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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Animismo ou Espiritismo?-Parte 2- Ernesto Bozzano

 

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sugestivo o fato de que essa sensitiva teve de observar, durante um vintênio, ao fenômeno da exteriorização do “corpo etéreo” no leito de morte dos numerosíssimos enfermos por ela assistidos, fenômeno que se combinava sempre com a visão de Espíritos de defuntos que acorriam a amparar, na hora extrema, os seus parentes ou amigos.

O caso de Joy Snell é tão importante pelas suas conseqüências teóricas, que considero necessário reproduzir as palavras do professor Haraldur Niellson, que conheceu pessoalmente a autora. Escreveu ele:

“Um dos mais belos livros que tenho lido foi escrito por uma distinta senhora inglesa, clarividente, e traz por titulo The Ministry of Angel. Chama-se Joy Snell essa senhora e foi clarividente desde a primeira infância, sem jamais haver feito profissão de médium... Não me contentei de ler o seu livro; fui procurá-la em Londres e o conhecê-la foi para mim uma fonte de grande conforto e de verdadeira felicidade espiritual. Se eu houvesse de designar as duas pessoas que, dentre nós, considero dignas de ser chamadas apóstolos de Jesus, não hesitaria em indicar a Sra. Joy Snell e o Rev. Vale Owen. Em toda a minha vida jamais me aconteceu encontrar-me com dois verdadeiros discípulos do Cristo, quais esses são. Nunca me sucedeu estar em contacto com uma norma de vida tão exemplar, tão simples, com tanta capacidade de amar a tudo o que vive sobre a Terra. A amizade deles é o que a vida me ofereceu de mais excelente.” (Professor Haraldur Niellson, Minhas Experiências Pessoais em Espiritismo Experimental, pág. 167).

Dito isto, passo a referir o primeiro caso tirado desse livro, caso em que consta a primeira manifestação do gênero, que a Sra. Joy Snell teve de presenciar junto ao leito de morte de uma sua grande amiga, fato que se deu alguns anos antes de ela se dedicar à profissão de enfermeira, pois que, como observou o professor Niellson, aquela senhora era uma clarividente nata. Eis o caso por ela descrito:

“Uma noite, despertei, sobressaltada, de um sono profundo, dando com o quarto iluminado, embora não houvesse luzes, e vendo a meu lado o fantasma da minha dileta amiga Maggie, que assim me falou: “Tenho um segredo a te comunicar. Sei que me restam poucos dias de vida. Desejo fiques comigo até ao meu último instante e que confortes minha mãe depois da minha partida.” Antes que eu me houvesse refeito inteiramente do medo e do espanto que me assaltaram à vista do fantasma, este evanesceu e a luz se foi apagando lentamente.

Passada uma semana, mandaram chamar-me de parte da família da minha amiga. Encontrei Maggie atacada de um resfriado sem febre, nada havendo de causar preocupações no seu estado. E a enferma bem longe estava de ter pressentimentos de morte. Parecia evidente que ela nenhuma lembrança guardava da visita que me fizera em espírito. É este um mistério que não sei explicar, tanto mais que no curso de minha vida tive numerosas aparições de vivos, que me falaram e aos quais falei, tendo sempre de reconhecer que eles não conservavam lembrança de se terem comunicado comigo.

Achava-me em casa de Maggie havia três ou quatro dias, quando uma tarde ela foi tomada improvisamente de uma tremenda crise e expirou nos meus braços, antes que o doutor houvesse chegado.

Era o primeiro caso de morte a que eu assistia. Mal o seu coração deixou de bater, vi distintamente algum coisa, semelhante ao vapor que se desprende de uma panela em ebulição, elevar-se-lhe do corpo, pairar a curta distância deste e condensar-se numa forma em tudo idêntica à da minha amiga. Essa forma, de contornos, a princípio, imprecisos, se foi gradativamente delineando, até tornar-se perfeitamente distinta. Envolvia-a uma espécie de cândido véu com reflexos de pérolas e de sob o qual ressaltavam claramente as formas. O semblante era o da minha amiga, mas glorificado e sem vestígios dos espasmos que a tinham torturado na agonia.

Quando, mais tarde, me fiz enfermeira, vocação em que perseverei por vinte anos, assisti a numerosas ocorrências de morte e, imediatamente após o trespasse, observei sempre a condensação da forma etérea por sobre o cadáver, forma sempre idêntica à da humana e que, mal se havia condensado, me desaparecia da vista.” (Ob. cit., págs. 15-16).

No caso exposto, é notável o fato de ter sido o fenômeno de “bilocação no leito de morte” precedido de outro fenômeno de “bilocação durante o sono”. Não creio se possa sustentar que neste último caso houvera um fenômeno de “aparição telepática”, visto que aquela que se manifestou dirigiu a palavra à amiga percipiente, predizendo-lhe sua própria morte iminente, com pedido de assisti-la na hora do trespasse.

Passando a citar um segundo caso tirado do mesmo livro, notarei que nos vários episódios desse gênero, que ali se sucedem, a autora não se alonga em descrever os fenômenos de “desdobramento fluídico” que observou e que se lhe tornaram de tal sorte familiares, que não mais lhe pareciam maravilhosos. Limita-se a indicá-los rapidamente. Só as aparições dos defuntos junto ao leito de morte a interessam sempre. É o que se evidencia do exemplo seguinte.

“Achava-me junto ao leito em que morria a senhorita I., graciosa jovem de dezessete anos, muito minha amiga. Extinguia-se por consumpção e sem sofrimento; mas, o extremo langor do corpo a tornava exausta até mesmo moralmente e desejosa do eterno repouso.

Quando lhe soou a hora suprema, vi que duas formas espirituais lhe estavam em torno, uma à direita do leito, à esquerda a outra. Não me apercebera da entrada dessas formas. Quando se me tornaram visíveis, já estavam junto à moribunda; mas, eu as via tão distintamente quanto via as pessoas vivas. Dei àquelas radiosas entidades o nome de “anjos” e daqui por diante assim lhes chamarei. Reconheci de pronto nelas duas jovens que, em vida, foram as melhores amigas da enferma e tinham falecido havia um ano, ambas da mesma idade da que então morria.

Um momento antes de aparecerem, esta última exclamara: “Escureceu repentinamente, já não vejo mais nada.” Não obstante, viu e reconheceu logo os anjinhos amigos. Um sorriso de suprema alegria lhe iluminou o rosto e, estendendo-lhes as mãos, exclamou jubilosamente: “Viestes buscar-me? Isso me faz felicíssima, pois me sinto cansada.”

A agonizante estendia as mãos aos dois anjos e estes faziam o mesmo: um lhe segurava a direita, o outro a esquerda. Iluminava-lhes o semblante um sorriso ainda mais doce do que o que se irradiava do rosto da moribunda, exultante de em breve encontrar o repouso pelo qual anelava. Não mais falou; porém, durante cerca de um minuto conservou os braços erguidos, com as mãos nas das duas amigas defuntas, sem deixar um só momento de contemplá-las com uma expressão de infinito júbilo. Em dado instante, as amigas lhe soltaram as mãos, que recaíram pesadamente sobre o leito. A moribunda soltou um suspiro, como se se dispusesse a dormir e, após breves momentos, seu Espírito se retirava para sempre do corpo, que, entretanto, conservou impresso o doce sorriso que lhe iluminava a fisionomia, quando ela dera com as duas amigas defuntas a seu lado. Estas ainda lhe permaneceram à cabeceira pelo tempo necessário a que o seu “corpo etéreo” se reconstituísse acima do corpo inanimado. Feito isso, tomaram consigo o Espírito recém nato, que se assemelhava às duas, de sorte a me ser dado ver no quarto três anjos em vez de dois. Logo se elevaram, dissipando-se.” (Ob. cit., págs. 17-39).

*

Ponho aqui termo à citação de exemplos destinados a ilustrar as gradações com que se produzem os fenômenos de “bilocação”, depois de haver referido casos pertencentes às cinco categorias em que, na minha monografia sobre eles, tais fenômenos se subdividem.

O resumo de um longo trabalho analítico sempre se reveste de especial utilidade prática, porquanto condensa em pequeno espaço a substância melhor de um laborioso esforço de análise comparada, evidenciando de modo eficaz as gradações que conduziram o autor às conclusões propugnadas.

Espero, pois, que todas as que decorrem deste resumo hajam convencido os leitores da realidade objetiva dos fenômenos de “bilocação”. Se assim for, terei alcançado o escopo que me propusera, visto que, de acordo sobre esse ponto, as conseqüências teóricas que daí promanam levam diretamente, necessariamente, a estabelecer-se o postulado da existência e da sobrevivência do espírito humano.

Assim sendo, só me resta reforçar ulteriormente as conclusões tiradas, citando, a propósito, as opiniões dos competentes e sintetizando o que acabo de expor.

Acentuo, portanto, que os processos de análise comparada me fizeram chegar a conclusões que concordam admiravelmente com as a que chegou o muito conhecido metapsiquista norte-americano Hereward Carrington que, na introdução ao interessante livro de Sylvan Muldoon, The Projection of the Astral Body, assim se exprime:

“Pode-se afirmar, com grande certeza de não errar, que as provas da existência de alguma coisa de análogo ao “corpo astral” se foram constantemente acumulando, por efeito das modernas pesquisas, e que essas provas já são robustíssimas. É quase supérfluo acentuar que, se tais provas fossem tidas por suficientes, com elas se chegaria a explicar grande número de fenômenos supranormais, inexplicáveis de outra maneira, quais, por exemplo, os de “casas assombradas”, de aparições de fantasmas vistos coletiva ou sucessivamente por várias pessoas, de fotografias transcendentais, de clarividência em geral, etc. Se, depois, se admitisse a presunção clara de que o “corpo astral” é, em dadas circunstancia, capaz de mover ou modificar a matéria, também se explicariam as pancadas mediúnicas, a telemnesia, os fenômenos de “poltergeist” e outros fenômenos físicos de natureza análoga. Enfim, uma vez reconhecida a existência de um “corpo astral” exteriorizável, um facho de luz reveladora se projetaria sobre as manifestações metapsíquicas, tanto físicas, como psíquicas.” (Ob. cit., pág. XIX-XX).

Forçoso é convir em que essas considerações se mostram tão evidentes, que nenhum metapsiquista poderia pensar em contestá-las, pois valem quase por demonstração da necessidade teórica de admitir-se como postulado a existência de um “corpo astral” no homem, se se quiser interpretar grande parte dos fenômenos supranormais. Isto posto, apresso-me a reconhecer que aos homens de ciência, por isso mesmo que lhes cabe não pequena responsabilidade, correspondente à autoridade de que gozam como representantes oficiais dos conhecimentos adquiridos por meio da pesquisa experimental, também lhes corre o dever de procederem com extrema cautela, antes de se pronunciarem definitivamente sobre a natureza de manifestações supranormais, que subverteriam a orientação dominante no campo científico. Esta circunstância faz que um homem de ciência, embora pessoalmente convencido da gênese presumível de certa ordem de fenômenos metapsíquicos, se abstenha prudentemente de declará-lo, quando sobre isso discute oficialmente.

