos transparentes

Daquele que projetava a voz da esperança se identificavam neles a melancolia e a

poesia latentes que esparziam em farta messe.

Êle viera a Jerusalém para participar das Festas, conhecer o povo mais

intimamente, nas explosões coletivas, nas exaltações generalizadas. Muitos O

viram e O escutaram antes, provocando que as notícias da Sua presença

comunicasse intensas emoções no povo e nos encarregados da Lei e da Religião.

Onde surgia todos O buscavam. . .

Êle estava próximo à porta Nicanor, do lado leste do Templo, chegando pelo

caminho do Monte das Oliveiras, acompanhado dos discípulos.

Narra João, com emotividade e linguagem sucinta :

"Os Escribas e os Fariseus trouxeram uma mulher que fora surpreendida em adultério

e a apresentaram dizendo: Mestre, esta mulher foi apanhada em adultério. Moisés

manda que se lapidem tais mulheres pelo apedrejamento. Tu, pois, que dizes?" (*)

Êle olhou de relance a mulher ultrajada e se abaixou, sensibilizado, e com o dedo

começou a traçar garatujas no solo. (1)

A interrogação se demorava no ar, sem resposta.

Êle era o Embaixador da Verdade, porém o Príncipe representativo da Paz e do

Amor. Moisés significava a aspereza literal da Lei fria e dura. Roma retirara de

Israel o direito sobre a vida dos seus filhos. Ninguém, senão o Imperador ou seus

Representantes, poderia dispor da vida de qualquer pessoa.

O adultério era condenado pelo Decálogo de forma irreversível. Outras mulheres

ali foram trazidas "pela gola dos vestidos" e apedrejadas, até consideradas mortas,

noutros tempos...

Sua resposta, de qualquer natureza, criaria dificuldades.

Com as Festas havia nos corações uma cantilena de tolerância e benignidade, uma

quase tendência ao perdão por parte do povo. Perdoá-la, no entanto, não seria

conivir com o adultério, oferecendo o estímulo da aceitação tácita do nefasto crime?

— "Tu que dizes?"

Havia ali corações em febre de desejos irreprimíveis, devastadores.

As mulheres caem porque encontram alçapões disfarçados no solo das ansiedades,

nos quais são atiradas pela volúpia de homens que as hipnotizam com desejos

infrenes. Atrás de cada organização feminina violada, há um companheiro oculto.

53

Em cada adúltera se esconde um adúltero, comparsa do mesmo erro. Onde estaria

aquele que a infelicitou, explorando a sua fraqueza e a abandonando?

A mulher, não obstante desvalorizada, não representava qualquer significação antes

d'Êle. Só depois, quando Êle a ergueu do nada em que se encontrava é que passou

a ocupar o devido lugar de rainha e santa no altar do amor dos corações...

— "Tu que dizes?"

Êle não a fitou certamente para poupá-la da transparência da Sua visão.

"Aquele que dentre vós estiver sem erro, atire-lhe a primeira pedra..."

A frase Lhe fluiu dos lábios lentamente, com segurança, nitidez, serenidade.

Continuou a escrever no chão. "Atire-lhe a primeira pedra." A pedrada!

Mas todos ali estavam mergulhados em erros, laborando em terreno infeliz de

preconceitos violados, de legislação desrespeitada, de ultrajes ocultos, de crimes

que a consciência temia enfrentar direta-mente.

Os que estivessem isentos de erros!.. . Quem estaria nessa condição?

A exuberância da luz solar incide sobre as personagens da cena que marcaria

História na História...

"Em silêncio os circunstantes se afastaram, um a um a começar dos mais velhos a

terminar pelos mais novos, ficando Jesus e a mulher."

Sim, os mais velhos trazem maior soma de empeços e problemas, remorsos e

azedumes.. .

É fácil esmagar e exigir quando não se olha interiormente as paisagens do espírito.

Adúlteras, porque há adúlteros que as malsinam.

O silêncio dominou o local em que se encontravam.

Só então Êle se levantou outra vez.

Fitando-a, agora, com doçura e compreendendo o seu drama íntimo, revisando

aqueles dias passados, que foram de dissipações, falou, em melodia de ternura e

disciplina:

"Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou? Nem eu tão pouco te condeno:

vai e não tornes a pecar!

54

A autoridade do Rabi penetra o espírito da mulher infeliz e repudiada, e harmoniza o

país da sua alma em guerra. Antes do erro quanta indecisão e incerteza, quanta

frustração e receio atormentaram aquele ser!

Quanto flagelo interior experimenta todo aquele que se entrega ao erro, ao pecado!

"Não tornes a pecar!"

Todo o Evangelho se assenta nessa base: da compaixão e da misericórdia.

Ter oportunidade nova mas não repetir o erro.

Cair e levantar-se.

Equivocar-se e retificar a atitude.

Nem conivência com a irresponsabilidade nem dureza com a correção.

Todos se podem enganar, no entanto, perseverar no engano é acumpliciamento com a

ignorância e a leviandade.

O Reino de Deus, cantado por Jesus, é o amor em todas as latitudes e dimensões a

alongar-se pela Terra inteira numa explosão de misericórdia e educação.

"Não tornes a pecar."

"Isento de erro."

Apedrejar a própria consciência, lapidando-a, aprimorando o espírito para galgar

maior expressão de paz e ventura.

— ... "Atire a primeira pedra!"

(*) João 8: 1 a 11.

(1) Narram diversos intérpretes deste texto, que escrevendo no chão, o Senhor grafava

a marca moral do erro de cada um, que O observava fazendo que recordasse sua própria

imperfeição. Por exemplo: ladrão, adúltero caluniador...

Notas da autora espiritual.

55

14 - ORDENA, SOMENTE

Os aquinhoados com a farta messe esparzida no Monte, há poucos dias, divulgam as

lições que escutaram da boca do nobre Rabi.

Pastores e mulheres humildes, agricultores dos platôs e das encostas de vinhedos,

das margens do lago, das férteis planícies e do vale do Jordão, pescadores do maramigo

e homens dalém, que ali se encontravam, fizeram-se naturais mensageiros das

promessas de ventura com que foram aquinhoados e das bases seguras do novo

Reino, de que Êle se fazia o Messias Divino.

As boas novas se desdobravam confortadoras, e magotes de sofredores acorriam de

toda parte para O ouvirem e receberem das Suas mãos as migalhas de luz e as

sementes da saúde que os sustentaria por muitos anos a-fio.

As dádivas de amor caíam nos corações como bagas de orvalho precioso após noite

abafada, em madrugada refazente.

Multidões O acompanhavam sensibilizadas, formando expressivos grupos, jubilosos

após estarem com Êle.

Êle, no entanto, não se alterava, permanecendo amigo, mas inatingível.

* * *

O dia estuava de luz de ouro, quando Êle chegou a Cafarnaum.

Amava aquela cidade onde a ternura dos corações singelos davam mostras de amor

puro. Ali se refugiaria muitas vezes, encontrando a família ampliada na devoção das

almas singelas que O cercavam de carinho.

Uma delegação de Judeus respeitáveis, os anciães da cidade, aproximaram-se e

Lhe disseram:

— Senhor, o servo do centurião está enfermo e parece que sucumbirá se providência

divina não o amparar... (*)

"Sabemos que podes fazer quanto queiras e te pedimos ir à sua casa para

recuperares o seu servidor, a quem êle muito ama.

"Este é um bom centurião. Autoridade de respeito, não judeu, é "temente a Deus" e

ajudou-nos, inclusive, a levantar a nossa Sinagoga.

"É amado por nossa gente. . . Nós te rogamos, Senhor!"

O olhar lúcido e transparente de Jesus derrama claridade envolvente sobre aqueles

homens confiantes que O buscam.

Sim, já ouvira falar daquele Centurião. Homem justo sabia distribuir as leis do

Império de que se fazia representante e a vara da videira que ostentava —

56

símbolo da sua autoridade — nunca fora deslustrada por um mal proceder, no posto

militar que ocupava com zelo e dedicação.

Passados alguns momentos de silêncio, em que o Mestre auscultava no recôndito

do Seu ser o problema que se Lhe apresentam, concorda:

— Sim, irei até lá.

O grupo que O cerca se entreolha com espontâneo contentamento e põe-se em

marcha.

Há uma envolvente melodia no ar. É primavera, e a música do vento perfumado traz o

acre-doce odor das algas espalhadas nas praias imensas. . .

Os centuriões estarão mais de uma vez nos fastos da Boa Nova.

Após a crucificação, um deles, emocionado e convicto, confessou sem receios:

"Com efeito, Êle era o filho de Deus!" Soldado rude que presenciara repetidas

cenas daquelas não se pôde furtar à apreciação do acontecimento nem conseguiu

evadir-se ao contágio do Inconsumpto Amigo.

Tempos depois, Lucas anotará, nos Atos dos Apóstolos, a conversão do nobre

Cornélio e dedicará emocionantes relatos à sua visão e ao seu encontro com

Pedro. Mais tarde, quando Paulo é preso marchando para o martírio em Roma,

sensibiliza Júlio, o centurião que comanda a hoste que o conduz, tornando-se seu

amigo.. .

A esperança da liberdade incondicional alcança aqueles que no clima da força,

impondo a dominação com o carro da guerra e com as armas da morte, sentem a

asfixia do desespero e buscam a paz. . .

Penetra-lhes o odor da sublime paixão e renovam-se na atmosfera santificante do

amor do Cristo.

Aquela Presença nunca ausente anestesia as paixões, produz alvorada estranha,

grandiosa, nalma.

* * *

Nova embaixada chega aos passos do Mestre antes que Êle alcance a vila do

apelante afervorado.

— Não é necessário que te incomodes em ir até a sua casa — mandou-te dizer

o centurião. . .

E após uma pausa, aclararam:

57

— Paulus reconhece a sua miserabilidade... A sua casa não é digna de Ti. Êle

informa que é pecador e não se atreve a ter-Te nas sombras do seu reduto, a Ti

que és o Sol do Meio-Dia. . .

Resfolegam, ansiosos os intermediários, para concluírem:

Êle é militar: comanda e é também comandado. Dirige mas é subordinado;

conhece de hierarquia. . . Êle diz ao seu subalterno: — "Vai ali!, êle vai; — Vem

aqui!, êle vem; — Vai acolá!, e êle atende. —" Ora. Rabi, se Tu ordenares aos

Teus subalternos eles farão a Tua vontade, como os seus fazem as dele...

A emoção trabalha o grupo colhido de surpresa. Comumente os homens desejam

ver para crer e vendo não crêem; pedem para ouvir a fim de entenderem e

escutando não compreendem; fatos e demonstrações exigem as grandes maiorias e

após tê-los perdem-se no emaranhado das justificações inqualificáveis, das

suspeitas calamitosas...

Há um silêncio que fala nos olhos e pelas bocas cerradas.

— Nunca vi tão grande fé em Israel.. ..

A fase modulada com inflexão formosa nos Seus lábios é uma exaltação ao

estrangeiro e uma discreta censura aos eleitos.

Tão grande fé e tão elevada consideração!

— Ide, voltai, dizei que eu quero que o seu servo sare, retome a saúde! Meus

servidores já seguiram à frente: foram atender minha vontade. Dizei-lhe. ..

As duas embaixadas levantaram o pó do caminho, no rumo da vivenda do Chefe da

Centúria, apressadamente.

— Quero! Ordeno!

O desejo continuava vibrando na acústica do momento.

Ainda não alcançaram o domicílio do romano e o ruído dos júbilos dizia à distância

que o enfermo sarara e a felicidade retornara ao seu amo.

Todos aqueles que o viram, há pouco, a morrer, sorriem. . . e temem. Estava quase

morto — agora vive!

— Eu sabia que bastaria que Êle ordenasse — repetia Paulus, comovido e

confiante. Eu cria. . . Eu creio...

* * *

A quais servos se referira Paulus? — interrogou Simão ao anoitecer daquele dia,

sob a argêntea gaze do luar e o marulhar das ondas arrebentando

espumas na praia.

58

Não sabes que sou Rei? Não tenho falado do Reino do Amor? Os meus servos são

aqueles que fazem a vontade do meu Pai e referendam, atendendo, a minha

vontade, seguindo minhas ordens.

Simão o fitou, cenho carregado, interrogativo.

E para que o esclarecimento se fizesse inolvidável, o Mestre arrematou:

— Convoquei-te a pescar homens nas águas do mundo Simão faz pouco...

Esta é a minha vontade... Serás, também, logo mais, meu servo e, assim,

recolherás aqueles que como Paulus estiverem soçobrando em águas torvas e

agitadas. Far-me-ás a vontade: pescarás homens!

Simão compreendera. O rosto largo, requeimado, se abriu com ingênua alegria.

Nas sombras espessas sorriem estrelas — divinos diamantes em fulguração no

veludo da noite — e o grande silêncio repete a palavra de ordem:

— Quero! Nunca vi igual à deste homem uma fé como esta em Israel.

