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ERNESTO BOZZANO
O ESPIRITISMO E AS MANIFESTAÇÕES SUPRANORMAIS
REMONTANDO AS ORIGENS
BREVE HISTÓRIA DOS RAPS
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TÍTULO DOS ORIGINAIS
En remontant aux origines. Breve Storia dei “picchi medianici” (raps).
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TRADUÇÃO DE
Francisco Klors Werneck
Estas monografias foram publicadas em LUCE E OMBRA, a principal revista italiana de Espiritismo, órgão mensal fundado em 1900 e editado pelo Professor Angelo Marzorati até a sua morte, ocorrida no outono de 1931. Seu título foi mudado em janeiro de 1932 para LA RICERCA PSIQUICA, transferindo-se os escritórios editoriais de Roma para Milão.
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Índice
Remontando as Origens
- O caso Jonathan Koons
- Apêndice dos Editores
- O caso J. Larkin
Breve história dos “raps”
- Breve história dos “raps” (golpes medianímicos)
- Os golpes nos fenômenos de assombração
- Os “raps” nos fenômenos telepáticos
- Os “raps” nos fenômenos mediúnicos
Remontando Às Origens
O CASO JONATHAN KOONS
Na vida moderna, tão febril e agitada e na qual tudo muda, se transforma, progride ou degenera sem cessar, o tempo faz-nos eventualmente voltar o pensamento ao passado, para relembrar, com sentimentos de reconhecimento, os nomes de tantos obscuros trabalhadores da inteligência, que contribuíram, coletivamente, para criar este meio ambiente de cultura e de bem-estar que nos torna tão orgulhosos. Estas reflexões melancólicas, embora expressas em termos gerais, podem ser atribuídas a todos os ramos do saber humano, mas limitar-me-ei aqui a aplicá-las em relação ao movimento espiritualista atual.
Neste domínio, com efeito, bem poucos pesquisadores se dão conta da necessidade de remontar, de tempos em tempos, às origens, comparando os resultados de hoje com aqueles a que chegaram os primeiros investigadores. E esta negligência não é apenas lastimável quanta aos que muito trabalharam e sofreram pela causa da Verdade; ela é mais deplorável ainda porque prejudica a evolução normal das doutrinas metapsíquicas.
Com efeito, nota-se muitas vezes que algumas das conclusões mais importantes a que chegamos em nossos dias e que parecem o resultado do nosso saber evoluído, já tinham sido alcançadas por nossos bravos pioneiros de há setenta anos. (*) Da mesma maneira, encontram-se freqüentemente, nas atas de suas experiências, tentativas cheias de interesse e de originalidade dignas realmente de serem tiradas do esquecimento para que se possa renovar-lhes a aplicação.
(*) Bozzano escrevia em 1925 (Nota dos Editores).
Pensei então em fazer uma exposição crítica das pesquisas experimentais executadas em alguns dos numerosos “círculos” que se sucederam nos primeiros dez anos do movimento espiritualista, começando pelo “circulo” de Jonathan Koons, um homem que recebeu a paga do seu devotamento admirável ao serviço da nova Ciência da Alma com a sua própria ruína moral e financeira, o que constitui o destino de tantos precursores.
Creio útil indicar que as citações e os resumos das atas, que aparecem neste trabalho, foram tirados, na maior parte, da interessante obra histórica de Emma Hardinge-Britten Modern, American Spiritualism (1870), de um ano muito raro da revista The Spiritual Telegraph (1853) e em pequena parte, também do livro do professor Robert Hare Experimental Investigations (1855), bem como do primeiro volume da obra de Frank Podmore Modern Spiritualism (1902).
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Jonathan Koons era proprietário de uma modesta mas próspera granja, situada num distrito montanhoso do condado de Athens, no Ohio, a setenta e duas milhas de Columbus, a capital do Estado. Era pai de oito filhos e, até o começo do ano de 1852, a sua tranqüila existência decorrera absorvido inteiramente pelos seus deveres de pai e pelos cuidados da sua granja. No ponto de vista de religião, a sua mentalidade, essencialmente submetida à razão, se tinha revoltado cedo contra a imposição, pela fé, de certos dogmas ultrapassados e absurdos e, oscilando de uma revolta à outra, caíra finalmente em um ateísmo absoluto.
Entrementes, as famosas manifestações mediúnicas de Hydesville se tinham produzido graças à mediunidade das irmãs Fox e várias famílias dos arredores haviam organizado “círculos de experimentação” com o fim de obter manifestações análogas. Uma família amiga de Koons havia tentado, por sua vez, a empresa, com bons resultados, e, certa noite, Koons deixou-se arrastar a uma dessas sessões. As manifestações às quais assistiu não foram de grande importância, mas ele voltou a casa com a convicção de que as batidas (raps), de natureza inteligente, que ouvira, não eram obra da ingênua mocinha que desempenhava a função de médium.
Convidado para ir a outros “círculos”, ficou surpreso ao ouvir repetir por todas as personalidades mediúnicas (*) que ele, Koons, possuía faculdades mediúnicas. Certa vez ouviu mesmo declarar, sem rebuços, que ele era o médium mais poderoso de sua época, que um dos seus filhos também era médium e que todos os membros da sua família eram sensitivos. Constituiriam excelentes elementos para as manifestações espíritas. O bom do granjeiro acolheu a espantosa notícia com uma explosão de riso, mas se deixou convencer a tentar a prova de sua mediunidade, formando um grupo familiar. A experiência teve um êxito de modo a autorizar toda a esperança, e mais do que isto, de acordo com as declarações das entidades comunicantes, verificou-se que um dos filhos de Koons, chamado Nahum, de 18 anos de idade, caía em transe, escrevia automaticamente e falava por inspiração.
(*) Bozzano denomina os espíritos comunicastes “personalità medianiche”. Em 1940 publicou uma monografia com o título “Personalità medianiche che si dichiarano Personalità subcoscienti”. (Nota dos Editores.)
Eis em que termo se exprimiu o próprio Jonathan Koons a respeito das suas primeiras experiências.
Obtivemos as manifestações mais notáveis e de maior força que se produziram em todo o distrito, apesar do que, no que me dizia respeito, não chegava a convencer-me de que essas manifestações eram obras de “espíritos desencarnados”, continuando a atribuí-las à “eletricidade” e à “biologia”. Não podia adaptar-me à idéia da sobrevivência da alma. Reconhecia que certas manifestações eram maravilhosas, admitia não poder explicá-las, concordava em que entre elas havia algumas muito belas e elevadas, mas permanecia, assim mesmo, atormentado pelas dúvidas, e seguia céptico, ao passo que a minha família e os meus amigos se pasmavam, ao contrário, de admiração, diante das comunicações angélicas que havíamos obtido.
Certo dia, finalmente, por meio da mediunidade de meu filho, as personalidades mediúnicas me disseram para construir, no jardim, um quarto de madeira, destinado exclusivamente às experiências, assim como uma mesa especial, tudo conforme planos e desenhos que me forneceriam. Depois disso eu poderia obter todas as provas que desejava, de modo a convencer centenas de pessoas, cépticas como eu, a respeito da existência e da sobrevivência da alma.
Decidido a ir ao fundo do mistério, pus-me à obra e construí, no jardim, uma sólida cabana de madeira, assim como a mesa, seguindo escrupulosamente os planos fornecidos. Depois disto, sempre conforme as instruções recebidas, coloquei papel e lápis sobre a mesa, fechei à chave o quarto, cuja porta selei, depois do que me pus em guarda diante dela. Decorrido o tempo fixado, abri-a e entrei, quando então achei as folhas de papel cheias de uma longa mensagem a mim dirigida e que continha ensinos, conselhos, promessas encorajadoras, censuras amáveis ao meu cepticismo e ainda provas íntimas e eloqüentes que demonstravam que essa mensagem provinha de uma inteligência espiritual sábia e elevada.
Prossegui, durante várias semanas, nessas experiências, reunindo um número considerável de comunicações obtidas no silêncio e o mistério de meu “quarto espírita”, sem a menor possibilidade de qual quer intervenção humana. Não é, pois, de surpreender que o meu inveterado cepticismo desaparecesse pouco a pouco e que as minhas perplexidades houvessem acabado por se transformar na certeza inabalável de que me achava nas mãos de uma falange de entidades espirituais sábias, poderosas e elevadas. Certo dia, os “invisíveis” ditaram uma lista de instrumentos de música e outros artigos que eu deveria procurar para colocar no quarto, de acordo com as instruções que me seriam dadas...”
É preciso acrescentar que o fenômeno da “escrita direta” do qual se pôde ler a descrição, tornou-se, em seguida, o mais habitual nesse círculo de experimentadores e que a maior parte do tempo, quando ele se produzia, todas as pessoas podiam observar a mão espiritual, fosforescente, que grafava a mensagem com prodigiosa rapidez.
Adicionarei, para a história, que, nos anais das manifestações mediúnicas, era a segunda vez que se obtinha o fenômeno da “escrita direta”. Esse fenômeno já se tinha, verificado pela primeira vez, em plena luz, em 1850, na casa do Hon. James F. Simmons, Senador dos Estados Unidos da América para o distrito de Rhode Island.
Antes de prosseguir na exposição das outras manifestações obtidas no “círculo” de Koons, preciso dizer uma palavra sobre a natureza das personalidades mediúnicas graças às quais elas se produziram, explicações fornecidas por elas próprias relativamente às condições em que produziam os fenômenos e as posteriores instruções dadas para facilitar-lhes à realização.
Os “espíritos-guias”, que se manifestavam nas experiências de Koons, diziam ter vivido milhares de anos antes da época assinalada na história pela lenda de Adão e Eva; faziam-se chamar pelo nome genérico de Reis (Kings), porque se achavam na direção de diversas hierarquias espirituais. Acrescentaram que haviam recebido a missão de encaminhar os homens para a demonstração experimental da existência e da sobrevivência da alma. Disseram ainda que, levando em conta a falta de preparo espiritual dos homens, não viam outro meio para atingir o seu fim senão o de ferir antes a sua imaginação por meio de fenômenos psíquicos diversos e potentes e que, com esse propósito, haviam reunido falanges de espíritos inferiores, muito materializados e atraídos pelo mundo dos vivos, porque só eles estavam em condições de manipular os fluido que se desprendiam dos médiuns, empregando-os na produção dos fenômenos, sob a direção e a vigilância de espíritos superiores. Observarei aqui que o chefe dessas falanges de espíritos inferiores disse ter vivido na Inglaterra no tempo de Carlos 11, de ter sido um famoso corsário de sobrenome Morgan e falecido como cavaleiro da Coroa Inglesa e governador da Jamaica. Nas experiências de Koons, tomara o nome de “John King”. Teria sido o mesmo que se manifestou mais tarde pela médium Srta. Florence Cook, declarando-se pai de “ Katie King”.
Os “Espíritos-guia” forneceram a Koons, além disso, as instruções necessárias para a construção de uma “máquina espírita” com fim de detectar e localizar as auras magnéticas dos médiuns e assistentes, aura indispensável para a produção das manifestações espíritas. É lastimável que os historiadores do Espiritismo tenham todos negligenciados de fornecer uma descrição detalhada do aparelho em questão, descrição que apareceu em uma revista da época The Spiritual Clarion. Seria, com efeito, muito interessante se possuíssem indicações suficientes a respeito. A sua reconstrução seria provavelmente eficaz para a produção de uma grande parte dos fenômenos mediúnicos, pois que se tem prova indubitável de que o aparelho se mostrou muito eficaz nas experiências de Koons. Sabe-se apenas que era composto de elementos de cobre e de zinco, disposto de um modo assaz complicado. De acordo com as diretivas dos “Espíritos-guia”, essa “bateria eletro-magnético” foi colocada no centro de uma grande mesa de madeira, sobre a qual eram dispostos os instrumentos de música e todos os objetos a serem utilizados nas manifestações.
Registremos também que os “espírito-guias” haviam fornecido a Koons uma receita para preparar uma solução fosforescente a ser colocada sobre a “mesa mediúnica” a fim de que as mãos materializadas pudessem mergulhar-se nela, tornando-se assim visíveis em todos os seus movimentos.
Antes de começar as suas novas manifestações objetivas, os “espíritos- guias” tiveram o cuidado de avisar que elas não tinham nenhum valor no ponto-de-vista da missão espiritual que lhes havia sido confiada, exceto como uma introdução necessária à missão mesma, que elas não estavam destinadas senão a impressionar os homens de maneira a abalar-lhes o cepticismo e a levá-los a refletir sobre os mistérios do ser. Em seguida, o chefe supremo dos espíritos guias ditou, por meio da “escrita direta”, uma longa mensagem, de elevado conteúdo ao “circulo”, mensagem de que não me é possível reproduzir senão o começo e o fim. Ei-los:
“O espírito do ser espiritual que se manifesta na Terra sob o nome simbólico de “King”, Servidor e Discípulo de Deus, deseja apresentar-se a Jonathan Koons e a todos. Eu vos escolhi para a realização dos meus fins por causa das faculdades mediúnicas, magnéticas, clarividentes que possuis e graças às quais os espíritos poderão exprimir, de viva voz ou por escrito, os seus pensamentos, sem expor muito a vê-los deformados pelas idéias preconcebidas dos médiuns ou mal transmitidas por causa de sua ignorância. Viemos ao vosso meio em conseqüência da necessidade urgente de novas verdades espirituais que hoje se manifesta entre os vivos. Não ignoramos que a nossa obra é repelida e condenada por um grande número de pessoas como uma armadilha de Satanás, desse Satanás que fazem questão de abominar, embora, na verdade, dele se sirvam constantemente para crucificar a Verdade, repudiando tudo o que contrasta com o seu pobre orgulho e os seus vãos preconceitos. Acreditais que eu me ufano por trazer a minha palavra aos vivos e ser ouvido? De modo algum, eu vos garanto, e, no entanto, tenho a missão de tentar a prova, porque, se uma única ovelha desgarrada ouvir a minha voz e se dirigir ao redil da Verdade Espiritual, eu voltarei ao Pai Celestial que me enviou e lhe direi: “Minha missão está cumprida”.
Por vontade expressa das personalidades mediúnicas, as sessões se realizaram em condições de rigoroso controle e, com esse fim, haviam ditado a disposição em que deveriam ser colocados os móveis, os objetos, os médiuns e os assistentes. Havia primeiramente uma grande mesa quadrada, no meio da qual era colocado o aparelho espírita; em torno dele ficavam os instrumentos de música e outros objetos a serem utilizados nas sessões. Vinha em seguida o tripé mediúnico, que era redondo e tinha um diâmetro de quatro pés. Dois médiuns e quatro experimentadores sentavam-se em semicírculo ao redor desse tripé, deixando livre o lado em que ficava a outra mesa. Finalmente dispunham-se os outros assistentes, em filas cerradas. A Senhora Emma Hardinge, o principal historiador desses fatos, aos quais assistiu, observa o seguinte:
“O quarto estava sempre cheio de gente, de modo que os assistentes cercavam os médiuns de todos os lados; por esse motivo o mínimo movimento de qualquer um deles seria logo percebido e qualquer esforço violento dos seus membros teria sido absolutamente impossível”.
Veremos, aliás, que a melhor prova em favor da autenticidade dos fenômenos é fornecida pela maneira como esses se realizavam.
Os principais instrumentos de música, colocados sobre a mesa grande, consistiam em dois tambores, uma harpa, uma guitarra, um violino, um acordeão, um pandeiro, um triângulo, uma trombeta e várias campainhas.
As manifestações podiam ser classificadas em duas categorias distintas: de um lado os fenômenos físicos e inteligentes. de uma força, de uma potência, de uma violência quase terrificantes; de outro lado os fenômenos físicos e inteligentes de natureza delicada, elevada, espiritual.
As sessões começavam quase sempre por batidas e ruídos estranhos, atordoantes, que podiam ser ouvidos a uma milha circular. Seguia-se uma alvorada formidável, tocada pelos tambores em seguida fazia-se ouvir um ruído estridente, característico, produzido pela carga do “ aparelho espirítico”. Uma vez terminada a carga, faziam-se provas de força, sacudindo, de modo violento, a forte viga de madeira da cabana, que oscilava ou estalava como se movida por um tremor de terra.
Era então a vez dos concertos musicais. Bastava que o médium Koons desse o sinal de abertura, tocando no seu violino. Logo todos os instrumentos entravam em ação, acompanhando a melodia que Koons havia entoado, guardando o ritmo, mas excedendo na potencialidade sonora das notas, levadas ao máximo que um músico humano pode atingir. Em outras circunstâncias, ao contrário, o concerto mediúnico decorria em melodias “celestiais”, desenvolvendo uma delicadeza de sentimentos que emocionava e entusiasmava o auditório. Por vezes, enfim, uma “voz espiritual” pedia o mais absoluto silêncio e ouviam-se então côros de vozes angelicais que pareciam chegar de remotas paragens, causando nas almas uma sensação incomum e profunda de misticismo e de mistério. Em seguida, esses côros pareciam aproximar-se lentamente até penetrar e ressoar no meio da sala. Seu efeito sobre o auditório era prodigioso e inesquecível, estando os seus narradores acordes em declarar que nada poderia dar uma idéia deles às pessoas que não os tinham ouvido.
Muitas vezes, quando os côros angelicais se faziam ouvir, o ar palpitava de pequenas chamas que volitavam de um lado para o outro com a agilidade e a volubilidade caprichosa dos insetos, mas com isto de especial os seus movimentos seguiam o ritmo da música. Algumas vezes viam-se aparecer, no meio das chamas, mãos materializadas que tinham formas e dimensões diferentes e que deixavam cair sobre os assistentes às folhas de papel pintado com a solução fosforescente preparada por Koons. Essas mãos desciam, algum tempo após, no meio dos assistentes que, graças ao papel fosforescente, estavam em condições de observá-las. Elas se deixavam apalpar livremente pelos experimentadores, entre os quais se achava às vezes o céptico exagerado que procurava segurar alguma delas, decidido a não deixar escapá-la, caso em que a mão se libertava prontamente, dissolvendo-se em vapor e se reconstituindo logo depois. Os que tinham contato com as mãos materializadas afirmavam, em termos concordantes, que elas pareciam em tudo idênticas às mãos humanas, menos por esta distinção: eram frias como as de um cadáver.
A propósito do fenômeno interessante das mãos que se desfaziam em vapor para se libertarem do aperto de certos experimentadores, importa notar que era a primeira vez que esse fenômeno era obtido nos grupos espíritas. O mesmo fenômeno ocorreu, a seguir, repetidamente com o médium D. D. Home e em algumas circunstâncias com Eusápia Palladino.
Um outro fenômeno teoricamente muito importante era o do diálogo estabelecido entre os experimentadores e seus mortos, pela “voz direta”. A este respeito observa a Senhora Emma Hardinge o seguinte:
“Deve-se notar que vários visitantes que haviam desejado conservarem-se inteiramente incógnitos, foram chamados pelos seus nomes pelas personalidades mediúnicas. Nessas circunstancia, os visitantes em questão, com grande surpresa afirmavam ter perfeitamente reconhecido o timbre de voz e o acento pessoal do desencarnado que se dizia presente e que lhes fornecia indicações absolutamente verídicas e íntimas relativamente às suas existências terrenas. São essas provas, de natureza irrefutável, que servirão para convencer centenas de pessoas a respeito da presença real dos espíritos dos mortos”.
Para a história, importa observar que o fenômeno da “voz direta” foi produzido, no círculo de Koons, pela primeira vez desde o início do movimento espírita, o que faz com que essa série de experiências marque uma data importante nos anais do Espiritismo. Bem entendido, o fenômeno não era inteiramente novo, pois se encontram os fatos dessa natureza em todas as histórias e tradições dos povos a partir da mais remota Antigüidade. Sabe-se também que ele sempre se verificou espontaneamente, freqüentes vezes nos “fenômenos de assombração”. Entre os povos selvagens, têm sido assinalados exemplos esplêndidos de “voz direta” obtida experimentalmente. O que constituiu uma real novidade, foi o emprego de um porta-voz para reforçar o volume das vozes dos espíritos, artifício que foi sugerido a Koons pelas personalidades mediúnicas.