Aqui, porém, se apresenta a questão: Que se faz necessário, a fim de reconhecer-se oficialmente, como admitidos pela ciência, também os fenômenos de “bilocação”? – Apenas isto: que a realidade dos fenômenos de desdobramento do “corpo etéreo” seja demonstrada por meio de provas experimentais, de certo modo tangíveis. Ora, múltiplos são os métodos experimentais para chegar-se a esse objetivo, quase todos já utilizados, se bem que por processos científicos freqüentemente falhos. Todavia, entre as provas experimentais já conseguidas, algumas se contam merecedoras de atenção e que levam a bem augurar do futuro de tais pesquisas. Assim, por exemplo, já se obtiveram fotografias de “duplos”, entre as quais são notáveis as conseguidas pelo capitão Volpi, na Itália, pelos professores Istrati e Hasden, na Rumânia, pelo Rev. William Stainton Moses, em Londres, pelo coronel De Rochas e por Durville, em Paris, como igualmente já se obtiveram fotografias de emanações mais ou menos fantasmáticas no leito de morte, pelo Dr. Baraduc, que teve bastante fortaleza de ânimo para realizar, ele próprio, o trabalho de fotografar sua mulher e seu filho ao morrerem. Devem ainda mencionarem-se os fenômenos de desdobramento que os citados De Rochas e Durville conseguiram, por meio do hipnotismo, havendo mesmo, o segundo, chegado a obter a “fluorescência” de um papel recoberto de certa substância, colocando-o no ponto do espaço onde a sonâmbula localizava o “duplo” de outra pessoa que jazia à distância, para esse fim, em estado hipnótico. Citam-se, além disso, casos de “duplos” que chegaram a manifestar sua presença provocando efeitos físicos, sendo que, com Eusápia Paladino, se obtiveram, à distância – e aqui o fato é indubitável –, impressões da sua figura exteriorizada, o que equivale a dizer: do seu “corpo etéreo” desdobrado e materializado. Não se podendo alimentar dúvidas quanto à autenticidade destes últimos fenômenos, eles deveram considerar-se legitimamente sancionados pela ciência, o que não seria pouco, do ponto de vista teórico. Com referência às outras modalidades experimentais acima enumeradas, necessário se torna reconhecer que, em parte, elas podem ser invalidadas por deficiência de pormenores, ou ser interpretadas por meio das hipóteses da sugestão, da auto-sugestão, da fotografia do pensamento. Assim falando, não pretendo afirmar que os apontados motivos de dúvida tenham fundamento, mas apenas que se exigem mais rigorosos métodos de pesquisa, para adquirir-se a certeza científica.

Merecem também assinaladas as conhecidíssimas experiências do coronel De Rochas e de Durville, porque se realizaram com método rigorosamente científico, por homens plenamente a par das dificuldades inerentes a tais pesquisas. Eis, em resumo, no que consistiam os experimentos De Rochas.

Como se sabe, ele conseguiu obter o fenômeno da exteriorização da sensibilidade nos próprios pacientes, mediante os habituais processos hipnótico-magnéticos, fenômeno que cada vez mais se acentuava, à medida que os referidos processos se prolongavam, indo até ao ponto em que as camadas concêntricas da sensibilidade exteriorizada chegavam, por assim dizer, a polarizar-se à direita e à esquerda do sensitivo, que as percebia em forma de duas luminosas colunas fluídicas, diversamente coloridas e que acabavam por se aproximar, reunir, fundir e formar uma espécie de fantasma, que repetia sincronicamente os movimentos todos do mesmo sensitivo. A existência de tal fantasma podia reconhecer-se com certa segurança, pelo fato de que, se, no ponto em que o paciente o localizava, se exerciam, à sua revelia, toques e pressões, ou ainda, se alguém, acidentalmente, atravessava aquela zona, o dito paciente logo se apercebia, pelas correspondentes sensações de contacto ou de dor. Além disso, aconteceu certa vez que, havendo o paciente adormecido posto por acaso o olhar num espelho que lhe estava fronteiro, teve a ilusão de ver-se a si próprio diante de outro fantasma, idêntico ao que via a seu lado, fantasma que era a imagem reflexa do seu “duplo”. Douta feita, o fenômeno se produziu espontaneamente com Eusápia Paladino, que De Rochas hipnotizara para fim diverso. Escreveu ele: “Consegui rapidamente levá-la ao estado de profunda hipnose; viu então, com grande espanto, aparecer à sua direita um fantasma de cor azul. Perguntei-lhe se esse fantasma era “John”. – Não, respondeu ela; é dessa substância que “John” se serve.” De Rochas não esperava por essa resposta, altamente sugestiva e instrutiva.

Quanto acabo de expender diz respeito às provas de natureza tangível que, de um ponto de vista rigorosamente científico, se reclamariam para considerar demonstrada a realidade dos fenômenos de “bilocação”. Entretanto, reconhecer tal fato não importa em desestimar a legitimidade não menos concludente das provas experimentais obtidas pelos métodos científicos da análise comparada e da convergência das provas. A este propósito, acrescento que, de acordo com os métodos de pesquisa científica, jamais se deveria olvidar a máxima que lhe serve de base e é que as conclusões de ordem geral nunca devem fundar-se sobre um grupo de fenômenos considerado isoladamente, mas sobre todo o conjunto dos vários fenômenos pertencentes à mesma classe.

Não é demais recordemos esta máxima elementar de toda pesquisa científica, porquanto, de olvidarem-na, resulta o erro em que caem os opugnadores dá hipótese espirítica. Ora, no nosso caso, desde que não se submeta aos processos científicos em questão um certo número de casos de “bilocação”, em que figurem todas as graduações sob as quais se produz o fenômeno pesquisado, nenhuma dúvida pode prevalecer quanto à sua objetividade, ainda mesmo – note-se bem – com exclusão das provas de natureza concreta enumeradas acima, o que quer dizer que, mesmo sem elas, se chega igualmente a excluir as hipóteses onírica, sugestiva, auto-sugestiva, alucinatória e a da "fotografia do pensamento", que constituem o grupo das que podem opor-se aos fenômenos do gênero a que nos referimos. E essas conclusões ressaltam indubitáveis das considerações seguintes:

Em primeiro lugar, porque as graduações diversas que apresentam os fenômenos de "bilocação" se completam umas às outras e se corroboram admiravelmente entre si. De fato, na minha monografia sobre os fenômenos em apreço, tomo por ponto de partida as chamadas “sensações de integridade nos amputados”, em os quais, por vezes, o senso da integridade do membro que falta é tão real que, se lhes distrai a atenção, eles experimentam a mesma sensação que experimentariam se tivessem o membro inexistente, e, no mesmo capítulo, refiro um caso recente em que o membro que falta foi engenhosamente fotografado por intermédio de um "espectroscópio" que projetava o feixe luminoso sobre um anteparo, onde apareceram, não apenas "esboços", mas formas de mãos e outros membros fluídicos. Passo daí a considerar os casos de desdobramento incipiente, nos atacados de "hemiplegia", que vêem próximo de si, do lado paralítico, uma secção longitudinal do seu próprio fantasma e afirmam que tal secção goza da integridade sensória que lhes foi tirada, fato inexplicável por meio da hipótese cinestésica do Dr. Sollier, porquanto, nos atacados de hemiplegia, longe de se verificar uma exageração, verifica-se a supressão do senso cinestésico. Dai, vou aos casos de desdobramento autoscópico, em que o paciente vê o seu próprio fantasma, conservando, porém, plena consciência de si, e demonstro, a esse propósito, que, se a hipótese psicopática, formulada pelo Dr. Sollier para explicar tal fato, podia considerar-se legítima antes do advento das pesquisas metapsíquicas, agora já não é assim, pois, do mesmo modo que as pesquisas sobre a “telepatia” demonstram que nem todas as alucinações são falsídicas, também as pesquisas sobre os fenômenos de “bilocação” demonstraram que nem todos os episódios de “autoscopia” são psicóticos. Passo, em seguida, aos casos em que a consciência que o paciente tem de si é transferida para o fantasma, que se vê a si mesmo diante do seu corpo exânime, casos altamente sugestivos, nos quais já repontam as faculdades de sentido supranormal. Seguem-se os em que o desdobramento sobrevém durante o sono natural ou provocado, no delíquio, na narcose, no coma, e, depois, os em que o fantasma de um vivo, desdobrado durante o sono, é visto por terceiros, para chegar, finalmente, aos em que o fenômeno do “desdobramento fluídico” se opera no leito de morte. Esta última categoria de manifestações resulta a mais importante de todas e, num caso que citei, o fenômeno foi constantemente observado, no curso de vinte anos, por uma enfermeira vidente, enquanto que doutras vezes é coletivamente observado por todos os presentes, ou, sucessivamente, por várias das pessoas que acorrem à cabeceira de um moribundo. Destacam-se, por fim, episódios em que os presentes assistem ao fenômeno em todas as suas fases evolutivas, até à reprodução perfeita de um simulacro fluídico do “corpo somático” do moribundo, simulacro não só animado e vivo, como assistido por entidades de defuntos que parecem acorrer com esse objetivo, junto daquele que se extingue.

Em segundo lugar, as hipóteses onírica, sugestiva, auto-sugestiva e alucinatória ficam afastadas, porquanto os fenômenos de “bilocação” no leito de morte são constantemente descritos, pelos videntes de todos os povos da Terra e bem assim em todas as épocas da História, como produzindo-se sob idênticas modalidades e com as mesmas minúcias, descrições das quais ressaltam particularidades igualmente novas e inesperadas, de modo a não se poder logicamente presumir que surjam idênticas e saiam sempre idênticas das mentalidades de todos os videntes, sejam eles indivíduos civilizados, bárbaros ou selvagens.

Estas as condições presentes da grande questão a resolver-se, condições que demonstram que, se não é cientificamente lícito considerá-la resolvida, do ponto de vista da ciência oficial, que é obrigada a andar com calçado de chumbo, antes de acolher como definitivamente demonstrada a existência de uma classe de fenômenos de enorme importância teórica, do ponto de vista das convicções pessoais de quem haja pesquisado a fundo a mesma questão, pode-se, com bom direito, afirmar que a demonstração científica da existência dos fenômenos de “bilocação” já está alcançada, com a conseqüência de que, para tal pesquisador, o reconhecimento definitivo, por parte da ciência oficial, não é senão questão de tempo.

É uma questão de tempo que se reduz à exigência, mais que justa, de que outros experimentadores, em número suficiente, repitam as mesmas experiências realizadas até agora por poucos precursores. Assim sendo, pode-se estar certo do êxito afirmativo das provas de verificação científica e, quando se der o grande acontecimento, então no horizonte do cognoscível humano despontará a alvorada de uma era nova, em que as bases do saber terreno deixarão de assentar na concepção mecanicista-positivista do Universo, para se estabelecerem sobre a concepção dinâmico-espiritualista do ser, com todas as conseqüências filosóficas, morais e religiosas que daí decorrerão. É, com efeito, manifesto que a existência imanente de um “corpo etéreo” no “corpo somático” subentende a imanência de um “cérebro etéreo” no “cérebro somático”, o que bastará para dissipar de um só golpe todas as dúvidas que sempre obstaram a que os filósofos admitissem a existência de um espírito sobrevivente à morte do corpo, dúvidas que se resumem no fato indubitável da existência de um paralelismo psicofisiológico nos fenômenos do pensamento e que os levam a concluir inexoravelmente que o pensamento é função do cérebro. Não há negar que os fisiologistas tinham aparentemente razão para concluir nesse sentido; mas, assim já não será, quando se acharem invertidos os termos da formidável questão, pela demonstração experimental da existência de um “cérebro etéreo” imanente no “cérebro somático”, caso em que este último será apenas o aparelho indispensável a traduzir, em termos de vibrações psíquicas perceptíveis ao espírito imanente no cérebro etéreo, as impressões que do mundo exterior lhe cheguem, por via dos sentidos, sob a forma de vibrações físicas.

É de notar-se que o que fica exposto concorda admiravelmente com as teorias da professora Gaskell, segundo quem a Vida e o Espírito constituiriam um Todo único, que seria uma “quantidade interatômica”, alguma coisa de imaterial, que organizaria a matéria, para depois se separar dela no instante da morte. E ela tira daí o postulado de que “todas as formas da vida orgânica possuem essa quantidade interatômica”, o que banha de nova luz o postulado de um sábio eminente, o físico Eddington, que disse: “se os átomos constituintes do corpo humano, pelo que neles se contém de substancial, fossem comprimidos uns contra os outros, o corpo humano não ocuparia maior espaço do que o que ocupa um ponto feito com um lápis bem aparado.” Equivale isto a dizer que o organismo físico de um homem consiste na quase totalidade dos “espaços interatômicos”, morada presumível do “corpo etéreo” e do “cérebro etéreo”.