O Reino se perdia já nas fronteiras indimensionais do infinito, começando a recolher

os seus primeiros súditos, vassalos da felicidade, fora de Israel.

(*) Lucas 7: 1 a 10 Mateus 8: 5 a 13

Nota da Autora espiritual.

59

15 - SEGUIR JESUS

Aqueles eram dias de intenso júbilo. Bênçãos de esperanças várias caíam abundantes

sobre aqueles corações.

O Grupo crescia consideravelmente. Mulheres abnegadas desdobravam cuidados,

homens diligentes formulavam planos e jovens fascinados pelas notícias

comovedoras deixavam-se arrastar pelas expectativas enobrecedoras dos dias do

futuro.

As jornadas se faziam entre alegres promessas de êxito, em emocionantes

realizações.

Para trás ficavam os receios e as inquietações. Não obstante as intrigas políticas, os

ciúmes religiosos, as problemáticas de cada espírito, uma harmonia generalizada

identificava os espíritos reunidos em torno do Rabi arrebatador.

As Suas lições eram recebidas como concessões divinas que penetravam o âmago dos

sentimentos e descortinavam panoramas dantes jamais sonhados.

Quando marchavam pelos imensos caminhos na sementeira do amor, o ritmo de todos

formava uma cantilena tocante que parecia ressoar além dos limites da terra que

lhes era cara. Sentiam-se dominados por estranho e singular entusiasmo. A

Presença dava-lhes desconhecido poder e todos pareciam dispostos a qualquer

trabalho, a indistinta batalha que estrugisse nos diversos sítios.

Em conversas íntimas discutiam as razões porque os dominava o estranho

magnetismo do Mestre. Conquanto o Seu amor constante e a ternura com que os

recebia, não poucas vezes revelava-se austero, enérgico. Era um Comandante que os

conduzia com segurança, assumindo responsabilidade por todos os atos. Jamais

negaceava a Verdade e nunca deixava perder a oportunidade de ensinar com a

altissonante linguagem do exemplo.

Era, pois, uma perene primavera de emoções a Sua Presença, a Sua

mensagem...

* * *

Caminhavam, e havia música leve no ar, ciciada pela ramagem do arvoredo

suavemente sacudido pelo vento passante.

— Mestre, — disse um deles, e a voz se embargou pela emoção que lhe estrugia no

peito — eu seguirei contigo aonde quer que fores.. . (*)

Houve um "stacatto".

O envolvente olhar do Senhor caiu-lhe, enquanto respondia, e êle se fêz ainda

mais comovido.

"As raposas têm covis e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do Homem

não tem onde reclinar a cabeça..."

60

O silêncio se fêz espontâneo.

Seguir Jesus.. .

Bandoleiros dormem em palácios e meretrizes se prostram sobre leitos de marfim e

mogno, acolchoados de veludos e sedas...

Saltimbancos se fazem onzenários e mentirosos triunfam na abastança.

Homicidas amparados pela habilidade de juizes e advogados infiéis à Justiça

erguem opulentos apartamentos para o repouso, e "cabos de guerra" condecorados

pelo sangue dos irmãos conseguem monumentais residências para viver.

A astúcia consegue o poder e a impiedade produz a dominação...

... O Filho do Homem não tem uma pedra para reclinar a cabeça.

Sua é a Casa Universal: ilimitada, indimensional.

Segui-Lo é renunciar às vãs ambições da posse, das quiméricas aquisições que não

transpõem o túmulo. Permutar os limites do que se toca pelo horizonte sem-fim das

realizações espirituais.

É ter sem deter.

Possuindo sem dominar.

Ter os céus como teto, num zimbório brochado de estrelas como gemas engastadas

num dossel de insuperável beleza.

Não ter nada e tudo possuir. Sem amanhã, num perene hoje a perder-se na

verticalidade do amor._

— "Seguir-te-ei onde quer que fores", — dissera o discípulo.

Ignorava, porém, que o termo terreno para Êle era uma cruz de hediondo horror,

que se transformaria depois em florescente caminho de esperanças para os

caminhantes do futuro.

Como a jornada se aureolava de sol e o cântico da Natureza enchia de modulações o

dia, um outro acercou-se do Mestre e tomado de singular entusiasmo, após o silêncio

extenuante que se fizera, abordou:

— Sim, seguirei contigo, — sorriu algo encabulado e ao mesmo tempo jubiloso. — Mas,

deixa-me primeiro sepultar o meu pai, que está morto.

Morte e vida.

Morrer é começar a viver e não raro viver é mergulhar nas sombras da morte...

Havia um cadáver à sua espera e a vida o chamava à ação.

61

O corpo querido que fora progênie do seu corpo, agora em jornada de desagregação

molecular e aquele espírito igualmente amado, que o convocava para a perene

imortalidade.

O Mestre estugou o passo e fitou-o.

O olhar transparente, desnudando o neófito, reconfortava-o. Um oceano de paz em

duas bagas de visão clarificadora.

"Deixa aos mortos — falou Êle com nobre energia — o cuidado de enterrar

os seus mortos."

Começou a reflexionar enquanto O seguia. Muitos se afadigam pelas coisas mortas.

Os corpos estão vibrando mas são a morte, pois que passam. Carga para a marcha

da evolução, projetam sombra e ensejam luz enquanto avançam. Depois . . . Há tantos

agregados às sombras, aos interesses escusos: que estes sepultem os mortos!

Vivos para a Verdade. Mortos para a Vida.

Para viver era-lhe necessário trocar a pesada canga da ambição e da limitação do

corpo para fruir as legítimas aspirações do ser.

— Deixai aos mortos.. .

* * *

A cidade está à vista.

O grupo exulta de raro contentamento.

Novas experiências e novas lições são prenunciadas.

O Mestre exultante avança e outro, quase tímido, fala, resfolegante:

— Também eu seguirei contigo. Permite-me, porém, que me vá despedir dos

meus familiares.

Foi repentino. As palavras bordavam os lábios do Senhor como flores sublimes

desabrochando em gleba rica e risonha.

— "Aquele que toma da charrua — Êle falou docemente — e olha para trás

não é digno do Reino dos Céus..."

O campo aí está eriçado de abrolhos e rico de dificuldades esperando os instrumentos

que lhe revolvam os empeços e os afastem.

A terra dos corações se apresenta vencida pela erva daninha da má vontade e do

pessimismo.

62

O agricultor que sulca o solo e o deixa, fita-lo-á mais tarde infelicitado pela invasão de

maior quantidade de plantas perniciosas. Os sulcos ressecam ao sol ou se

transformam em pântano sob chuva, ao abandono...

Tomar a charrua e avançar.

Indecisão é insegurança.

Medo significa ignorância.

Timidez representa experiência em começo.

Dubiedade traduz pusilanimidade.

Decisão firme e marcha segura no bem é manifestação de espírito que se encontrou

a si mesmo e sabe o que deseja, como quer e para que quer: não olha para trás!

— Seguirei contigo Mestre — disseram todos.

Apresentavam, porém, condicionais, justificavam indecisões.

Até hoje, há os que pretendem seguir Jesus.

Avancemos, porém, seguindo além do pretender. Sigamos já.

(*) Mateus: 8-19 a 22

Lucas: 9-57 a 62

Notas da Autora espiritual.

63

16 - O ESPERADO

A manhã esplendia em júbilos. Havia um festival de sol, côr e música em a

natureza. Pairava no leve ar do alvorecer o suave perfume das flores miúdas

encravadas nas íngremes encostas do monte.

Há poucos minutos eles tiveram ali a visão excelsa e o contato com o Mundo

Transcendente.

Seu Rabi apresentara-se rutilante ao lado dos pais da raça. Na grandeza

eloqüente da cena, a figura do Mestre se apresentara revestida de incomparável

beleza. Nunca antes Êle se reportara às Suas reais possibilidades...

Apagava-se na multidão, embora o destaque natural que O elevava além e acima de

todos.

Já afirmara as Suas qualidades de Esperado, todavia, como crê-lo ou como duvidálo?!

Os Seus atos atestavam a elevação e procedência da estirpe a que pertencia.

..Israel, no entanto, apresentava profetas e emissários de Deus, freqüentemente,

e muitos deles não passavam de possessos ou desequilibrados que o ridículo

enxotava das portas.

Onde, porém, n'Êle as características habituais do profeta clássico? Nem o olhar

injetado, nem a boca contraída em ricto, nem cólera divina a extravasar na palavra

sibilina e dura. Nem ameaças, nem premonições.

Falava docemente, emoldurando seus conceitos com as palavras simples de todas

as bocas, faladas pela singeleza do povo, por todos entendidas.

Ensinava o amor como solução única para os graves problemas e isto O fazia

diferente. Perseguido, e não poucas vezes humilhado, prosseguia dócil. Nunca

arrazoava contra e jamais se inquietava com as misérias dos homens. Misturava-se

à turba e nunca se igualava...

Era comum e, no entanto, era especial.

Não amado ou não compreendido, continuava impertérrito no ministério do Seu amor,

lecionando bondade e aguardando os resultados que comprovassem nos ouvintes a

excelência das suas assertivas.

Compreendiam-n'0 agora e estavam deslumbrados. Suas carnes ainda estremeciam

ante o impacto da emoção que os assaltara no colóquio da transfiguração que

acabaram de ver.

Desciam a montanha e a música do ar cantava uma balada agradável aos seus

ouvidos como a fixar-lhes na memória todas as realidades daquele momento. _

* * *

64

— Não digais nada a ninguém — falou, inesperadamente o Senhor — do que

acabais de presenciar, até que eu haja partido e ressurja dentre os mortos (*)

Não era a primeira vez que Êle se referia à partida e acenava com o próprio sacrifício

para a consolidação dos Seus ensinos, e a informação lhes soava amarga,

afligente... Preocupavam-se, pois que O amavam. O testemunho dado por Êle, por

outro lado, exigir-lhes-ia igualmente o atestado de fidelidade, e receavam não estar

preparados...

— Rabi, não será necessário, — disse Simão, — que venha primeiro Elias, conforme

ensinam os escribas, para que depois venha o Messias?

A interrogação que mentalizavam de há algum tempo, escorrera-lhe dos lábios

naturalmente, naquele momento.

Elias fazia parte da vida espiritual de Israel.

Sua voz penetrava através dos tempos a alma do povo eleito. Aquele verbo flamívono

chibateara a idolatria no passado e a sua eloqüência, inspirada por Deus, fizera-o

anunciar o Esperado libertador, que um dia faria de Israel o povo superior da

Terra.

Previra, também, o seu próprio retorno para apontar Aquele que seria o Embaixador

Excelso de Deus. Esperava-se que Êle chegasse, fazia muito, mas Elias não

retornara...

Todos recordavam as batalhas travadas contra os adoradores de Baal, nas margens

do rio Kinzon, implantando no seio dos bárbaros "o culto do Deus Único". Elias, era,

pois, o ponto de partida, a chave decifradora do grande enigma.

— "Sim, — respondeu Êle de olhar fulgurante — o Elias que havia de vir já

veio, mas não o reconheceram, fazendo-o experimentar tudo quanto quiseram .. .

Assim, também, padecerá o Filho do Homem ..."

Repassaram mentalmente os últimos acontecimentos, os homens ilustres da Pátria,

mas não o identificavam.

Amargavam duro cativeiro nas garras romanas e a miséria lhes rondava as portas.

Havia rebeliões afogadas em sangue e os espiões do dominador, aliciados a peso de

ouro, estavam presentes em toda parte.

Por que não se escutava o Profeta invectivando, encorajando o' povo a arrojar dos

ombros ao solo os pesados grilhões da escravidão? Necessitavam de quem os

liderasse. . .

Enquanto conjecturavam, na mesma harmoniosa voz, Êle concluiu:

65

— " É este que aí está..."

Compreenderam que Êle se referira a João Batista.

Sim, João morrera, havia pouco, fora assassinado por Herodes e um manto de

torpe tristeza ainda os envolvia, dominando os discípulos do Batista, agora

dispersos.

Sim, êle bradara contra o crime e proclamara a chegada daquele de Quem êle não

era digno de sacudir o pó das sandálias.

Fora sacrificado por não concordar com as altas arbitrariedades praticadas por

Herodes em pleno concubinato com a cunhada. Sua voz se erguera, vigorosa, contra

o abuso do poder e anunciava a nova era.

Recorria à penitência, ao arrependimento, elucidando chegados os dias do Senhor..

... E era Elias!

Não havia dúvidas, agora que foram informados.

Por essa razão, Elias reaparecera na visão de há pouco, em toda a sua

grandeza.

João morto ressurgia em Elias espiritual, vivo.

Decifravam-se os enigmas e tornava-se mais fácil entender os desígnios do Alto.

Êle era sem dúvida, na sua magnitude, o Esperado.

Fitaram-n'0 quase a mêdo, e ante o olhar fulgurante de Jesus, a refletir a manhã

clara, descendo a montanha do colóquio com a verdade, na direção dos homens, havia

tal tranqüilidade que eles se entreolharam em júbilos e seguiram para baixo, para as

lutas humanas retendo aqueles segredos até a hora própria de desvelá-los.