No mesmo círculo foram também obtidas mensagens por “escrita direta”, a pedido dos experimentadores, casos em que, como já disse, podia perceber-se a mão fosforescente que escrevia. Eis um exemplo, escolhido ao acaso, entre as centenas que foram publicadas. No relatório enviado à revista The Age of Progress pelo Senhor Stephen Dudley lê-se o seguinte episódio:
“Socilitei ao Senhor Koons pedisse aos espíritos para escrever uma mensagem para mim e logo um deles se apossou do papel e do lápis que eu havia depositado em cima da mesa. Devo dizer que me provera de papel de impressão, sem dimensões exatas e sem pautas, isto é, de papel diferente do que se pode achar nesse distrito afastado dos grandes centros ou, mais precisamente, que não se pode encontrar a não ser nas editoras. Havia também pensado em me prover de um lápis especial, que me fora fornecido pela Casa Flesheim, de Buffalo. O espírito colocou o papel bem defronte de mim e logo apareceu uma mão luminosa, indubitavelmente humana, que apanhou o lápis e começou a escrever com uma rapidez prodigiosa, que jamais a mão de um vivo poderia igualar. O papel, a mão e o lápis estavam tão perto de mim que eu poderia tocar neles sem sair do lugar, pelo que pude observar tudo de uma maneira completa e precisa. Meu vizinho estava de tal modo atento na observação do fenômeno que, em dado momento”, aproximou mais sua cabeça. Então a mão que escrevia, com um movimento rápido, lhe deu com o lápis uma pequena pancada no nariz, provocando, no curioso, um vivo sobressalto de surpresa e de medo, em vista do que se encolheu rapidamente. Alguém exprimiu o desejo de contemplar a mão mais de perto e essa depositou o lápis, adiantou-se, abrindo, fechando e movimentando os dedos, a fim de mostrar a flexibilidade das suas juntas e, ao mesmo tempo, a amabilidade do seu possuidor. Certa senhora, colocada um pouco longe, se queixava de não ver bem e a mão apanhou o papel, levou-o para de fronte dela e escreveu várias linhas, para retornar em seguida ao seu lugar. Quando as duas páginas de papel ficaram cobertas de escrita, a mão dobrou-a com cuidado e entregou-me com o lápis. Certifiquei-me de que o papel e o lápis eram bem os mesmos que eu tinha depositado sobre a mesa. Finalmente, a mão se mostrou sucessivamente a todos os assistentes, concedendo-lhes um aperto cordial. Um dos assistentes evitou, entretanto, tocá-la, certamente por timidez ou medo. Observamos todos que essa mão materializada era tão sólida quanto à de um vivo, porém mortalmente fria ...”
Com isto termino a enumeração dos principais fenômenos que se produziam na “câmara espírita” de Jonathan Koons. Com efeito, seria inútil estender-me na descrição dos outros fenômenos menores, geralmente conhecidos, tais como os golpes desferidos em todos os cantos do quarto, os sopros de vento frio, os deslocamentos, as levitações de objetos, etc.
Pouca coisa restou das numerosas mensagens morais, didáticas, científicas e filosóficas redigidas por meio da “escrita direta”, pelo chefe supremo “King” e os outros espíritos que o assistiam. Os consulentes, com efeito, levaram consigo as longas mensagens obtidas. O dr. J. Everett reuniu um certo número delas que publicou em um opúsculo do qual falaremos mais adiante. Jonathan Koons publicou, por sua vez, um resumo geral dos ensinamentos nelas contidos, que se revestem de um real interesse porque concordam, admiravelmente, com as conclusões às quais chegou-se hoje, relativamente à solução mais racional de alguns enigmas do mediunismo.
No que se refere às condições necessárias para que os espíritos possam comunicar-se com os vivos, são muito instrutivas as observações seguintes. Escreve Koons:
Numa longa comunicação dada por meio da “escrita direta” na “câmara espírita” onde não se achava ninguém, lê-se que os espíritos, para se comunicarem com os vivos, empregam dois elementos principais. O primeiro é um elemento eletromagnético constituindo o substrato do “corpo etérico” dos espíritos ; o outro é a “aura física”, se desprendendo dos organismos dos médiuns e dos assistentes ou que é subtraído a substancia inanimadas, “aura” que corresponde ao que se chama de “força vital”. A combinação dos dois elementos em apreço dá lugar a um terceiro elemento eminentemente ativo, embora passível de sofrer a influência do meio e sobretudo das emanações dos organismos humanos. Quando as condições permitem que o elemento espiritual eletromagnético seja o mais forte, então os espíritos se acham em condições de triunfar sobre as leis de coesão e gravitação; podem assim dissolver e reconstituir toda substancia com uma rapidez enorme ou levantar no ar transportar objetos mais ou menos pesados, tocar instrumentos de música e assim por diante, tudo isso graças à força que se acumulou com a ajuda da “bateria eletromagnética”. Do mesmo modo saturando-se desse elemento, os espíritos ficam em condições de entrar em relação com os seres vivos, empregando o lápis e a pena, escrevendo mensagens e desenhando. É ainda assim que eles produzem golpes e ruídos, fenômenos vibratórios e ondulatórios que realizam manifestações luminosas ou que se condensam as vibrações sonoras de maneira a produzir a voz humana, falando e cantando.
No que concerne à parte científica e filosófica dos seus ensinos, direi que os “espíritos guias” não cessam de exortar os experimentadores a submeter ao controle da razão as mensagens mediúnicas que obtêm. Explicam, com efeito, que é muito difícil para um espírito transmitir, aos vivos sem nenhuma alteração, o seu pensamento, porque os órgãos cerebrais de que se servem não estão sempre em condições de assimilar as idéias espirituais que lhes são transmitidas, seja por causa da cultura geral deficiente dos médiuns ou dos preconceitos enraizados na sua mente. Além disto, os espíritos-guia insistem no fato de que a linguagem humana é um meio muito imperfeito para a transmissão de concepções espirituais... Acrescentam que os espíritos, situados há muito tempo nas Esferas, tendo adquirido o hábito de transmitir os seus pensamentos com o auxílio de meios bem mais perfeitos que a palavra, perdem o hábito de se exprimir pela linguagem humana. Observam, finalmente, que o magnetismo dos médiuns limita e deforma os pensamentos transmitidos pelos espíritos, mesmo no caso da “escrita direta”, isso embora, aparentemente, toda participação das faculdades intelectuais dos médiuns, nessa operação, pareça estar excluída. Com efeito, a mão materializada, ainda que separada do organismo do médium, lhe está ligada por um cordão fluídico invisível e, salvo em raras circunstâncias, obedece à sua vontade. Quer dizer que a personalidade sonambúlica do médium é ainda a que registra e traduz, na linguagem humana, os pensamentos dos espíritos, transmitindo à mão que escreve.
Em resumo: os espíritos guias afirmavam que as mensagens espirituais transmitidas aos vivos têm muito da mentalidade do médium, às vezes pela forma e às vezes pela substância, como as feições de uma forma materializada se assemelham quase sempre às do médium. (Esta última analogia é minha).
Examinando esses ensinamentos dos espíritos, ditados no decurso de 1852 a 1856, é curioso observar que a pesquisa moderna não conseguiu ultrapassá-los e ir mais longe. Nada de melhor foi obtido e se mantêm ainda idênticas conclusões quanto à explicação dos perturbadores enigmas próprios à investigação psíquica. Aqui vale acrescentar que, mesmo entre os investigadores mais competentes na matéria, há ainda um grande número que se recusa a acolher tais explicações, preferindo considerar o defeito de forma e conteúdo observados em certas mensagens teoricamente importantes, como provas de que as mensagens em questão não podem ser de origem espírita. Do mesmo modo, aproveitam-se da circunstância de as formas materializadas se assemelharem por vezes aos médiuns rara acusá-los de fraude ou para, quando o controle é rigorosamente mantido, declarar que a forma materializada é, em todos ns casos, apenas o duplo do médium. É, pois, útil recordar que desde os começos do movimento espírita, as personalidades mediúnicas se preocuparam em responder, em termos adequados e racionais, às dúvidas teóricas engendradas pala maneira como se produziam certas manifestações mediúnicas.
Observarei que os “espíritos-guia” do círculo de Koons obviamente forneceram as explicações transcritas com a finalidade de justificar os defeitos de diferente natureza que se encontravam em suas próprias mensagens, nas quais os mais admiráveis ensinos de ordem moral, religiosa, científica e filosófica eram muitas vezes formulados em termos defeituosos. Verifica-se igualmente que os “espíritos-guia” tentaram, por várias vezes, explicar a natureza e a razão de ser do elemento elétrico do universo, assim como a natureza e a razão de ser do elemento magnético-vital nos organismos vivos, mas tiveram que renunciar ao propósito porque o seu pensamento era transmitido imperfeitamente, resultando as tentativas em um conjunto de frases desordenadas e indecifráveis, ainda que certos pensamentos cá e acolá bastem para revelar a alta significação científica que teria tido a mensagem se transmitida integralmente. Pelo contrário, quando se trata de assuntos menos árduos à mentalidade humana, os ensinos são formulados de modo mais feliz. É nesses últimos que se observa a eloqüente concordância habitual com as conclusões às quais chegaram hoje vários pesquisadores. Koons escreve o seguinte a este respeito:
“Entre outras coisas, os espíritos ensinavam que o “corpo carnal” é penetrado, em todas as suas moléculas, por um “corpo espiritual”; que é nesse último que residem a consciência e a inteligência; que, no momento da morte, a consciência e a inteligência, juntamente com o “corpo espiritual”, se distanciam do “corpo carnal” que o primeiro conserva temporariamente a forma humana e as tendências e disposições que o caracterizavam quando vivo. Em outras palavras, eles afirmavam que tanto o “corpo espiritual” “quanto o “Espírito” que o penetra, ainda que destinados a um progresso glorioso e eterno, conservam, depois da morte, as tendências virtuosas ou viciosas de que tinham dado provas durante a existência terrestre, o que faz com que o “corpo espiritual” pareça grosseiro ou sutil, denso ou sublime, radioso como Sol ou tenebroso como a noite em perfeita relação com as condições morais e intelectuais nas quais se passou a existência terrena.
No ponto-de-vista religioso, os “espíritos guias” ensinavam que um elemento de verdade existe em todas as religiões, que todas essas são igualmente respeitáveis e necessárias porque cada uma se adapta ao grau de evolução atingido pelo povo que a professa. Eles condenavam, pois, e denunciavam asperamente a intolerância religiosa e toda espécie de dogmatismo sectário. Foi esta uma das causas que atraíram para o círculo de Koons os ressentimentos e as vinganças do clero. Os ministros das diferentes confissões cristãs se puseram de acordo para caluniar e difamar Jonathan Koons e toda a sua família, excitando, em seguida, contra ele, hordas de fanáticos. Koons viu então a sua casa invadida por comissões criadas arbitrariamente e esses juizes inquisidores tudo vasculharam, procurando descobrir as supostas fraudes, e submetendo-o a interrogatórios humilhantes. Koons viu em seguida sua granja ser incendiada, destruídas suas colheitas, insultados e ameaçados sua esposa e filhos. Como se isso não fosse bastante, o comentário dos prodígios, produzidos em sua casa, tendo-se largamente espalhado nos Estados Unidos, atraiu sobre o infeliz as censuras e a cólera do misoneísmo laico, começando pelos jornalistas e indo até aos sábios, fazendo todos o melhor por estigmatizar, com epítetos infamantes, a família Koons, que, segundo se apregoava, subtraía dinheiro aos imbecis e traficava com o mistério sagrado da morte. Tudo isto era dito e exercido contra um homem que acolhera sempre generosamente, em sua casa, hóspedes em grande número. Como a granja ficava perdida no meio do campo, ele, de contínuo alojara e alimentara gratuitamente todos os seus hóspedes, até o dia em que, dois anos passados nesse sistema tão custoso de hospitalidade se encontrara desprovido de recursos para viver.
A este respeito, deve-se observar que Frank Podmore que, como se sabe, se obstinou durante toda a sua vida a reduzir a fenomenologia mediúnica inteira a simples telepatia, atribuindo precipitadamente as manifestações físicas e clarividentes, em massa, a fraudes dos médiuns (sem hesitar em insinuar suspeitas de fraude mesmo em relação à personalidade íntegra de William Stainton Moses) deve-se observar, digo eu, que Podmore, quando chega, em sua história do Modern Spiritualism, às manifestações do círculo de Koons, dele fala apressadamente e passa a seguir a outro assunto, sem fazer comentários e sem formular nenhuma insinuação contra a honorabilidade desse infeliz que foi Koons. É difícil de ler essa passagem da obra de Podmore sem experimentar surpresa. Parece incrível que o autor, apesar de sua ausência de escrúpulos, não tenha chegado a imaginar alguma insinuação de fraude capaz de sustentar-se em face da lógica. A coisa podia, aliás, ser prevista a priori, pois que era impossível infirmar as centenas de atas existentes, todas atestando a realidade dos fenômenos em termos precisos, eficazes e concordantes, tornando impossível explicar pela fraude as modalidades pelas quais se manifestavam os fenômenos. Como explicar, com efeito, pela hipótese da fraude, o episódio das mãos materializadas que se dissolviam nas mãos dos experimentadores? Como explicar o fenômeno da “câmara espírita” que era abalada em suas bases como que por um tremor de terra? Como explicar o fenômeno das pequenas chamas mediúnicas que volitavam no ar, seguindo o ritmo da música? Como explicar o fenômeno da “voz direta” no qual as personalidades dos defuntos conversavam com o timbre de voz e o acento pessoal que tinham quando vivos, fornecendo detalhes verídicos e íntimos sobre as suas vidas terrenas? Como explicar o fenômeno da “escrita direta”, obtido em um lugar hermeticamente fechado e onde não havia ninguém, graças ao qual se respondia a perguntas formuladas, no momento, do lado de fora? Como explicar o fenômeno dos concertos de música em um quarto isolado no jardim e que não se prestava à introdução de comparsas? Para doze instrumentos de música, doze músicos são necessários; e de onde viriam eles? De onde viriam os suaves cantores dos “coros angelicais” que emocionavam de tal modo os assistentes?
Segue-se de tudo isto que as manifestações do círculo de Koons marcam uma data importante na história do Espiritismo moderno. O devotamento com o qual Jonathan Koons se consagrou à propaganda da Verdade, olvidando os seus interesses mais essenciais e se submetendo a um doloroso martírio moral e material, merece ser recompensado, transmitindo-se à posteridade seu nome cercado da gratidão eterna dos pesquisadores. O nome de Jonathan Koons tem, pois, direito a um lugar de destaque na história da nova Ciência da Alma.
APÊNDICE DOS EDITORES
Encerrando suas breves notas biográficas sobre Jonathan Koons, o pesquisador Doutor Nandor Fodor, oferece um dramático quadro. A casa pobre de Koons passa a ser apedrejada, seus celeiros, as searas, os estábulos, são destruídos pelo fogo, seus filhos, mesmo os pequeninos, são vítimas de ciladas e voltam para casa marcados por agressões físicas. A intolerância religiosa instiga os vizinhos, montanheses broncos e supersticiosos. Chega o dia em que Jonathan Koons não pode suportar mais. Reúne o que lhe resta, toma os filhos pelas mãos e parte. Deixa para trás o lar rústico e hospitaleiro, onde lhe tinham nascido os filhos; o jardim bordado de flores agrestes, onde construíra a sua “câmara espírita”; atravessa as divisas de suas terras e envereda pelos ásperos caminhos do condado natal. Praticamente perdera todos os seus bens materiais, produto de longos anos de luta contra a natureza renitente da montanha, com seus invernos impiedosos e a rejeição da terra mal-ferida pela civilização.
Todavia não está vencido. Vai começar sua vida de missionário, vai transmitir aos homens, seus irmãos, as verdades que os Espíritos Superiores lhe haviam ensinado. É homem rijo! Enquanto lhe restar um sopro de vida, Jonathan Koons vai proclamar as revelações espíritas.
De aldeia em aldeia, de cidade em cidade, a família Koons vai oferecer sua mediunidade ao exame do público sem jamais receber a paga de um simples “penny”. “Dai de graça o que de graça receberdes!”
Pobre, muitas vezes incompreendido, na dolorosa solidão dos que decidem viver por um ideal, Jonathan Koons foi o maior propagandista que o Espiritismo teve nos dias heróicos em que um outro singelo povoado, Hydesville, abalava a opinião pública americana.
Na história do Espiritismo, como tantos outros pioneiros, Koons avança em suas veredas, missionárias e desaparece no horizonte do tempo. Nenhum autor informa onde recebeu da terra o lençol amigo para o seu corpo cansado. Mas Nandor Fodor sustenta que, recusando-se energicamente a vender suas excelentes faculdades, ensinando, pregando, deixando o público perplexo assistir às maravilhas do fenômeno mediúnico, - só ele capaz de provar a mais alta verdade, a da sobrevivência, com todas as suas implicações, vivenciais e morais, - Jonathan Koons chegou ao seu amargo fim.
Os homens o esqueceram. Bozzano quis espantar esse olvido. Em 1931 nosso fundador, Cairbar Schutel, sensibilizou-se fundamente com o drama de Koons. Em 1932, em tradução de Ismael Gomes Braga, a Casa Editora “O Clarim” lançava a primeira edição desta obra, em língua portuguesa.
Trazemo-la de volta aos leitores modernos em impecável tradução do Dr. Francisco Klors Werneck.
Este livro é uma homenagem a dois mártires espíritas.
O primeiro é Koons, o segundo Larkin!
Esta Editora desejou completar-lhes as biografias. Sobre Koons fala-nos o Doutor Nandor Fodor com profundo respeito, em sua “Encyclopaedia of Psychc Science”. E, no texto mencionado por Bozzano, o cáustico Frank Podmore.
Todavia, na estante de Cairbar Schutel, contendo preciosos clássicos espíritas, não encontramos uma única menção ao Dr. J. Larkin. A obra da extraordinária mulher, Emma Hardinge Briten, “Modern American Spiritualism” encontra-se esgotada há mais de um século. Bozzano teve o original em suas mãos e é manifesto que se emocionou fortemente com o drama desse médico da roça, a tal ponto que, em sua “Breve história do “raps”, integrando este volume, não hesita em escrever... “Cumpri o dever de tirar de imerecido olvido o nome venerado do Doutor Larkin, precursor e mártir do moderno movimento espiritualista!” E, embora se ocupando de Larkin na primeira parte de “Remontando às Origens”, volta a focalizá-lo em doze páginas de sua monografia “Indagini sulle manifestazion supernormal.”
Além das fontes mencionadas... o resto é silêncio!
J. Larkin! John ? James ? Joseph ?
No panteão daqueles que sustentaram as primeiras lutas em favor do Espiritismo, muitos são os soldados desconhecidos. O Dr. J. Larkin é quase um deles, Entretanto, na história da Humanidade - dir-se-á um dia - nunca tantos deveram tanto a tão poucos!
*
Podmore e Fodor não concordam quanto ao nome do município onde residia Koons. O primeiro chamado “township of Dover”, o segundo, Millfield Township. É curioso que mencionem Athens County como um selvagem condado nas montanhas de Ohio, e que, harmonizando-se talvez com documentos da época, ambos denominem o “quarto espírita” de “a log-house”“, isto é, uma construção levantada com troncos rústicos superpostos, tão própria a um “wild district”“ daquela época. É digno de menção igualmente que a casa da família Fox, em Hydesville, seja descrita como um “cottage”, isto é, pouco mais do que uma cabana de madeira. Assim sendo, ao inaugurar o Espiritismo, as entidades encarregadas da revolucionária mensagem desprezaram os locais faustosos, os centros civilizados, dando preferência, tal como Jesus o fez, aos ambientes onde predominavam a simplicidade e o desatavio.
Como arrimo ao estudioso espírita, apresentamos aqui a documentação de Podmore e Fodor.
Eis como Frank Podmore (Mediuns of tize 19 th Century), relata o caso Koons.
... Mas, entre as maravilhas do tempo, poucas talvez excitaram maior interesse ou foram mais amplamente atestadas do que os acontecimentos ocorridos no “quarto espírita” de Jonathan Koons. Koons era um agricultor que habitava remoto e montanhoso distrito no município de Dover, Athens County, no Estado de Ohio.
No inicio de 1852 interessou-se pelo movimento espírita. Foi-lhe revelado em uma sessão que todos os seus oito filhos, - e ele próprio em alto potencial - eram médiuns dotados de especial força mediúnica. Depois disso, por orientação dos espíritos, ele construiu, pouco além de sua casa, com troncos de madeira, um salão com 16 x 22 pés (mais ou menos 5 x 7 ms), exclusivamente para servir à manifestação dos espíritos.
O cômodo era mobiliado com uma mesa destinada a efeitos mediúnicos e uma prateleira com tambores, triângulos, tamborins, outros instrumentos musicais e um determinado dispositivo feito de fios que, até onde pudemos verificar, nunca foi descrito com precisão, ligado a alguns dos instrumentos e tendo suspensas chapas de cobre recortadas em figuras de pássaros e outros objetos. Os médiuns, - geralmente Koons e seu filho mais velho, Nahum, rapaz de 18 anos, ocasionalmente acompanhados por outros membros da família, - assentavam-se em uma mesinha, em contacto com a mesa espírita. Os assistentes, em número de doze ou mais, sentavam-se em bancos, ao redor. Os médiuns ficavam entre esse círculo de pessoas e a mesa dos espíritos. Fósforo (*) era espalhado em folhas de papel umedecido, para que os espíritos se iluminassem.
(*) Nota : Fósforo é um pó.
Então as portas e janelas eram fechadas, de modo a vedar qualquer luz e apagava-se o lampião. Koons começava a tocar numa rabeca e os espíritos acompanhavam-no num concerto, no qual uma outra rabeca, tambores, guitarra, banjo, acordeão, harpa francesa, corneta e campainhas, triângulos, tamborins, etc, executavam suas partes. Algumas testemunhas parecem ter sido impressionadas mais pelo vigor do que pela excelência harmônica do resultado muitas declaram com orgulho que a melodia podia ser ouvida a uma milha de distância. Todavia a música é, às vezes, descrita como estranhamente bela e até mesmo celestial; por vezes um coro de vozes angelicais vinho, juntar-se à música, mas as palavras do cântico eram raramente articuladas. O espírito que presidia, em seguida, dirigia-se ao grupo, empregando, para isso, uma trombeta ou corneta. Quanto às outras manifestações, o seguinte extrato pode dar uma clara idéia:
“O Senhor Koons então disse: “King está muito quente aqui dentro; não poderias tomar o leque da Senhora Gage e abanar-nos?”. Antes que ele terminasse de falar, o tamborim começou instantaneamente a soar em torno do cômodo. Tudo ocorreu tão rapidamente quanto um corisco, ocasionando uma forte corrente de vento e refrescando todos que se encontravam na sala. Então as folhas polvilhadas com fósforo foram erguidas e voavam em torno do aposento como faíscas de um relâmpago; e uma mão começou a se formar.