Doutro ponto de vista e mediante as novas concepções relativas ao ser, muito melhor se explicariam as causas pelas quais um indivíduo perde temporariamente a razão sob a influência de uma bebida alcoólica, ou deixa de raciocinar continuamente, se o cérebro somático funciona em desordem, como na demência. Tornar-se-ia então evidente que, se o aparelho transformador das “vibrações físicas” em “vibrações psíquicas” reage desordenadamente, o “cérebro etéreo”, sede do espírito, já não se achará em condições de receber corretas percepções exteriores, nem, muito menos, em condições de agir na periferia com pensamentos e atos apropriados, os quais continuarão a ser transmitidos, porém alterados e deformados em representações incongruentes pelo aparelho transformador.

Estas últimas conclusões me trazem à mente uma discussão cortês que sustentei com o professor Henrique Morsélli, alguns anos antes de sua morte. Eu me esforçava para convencê-lo do grande fato de existir uma imensidade de provas – anímicas e espiríticas – convergindo todas para a demonstração da existência e sobrevivência do espírito humano, fato que assume valor científico de primeiríssima ordem, dificilmente contestável. A enumeração das provas me obrigou a um longo discurso, que o Prof. Morsélli ouviu com grande atenção, sem me interromper. Concluída a minha peroração, ele continuou a guardar silêncio, enquanto que a expressão do seu semblante indicava que mergulhara em profundas reflexões. Deduzi que, não encontrando objeções metapsíquicas que opusesse à massa imponente dos fatos citados, ele se sentia abalado nas suas convicções materialistas, o que me levou a romper o silêncio com a seguinte pergunta: “Então, professor, não lhe parece que a hipótese espirítica está muito melhor demonstrada cientificamente, do que se lhe afigurava?” Ele se recobrou e, com o olhar no vácuo, em atitude quase extática, escandiu solenemente estas palavras: “Venha comigo visitar um manicômio e se convencerá de que o pensamento é função do cérebro.”

Apreendi, por essa resposta, que ele, efetivamente, nada encontrara, no campo metapsíquico, para me objetar; que, manifestamente, o seu critério lógico fora abalado pela evidência cumulativa das provas enumeradas, mas que, após breve disputa interior, o predomínio coubera ao fisiologista profissional, que não conseguia libertar das convicções profundas, indelevelmente insculpidas nas suas vias cerebrais em meio século de prática no campo da patologia mental, convicções aparentemente mais que legítimas, porém intrinsecamente errôneas, porquanto fundadas numa única face do “Prisma-Verdade”. Daí se segue que a argumentação negativa do professor, não sendo metapsíquica, mas psicopatológica, não infirmava, de fato, a eficiência irresistível das provas positivas, de ordem metapsíquica, que eu citara e nas quais se consideravam todas as faces do “Prisma-Verdade”.

A argumentação do Prof. Morsélli significava apenas que, antes de chegar à demonstração científica da existência e da sobrevivência do espírito humano, ainda lhe era necessário dissipar uma dúvida relativa à patologia mental. Ora, essa outra dúvida se desvanecia como a névoa sob os raios solares, por virtude de uma classe de manifestações metapsíquicas, a que eu aludira, naquela discussão improvisada, a classe dos fenômenos de “bilocação”, com a relativa existência de um “corpo etéreo”, o que implicava a de um “cérebro etéreo”, sede da inteligência. Com efeito, este último dado, de enorme importância teórica, é que serve para conciliar a sobrevivência do espírito humano com a patologia mental, sob todas as formas: delírio alcoólico, demência, idiotia, etc. Naquele momento, porém, não me ocorreu apontar a eficácia resolutiva desta ordem de fenômenos supranormais.

Se dela me houvesse lembrado, tê-la-ia podido aproveitar para demonstrar ao Prof. Morsélli que com a existência de um “cérebro etéreo” se pode explicar um enigma psico-fisiológico, de que faláramos antes, a propósito de achar-se sobre a secretária daquele professor uma revista tedesca, em que se via longo artigo sobre alguns casos, observados durante a grande guerra, de soldados que tiveram o cérebro despedaçado por estilhaços de granada, com abundantes perdas de matéria cerebral, e que se curaram, conservando íntegras suas faculdades intelectuais. Concluía o autor do artigo, citando outros casos do mesmo gênero, ainda mais extraordinários, entre os quais o muito conhecido de um suboficial da guarnição de Antuérpia, que havia dois anos se queixava de persistente dor de cabeça, que, entretanto, nunca o impedira de cumprir os deveres do seu posto. Tendo morrido subitamente, procederam-lhe à autópsia no cérebro e descobriram que um abscesso de evolução lenta lhe reduzira todo o órgão cerebral a uma papa de pus. O Prof. Morsélli observara que tão extraordinárias “exceções à regra” constituíam um enigma dos mais perturbadores da hodierna psico-fisiológica.

Pois bem: se naquele momento eu me houvesse lembrado dos fenômenos de “bilocação”, teria podido fazer ver ao Professor Morsélli que, admitida a existência de um “cérebro etéreo” como sede da consciência individual, o enigma dos “homens que pensam sem cérebro” se tornaria facilmente decifrável, porquanto é logicamente presumível que, em dadas circunstâncias de “sintonização fluídica especial” entre o “cérebro somático” e o “cérebro etéreo”, este possa substituir temporariamente aquele, fazendo o papel de órgão das relações terrenas. Por outras palavras: em tais contingências, é manifesto que a única circunstância de fato, absolutamente necessária a explicar o perturbador mistério, é a de reconhecer-se que existe uma consciência individual, independente do órgão cerebral e é o que se obtém reconhecendo a existência de um “cérebro etéreo”, sede da personalidade integral subconsciente, provida de faculdades de sentido supranormal.

A questão das funções reais do cérebro com referência à exteriorização do pensamento é tão importante, que me decido a citar um trecho de outro trabalho meu em que tratei expressamente desse árduo tema.

Na Segunda Série das minhas Pesquisas sobre as manifestações supranormais (págs. 186-9), assim me exprimia a respeito:

“É de se notar que Taine, comentando a doutrina do paralelismo psico-fisiológico, compara a dupla função – psíquica e física – do cérebro à de um livro escrito em duas línguas: a do autor, que representaria a função psíquica, e outra, em que o texto consistiria numa pura tradução do original, que representaria a função física. Feliz e sugestiva comparação, pois que ilustra as funções do cérebro, sem prejuízo da questão das “origens” da atividade psíquica propriamente dita, pelo que vale por apontar o caminho que se deve tomar, a fim de conciliar os propugnadores do paralelismo psico-fisiológico com os sustentadores da espiritualidade da alma.

Noutros termos: é exato que a razão de ser do cérebro, como órgão do pensamento, consiste no fato de realizar-se, por seu intermédio, uma dupla função psíquica indispensável a que o “espírito” entre em relação com o ambiente terreno: de um lado, a função de “traduzir” as inúmeras vibrações físicas, que chegam ao cérebro por meio dos sentidos, em vibrações psíquicas perceptíveis ao “espírito”; de outro lado, a função de “transmitir” à periferia as “imagens psíquicas” com que o espírito responde às vibrações específicas que lhe chegam do ambiente terreno. Ora, sendo essas as funções do cérebro, não é possível que elas se executem sem uma correspondente dispersão de energia nervosa, em perfeita equivalência com a natureza e a intensidade das atividades psíquicas em função, com o que se dá plena razão aos fisiologistas...

Dessas considerações deduz-se que a feliz comparação de Taine exprime com verdade a dupla função do cérebro: num primeiro tempo, “tradução”; num segundo tempo, “transmissão”. Para maior exatidão, dever-se-ia dizer que as multiformes vibrações físicas específicas, que do mundo exterior chegam ao cérebro por meio dos sentidos, são aí “traduzidas” em conjugações sensório-psíquicas perceptíveis ao “espírito” (cumpre lembrar que um espírito não pode perceber vibrações físicas). Determina-se assim um “estado de consciência” a que o espírito responde, contrapondo a imagem psíquica correspondente, com a qual ele atua sobre os centros de inervação eferente, que a transmitem à periferia segundo uma certa ação especializada, em correspondência com o originário estímulo perceptivo.

Para corroborar o que afirmo, aponto, de passagem, o fato de os fisiologistas considerarem o “córtice cerebral” como um conjunto de “centros de elaboração do pensamento, com o auxílio de imagens psíquicas”. Assim, por exemplo, o centro da linguagem se exercitaria por meio de “imagens fonéticas das palavras”, o que explica a aparente contradição implícita no fato de que, quando lesado o centro da linguagem, dá-se à perda da fala (afasia), embora não exista verdadeira paralisia dos órgãos de fonação, o que pode ocorrer por haver a lesão em apreço tornado impossível a transmissão das “imagens fonéticas” das palavras. Conseguintemente, não pode produzir-se a excitação psicomotriz dos órgãos de fonação. É, pois, certo que os centros de inervação eferente são estimulados por meio de imagens psíquicas.

Aqui, depois de haver exposto em termos científicos a tese propugnada, resta-me expô-la em termos filosóficos, observando que, se é certo que o espírito humano contém em si uma centelha de essência divina, verdade também é que o “divino” existente no espírito humano não chega a individualizar-se, senão passando do reino do “Absoluto” ao do “Relativo”, do domínio do “Nômeno” ao do “Fenômeno”. Segue-se que, para entrar em relação com as manifestações do Universo Fenomênico, o espírito precisa de um órgão transformador apropriado e esse órgão é o cérebro. Por outra: a verdadeira tarefa do cérebro, nas suas relações com o espírito, consiste em por o espírito em condições de perceber um determinado aspecto da Realidade Incognoscível, segundo um dado sistema de aparências fenomênicas, que se manifestam sob modalidades sempre diversas, em qualquer mundo habitado do Universo inteiro, aparências fenomênicas em meio das quais tem o espírito por destino viver e exercitar-se, visando elevar-se no conhecimento da Realidade Absoluta, contemplada através das modalidades infinitas em que se transforma, manifestando-se no Relativo. Compreende-se, portanto, a necessidade que tem o espírito de possuir um cérebro que atue como órgão transformador da Realidade Absoluta em manifestações relativas ou fenomênicas, encargo infinitamente grandioso, a que são prepostos os mundos inumeráveis que povoam o Universo.

Do ponto de vista do “paralelismo psicofisiológico”, ponderarei que, com a teoria em apreço, se logra conciliar as afirmações dos fisiologistas com a tese espiritualista, pois que, de uma parte, se reconhece que a dupla função de “traduzir” e de “transmitir”, que cabe ao órgão cerebral, se executa a expensas da energia acumulada nas células nervosas, conforme o sustentam e demonstram os fisiologistas; de outra parte, ressalta que essa condição de fato se mostra conciliabilíssima com a existência de um espírito independente do instrumento de que ele se utiliza para entrar em relações com o ambiente terreno. Daí decorre que a melhor definição do “paralelismo psicofisiológico” é a que formulou o eminente filósofo italiano Pietro Siciliani, afirmando a indubitável correlação, por lei de equivalência, das atividades opostas, morfológica e psíquica, mas reconhecendo, ao mesmo tempo, que essa correlação se tem de interpretar no sentido de uma “correspondência paralela” e nunca no de uma “absoluta conversão”.”

Assim me expressava eu no meu estudo intitulado Cérebro e Pensamento e oportuno se me afigura valer-me do trecho reproduzido em apoio de tudo quanto afirmo com relação ao fato de que a existência de uma patologia mental se concilia perfeitamente com a existência de um espírito que sobrevive à morte do corpo, isento, pois, das enfermidades que afligem o aparelho somático, do qual ele se serve para entrar em relações com as manifestações do ambiente fenomênico, no qual é seu destino viver e exercitar-se.