Elias chegara e partira. . .

Começava, agora, o Reino de Jesus, em sementes de luz e amor atiradas na

direção do mundo todo e da Humanidade inteira.

A sinfonia da Boa Nova cantaria nos ouvidos do coração uma sonata de vida

eterna.

A manhã continuava esplendente e Jesus descia para aplacar as aflições humanas

nas baixadas das paixões...

(*) Mateus: 17: 9 a 13

Nota da Autora espiritual.

66

17 - SEMEADORES GALILEUS

Aqueles eram sítios muito amados...

Buscara-os repetidamente para fruir a ternura do povo simples, acostumado ao

pálio da esperança e sonhador ante as perspectivas de felicidade. Sofridos pela

constrição contínua de fatores poderosos, cujas causas e razões lhes escapavam às

mentes pouco afeitas a raciocínios mais profundos, refugiavam-se aquelas criaturas à

sombra do amor, tornando-se afáveis e meigas. A generosidade que lhes era

peculiar de todos se fazia conhecida. Ajudavam-se no infortúnio, sustentando-se uns

aos outros nas dificuldades e compartiam os júbilos que os renovavam para

prosseguir otimistas, conquanto as contínuas aflições, que não raro os

surpreendiam.

As paisagens verdejantes em que as latadas floridas se destacavam exuberantes,

falavam da fertilidade da terra, defendida pelas encostas dos outeiros e da

cordilheira altaneira que vigiava do alto o horizonte visual sem fim...

Seus diálogos com os habitantes da Região eram feitos de delicada ternura e

enriquecidos de promessas de ventura.

Ali, amavam-No todas as pessoas e desde as ressurreições de Lázaro, do filho da

viúva de Naim mais se tornara valioso para todos o intercâmbio com aquele

ameno Rabi.

Diferente de todos os que antes d'Êle passaram por aquelas plagas convidando ao

Tora e à Vida, Êle assumia crescentes proporções sempre que considerado por

quantos O conheciam.

N'Êle havia inexplicável magia que comunicava paz, e, à Sua volta, ondas de júbilos

explodiam na multidão, mesmo quando nada dizia. Os Seus silêncios, nas pausas

naturais das palestras que proferia, revestiam-se de poderosa emanação de

segurança interior, que igualmente impregnava os que O seguiam.

Nenhum semelhante ou jamais igual a Êle passara por Israel.

Incontestavelmente era o Enviado, o Libertador. ..

* * *

As convulsões festivas dos últimos dias, a ignominiosa tragédia da cruz e as notícias

desconcertantes afetavam-nos vigorosamente.

Após a entrada gloriosa — e durante ela, não obstante a exaltação geral, Êle se

apresentava triste, no animal que O conduzia, ao espoucar das emoções festivas —

tudo se sombreara intempestivamente.

67

Nas informações retalhadas, em forma de comentários vexatórios, soubera-se da

Sua prisão e logo do julgamento absurdo, que redundara na inqualificável

crucificação...

A deserção dos amigos, a galhofa de que fora vitima pelos Seus beneficiários, o

supremo abandono, a morte eram referências pronunciadas em voz dorida,

recordando agonias que supliciavam todos com o acido dos remorsos.

Ninguém sabia exatamente o que acontecera como ocorrera, porque se dera.

Não se habituaram sequer aos insucessos cruéis não despertaram ainda do torpor

punitivo, angustiante, e novas, desconcertantes notícias inundavam os corações.

Ressurreição! — proclamava-se de boca a ouvido como se se temessem represálias

das autoridades ou se se receassem as improcedências do acontecimento.

Viram Lázaro e outros, considerados mortos, sair, vitoriosamente da sepultura,

continuando a viver desde então.. . Quantas outras realizações acompanharam !...

Já não importava o que fora ou não fora feito Amavam-No e gostariam de dizê-lo,

ressarcindo o débito de amor e gratidão para com Êle.. .

Valorizavam-No agora muito mais, após O terem perdido.

Desse modo, receavam separar-se, para fruírem de qualquer aparecimento que

ocorresse, renovando-lhes a coragem...

O pequeno rebanho se encontrava ansioso.

Os que foram aquinhoados com a Sua presença e escutaram Suas palavras

revestiam-se de poderoso júbilo, insuperável. Iluminavam-se de estranha claridade

quando narravam o acontecimento, fazendo que os ouvintes se empolgassem,

participando da festa íntima que os inundava...

... E Êle aparecia e ressurgia.. .

As testemunhas insuspeitas se multiplicavam.

As asserções dos inimigos, denegrindo-Lhe o nome e afirmando que o Seu corpo fora

roubado, — calúnias espalhadas desde as primeiras visões do Seu retorno —, quase

acreditadas nos entrechoques dos acontecimentos passados, agora se diluíam e a

fé, antes em tormento de saudade, clarificava, dominando todos.

Na sepultura vazia, no cenáculo, na estrada, na praia, ao lado dos amores e junto aos

desconhecidos Êle se apresentou, participou de quefazeres e jornadeou em

conversação amiga. . .

Vivia o Mestre! — proclamavam os corações confiantes, outra vez afervorados.

A vida triunfara da morte! — refletiam os que antes duvidavam.

68

Voltaram à Galiléia, aos labores habituais e o canto das redes nas águas piscosas

recordava ainda mais a Ausência.

A atmosfera de lembranças era uma dor e uma saudade em todos.

Nas encostas e nas planuras a sega se fizera e os feixes de erva e espinho

esplendiam ao sol.

O céu muito azul e transparente espia e agasalha aqueles corações...

* * *

O entardecer se revestiu de tonalidades fortes e o leque de luz entornava tintas

fulgurantes que transmitiam mística poesia à natureza.

Reuniram-se no ácume do outeiro sem qualquer delineamento anterior. Tinha-se a

impressão de que desconhecida força arrastara-os até ali.

Saudades ignotas salmodiavam tristes cantatas naquelas almas que O conheceram

e com Êle privaram antes...

Podia-se ouvir no silêncio geral que repentinamente se abateu, o pulsar rítmico da

Natureza.

Refreando as emoções que o embargavam, João ergueu-se em destaque e

imprimindo à voz juvenil canora entonação sumariou aqueles dias transatos,

reportando-se às visões do retorno d'Êle.. .

Imensa ansiedade invadiu o cenário dourado da Terra.

Mães aconchegavam os filhos ao seio, esposos se davam as mãos que

entrelaçavam promessas de fidelidade, anciães pressentiam a vitória da vida sobre

as cinzas da sepultura...

E esperavam, ouvindo o canto do discípulo amado, não sabiam o que.

* * *

Numa pausa para melhor reflexão, o discípulo silenciou e todos os peitos, agora

opressos, respiraram com dificuldade.

Ao lado, um pouco mais acima do solo atapetado pela relva, de costas para o disco

solar em sangue e ouro, o Amigo apareceu, nimbado de incomparável beleza.

Houve um estremecimento generalizado, um frêmito que percorreu todos os

presentes.

As lágrimas saltaram dos olhos desmesuradamente abertos. Os lábios da

multidão se entreabriram mudos, pela inusitada emoção.

Sim, era Jesus!

69

As vestes pareciam flutuar incendiadas. O rosto adornado pela basta cabeleira

flutuando no ar carreado, era do Amado, conquanto mais belo, mais diáfano ...

Eis-me que estou entre vós. Começou por dizer com a mesma entonação

de outrora —. Paz seja convosco! (*)

As palavras sem queixas nem reprimendas bordavam-Lhe os lábios e caíam

como gotas divinas sobre os corações, penetrando-os.

Agora ao vosso lado outra vez e, logo mais,com meu Pai. Nunca,

porém, me apartarei de vós,nem vos deixarei.

"Sois a terra generosa e eu sou a semente da vida. Se não morre o grão, não

se enriquece a mesa de pão. Sem o solo a semente não sobrevive porque não

se renova nem se multiplica e sem o grão a terra crestada é morta...

"Sois a minha paixão, a minha longa dor, o amor da minha vida. Eu sou a

vossa esperança, o alento da vossa felicidade. Sem mim caminhareis em

inquietação crescente. Sem vós sofrerei soledade.

"Vinde, novamente a mim, e deixai-me demorar em vós."

As ansiedades generalizadas selaram com silêncio suas agonias.

Êle contemplou a multidão e viu o futuro: campos juncados de cadáveres e rios

de sangue; paixões desenfreadas em carros de guerra e os abutres das pestes

dizimando; os monstros do egoísmo e da insensatez dirigindo os corcéis do

desespero e as dores superlativas vencendo... Muito ao longe, no futuro, porém,

desenhava-se a Era do Consolador, o período de paz...

"Amai-vos sempre, eu vos peço. Seja o vosso sinal o amor. Só o amor liberta o

homem. Por muito amardes, sereis perdoados, amados, felizes!

"Amai a fonte, o solo, o animal, a vida em qualquer expressão, amai-vos uns aos

outros... como eu vos tenho amado!

"Eu vos convido a descer aos homens e amá-los para subirdes aos Céus,

amados. Todo aquele que desce para ajudar, eleva-se ajudado pelo auxílio

dispensado.

"Por enquanto não sereis compreendidos nem amados. .. Ao contrário, sereis

odiados e perseguidos. Vossos suores, lágrimas e sangue lavarão vossas culpas

e prepararão vosso amanhã.

"Sereis tidos por endemoninhados e loucos, utrajados nos mais caros anseios e

esperanças por minha causa. Lembrai-vos de mim .Recordai: Eu venci o

mundo! Não podereis vencer no mundo das ilusões e dos triunfos entre os

homens de paixões.

70

"Vossos ideais, em nome do meu Nome, serão violados e confundidos, e vosso

nome por amor ao meu, mil vezes pisoteado... Tende bom ânimo!

"Tudo passa: menos o amor.

"Na hora aziaga e nobre do testemunho, dizei: isto também passa. E alegraivos.

"Sois minhas ovelhas amadas e eu vos mando na direção dos lobos rapaces.

"Ide, semeadores, e não temais!

"Que medo podem fazer os que matam o corpo e nada mais conseguem, eles,

que logo mais o perderão também?

"Não vos enganeis! Porfiai, mesmo quando aparentemente tudo estiver contra

vós, prossegui. Estarei convosco até o fim dos séculos.

"Ignorados por todos, eu vos conhecerei; abandonados pela multidão, estarei

convosco; perseguidos pelo mundo, e eu ao vosso lado.

"E quando chegar o vosso momento de retornar, tomar-vos-ei em minhas mãos

e vos direi baixinho: entrai na vida, vós que fostes fieis até o fim, e alegrai-vos!

"Agora, ide, pregai e vivei o amor. Eu me vou, mas ficarei convosco!"

O céu estava engastado de estrelas preciosas no manto da noite e a lua em

prata vestia a paisagem, confraternizando com o último ouro do poente no

cabeço dos montes muito ao longe.

Lentamente viram-No ascender e perder-se no infinito das constelações como

se fora uma gema a mais fulgindo no seu rastro luminoso, que ficara como

ponte de luz da terra na direção do céu.

No imenso silêncio todos desceram o monte da Galiléia bordado de loendros e

ciprestes e refugiaram-se nas roupas da Humanidade dos tempos, desde

então até hoje nos dias do Consolador, aqueles que O ouviram e seguirão

marchando fiéis até amanhã, na direção da Era da paz e da felicidade por

Êle prometida.

(*) Mateus 28: 16 a 20

Nota da Autora espiritual.

71

18 - SERVO DE TODOS

A imensa planície se desdobra entre os contrafortes dos outeiros.

Ao longe, o "primogênito dos montes" da Palestina — o Hermon — ostenta o cabeço

aureolado de sol, e, a regular distância, o Tabor, parecendo uma sentinela natural,

altaneira, defendendo a imensa planície, onde a balsamina medra em abundância e

os tamarindeiros se arrebentam em flores...

Simultaneamente ali está a planície dos homens na qual se misturam as paixões e se

decompõem as esperanças.

Planície da Terra e planície dos corações.

Naquela se misturam os cadáveres e as moscas entre córregos que cantam e flores

que desatam aromas. Nesta as inquietações e desesperos, fecundando sorrisos e

edificações.

Na terra os homens...

Nos homens o barro frágil da terra...

* * *

A planície dos espíritos se perde de vista. A multidão se agita e percorre os

caminhos. Longas são as estradas a vencer.

Dia de sol e céu transparente. A leve brisa murmura uma doce música no arvoredo,

carreando ondas de suave perfume.

A Sua figura é um desafio — desafio de amor! Mais do que um estóico, porque faz

do sofrimento um meio de atingir Deus e não o fim precípuo do Seu ministério,

Êle parece penetrar no dédalo de todas as solicitudes humanas.

Pairando na face o tênue véu de singular melancolia, Seus olhos se transformam em

duas estrelas reluzentes.