Conversávamos com uma voz enquanto esse processo prosseguia e instávamos com nossos amigos espirituais para que escrevessem uma comunicação. Quando a mão ficou inteiramente formada, passeou através da sala, apertando ou tocando as mãos de muitos dentre nós. Ela apertou a minha e, em seguida, a mão de minha esposa. Ambos sentem, perfeitamente, a sua forma. Então ela tomou folhas de papel e um lápis. Colocando o papel sobre a mesa, bem à nossa frente, começou a escrever com grande rapidez. Cobriu um lado da folha, virou-a, escreveu cinco linhas, após a assinatura, enchendo o resto do espaço com desenhos. Dobrou a folha e colocou-a na mão de minha esposa. Então volitou em torno da sala, movendo-se rapidamente da mesa para o forro, desferindo ali três ou quatro batidas que ouvimos distintamente, saltitou de cima para baixo, repetindo as batidas sucessivamente, um sem número de vezes; depois passeou em torno da sala, parando e deixando-se ver por todos quantos demonstravam esse desejo. Depois voltou a volitar em volta do aposento, castanholando os dedos tão fortemente quanto um homem pode fazê-lo. Arremessou a folha de papel para o outro canto oposto do salão e disse: “Boa noite!” e foi-se embora. Então o Senhor Koons acendeu o lampião e minha esposa leu a mensagem que lhe fora dada pela mão do espírito”.
Precisamos ainda acrescentar que os espíritos, pelos quais essas manifestações eram produzidas, diziam-se pertencer a um grupo de homens pré-adamistas, cento e sessenta e cinco em número, de grande poder e sabedoria. Atribuía-se o nome genérico de King. O célebre John King e sua não menos famosa filha, Katie, amada por duas gerações de Espíritas em dois continentes, diziam pertencer a esse grupo.
Os fenômenos, ao que parece, foram bem acolhidos pelos espíritas, com a mesma morna fé com que foram aceitas todas as demais manifestações relacionadas neste capítulo. Roberto Hare dedica várias páginas do seu livro à discussão dessas provas, o mesmo fazendo, posteriormente, a Senhora Hardinge Britten. O Spiritual Telegraph (*) desde o inicio dos fenômenos acolheu cartas e artigos de correspondentes entusiasmados, descrevendo as maravilhas. Finalmente um dos seus editores, Charles Partridge, em maio de 1855, viajou para Dover, assistiu a várias sessões e registrou suas experiências em uma carta que ocupou vasto espaço nas colunas do jornal.
No livro “Traité complet du Magnetisme Animal” (Paris, 1856), de du Potet, o autor menciona uma sessão assistida pelo Dr. J. Barthet, com a família Koons. Nessa ocasião, como um cumprimento à nacionalidade dos visitantes, uma das mensagens continha algumas palavras em francês (obra cit. p. 517).
O Doutor Nandor Fodor não tem as reticências e as leves ironias de Frank Podmore. O seu relato é o seguinte:
“ Jonathan Koons foi um dos primeiros médiuns norte-americanos. Era um próspero agricultor em Millfield Township, Athens County, um selvagem distrito do Ohio. Interessou-se pelo Espiritismo em 1852. Em uma sessão foi-lhe dito que era um dos “mais poderosos médiuns da Terra” e que todos os seus oito filhos, desde o pequenino de sete meses, tinham dons. mediúnicos. Koons construiu uma cabana de troncos de árvores com 16 x 12 pés, uma única sala, para uso dos espíritos e equipou-a com todos os instrumentos imagináveis, capazes de fazer barulho. Essa cabana logo se tornou famosa, e pequenas multidões demandavam de longas distancias, para presenciar a grande variedade de curiosos fenômenos que ali ocorriam.
(*) Spiritual Telegraph, 1852-1860, semanário americano fundado por S. B. Brittan e Charles Partridge. Em 1860 fundiu-se no Herald of Progress, fundado por Andrecv Jackson Davis, médium e pioneiro espírita conhecido como o João Batista do Espiritismo. Nota da Editora.
O mais velho dos filhos, Nahum, de 18 anos, sentava-se numa “mesa espírita”, a assistência em bancos ao redor. Quando as luzes eram extintas, ouvia-se um pavoroso estrondo, o qual, muitas vezes, repercutia a uma milha de distancia. Violentas manifestações de força logo se registravam sem que, contudo, nenhum dos presentes sofresse comoção ou ferimento pelos objetos que saraivavam, ou fosse alvejado pelas balas de pistolas deflagradas. Os assistentes eram tocados por mãos materializadas, as quais, a impregnados de fósforo, eram vistas carregando objetos. Rostos de espíritos eram também visto e através de uma trombeta que volitava no ar, vozes dirigiam aos presentes, chamando pelos nomes, mesmo quando estes ocultavam sua identidade. Parentes e amigos davam. Dessa maneira, prova de sobrevivência.
O círculo era orientado por um grupo de espíritos que se diziam cento e sessenta e cinco. Afirmavam pertencer a uma raça de homens conhecidos sob o nome genérico de Adão (terra vermelha), antecedendo o Adão mencionado na teologia, em centenas de anos. Seus líderes seriam os mais antigos “anjos”: um deles, que conduzia os trabalhos mais de perto, era chamado Oress. Geralmente assinavam as comunicações estritas com o nome de King 1, 2, 3, etc.; outras vezes como “Servo” ou “Aprendiz de Deus”. À frente deles encontrava-se o King (John) a respeito do qual, em outros episódios da história do Espiritismo, alegou-se ter sido Henry Morgan, pirata e, mais tarde, governador da Jamaica.
Duas ou três milhas distante, havia outra fazenda solitária. pertencente a um tal John Tippie.
Tippie construíra uma câmara espírita sob o mesmo planejamento. As manifestações ocorridas com a família Tippie eram idênticas às observadas na cabana dos Koons. Ambos possuíam um aparelho que consistia num complexo dispositivo de zinco e cobre, construído, alegava-se, com o propósito de coletar e enfocar a aura magnética usada nas demonstrações. Os Tippies tinham dez filhos, todos médiuns.
O Dr. J. Evereth, de Athens County, que investigou os fenômenos ocorridos com os Koons, publicou as mensagens dos espíritos sob o título de Communications from Angels e fez imprimir um grande número de testemunhos testificando as ocorrências na “câmara espírita” e, além disso, uma espécie de mapa geográfico desenhado por Nahum Koons, em transe, o qual situava zonas do mundo espiritual.
Charles Partridge, quando de sua visita à América, escreveu no Spiritual Telegraph, em 1855:
Os “quartos-espíritas” comportam, cada um, cerca de 20 ou 30 pessoas. Depois que a sessão é aberta e as luzes são extintas, uma tremenda batida é desferida pela baqueta do tambor. Imediatamente os tambores baixo e tenor, soam com sobrenatural poder, como que chamando para a revista-de-tropas, produzindo centenas de ecos. O ruflar desses tambores, rápido e tremendamente forte, é terrificante para muitas pessoas. Isso prossegue por cinco minutos ou mais e cessa. Usando, como de hábito, a trombeta, King saúda-nos dizendo: “Boa noite, irmãos!” E pergunta que manifestações em particular são desejadas. Depois de uma peça introdutória, executada nos instrumentos, os espíritos cantam para nós. Antes disso pedem que permaneçamos perfeitamente silenciosos. Depois ouvimos vozes humanas cantando, aparentemente muito à distância, de modo que são vagamente audíveis. O som gradualmente aumenta, destacando-se os grupos vocálicos, até que o coro inteiro canta de estranha maneira, dentro do cômodo. Penso que nunca ouvi harmonia tão perfeita.
Muitas vezes, em nossa presença, mãos e braços de espíritos formam-se e, com o auxílio de uma solução de fósforo preparada a pedido deles, pelo Senhor Koons, sou visto tão distintamente quanto se estivessem expostos à plena luz.
Eis como, no original, o Doutor Nandor Fodor deixa o ponto final na história da família Koons:
Finally they left the countryside and began missionary wanderings, lasting for many years. Their mediumship was given free to the public and they did a great propaganda service to the cause of early American Spiritualism”.
CASO J. LARKIN
Não temos necessidade de recordar aqui que as manifestações supranormais, em todas as suas formas, se registraram em todas as épocas e no meio de todos os povos. Não é também o caso de acrescentar que o mesmo aconteceu invariavelmente com todas as categorias de manifestações mais ou menos ocultas da natureza, que não chegaram a se impor definitivamente à atenção dos povos e dos eruditos e, por conseguinte, a se transformar em um novo ramo do saber humano senão quando os tempos estiverem maduros para acolhê-las. A tal respeito devo assinalar uma circunstância interessante: é que, chegado o momento em que deve aparecer uma nova ordem de manifestações, essas iniciam o seu surto muitas vezes em seguida a incidentes mais ou menos insignificantes ou banais, que teriam passado despercebidos em outros momentos e que, por isso mesmo, não fazem pressagiar a grande importância que as manifestações que veiculam estão destinadas a ter na história do progresso humano.
No que concerne aos fenômenos mediúnicos, vemos que, no século que precedeu o nascimento do Espiritismo, assistiu-se à produção de grandes manifestações dessa natureza, que não conseguiram, entretanto, sacudir definitivamente a indiferença dos povos. É o que se pode dizer em relação às visões de Emmanuel Swedenborg, às diferentes experiências supranormais de Yung Stilling, Lavater,Eschenmayer, Zschoke, Eckartshansen, Schuman, Werner, Gassner, Oberlin. Igualmente com referência às famosas experiências do Doutor Justinus Kerner com a “Vidente de Prevorst” (um caso de primeira ordem e que agrupa quase toda a fenomenologia mediúnica), aos fenômenos tão importantes que se realizaram espontaneamente de 1838 a 1848 em várias comunidades dos Quakers, às experiências autenticamente espíritas de Alphonse Cahagnet com a sonâmbula Adéle Maginot (1845-1848) e, finalmente, quanto às visões supranormais e os volumes de revelações transcendentais do célebre vidente norte-americano Andrew Jackson Davis.
De qualquer modo, os nomes desses precursores são conhecidos de todos e ficaram devidamente registrados na história do movimento espírita. Não se pode dizer outro tanto de um outro precursor absolutamente digno de ser lembrado e cujo nome permanece negligenciado, para não dizer, esquecido, de todos. Quero falar do dr. J. Larkin, um médico bem conhecido nos Estados Unidos, o qual, entre 1837 e 1848, fez, pesquisas sobre o magnetismo animal, obtendo manifestações supranormais muito notáveis, cuja natureza, nitidamente espírita, leva a afirmar, que, se tivessem sido divulgadas tanto quanto o mereciam, o movimento espírita, em lugar de datar das batidas, de Hydesville, com as irmãs Fox, dataria das experiências magnéticas do Dr. J. Larkin.
Fala-se dele e das suas experiências nas revistas espíritas que apareceram nos Estados Unidos no começo do Movimento. A revista The Spiritual Telegraph (1852-1857) reivindica para ele o direito de ser registrado entre os precursores mais notáveis do Espiritualismo Moderno. Entre os historiadores do movimento, a Senhora Emma Hardinge-Britten é a única a citá-lo em sua obra Modern American Spiritualism.
Eis, em resumo, a história do caso em questão.
Pelo ano de 1837, o dr. J. Larkin um prático da cidade de Wrentham (Massachusetts), começou a interessar-se pelos fenômenos do “Magnetismo Animal”, visando nele o que podia ser utilizado para tratamento das enfermidades. E não tardou a. perceber que ele próprio era dotado do poder necessário a tornar-se operador.
No decurso de suas experiências metódicas, teve ocasião de observar que os seus sonâmbulos não somente eram capazes de diagnose, de prognóstico e de prescrições muito eficazes para o tratamento de seus doentes, mas que, de tempos em tempos, eles se aventuravam em excursões espantosas no passado e no futuro de seus pacientes.
Em 1844, uma jovem doméstica, chamada Mary Jane, que ele tomara ao seu serviço, passou a ter graves síncopes que procurou tratar pelo magnetismo animal. Registrou primeiramente uma melhora sensível nas suas condições de saúde, mas, após algum tempo, começou a mostrar-se clarividente, de forma a descrever minuciosamente a gênese e as fases atuais e futuras de sua própria doença e das moléstias dos clientes do doutor. Quando o Doutor Larkin deparava casos de enfermidades difíceis de diagnosticar, mergulhava Mary Jane em estado de sonambulismo por meio de passes magnéticos e logo a moça fornecia-lhe, minuciosamente, o diagnóstico da enfermidade, acrescentando a prescrição médica cujo efeito era infalível.
Até aí se tratava apenas de experiências que o Doutor Larkin, por iniciativa própria, propunha-se obter. Mas sucedia produzirem-se outras manifestações absolutamente espontâneas, não intencionais, e que colocavam em sério embaraço o experimentador. Uma primeira variedade do gênero consistia na produção de batidas muito fortes, intimamente relacionadas com a fase especial do sono magnético, no decurso da qual Mary Jane se tornava clarividente. Mas o Doutor Larkin não chegava a compreender qual era a natureza desse relacionamento. De qualquer modo, notava que as batidas ressoavam nos móveis e objetos que se encontravam excessivamente longe da sonâmbula para que se pudesse supor que ela os produzia, o que era, aliás, confirmado pela circunstância de os seus membros se manterem constantemente imóveis. A única relação que ele podia estabelecer entre essa fase especial de sonambulismo e os fenômenos em questão, implicava uma possibilidade que o médico se recusava a tomar em consideração, visto que envolvia a aceitação de certas afirmações da sonâmbula, segundo as quais havia ao lado dela uma. “Fada” operante, de beleza maravilhosa e de bondade angelical. Teria ainda de aceitar sem discussão a afirmativa de que a sonâmbula era, muitas vezes, cercada de uma multidão de outras “fadas”, semelhantes à “Katy”, embora menos resplandecentes e menos poderosas, e admitir que era “Katy” quem diagnosticava as enfermidades e indicava o tratamento adequado. Mais do que isto, a sonâmbula via em Katy o seu “anjo guardião”.
Entretanto, as perplexidades nas quais se embaraçava o doutor Larkin para chegar a explicar esses mistérios não se limitavam a isto. Ele assistia a manifestações que tendiam a fazer supor que a sonâmbula fosse muitas vezes tomada por influências inferiores e frívolas, e no contraste gritante com as manifestações boas e elevadas já descritas. Com efeito, ao passo que, sob a influência de “Katy,” a sonâmbula se mostrava amável e afetuosa, e ainda capaz de discutir as questões filosóficas mais difíceis e perturbadoras, acontecia ser tomada por uma outra influência muito vulgar, embora não essencialmente má. Nessas circunstâncias, a sonâmbula se exprimi? por frases rudes, entremeadas de ditos vulgares, assim como por uma gíria da pior espécie, enquanto ruídos assustadores ouviam-se no aposento, móveis agitavam-se, deslocavam-se e objetos pesados eram transportados de um canto para outro. Em uma dessas circunstâncias, toda a família do doutor Larkin acorrera para perto do leito da sonâmbula. Embora a porta do aposento permanecesse fechada, um pesado ferro de engomar, vindo da cozinha, caiu no meio deles. Ora, a cozinha situava-se na outra extremidade da casa.
Então a Senhora Larkin convidou a entidade operante a contar onde o tinha apanhado. O ferro desapareceu sob o olhar de todos e, ainda que as portas estivessem fechadas, foi encontrado de novo na cozinha.
Quando se pedia à sonâmbula explicação a esse respeito, ela respondia que as manifestações eram produzidas pela intervenção de um grumete que ela via a seu lado e que a obrigava a exprimir-se no seu jargão e a blasfemar como ele blasfemava quando vivo.
Certo dia o doutor Larkin, com outros colegas da Faculdade de Medicina, foi a um banquete oficial que se realizou em um lugar situado a uma trintena de milhas de sua residência. Quando estava de volta, no meio da noite, sua esposa pediu-lhe que fosse ao quarto de Mary Jane que espontaneamente havia caído no sono magnético e desejava falar com ele. Logo ao entrar foi saudado pelo “grumete” com uma grande explosão de riso, seguida de uma descrição humorística de todas as cerimônias a que havia assistido e de todos os incidentes verificados durante o jantar, entre os quais o seguinte: o guloso do doutor Larkin ficara contrariado duas vezes durante a refeição, a primeira porque o salmão estava quase cru e a segunda porque o porco assado acabara antes de chegar ao seu lugar na mesa.
Além de “Katy”, das “Fadas e do grumete, várias outras entidades se manifestavam, declinando seus nomes e justificações, indicando as regiões em que haviam nascido e falecido e fornecendo detalhes minuciosos sobre acontecimentos de suas vidas terrenas.
O doutor Larkin, que era um pesquisador meticuloso e sistemático, transcrevia esses dados em um registro especial, no qual, no decurso de alguns anos, acumulou informações biográficas relativas a acontecimentos da existência terrestre de 270 espíritos de mortos, informes que se encarregava de investigar alternadamente, concluindo sempre pela veracidade dos dados obtidos, até mesmo nas circunstâncias mais insignificantes, o que triunfou sobre o seu cepticismo, levando-o à convicção de que espíritos de pessoas mortas se comunicavam por intermédio de sua sonâmbula, Mary Jane, conclusão que tinha a grande vantagem de resolver, definitivamente, outras questões de difícil interpretação até então impenetráveis à razão do doutor Larkin. Esta, por exemplo: embora a sonâmbula fosse iletrada e desprovida de imaginação, quando falava sob a influência de certas personalidades, sua conversa tornava-se impecável pela forma e maravilhosa pela elevação do pensamento. Em outras ocasiões, ela mostrava possuir vocabulário tecnológico científico e filosófico.
Ainda que as personalidades dos mortos, que se manifestavam assim, pertencessem a todas as classes da sociedade, elas se mostravam acordes em exortar o médico a fazer conhecer, publicamente, as manifestações espíritas que se verificavam em sua casa e insistiam para que convidasse pessoas a assisti-Ias, porque, diziam elas, havia soado a hora em que os homens deviam se convencer, pelos fatos da existência e da sobrevivência da alma. A este propósito, elas prediziam o início iminente de uma época em que a humanidade inteira reconheceria a possibilidade de se comunicar com os espíritos dos mortos e em que essas comunicações seriam livremente praticadas em todas as regiões da Terra, época de transformação e de renovação para o progresso dos povos.
Apesar dessas exortações renovadas com persistência, o doutor Larkin, com a aprovação de sua esposa, continuava absolutamente contrário à divulgação dos fatos e se guardava de convidar alguém para assisti-los, pois temia, com efeito, comprometer seriamente a sua reputação profissional, arruinando-se e arruinando a sua família. Foi então que o espírito do grumete imaginou o meio de obrigar o médico a se curvar à vontade das inteligências espirituais e esse resultado alcançou, ainda que de modo pouco confortável para a pobre sonâmbula, da qual ele deslocou, em um instante, os braços, os joelhos, os fêmures, reduzindo-a a um monte quase disforme de membros torcidos, sem que, todavia, ela experimentasse qualquer dano.
O doutor Larkin, embora fosse um hábil cirurgião, viu-se impotente para colocar, nos seus lugares, todos esses membros contorcidos, tendo que chamar um dos seus colegas, em seu auxílio. Quando os esforços dos dois práticos conseguiram reconstruir o corpo da sonâmbula e o cirurgião ajudante ia despedir-se, o “grumete” se manifestou de novo, ordenando ao segundo médico que não partisse. Tudo ia ser feito de novo. E isto dizendo, deslocou logo todos os membros de Mary Jane sob o olhar estupefato da nova testemunha. É preciso aditar que o fenômeno se renovou por várias vezes, disso resultando que o doutor Larkin viu-se obrigado a deixar entrar em sua casa outras testemunhas. Não foi mais possível guardar segredo sobre o que se produzia e logo toda a região soube dos acontecimentos que ali se verificavam.
Como acontece comumente em tais circunstâncias, os cochichos sobre esses fenômenos autênticos, passando de boca em boca, se transformaram e se deformaram, ganhando feição de romances diabólicos e fantásticos nos quais a calúnia e o escândalo se infiltraram malignamente, o que fez com que a reação clerical não tardasse a se fazer sentir vigorosamente. Assim começou a primeira perseguição contra a desgraçada família.