Volvendo aos fenômenos de “bilocação”, concluo observando que tudo concorre para demonstrar que o formidável mistério do ser, em torno do qual se afadigaram em vão tantos sistemas filosóficos edificados em trinta séculos, estará experimentalmente devassado no dia em que fique cientificamente demonstrada a existência de um “corpo etéreo” exteriorizável, imanente no “corpo somático”. Noutros termos: para devassar o enorme mistério que se conservou impenetrável a todas as filosofias bastam unicamente os fenômenos de “bilocação”, tanto mais quanto eles se conjugam indissoluvelmente às três formas clássicas das manifestações metapsíquicas de ordem espontânea, quais as “aparições de defuntos no leito de morte”, as “aparições de defuntos pouco depois da morte” e as “visões de fantasmas nas casas assombradas”, manifestações estas que representam a fase terminal e o complemento necessário dos fenômenos de “bilocação”.

Não será ocioso lembrar que as aparições de defuntos no leito de morte e depois da morte são muitíssimas vezes percebidas, coletivamente e sucessivamente, por diversas pessoas, o que importa na eliminação da hipótese alucinatória. Outro tanto pode dizer-se com relação aos fenômenos de “assombração” que, além de serem observados, coletiva ou sucessivamente por várias pessoas, são muitas vezes identificados por percipientes a quem se apresente um retrato do fantasma.

Assim, pois, segue-se que as aparições dos defuntos, com o serem irrevogavelmente tais, corroboram os fenômenos de “bilocação”, demonstrando que a existência de um “corpo etéreo” no homem, suscetível de exteriorizar-se com os atributos da consciência e da inteligência, encontra sua razão de ser no fato da sobrevivência do espírito à morte do corpo.


Capítulo V
Não é verdade que o Animismo inutiliza
as provas em favor do Espiritismo

Nas conclusões do capítulo precedente, ficou assinalada a grande importância teórica dos fenômenos de “bilocação”, que parecem indissoluvelmente vinculados às outras categorias de manifestações supranormais, de natureza extrínseca, que os corroboram, completando-os. Tais são, como vimos, as “aparições dos defuntos junto ao leito de morte”, as “aparições dos defuntos pouco depois de ocorrida a morte”, as “visões de fantasmas nas casas assombradas” e várias outras manifestações supranormais de ordem extrínseca, independentes, portanto, das faculdades supranormais subconscientes.

Nada, pois, melhor do que passar em rápida revista as categorias de manifestações dessa natureza, as quais, de forma complementar, confirmam a grande verdade da existência do “corpo etéreo” imanente no “corpo somático”.

Dessa revista emergirá a mole imponente e variada da fenomenologia supranormal, sistematicamente olvidada pelos opugnadores, quando afirmam que a existência de faculdades supranormais subconscientes inutiliza as provas de identificação espirítica, tornando teoricamente impossível a demonstração experimental da sobrevivência humana.

Assim sendo, parece manifesto que os opositores chegam a conclusões gerais, firmados em pesquisas parciais, senão mesmo parcialíssimas, com a agravante de que suas conclusões relativas aos casos de identificação espirítica são, a seu turno, miseramente errôneas nas três proposições com que procuram legitimar as aludidas conclusões. Quer dizer que eles erram quando se lançam à procura de uma gênese biológica das faculdades supranormais subconscientes; erram quando afirmam a impossibilidade de traçarem-se limites aos poderes da subconsciência e erram quando vêem uma causa neutralizante na existência das comunicações mediúnicas entre vivos. Daí decorre que, para conhecer-se a verdade a esse respeito, nada de melhor do que adotar as conclusões diametralmente opostas, reconhecendo que, em realidade, os casos de identificação espirítica, fundados nas informações pessoais que fornecem os defuntos que se comunicam, deveram bastar, por si sós, para provar, baseado nos fatos, a sobrevivência humana.

Estabelecido isto, declaro que no presente capítulo me absterei de aduzir provas de identificação de defuntos, da natureza indicada, dedicando-me unicamente a demonstrar, com o apoio dos fatos, que os opositores hão concluído em sentido negativo, desprezando uma série imponente de fenômenos supranormais de natureza extrínseca que, resultando, pela sua própria natureza, independentes das faculdades supranormais subconscientes e nada tendo, por conseguinte, de comum com o Animismo, fornecem provas invulneráveis aos engenhos ofensivos do Animismo.

Significa isto que, mesmo que se concedesse onisciência divina à subconsciência humana, não se conseguiria neutralizar a eficácia demonstrativa das provas de que se trata. Com efeito, que pode haver de comum entre os poderes inquiridores das faculdades supranormais subconscientes e as aparições de defuntos no leito de morte,[1] ou as aparições de defuntos pouco depois de ocorrida a morte? As aparições identificadas dos defuntos, quando são vistas coletiva ou sucessivamente por muitas pessoas, não podem explicar-se, a não ser por meio da hipótese espirítica; de todo modo, porém, certamente não se explicam recorrendo-se a faculdades supranormais selecionadoras de informações nas subconsciências das outras, visto que, nos fantasmas reconhecidos, não há o que extrair selecionando, mas muito que meditar observando. Outro tanto se pode dizer relativamente à produção de qualquer fenômeno de ordem espontânea, ligado de modo direto a um evento de morte.

Nada mais preciso acrescentar, porquanto os fatos que me cingirei a referir darão por si mesmos a mais eloqüente das demonstrações no sentido indicado.

*

Começarei pela última categoria supra indicada: a dos fenômenos supranormais espontâneos, ligados de modo indubitável a um fato de morte.

Dessa natureza são os fenômenos de “telecinesia” e de “música transcendental”, quando se produzem logo depois de um acontecimento mortuário, ou alguns dias depois. No primeiro caso, reconheço que, embora interessantes, porque tendem a provar o êxodo de uma força inteligente que atua, à distância (quadros que caem, relógios que param, pancadas sonoras nas cabeceiras dos leitos), ainda tais fenômenos não se mostram suficientes a comprovar a tese aqui considerada. No segundo caso, ao contrário, o dos fenômenos que se produzem alguns dias depois do fato mortuário, esses entram na órbita dos fenômenos que a confirmam, pois que, com relação a eles, afastada se conserva a hipótese telepática combinada ao êxodo presumível de energia vital do moribundo. É de notar-se, ao demais, que, muito freqüentemente, nos casos em questão, se trata de pessoas que haviam prometido, em vida, manifestar-se depois de mortas ao percipientes, de maneira especificada, com o fim de dar-lhe a grande prova de que o espírito sobrevive à morte do corpo.

Nas minhas duas monografias sobre os fenômenos em foco, refiro bom número de casos desse gênero, entre outros, o seguinte, que escolho porque conheci pessoalmente o relator – Dr. Vincenzo Caltagirone – com quem discuti longamente sobre o memorável acontecimento em que ele fora protagonista e cuja narrativa publicara, fazia pouco tempo, na revista psíquica de Palermo: Filosofia della Scienza (maio de 1911, pág. 65), endereçando ao seu diretor a carta seguinte:

“Já que entende que o fato que lhe relatei de viva voz pode servir como documento de estudo para a Ciência, à qual você dispensa tão louvável interesse, eis por escrito a narrativa fiel, com todos os pormenores, sem qualquer comentário meu.

Sabe você que me mantenho positivista, se bem creia na realidade de alguns fenômenos mediúnicos que tive ocasião de comprovar pessoalmente, mesmo no exercício da minha profissão. Por isso, repito, nenhum comentário faço.

Eu era amigo do Sr. Benjamin Sirchia, de quem também era o médico assistente. Sirchia, conhecidíssimo em Palermo, fora um velho patriota, pelo que tornara-se muito popular. Possuía ótimas qualidades morais e cívicas, mas era um incrédulo no mais amplo sentido da palavra.

Vindo freqüentemente a minha casa, aconteceu, no mês de maio do ano passado, falarmos, não sei como, nem a que propósito, de fenômenos mediúnicos. A uma pergunta sua, respondi afirmando-lhe que eu sabia, por experiência pessoal, da realidade de alguns fenômenos e lhe falei das varias interpretações que se lhes dão, tanto pró como contra a teoria espírita. Nessa ocasião, ele, em tom de gracejo, me disse:

“Ouça, doutor, se eu morrer antes do senhor, como é provável, pois que sou velho e o senhor ainda moço, forte e vigoroso, dou-lhe a minha palavra de honra de que virei, se sobreviver, trazer-lhe uma prova da verdade.” (Estávamos, no momento, sentados na minha sala de jantar.) Eu, a rir e no mesmo tom de gracejo, lhe respondi: “Então, venha manifestar-se quebrando qualquer coisa nesta sala, por exemplo, o candelabro suspenso sobre esta mesa!” – E, querendo ser cortês com ele, acrescentei: “Por meu lado, comprometo-me, se morrer antes de você, a vir dar-lhe um sinal semelhante, em sua casa.”

Repito: essas coisas foram ditas mais por brincadeira do que por outra causa e, direi mesmo, como que para por termo à conversação. De fato, separamo-nos e, como ele me prevenira de que partiria, dali a poucos dias, para a cidade de Licata, na província de Girgênti, onde ia residir por algum tempo, disse-lhe que iria à estação saudá-lo por ocasião da sua partida. Desde aquele dia, não mais tive noticias suas, nem direta, nem indiretamente. Isto se deu, como já disse, no mês de maio de 1910.

Em dezembro último, não me recordo precisamente se no dia 1º ou 2, mas com certeza num desses dias, à tarde, cerca das 18 horas, estava eu à mesa com minha irmã, única pessoa com quem convivo, quando a nossa atenção foi atraída por algumas pancadas leves, ora na guarnição do candelabro de centro suspenso ao teto da sala de jantar, ora sobre a cobertura móvel, de porcelana, sobreposta ao tubo de cristal. A princípio, atribuímos essas pancadas a efeitos do aquecimento produzido pelo calor da chama, que tratei de abaixar um pouco. Como, porém, as pancadas se acentuassem e continuassem, quase ritmicamente, trepei numa cadeira, a fim de verificar mais cuidadosamente o fato, para o qual, entretanto, não achei explicação, pois me certifiquei de que o fenômeno não se podia atribuir a excesso de calor produzido pela chama, que funcionava com uma pressão normal. Ao demais, não se tratava desses pequenos estalos que costumam produzir-se por efeito de incêndio ou de excessivo calor, mas de estalidos secos de som especial, como se proviessem das juntas dos dedos, ou da percussão com uma vareta de metal batendo intencionalmente num objeto de porcelana suspenso. Procurei verificar se haveria qualquer coisa estranha capaz de produzir aqueles estalos... Nada. Afinal, acabamos de jantar e por aquela noite o fenômeno cessou.

Na tarde seguinte, repetiu-se e assim durante quatro ou cinco dias consecutivos, deixando-nos presas sempre da mesma curiosidade. Na última dessas tardes, porém, uma pancada forte e rápida partiu em dois pedaços a cobertura móvel que permaneceu presa nesse estado ao gancho do contrapeso metálico. Verifiquei-o subindo em cima da mesa, para observar de visu o efeito da última pancada. Recordamos com exatidão, eu e minha irmã, que, embora houvéssemos apagado o lampadário do centro, onde se dava o fenômeno, e acendido, em substituição, outro bico de gás, ligado lateralmente àquele, continuaram as pancadas neste último, sempre com a mesma intensidade.

Devo lealmente declarar, à fé de gentil-homem, que, em todos aqueles cinco ou seis dias de observação do fato, que não me era possível explicar, jamais pensei no meu amigo Benjamim Sirchia e muito menos na conversação do precedente mês de maio, da qual em absoluto me esquecera.

No dia seguinte àquela última noite, em que, como deixei dito, a cobertura se quebrara, ficando aderentes as duas partes e presas no lugar onde estavam, achando-me, pelas oito horas da manhã, no meu gabinete e na sacada minha irmã a observar não-sei-quê na rua, e tendo saído a doméstica, ouvimos na sala de jantar uma formidável pancada, como se na mesa houvesse alguém dado uma violenta paulada.