.

— Que vínheis discutindo pelos caminhos ? — indagou. A voz pausada possuía

um tom de reproche melancólico.

Vivia com aqueles companheiros, sentia suas aspirações, participava das suas dores,

falava-lhes do Reino e das suas realizações e eles, no entanto, continuavam

esvaziados de ideal. Fizera-se igual sem participar das suas querelas,

testemunhando a nobreza da Sua compreensão permanente e ajudando--os, não

obstante se demoravam trêfegos, levianos...

— Que vínheis discutindo pelo caminho? — A indagação os surpreendera,

crianças espirituais, disputadores da ilusão...

72

Eles vinham joviais e alegres. Uma festa nalma cantava júbilos inesperados. O dia de

sol, a transparência do ar, o azul do céu, o frescor daquela hora matinal, as

recordações dos acontecimentos últimos, no alto Tabor e em baixo, ao lado do

epiléptico, as exaltações da massa já saciada nas primeiras tentativas, que não

suportavam sopitar as inquirições que desde há algum tempo bailavam nas suas

mentes.

— Quem dentre nós será o maior, no conceito do Rabi? Qual será o maior no

Reino dos Céus?

A pergunta espoucou espontânea, natural, inocente .. .

Estugaram o passo e se entreolharam... Quem seria realmente o maior dentre

todos? — pensaram. E como se o assunto não merecesse maiores considerações um

silêncio incomodo se abateu sobre o grupo. No íntimo, porém, cada um se exalta e

sorri emocionado, meneando a cabeça em assentimento, como se estivesse a ouvir

o Mestre gentil destacar o mais amado, o mais relevante — é claro, que cada um a

si se atribui o mérito da escolha.

As pedras do solo ao atrito com as alpercatas rolam, produzem característico ruído e

a marcha prossegue.

— Eu, — referiu-se Judas — sem dúvida gozo da relevante confiança do Amigo.

A mim me foi entregue a bolsa da Comunidade, num atestado inequívoco de

consideração. Não receio, por isso, ser, senão o maior, um dos maiores...

Sorriu e cofiou a barba, fitando os companheiros extremunhados.

— Sou austero — apostrofou Tiago, Maior. — E o Mestre nunca deixou de me

reservar Suas confidências, expressivas e nobres. Convida-me, não poucas

vezes, a colóquios longos, narrando aos meus o que outros ouvidos não podem

escutar...

Tomé, o Dídimo, verberando a prosápia dos companheiros, atroou:

E Simão Pedro? Não tem sido êle o distinguido com maior consideração? Não é a

sua a casa elegida para as reuniões e os estudos dos planos futuros? Não esteve

êle, também, no Tabor, como testemunha? Eu desconfio muito que não estaria mal

situado na opinião do Senhor...

João, todavia, repousa no seu peito — aventou Bartolomeu. — É o mais jovem de

todos nós,carinhosamente tratado pela ternura do Embaixador Celeste. Talvez

não tenha ainda toda a inteireza exigível para continuar a Obra ora encetada,

não obstante. . . Mateus Levi, convém ressalvar, — afirmou Pedro, algo inquieto —

é o mais erudito do grupo.

Somos pescadores ignorantes, êle, todavia, lê e escreve, é hábil na arte das

letras e da convivência com as leis. Embora o seu silêncio.. .

Não concordo! — bradou Judas...

73

A discussão se fez acalorada e por pouco o pugilato infeliz não perturbou a união dos

corações chamados ao amor, à concórdia, à paz...

— Que vínheis discutindo pelo caminho? — eis a indagação do Senhor.

"Queríeis saber quem dentre vós é o maior no Reino dos Céus. Eu vos digo: aquele

que se fizer o menor.

"O responsável do grupo é o servidor de todos. O comandante é o colaborador do

grupo. O chefe é o subalterno das necessidades dos servidores.

"Servo dos servos.

"Não se pertence nem se permite repouso.

"Renuncia ao nome e à paz, à alegria e à própria opinião.

"Zeloso pelo bem-estar de todos é magoado por uns e outros, por todos

incompreendido?

"Quando ajuda sofre e sofre porque não pode ajudar — e todos o espezinham.

Ferem-no e buscam--no, traem-no e sorriem para êle — servo de todos!

"O maior se apaga servindo.

"Apontado, ninguém crê nele, subestimam-no. Não merece consideração e assim

paira naturalmente inatingido, sereno no dever íntimo, respeitado por si mesmo: o

maior dentre todos!"

Os invigilantes recordam, então, o pedido de Salomé, a imprudente e a precipitada

esposa de Zebedeu, que fora solicitar-Lhe colocar os dois filhos, um à direita outro à

esquerda do Seu trono, quando fosse a hora do triunfo.

Não esqueceriam a resposta pausada e triste com que Êle elucidara a ambiciosa

mãe:

— "É necessário saber se eles estarão dispostos a sorver a taça da amargura

até a última gota — respondera. Quanto, porém, a colocá-los um à minha direita e

outro à minha esquerda, isto não me compete..."

Houve um silêncio.

De cabelos encaracolados, passou gárrula criança de sorriso em flor.

O mestre, tomando-a, dela fêz o seu modelo.

"Aquele que se fizer semelhante a um menino este penetrará no Reino de Deus."

Os pequenos e claros olhos cheios de brilho do infante refletem pureza integral.

74

Ser adulto, com alma de criança, sem as mazelas da idade adulta.

Envelhecer e permanecer puro — sem malícia, sem impiedade, sem mágoa, jovial,

inocente como uma criança na quadra primaveril.

O maior de todos é o mais afável, o que mais se dedica e serve. Servo de todos e de

todos amigo, não escolhendo misteres para ajudar.

Há os que são os maiores na ilusão e no engodo e sofrem a febre da ambição e da

loucura.

Grandes, o mundo sempre os teve, com a alma enferma e mesquinha.

Pequenos nas grandes coisas e grandes nas tarefas insignificantes. Apequenarse

na grandeza para glorificar-se na pequenez.

— Que vínheis discutindo pelo caminho?

Seja, o que deseja o destaque, o servo de todos; faça-se o menor.

Menor no orgulho.

Maior na abnegação, na renúncia.

Maior — menor de todos, como Êle se revelara.

(*) Mateus 18: 1 a 6

Marcos 9: 33 a 37

Lucas 9: 46 a 48.

Nota da Autora espiritual

75

19 - UM VOLTOU SÓ

As tramas caminhavam da boca dos espias aos ouvidos de Caifás, que programara

Sua morte, e intrigas armavam ciladas por toda a parte. Os lábios da inveja se

intumesciam e a difamação soprava verberações de ira e maldade, tentando solapar

as bases do reino que Êle anunciava.

Desarmados nas argüições soezes da astúcia pela lucidez e sabedoria do Mestre,

escribas desonestos e doutores da Lei, indignos, mais se rebelavam. O despeito

dos ínfimos é como ácido corrosivo que arde nalma ante a impossibilidade de

destruir aqueles que estão além e acima dos limites da sua inferioridade.

Impossibilitados de crescer, pelas próprias constrições da miserabilidade pessoal,

buscam arrastar para baixo ou aniquilar aqueles que lhes são superiores. Ainda é

assim, entre os homens da Terra, na atualidade...

Aqueles eram dias difíceis: evitar Jerusalém e abandonar a Judéia, refugiando-se

na Peréia onde era tolerado pelo Tetrarca Felipe ou avançar, arrostando as

conseqüências e dores do gesto ousado.

Aproximavam-se as festas dos Tabernáculos e Jerusalém já estava apinhada:

pastores, mercadores, agricultores, lidadores de todas as profissões, estrangeiros e

legionários...

Seria necessário avançar e sofrer o testemunho.

Nas festas anteriores sorriam alegrias. Os dias foram álacres e quase juvenis.

Acolhido por Lázaro, que fora arrancado das sombras, e suas irmãs, naquele

recanto de ternura o amor fraterno enflorescera suas horas de inefável carinho, na

casinha de Betânia com os discípulos.. . Agora, teria que atravessar o país,

deixando Efraim para vencer toda a Galiléia e prosseguir no rumo de Jerusalém.

Êle fora informado do nefando conciliábulo contra a Sua vida, realizado no Sinédrio,

no sábado anterior, graças à lealdade de Nicodemos. Não receava, porém.

Desde o primeiro fenômeno de amor nas bodas de Cana, quando a água se fêz

capitoso vinho, Êle perdeu a poesia do convívio com os Seus, renunciando à

jovialidade das crianças, que escutavam Suas histórias e trinavam júbilos em bocas

fartas de esperança. Logo depois, na razão em que o Seu nome crescia a inveja se

avolumava e o ódio — a enfermidade dos fracos morais — O perseguia implacável

—"Curar num sábado!"

—"Acreditar-se profeta!"

—"Dizer-se o Enviado!"

—"Comparar-se a Deus."

76

—"Crer-se maior do que Moisés", conspiravam furibundos os inimigos da

Verdade.

Astutos e mesquinhos Seus adversários buscavam meios de O perderem.

Suave como um perfume de lavanda no ar da madrugada Êle pairava inatingível.

Todas inúteis as conspirações.

Êle é a luz do mundo e mantém-se clarificador, conquanto se adensem as sombras

em sua volta.

* * *

Na fronteira entre a Samaria e o distrito sul da Galiléia adentrou-se por pequena

aldeia, utilizando um caminho áspero pouco usado, seguido pelos companheiros do

discipulato, para uma pausa de refazimento.

— "Jesus, Mestre, tem piedade de nós!", cura-nos! (*)

Êle olhou na direção da súplica cuja voz se alteara e se deteve fitando aqueles

destroços humanos: carnes, membros, formas despedaçados. Podridão segura a

ossos, deformidades desagregando-se. Eram 10 leprosos. Não que aquela fosse a

primeira vez que os defrontava e lhes lavava as misérias expostas. Era a

constatação do estado íntimo dos homens. A morféia de fora provinha das regiões

recônditas do espírito.

Os discípulos por pouco não se evadiram do local, aparvalhados. O espetáculo

causava nojo e consternação.

Conquanto aqueles sofredores se quedassem a uma distância de sete côvados (1)

como recomendava o Estatuto à Lei, o odor forte e nauseante da carne em

putrefação era quase insuportável.

A lepra, desde tempos imemoriais, era a doença mais temida entre todas. O leproso

devia apresentar--se como se trouxesse luto: rasgado, desgrenhado, hirsuto, o rosto

coberto desde abaixo dos olhos para ocultar as marcas odientas.

Quando caminhava, o leproso devia gritar sempre: "Imundo! Imundo!", para afastar

dele os prováveis incautos que se aproximassem.

Não lhes era permitido atravessar os muros das cidades nelas entrando e a infração

era punida com 40 açoites.

Só Deus podia fazer-lhe8 algo. Por isso haviam rogado a Jesus, aguardando que

Êle fosse enviado de Deus.

— Que quereis que voa faça?

A indagação pairou no ambiente, dulçurosa, como esperança que chega, formosa,

após desastre irremissível.

77

Pareceu que não escutaram. Dominados pela sua Presença, um deles como

despertando, grita:

Que sejamos curados se quiseres!

Quanta angústia, anseios e dúvidas naquela frase! Quanta perspectiva!

Morreram, sim, eram tidos como mortos, e se se atravessem a perturbar com as

suas presenças imundas qualquer homem poderia sem responsabilidades apedrejálos,

até que acabassem de morrer.

Um olhar de infinita compaixão Lhe iluminou a face, levemente pálida,

suavemente triste.

Quero! — Uma palavra apenas e o dia exultante de luz e calor, o ar perpassando,

o céu azul, indecifrável, espiando.

"Ide mostrar-vos aos sacerdotes" para que eles reconheçam que reentrais na

vida.. .

Mesmo a Natureza espouca num hino de alegria, Eles estremecem e se tocam; olhamse

reciprocamente e se fixam nas carnes e nos membros.

Debandam em algaravia, correm em desalinho, gritam...

Os discípulos se entreolham, também, e no peito estrugem emoções inomináveis,

indefiníveis.

Acercam-se do Mestre, desejam estreitá-Lo, falar-lhe mil palavras e não podem: as

palavras perdem naquele momento qualquer significação.. .

Tristeza poderosa tolda o rosto do Rabi e Seus lábios se quedam selados.

"Em caminho ficaram limpos. Um deles, vendo-se curado, voltou dando glória a Deus

em alta voz e prostrou-se com o rosto em terra aos pés de Jesus, agradecendo-Lhe.

Rabi, venho louvar-te. Que devo fazer?

O que recomenda a Lei? Segue-lhe as disposições, cumpre-lhe os impositivos e

ritos para que te dêem carta de cura, de reingresso na saúde.. . O estranho, de

joelhos, está comovido e chora.

— Não foram dez os curados? — perguntou emocionado.

A interrogação soluça triste nos ouvidos de todos.

— Por que este samaritano, tido como estrangeiro, somente êle veio

agradecer? — redargue, tristonho.