Em dezembro de 1847, nove senhores, dirigidos por um pastor protestante, se apresentaram no domicílio do doutor Larkin, declarando-se representantes de uma Comissão de Inquérito constituída com o fim de investigar os boatos escandalosos que circulavam na cidade, envolvendo práticas ocultas que tinham lugar na casa. O doutor Larkin, sem contestar a validade dessa arbitrária Comissão de Inquérito, embora sem aceitá-la acolheu o grupo amistosamente e descreveu serenamente as fases evolutivas dos fenômenos que se produziam em sua casa, abstendo-se de os comentar. A Comissão não se satisfez com as suas explicações e se reportou aos boatos desagradáveis que circulavam na região, exigindo que o médico se declarasse culpado ou demonstrasse a sua inocência. O doutor Larkin indignou-se com essas exigências e recusou responder, porém ofereceu-se a hospedar em seu lar, durante uma semana, duas ou três pessoas indicadas pela Comissão. O oferecimento era mais do que razoável, mas os seus membros não o aceitaram, declarando que pretendiam introduzir os seus inquisidores na residência do doutor Larkin a qualquer hora do dia e da noite. E o fraco do médico rendeu-se às suas pretensões.
Resultou daí que, durante vários meses, a infeliz moça foi torturada dia e noite por toda sorte de imposições insolentes e audaciosas, por ordens peremptórias para que evocasse tal ou qual espírito indicado pelos inquisidores ou deslocasse os seus próprios membros ou ainda que reproduzisse, de imediato, os fenômenos de batidas, ruídos, deslocamentos de móveis, transportes de objetos. A tranqüilidade doméstica da desgraçada família não existia mais. Ninguém tinha o direito de cumprirem os seus afazeres. Enquanto isso a reputação do Doutor Larkin suportava um rude golpe.
Não podendo suportar, por mais tempo tais vexames, o médico reuniu finalmente um pouco de energia e declarou aos inquisidores improvisados que exigia se fizessem investigações sistemáticas, de maneira científica. Se não visse atendida a sua proposta, não permitiria mais que se introduzisse, na casa dele, quem quer que fosse. A firmeza do Doutor Larkin teve um feliz resultado, pois o inquisidor aceitou a sua proposta. Indicaram para uma empreitada de uma semana, o rev. Thatcher e a sua esposa.
Esse pastor pertencia à ortodoxia mais rígida e se revelara um implacável adversário das práticas “tenebrosas” ocorridas na residência do Doutor Larkin. Desde a primeira tarde de sua chegada, propôs que as pessoas se reunissem em torno do leito da moça, enquanto ele fazia as invocações rituais. Mary Jane caiu em transe sonambúlico e orou a Deus em seu próprio favor com um tal fervor de sentimento e tanta elevação de pensamento que os olhos do pastor e de todos os presentes encheram-se de lágrimas. Começava-se sob felizes auspícios. Durante a semana de sua permanência na casa, o Senhor e a Senhora Thatcher tiveram numerosas oportunidades de observar toda a sorte de manifestações e assim declararam ao Doutor Larkin estar inteiramente convencidos da sinceridade e da pureza das suas e das intenções de sua família, bem como da autenticidade dos fenômenos supranormais que eram produzidos por intermédio da sonâmbula.
Limito-me a relatar uma única das manifestações à qual assistiram os representantes da Comissão de Inquérito.
Certo dia em que o rev. Thatcher, com a sua esposa e o casal Larkin se achavam perto da cama de Mary Jane que, em estado sonambúlico, respondia aos seus pedidos, o reverendo tirou o lenço do bolso para assoar. Mas uma força desconhecida arrancou-lhe das mãos e o lenço subitamente desapareceu. Ninguém se mexera no quarto e o olhar do reverendo estava, no momento, fixo na sonâmbula, o que demonstra que nenhum movimento dela lhe teria escapado. O rev. Thatcher obtemperou que o incidente tinha certamente uma causa sobrenatural e que, se o fenômeno pudesse ser investigado de um modo correto, teria uma decisiva importância para o inquérito de que estava encarregado. Propôs então ao doutor Larkin que se retirasse com ele para um outro cômodo, encarregando as duas senhoras de procurar o lenço, examinando com cuidado a moça, sua cama, suas roupas e o quarto todo. Assim se fez, com resultado negativo, depois do que as senhoras transportaram a jovem para um outro dormitório. O rev. Thatcher e o doutor Larkin deram, por sua vez, minuciosa busca no quarto, depois de tomarem a precaução de fechar-lhe à porta. Quando ficaram bem certos de que o lenço desaparecera levado por uma força sobrenatural, as pessoas reuniram-se de novo em torno do leito da sonâmbula, tomada, no momento, pelo grumete, que exprimiu ruidosamente seu contentamento pela confusão geral, acrescentando que o lenço “ele o havia transportado para o seu pais, a Alemanha.
Então o doutor Larkin evocou o espírito de “Katy”, que vinha quase sempre pôr ordem no tumulto das manifestações. E “Katy” se apresentou, mas, quando foi interrogada a respeito do lenço desaparecido, respondeu nada saber a respeito. Se desejavam reavê-lo a título de complemento de prova, deviam dirigir-se diretamente ao espírito que produzira o fenômeno. O rev. Thatcher se interessou vivamente pelo fato e propôs que se seguisse o conselho de “Katy”. Evocou-se novamente o espírito do grumete, que, depois de ter-se divertido a expensas do comissário inquisidor e de ter-se feito rogar longamente, prometeu trazer de volta o lenço no decorrer da noite, por volta de uma hora e meia da manhã. No que concerne à hora incômoda fixada pelo grumete para a restituição, importa notar que, quando prometia alguma coisa, cumpria escrupulosamente a sua palavra, mas gostava de marcar encontros em horas tão incômodas para gozar, como um garoto, do transtorno que causava ao seu semelhante.
Desde o momento em que o grumete fez a promessa até o cumprimento da mesma, por um excesso de precaução, não deixaram a moça sozinha. Foi novamente revistada no seu leito, igual cuidado tomando-se em relação à cama. Em seguida, os experimenta. dores se colocaram em torno da mesma, revezando-se em algumas horas de sono. Por volta de uma hora da madrugada, o espírito de “Katy” se manifestou pedindo que todos se conservassem acordados pois que os “espíritos” tinham a obrigação de devolver o lenço. Então as senhoras puseram a moça sentada na cama e estenderam os seus braços e mãos sobre os lençóis, em seguida ligaram os seus braços às barras da cama com dois guardanapos, de maneira a imobilizá-los. O grupo permaneceu de pé ao redor da sonâmbula, colocando-se o rev. Thatcher aos pés da cama para melhor fiscalizá-la de frente. Em dado momento, fez uma pergunta e, isso fazendo, estendeu para a frente a mão aberta, na qual inesperadamente surgiu o lenço desaparecido. Ouviu-se ao mesmo tempo a voz do grumete que, rindo estrepitosamente, dirigiu ao reverendo estas palavras: “Eu vos devolvo este pedaço de pano que quereis conservar”. Tudo foi obra de uma fração de segundo; um momento antes a mão do clérigo estava vazia e um segundo após segurava o lenço desejado. Ninguém o vira chegar, pois tinha-se materializado na própria mão do rev. Thatcher, que, imediatamente, consultou o seu relógio. Os ponteiros marcavam exatamente uma hora e meia da madrugada.
Alguns dias após, o rev. Thatcher enviou uma circular a todos os pastores protestantes da região, descrevendo-lhes os fenômenos aos quais havia assistido, confessando-lhes, circunspectamente sua convicção de que tinham origem sobrenatural. Esclareceu que o Doutor Larkin e a sua família não eram culpados de nenhuma fraude, de nenhuma mistificação, de nenhuma conivência e que os fenômenos produzidos em sua casa eram dignos de “uma investigação científica séria e cuidadosa”, acrescentando que todo o pesquisador tinha o dever de entregar-se a esses estudos com espírito sereno, despojando-se de toda prevenção, de toda idéia preconcebida, e pedia a formação de uma comissão de inquérito composta de ministros do culto.
E de presumir-se que uma declaração tão explícita em favor da autenticidade dos fenômenos, assinada por quem mais os combatera, resolveria definitivamente o infeliz debate. Mas aconteceu algo de contrário e pior. Os ministros do culto não se interessavam, de modo algum, em conhecer a verdade. Desejavam abafar, desde o seu começo, a novidade incômoda, para o que se fazia necessária obter, a qualquer preço, uma retratação total do infeliz perseguido.
A Senhora Emma Hardinge conheceu pessoalmente o Doutor Larkin e recolheu, de seus lábios, a narrativa da indigna retratação a que se viu forçado, como se tivesse voltado ao tempo da Idade Média com as suas retratações religiosas e científicas impostas pelo Santo Ofício.
Eis, em resumo, o que ela escreveu a respeito:
“Nenhum dos interessados levou em consideração a circular do rev. Thatcher e, alguns dias após, o rev. Horace James, - cujo nome é digno de ser transmitido à posterioridade por sua infâmia, - avocou a si os poderes legais e civis necessários para liquidar a questão. Foi o verdadeiro difamador da família Larkin, cujo chefe quis aniquilar a qualquer preço. Convocou, então, três magistrados bem como um grupo de pessoas contrárias às tão comentadas manifestações, e, com tais elementos, constituiu uma “Corte de Justiça” improvisada, perante a qual foi o Doutor Larkin convidado a comparecer. Quanto à infeliz Mary Jane, foi presa sob a imputação de necromancia e arrastada diante do tribunal. No decurso do processo, o rev. Horace James exerceu, ao mesmo tempo, as funções de queixoso, de testemunha de acusação, de advogado da parte civil e também a de juiz, de modo que, quando o Doutor Larkin se dirigiu aos juizes para expor os fatos, o rev. James o interrompeu com autoridade, perguntando à Corte se ela estava “disposta a acreditar em uma só palavra do que ia dizer o acusado”. Os juizes, sábios e imparciais, responderam prontamente: “Certamente que não. Não levaremos em conta o que vai contar” . Em vista disso o Doutor Larkin, compreendeu, sentou-se tristemente, renunciando a defender-se e, dirigindo-se aos juizes, observou: “Neste caso, perdeis o vosso tempo abrindo um processo cujo julgamento foi feito por antecipação”.
A infeliz Mary Jane foi declarada culpada de necromancia e, embora fosse uma doente, viu-se condenada a dois meses de prisão, em cela reservada, na cadeia de Dedham. Não se achando no Código Penal nenhum artigo que pudesse condenar o Doutor Larkin, foi-lhe infligida uma penalidade moral que, em face da época e da região em que tudo isso se passou, importava em sua ruína: foi expulso da Igreja à qual pertencia, até que se decidisse a fazer uma retratação completa das práticas sacrílegas nas quais havia tomado parte. Tudo isto significava o Anathema Maranatha para o Doutor Larkin, isto é, a sua ruína profissional, comercial, social ...
O pobre do médico agüentou, com força da alma, a sua desgraça por mais de um ano, mas o absoluto isolamento social em que vivia, sua ruína profissional, uma doença que atingiu a sua esposa, acabaram por abater a sua coragem, de modo que terminou por pedir aos seus perseguidores que lhe apresentassem o documento de retratação. Ele assinaria!
Alguns dias após o rev. Horace James chegava com o documento fatal. Antes de o assinar, o médico achou-se no dever de lê-lo. Exigia-se que declarasse ser falsas que os espíritos dos mortos pudesse comunicar-se com os vivos por meio de sinais, sons, vozes ou do sono sonambúlico, e que todas as provas que ele, Doutor Larkin, havia apresentado, neste sentido, eram falsas; e que agora, arrependido, decidia, solenemente, confessar a verdade.
Lendo tal infâmia, o infeliz médico dirigiu-se ao rev. James declarando que acreditava firmemente na comunicação dos mortos com os vivos, fato verificado centenas de vezes, que renovava ainda uma vez mais a declaração de sua convicção firme e inabalável. Sendo esse em consciência, o seu estado de espírito, era impossível que o rev. James quisesse exigir dele a assinatura de uma peça que o transformaria em um vil mentiroso em face do próprio rev. James e que, além disso, torna-lo-ia indigno de levar o nome de cristão. O reverendo limitou-se a observar friamente que a assinatura dessa peça era o único caminho que lhe restava para voltar ao seio da Igreja e da sociedade. Toda discussão era inútil! O Doutor Larkin lançou a assinatura que lhe era extorquida, declarando que havia assinado a mentira mais infamante de todos os tempos e que o próprio rev. James deveria envergonhar-se em acolher, no seio de sua Igreja, um perjuro tal como ele também se fizera. Isto dizendo, tombou em uma crise terrível de soluços e de desespero, porém o rev. James não se comoveu. Imperturbável, recolheu o papel assinado e se foi, tomado de satisfação triunfal. Na manhã do dia seguinte, soube-se que o Doutor Larkin voltava a ser membro da Igreja Metodista, depois de, honesta e conscienciosamente, ter renegado tudo o que sustentara outrora.
Alguns meses após a Senhora Larkin falecia e o médico, tendo necessidade de reconforto, retomava as suas experiências com a sonâmbula Mary Jane, obtendo admirável série de manifestações da morta. Apesar do rev. James e da infâmia por ele cometida, essas sessões serviram para convencer numerosas pessoas da realidade incontestável das comunicações entre os vivos e os mortos. Entre elas contavam-se não somente vários membros da congregação do rev. James, mas, igualmente, algumas outras pessoas que haviam representado importante papel nas perseguições contra o Doutor Larkin e na sua condenação.
O espírito da morta prometera ao marido que o guiaria e protegeria afetuosamente durante os anos que lhe restariam de peregrinação na Terra e manteve a sua palavra. Entre outros episódios, seus avisos serviram por duas vezes para salvar a vida do médico e de vários dos seus amigos, fazendo-os evitar que se achassem em dois desastres de estrada-de-ferro que se verificaram, quase simultaneamente, no território.
Não nos esqueçamos de que um ano após, verificaram-se, numa região vizinha, os famosos raps de Hydesville com as irmãs Fox, os quais marcaram a aurora definitiva do neo-espiritualismo, o que bem demonstra que as mais ferozes perseguições obscurantistas, calculadas com o fim de empanar a verdade, não atingem o seu propósito e que não servem senão para criar mártires, o que constitui uma lei impenetrável dirigindo a evolução espiritual humana.
Breve História dos “Raps”
BREVE HISTÓRIA DOS “RAPS” (GOLPES MEDIANÍMICOS)*
O professor Charles Richet, em seu último livro La grande esperance se expressam nos seguintes termos a respeito dos “golpes medianímicos”:
Um dos fenômenos físicos mais belos da Metapsíquica são os raps (golpes) porém não é fácil obter golpes bastante sonoros de modo a podermos ouvir com clareza. Eis em que consistem: Se num grupo de experimentadores, entre os que se colocam as mãos sobre uma mesa se encontra um médium de certa potencialidade física, percebem-se ocasionalmente, vibrações sonoras na estrutura da madeira muito amiúde, essas vibrações sonoras que o médium não pode produzir todas as vezes que suas mãos repousam imóveis sobre a mesa, são de natureza inteligente.
(*) “Raps”, sons percussivos, variando de intensidade, sem agente visível conhecido ou normal. Fenômeno simples, mas de tremenda importância. Termo nascido do verbo inglês “To rap,”, bater rápida e vivamente. E intraduzível e, por isso, foi adotado universalmente pela Metapsíquica e o Espiritismo. As tentativas de tradução são insuficientes, tais o italiano “picchi medianici”, o francês “coups frappés” ou “craquements sourds”. Em “Casas Assombradas”, pág. 210, Flammarion emprega “repes”; Eurico de Góis em “Biopsíquica”, págs. 21, 37 e 412, emprega “rapes”. João Teixeira de Paula propõe a melhor vernaculização: “ruídos tiptológicos”. - Nota dos Editores.
A história do raps é interessante e eu aconselharia um jovem metapsiquista a escrever uma monografia pormenorizada acerca dos mesmos (Pág. 221).
Já não sou um jovem metapsiquista porém me disponho a satisfazer o modesto desejo do prol. Richet, ainda que tenha de fazê-lo de forma sumária, pois que é largo o caminho a percorrer ao passo que o fenômeno em si, se o considerarmos do ponto de vista apenas físico, não se mostra suficientemente variado em suas modalidades de manifestação a ponto de revelar-se interessante e esclarecedor, se bem que, considerado o seu caráter freqüentemente inteligente, possa resultar teoricamente importante e até mesmo assaz valioso, tanto quanto qualquer outra forma de manifestação metapsíquica.
Não me deterei em ilustrar a história dos “golpes medianímicos” antes do advento do Neo-Espiritismo, limitando-me a observar, a tal respeito que, assim como todos os demais fenômenos supranormais, este também se produziu através de todos os tempos e entre todos os povos civilizados, bárbaros e selvagens.
O fenômeno dos “golpes supranormais” se produz nas seguintes categorias de manifestações metapsíquicas: nos fenômenos de assombração, nos fenômenos telepáticos e nos fenômenos mediúnicos. Neste último caso, os “golpes” podem ser espontâneos, experimentais ou produzidos a pedido, nas proximidades ou em locais afastados do médium.
A categoria a que se refere o prol. Richet é a dos “golpes”“ nas experiências medianímicos, categoria que, do ponto de vista teórico, é também a mais interessante. De acordo com sua vontade, proponho ocupar-me, sumariamente, das duas primeiras categorias para estender-me mais Longamente sobre a terceira.
OS GOLPES NOS FENÔMENOS DE ASSOMBRAÇÃO
A manifestação dos “golpes supranormais, quase nunca deixa de produzir-se nos fenômenos de assombração, com o seu caráter prevalentemente físico, (poltergeist) (*). Nos casos chamados de ,apedrejamento ou dos fenômenos das campainhas que soam ininterruptamente também se notam com freqüência fatos dessa natureza, o mesmo sucedendo nas manifestações fantasmógenas quando se percebem audições que acompanham os “golpes” e outros ruídos, ocorrências que geralmente servem para chamar a atenção dos percipientes para tal ponto da habitação ou de um lugar qualquer em que se manifesta a aparição.
(*) Poltergeist (pronuncie-se poltergaist, do alemão “polter”, alvoroço, grande ruído, e “geist”, espírito). Tentou-se substituir este verbete pelo neologismo científico “thorybe” ou “toribe” de “thorubus”, alvoroço, ruído, etc. Ruído de origem paranormal. Não é produzido por “metacinesia”“, mas diretamente. Em René Sudre encontramos “Thorybismo”.
Metacinesis de “meta”, mais longe, e “kinema” movimento. Produção supranormal de movimento de objetos: ao contacto, é “paracínesia”; perto é “pericinesia” e longe do médium é “telecinesia”.
Poltergeist é termo intraduzível. – Nota dos Editores.
O professor Richet faz notar com toda a razão que nas experiências medianímicas a sonoridade dos “golpes” é raras vezes acentuada, a menos que se disponha de um poderoso médium de efeitos físico. O ruído é, entretanto, bastante acentuado nos fenômenos de assombração, nos quais os golpes, as pancadas, as quedas e os estouros são muito comuns.
O momento não é chegado de dispor-me a investigar sua gênese do ponto de vista assombratório, tanto mais que o tema particular se identifica com outro de ordem geral, relacionado com a origem das próprias manifestações, tema por demais intrigante e misterioso, a requerer uma análise mais minuciosa, e, que já o fiz em Meu livro Les phénomènes de Hantise. (Os fenômenos de assombração) ao qual remeto meus leitores que se interessarem por tão perturbador quão fascinante assunto.
Feita esta explicação, ofereço, sucintamente, alguns exemplos típicos desta categoria.
CASO I - No famoso caso de assombração no vicariato de Epworth (Inglaterra) descrito pelo rev. Wesley (fundador da seita metodista) e por membros de sua família (dos quais existem cartas sobre o assunto), o fenômeno dos “golpes” foi o primeiro que se manifestou, para logo se alternar com pancadas e estrondos misteriosos, associados a fenômenos de telequinesia não muito agradáveis, como se levantarem camas com pessoas deitadas.
A Senhora Wesley escreveu a seu filho com data de 12 de janeiro de 1917 o seguinte:
“Na noite passada, teu pai e eu pedimos ao Senhor Hoole que dormisse em casa e permanecemos acordados até às duas da madrugada, ouvindo os costumeiros raps e outros vários ruídos. Às vezes, era imitado o som produzido ao dar-se corda a um relógio de parede, outras o ruído de um carpinteiro ao serrar uma tábua, porém, geralmente deixavam-se ouvir três golpes alternados com uma pausa, o que se repetiu durante muitas horas seguidas”
Com data de 24 de marco, a Srta Suzana Wesley escrevia a seu irmão:
“Ouvimos três golpes tremendos debaixo de nossos pés e, imediatamente, interrompemos as nossas. costuras para nos refugiarmos em nossa cama. Logo se fez ouvir um ruído na tranqueta, como se a tivessem manejando e, em seguida, golpes metálicos no brazeirinho. Depois nessa noite nada mais ouvimos...
Em data de 27 de março:
“Ouviram-se raps (golpes) fortes em cima e em baixo do meu quarto, depois na cabeceira da cama das crianças. Eram os mesmos tão fortes que o leito se sacudia todo. O Senhor Hoole ouviu-os do seu quarto e veio juntar-se a nós. Os golpes se repetiram em sua presença”. (Journal of the S. P. R. , vol. IX, pág. 40-45).