Minha irmã, da janela a ouviu, como eu, e ambos corremos simultaneamente a ver o que acontecera.

Causará estranheza dizer – mas, por muito estranho que seja, garanto que é verdade – sobre a mesa, como se ali fora colocada pela mão de um homem, achava-se uma metade da cobertura móvel, ao passo que a outra metade se conservava suspensa no mesmo lugar. Evidentemente, o barulho que escutáramos não guardava proporção com o que ocorrera. Era o último fenômeno a coroar os fatos singulares que se haviam repetido por cinco ou seis dias, tendo-se dado esse último em pleno dia e sem a ação do calor.

A queda daquela metade da cobertura de porcelana não podia ter-se verificado perpendicularmente, porque, devendo passar pelo centro da guarnição, houvera encontrado o tubo de junção com a respectiva rede, os quais teriam de quebrar-se para deixar livre a passagem à meia cobertura e ambos estavam perfeitamente intactos e o espaço vazio não era suficiente para deixá-la passar. Se, pois, houvesse caído sobre a superfície curva do resto da peça (quebra-luz bastante grande), a dita meia cobertura, com o choque, se teria quebrado ou partido o quebra-luz. Ora, não se tendo dado isso, forçosamente caíra obliquamente num ponto distante do centro da mesa, ou mesmo fora desta, nunca perpendicularmente ao eixo do candelabro.

Conseqüência: o rumor foi um aviso de que o fenômeno se produzira; o pedaço da cobertura colocado daquele modo constituiu a prova de que o fato não fora acidental, porquanto estaria em oposição às leis da queda dos corpos e às outras leis da balística.

Devo confessar, ainda uma vez, que, mesmo naquele momento, não me lembrei absolutamente do amigo Sirchia, das suas promessas, nem do pacto que fizera comigo em maio do ano transato.

Passados dois dias, encontrando-me com o Prof. Busci, docente nesta cidade, disse-me ele: “Sabe que o pobre Benjamim Sirchia morreu?” – “Quando?” perguntei ansiosamente. – “Nos últimos dias de novembro passado, respondeu ele, a 27 ou 28.” – “Últimos dias de novembro?” É singular, pensei então; será que se liguem à sua morte os fenômenos destes dias?... – Começando do dia 1º para o dia 2 de dezembro, dura de 5 a 6 dias a tentativa de quebrar alguma coisa do candelabro do centro da sala de jantar, exatamente o que eu indicara em maio a Sirchia, e a tentativa não cessa, enquanto não é conseguido esse resultado! Singular também isto! Obtido o efeito desejado, como que para bem assinalá-lo, a formidável pancada de aviso: a colocação intencional da metade da cobertura num ponto onde ela não poderia cair por acaso e, portanto, para excluir toda possibilidade de acaso.

Comprovo – ilustre amigo – não deduzo. O que é certo é que eu e minha irmã, sem sabermos porque, resolvemos guardar como estimada recordação de um fenômeno desconhecido os dois pedaços da cobertura, conservando-os entre as nossas coisas preciosas e caras.”

(Assinado: Dr. Vicenzo Caltagirone)

Está aí já um primeiro exemplo em que se tratam de fenômenos objetivos, independentes das faculdades investigadoras e selecionadoras da subconsciência, fenômenos que certamente não se podem explicar pelo Animismo e de cuja existência os opositores se esqueceram ao formularem suas conclusões negativistas.

Mais uma vez repito que a tese desenvolvida com tanta pertinácia pelos opositores consiste em presumirem que as faculdades supranormais subconscientes bastam para explicar todas as manifestações dos chamados defuntos, que fornecem informações verídicas sobre suas existências terrenas, o que neutralizaria para sempre – segundo eles – toda possibilidade de demonstrar-se experimentalmente a existência e a sobrevivência do espírito humano. Quer isto dizer que os opositores raciocinam e concluem como se na coletânea dos casos metapsíquicos não houvesse outros fenômenos capazes de resolver experimentalmente o árduo problema, a não serem as mensagens dos defuntos que se comunicam mediunicamente, quando é de todos sabido que naquela coletânea se contam numerosas categorias; grupos e subgrupos de manifestações maravilhosas, de várias naturezas, convergindo todas para a solução espiritualista da grandiosa questão.

O caso citado representa um primeiro grupo de episódios indicadíssimos para tal fim, conquanto não pertençam, certo, à categoria dos fenômenos que os opositores hão investigado, por dizer respeito a uma grande variedade de incidentes, entre os mais sugestivos, em sentido espiritualista. Com efeito, nesse caso, há uma promessa feita em vida por um indivíduo céptico a um seu amigo e cumprida por meio exatamente do fenômeno que o autor da promessa previamente escolhera, como demonstração póstuma da sua presença espiritual no lugar do fenômeno. Na ânsia de produzi-lo conforme ao que prometera, o defunto persiste em repetir por cinco ou seis dias as suas tentativas, até conseguir quebrar no lampadário do amigo o pedaço designado, que em seguida depõe num ponto onde o mesmo pedaço não teria podido cair naturalmente. Atingido o escopo, uma pancada formidável dada na mesa avisa do fato as pessoas interessadas. Depois, cessam para sempre as manifestações, evidentemente porque a promessa fora cumprida.

Não há quem não veja que o fenômeno, em todo o seu desenvolvimento, denota, no sítio onde se produziu, a presença real de uma intencionalidade que sabe o que quer e se esforça por dar prova de si, em condições tais, que excluem qualquer explicação naturalística do mencionado fenômeno. Segue-se que a hipótese da “telemnesia” a selecionar dados na subconsciência de outrem entra por coisa alguma no episódio exposto. Ora, se assim é, o episódio adquire valor de prova de identificação espírita independente da jurisdição das faculdades supranormais subconscientes e, portanto, invulnerável a todas as hipóteses de que dispõem os propugnadores do “Animismo totalitário”, hipóteses que se fundam exclusivamente nos poderes supranormais da subconsciência, poderes que, por comodidade teórica, são arbitrariamente estendidos a latitudes ilimitadas.

Vê-se que na sua missiva o Dr. Caltagirone declara conservar-se positivista, mal grado ao memorável acontecimento que observou. Posso, entretanto, afirmar que essa declaração foi uma medida de precaução, justificada por interesses profissionais em perigo. Particularmente, ele me falara de modo bem diverso e terminara dizendo: “Uma coisa é ler a narrativa de um fenômeno, como esse que me sucedeu, e outra coisa muito diferente é ter presenciado. Quando se lêem episódios dessa espécie, eles causam uma certa impressão, mas são de pronto esquecidos, sem deixarem vestígios. Quando, ao contrário, se lhes assiste à produção, nunca mais são olvidados e assumem tal eloqüência demonstrativa, que fazem mudar de opinião até um Büchner, um Moleschott, um Ernesto Haeckel.”

*

Há uma classe de manifestações metapsíquicas que, embora suficientemente rica de episódios vários e não inferior a outros pelo seu valor teórico, há sido até hoje completamente desprezada. É a classe das manifestações musicais.

São em grande número os escritores que relatam episódios dessa natureza, mas nenhum deles pensou jamais em os colecionar, classificar e analisar.

Contam-se várias categorias de manifestações de tal gênero, a começar dos casos em que a “música transcendental” se apresenta de forma objetiva, com o auxílio de um médium, fato que se pode dar de maneiras diversas: ora sem instrumentos de música, como nas sessões de William Stainton Moses; ora por meio de instrumentos musicais, mas sem o concurso direto do médium, como nas sessões de D. D. Home; ora, finalmente, com o concurso direto do médium, mas de modo meramente automático, como no caso do médium pianista Aubert.

Vêm depois as manifestações de origem telepática, em que o fenômeno da audição musical coincide com acontecimentos mortuários verificados à distância.

Seguem-se casos de audição musical com caráter de “assombração”, isto é, que se verificam em localidades assombradas.

Doutras, vezes, a música transcendental é percebida por um sensitivo em estado sonambúlico, ou em estado de vigília, com exclusão de qualquer coincidência de morte.

Mais freqüentes são os episódios de audição musical junto a um leito mortuário, circunstância em que podem ser percipientes ora o moribundo somente, ora apenas algumas pessoas presentes, ora todas coletivamente.

Há, por fim, episódios de audição musical que se produzem depois de uma morte, caso em que o fenômeno pode assumir valor de prova de identificação espirítica.

O episódio que se segue foi colhido e investigado pelo Dr. Hodgson, que o publicou em o Journal of the S. P. R.: É esta a narrativa que dele fez a Srta. Sarah Jenckins:

“No ano de 1845, o Sr. Hewig, musicista tedesco de grande valor morria subitamente na cidade de Boston, onde residia desde longos anos. Eu era então muito jovem ainda e somente o conhecia pela sua fama, pois assistia a vários dos seus concertos públicos de violino, que despertavam em mim grande admiração pelo artista. As minhas relações com ele consistiam apenas em que, no inverno anterior à sua morte, eu o encontrava quase diariamente na rua por onde me encaminhava para a escola. Era uma simples coincidência, mas aqueles encontros se tornaram tão habituais, que ele acabou por notá-lo; entrou a sorrir quando eu passava e, por fim, a saudar-me respeitosamente. Eu lhe correspondia, também respeitosamente, à saudação.

Pelo outono, ele morreu subitamente, realizando-se os seus funerais a 4 de novembro, na igreja de Trinity, então na rua Summer. Foi uma cerimônia solene e comovedora, em que tomaram parte todos os musicistas de Boston, bem como outras eminentes personalidades, pois que era geral a consternação por motivo de sua morte. Assistia eu com minha irmã à solenidade e, quando esta ia em meio, fui presa de um sentimento tão inexprimível, quanto inexplicável, o de que ele poderia, naquele momento e naquele ambiente, levantar-se do catafalco e aparecer entre nós, como se fora vivo. E, sem me aperceber bem do que fazia, tomei da mão de minha irmã e exclamei quase em voz alta: “Oh! ele tem que ressurgir para nova vida!” Minha irmã me olhou espantada e murmurou: “Cala-te.”

À noite daquele mesmo dia, em nossa sala de jantar, minha mãe, duas irmãs minhas, um amigo de Cuba e eu falávamos do solene funeral a que assistíramos. Minha irmã narrava o singular incidente da minha exclamação, repetindo as palavras que eu proferira, quando, de improviso, ecoou pela sala uma onda de musica maravilhosa, qual nenhum de nós jamais ouvira. Vi uma expressão de espanto, quase medo, nos semblantes de todos os presentes. Eu própria me sentia presa de uma espécie de pavor do invisível, mas continuei a falar incoerentemente do assunto de que tratava. Pela segunda vez, ecoou na sala outra onda de acordes musicais sonoros e estupendos, que lentamente foram enfraquecendo até se dissiparem. Minha irmã e eu corremos à janela, para nos certificarmos de que nenhuma banda de música passava por ali no momento. A rua estava deserta, nenhum som se ouvia, exceto o murmúrio de uma chuva fraca. Subi então a escada, entrei na sala que ficava por cima da de jantar, onde se achava, sentada e a ler, uma senhora, nossa hóspede, filiada à seita dos Quakers. Na sala havia um piano e, conquanto estivesse fechado, perguntei: “Porventura, alguém tocou piano aqui?” – “Não – respondeu ela – mas ouvi o som de uma música muito estranha. Que foi?”

Ora, bom é se saiba que nenhum de nós jamais foi supersticioso, que, ao contrário, fomos todos educados a zombar dos fantasmas, de sorte que a nenhum passou pela idéia considerar transcendental o acontecimento. Não podíamos, porém, deixar de olhar-nos com espanto, uns aos outros perguntando: “Que foi o que sucedeu? Donde provinha aquela música?” A senhora S., a boa Quaker, se mostrou repentinamente muito preocupada e agitada. Quando suas filhas regressaram a casa, todas juntas percorreram as circunvizinhanças, perguntando se alguém estivera a tocar música àquela hora da noite. Ficou, no entanto, exaustivamente provado que ninguém tocara instrumentos de música, ou ouvira que alguém tocasse na rua. Por outro lado, a música que ouvíramos ressoara na nossa própria sala e era diversa de todas as músicas até então ouvidas. Sobre isto, todos estávamos de perfeito acordo...”