Ninguém respondeu.

78

O orgulho de raça como o orgulho de qualquer natureza — espinho cruel que dói,

incessantemente — cravou-lhes, ferinte, na carne das almas petulantes, enfermas.

— "Levanta-te e vai: a tua fé te salvou."

Era um doce canto a melodia da Sua voz.

Ante os Seus olhos desfilaram então os ignorados leprosos da alma: aqueles que

ocultam nas vestes externas os abismos do coração; os intranqüilos, os de vida

sórdida, os de conduta infeliz. Os atormentados — atormentadores cresceram na Sua

mente e êle fitou a paisagem triste, escassa de vegetação da aldeia humilde, das

gentes sofredoras...

Teria de sofrer os homens até alçá-los à felicidade: ajudá-los a libertar-se da cruel

lepra moral.

Chamou os amigos e avançou pela senda das dores humanas, amenizando as

asperezas dos a quem encontrava, na direção de Jerusalém, até a traição, o

julgamento arbitrário, a cruz, a morte, a ressurreição !...

— Não foram dez os curados ?! E este voltou só: o estrangeiro, o odiado. . .

(*) Lucas 17: 11 a 19.

Côvado - Antiga medida de comprimento, equivalente a 66 centímetros.

Notas da Autora espiritual.

79

20 - O CONSOLADOR

Aquele mês de adar (*) começara mais quente do que nos anos anteriores,

precipitando o louro da aveia em prenúncio de amadurecimento no campo. Os

céus de um azul profundo denotavam o rigor da quadra estival na Judéia. Nas

áridas encostas das terras crestadas, balsaminas teimosas se abrem em flor

e algumas raras vegetações de côr ocre e moitas das íris violetas cobrem os

cortes dos cerros dando-lhes específica pintura.

Aquele solo árido e sáfaro, arenoso numa faixa e calcáreo noutra Região,

recebera desde há mil anos a Capital de Israel, fundada por David,

estabelecendo desde então as diretrizes seguras para o povo sofrido de

contínuas escravidões...

Êle percorria com os Seus aqueles terrenos, sofrendo os preconceitos das

gentes de espírito rígido nas observâncias do Culto Externo da Fé e da Lei,

sem qualquer integração, porém, no espírito dos ensinos dos Profetas e de

Moisés.

Aquele ano de 29 significava-Lhe as dores superlativas da comunhão com os

maus, conquanto sem lhes participar das mazelas; caminhar, comer, conviver

com e entre eles, e, no entanto, estar acima deles, sem os ferir, sem os

humilhar...

Na Galiléia gentil, de alma simples e gentes humildes, afáveis e quase

sonhadoras, Êle defrontara dificuldades, todavia, amara e fruíra as venturas

de receber o amor de ternura e de ingenuidade do povo.

No coração dos simples o licor da generosidade é abundante e nas suas almas

há melodias que entoam cantos de fraternidade pura. Socorrem-se na

dificuldade, compreendem-se na aflição — falam o mesmo idioma do sofrimento

que os nivela, iguala, irmana...

As aspirações deles raramente vão além do desejo do pão, a segurança da

quadra de terra onde erguem o lar e donde retiram o grão, a saúde, e depois

o amparo dos Céus após a jornada concluída na Terra.

Sem os altos tirocínios e as armadilhas da astúcia intelectiva, amam

prontamente e prontamente dão-se.

Na Galiléia Êle compusera as Parábolas simples e expressivas, cantara o

Sermão do Monte, realizara a pesca abundante...

A Judéia, porém, era diferente: atormentada pelas tricas da política religiosa

e governamental, fazia-se covil de lobos e ninho de águias.

Os companheiros afáveis que O seguiam, desacostumados com as condições de

tratamento áspero a que eram submetidos ali — pois que os galileus eram

subestimados pelos judeus, por serem simples e humildes — mostravam-se

receosos, tristes, saudosos das suas praias e terras. . .

80

* * *

Seguiam-No astutos sacerdotes por toda parte, buscando intrigá-Lo com o povo;

apareciam nas praças em que discursava infelizes sofistas para perturbá-Lo; espias

desditosos surgiam em todo lugar tentando surpreendê-Lo em qualquer desacato

direto ou indireto à letra formalista da Lei; mercenários das sinagogas propunham-

Lhe perguntas de dúbia significação para prejudicá-Lo e fariseus soezes e

mesquinhos ameaçavam-No freqüentemente, invejosos da Sua popularidade,

armando ciladas verbais...

Êle sobrepairava além e acima de todos.

Suas lições vazadas nas lições da Natureza, reforçadas pelos ensinos do Tora e

apoiadas na comunhão íntima que mantinha com o Pai, tocavam e incendiavam de

beleza os ouvintes, mesmo os que O detestavam por despeito e inferioridade.

* * *

Desde o começo os seus discípulos discutiam: "Qual de nós será perante Êle o

maior?", "Qual de nós por Êle o mais amado?", "Quem será, afinal o Rabi?" e "Já

era tempo de que Êle se revelasse e desse uma prova..."

E apesar disso, conviviam com Êle, conheciam-No sem O conhecer realmente.

Participavam da sua quase intimidade e, no entanto, ignoravam... Viam, ouviam e não

entendiam em toda a magnitude a Sua missão, o Seu destino...

Mister se fazia anunciar-lhes o futuro.

Naquela noite transparente, salpicada pelos diamantes estelares, enquanto a terra

se refazia da ardência do dia...

Já lhes dissera anteriormente: — "Crede em Deus, crede também em mim." (1) A

pergunta-resposta incisiva não deixara dúvidas. Fora enunciada com o vigor da

certeza inconfundível.

Depois reflexionara: "desde os primórdios dos tempos enviara Mensageiros, Seus

Embaixadores, para despertarem as consciências humanas pelas Civilizações dos

diversos tempos.

Em todos os povos Seu Nome sob outros nomes chegou aos ouvidos das almas,

ensejando conhecimento da Imortalidade, dos deveres libertadores como também

das consequências das ações escravizantes.

Desfilam, então, pelas Suas evocações Crishna, Láo Tseo, Abraão, Hermes

Trismegistro, Moisés, Buda, Sócrates, Pitágoras..., que Êle enviara para despertar

as consciências para a verdade, recordando nos homens a Paternidade Divina,

laborando pela ética..

E quantos viriam em Seu nome depois que partisse!"

81

Aquela era a primeira experiência real do amor no seio das massas. O amor até

então era manifestação de fraqueza e cobardia moral. Media-se a coragem do

caráter de homem pelo rol dos seus hediondos crimes.

Em civilizações, tais a do Seu tempo, nas quais a mulher e a criança não mereciam

registro, por serem destituídos de valor, em cujo curso a vida tornada escrava, por

espólio da guerra, valia menos do que uma alimária de carga, a Sua mensagem

de amor e de perdão não encontraria ressonância, senão através de muitas dores e

muitos séculos.

Compreendia Jesus as fraquezas humanas e as incontáveis turbações de que

seriam vítimas as criaturas, as alterações que imporiam aos Seus ensinos

adaptando-os aos interesses dos diversos tempos e das suas inumeráveis

paixões...

Fitando o porvir da Humanidade, sangrenta e dorida, desde aquele então, reuniu os

companheiros para os ensinar, e João, no Capítulo XIV das Boas Novas anotou com

fidelidade e emoção:

"Se me amardes guardareis os meus mandamentos."

Aquela condicional do amor se realizaria no futuro do dever. Amá-Lo para guardar-

Lhe as lições. E, no entanto, se amando, os olvidassem, atormentados, ou os

alterassem, matando-lhes a significação?

Como escutando a interrogação sem palavras que pairava nas mentes deles

prosseguiu:

"Eu rogarei ao Pai, e Êle vos dará um outro Consolador a fim de que esteja

para sempre convosco; o Espírito de Verdade, que o mundo não pode receber, porque

não o vê nem o conhece; vós o conheceis, porque êle habita convosco e estará em

vós."

A música da sublime promessa modulava no leve ar uma esperança consoladora,

infinita de amor.

"Não vos deixarei órfãos: eu voltarei a vós!"

O conforto do amparo contínuo dar-lhes-ía forças para sobreviverem na luta e nas

provações.

"Porém, o Consolador, que é o Espírito Santo, que meu Pai enviará em meu

nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará recordar tudo o que vos tenho dito."

O supremo socorro e a perene ajuda continuarão chegando incessante e, um dia, o

Espírito de Verdade se manifestará restabelecendo as Suas lições, a legítima idéia

do amor...

Já não há dúvida nem receio.

Chegarão à Terra as forças invencíveis do Mundo Espiritual, contra as quais o

homem reencarnado, equivocado e irrisório, nada poderá.

82

Essas legiões chegarão a todos os rincões e pregarão a esperança na dor,

enxugando as lágrimas da saudade e abrindo as portas da morte para a vida.

Penetrarão todos os lares da Terra e convocarão os homens à cruzada do amor

impessoal e fraterno.

* * *

Ei-lo chegado!

O Consolador encaminha e ampara já milhões de seres, preparando os dias do

Senhor, entre os deserdados do Orbe, homenageando o amanhã da felicidade,

desde o agora das lágrimas.

Aí estão soando as trombetas de além da morte, entoando advertências, repetindo os

ensinos, restaurando a verdade...

Escutemo-las na acústica do coração, essa voz que fala pela boca dos semprevivos.

É Jesus novamente ensinando.

O Consolador em triunfo traça rotas e guia. "Mandarei alguém: o Consolador!" "Não

vos deixarei órfãos..."

(*) Março.

João 14: 1, 15 a 18 e 26

Nota da Autora espiritual

83

21 - O CANTOR E A CANÇÃO

O luar de Nisan bordava a paisagem com pingentes de prata e uma aragem fresca

varria a noite silenciosa.

Emudecera Jesus a celeste canção, Sua oração sacerdotal.

Demoravam-se no quadrado da sala as modulações musicais da Sua voz.

A hora chegara. A hora para a qual viera.

Há pouco cingira-se com uma toalha e exemplificara a culminante lição da humildade,

lavando os pés dos discípulos.

O Filho do Homem fazia-se o menor de todos para ensinar mais uma vez a

grandeza sublime do amor — a razão da Sua vinda ao seio dos homens!

As emoções estalavam lágrimas nos olhos dos companheiros, lágrimas que não se

atreviam a correr. Todos estavam com o espírito e o coração túmidos de

expectativas, angustiantes expectativas. Aquela fora uma ceia de despedida...

Viveram quase 3 anos com Êle e todavia não O conheceram devidamente. Mais se

agigantara naqueles últimos dias, especialmente a partir do momento em que,

montado no jumento, Êle varara a Porta Dourada, entrando na cidade. As

homenagens com que O receberam muitos que ali se aglutinaram pareciam

entristecê-Lo...

Agora a Sua canção se erguia e morria nas lembranças de todos, a inolvidável oração

sacerdotal que Êle proferira após a ceia pascal, a derradeira daquele ciclo.

Despedira-se dos companheiros há poucos minutos e logo depois falara ao Pai em

sublime solilóquio, não obstante a presença deles:

"Pai, é chegada a hora. Glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a Ti. Assim

como lhe deste poder sobre toda a Humanidade, a fim de que êle conceda vida

eterna a todos aqueles que Tu lhe tens dado... A vida eterna, porém, é esta: que

conheçam a Ti, único, verdadeiro Deus e a Jesus Cristo aquele que enviaste. Eu te

glorifiquei na terra, cumprindo a obra que me tens dado para fazer. Agora glorifica-me

Tu, Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de Ti, antes que houvesse

mundo." (*)

Silenciou momentaneamente. Asserenavam-se todas as ânsias na sala aromatizada,

iluminada por lâmpadas resinosas.

Estava diáfano, envolto por uma beleza extra--terrena... Então, continuou:

"Manifestei o Teu nome aos homens... Eram teus e m'os deste...Agora sabem...

84

"Eu rogo por eles, não pelo mundo, mas por eles...

"Neles sou glorificado...

"Não estarei mais no mundo, eles porém, sim...

"Pai Santo, guarda-os no Teu nome!...

" Quando eu estava com eles, guardava-os no Teu nome, protegi-os e nenhum deles

se perdeu, exceto...

"Vou agora para Ti...

"Tenho-lhes dado a Tua palavra e o mundo os aborreceu, porque eles não são do

mundo, como eu não o sou...

"Não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes do mal...

"Santifica-os na verdade...

"Assim como me enviaste, também eu os enviarei. ..

"Por amor deles me santifico para que eles também em mim mesmo sejam

santificados em verdade. . . (*)

Uma pausa lenificadora coroou a sublime canção e os lábios do Divino Cantor

silenciaram.

Jamais se voltaria a ouvir tão nobre oração-poema.

Os discípulos aproximaram-se.

Judas, que estava atormentado, não pôde reter o pranto. As duas naturezas em

conflito: o homem profundamente infeliz e o espírito necessitado, entrechocavam-se

naquele instante que nunca mais se voltaria a repetir.