No caso exposto, assim como em vários outros, se evidenciam provas de intencionalidade sob formas variadas, as quais, todavia, se mostram pouco importantes na circunstância dos golpes. O Rev. Wesley escreve a propósito
“Quando eu batia no chão com a bengala, se verificava uma pancada igual. Quando rezávamos juntos as orações da tarde e chegávamos ao ponto em que recomendávamos a Deus o rei e o nosso príncipe, imediatamente se ouviam “golpes” fortíssimos.
CASO II - Tiro-o dos Proceedings of the S. P. R., (*) vol. XI pág. 144. Também desta vez se trata de assombração em um vicariato sendo relator o próprio vigário que foi, depois, alto dignitário da Igreja Anglicana. Os dirigentes da S. P. R. não se julgaram autorizados a publicar o nome desse sacerdote.
Nessas circunstâncias, além dos fenômenos dos “golpes”, percebiam-se pesados passos que iam e vinham num corredor, fortes ruídos no desvão em que baús, caixotes, vasilhas se encontravam e agitavam-se em conjunto, chocando-se, acavalando-se, rodando pelo solo, produzindo um barulho ensurdecedor e, sobretudo, um terrível e infernal estrondo, o mais aterrador dos fenômenos. Todas as vezes que faziam as pessoas despertar em sobressalto, ao consultar-se o relógio, invariavelmente, verificava-se que ,eram duas horas da manhã de um domingo.
Com referência aos “golpes” o narrador escreve:
“A título de entretenimento complementar, éramos brindados com fortes golpes consecutivos que pareciam saudar nosso aparecimento. Variavam em timbre e tonalidade: às vezes eram rápidos, veementes, impa cientes, outras lentos e hesitantes, porém, como quer que fossem, deixavam-se ouvir durante quatro noites por semana como termo médio, sendo este o fenômeno mais comum, de maneira que ficávamos decepcionados quando não os ouvíamos. Como, porém, de nenhum modo eram inquietantes, logo nos familiarizamos com eles. A propósito disso merece ser notada uma circunstancia interessante: algumas vezes quando, já recolhido ao leito, percebia os “golpes”, embora estes parecessem festivos, sentia-me impulsionado a apostrofá-los sarcasticamente. Por exemplo, dirigia-me ao hipotético agente, dizendo-lhe: “Fica quieto e não perturbes as pessoas honradas que dormem” ou bem o desafiava acrescentando que se tinha algo a comunicar ou alguma pergunta a formular, que o fizesse direta e francamente. De vez em quando esses ditos eram mal acolhidos e, então, as batidas “vibravam com maior força, sucedendo-se com vertiginosa rapidez, de modo que se podia defini-los como “golpes indignados”...
(*) S. P. R. - Society for Psysichal Research. Foi proposta por Sir William Barrett, em uma reunião a 6 de junho de 1881, e estabelecida a 20 de fevereiro de 1882, sendo eleito presidente o Professor Henry Sidgwick, de Cambridge. O volume XI, ao qual se refere Bozzano, foi publicado em 1895 - Nota dos Editores
Como complemento ao tema, termino acrescentando que a assombração do vicariato se verificou anteriormente à chegada do novo vigário e continuou a produzir-se depois da sua, partida, o que demonstra que se tratava não de fenômenos determinados por faculdades mediúnicas possuídas, inconscientemente, por qualquer membro da família. Verificou-se, também,, que a assombração correspondia a tradições de fatos dramáticos ocorridos naqueles lugares.
CASO – III - Foi publicado em dois números dos Annales des Sciences Psychiques (*) (1892-1893) e reproduzido por mim no capítulo 11 da minha obra sobre os “Fenomeni d'Infestazione”. Trata-se de um caso interessantíssimo, cujo relato tem a vantagem de consistir de um diário redigido dia a dia, no momento mesmo em que se produziam os fenômenos, o que serve para eliminar toda a possibilidade de erros mnemônicos.
O advogado M. G. Morice o comunicou ao professor Richet que, depois das necessárias investigações, publicou-o em sua própria revista. Os fenômenos assombratório se verificaram no castelo de T. na Normandia, entre os anos de 1865 e 1875. O autor é o próprio proprietário do castelo, o senhor F. De X.
Os fenômenos, que se produziram, foram imponentes, com predomínio absoluto dos “golpes” e ruídos de um poder aterrador, os quais eram percebidos desde a granja do castelo distante 500 metros.
(*) “Annales des Sciences Psychiques”, mensário fundado em 1891 pelo Professor Charles Richet e o Doutor X. Dariex, editado a partir de 1905 pelo Conde Cesar Baudi de Vesme, sendo absorvido por sua “Revue des Études Psychiques”. Prosseguiu até 1919 quando foi substituído pela “Revue Métapsychique”, o órgão oficial do “Institut Métapsychique International”. Uma edição inglesa sob o título de “Annals of Psychic Science”, foi publicada entre 1905-1910, editada por Laura L. Finch. - Nota dos Editores.
Limitar-me-ei a citar alguns trechos do diário que se refere aos “golpes” e ruídos:
Domingo, 31 de outubro de 1875 - Noite muito agitada. Ouvem-se no patamar da escada cinco “golpes” a tal ponto violentos que fazem sacudir todos os objetos suspensos na parede. Dir-se-ia que uma pesada bigorna ou uma grossa barra de ferro teria sido arrojada contra a parede de modo a sacudir todo o edifício, porém nenhum de nós pode precisar em que ponto são desferidos os golpes...
Segunda-feira, 8 de novembro - Às 22 hs, 20 m., despertamos todos ao ouvir uns passos retumbantes que sobem rapidamente pelas escadas: logo uma série de golpes fortíssimos que fazem tremer as paredes. Levantamo-nos todos... Seguem-se uns pequenos golpes saltitantes que parecem ser produzidos por patas de animais que correm.
Sábado, 13 de novembro - A meia-noite e um quarto deixam-se ouvir dois gritos roucos no patamar. já não são gritos de mulher que chora e sim urros furiosos, desesperados, horríveis, rugidos de condenados ou de demônios. Seguem-nos, durante mais de uma hora, golpes violentos.
Domingo, 8 de janeiro de 1876 - Horas 6,30. Alguns golpes fortes no corredor. Destaco o fato de que, durante três manhãs consecutivas, todo aquele que desce as escadas, é seguido até o andar térreo, passo a passo, degrau a degrau, por golpes que cessam ou prosseguem com o mesmo. Também o vigário da paróquia é seguido por golpes sem que nada consiga ver.
Noite de 25 de janeiro - 1,30 da madrugada. Por vinte vezes consecutivas o castelo é sacudido desde os seus alicerces. Seguem-se sete golpes na sala verde; logo os golpes tão rápidos que não é possível contá-los; dois golpes mais sobre a porta da sala verde; doze sobre a porta do quarto de Maurício; treze tão fortes que fazem tremer toda casa ; mais logo cinco, depois dez, e, em seguida, dezoito: tudo treme, paredes e móveis. Não há tempo para escrever... Ouvimos uns mugidos de touro, logo uns urros inumanos, furiosos, junto à porta de minha esposa, no corredor. Minha esposa se levanta e toca a sineta para fazer todos se levantarem. Quando nos achamos reunidos no quarto do abade, ouvimos dois mugidos mais e um urro. Às 4,20 hs. voltamos para as nossas camas. Minha senhora sente um forte golpe sobre o harmônio, a dois metros de distancia, seguido de três outros golpes que não logra localizar. Os rumores desta noite foram distintamente ouvidos na granja a 500 metros de distancia do castelo.
O Doutor Dariex, diretor dos Annales des Sciences Psychiques, interrogou, a respeito, o Abade D. ao qual se alude com freqüência no diário do Senhor F. de X. e esse confirmou a escrupulosa exatidão das imponentes manifestações descritas.
Que pensar de semelhante pandemônio? Não é possível se conceber a natureza da vontade produtora de manifestações tão terrificantes e, ao mesmo tempo, absurdas e inexplicáveis; porém, ao contrário, não parece racional a presunção de que as mesmas tenham sido produzidas por um cego desencadeamento de forças físicas ignoradas e muito menos pela exteriorização de faculdades ou forças inerentes à subconsciência humana. A circunstância de que os ruídos foram ouvidos, distintamente, da granja situada a meio quilômetro do castelo, prova que os mesmos eram reais, objetivos e não subjetivos; e, assim sendo, parece até inverossímil presumir que tal potencialidade de manifestações sonoras terrificantes tenha sido um produto ignorado de faculdades supranormais desencadeadas com alucinado ímpeto pela subconsciência de algum dentre os presentes, tanto mais se considerar que os precedentes moradores do castelo já haviam assistido a fenômenos análogos (com o acréscimo da percepção de fantasmas) o que complica enormemente a questão para os que sustentam a origem puramente anímica ou subconsciente dos fenômenos assombratórios.
Como, pois, explicar os fatos? Não podendo desenvolver o tema em poucas páginas, limitar-me-ei em responder, observando que a intuição popular interpretou sempre de modo muito diferente e menos gratuito os fenômenos de tal gênero e que tudo concorre para fazer presumir que nessa concordante opinião universal deve encontrar-se essa centelha de verdade que é a única capaz de orientar o pensamento para a solução do enorme mistério.
CASO IV - Na introdução à presente categoria de fenômenos disse que, nas manifestações assombratórias com aparições de fantasmas, os “golpes” tinham, com freqüência, o propósito de chamar a atenção dos seus percipientes para o lugar de uma peça ou para outro ponto qualquer em que se produzia a aparição. Eis um exemplo do gênero.
No Journal of the S. P. R. de Londres, (vol. VI, pág. 146 e vol. IX, pág. 298) se relata um episódio importante de localidade assombrada em que um espectro apareceu, numerosas vezes, a varias pessoas durante um período de nove anos. O caso foi levado ao conhecimento de Myers um ano depois da primeira aparição, de modo que ele teve a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento dos acontecimentos. A principal percipiente foi a Srta. Scott que escreveu um largo relato a respeito e do qual extraio o episódio seguinte:
“A título complementar, referir-me-ei a dois incidentes análogos sucedidos a outras pessoas naquela época. Duas moças da aldeia, atraídas pelas amoras silvestres que cresciam nas sebes da localidade mal-assombrada, se detiveram em colhê-las quando subitamente, ouviram um golpe surdo, vibrado perto do terreno em que pisavam, porém, como nada vissem, continuaram a colher as amoras. Pouco depois ouviram outro golpe surdo e, voltando-se para esse lugar, viram um homem de elevada estatura que as olhava, fixamente. A expressão espectral daquele rosto as fez gelar de espanto, e agarrando-se convulsivamente uma a outra empreenderam a fuga.
Correram, assim um breve trecho e depois se voltaram para trás tremendo, percebendo o vulto imóvel no mesmo lugar, mas enquanto o miravam, viram que a pouco e pouco, ia desaparecendo. As jovens me informaram que o indivíduo em questão estava vestido da forma que lhes descrevi, que seu rosto era extremamente pálido e que a sua pessoa parecia envolta em uma nuvem de vapor...
O fato de um fantasma que vibra golpes no solo com o fim evidente de chamar a atenção dos presentes para esse lugar, é teoricamente importantíssimo enquanto prova de que, no local, se havia concretizado algo não perceptível de nenhuma outra parte e não apenas isso, mas prova, também, que, naquele ponto, estava uma entidade inteligente, com plena consciência do lugar em que se achava. Nada mais acrescento por ora, porque me reservo para desenvolver o tema por ocasião de um segundo caso análogo mas de ordem telepática (caso VIII,) e os argumentos expostos em apóio aos fantasmas telepáticos são igualmente aplicáveis aos fantasmas assombradores.
OS “RAPS” NOS FENÔMENOS TELEPÁTICOS
Há pouco a observar com referência aos “golpes supranormais” nas manifestações telepáticas. Tal como acontece na maior parte dessas manifestações, os golpes se produzem em momento pré-agônico, isto é, o “agente” é, quase sempre, um moribundo e o “percipiente”, um parente ou amigo do mesmo que se acha longe. Como se sabe, 4/5 dos fenômenos telepáticos se produzem em forma “visual”, com a aparição do fantasma do “agente” ao “percipiente”, ao passo, que a forma auditiva, (percepção de frases, passos, golpes) se mostra relativamente rara.
Em linha geral as modalidades com que se manifestam os fenômenos telepáticos dependem das idiossincrasias psíquicas peculiares a cada “percipiente”, no sentido de que, conforme o tipo mental, a que este pertença perceberá o impulso telepático sob uma forma alucinatório verídica diversa: visual, auditiva, motriz, olfativa, tátil. Compreende-se, desde logo, que tal explicação do fenômeno perceptivo, nas manifestações telepáticas, não é aplicável a todas as percepções dessa natureza, o que concorda com o conhecido axioma segundo o qual não há regra sem exceção e, no caso que nos ocupa, as exceções consistem em que a percepção do fantasma ou a audição dos “golpes” não se pode interpretar com as idiossincrasias psíquicas, peculiares ao “percipiente”, e exige se admita que é, ou bem um fenômeno de “bilocação” do agente moribundo, ou, então, a “presença espiritual no local” do próprio agente que acaba de falecer. É quanto me proponho demonstrar mais adiante, ao referir um exemplo desta ordem que terei a oportunidade de comentar.
CASO V - Extraio este primeiro episódio de Phantasms of the Living (caso CXIII. pág. 290), obra famosa porquanto constitui a primeira classificação magistral de fenômenos telepáticos recolhidos e publicados por Myers, Gurney e Podmore. A narrativa é longa e, por isto, limito-me a transcrever os trechos principais.
A Srta. Vaughan, residente em Londres (6, Chester Place, Regents Park) relata o seguinte:
No outono de 1865, minha amiga Senhora D. se achava gravemente enferma em Windsor. Eu havia convidado uma filha da mesma para assistir ao casamento de uma amiga comum, recebendo em resposta, numa sexta-feira, um bilhete no qual me informava que a mãe estava melhorando e que na próxima terça-feira compareceria à festa.
Sábado à noite, deitei-me como de hábito, pela meia-noite, mas não adormeci de pronto. Pouco tempo depois fui alarmada por três batidas violentas desferidas na cabeceira do meu leito. Retumbaram como palpes de martelo dados com força sobre um caixote vazio e aos quais sucedeu um longo e lamentoso grito de mulher que parecia sair do quarto e perder-se ao longe ...
Na manhã seguinte, recebi uma carta da filha da enferma, na qual me comunicava que esta havia piorado na manhã de sábado, falecendo na noite seguinte. Mais tarde tive ocasião de encontrar-me com a enfermeira, pela qual soube que minha amiga morrera na noite de domingo, a 1 h, 45 m. e que no momento da morte soltara um grito lamentoso, forte e prolongado. (Seguem-se os testemunhos das pessoas citadas).
Neste caso, parece ter havido uma coincidência perfeita entre a hora da morte, e a em que a percipiente ouviu os “golpes” fortíssimos seguidos do grito lamentoso, realmente emitido pela moribunda, circunstância que hindus a considerar de natureza subjetiva a percepção telepática do referido grito; assim sendo, devemos também considerar, puramente subjetivos os golpes fortíssimos que precederam o grito, o que, entretanto. não basta para explicar o mistério vertente sobre o fato de um pensamento afetuoso dirigido, no último momento, à amiga distante (pensamento realmente verificado), se transformar em três golpes simbólicos fortíssimos anunciadores da morte.
Nas circunstâncias em que se produziram os fatos, não é possível julgar acerca da origem subconsciente ou extrínseca do simbolismo auditivo em questão; mas em outros casos, dos quais citaremos adiante um exemplo, a hipótese da gênese subconsciente do simbolismo, surge perfeitamente insuficiente.
CASO VI - Tiro-o do Journal of the S.P.R. (Vol. XII, pág. 126). O Senhor Rix secretário da Royol Society of Science escreve quanto segue:
“Na manhã do dia 30 de outubro de 1905, eu estava na cama, acordado, quando ouvi bater na porta da rua. Sabíamos que a Senhora C., doente há algum tempo, que morava a um quilômetro de distancia de nós e a quem estávamos prodigalizando toda a sorte de cuidados afetuosos, achava-se em estado de muita gravidade, pelo que me veio ao pensamento à idéia de que seria o filho dela que viesse chamar minha esposa. Disse, pois, à minha senhora que alguém batia à porta e que provavelmente era o filho da Senhora C. que vinha chamá-la. Ela foi abrir porém voltou dizendo não ter visto ninguém. Os golpes que eu escutara não haviam sido menos de cinco e não mais de sete, mas tinham sido dados com força e em rápida seqüência.
Nosso quarto está situado no primeiro andar e o som dos golpes provinha, com toda a certeza, do andar térreo. Nossa criada, que dorme no aposento contíguo, ouviu também os golpes, e, olhando o relógio, viu que marcava 5 hs, 20m (faço notar, a respeito, que seu relógio adiantava sempre 5 ou 10 minutos). Na hora do almoço, um vizinho veio participar-nos o falecimento da Senhora C., ocorrido às 5,30. Depois da refeição, minha mulher foi à casa da Senhora C., onde soube que essa morrera às 5,hs 15 m.
O episódio exposto difere do primeiro em duas particularidades interessantes: pela circunstância dos “golpes simbólicos da morte” que, em vez de se verificarem no aposento em que se achava o “percipiente”, se deram na porta da rua; depois porque, dessa vez, foram ouvidos coletivamente, por três pessoas que viviam na casa. (Efetivamente, a Senhora Rix afirma havê-los ouvido, tendo acordado por causa dos mesmos).
Ora, esta última circunstância se mostra teoricamente importante, seja pela certeza que confere quanto à realidade do fenômeno telepático em si, - visto que uma ilusão dos sentidos não poderia ser compartilhada por muitas pessoas e muito menos despertá-las do sono - seja porque ocorre, geralmente, que, em tais circunstâncias, todas as minúcias das “audições” ou das “visões” concordam, completando-se, o que hindus a concluir que deva haver algo de objetivo nas “audições” e “visões” de tal natureza.
Assim, por exemplo, nos casos de visões de fantasmas telepáticos percebidos coletivamente, se destaca a circunstância, por demais sugestiva, que estes são observados às vezes de ângulos visuais diversos, isto é, um “percipiente” os vê de frente, outro de perfil e um terceiro de costas: tudo isto em perfeita correspondência com as leis da perspectiva, como se nesse lugar, se encontrasse um ser de algum modo objetivo.
Fica, assim, evidenciado que se tratasse de um fantasma telepático puramente subjetivo, nesse caso cada “percipiente” deveria. vê-lo de forma idêntica, diante de si e nunca de acordo, com as leis da perspectiva, visto que o pensamento do agente determinador do fantasma telepático não poderia deixar de ser absolutamente idêntico para todos.
CASO VII - Tiro-o do “Journal of the S.P.R. (Vol. XI. pág 320). Foi investigado pelo Rev. T. Fryer, pelo Senhor F. Young, membro de dita Sociedade, e pelo Senhor Arthur Mee, vice-diretor do jornal “Western Mail”.
Este último escreve com data de 2 de outubro de 1904:
A Senhora Georgina Page é mulher culta e inteligente que possui o segredo de um bálsamo de comprovada eficácia em varias moléstias. Um jovem enfermo quis prová-lo, pondo nele uma grande fé, porém o mesmo estava tuberculoso e o bálsamo era impotente para a doença. Na madrugada de 21 de dezembro de 1903 às 3 horas a senhor Page foi despertada por pesados passos que subiam uma escada e, enquanto perplexa os escutava, ressoaram três golpes fortíssimos sobre a porta do seu quarto, golpes que também despertaram três de suas filhas que dormiam em outro aposento. A Senhora Page levantou-se da cama para abrir a porta e não viu ninguém. Olhou o corredor: vazio!
No dia seguinte veio saber que o jovem enfermo havia falecido na hora mesma em que a Senhora Page ouvira os passos e os golpes em sua residência. Soube-se também que ele pedira, antes de morrer, que se mandasse chamar depressa a Senhora Page...
Esta senhora escreve: Três das minhas filhas ouviram os passos pesados que subiam as escadas em direção ao meu quarto, assim como os três golpes fortíssimos desferidos na porta. A maior delas se aventurou a sair para certificar-se de quanto acontecia, mas só depois de ouvir a minha voz que a chamava.
A filha em referência, senhorita Georgina Page, escreve por sua vez: “Ouvi passos pesados que subiam a escada. Quando se detiveram na porta do quarto de minha mãe, ressoaram três golpes bem fortes sobre essa porta. Fui ver de que se tratava e nada vi. Então disse à mamãe: Amanhã saberemos que algum amigo ou parente nosso faleceu neste momento”. E assim sucedeu. O episódio em referência aconteceu às horas da madrugada.
Também esse caso é de ordem coletiva, visto que os “percipientes” foram quatro. Destaca-se nele o episódio particular dos passos pesados que sobem uma escada para deterem-se na porta do quarto da Senhora Page, verificando-se, aí, o outro fenômeno complementar dos golpes simbólicos que anunciam a morte, tal como se uma pessoa viva fosse encarregada de notícia semelhante.