(Assinado): Sarah Jenckins.

A irmã da relatora confirmou nestes termos a narrativa:

“Li atentamente o relato de minha irmã e garanto a sua escrupulosa exatidão.”

O Dr. Hodgson fez à Srta. Jenckins algumas perguntas e das suas respostas extraio este trecho:

“A Sra. S., Quaker, estava hospedada em nossa casa. Perguntei-lhe se alguém havia tocado piano, não porque a música que escutáramos se assemelhasse à de um piano, mas unicamente para, de certa maneira, fazê-la derivar de uma causa natural.

A todos nos pareceu que a música era tocada na própria sala onde estávamos. Começou num de seus ângulos e percorreu-a toda. Comparei aquela música a raios de Sol convertidos em sons e, ainda agora, não a posso definir melhor.”

Também os casos desta natureza, casos espontâneos, de ordem coletivamente audível e que ocorrem pouco depois de uma morte, independem da famigerada jurisdição das faculdades supranormais subconscientes, afirmação que ninguém ousará contestar.

Ora, como, certamente, não é possível recorrer-se à hipótese alucinatória, tanto mais se considerar que o Prof. Morsélli e o Prof. Richet declararam acordemente que as alucinações coletivas – sempre raras – se originam infalivelmente de sugestões verbais em ambientes de exaltação mística e nunca de um fenômeno de transmissão telepática do pensamento; como, no caso em apreço, se teria de admitir que a alucinação auditiva fora transmitida aos presentes e aos ausentes, visto que dela compartilhou uma senhora que se achava absorta em certa leitura no pavimento superior, necessariamente se terá de aceitar a única solução lógica do memorável evento: a da presença real do defunto musicista, no lugar onde foi ouvida a música. Dir-se-á então que, dirigido com profundo pesar ao artista defunto, o pensamento da relatora e de todos os presentes determinou a relação psíquica entre o espírito do mesmo musicista e as pessoas que nele pensavam. Em conseqüência, o espírito do defunto, desejoso de revelar a sua presença, em sinal de estar consciente do que se passava e em sinal também de gratidão, mas não conseguindo manifestar-se diretamente, fê-lo “do modo mais fácil”, que lhe era indicado pelas próprias idiossincrasias musicais.

E o estranho e inexprimível sentimento de que foi presa na igreja a relatora, fazendo-a pensar na possibilidade da presença do defunto aos funerais, significa que a relação psíquica já se estabelecera desde aquele momento entre o defunto e a sua admiradora, que a partir de então ficou sujeita à influência do seu pensamento, o que mais admissível ainda se torna, se se considerar tal incidente em conjugação com o outro, complementar, o da música transcendental se haver feito ouvir precisamente quando a irmã da narradora referia o mencionado incidente. Foi como se o espírito do defunto quisesse dessa forma sublinhar os fatos que melhor apontassem aos percipientes a origem e o objetivo da manifestação de música transcendental.

*

Antes de prosseguir no assunto, devo prevenir que na presente enumeração de exemplos de fenômenos, que independem dos poderes da subconsciência, não poderei manter uma graduação regular, porque boa parte dos aludidos fenômenos cabe em diversas categorias. Assim, por exemplo, o caso acima exposto como de “música transcendental” é, simultaneamente, um caso de “manifestação de defunto pouco depois de sua morte”, do mesmo modo que outros casos citados antes, como de “bilocação no leito mortuário”, são também casos de “aparição de defunto junto ao leito de morte”. Portanto, não sendo possível observar uma graduação regular, mister se faz nos apeguemos a uma graduação relativa, coisa, aliás, sem importância, pois que, em nosso caso, somente importa a eficácia demonstrativa que dimana de muitos episódios selecionados, pertencentes a múltiplas categorias, mas reunidas num capítulo.

Firmado isto, passo a mencionar alguns exemplos de “aparições de defuntos junto ao leito de morte”, lembrando, ainda uma vez, que a impossibilidade de citar exemplos das multiformes modalidades sob as quais se produzem os fenômenos redunda em prejuízo da eficácia cumulativa deles; mas, é este um inconveniente a que não se pode fugir.

Faço, por fim, notar que, se bem eu reconheça que os casos aqui considerados somente apresentam valor científico quando observados coletivamente, não posso deixar de citar um em que isso não se verifica, mas que se desenvolve em condições tais, que suprem, na minha opinião, a falta de testemunho coletiva.

Tiro-o do Journal of the American S. P. R. (1918, págs. 375-390). É o comovente episódio de uma menina enferma que, nos seus três últimos dias de vida, vê e conversa com um irmãozinho defunto e com outras entidades espirituais, ao mesmo tempo em que se lhe apresentam passageiras visões do Além. Como, porém, a exposição do caso ocupa 17 páginas da revista, limitar-me-ei à citação dos trechos essenciais.

Era pai da menina o Rev. David Anderson Dryden, missionário da Igreja Metodista, e sua mulher foi quem registrou o que a filha proferiu nos seus últimos dias de vida. Por morte da Sra. Dryden, suas notas foram publicadas em opúsculo, com o intento de oferecer conforto a algumas almas presas da dúvida e dolentes.

Chamava-se Daisy a menina. Nascera em Marysville (Califórnia), a 9 de setembro de 1854, e faleceu em San José, a 8 de outubro de 1864. Contava, pois, dez anos.

Atacada de febre tifóide, teve o pressentimento do seu fim, mal grado aos bons prognósticos dos médicos. Três dias antes de morrer, tornou-se clarividente, o que os seus familiares notaram pela primeira vez após uma citação da Bíblia feita pelo pai, citação que provocou da doentinha a observação de que “esperava voltar mais tarde a confortá-los”. E acrescentou: “Perguntarei a Allie se é possível.” Allie era o seu irmãozinho que morrera sete meses antes, de febre escarlatina. Após breve tempo, declarou: “Allie diz que é possível e que poderei voltar algumas vezes, mas vocês não saberão que estou presente. Entretanto, eu me acharei em condições de conversar com o vosso pensamento.”

Reproduzo alguns trechos das notas da mãe de Daisy:

“Dois dias antes que ela nos deixasse, veio visitá-la o Diretor da escola. Ela lhe falou livremente da sua próxima partida e mandou um extremo adeus às suas colegas. Ao retirar-se, ele dirigiu à enferma uma frase bíblica um tanto obscura: “Minha boa Daisy – disse – estás preste a vadear o grande rio tenebroso.” O pai procurou explicar-lhe esse conceito, porém ela replicou: “É um erro grosseiro; não há rios a vadear; não há cortina de separação; não há nem sequer uma linha divisória entre esta e a outra vida.” Tirou de sob as cobertas a mãozinha e, com um gesto apropriado, disse: “O Além é o Aquém; sei bem que assim é, pois que vos vejo e simultaneamente vejo os Espíritos.” Pedimos que nos informasse acerca do Além e ela observou: “Não posso descrever porque é muito diferente do nosso mundo e eu não conseguiria fazer-me compreendida.”

Estando eu sentada a seu lado, ela apertou com a sua a minha mão e, olhando-me bem nos olhos, disse: “Querida mamãe, eu quisera que pudesses ver o Allie, que se encontra junto de ti.” Involuntariamente, olhei ao meu derredor; mas, Daisy continuou: “Diz ele que não o podes ver, porque teus olhos espirituais estão fechados; que eu o posso ver, porque meu espírito se acha agora ligado ao corpo apenas por um fio tenuíssimo de vida.” – Perguntei então: “Ele te disse isso neste momento?” – “Sim, agora mesmo.” – Ao que ponderei: “Mas, Daisy, como fazes para conversar com Allie? Não te ouço falar e não moves os lábios.” – Ela sorriu e acrescentou: “Nós conversamos com o pensamento.” – Perguntei ainda: “De que forma te aparece o nosso Allie? Tu o vê vestido?” – Ela: “Oh! não; ele não está propriamente vestido como nós. Parece trazer o corpo envolto numa qualquer coisa alvíssima, que é maravilhosa. Se visses como é delicado, leve, resplandecente o seu manto! E como é cândido! Entretanto, não se lhe percebem pregas e não há sinais de costura, indício de que não é uma vestimenta. Seja como for, ajusta-se-lhe tão bem!” – Seu pai recitou este versículo dos Salmos: “Ele é vestido de luz.” – “Oh! sim; é precisamente isso”, respondeu ela.

... Daisy gostava muito que sua irmã Lulu lhe cantasse coisas, sobretudo do livro dos hinos religiosos. Em dado momento, estando Lulu a cantar um hino em que se falava de anjos alados, exclamou a enferma: “Oh! Lulu, não é singular? Sempre pensamos que os anjos tivessem asas; mas, é um erro: eles, de fato, não têm-nas.” Lulu lhe ponderou: “Mas, é preciso que as tenham para poderem voar nos céus.” Daisy replicou: “Eles não voam: transportam-se. Olha, quando penso em Allie, ele o sente e imediatamente vem aqui.”

Douta vez, perguntei: “Como fazes para ver os anjos?” Respondeu: “Nem sempre os vejo; mas, quando os vejo, afigura que as paredes do quarto desaparecem e a minha visão alcança uma distância infinita; e não se poderiam contar os Espíritos que então diviso. Alguns se acercam de mim e são os que conheci em vida. Os outros nunca os vi.”

Na manhã do dia em que morreu, pediu-me lhe desse um espelho. Hesitei, receando se impressionasse ao ver o seu semblante tão macilento. O pai, entretanto, observou: “Deixa que ela contemple o seu rostinho, se lhe apraz.” Dei-lhe o espelho; ela se mirou longo tempo, com a fisionomia calma e triste. Disse depois: “Meu corpo já está consumido; assemelha-se ao vestido velho da mamãe, que está dependurado no outro quarto. Ela não o veste mais e eu muito em breve deixarei de usar o meu. Mas, tenho um corpo espiritual que o substituirá. Antes, já o trago vestido e é com os olhos espirituais que vejo o mundo espiritual, conquanto o meu corpo terreno ainda esteja ligado ao espírito. Revestirei, porém, outros corpos muito mais belos, semelhantes ao de Allie. Mamãe, não chores; se me vou tão cedo, é para meu bem. Se crescesse em anos, viria ser talvez uma mulher má, como muitas o são. Só Deus sabe o que mais convém ao nosso bem...” Em seguida pediu: “Mamãe, abre-me a janela; quero contemplar, pela última vez, o meu belo mundo. Quando despontar a alvorada de amanhã, já não existirei aqui.” Atendi-lhe ao desejo e ela, voltando-se para o pai, disse: “Papai, ergue-me um pouquinho.” Então, amparada pelo pai, olhou pela janela escancarada e exclamou: “Adeus, meu belo céu! Adeus, árvores minhas! Adeus, flores! Adeus, lindas rosinhas! Adeus, rosas vermelhas! Adeus, adeus, belo mundo!” – E acrescentou: “Como ainda o amo! Entretanto, não desejo ficar!”

Naquela mesma noite, pelas 8:30, ela olhou o relógio e disse: “São 8:30; quando derem as 11:30, Allie virá buscar-me.” E reclinou a cabeça no ombro do pai, dizendo: “Papai, quero morrer assim. Quando chegar a hora, eu te avisarei...” As 11:15, disse: “Papai, ergue-me; Allie veio buscar-me.” Logo que se achou na posição que desejava, pediu que cantássemos. Alguém disse: “Vamos chamar a Lulu.” Daisy, porém, obtemperou: “Não, não na perturbem; ela está dormindo.” E, no momento exato em que o relógio marcava as 11:30 – hora predita para a partida – estendeu para o alto os braços, dizendo: “Vou, Allie”, e não mais respirou.