Os claros olhos de João bordavam-se de pérolas a se liquefazerem, brilhantes, no

tremeluzir das chamas crepitantes nas lâmpadas.

Cada um repassava mentalmente todo o tempo que convivera ao Seu lado, com

Êle...

A melodia da Sua voz voltou ao murmúrio doce que penetrava os ouvidos atentos e se

fixava indelevelmente nos espíritos.

"Não rogo somente por estes...

. ..Para que sejamos todos Um em Ti...

"Eu lhes tenho dado a glória... Para que o mundo conheça que me enviaste e que

85

Tu os amaste, como também a mim me amaste.

"Pai: quero que, onde estou, estejam comigo os que me tens dado, a fim de verem a

minha glória que me deste, pois que me amas antes que o Mundo fosse fundado.

"Pai Justo: o mundo não Te conheceu, mas eu Te conheço, e eles sabem que Tu

me enviaste!

"Eu, lhes fiz conhecer o Teu nome e o farei conhecer, a fim de que o amor com que me

amaste esteja neles e eu neles... (*)

A sala voltou a mergulhar em silêncio. O lanternim quadrado pendente continuava

derramando claridade.

Ao fundo, o pequeno jardim enluarado e as velhas latadas pelos muros antigos,

resguardadas pelos ciprestes altaneiros, balouçantes, murmurejantes ao vento

fresco.

O dia pascal começara às 17,30 horas quando se apagavam os últimos raios de

sol, naquele abril.

"Lavai-vos os pés uns dos outros" — dissera, após ter lavado os pés dos

companheiros.

Eles talvez não hajam compreendido naquele momento toda a magnificência da lição,

que objetivava destroçar, em definitivo, os liames do orgulho, as couraças resistentes

da vaidade e da ambição, da inveja e do despeito, para que se irmanassem, vivendo

num só sentimento de pura fraternidade.

"Os dominadores fazem-se reis das nações — voltara a dizer — mas vós não os

imiteis. Que o maior dentre vós seja o menor, o último, e que o que governa seja igual

àquele que serve..."

A sala tornara-se quase totalmente escura e os pequenos candelabros foram acesos,

derramando profusão de luz.

Logo viera a ceia...

A luz que agora brilha tem outra origem: vem do Alto!

Chegara a hora de abandonar o Cenáculo acolhedor e demandar o monte das

Oliveiras. Fazia-se culminante o instante. Pequena era a distância a percorrer,

relativamente pequena, todavia grande...

Dissera no Seu canto que chegava a hora da luta para a qual viera, e também, em

seguida, chegaram as dores para eles, os Apóstolos da Sua mensagem, elucidando

que uma espada teria maior utilidade do que um manto. Os companheiros, porém,

sempre acostumados aos raciocínios imediatos, interpretaram erradamente a

figuração, gerando neles um arremedo de coragem, mostraram-Lhe as armas.

86

"Temos duas espadas" — disseram.

"É quanto basta!" — Respondera.

E o semblante fêz-se-Lhe mais tristonho. Êle vivera pelo amor e chegava o instante

de culminar o Messianato dando a vida. Os companheiros, todavia, pensavam em

defender a vida, tomando nas mãos outras vidas!...

Começaram a marcha. A lua esplendia e a cidade dormia.

Podiam-se ver os bairros diversos, olhados do alto. Aqui, o palácio dos Sumos

Sacerdotes; para a esquerda o de Herodes próximo aos monumentais jardins do

Gareb. Desafiadora, em frente, além das manchas de sombras do Tiropéon, quase

ao pé do Templo como a vigiá-lo, a torre Antônia representativa de "vergonha de

Israel", a torre de David e mais além o Gólgota, árido e triste na distância da

noite...

Judas não estava com eles, naquele momento. Fôra-se...

Não poderiam atravessar a cidade àquela hora vencendo a ponte, o Tiropéon, a

velha esplanada e sair pela Porta Dourada. Somente os sacerdotes entravam no

Lugar Santo. Desceram pois à parte baixa, contornando as muralhas e atingindo o

vale estreito onde corria o Cédron — cujas águas escuras fizeram-no granjear o

nome que significa, em hebraico, "negro" ou "sujo".

Buscavam o Gethsemani (ou "engenho do azeite").

"Sentai-vos aqui — solicitou o Amigo Divino — enquanto eu me retiro para orar.

Vós também orai para não sucumbirdes à tentação."

E tomando a Pedro e os filhos de Zebedeu, Tiago e João, afastou-se.

"A minha alma está numa tristeza mortal. Orai e vigiai." (A voz estava sufocada.

Começava a agonia.)

Arrojado na direção do Altíssimo experimentou Companhia.

A soledade era união com o Pai.

Voltou aos companheiros por três vezes e três vezes os surpreendeu a dormir.

"Dormis? Não pudestes vigiar sequer uma hora?!

Orai e vigiai!"

A noite sorri pirilampos estelares e parece que mergulhava tudo em rutilações do

silêncio.

Respiravam as ânsias da paisagem, levemente perfumada.

87

Êle mergulhou novamente na Divindade.

A agonia, a dor produzida pela ingratidão dos comensais do Seu amor feriam-n'0

fundamente e Êle buscava o abismo do Pai.

A angústia esfacelava-O.

Êle sabia, conhecia o Mundo e suas maquinações.

Tinha segurança do que fizera Judas, o amigo inditoso.

Ergueu-se pela última vez e falou aos companheiros invigilantes:

"Dormi agora e descansai. Basta! É chegada a hora. O Filho do Homem está

sendo traído nas mãos dos pecadores. Levantai-vos, vamo-nos, pois se aproxima

aquele que me trai." (*)

Hora perturbadora aquela.

A noite estava fria e Êle tivera a sua máxima agonia. Ainda porejava no Seu rosto o

suor (hematidrose) sanguinolento, pastoso e frio. O semblante estava marmóreo.

— Agora é tarde demais! — balbuciou, e a voz parecia uma melodia triste chorando

na intimidade dos ouvidos.... Tarde demais!

As duas últimas palavras assinalariam a fogo a memória dos companheiros

combalidos e fracos que se irariam fortes — fortes que eram de espírito.

Inaugurava-se o programa dos sacrifícios pela Verdade.

A partir de então o caminho do Gólgota estaria assinalado para o futuro e

mareado,.por calhaus, pedrouços e espinhos.

Logo após, entre as oliveiras, portando varapaus o ridículo exército de mercenários

enviado pelos dominadores enganados da Terra encontrou Judas que, então,

marchou para identificá-Lo.

Acenderam-se lanternas e não obstante a treva era geral.

Carregavam lâmpadas e se consumiam em sombras.

O traidor acercou-se e beijou-Lhe a face. . .

O Amigo era entregue pelo amigo. A amizade crucificava a afeição e o amor.

No plenilúnio de Nisan, na noite varrida por ventos perfumados e frios, o Rei Celeste

foi conduzido sem qualquer reação ao cárcere e logo depois crucificado. . .

(*) João — 17: 1 a 26.

Lucas — 14: 32 a 42.

Nota da Autora espiritual

88

22 - TOMAR A CRUZ

Diariamente à sua volta renovavam-se os grupos ávidos do Seu socorro.

A mensagem da esperança alcançando as fronteiras das almas inebriava-as,

derramando-se abundante pelos demais corações que se contagiavam da Sua

empolgante realidade.

Jamais Israel vira ou escutara alguém igual a Êle.

Os sofredores recebiam de Suas mãos as mais vantajosas quotas de auxílio, e os

deserdados enriqueciam-se de alegria do primeiro encontro com as Suas palavras.

N'Êle tudo transpirava amor.

Das aldeias e cidades, dos arredores do Lago e das terras distantes chegavam os

grupos que se adensavam em multidões expressivas para ouvi-Lo, sentir a grandeza

dos Seus ensinos, fruir as concessões das Suas dadivosas mãos.

Nunca se cansava de ensinar nem se descoroçoava jamais ante a impertinência ou a

rebeldia dos infelizes. Compreendia-os por conhecer o ácido sabor do sofrimento que

os infelicitava e por compreender-lhes a dor decorrente da pesada canga a consranger-

lhes os corpos cansados e os espíritos aflitos.

Alongava-se a todos como abençoada fímbria de luz na pesada sombra a clarear os

roteiros e fazia-se a barca de segurança para que os náufragos do mar das paixões

atingissem as praias da paz ou os postos da segurança.

A primavera e o verão ensejavam-Lhe naqueles dois últimos anos a apresentação

rutilante da Sua Mensagem. E mesmo quando os ventos outonais sopravam

prenunciando o frio, Êle prosseguia ajudando os discípulos amados, para

aproveitar o tempo que urgia, por não ser Êle deste mundo.

* * *

A. sombra da árvore veneranda, no entardecer, enquanto amena a atmosfera se faz

transparente, facultando a visão do céu límpido azul-alaranjado, Êle, ao lado dos

discípulos, alongou os olhos por sobre a multidão (*). E eram tantos os que ali

estavam que se poderiam atropelar uns aos outros.

Filhos da terra e estrangeiros, d'além Jordão e da Decápol de Tiro e Sídon,

daquelas aldeias romanescas e simples que Êle se acostumara a amar, eram aquelas

criaturas.

Junto àqueles das margens das águas que com Êle conviviam sentira a grandeza da

humildade dos simples e a nobreza da fidelidade dos humildes. Nas suas mãos

encontrava o grão e o pão, o fruto seco e a água pura, a compreensão e a

ternura. As gentes nascidas na dor compreendiam-n'O, sim, e Êle os amava em

demasia, por isso mesmo.

89

Ali estavam todos os elementos constitutivos da melodia dos sofrimentos humanos.

Mutilados em permanente exibição das deformidades e miseráveis sonhadores da

esperança.

Aqueles rostos sulcados pela dor e curtidos pelo sol, aqueles olhos sem luminosidade

que as desilusões quase apagaram de todo, acendiam-se, porém, expectantes,

naquele momento aguardando.

Ao longe, o mar explodindo rendas nas praias tranqüilas e bordando de espumas

alvas os seixos e pedregulhos negros. Os distantes coroados de sol poente e o

verde-marron da gramínea teimosa em que madressilvas como pingentes azuis

bordam o tapete do solo...

Êle amava tudo aquilo: o mar era o seu espelho a refletir a face do dia e da noite;

o rio o alaúde em que Suas mãos movimentavam sons nas longas cordas das

correntezas cantantes; as elevações tornavam-se tribunas nobres donde Sua voz se

espraiava na direção dos homens; os desertos em que se refugiava para estar a

sós e orar eram preferidos, e os painéis verde-brancos dos bosques e dos casarios

eram a pintura comovedora na tela da Natureza.. .

Nublaram-se-Lhe os olhos e pela tênue cortina de lágrimas Êle pareceu ver o

futuro, no qual aqueles que ali estavam se apresentariam, nascendo e

renascendo, vivendo e sofrendo, até conseguirem a paz da consciência e a plenitude

do coração em harmonia, sintonizados com as Leis do Estatuto Divino

Profundamente apiedado das mazelas humanas, envolveu todas aquelas criaturas

na ternura indimensional do Seu amor e começou a falar:

— Alegrai-vos na dor e não vos desespereis. Participais desde hoje do Reino de Deus

e os tempos continuarão a correr cantando músicas de júbilo em vossas almas, se

perseverardes fiéis até o fim.

"Todos os que vos buscaram antes prometiam quimeras e acenavam triunfos que o

túmulo apaga, deixando em cinza ou lama os tecidos custosos e enferrujados, sem

valor os tesouros da ficção.

"Marcham e passam sorridentes os dominadores da Terra, guindados a postos nos

quais padecem a alucinação da loucura que os vence e preferem ignorar.

"Prometem a Terra e são submetidos a ela, desaparecendo nos seus carros de ouro,

sem deixarem saudades, porque são substituídos por outros títeres e por todos

logo esquecidos.

"Ameaçam e atemorizam os de coração simples, perseguem os fracos porque

sofrem fraquezas que os desgraçam e se fazem acompanhar de outros famanazes,

quais abutres reunidos, que, em última instância, irão devorar o mesmo cadáver em

disputa infeliz.

90

Os ouvidos aguçados da multidão recebem as palavras quais moedas de luz para

serem entesouradas nos cofres do coração ansioso.

A Natureza canta silêncios em derredor.

Êle prosseguiu:

— Quem desejar ser digno de mim, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e

siga-me.

"Não temais aqueles que apenas matam os corpos e nada mais podem fazer. Eles

também morrerão.

"Temei, respeitai aquele que depois da morte tem poder de restituir a vida,

oferecendo paz ou dor.

"Se me amardes tomai a vossa cruz e renunciai às vãs utopias, vindo em seguida.

"Construí a nova conduta do amor e da verdade.

"Tudo pelo Pai é sabido, mesmo as coisas mais insignificantes Êle conhece. Tem

contado os fios dos vossos cabelos.