Nestas alturas dos acontecimentos, ocorrem-nos casos análogos que se verificaram em fenômenos de assombramento e se é certo que essa analogia não explica o mistério que rodeia o fenômeno serve, todavia, para deixar entrever uma relação eloqüente entre as duas ordens de fatos, na base da qual se deveria inferir que, se no caso dos fenômenos telepáticos existe positivamente um agente inteligente e extrínseco que engendra o fenômeno, dever-se-á então, dizer o mesmo com respeito aos fenômenos, em tudo análogos, de assombramento, ou, mais precisamente, dever-se-á logicamente concluir que, se no primeiro caso se trata de “telepatia entre os vivos”, no segundo deve tratar-se de “telepatia entre mortos e vivos”.
CASO VIII - Este caso é extraído dos “Proceedings of the S.P.R. (Vol. XXXIII, pág. 205). A Senhora Scott narra”:
“Uma das minhas irmãs havia partido para a América do Sul, onde contraíra matrimônio. Certa manhã em que eu havia permanecido na cama mais tempo que de costume, ouvi, por volta de 11 horas, golpes desferidos na minha porta. Pensando que fosse a criada com a água quente, disse: “Entra!”, porém ninguém entrou. Repetiram-se as pancadas. De novo exclamei: “Pode entrar!” porém como não visse ninguém entrar, virei-me para a porta e dei com a minha irmã no limiar. Pensando que ela havia regressado inesperadamente, exclamei: Oh! Que surpresa. Você Elsie! mas vi-a desaparecer subitamente.
Quando contei este caso ao meu marido, ele observou: “Não fales disto com a tua mãe, para não impressioná-la com a sorte de sua filha”.
Um mês depois chegou à notícia de que ela morrera após uma rápida moléstia. O triste evento ocorreu justamente no dia e na hora em que ouvi os golpes e ela me apareceu.
O marido da Senhora Scott confirma nestes termos a narrativa da esposa:
Recordo-me, perfeitamente de que, em certo dia do mês de março de 1887, minha mulher veio procurar-me cheia de espanto, contando-me que vira o fantasma da sua própria irmã, residente na América, e eu aconselhei-a a não dizer palavra à minha sogra a fim de não impressioná-la inutilmente. (Assinado Ronaid A. Scott).
Este é o episódio a que me quis referir quando comentei o Caso IV, em que mencionei um fantasma assombrador que havia dado um golpe no solo com o fim evidente de fazer com que olhassem, para aquele ponto, as moças ali presentes. Como não o conseguisse, desferira um golpe mais forte, com o que alcançou o seu propósito.
Neste outro episódio, de ordem telepática, se evidencia idêntica circunstância: o fantasma golpeia a porta com o objetivo mesmo de chamar a atenção da pessoa presente para esse ponto. Não alcançando o seu intento na primeira vez, renova os golpes, conseguindo o que queria.
Pessoa alguma pode deixar de ver a enorme importância teórica de que se reveste o fenômeno dos “raps” quando se repete com o propósito manifesto de despertar a atenção das pessoas presentes pára o local em que se mostram os fantasmas. E evidente que estas circunstâncias demonstram - e desta vez de forma indubitável - a existência de uma intenção da parte dos fantasmas que assim se comportam, o que equivale a dizer que no umbral daquele quarto, assim como em determinada parte do campo assombrado, havia uma entidade espiritual consciente das condições do ambiente em que se encontrava. E esta última circunstância se afirma ainda mais se considerar que, se esses agentes inteligentes tentavam chamar a atenção dos “percipientes” seja para a porta do quarto seja para o ponto do campo assombrado, é que existia ali algo substancial não perceptível de nenhuma outra parte, o que equivale a reconhecer que os fantasmas eram objetivos e não subjetivos.
Quanto se diz resulta aplicável de modo igualmente eficaz a ambas as manifestações fantasmagóricas em exame; eu acrescento umas últimas observações muito importantes, aplicáveis ao caso do fantasma telepático: é que uns impulsos telepáticos, entendidos no sentido clássico da transmissão de impressão à distância, de cérebro a cérebro, deveria alcançar diretamente a mente do “percipiente” e não se deter no caminho para vibrar golpes numa porta com o propósito de atrair a atenção da pessoa presente e depois repeti-los porque esta não atendeu de imediato ao chamamento do suposto impulso telepático, preocupado em assumir o aspecto simbólico-alucinatório-verídico do agente que o enviara.
Parece-me que estas últimas observações deveriam ser concludentes no sentido de provar a insuficiência da hipótese telepática em circunstâncias de tal natureza.
Observo que o conjunto das considerações expostas, deduzidas de acordo com a lógica, se mostra irrefutável, ao passo que reveste um alcance teórico imenso porquanto demonstra positivamente, que nem todos os fantasmas assombradores e telepáticos são de ordem subjetiva e que existem, ao contrário, considerável número dos mesmos que devem ser considerados, com base em fatos, de ordem objetiva, e, além disto, conscientes e inteligentes. A partir destes dados infere-se que, nos casos de aparições telepáticas, os episódios da natureza exposta devem ser considerados fenômenos de “bilocação” quando se produzem estando o “agente” ainda vivo, e “manifestações de fantasmas de defuntos” quando o “agente” é morto de pouco. As aparições assombratórias devem ser consideradas como autênticas manifestações de defuntos, com a presença real, no lugar, do fantasma do “agente” e não como “projeções telepáticas do pensamento de um morto” (o que, na verdade, é o que se verifica na maioria dos casos) e muito menos como “forma do pensamento” (hipótese esta válida, por sua vez, para algumas manifestações especialíssimas do gênero).
Em outros termos: O erro mais grave em que caem numerosos metapsiquistas militantes nos dois campos, é o de querer chegar a conclusões de ordem geral na base de observações de ordem particular. E assim acontece que, no nosso caso, a alguns metapsiquistas basta achar um grupo de fantasmas telepáticos ou assombradores que revistam um caráter positivamente subjetivo para que generalizem os seus alcances, decretando que todos os fantasmas são de ordem subjetiva. Entretanto, a verdade que emerge límpida da análise comparada do complexo dos fatos é bem diversa, demonstrando que a classificação das aparições fantasmagóricas é multiforme como de resto acontece em todas as classes das manifestações supranormais, de maneira que se a gênese de todas as manifestações em questão é uma só, ou seja, o espírito humano em sua fase “encarnada” e “desencarnada” são, todavia, múltiplas as modalidades com que se verificam as manifestações fantasmagóricas, as quais - como todas as outras - podem ser “anímicas” ou “espíritas”, conforme o caso e as circunstâncias.
Quando são “anímicas” podem manifestar-se em forma de fantasmas telepáticos subjetivos ou de fantasmas objetivos originados por fenômenos de “bilocação”; podem também se produzir em forma de projeções de simples “simulacros” fluídicos, visíveis ou invisíveis, e muitas vezes fotografáveis, determinados pelo pensamento e a vontade subconsciente do agente, e, finalmente, podem consistir em “formas do pensamento” tais como se exteriorizam nas crises de emoções trágicas e permanecem por tempo mais ou menos longo no ambiente em que se deu o drama, sendo perceptíveis aos “sensitivos”.
Pelo contrário, as manifestações fantasmagóricas “espíritas” podem, igualmente, produzirem-se sob a forma subjetiva de projeções telepáticas do pensamento, mas, dessa vez, entre defuntos e vivos, ou de projeções de simples “simulacros” fotografáveis; e, finalmente, de manifestações objetivas do fantasma do defunto, sensível, consciente, inteligente.
Colocada a questão nestes termos, é claro que o tema, extremamente complexo, não pode, por certo, ser elucidada de chofre, à custa de generalizações definitivas; pelo contrário, devem-se analisar a fundo todos os episódios em separado, levando em conta em cada qual a mais ínfima particularidade de manifestação, assim como a atmosfera psicológica do ambiente em que se deu o evento, só depois disso concluindo quanto a cada caso.
Assim procedendo, chegar-se-á, quase sempre, a observar particularidades em aparência insignificantes, mas que, ao contrário, valem admiravelmente para orientar, pondo o investigador em condições de resolver quaisquer dificuldades que se lhe apresentem, valendo-se de uma ou outra interpretação teórica e, dessa vez, com pleno conhecimento de causa. E os dois casos, que consideramos, o atestam de modo eloqüente.
OS “RAPS” NOS FENÔMENOS MEDIÚNICOS
O Doutor J. Maxwell dedicou um longo capítulo da sua obra Les Phénomènes Psychiques às manifestações dos “golpes mediúnicos”, fenômeno que ele teve a oportunidade de pesquisar a fundo, tendo à sua disposição alguns médiuns particulares com os quais se conseguiam “golpes” sob formas variadíssimas, pondo-o em condição de analisá-los e comentá-los de modo magistral e exaustivo.
Saliento, entretanto, que a circunstância afortunada de Maxwell ter podido experimentar com ótimos sensitivos produtores de “golpes”, leva-o a exagerar, de certo modo, a facilidade experimental de obtê-los.
Ele escreve:
“O primeiro fenômeno merecedor de ser observado, é o dos “raps”, o que se consegue com a máxima facilidade... Se experimenta com um médium de força medíocre, os raps se manifestarão depois de três ou quatro sessões, mas, se o médium é de grande força, far-se-ão ouvir quase que imediatamente.
Geralmente ressoam na estrutura de madeira da mesa, mas nem sempre sucede assim, e são percebidos ocasionalmente, no solo, nos móveis, nas paredes, no teto, e nos próprios assistentes: Ouvi-os, muitas vezes, fora das sessões e obtive-os em plena luz e com tal freqüência que me pergunto se a obscuridade os favorece, do mesmo modo que favorece outros fenômenos físicos.
Quando se obtém os raps, é fácil estudar de forma plenamente satisfatória, variando em todas às vezes as condições da experiência. E um dos fenômenos cuja realidade objetiva foi-me melhor provada...
A variedade dos raps não é menor do que a diversidade dos objetos sobre os quais se fazem ouvir. O tipo ordinário consiste em golpes secos, de intensidade variável, os que recordam o crepitar da centelha elétrica, esse, entretanto, é apenas o tipo mais comum e as variações são inúmeras.
Naturalmente a tonalidade dos raps varia segundo a composição da matéria em que se fazem ouvir. Distinguem-se assaz bem os raps desferidos na madeira, dos batidos numa folha de papel de carta ou em tecidos, e esta é uma verificação interessante, porquanto demonstra que o som é produto das vibrações da composição material do objeto.
Deve-se, portanto, inferir que os raps são consecutivos a uma vibração molecular da matéria. Tive ocasião de escutá-los numa circunferência máxima de 3 metros em torno do médium.
Acontece, muitas vezes, que os raps respondem uns aos outros, caso em que se escutam, simultaneamente, golpes claros, golpes surdos, golpes secos, que ressoam na mesa, no pavimento, na madeira e no tecido dos móveis. É essa uma das mais belas experiências a que assisti. Acrescento, finalmente, que todos os presentes, sem exceção, ouviram os raps (obra citada, pág. 67-85).
Este é o resumo das considerações preliminares do Doutor Maxwell sobre as modalidades com que se manifestam os fenômenos em exame. Reservo-me para mencionar, mais adiante, alguns episódios recolhidos em suas experiências.
Recuando ao inicio do movimento neo-espiritualista, vou referir-me ao fenômeno dos “raps” que se verificaram nas notáveis experiências magnéticas do Doutor Larkin, que precederam de alguns anos às das irmãs Fox.
CASO IX- No terceiro volume da minha obra “Indagíra sulle manifestazioni supernormalí”, (pág. 72-84), cumpri o dever de tirar de imerecido olvido o nome venerado do Doutor Larkin, precursor e mártir do moderno movimento espiritualista. No momento recordarei que era médico, exercendo sua profissão na cidade de Wrentham (Massachusetts,E.U.A.). Larkin servia-se do “magnetismo animal” para diagnosticar moléstias e curar seus próprios enfermos. Aconteceu-lhe no ano de 1837 experimentar com uma jovem sonâmbula que, além de atender aos seus pedidos, produzia, também, manifestações inesperadas, as quais embaraçavam grandemente o critério do experimentador. Uma primeira variedade do gênero consistia na produção dos fenômenos dos raps que se realizavam, espontaneamente, durante o período em que a sonâmbula se tornava clarividente.
A Senhora Hardinge Britten, a historiadora do movimento espírita norte-americano, que conheceu pessoalmente o Doutor Larkin, relata o seguinte:
“Se bem o Doutor Larkin ignorasse a forma como podia apresentar-se na sonâmbula Mary Jane manifestações de outra natureza, estas se produziam espontaneamente, embaraçando grandemente os experimentadores. Uma primeira variedade do gênero consistia na produção de fortíssimos golpes, os quais tinham relação indisfarçável com a fase especial do sono magnético em que Mary Jane se tornava clarividente; mas qual fosse a natureza de tal relação, o Doutor Larkin,não chegava a compreender.
Todavia, ele havia, observado que tais golpes ressoavam em móveis e objetos muito afastados da sonâmbula para se poder supor que fosse ela quem os provocava; ademais, isto se tornava. impossível pelo fato dos membros da sonâmbula ficarem, constantemente, inertes.
A única relação que ele podia estabelecer entre essa fase especial de sonambulismo e os fenômenos expostos, implicava a admissão de uma possibilidade que ele recusava tomar em consideração, visto que, então. deveria aceitar incondicionalmente certas afirmações da sonâmbula, segundo as quais via junto de si uma “Fada” de nome “Katy”, de maravilhosa beleza e angelical bondade... E as perplexidades em que se debatia o Doutor Larkin se complicavam com o fato de assistir, freqüentemente, a manifestações que tendiam a fazer presumir, que a sonâmbula fosse, às vezes, possuída por influências baixas e vulgares, ainda que não perversas...
Em tais circunstancia, a sonâmbula se exprimia em um frasear rude, interpolado de ditos chulos; ao mesmo tempo ressoavam no quarto enormes ruídos; os móveis se moviam e se deslocavam, objetos pesados voavam de um canto do aposento para outro. A sonâmbula dizia que tais manifestações eram obra de um espírito que fora em vida um grumete, acrescentando que o via perto de si. E, com efeito, o grumete, usando da sua laringe, declarava francamente ter sido ele próprio quem empregara as frases rudes, as quais lhe eram, em vida, tão familiares, que ora prorrompiam, automaticamente nas suas conversas com os vivos. Não tardou muito que o fenômeno dos golpes adquirisse poder locomotor, seguindo o médico nas suas visitas profissionais. Uma vez em que se encontrava em visita a um cliente, cujo palacete se erguia no vértice de uma colina, se fizeram ouvir golpes fortíssimos desferidos na porta. Pessoa alguma podia esconder-se nas adjacências, contudo os golpes continuaram a soar enquanto o doutor permaneceu na casa. (Ema Hardinge - Britten, Modern American Epiritualism, pág. 157-8).
A essas primeiras manifestações físicas se seguiram outras muito mais espantosas, mas ás quais não devo aqui me reportar, manifestações que atraíram sobre o infeliz Doutor Larkin perseguições civis e religiosas implacáveis, as quais provocaram a sua total ruína profissional e civil. Tal a sorte dos precursores.
O caso do Doutor Larkin, além de se mostrar o mais comovente entre tantos outros mais ou menos trágicos de que foram vitimas os primeiros pregadores da verdade espírita, mostra-se ainda tetricamente importante pelas magníficas manifestações medianímica ocorridas espontaneamente (entre as quais centenas de casos de identificação espirítica). E resulta historicamente valioso porquanto suas manifestações antecipam em uma dezena de anos, as famosas e mais afortunadas ocorrências análogas, igualmente espontâneas, de Hydesville, com as irmãs Fox, manifestações que iniciaram o movimento espírita mundial.
CASO X - Seria lógico que a história dos “golpes” de Hydesville com as irmãs Fox seguisse, no presente trabalho, a do Doutor Larkin, porém é a tal ponto famosa e universalmente conhecida, que me abstenho de repeti-Ia uma vez mais, limitando-me a observar que, assim como os “mortos” que se manifestavam por meio da sonâmbula do Doutor Larkin encareciam a este a necessidade de que pessoas estranhas assistissem às sessões, afirmando “haver chegado o momento em que os homens deveriam convencer-se, na. base dos fatos, de que o espírito sobrevive à morte do corpo, vaticinando o próximo advento de uma era em que toda a humanidade reconheceria a possibilidade de se comunicar com os espíritos dos mortos”, também os “mortos”, que se manifestavam por meio das irmãs Fox ordenavam, peremptoriamente, às mesmas que abandonassem sua aldeia para exibirem-se, publicamente, nas grandes cidades, com o fim de difundir, no mundo, a nova grande Verdade, afirmando, por sua vez, haver chegado o momento em que a humanidade, já evoluída, não poderia mais conformar-se com a fé cega e deveria convencer-se, sobre a base dos fatos, de que o espírito sobrevive à morte do corpo. E as irmãs Fox, a princípio rebeldes a tais ordens, terminaram por obedecer à vontade dos mortos, tornando-se, por sua vez, vítimas de perseguições inauditas, as quais chegaram, algumas vezes, a extremar-se a ponto de só por um milagre escaparem de ser massacradas por multidões fanáticas.
Depois desta devida alusão ao caso historicamente fundamental dos “golpes” de Hydesville, caso universalmente conhecido para ser repetido aqui, disponho-me a tirar de imerecido esquecimento um outro caso interessante, ocorrido poucos anos após o advento do hodierno Espiritismo e é o da jovem médium Abby Warner para quem a espontânea manifestação do fenômeno dos “golpes” resultou em ser a primeira a inaugurar o martirólogio dos processos legais contra os médiuns.
CASO XI - O caso de Abby Warner remonta ao ano de 1851, três anos depois do advento do movimento espírita. A senhor Hardinge Britten, espectadora dos fatos, relata o seguinte:
Abby Warner era uma pobre órfã que dependia da caridade pública para o seu sustento. Era também objeto de compaixão para quem a visse e isso devido a uma acumulação de graves enfermidades que a impossibilitavam de ganhar a vida e enfeavam o seu aspecto. Foi, entretanto, por intermédio dessa infeliz e humilde criatura que a causa do Espiritismo ganhou um impulso irresistível no Estado de Ohio, visto que Abby Warner não só se revelou uma médium maravilhosa mas involuntariamente deu causa a que os fenômenos ocorridos em sua presença fossem revelados ao público do modo mais imprevisto que se possa imaginar... (Idem. pág. 297-8).
Com esta última observação a Senhora Hardinge-Britten alude ao processo civil intentado contra a médium, processo que se transformou na melhor das propagandas a favor das novas pesquisas.
Uma senhora de nome Kellog teve compaixão da pobre criança e recolheu-a em sua casa, destinando-a a afazeres domésticos que não produzissem fadiga; foi essa senhora a primeira a verificar que, em torno da moça, se faziam ouvir golpezinhos curiosos dificilmente localizáveis A Senhora Kellog se havia interessado pelos “golpes” de Hydesville e, em conseqüência, procurou obtê-los experimentalmente com a jovem, conseguindo-os imediatamente; logo em seguida obteve com a nova médium, escrita automática que se desenvolveu de forma rápida e maravilhosa.
A narradora escreve:
“A educação de Abby Warner fora de tal modo negligenciada que na ocasião do seu desenvolvimento mediúnico, apesar de ter 18 anos, só com grande dificuldade conseguia ler os caracteres impressos; era, entretanto, incapaz de ler letra de mão e, tanto mais, de escrever. Contudo, em estado de “ transe”, a jovem analfabeta escrevia corrente e simultaneamente com ambas as mãos, discorrendo sobre assuntos os mais diversos, ditados por vários espíritos, enquanto um terceiro espírito se manifestava por meio de “golpes” “transmitindo uma mensagem radicalmente diferente das outras”. (Idem, pág. 298).
O Doutor Abel Underhill, (*) que havia posto a jovem sob seus cuidados, para tentar-lhe a cura, confirma esses detalhes, acrescentando que as mensagens não só eram escritas corretamente mas continham, também, admiráveis provas de identificação pessoal dos defuntos comunicantes. Foi no período em que Abby Warner ficou na casa do médico que se produziu o incidente que levou a médium ao banco do Tribunal. A relatora descreve o episódio nos seguintes termos:
Na véspera do Natal de 1851, o Doutor Underhill com a família, alguns amigos e a jovem Abby Warner, foram à igreja de St. Timothy, na cidade de Massilon. Uma vez aí chegados, tomaram assento junto dos demais membros da congregação, mas não tardaram a observar, com surpresa e inquietação, que “golpes” espontâneos se produziam em torno da médium, dessa vez com intensidade e freqüência insólitas e isso com o fim de atrair a atenção de toda a congregação, tanto mais que os golpes ressoavam, sempre, em perfeito sincronismo com os cantos litúrgicos. O ministro evangélico que, no momento, oficiava, se deteve, e, sem se dirigir a ninguém em particular, pediu que se deixasse de bater. A esse pedido o “espírito batedor” respondeu com formidável golpe, que os iniciados interpretaram como uma resposta negativa. E, na verdade, em lugar de cessarem, os golpes cresceram em freqüência e força, assim continuando até o fim do serviço religioso, quando Abby saiu da igreja com a família do médico.