O pai acomodou de novo no leito o corpinho inanimado e disse: “Partiu a nossa querida filhinha; agora já não sofre.” Solene silencio reinava no aposento, mas não se chorava. Porque chorar? Cabia-nos antes render graças ao Pai Soberano pelos ensinamentos que, por intermédio de uma criança, nos ministrara naqueles três dias sagrados à glória dos céus. E, enquanto contemplávamos o rostinho da nossa morta, sentíamos que o quarto estava repleto de anjos que nos vinham confortar e uma paz dulcíssima descia aos nossos espíritos, como se os anjos nos repetissem: “Ela não está aqui: ressuscitou.”

O Professor Hyslop entabulou correspondência epistolar com a irmã da vidente, Sra. Lulu Dryden, que confirmou a escrupulosa veracidade dos fatos registrados no diário materno e o autorizou a divulgá-los pela sua revista.

Paro aqui com as citações, sentindo não poder transcrever a narrativa inteira. Além do fato do insólito prolongamento das visões supranormais, com exclusão completa de delírio até ao último instante, há neste episódio o outro fato das observações da vidente sobre o mundo espiritual concordarem admiravelmente com a doutrina espírita e tudo isso por intermédio de uma criança absolutamente ignorante da existência dessa doutrina. Quem lhas sugeriu? Não foram certamente os pais por transmissão telepática do pensamento, pois que, tanto quanto a filha, ignoravam as doutrinas espíritas que, no ano de 1864, ainda estavam em gérmen. Que fazia ela então para conceber por si mesma tantas verdades transcendentais, diametralmente opostas às que aprendera na religião de seus pais? Como podia, espontaneamente, formular conceitos profundos, quais os implícitos nas afirmações de que “o Além é o Aquém?” Que não existem linhas de separação entre a morada dos homens e a dos Espíritos? Que estes conversam entre si e pelo pensamento? Que percebem telepaticamente os pensamentos que os vivos lhes dirigem e acorrem instantaneamente, sem limites de distância? Que os Espíritos não voam, transportam-se? Que somente ela podia ver o irmãozinho defunto, porque, no momento, se achava ligada ao mundo dos vivos apenas por um tenuíssimo fio de vida? Que os defuntos voltam a rever os que lhes são caros, mas que a presença deles é, as mais das vezes, ignorada, porque falam àqueles pelo pensamento (ou pela subconsciência)? Que o homem tem um corpo espiritual imanente no corpo físico? Que o mundo espiritual é muito diferente do nosso, de modo a ser impossível descrevê-lo, porquanto não chegaria, quem o descrevesse, a fazer-se compreendido? E que profunda intuição da verdade nesta observação: “Se me vou tão cedo, é para meu bem. Só Deus sabe o que é melhor para o nosso bem!” Convenhamos francamente: em tudo isto, as hipóteses alucinatória, auto-sugestiva e telepática não podem ter entrada. Segue-se que as visões da menina Daisy não podem explicar-se, senão admitindo-se que a vidente formulava suas observações baseada em dados de certo modo objetivos e externava elucidações que lhe eram transmitidas por terceiro, conforme ela própria declarava.

A esse propósito, são curiosos os esforços do reverendo Higgins para distinguir os fenômenos ocorridos no leito de morte da menina Daisy Dryden dos do moderno Espiritismo, com o intento de demonstrar que somente os primeiros são conformes aos ditames da Bíblia Sagrada e que, portanto, só eles devem considerar-se revelações divinas. Escreveu o reverendo:

“A menina não era, absolutamente, uma médium espírita, do mesmo modo que não o eram Moisés ou S. João, que, a seu turno, ditaram o Livro das Revelações. Nunca espírito algum se lhe apossou do corpo (a Daisy) nem por um só instante, ou falou pela sua boca. Sem dúvida, por uma concessão de Deus, os sentidos espirituais lhe foram desatados, a fim de que ela, nos seus últimos dias de vida, gozasse do espetáculo do mundo espiritual, permanecendo, entretanto, presa ao corpo, em conseqüência do fato, que o doutor acentuou, de efetivamente levar três dias para morrer.”

Não se faz mister assinalar que as observações do Rev. Higgins apenas demonstram os seus extremamente escassos conhecimentos sobre a doutrina impugnada. A verdade a respeito é esta: eliminada a hipótese alucinatória, as visões da menina Daisy são franca e classicamente espíritas.

O engenheiro Stanley De Brath, no seu livro: Psychic Research (pág. 141), cita o caso da Daisy e pondera:

“Na minha opinião, esta simples e comovente narração é mais demonstrativa e convincente do que todas as dissertações dos filósofos e do que todas as doutrinas dos teólogos. Não invejo os que logram ler esta narrativa sem se comoverem e sem lhe perceberem o significado... Deixemos que os que ainda julgam poder levar à conta das “alucinações patológicas” as percepções genuinamente transcendentais da menina moribunda mantenham suas cegas e desoladoras opiniões, se assim o preferem. Saibamos, entretanto, que não somos nós, porém eles, as vítimas de uma enorme ilusão...”

Assim se externou De Brath e eu creio que a grande maioria dos leitores pensarão como ele.

*

Há outro grupo de “aparições de defuntos no leito mortuário” que, conquanto observados por um só vidente, se revestem de grande valor teórico, por serem os videntes e muitas vezes também as moribundas crianças de menos de cinco anos, particularidade de tanta eficácia, no sentido de neutralizar as costumadas hipóteses naturalísticas, que o Professor Richet, o Professor Morsélli e o Dr. Mackenzie se mostram acordes em considerar aquelas hipóteses como inaplicáveis às manifestações de tal natureza.

Num trabalho que incluí no segundo volume das minhas Pesquisas sobre manifestações supranormais, citei 14 casos deste gênero, dos quais reproduzo aqui só dois exemplos, escolhendo-os entre os mais breves.

Na revista Light, de 7 de abril de 1888, o reverendo William Stainton Moses refere o episódio seguinte, ocorrido com a filha de um alto ministro da Igreja Anglicana e por ela narrado verbalmente ao mesmo Stainton Moles:

“A Sra. H. assistia um menino que estava a morrer na paróquia de seu pai. Havia no quarto dois leitos, um dos quais era uma caminha onde dormia um menino de três ou quatro anos, irmão do enfermo, que desde muitas horas parecia em estado comatoso. Como a mãe dos meninos, a Sra. H. se achava junto ao leito em que jazia o moribundo, já presa dos espasmos da agonia. De súbito, uma voz ecoou no quarto, partindo da caminha. As duas se voltaram e viram sentado o menino, completamente desperto, a apontar com o dedinho para o espaço. irradiando do semblante uma alegria extática. E gritava: “Oh! mamãezinha, mamãezinha, que belas senhoras ao redor do maninho! Belas senhoras! Mamãezinha, mamãezinha, elas querem levar o maninho.” Voltando-se de novo as duas assistentes para o leito do menino doente, verificaram que havia expirado.”

Stainton Moses faz estes comentos:

“Em face do criticismo prevalecente contra os fenômenos mediúnicos, fora de grande importância recolherem-se casos análogos ao precedente, visto que as crianças de três anos e as lactantes não podem ser tidas por prestidigitadores, nem trampolineiros.”

Estes comentos deveram completar-se com a observação de que tão-pouco as crianças podem ser tidas como “telepatizadoras” de fantasmas. É de lamentar que Moses se haja olvidado de mencionar a idade do menino moribundo. Como, porém, no seu comentário, ele fala de “crianças lactantes”, é lícito se suponha que essa fosse a condição daquele menino.

*

Aqui agora um segundo episódio, em que o moribundo e o percipiente são ambos crianças de mui tenra idade, episódio este bem mais importante do que o primeiro, porquanto se acha indicada a idade do moribundo (4 meses), o que nos permite excluir de modo categórico qualquer forma de auto-sugestão do mesmo moribundo, com a respectiva transmissão telepática à percipiente. A idade desta última (3 anos) exclui, a seu turno, a possibilidade de ela se haver auto-sugestionado, a ponto de ver, por conta própria, fantasmas alucinatórios, dado que a sua pequenina mente não chegava de certo a conceber a possibilidade de aparições transcendentais, junto ao leito do irmãozinho que estava para morrer.

Busquei-o na revista Ultra (1909, pág. 91), onde o Sr. Pelusi, bibliotecário da Régia Biblioteca Vitório Emanuel, de Roma, o relatou assim, em data de 12 de dezembro de 1908:

“Em Roma. na casa da rua Régio, 21, habitada pela família Nasca, mora, como sublocatário, o Sr. G. Notári, com a mulher, os filhos e sua mãe viúva. Morreu-lhe, a 6 de dezembro passado, um filhinho de 4 meses, por volta das 22:45 horas. Em torno do leito do doentinho estavam seu pai, sua mãe, a ama, a locatária da casa, Sra. Júlia Nasca, e uma irmãzinha do moribundo, Hipólita, de 3 anos, meio paralítica, e que, sentada na caminha do irmão, o olhava compassivamente. Em certo momento, uns 15 minutos antes que a morte houvesse posto fim àquela incipiente vida, Hipólita estende os braços para um canto do quarto e grita: “Mamãe, olha lá a tia Olga.” E fez menção de descer do leito para ir abraçá-la. Os presentes ficaram espantados e perguntaram à menina: “Mas, onde? onde?” A criança repetiu: “Ali! Ela está ali!” E quis por força descer do leito para lhe ir ao encontro. O pai ajudou-a a descer e ela correu para uma cadeira vazia. Aí chegando, ficou uma tanto perplexa, porque a visão passara para outro ponto do quarto. A pequenina voltou-se, dizendo: “Está ali, a tia Olga.” Depois, aquietou-se, quando sobreveio o falecimento do irmãozinho.

Essa Olga, irmã da mãe da pequenina, se envenenou, faz um ano, por amor, e o noivo, que se achava ausente, ao saber da morte da sua dileta, se suicidou, depois de pranteá-la durante três meses. Na noite mesma do suicídio, ele apareceu em sonho à irmã de Olga, isto é, à mãe da pequena clarividente, e lhe disse: “Olha, agora vou casar-me com Olga!” Na manhã seguinte os jornais davam notícia do lamentável suicídio.

Garanto a veracidade dos fatos, que me foram repetidos esta tarde, em seus mínimos detalhes, pela família Nasca, meus compadres, e pela ama da clarividente.”

(Assinado): M. Pelusi, Zelador da Biblioteca V. E.

Eis-nos em presença de dois casos de “aparições de defuntos junto a um leito de morte”, nos quais tanto os videntes como os moribundos eram crianças de menos de 5 anos, casos, portanto, que não só independem dos poderes das “faculdades supranormais subconscientes”, como também não poderiam explicar-se por meio de qualquer outra hipótese naturalística. Faço notar que, noutras circunstâncias semelhantes, mas em que os moribundos eram adultos, a hipótese aventada pelos opositores consistia em presumirem que o próprio moribundo, devido a um fenômeno de associação de idéias geradas pelo estado preagônico, tivera uma visão alucinatória de parentes e amigos defuntos e a transmitira por telepatia às pessoas presentes. No nosso caso, porém, tratam-se de moribundos ainda em idade muito tenra, circunstância que exclui categoricamente qualquer forma de auto-sugestão alucinatória nas crianças prestes a morrer, com a respectiva transmissão telepática às crianças percipientes. Assim sendo, só resta admitir a presença espiritual, no lugar do fenômeno, dos defuntos que são vistos. Ora, foi por isso que os três homens de ciência acima nomeados se acharam no dever de declarar francamente e honestamente que, colecionados que fossem fenômenos dessa natureza em número suficiente, longo trecho se teria percorrido da senda que conduz à demonstração experimental da sobrevivência humana. A bem dizer, o Professor Richet, volvendo ao assunto noutra circunstância, se tirou de embaraços declarando que, “apesar de tudo, mesmo esses episódios carecem de poder para me levarem a concluir que as personalidades dos defuntos assistam, sob a forma de fantasmas, à morte de seus parentes!!!” (Note-se que os três pontos de admiração se encontram no próprio texto). Ora, é evidente que essa afirmação não constitui uma razão, nem um argumento, nem uma objeção. Em suma: nada significa; apenas traduz a opinião do autor, no período de sua vida em que a formulou, opinião que, entretanto, se foi modificando radicalmente nos últimos anos da sua operosa existência.