"Acautelai-vos da hipocrisia que é a arma dos cobardes.

"Sede verdadeiros e mantende limpos os corações.

"Aqueles que me confessarem diante dos homens, também eu os anunciarei a

meu Pai.

"Nada digais em segredo contra alguém, pois que isto que seja dito em silêncio

será apregoado aos brados.

"Evitai manter duas condutas: a que os homens podem e aquela que não podem

saber. Nada, pois, façais escondido, porquanto tudo se torna revelado e permanece

conhecido.

"A mentira é a medida do mentiroso como a presunção é a dimensão do ignorante.

"Levantai a cabeça reta mas sede simples de alma e humilde de sentimento.

"Engendrai a simpatia entre todos e fomentai a cordialidade. O homem

isolacionista é espírito enermo. Manter cortesia com os que são corteses é retribuir a

medida do que se recebe.

"Os meus seguidores aprendem a ter alegria interior para os momentos difíceis e se

acostumam ao prazer de servir em nome do amor. É nisto que reside a verdadeira

união comigo.

91

"Preservai-vos do fermento da maledicência. As más palavras, as palavras

azedas, as palavras rudes corrompem o espírito e corroem a vida, turbando a

consciência.

"Saí da amargura e livrai-vos das suspeitas. Os espíritos imundos se comprazem na

inspiração dos pensamentos vulgares e se nutrem dos conúbios deprimentes.

"Em toda circunstância buscai a prece, e, vigiando, servi. Não procureis, porém,

fazer tudo. Sede grandes nas tarefas insignificantes e tornai-vos pequenos nas

grandes realizações — eis como provar a integridade no bem.

"Aquele que me negar entre os homens, dele não me recordarei para apresentálo

no Reino.

"Se vos ofenderem buscai conquistar o ofensor; se vos enganarem ide ao encontro

dos enganadores; se vos caluniarem marchai com amizade junto ao infamante. Fácil

seria abandoná-los. Se assim o fizerdes não sereis dignos de mim. Não vim para os

sãos, os bons, os felizes, mas para eles os desventurados e para vós, os que tendes

sede de justiça e paz."

A noite estava quase chegando.

Uma sutil atmosfera de paz caía sobre os grupos na multidão silenciosa, de

coração túmido de emoções e almas comovidas.

As silhuetas dos montes se recortam nas primeiras sombras e as estrelas

salmodiam nos Céuss canções em prata fulgurantes.

Onomatopéias, hipérbatos e sinédoques escapam dos lábios do Mestre na

composição dos ditos.

É necessário ir mais longe, informar tudo. Num crescendo de ventura Êle profere

por fim:

"Quando tiverdes de falar, diante de quem seja; não temais! Abri a boca: o Espírito

Santo falará por vós.

"Sede fiéis!"

Sublime musicalidade tomou conta do ar.

Levantou-se, ergueu as mãos e abençoou os ouvintes.

As lágrimas abundavam nos olhos de todos nascendo nas fontes do espírito.

Havia um elan invisível que transformava a mole humana numa só família — a

família do amor universal do futuro!

No mar sereno deslizam ao longe as barcas que retornam. No ar salpicado pelas

lâmpadas estelares as ansiedades da multidão soluçam baixinho. . .

92

... E Êle entre os homens apresentando a legislação do amor em convite esplêndido à

Humanidade inteira.

E como todos se retirassem aos poucos, silêncio, dispostos a carregarem a sua

cruz, Êle a sós e se encheu de plenitude.

A noite, por fim, vestiu o aclive de luar, enquanto as aldeias e as cidades dormiam, e

Êle velava dos cimos do outeiro...

(*) Mateus: 10: 26 a 33 Lucas : 12: 1 a 12

Nota da Autora espiritual.

93

23 - BALIZAS DE LUZ

Do choque decorrente da tragédia às surpresas dos reencontros queridos com o

Mestre, aqueles companheiros da sementeira da luz transitaram em poucos dias

percursos longos de amargura e júbilos.

Sentiam-se desarmados para prosseguir na tarefa e não compreendiam, conquanto o

desejassem, a extensão do Reino que o Mestre viera implantar na Terra.

Acostumados à estreiteza dos conceitos e às limitações geográficas do solo em que

nasceram e viviam, não podiam penetrar na grandeza do ideal universalista e

indimensional a que a Palavra Reveladora se reportava, incessantemente. ..

Em Jerusalém, naqueles dias, eram estrangeiros atemorizados, amargando as

vicissitudes dos acontecimentos terríveis que os surpreenderam, sulcando

fundamente suas almas aparentemente sem experiência ...

Jesus fôra-lhes o Amigo Divino, é verdade, mas acima de tudo tornara-se o Celeste

Condutor das suas vidas.

Acostumaram-se à energia e à meiguice da Sua palavra como o cordeiro que

identifica com facilidade a voz do Pastor e lhe segue o bastão de comando...

Chamados à realidade da fé e ao compromisso assumido pelas irretorquíveis

demonstrações de amor do Companheiro que retornara do além-túmulo para conviver

ao lado deles reiteradas vezes, passaram a experimentar diversa robustez de ânimo e

até então desconhecida determinação espiritual.

Após elegerem Matias para o lugar de Judas e receberem o Espírito Santo,

desataram-se as percepções obnubiladas até aquela hora e lucidez inusitada os

dominou. Podiam fitar os horizontes infinitos do futuro e experimentar gáudio

descomunal no exercício do bem e da renúncia.

O verbo se lhes destravou das bocas antes seladas por cruel silêncio e a palavra

lhes escorria abundante e sábia do cérebro às modulações da voz canora e forte.

Teriam que redobrar o esforço para o serviço começante.

Embora tudo estivesse ainda por fazer, contavam com a inspiração do Mestre e o

socorro dos Seus Embaixadores que incessantemente os visitavam, revigorando-os e

esclarecendo-os.

À frente o porvir difícil, e a desdobrar-se ante os seus olhos a Seara necessitada

de semeação e cuidados.

Os homens esfaimados, as criaturas exauridas de sofrer, os corações cansados e

cheios de decepções— eis o barro que teriam de movimentar para transformar em

94

ânfora capaz de reter o elixir divino, conservando puras as suas excelentes

qualidades.

Sem temor, exaltados pela fé, após orarem e unirem esforços, na tentativa de

criarem comunidade pura e simples, em que se refugiariam, prepararam--se para o

cometimento: avançar com os pés do futuro na direção da Humanidade...

Pedro e João fascinados e vibrantes de entusiasmo demandaram o Templo e

libertaram o coxo da Porta Formosa, transformando a prata e o ouro de que não

podiam dispor em esperança e saúde em nome de Jesus... Como, porém, os ali

presentes se surpreendessem com o raro fenômeno da libertação do paralítico das

amarras constringentes que o infelicitavam o longo período, o velho pescador proferiu

ante o assombro geral comovente discurso de exaltação ao Senhor da Vida:

" — Israelitas, porque vos maravilhais deste homem, ou porque fitais os olhos em

nós, como se por nosso poder ou piedade o tivéssemos feito andar? O Deus de

Abraão, de Isaac e Jacó, o Deus de nossos pais glorificou a seu Servo Jesus, a

quem entregastes e negastes perante Pilatos; quando este havia resolvido soltá-Lo;

negastes o Santo e Justo, pedindo que se vos desse um homicida; matastes o

Autor da vida a quem Deus ressuscitou dentre os mortos, do que somos

testemunhas..." (*)

A palavra emocionada e musical penetrava as almas em expectação.

O recém-curado chorava, ria e os apontava como responsáveis peio retorno da sua

saúde claudicante.

— Nada fizemos. — Modulou Simão, que se agigantava na multidão, nimbado de

desconhecida luz. — Fê-lo Jesus. Arrependei-vos do mal e encetai desde agora vida

nova! Despertai!

A Sua palavra cheia de vibração e elevada pela emotividade cindia a acústica

fechada das almas, irrigando de esperanças os canais ressequidos das consciências

entenebrecidas, despertando-as para os primeiros embates da Mensagem...

Chocados pela coragem dos estranhos, sacerdotes e policiais temerosos prenderamnos

em atitude arbitrária, como se limitando os seus movimentos pudessem silenciarlhes

a palavra soprada pela Verdade...

Mil vezes o fato se repetirá.

Ante a impossibilidade de impedir-se a manifestação da verdade a ignorância há

buscado destruir os veículos pelos quais se manifesta...

Continuava a partir daquele momento o martirológio iniciado no Gólgota, mas que não

se acabaria pelos séculos afora até os dias atuais...

Libertados a posteriori por falta de provas que os retivessem no cárcere, os

discípulos retornaram à comunidade, oraram emocionados, agradecendo a bênção

do testemunho e rogando a oportunidade de prosseguirem até a morte...

95

Os dias que se sucederam esmagaram paulatinamente aqueles homens simples e

audazes que passa ram à memória dos tempos como heróis da renúncia e vexilários

do amor, não se lhes extinguindo o ideal. As sementes de vida que esparziram, à

semelhança do que fizera o Seu Modelo, conseguiram modificar a estrutura social,

econômica, moral e política da História gerando uma Era de esperança e de paz.

Criaram nova História para os fastos da Humanidade por onde palmilharam com

pegadas de sangue...

Abriram imensas brechas nas paredes fortes da dominação de governos tirânicos e o

amor que deles evolou impôs-se como a resposta única possível à problemática da

angústia universal. Mediante a resistência pacífica e perseverante encharcaram os

séculos de amor e os iluminaram quando os campeões da impiedade ameaçavam tudo

destruir a aniquilar, reduzindo a escombros e trevas...

A sua "não violência" produziu o mais vigoroso e demorado movimento de

fraternidade que se conhece... E a sua memória, as suas lutas, as suas

abnegações e o seu amor vivem atuantes até os nossos dias, constituindo a

segurança dos que amam e confiam, dos que esperam e se doam à Causa de uma

Humanidade melhor e mais feliz.

* * *

Ainda hoje as perseguições aos paladinos do bem e aos servidores do Cristo não

cessaram.

Repontam com mil faces, estrugem de maneiras múltiplas, convocando os

verdadeiros trabalhadores do bem ao poste do martírio e ao circo do ridículo, ferindoos

fundo na alma e anatematizando-os incessantemente, como se forças conjugadas

conspirassem contra a Vida Estuante...

Não nos iludamos!

Mudaram os tempos, modificaram-se os métodos da insana campanha contra o

Cristo, ora disfarçados e sutis, conspirando contra os que se entregam — discípulos

estóicos do Herói da Cruz — com devoção ao programa de redenção humana.

À semelhança daqueles seguidores intimoratos que conviveram com Jesus e Lhe

deram a vida, prossigamos irmanados na colocação de balizas pelas fronteiras do

Reino divino entre os homens da atualidade.

Hoje como ontem retornam as Vozes, e falam os chamados mortos, alentando e

revigorando as consciências, atestando à saciedade a indestrutibilidade do espírito

e a realidade da vida após o túmulo.

Mesmo que se faça noite em nossos caminhos, repentinamente, e a chuva de

amarguras caia impenitente sobre nossas cabeças, e os nossos pés tropecem nos

calhaus que a indiferença em nome da falsa cultura e a impiedade representativa da

ignorância nos arremessem, continuemos de ânimo robusto e espírito afervorado,

ligados ao Espírito Divino, colocando as marcas da nossa passagem em bastiães de

96

luz que clarificarão por todo o sempre as eternas fronteiras do Reino de Deus, quais

postos avançados da vida nos campos de sombras da morte.

(*) Atos 3: 12 a 15.

Nota da Autora espiritual

97

24 - NEM PRISÃO NEM MORTE...

A casa de Felipe, em Cesaréia, sorria júbilos e o canto puro da mensagem de

vida eterna comovia o agrupamento familiar, repetindo-se dias e noites a-fio as

incomparáveis bênçãos da comunhão com os Espíritos Sublimes.

O excelente ancião devotado a Jesus era genitor nobre de quatro virgens cujas vidas

de renúncia e abnegação facultavam-lhes manter a pureza das admiráveis fortunas

da mediunidade dignificada, a benefício dos neófitos do Evangelho nascente.

Pelos seus lábios insistentemente falavam as preciosas lições da esperança,

fortalecendo os espíritos para as lutas valorosas do bem, pela dedicação total.

No silêncio que se fazia natural, ao término de cada exposição vitalizadora da

Palavra, caíam em transe, abrindo as portas da Imortalidade radiante para ensejar

aos que deambulavam nos estreitos limites das paredes orgânicas a Revelação, a

fim de que pudessem agigantar-se pelas praias felizes da Espiritualidade...

Não fora esse sublime concurso vital facultado aos discípulos fiéis e aqueles seres,

conquanto o espírito de abnegação e devotamento de que se revestiam, não

suportariam as tenazes constringentes da impiedade e do desrespeito, da

intolerância e da rebeldia indisfarçável, arremessados contra eles.