(*) A respeito deste Doutor Underhill surge uma curiosa questão. Emma Hardinge Britten chama-o “Abel” Frank Podmore escreve que esse mesmo Underhill, enriquecendo em negócios de seguros, veio a casar, alguns anos mais tarde, em novembro de 1858, com a mais velha das célebres irmãs Fox, Leah. O Doutor Nandor Fodor anota que Leah casou-se com “David” Underhill. Infelizmente faltam-nos documentos para esclarecer esse pequeno mistério, um dos muitos que, por lapso dos comentadores, desafiam os historiadores do Espiritismo. - Nota dos Editores.
No dia seguinte, os jornais locais estavam cheios de cartas de protesto enviadas às redações pelos membros da congregação, nas quais denunciavam, com indignação, o sacrílego ultraje cometido durante o serviço religioso, por uma ímpia jovem, ultraje que não se devia deixar impune. A tempestade jornalística terminou numa citação legal dirigida a Abby Warner para comparecer perante o juízo do Tribunal Civil (*) para responder à acusação de haver intencional e sacrilegamente perturbado uma irmandade cristã no momento solene em que se cumpriam os deveres religiosos. (Idem, pág. 299).
A notícia do ato sacrílego, somada à imediata citação judicial da culpada, pôs em alvoroço toda a cidade. No dia em que se iniciou o processo, uma multidão de curiosos se comprimia na sala do tribunal. O desenvolvimento do processo durou três dias e constituiu um singular documento de ignorância, ou superstição e de insidiosa tentativa de arrancar da inocente vítima uma confissão de culpa como perturbadora voluntária de um serviço religioso e isso em contradição com quanto depunham os seus defensores, entre os quais o Doutor Underhill, que descreviam o fenômeno, sustentando que a jovem era médium e que os golpes ouvidos não dependiam, em absoluto, de sua vontade. Por sorte, as numerosas testemunhas que foram depor contra ela, se mostraram pessoas sérias e honestas. Declararam que os “golpes” ressoavam em torno de Abby Warner, mas que não era possível localizá-los e, sobretudo, que, embora houvessem vigiado a moça por mais de uma hora, não lhe notaram nenhum movimento nos braços nem nos pés. Duas senhoras, que se haviam sentado ao seu lado, embora indignadas com o sacrilégio consumado, foram muito explícitas em tal sentido, declarando que a jovem, tanto sentada quanto em pé, não fizera nenhum movimento suspeito, mesmo quando os “golpes” se mostraram mais estrepitosos. Resultou, dai, que o Juiz, o Senhor Folger, foi levado, honestamente, a pronunciar um veredicto de absolvição por insuficiência de provas.
(*) O julgamento, conforme escreve o Doutor Nandor Fodor, foi realizado quase que imediatamente após o Natal, a 27 de dezembro do mesmo ano. Nota dos Editores.
Esse honesto veredicto, enquadrado em rigorosa justiça, não foi contestado por ninguém. Entretanto o acontecimento e o mistério que o cercava assombraram todos os habitantes do lugar e de tal estado de ânimo se aproveitou o Doutor Underhill para convidar seus concidadãos a nomear uma comissão de inquérito, com a finalidade de investigar os fatos. Pediu que Abby Warner fosse sujeita às mais rigorosas medidas de fiscalização e assegurava que em tais condições os experimentadores obteriam prova indubitável da realidade objetiva dos “golpes”, assim como da natureza supranormal da “escrita automática”, das manifestações dos mortos, do tilintar de campainhas, do soar à distância de instrumentos musicais, da deslocação de móveis pesados, fenômenos esses em que à vontade da médium não influía, porquanto se realizavam pela intervenção de entidades espirituais.
A comissão de inquérito se reuniu, experimentou longamente, adotando métodos de controle rigorosíssimos, que seria muito longo enumerar, e:acabou por convencer-se da genuinidade supranormal de todas as manifestações, publicando, em conseqüência, um minucioso relatório dos fenômenos, plenamente favorável a Abby Warner.
E assim terminou o primeiro processo civil intentado contra um médium por causa dos “raps”. Tinha, portanto, razão a Senhora HardingeBritten quando afirmou que, dessa vez, a melhor propaganda das novas pesquisas fora feita pelos opositores.
CASO XII - Como o fenômeno dos golpes medianímicos se tem produzido constantemente um pouco por toda à parte e em qualquer época do movimento espírita, não creio necessário citar outros desta espécie e que não contenham algo de notável e característico. Reporto-me, portanto, ao ano de 1868, época em que se iniciaram em Cincinatti (Estados Unidos da América) as notabilíssimas experiências do Doutor N. Wolfe com a poderosa médium de efeitos físicos, Senhora Hollis, (*) com a qual ele obteve fenômenos de materialização de fantasmas que se moviam e falavam, em plena luz, fenômenos de “voz direta”, de “escrita direta”, de “luzes medianímicas”, de “transportes”, (**) de “levitação da médium” e, naturalmente, também o fenômeno dos “golpes”. A esse respeito, ele observa:
(*) Hollis, Mrs. Mary J. (mais tarde Hollis-Billing), médium americana de voz direta, cujos Espírito-guias eram “James Nolan” e “Ski”, um índio. Visitou a Inglaterra em 1874 e 1880. Foi um dos primeiros médiuns a obter escrita em ardósia, freqüentemente produzida por uma mão materializada à vista de todos. Durante os anos de 1871-73, o Doutor N. Wolfe, de Chicago, fez exaustivas investigações desses fenômenos. O resultado é descrito em sua obra “Starling Facts in Modern Spiritualism”. De acordo com ele, a mediunidade de voz direta de Mrs. Hollis era excelentemente desenvolvida. Em certas ocasiões trinta ou quarenta espíritos chegaram a se manifestar em uma única sessão. Só falavam nas trevas. Cantavam com os assistentes e, por vezes, davam-lhes senhas maçônicas.
Mrs. Hollis obtinha formas materializadas em um gabinete, mas sem entrar em transe. A manifestação de mãos fantasmas era muito freqüente. Muitas vezes a médium foi levitada até o teto, deixando no forro marcas de lápis. Movimentos de objetos eram também comuns. Um dos espíritos que se manifestavam foi visto fazendo bonecos e rosetas com o material que fora deixado com esse propósito. O processo de costurar era realizado com perfeição em absoluta obscuridade.
Como teste, escureciam-lhe as mãos com cortiça queimada. A mão materializada aparecia imaculada. Rostos mostravam-se em miniaturas e os assistentes examinavam-nos através de binóculos. De certa feita seis cabeças mostraram-se simultaneamente. Dizia-se que os Espíritos de gente famosa freqüentavam suas sessões, entre eles Napoleão e a Imperatriz Josefina, que usava uma coroa de pedras preciosas e colares de pérolas. - Nota dos Editores.
Milhões de pessoas hão ouvido os “golpes medianímicos” em plena luz, mas não são muitos os que os ouviram durante experiências com médiuns poderosos, em plena obscuridade, caso em que resulta coisa bem diversa dos golpezinhos que ressoam na madeira das mesinhas medianímica. Nas experiências em plena obscuridade, os “golpes” assumem volume, força, potência, e quando ressoam muito perto causam sobressalto. Podemos compará-los a batidas de malho desferidas, com força sobre humana, no chão e nos móveis. Não ocultamos que, algumas vezes, houve quem temesse que algum golpe mal dirigido lhe partisse o crânio. Era com essa espécie de golpes tremendos que o índio “Old Ski” sacudia a inércia zombeteira dos experimentadores incrédulos. E alguns deles se assustaram tanto que suplicaram a “Old Ski” que não os matasse... Então, o velho pele-vermelha, depois de ter tirado do letargo o seu homem, se apressava em tranqüilizá-los falando-lhe com voz terna e assegurando-lhe que jamais havia causado mal a alguém. E está claro que, em nenhum instante insinuava-se que o suplicante era um covarde”. (Doutor Wolfe: Starling Fac-ts in Modern Spiritualisni, pag. 287).
(**) No original Bozzano escreve “apporti ed aporti”, tentando, com relativa felicidade, levar para o italiano o verbete “apport”, que, do francês “apporter” foi incorporado universalmente ao vocabulário espírita e metapsíquico Compreendendo a aparição desaparição de objetos, envolvendo aparente penetração da matéria, pois que habitualmente ocorre em lugares hermeticamente fechados, não ternos para o apport nenhum equivalente em português. Os ingleses adotaram o termo francês. É um dos mais enigmáticos e surpreendentes fenômenos do mediunismo. Nota dos Editores.
Quando, ao contrário, o fenômeno dos golpes se sucedia em plena luz, assemelhavam-se aos demais, todavia sem deixar de ter os seus característicos. Durante uma sessão em pleno dia, para obtenção de “escrita direta em ardósia”, o relator descreve, nestes termos, o acompanhamento dos golpes.
Quando a Senhora Hollis tinha entre as mãos a ardósia, esperando a comunicação, prorrompeu de várias partes do aposento, uma “cascata” de golpes medianímicos. O fenômeno parecia surpreendente e enquanto eu especulava sobre o fim desse grande desprendimento de “força”, a Senhora Hollis chamou minha atenção para a posição de uma cadeira colocada no canto mais afastado do quarto. Essa cadeira havia começado a oscilar sobre as duas pernas traseiras, continuando, assim, para frente e para trás durante uns dois minutos e descrevendo, com o espaldar, um quarto de círculo aéreo, depois do que avançou elegantemente rumo a nós, movendo suavemente uma perna atrás da outra, até superar a metade da distancia. Então parou sobre as quatro pernas para, em seguida, arrastar-se sobre o tapete até chegar à mesa, em torno da qual nos sentávamos. Continuou a oscilar sobre duas pernas por outros dois minutos, e, enfim, cai, pesadamente, sobre o tapete. Quando isso ocorreu, prorromperam de todas as partes fortes golpes, rapidíssimos, que se poderia denominar um “dilúvio” de golpes. (Idem, pág.223).
Declaro, sinceramente, que quando me dispus a ordenar e classificar o material bruto desta “Breve história dos golpes medianímicos”, acreditava realizar um trabalho de certa utilidade metapsíquica, mas inevitavelmente monótono.
Vejo, agora, porém, com agrado, que me enganei, visto que os modestíssimos “golpes medianímicos” apresentam tal variedade de manifestações e de situações de ambientes que os tornam não apenas interessantes mas também instrutivos.
O caso exposto e os que o precederam provam bem essa nossa impressão, porém ainda mais ilustrativa será a ultima secção desta classificação, em que analisaremos os casos dos golpes projetados em outros ambientes situados a centenas de milhas da localidade em que opera o médium.
CASOS XIII, XIV, XV e XVI - Reúno casos de produção de “golpes medianímicos” com quatro poderosos médiuns, limitando-me a mencioná-los brevemente porquanto, relativamente aos mesmos, os fenômenos que estudamos se limitam, quase sempre, a servir de meio para comunicações alfabéticas, raramente apresentando outras variedades de manifestações. Refiro-me aos médiuns Daniel Dunglas Home, William Staiton Moses, Elisabeth D'Espérance e Eusápia Paladino.
No caso de Home eram habituais as comunicações medianímicos por meio dos “golpes” que ressoavam, geralmente, na estrutura da madeira da mesa, porém, algumas vezes, nos móveis e no soalho.
Eram, ao contrário, excepcionais os episódios de “golpes” que revestiam potencialidade e variedade de manifestação. Eis dois casos interessantíssimos, o primeiro dos quais ocorreu na residência do Senhor Ward Cheney, em Manchester (Connecticut):
Formou-se o círculo e bem pronto os golpezinhos de costume ressoaram claros e distintos dentro da madeira da mesa. Um dos meus amigos, que nunca assistira a semelhantes experiências, se abaixou, prontamente, para observar de baixo do móvel, mas teve que se convencer de que ninguém o tocava. Adaptando-se o alfabeto aos golpes, obtiveram-se admiráveis provas de identificação de espíritos comunicantes, ao tempo em que o médium se achava num estado de inconsciência, com rigidez muscular... Quando na metade de uma palavra ou de uma frase, alguém pretendia interpretar-lhe o significado, se chegava a adivinhar, produzia-se uma rajada de golpes fortes e rapidíssimo, como o sinal de resposta afirmativa...
Em seguida, fez a obscuridade na esperança de obterem-se os clarões espirituais ocorridos, precedentemente, em outro grupo de experimentadores, porém, em vez de relâmpagos, tivemos os trovões sob a forma de golpes tremendos que ribombavam de todas as partes. Vibravam nos muros, no solo, nos móveis e, às vezes, a poucos centímetros do meu ouvido. Ficamos tontos e aterrorizados. Se eu desferisse um soco na mesa com toda a força de que sou capaz, não produziria o efeito desses golpes. As paredes e o chão estremeciam. As nossas perguntas continuava-se a responder com “golpes”, os quais variavam de força e de entonação conforme os espíritos comunicantes. Assim, por exemplo, a filha morta de um dos experimentadores anunciou a própria presença com uma “chuva” cerrada de golpezinhos suaves e vivazes. O pai pediu mentalmente à filha para colocar a mão em sua testa e, no mesmo instante, sentiu uma mãozinha de criança passar-lhe docemente na fronte. Note-se que o pai da menina era um incrédulo (D. D. Home: Revelations sur ma vie surnaturelle, pág. 49-51).
No livro de Lord Dunravem: Experiments in. Spiritualism encontro este outro episódio:
“Sentiu-se algo mover na parede e, súbito, vimos oscilar no ar um crucifixo que estava suspenso à mesma. Ninguém o segurava e, no entanto, ele estava no ar, no espaço compreendido entre nós e a janela. Subitamente, golpes ressoaram, sobre o crucifixo, com os quais foi ditada a frase: “Que isto sirva para demonstrar-vos que nós não tememos o símbolo da cruz”. (obra citada, pág. 163).
Passando a William Stainton Moses, observo que além dos golpes que se produziram para a transmissão das comunicações alfabéticas, se obtiveram manifestações fônicas de toda a sorte, muito extraordinárias, mas, devendo limitar-nos às que não diferenciem muito do tema aqui considerado, não buscaremos grandes variedades episódicas para ilustração. Neste primeiro episódio os “golpes” se produziram em plena luz, por todas as partes do ambiente.
Quando o médium se achava em estado de “transe”, era nosso hábito constante acender uma vela com o fim de tomar nota de tudo o que dizia a entidade que falava por intermédio de Meses. Durante esse tempo, as mãos e o vulto do médium eram claramente visíveis; não obstante os “golpes” continuavam a fazer-se ouvir por todas as partes do aposento. (Charlton Speer, nos “Proceedings”, vol. IX, pág 343).
Neste outro incidente, responde-se com “golpes” às perguntas mentais feitas na ausência do médium, o qual se encontrava no quarto contíguo:
“Perguntas formuladas mentalmente por mim foram respondidas com “golpes” na parede, enquanto Moses se achava em outro quarto (Senhora Speer, nos Proceedings, vol. IX, pág. 312).
Este é um exemplo de ruídos múltiplos que não diferem muito do tema tratado:
A 18 de Agosto de 1872 - Staiton Moses perguntou (aos seus guias espirituais) se realmente pretendiam valer-se dele como instrumento para convencer o mundo sobre a realidade das manifestações espirítica. Como resposta, eles iniciaram, imediatamente, um estrepito de intensidade extraordinária; dir-se-ia que se tratava de uma multidão freneticamente aplaudindo e batendo com os pés, em um comício público. Esses ruídos provinham de todas as partes do quarto e davam a impressão de exaltação. (Senhora Speer, em Light, 1892, pág. 79).
E também esta outra espécie de ruídos não difere muito dos aqui analisados:
20 de julho de 1873 - Quando se lhe pediu para bater, um golpe fortíssimo retumbou sobre a mesa e logo no solo. Parecia que grossas bolinhas de pedra ou vidro eram lançadas sobre a mesa e daí tivessem caído no chão e rolado por largo tempo. Quando se acendeu a luz, foi quase impossível convencer-nos de que isso não tinha realmente acontecido. (Doutor Speer, nos Proceedings, vol. IX, pág. 319).
Relato um último episódio, o qual contém a circunstância importante de fenômenos que se produziram na ausência de Moses. A Senhora Speer narra:
A 22 de março de 1873 - Esta noite o Senhor Staiton Moses e o Doutor Speer observaram, novamente, rumores elétricos enquanto estavam sentados, em plena luz, na sala de bilhar. “Rector”, por meio de golpes, fez logo saber que deviam dirigir-se à sala de sessões. Naquele momento eu estava dormindo no salãozinho e acordei sobressaltada devido aos estremeções repentinos e fortes que “Rector” fez dar-se no chão. (Senhora Speer, na Light, 1893, pág. 283).
Com respeito aos fenômenos do gênero, que se produziram com as Senhoras D' Esperance e Eusápia Paladino, não há quase nada a revelar.
Com a Senhora D' Esperance, os “golpes” se produziram raras vezes em forma de tiptologia para as comunicações medianímicas e na sua obra Shadowland. (No país das sombras) se encontram aqui e acolá algumas poucas observações como as seguintes:
“Muitas vezes ressoavam golpes na mesa, com os quais obtínhamos respostas às nossas perguntas. (pág. 104). Algumas vezes cantávamos para harmonizar os “fluidos”; nesse caso os nossos cantos eram constantemente, acompanhados por movimentos rítmicos da mesa, ou bem por golpes vibrados dentro da estrutura da madeira. (pág. 113).
Com Eusápia Paladino, além dos golpes tiptológicos, obtinham-se muitas vezes os fenômenos dos golpes sincrônicos com os movimentos que a mão da médium fazia no ar. Quer dizer que esta última, em plena luz, vibrava, no ar, um golpe com os dedos da mão juntos e, simultaneamente, se ouvia um golpe mais ou menos forte ressoar na superfície da mesa. Esse fenômeno, que se podia obter à vontade, não era por certo impressionante, mas cientificamente interessante, pois que, pela modalidade com que se produzia, dir-se-ia que, entre os dedos unidos de Eusápia e a mesa, distante, embaixo, cinqüenta ou sessenta centímetros, se materializara uma varinha invisível, com a qual a médium golpeasse a superfície da mesa. O fenômeno, sempre obtido em plena luz e repetido a pedido, tinha o valor de uma experiência supranormal cientificamente incontestável.
CASO XVII - Relato alguns episódios interessantes recolhidos no livro, já citado, do Doutor Maxwell: Les phénonènes psychiques.
Esse primeiro episódio apresenta uma curiosa analogia com o antes referido, acontecido com a médium Abby Warner, exclusive, naturalmente, o processo civil intentado contra esta. O Doutor Maxwell relata:
Tive ocasião de observar os fenômenos dos “raps” grande número de vezes e durante certa viagem aconteceu encontrar com um médium interessado no gênero. Ele deseja que não lhe cite o nome, porém eu posso afirmar que se trata de uma pessoa cultíssima, e que ocupa um cargo oficial. E é curioso que ele não sabia possuir essa faculdade latente, a qual se revelou somente depois de haver experimentado comigo. Com este médium, os raps se produziam espontaneamente nos salões dos restaurantes e nos bufês dos trens. Bastaria a observação desse caso para se ficar certo da realidade do fenômeno. O barulho insólito dos golpes medianímicos que se produziam em torno do meu amigo, atraia a atenção das pessoas presentes, com a conseqüência de pô-lo em situações embaraçosas. De semelhantes circunstancia, poder-se-ia afirmar que o nosso sucesso tinha ultrapassado as nossas expectativas, com isto de agravante que quanto maior era a nossa confusão ante os presentes, que nos olhavam com espanto, mais fortes e freqüentes ressoavam os golpes. Dir-se-ia até que um espírito brincalhão os produzia para gozar do nosso embaraço.
Obtivemos raps belíssimos batidos no chão dos museus, de fronte às obras de arte dos mestres e, principalmente, ante quadros de assunto místico não mais me esquecerei da intensidade de certos golpes batidos ante uma “Descida da Cruz”, pintado por um grande artista.
Obtivemos alguns, magníficos, numa casa tornada monumento nacional por ter sido habitada por um homem de gênio. No quarto em que o grande escritor morreu, golpes dados sem discrição, atraíram a atenção suspeitosa do guarda. (ob. cit. pág. 69-70).
Em outra circunstância o Doutor Maxwel narra:
“Com uma médium escrevente, tive o ensejo de observar o fato curioso de “golpes”“ que se produziam na ponta de um lápis pousado imóvel sobre uma folha de papel. Várias vezes coloquei a mão sobre a outra extremidade do lápis, verificando que os “golpezinhos” se sucediam realmente, sobre ponta do mesmo, porquanto como disse, este repousava imóvel sobre a folha, mas ressoavam, na verdade, na estrutura da madeira e não sobre o papel... (Idem, 73) . . . Um outro episódio curioso é o seguinte: Eu experimentava em um aposento em que se encontrava um biombo. Estávamos sentados a três metros de distancia do mesmo e golpes, distintíssimos e fortes, ressoavam detrás do biombo. Dir-se-ia que, por estarmos experimentando em plena luz diurna, os golpes medianímicos se haviam refugiado no canto mais escuro do quarto. (Idem, 73-4).