A Boa Nova, semelhante à madrugada que prenuncia bonança de luz em plena noite

de dominação das trevas, não poderia encontrar guarida nos usurpadores nem tãopouco

compreensão no campo social em que a força representava verdadeiramente a

conquista maior para o acesso fácil ao triunfo, conquanto transitório.

A hipocrisia religiosa multissecularmente mancomunada com o domínio temporal

sufocava nos tecidos do abuso as expressões nascentes de qualquer movimento

libertador, que visasse à iluminação e ao conforto da grande massa dos infelizes.

Com Jesus mudaram os quadros vigentes. Êle não se limitara a ajudar apenas

aqueles que haviam ganho a Terra, não obstante os atendesse também; ligou-se,

todavia, fortemente à dor e ao desalento do povo sofrido para soerguê-lo, acenando-lhe

com as esperanças maiores do Reino dos Céus.

Esteve sempre ao lado do sofrimento e Seu coração, partilhando todas as aflições dos

infelizes, franqueava-lhes a entrada de acesso ao Reino além do mundo, caso

desejassem transformar as suas dores da Terra em futuras alegrias do Céu...

Depois de haver partido, com a natural ausência do Seu conforto direto, enquanto

avançam os tempos e aumentam vigorosas as perseguições ultrizes, fazia-se

necessário manter o divino elan de resistência e segurança nos corações receosos e

nas vidas tímidas dos companheiros da retaguarda. ..

Não fossem as Vozes em incessante intercâmbio em Seu nome e não se teria

alargado pela Terra a Mensagem Consoladora, tão rudes os golpes da criminalidade e

de tão funestas conseqüências afrontosas e contínuas perseguições.

98

A morte, porém, na tradição do Evangelho, nunca produziu medo, por ser vida

estuante, vigorosa, — porta para a felicidade, quando decorre do sacrifício nobre

pelo ideal da Verdade. . . Isto porque aqueles mortos queridos, sempre vivos,

retornavam ao convívio dos que haviam ficado para alentá-los e encorajá-los na luta,

acenando-lhes promessas e alvíssaras de paz que conseguiam lobrigar logo lhes

chegasse a vez.

As narrações evangélicas estão sempre odorificando os corações com o perfume da

Revelação...

Profetizavam as filhas virgens e dignas de Filipe, em cuja casa Paulo, no ardor da

sementeira da fé edificante, se hospedara em Cesaréia, ao retornar da viagem a

Tiro, Ptolemaida.. .

* * *

Naqueles dias chegou da Judéia um membro atuante e credenciado pelo Alto para o

ministério, Ágabo, portador da mediunidade rutilante, já conhecido de Paulo.

A alegria festiva espontânea e o convívio vitalizador com o embaixador do Mundo

Espiritual assinalariam o assentimento do Cristo ao programa em pauta e trariam a

diretriz segura quanto aos destinos futuros do labor apostólico.

Pairavam, também, no ar, graves preocupações. A Igreja de Jerusalém sofria

aguerridos combates e infâmias sórdidas.

Ágabo, tomando a cinta de Paulo, na primeira reunião a que se fêz presente, atou pés

e mãos e disse: — "Assim ligarão os judeus, em Jerusalém, o varão a quem pertence

esta cinta, e o entregarão nas mãos dos gentios." (*)

A aflição flechou as almas humildes dos que compunham o grupo fiel. Imediatamente

foram tomadas providências para que o Apóstolo dos Gentios não descesse à Capital, a

fim de poupar-se à ação nefanda dos inimigos do Mestre.

O caminho e o zelo dos amigos, o medo e a devoção dos irmãos receosos tentaram

dissuadir o Pregador de realizar a viagem, de modo a evitar as injunções

decorrentes do apostolado, como se isto dependesse dos esforços débeis da amizade

terrena, em detrimento dos programas divinos nos seus objetivos elevados,

transcendentes.

Lucas, que o acompanhava e os demais choram, tentando dissuadi-lo.

Paulo se recusa atender às medidas de precaução e coloca a vida, que de nada lhe

serviria se recuasse, nas mãos do Rabi e exclama: — " Que fazeis, chorando e

magoando-me o coração? pois eu estou pronto não só para ser ligado, mas até para

morrer em Jerusalém, pelo nome do Senhor Jesus" e ruma na direção do sacrifício que

o engrandece e respalda a palavra da Sua boca, vitalizando a pregação do Cristo

nas luminosas e combativas mensagens ainda insuperáveis.

99

O Mundo Espiritual sempre esteve presente na igreja Primitiva atendendo seus

membros e comunicando-se com os lidadores das tarefas espirituais. Fonte

inexaurível da misericórdia divina, a revelação se fazia espontânea e nutriente,

sustentando os servidores do bem na indimensional realização do ministério

abraçado, através da mediunidade.

* * *

Hoje, evocando aqueles dias da Igreja ativa e dinâmica dos primeiros séculos do

Cristianismo, a Doutrina Espírita revive a mensagem de vida eterna, e os imortais

que venceram o umbral da decomposição celular retornam para prosseguir

norteando e conduzindo o pensamento moderno para além das fronteiras da Terra, na

direção dos rumos ilimitados do Reino de Deus.

Conquanto os óbices que ainda são levantados e as prisões morais, as limitações

domésticas e os inimigos do homem enjaulados no próprio eu, os trabalhadores

intimoratos de Jesus prosseguem fiéis, incorruptíveis até a morte, que é a antemanhã

da vida em que crêem, que divulgam e aguardam, corajosa, jubilosamente...

Narram os Atos dos Apóstolos que Paulo estava hospedado em Cesaréia, na

residência de Filipe que tinha quatro filhas virgens que se comunicavam com os

Espíritos e que ali chegara Ágabo...

... Sofrimentos pela causa da Verdade.

Perseguições no culto do dever.

Dever acima de tudo com Jesus até a morte se necessário, já que a vida que possam

tomar aos lidadores da fé, a Êle, que é o Senhor, já pertence, desde antes...

(*) Atos 21: 10 e seguintes.

Nota da Autora espiritual.

100

25 - A CURA REAL

— É como vos digo, nobre Lavínia! Os cristãos constituem o grupo mais cordato de

todo o Império, incapazes de desordens ou desrespeito de qualquer natureza. Amam a

verdade e obedecem às leis, colaborando eficazmente pelo bem geral. Mesmo quando

consideram os governos arbitrários ou injustos, mantêm a mansuetude e porfiam na

esperança, mesmo se espoliados ou perseguidos...

Falas, Mirian — redargüiu a outra — como se os conhecesses. E isto surpreendeme.

Vives na minha casa como hóspede honrada e querida desde os dias dos meus

pais, e jamais supus que privasses com essa gente. . . Certamente, a sua

famigerada Doutrina nascida de um malfeitor que foi justiçado numa Cruz estimula-te

e até certo ponto compreendo as tuas simpatias, considerando as afinidades

decorrentes da tua raça e dos teus costumes... No entanto, és mulher inteligente,

verdadeira diva da música, do canto, e porque não dizê-lo, uma eleita dos deuses se

não fosse...

Compreendo respeitável patrícia — acudiu, a interlocutora, comovida. — É-me

difícil explicar-vos . . . A verdade, porém, constrange-me a afirmar-vos, fiel ao

respeito que vos devoto, que os cristãos obedecem à ordem. . .

. . . Mas não sacrificam aos deuses, ferindo as venerandas tradições de Roma.

Concordo que não reverenciam outros deuses, senão Deus, que é o Único e o

Soberano Senhor do Universo.

Espantas-me! Pareces cristã.

Se assim vos pareço, gostaria de dizer-vos que Jesus me fascina.

Blasfemas! Enlouqueceste? Por que nunca m'o referiste?

Jamais me perguntastes, senhora.

Que tens a favor do Crucificado e contra os nossos deuses?

Nada Senhora, nada contra. Somente a favor de Jesus a Quem conheci, faz muitos

anos.. .

Os olhos negros e grandes da mulher nublaram-se de lágrimas, parecendo rever

através dos painéis da memória o longínquo passado, vivo e fulgurante na sua

alma.

Quando o conheceste, já eras?...

Sim, foi a paralisia que me conduziu à Sua presença.

E Êle não te curou? Não dizem que era taumaturgo?

Não, não me curou o corpo é certo. Não o corpo...

101

Lá fora o sol causticante de julho e o calor aba fado, desagradável.

No átrio do palácio entre os ciprestes verdes e esguios as duas matronas dialogam e

os loendros, sob a forte luz do verão, arrebentam-se em festa de flores perfumadas.

— Escutai-me! Dir-vos-ei. . . Ouvi falar de Jesus, — fêz-se mais bela a

narradora cuja tez morena tornara-se levemente pálida — quando os sonhos da

juventude ofertavam-me o entusiasmo da esperança. Corriam nas minhas artérias

como licor precioso as energias que se transformavam em sonhos na minha

imaginação exaltada, face à dor da paralisia cruel que me retinha ao leito desde a

adolescência . .. Diziam que o Rabi lenia as exulcerações de toda natureza,

limpava as mazelas do corpo e da alma, e diante d'Êle as enfermidades e os

demonios debandavam em retirada. .. Supliquei que me levassem até Êle, no sítio

em que pousava...

A voz embargada, refletia a emoção da expositora, dominada por expressiva

saudade, a transparecer na evocação dos fatos.

Êle pernoitava, então, — prosseguiu relatando — na casa modesta de um dos seus

de nome Pedro, que, segundo consta, se encontra agora em Roma. Conduzida à

Sua presença, perguntou-me cominefável modulação: "— Que queres que eu te

faça, minha filha?" — "Que volte a andar, Senhor!"

"A expressão do Seu rosto, aqueles olhos transparentes e puros penetrando-me a

face imersa em tristeza, oh!, nunca pude olvidar!

"Fitou-me demoradamente, e depois redargüiu: "— Andar não é o mais importante

na vida como supões. Dar-te-ei muito mais. Vai em paz!"

Mas nunca levantaste da cama — arremeteu, irada, a patrícia romana. — E como O

respeitas e dizes que O amas?

Por muito tempo — permiti-me referir-vos — pensei também assim. Por que Êle não

me curara ?

Conheci paralíticos outros aos quais Êle restituíra os movimentos, cegos, surdos,

mudos, endemoninha dos que se recuperaram após estar com Êle. Por que eu não?!

"Foi somente a lição do tempo que me fêz compreendê-Lo.

"À medida que se passavam os meses e os anos, aqueles beneficiários das Suas mãos

e da Sua compaixão voltaram a enfermar e alguns morreram.. . Outros, após a saúde

desertaram dos deveres, acumpliciando-se com males e infelicidades danosos e de

difícil elucidação... Eu, porém, continuava paralítica, todavia, paulatinamente fui

sendo possuída por incomparável paz, dominada por inexplicável alegria de viver e

amar. Transformei minha dor em sorrisos para os mais infelizes do que eu e a minha

aflição resignada ensinava em silêncio, conforto e esperança a outros padecentes."

102

Fêz uma pausa, como se desejasse recompor mentalmente a ordem dos

acontecimentos, para logo prosseguir, elucidando:

— Aqueles olhos dúlcidos pareciam fitar-me sempre e aquela voz

incomparável continuava soando-me aos ouvidos. Passei a amar Jesus. . .

"Êle, é certo, havia partido. Contaram-me sobre o Seu retorno e reaparecimento,

reiteradas vezes.. . Narraram-me Seus ditos, seus feitos e descobri-me amando-O,

através do sofrimento dos que não O puderam conhecer. . . Fui convidada a participar

das reuniões que se faziam em Sua memória e ali, com a cítara e a voz, nos

intervalos das narrativas e dos estudos da Sua palavra, eu cantava bendizendo Sua

misericórdia e Seu amor. . .

"Estava curada, não do corpo, mas da alma, que é muito mais importante.

"Vossos pais, quando de passagem por Jerusalém, conhecendo-me convidaram-me a

vir a Roma para cantar e ser vossa amiga, então. . . "

No dia quente, ante a piscina cercada por altivas colunas de mármore, suave olor

perpassa.

É como vos digo, nobre Lavínia. . .

Esse Jesus, sem dúvida, — falou tranqüila, então — conquanto os meus respeitos

à Lei e às tradições de Roma, pelo que dizes, parece-me um deus.

Não um deus, pois que Deus só um existe, mas o "Filho de Deus", Rei Sublime

que está acima de todos os reis...

Cala-te, Mirian, para que ninguém suponha que conspiramos contra o Imperador, e

silencia tuas simpatias pelos cristãos...

Não posso, Senhora. Perdoai-me! Quem conhece Jesus pertence-Lhe, entregando-

Lhe a vida desde então, para que Êle a dirija.

Admiro o teu amor. Respeito a tua fé.

Muito obrigada, nobre senhora. Salve!

E o dia continuava lá fora, vencendo o ciclo do sol...

* * *

Ao entardecer daquele dia, no Circo Máximo, um magote de cristãos era atirado às

feras em testemunho de amor a Jesus.. .

F I M