... Uma das características mais notáveis que apresenta a observação dos raps, consiste no fato de que esses quase sempre estão em relação direta com o que denomino “personificações”. Um grupo dessas personificações, que se faziam chamar “Fadas”, se mostraram particularmente interessantes e mais adiante terei ocasião de contar como uma dentre elas se fazia também ver. Essas “Fadas” interferiam, muitas vezes nas nossas conversas, aprovando ou desaprovando as opiniões emitidas pelos experimentadores. Interessavam-se muito pelas nossas experiências e tive ensejo de observar que, quando os raps tardavam a produzir-se, era bastante encaminhar a conversa para as pesquisas psíquicas e suas prováveis interpretações para que, logo em seguida, os raps se ouvissem, aprovando ou desaprovando... (Idem, pág. 75).
A propósito destas últimas observações do Doutor Maxwell é quase o caso de fazer notar como concordam com as modalidades sob as quais se manifesta à maioria dos episódios do gênero, em que se observa, igualmente, que os fenômenos fônicos são acompanhados por manifestações de personalidades medianímica que afirmam produzir os “golpes” com o fim de assinalar a sua presença, ou entabular conversação com os vivos. Já se compreende que tais afirmações não constituem provas em tal sentido, todavia não são privadas de significado, tanto mais se as considerarmos nas suas relações indubitáveis, com o conjunto da fenomenologia metapsíquica, em que se verifica, constantemente, o mesmo fato, com o acréscimo de uma circunstância eloqüente e é de que, muitas vezes, tais afirmações são corroboradas por provas de toda a sorte, em demonstração da presença real, no local, das personalidades medianímicas comunicantes.
O Doutor Maxwel as considera “personificações subconscientes”.É provável, usas seria mais prudente ele manter-se em uma cautelosa reserva, denominando-as com o nome neutral de “personalidades medianímicas”, como eu faço.
Fica para expor um grupo de episódios a que aludi anteriormente. Nesses, os “golpes” são projetados à distância e, muitas vezes, a grandes distâncias. Em tais circunstâncias, o fenômeno foi, algumas vezes, obtido a pedido, ou de antemão anunciado pelo médium em sono ou pela personalidade medianímica comunicante.
CASO XVIII - O primeiro, por ordem de data, é o caso da Senhora Frederica Hauffe, a “Vidente de Prevorst” (1825) no qual os episódios desta categoria se produziam com freqüência. O fenômeno, que vou narrar, ocorreu em seguida a um pedido do Doutor Justino Kerner. Ele escreve:
Como seus familiares me haviam contado, um ano antes da morte de seu pai, que no início de seu estado magnético, ela podia se fazer sentir aos seus amigos, à noite, quando se encontravam já recolhidos ao leito, na mesma aldeia, mas em casas diferentes, por meio de batidas, tal como ocorre com os mortos, eu lhe perguntei, durante o sono, se ela podia repetir o fato e a que distância. Respondeu que poderia ainda, por algumas vezes, e que a distancia não existia para o espírito. Pouco depois disso, quando nossos filhos e os domésticos já tinham adormecido, ouvimos, no momento de deitar, uma batida que parecia vibrada no ar, acima de nossas cabeças. Seis batidas fizeram se assim ouvir, com intervalos de meio minuto. Era um som abafado, mas claro, suave e distinto. Nossa casa é inteiramente isolada e estávamos bem certos de que os ruídos não podiam provir de nenhuma pessoa perto ou colocada abaixo de nós. No dia seguinte, à noite, quando foi adormecida, embora eu não tivesse mencionado o ocorrido, ela me perguntou se eu desejava que batesse outra vez para nos ouvirmos. Como, entretanto, explicou que isso a esgotava, eu recusei (La Voyante de Prévorst, pág. 60).
O fenômeno dos raps e de batidas e estrondos de toda a sorte, era comuníssimo com a vidente e se relacionava, quase sempre, com visões de fantasmas de defuntos, os quais, segundo ela afirmava, encontrava-se em estada de sofrimento.
Na ocasião em que se manifestava um dos tais fantasmas assombradores cuja chegada era assinalada por golpes e ruídos fortíssimos, o Doutor. Kerner pediu à vidente que o exortasse a fazer-se ouvir em sua casa e a vidente pediu ao fantasma que o atendesse. Isto ocorria a 18 de maio de 1825. O Doutor Kerner escreve:
A 23 de maio, por volta de uma hora da madrugada, fui subitamente despertado e ouvi sete golpes seguidos a curtos intervalos, parecendo provir do ar em meio do meu quarto. Minha esposa também foi despertada. Não podíamos comparar esses golpes a nenhum outro ruído. A casa, em que morava a Senhora Hauffe, se achava distante da nossa. (Idem, pág. 171).
E, a propósito de outro fantasma assombrador, observa:
“Quando o fantasma feminino amedrontava-a, ela lhe pedia que se manifestasse a mim e, nessa mesma noite de 2 de novembro, eu e minha mulher fomos perturbados por ruídos produzidos em nosso quarto e algo foi lançado sobre mim. Na manhã seguinte é que fui saber do pedido que a Senhora Hauffe fizera ao espírito”. (Idem, pág. 192).
A propósito dos episódios expostos, a primeira pergunta que ocorre à mente do leitor é a que concerne à natureza desses golpes. Telepáticos ou medianímicos? Subjetivos ou objetivos?
O Doutor Kerner informa que tanto ele como sua mulher foram acordados em sobressalto, à uma hora da madrugada, pelo ribombar dos golpes, o que indica que ressoavam com força a ponto de acordar pessoas que dormiam; e, assim sendo, não se poderá evitar concluir pela objetividade dos mesmos. Resulta daí que as hipóteses telepáticas, que abrange, exclusivamente, os fenômenos análogo de natureza alucinatório verídica, deverá ser eliminada para dar lugar a uma qualquer outra hipótese mais concreta. E entre essas, a hipótese menos ampla seria a de Myers, segundo a qual, em semelhantes circunstâncias, dar-se-ia projeções à distância de um “centro fantasmogenético real”, o qual, porém, não seria ainda um fenômeno de “bilocação” propriamente dito, mas se trataria antes de uma “cisão inicial da personalidade do médium”, portanto de uma primeira fase do fenômeno em discussão.
Tal hipótese se aplicaria ao primeiro episódio em que a “vidente” pré-anunciou que tentaria, pessoalmente, a prova, mas não se adaptaria aos episódios em que se tratam de fantasmas de defuntos, os quais se aproveitaram da mediunidade da “vidente” para se manifestar em casa do Doutor Kerner, de acordo com o desejo deste último. Naturalmente, faltam provas para ficar-se cientificamente autorizado a acolher esta segunda hipótese, mas se considera o conjunto das manifestações imponentes de que a “vidente” foi protagonista involuntária e recalcitrante, então poder reunir provas indiretas mais que suficientes para fazer propender a balança das probabilidades em favor da intervenção real dos defuntos nas circunstâncias em exame.
CASO XIX - Este outro episódio foi narrado por Luis Jacolliot, então cônsul francês em Benares, o qual investigou, por anos, as faculdades supranormais do famoso faquir indiano Cavindasamy. Escreve Jacolliot em sua obra Le Spiritisme dans le monde, IV parte, pág. 288:
“Concedi liberdade ao encantador. Ao despedir-se de mim, informou-me que, no momento em que os elefantes sagrados anunciassem a meia-noite, batendo nos gongos de cobre do pagode de Siva, ele evocaria os espíritos familiares que protegem os franguys (franceses) e que esses espíritos manifestariam a sua presença, em meu próprio quarto de dormir”.
Em seguida, Jacolliot relata todas as precauções que tomou para evitar qualquer fraude eventual, permanecendo só em sua casa, provida de ponte levadiça, examinando, minuciosamente, todos os aposentos a fim de assegurar-se de que não havia ninguém escondido, depois do que se retirou para um quarto que não era aquele em que habitualmente dormia.
Ele, assim continua:
Na hora indicada, pareceu-me ouvir dois golpes distintamente batidos sobre a parede desse quarto. Dirigi-me para o lugar de onde pareciam partir esses ruídos quando um golpe seco, que parecia provir do quebra-luz que protegia a lâmpada contra os mosquitos e as mariposas da noite, fez parar subitamente; alguns ruídos se produziram ainda, em intervalos desiguais, nas vigas de cedro do teto. Depois tudo voltou ao silêncio. (Idem, pág. 289).
No caso exposto, as manifestações, previamente anunciadas, se realizaram em três modalidades diversas: golpes distintos batidos na parede do quarto, um golpe seco no vidro da lâmpada e vários ruídos nas traves do teto. Deve-se notar que essas manifestações supranormais se verificaram na hora previamente indicada de meia-noite, circunstância que confere valor probativo ao fenômeno.
Também neste caso se deverá concluir pela objetividade dos golpes, embora fique, ainda incerta a gênese das manifestações. E verdade que o faquir havia anunciado que, ao soar meia noite, evocaria os espíritos protetores dos franceses para manifestarem a sua presença no quarto de Jacolliot. Também é verdade que todos os faquires crêem firmemente na intervenção de entidades espirituais nos fenômenos que produzem, mas como as suas manifestações, embora prodigiosas, são sempre de ordem física, não seria possível demonstrar que não resultam sempre fenômenos de “animismo”.
CASO XX -Numa recente monografia minha, referi um caso de mensagens medianímica entre vivos, transmitidas com o auxilio de personalidades medianímicas, caso que se prestava, de modo excepcional, para elucidar algumas perplexidades inerentes às comunicações mediúnicas com os defuntos.
Tratava-se, igualmente, de transmissão de breves mensagens entre dois grupos de experimentadores separados por uma grande distância, mas o início de tais experiências teve origem fortuita e precisamente por causa de uma projeção, a pedido, de “golpes” de um outro grupo.
O relator-protagonista dos fatos é o Senhor Frederick James Crawley, chefe do comissariado de segurança pública da cidade de Newcastel. Ele se interessara pela metapsíquica porquanto sua consorte possuía faculdades mediúnicas. Aconteceu que no Outono de 1922 a esposa de Senhor Crawley teve que permanecer algum tempo na cidadezinha de Woolastone, em Gloucestershire, ao passo que o Senhor Crawley ficava em sua própria residência em Sunderland. Entre as duas localidades se interpunha uma distância de 300 milhas. Em data de 1.° de setembro de 1922, o Senhor Crawley recebeu de sua consorte uma carta na qual se lia o seguinte tópico:
Ontem à noite, quando me deitava, ouvi uns golpes sonoros batidos na madeira do peitoril da janela. Reconhecendo neles a tonalidade característica dos golpes vibrados por “Luther” (o defunto irmão do Senhor Crawley) perguntei se era ele próprio e recebi resposta afirmativa por meio de três fortes golpes, depois do que as pancadas continuaram a fazer-se ouvir; mas como ressoavam muito fortes e eu me encontrasse em casa alheia, pedi a “Luther” para desistir ao que acedeu imediatamente. Eram 23 horas. Então pedi a “Luther” que fosse bater seus golpes cm teu quarto, em Sunderland. Esta manhã, ao escrever automaticamente, manifestou-se “Ourio” (o filho defunto dos Crawley) que me disse que ele e “Luther” se haviam transferido para o teu quarto e executado o meu pedido (Idem pág. 7).
Respondendo à carta de sua esposa, o Senhor Crawley, com o laconismo espartano característico de todos os seus comentários, diz o seguinte:
“Cerca da hora indicada na tua carta os golpes a que se refere ressoaram, distintamente, no meu quarto”. (Idem, pág. 7).
A propósito do episódio exposto, limitar-me-ei a observar que o mesmo se produziu a pedido, e, ainda, que o percipiente não esperava tal coisa, o que serve para eliminar a hipótese de sugestão por “atenção expectante”. Faltam, a respeito, dados para se julgar se tratava de um fenômeno anímico ou espirítico, mas, ainda desta vez, observarei que, se considerarem as magníficas provas de identificação pessoal proporcionadas pelos falecidos filhos do Senhor Crawley nessas mesmas experiências, dever-se-á concluir, sem hesitação, a favor da origem extrínseca dos golpes em questão.
CASO XXI - Tiro o seguinte episódio da obra do rev. V. G. Duncan Professor (Provas), livro interessantíssimo sob diferentes pontos de vista, no qual o autor se refere às suas próprias experiências com as célebres médiuns de “voz direta”, as senhoritas Moore.
Ele comparecera à primeira sessão em companhia de um amigo, ex-oficial do exército, e ambos obtiveram admiráveis provas de identificação pessoal de defuntos.
No segundo capítulo do livro, o rev. Duncan relata o seguinte:
Os memoráveis eventos expostos no capítulo precedente tiveram um curioso desenlace. Na noite seguinte, fui à casa de um amigo para conversar acerca das nossas impressões da noite anterior. Soube que sua senhora se achava ausente da casa, havia uma semana, e que ficaria no campo mais algum tempo ainda. Convém, portanto, fazer notar que, na noite precedente, só se encontravam na casa duas criadas, as quais se achavam deitadas quando o meu amigo voltou da sessão. Ele se recolheu, logo, ao leito e apagou a luz, continuando a meditar sobre as maravilhas a que havia assistido, mas a corrente dos seus pensamentos foi, subitamente, interrompida por golpezinhos gentis batidos na parede detrás da cabeceira do leito. Ele pensou que se tratava de algum ratinho escondido no revestimento da madeira e reatou o fio dos seus pensamentos quando foi, de repente, sacudido por um golpe formidável, como de um malho, batido numa das colunas do leito. Saltou da cama, acendeu a luz, olhou ao redor, revistou minuciosamente todos os cantos: nada havia no aposento que desse razão ao sucedido.
Uma semana após, teve oportunidade de assistir a uma segunda sessão, manifestando-se, no decurso da mesma, uma entidade que lhe informou que alguns espíritos amigos haviam utilizado um resto do “fluido” que ele havia levado consigo da sessão, com o propósito de anunciar a sua presença no quarto. Primeiramente haviam buscado atrair sua atenção, por meio de golpezinhos leves, porém como ele havia pensado em ratos em vez de espíritos, eles produziram esse golpe que já não podia ser confundido com o de um roedor, pancada, porém, que saíra mais forte do que desejaram. E o espírito comunicante pediu desculpa ao meu amigo pela emoção que, involuntariamente, lhe causara... (pág. 36-7).
No caso exposto, e querendo ater-se rigorosamente ao texto, não se poderia falar de “golpes” projetados à distância por obra de um sensitivo visto que, as duas médiuns não se haviam proposto nem conscientemente nem em estado de “transe” (elas permaneciam constantemente acordadas) tentar semelhante prova e nem aos experimentadores ocorrer tentar algo de semelhante. O fenômeno se produziu espontaneamente, fora de toda a coincidência de hora. ou de aviso prévio, salvo a circunstância de ter-se realizado algumas horas depois de ter o percipiente assistido a uma magnífica sessão de “voz direta)”. Assim sendo. a explicação mais racional dos fatos pareceria ser a que forneceu a entidade comunicante, na sessão seguinte, a qual, ao abordar o assunto sem que os médiuns estivessem informados a respeito, e, ao dar provas de estar ao corrente de tudo, dá validade à presunção sobre a origem extrínseca do fenômeno ocorrido.
CASO XXII - Tiro este último episódio da Light (193-9, pág. 354). O Senhor J. D. Larpenteur, de Paris, publica o seguinte caso pessoal, que já havia relatado verbalmente ao professor Richet.
Aconteceu-lhe assistir a uma sessão privada. em que a mesinha. mediúnica respondia, alfabeticamente, por meio de golpes na madeira. Manifestaram-se-lhe a irmã e a mulher mortas, fornecendo-lhe boas provas de identificação. Era ele desconhecido dos presentes, mas não era fácil de se convencer e tentou a prova de formular uma pergunta mental ao “espírito-guia”, pedindo-lhe para transportar a mesinha até ele e bater três vezes sobre suas próprias mãos, colocadas sobre os joelhos. Esse pedido mental foi logo satisfeito, o que o levou a convencer-se da genuinidade dos fatos. Pediu, então, à mesma entidade, para manifestar-se em sua casa, obtendo resposta afirmativa. Estes os antecedentes. O relato assim prossegue:
“Nada disse a ninguém. Depois de haver esperado por alguns dias, as preocupações dos negócios me fizeram esquecer muitas coisas. Certa noite, porém, sobressalto pelo rumor de três fortes golpes produzidos batendo-se com os nós dos dedos num móvel. O barulho provinha de um armário velho de um século.na confusão produzida por esse súbito despertar, a primeira idéia que me veiu a mente foi a de que meu filho me chamava. Saltei do leito e corri para o seu quarto, passando pelo salãozinho; mas achando fechada a porta e tudo tranqüilo, voltei para o meu quarto, notando que o relógio marcava 1h, 45 da manhã. Apesar disso, fui visitar os demais dormitórios, encontrando tudo em ordem. Na amanhã seguinte, interroguei todos, resultando que nem meu filho nem os criados haviam ouvido qualquer ruído durante a noite. Não podia dar-me conta do que acontecerá, quando repentinamente, lembrei da promesa de “Fo” o espírito guia, e dos golpes que prometera fazer-me ou vir em minha casa. Seria, então, verdade?
Fui assistir a uma outra sessão na mesma casa e perguntei à entidade “Fo” se podia reproduzir quanto ocorrera em minha residência. Imediatamente ressoaram três fortes golpes com a mesma força e igual tonalidade dos que foram batidos no meu armário. Então expliquei aos presentes o maravilhoso significado do incidente ocorrido...
No caso exposto, como já em outros que o precederam, a hipótese da auto-sugestão por atenção expectante é eliminada pelo fato de que os golpes pré-anunciados não se produziram na mesma noite em que o narrador os pedira, mas alguns dias após e quando não mais pensava neles, sem contar que neste caso, como nos outros citados, o experimentador foi despertado do sono em sobressalto em conseqüência de fortes golpes que ressoaram perto dele. O fenômeno, portanto, deve ser considerado genuinamente supernormal e de natureza objetiva. Quanto à gênese do mesmo, não é possível pronunciar-se a respeito, visto que não se dispõe de dados, os quais fariam propender à balança das probabilidades a favor mais de uma que de outra solução da questão.
*
Chegado ao término da minha tarefa, e querendo resumir e concluir, observo, antes do mais, que esta breve classificação de fenômenos aparentemente elementares, como são considerados os “golpes mediúnicos”, serve para demonstrar como o professor Richet tinha razão ao considerá-los “um dos mais belos fenômenos da Metapsíquica”, acrescentando que a história dos “raps” parecia tão interessante que era de augurar-se que algum metapsiquista empreendesse uma cuidadosa classificação dos fenômenos de tal natureza.
E, na realidade, a presente classificação, embora sumária, serve para demonstrar como os fenômenos em questão, na aparência uniformes e monótonos, assumem, ao contrário, variedades de manifestação e se produzem em situações de ambientes tão variadas que resultam tão interessantes e sugestivos quanto qualquer outra categoria de manifestações metapsíquicas.
Vimos, demais, que o próprio fenômeno assume, às vezes, modalidades de manifestações imponentes, até mesmo terrificantes, como na categoria dos fenômenos de assombramento; mas que também assume, muitas vezes, significado teoricamente eloqüentissimo, no sentido espiritualista, na categoria dos fenômenos telepáticos, para tornar-se, finalmente, variadíssimo, instrutivo e importante, seja teórica seja praticamente, na categoria dos fenômenos, medianimicos.
Nesta última categoria, as investigações experimentais que apresentam maior importância do ponto de vista das induções a extrair-se para uma justa interpretação dos fenômenos supranormais em geral, são as dos “golpes medianímicos projetados à distância”, tanto mais que tais experiências se prestam a ser obtidas a pedido, com a quase certeza de se poder repeti-las, caso em que se adiantaria um largo trecho para a solução de muitos problemas metapsíquicos. Quer dizer que, se em virtude dos processos da analise comparada e da convergência das provas se, conseguir demonstrar, sobre a base dos fatos, em tais experiências, não se trata, sempre, de uma transmissão telepático-alucinatória, de impressões fônicas subjetivas, por conseguinte inexistentes em si, em tal caso se veria restringir, de modo notável, o domínio hoje atribuído à telepatia e se deveria recorrer a uma hipótese mais concreta, que seria a de Myers, segundo a qual em tais contingências se trataria de projeções, à distância, de um “centro fantasmogenético real”, o qual, porém, não seria um fenômeno de “bilocação”, mas implicaria antes a possibilidade de uma “cisão inicial da personalidade humana sensível e consciente, logo uma primeira fase do fenômeno de desdobramento entre o “corpo etéreo” e o “corpo somático”. Tudo isto do ponto de vista de quem quer ater-se à “hipótese menos ampla”, a qual, sem embargo, dificilmente poderia sustentar-se em face ao conjunto integral dos fatos em que se encontram, positivamente, “casos de bilocação” propriamente ditos e casos de intervenção extrínseca.
E se isto se pode desde já afirmar, é lícito dizer, sem temor de equivocar-se, que se empreenderem investigações, em tal sentido, em múltiplos grupos experimentais, conseguir-se-ão provas decisivas, sobre a base dos fatos, em favor da intervenção de entidades de defuntos em uma secção relevante das manifestações em exame, tal como ocorre com todas as demais.
Sentir-me-ei muito satisfeito se a presente monografia servir de incentivo para orientar as pesquisas dos grupos de pesquisa no sentido de se fazerem experiências de “projeções à distância dos golpes medianímicos”.
FIM