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Aos casos eloqüentes das crianças que vêem aparições de defuntos por ocasião da morte de outras crianças, segue-se um grupo de episódios complementares em que crianças de menos de 5 anos vêem aparições de defuntos pouco depois da morte. Também esta variedade do mesmo fenômeno não é explicável por meio de hipóteses naturalísticas, ao passo que lhe corrobora a gênese espiritualista.

No volume de Camille Flammarion: Après la mort, contam-se 9 casos desse gênero. Referirei um só, remetendo o leitor, para conhecimento dos demais, ao livro que os contém. A Sra. Anne E. Carrère, residente na Argélia, escreveu o seguinte (pág. 265) a Flammarion:

“Meu marido, um dos homens mais inteligentes, justos e bons que já viveram no mundo, me prometera que, se morresse antes de mim, viria certissimamente dar-me uma prova positiva da sobrevivência, desde que fosse possível. Ele morreu a 10 de outubro de 1898. Nossa família se compunha dele, de mim e de uma filha nossa que ficara viúva ainda muito jovem, com três filhinhos, que são três homenzinhos, o mais velho dos quais contava então 5 anos, o segundo 3 e meio e o outro 2 anos e meio. Durante o doloroso período da última enfermidade de meu marido, uma família amiga tomara a seu cargo as crianças, às quais foi ocultada a morte do avô. O mais moço dos três – Guy – no dia e à hora dos funerais se achava à mesa com os nossos amigos, quando de súbito se ergueu da cadeira, exclamando: “Aqui está o vovô! Junto à janela. Olhem!” E, dizendo isso, desceu da cadeira para correr ao encontro do avô.

Lembro-me de que ele tinha apenas dois anos e meio e que, não só ignorava o falecimento de meu marido, como nenhuma idéia fazia da morte.

No dia seguinte, de manhã, estava ele brincando num quarto contíguo ao meu e o ouvi de repente a saltar e a rir, gritando: “Vovô! Meu vovô!” Contrariada com isso, saí depressa para fazê-lo calar-se. O menino, porém, continuou a bater alegremente as mãozinhas, rindo e dizendo: “Olha como o vovô está bonito, assim vestido de branco! E tem uma roupa luminosa!” Ao barulho que ele fazia, acorreram minha cunhada e os domésticos, ficando todos impressionados com as suas exclamações e lhe perguntaram em que lugar via o avô. O menino pareceu espantado de que todos não o víssemos e exclamou surpreendido: “Está ali! Não o vêem?” Seus olhos fitavam um ponto do espaço, onde poderia achar-se o vulto de um homem; em seguida, todos notaram que o seu olhar acompanhava alguma coisa que se elevava no espaço e logo o ouvimos exclamar: “Ah! o vovô foi-se embora!”

Garanto-lhe, caro mestre, pela minha honra, a exatidão escrupulosa dos fatos expostos. Os meus três meninos eram ainda muito crianças para guardarem lembrança do que relato, mas minha filha, a dama de companhia e eu jamais esqueceremos isso que para todos nós é sagrado.”

Neste episódio, a única hipótese que se poderá opor à interpretação espirítica dos fatos continua sendo a de uma presumível transmissão telepática do pensamento, feita pelos familiares da criança percipiente. Mas, do episódio ressaltam particularidades que com essa hipótese não se logram explicar. Com efeito, o menino Guy vê o fantasma do avô vestido de branco e com uma veste luminosa, pormenores em que os familiares não podiam ter pensado e que, portanto – na hipótese de uma transmissão telepática do pensamento –, o menino não deveria perceber. Por outro lado, uma criança de dois anos e meio, que tudo ignorava acerca da morte e, sobretudo, que os fantasmas dos defuntos se manifestam freqüentemente envoltos em brancas vestes resplandecentes, não podia de certo se sugestionar nesse sentido. Assim, essa particularidade, correspondendo a uma forma de manifestação verídica dos fantasmas dos defuntos, importa na eliminação também das “coincidências fortuitas”, enquanto que se mostra altamente sugestiva no sentido da interpretação espirítica do caso. E essa interpretação é ulteriormente sugerida pela consideração de que, não lhe sendo aplicáveis as três únicas hipóteses naturalísticas com que se poderia pretender explicá-lo – a auto-sugestão, a telepatia entre vivos e as “coincidências fortuitas” –, necessariamente se tem de recorrer à única interpretação capaz de lhe dar explicação: a de uma transmissão telepático-espírita entre o avô defunto e o netinho percipiente. A esse propósito, não se deve esquecer que o defunto prometera formalmente manifestar-se à sua viúva, para lhe fornecer, dessa maneira, uma prova positiva da sobrevivência, pelo que se deverá reconhecer que ele cumpriu a promessa, manifestando-se ao neto vidente, antes que àquela, que não possuía faculdades de sensitiva.

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Refiro um segundo episódio que se me deparou no vol. X, pág. 139, do Journal of the S. P. R., narrado assim pela Sra. Katharina M. C. Meredith:

“Quando minha filha tinha cerca de dois anos, morreu-lhe o pai, que a amava com ternura. Dois meses depois, a menina, sentada na cama, no quarto que fora do pai, se entretinha com alguns brinquedos. Eu e a ama estávamos ocupadas em lhe arrumar os vestidos num baú. De repente, a pequena se pôs a conversar e a rir com alguém que não víamos. Perguntei-lhe o que fazia e com quem conversava e ela mirando-me, com curiosa atitude de inocente espanto, respondeu: “Falo com o papai.” Perguntei então: “Onde está o papai?” Replicou ela, com ar de maior surpresa ante a minha pergunta: “Está aqui.” Ponderei: “Não, querida, o papai não está aqui.” Ela insistiu que estava e com o dedinho apontou para a cabeceira da cama. Logo, porém, acrescentou: “Agora o papai foi-se embora.” Em seguida, deu uma risada, exclamando: “Que roupa esquisita tinha o papai: era toda branca.” Dito isso, continuou a divertir-se com os seus brinquedos, como se nada houvera ocorrido. Ela ignorava a morte do pai, porquanto, nos tristes dias da crise fatal, fora afastada de casa. Quando voltou, nós lhe dissemos que “o papai subira para o céu”, o que nada significava para uma criança de dois anos...”

No episódio exposto, repete-se a particularidade interessante de uma criancinha ver o pai defunto todo vestido de branco, particularidade que tão curiosa parece à pequenina vidente, que a faz rir gostosamente. Ora, como antes já acentuei, essa particularidade, quando se verifica com percipientes de tenra idade, basta por si só para eliminar as hipóteses imaginadas para explicar os fatos de maneira naturalística. Excluída, com efeito, a auto-sugestão (porque numa criancinha de dois anos semelhante hipótese está fora de questão); excluída a possibilidade de uma transmissão telepática do pensamento (porque a mamãe não podia imaginar que o marido defunto estivesse vestido de branco); excluída a hipótese das “coincidências fortuitas” (porque a particularidade em apreço corresponde a alguma coisa de verídico nas manifestações dos defuntos), segue-se que o caso de que se trata se apresenta exclusivamente elucidável pela hipótese espírita, sobretudo se ele for considerado cumulativamente com todos os outros da sua classe.

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Para não separar deles os dois grupos de casos concernentes às crianças videntes, citei o segundo grupo desses casos – o que se refere às aparições de defuntos pouco depois da morte – antes de citar exemplos de “aparições de defuntos por ocasião de morte”, observados coletivamente. Retomo, pois, a graduação, dando um passo atrás.

Tiro dos Proceedings of the S. P. R. (vol. VI, página 293) o episódio que se segue e que foi comunicado a essa Sociedade pela Srta. Walker, prima da protagonista, que assim o relata:

“Meus pais tiveram muitos filhos que em sua maioria morreram na infância. Sobrevivemos Susana, Carlota e eu. Devido a essas numerosas lacunas, Susana era mais velha do que eu vinte anos. Meu pai era dono de um feudo inalienável, de sorte que a morte de seus filhos varões, Willian e John – o primeiro morreu rapaz, o outro ainda pequeno – fora a maior desventura da sua vida. Susana se lembrava dos dois irmãos. William nascera e morrera muito antes que eu viesse ao mundo. John morrera com a idade de dois anos, pouco depois do meu nascimento. De William não existiam retratos. Quanto ao de John, tu o conheces. É um pintado a óleo, no qual figura, em tamanho natural, um menino que ainda não se firma bem nos pezinhos, vestido de branco, com sapatos azuis, tendo ao lado um galgo agachado.

Eu chegara aos vinte anos, Susana tinha quarenta e Carlota trinta. Declinava rapidamente a saúde de nosso pai. Vivíamos então unidos e felizes numa casinha situada nos confins da comuna de Harrogate. No dia de que agora se trata, Carlota se sentira indisposta. Fora atacada subitamente de calafrios e o doutor lhe aconselhara se metesse na cama. Depois do jantar, ela dormia tranqüilamente, enquanto eu e Susana estávamos sentadas dos dois lados da cama. O Sol se escondera, o ar escurecia, conquanto ainda não fosse completa a obscuridade. Não sei quanto tempo havia que nos achávamos ali sentadas, quando me sucedeu levantar a cabeça e ver uma luminosidade purpúrea por sobre a cabeceira de Carlota e envolvidos naquela luminosidade me apareceram dois rostinhos de querubins que fitavam vivamente a enferma. Fiquei alguns instantes a olhar extática e a visão não dava indícios de que se ia dissipar. Afinal, estendendo a mão para Susana por cima da cama, disse-lhe apenas isto: “Susana, olha para o alto.” Ela olhou e, dando ao semblante uma expressão de grande espanto, exclamou: “Oh, Emelina, são William e John?”

Continuamos ambas a fixar, como que fascinadas, aquela visão, até que tudo se dissipou, à maneira de uma pintura que se dissolve.

Passadas poucas horas, Carlota era de improviso presa de um acesso inflamatório e em breves instantes expirava.”

Este caso foi relatado por Frank Podmore, que pondera, para explicar a visão produzida, não ser necessário supor-se a presença espiritual dos dois irmãozinhos mortos, porquanto se pode imaginar que a referida visão foi um reflexo do pensamento da enferma.

Mesmo que se aceite como legítima a objeção de Podmore, esquecendo quanto foi anteriormente dito acerca da inexistência de alucinações coletivas de caráter telepático, é de notar-se que, em a narrativa acima, há uma circunstância que constitui indireta demonstração em contrário. Essa circunstância está no parágrafo em que se diz que a irmã Susana se lembrava de ambos os seus irmãozinhos, ao passo que a narradora, mais moça vinte anos, não se recordava de nenhum dos dois e que do mais velho não existiam retratos. Ora, se bem se considerarem as coisas, tudo isso significa que a irmã enferma, Carlota – mais moça dez anos do que Susana – só do irmãozinho mais moço, John, devia lembrar-se; pois que, a não ser assim, a narradora houvera infalivelmente escrito que ambas as suas irmãs – e não apenas Susana – se recordava das duas crianças. Não o tendo feito, resulta manifesto que a irmã moribunda, Carlota, não estava na situação da irmã mais velha, Susana, nem da irmã mais moça, que não se lembrava de nenhum dos dois irmãos, donde a exatidão incontestável da minha dedução. E, admitida esta, seguir-se-á que a visão percebida pela relatora não poderia ser um reflexo do pensamento da irmã moribunda, desde que esta última desconhecia o semblante do mais velho dos irmãos que apareceram, de modo que se torna incontestável a interpretação espírita do episódio.

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Tomo este outro ao Journal of the American S. P. R. (1921, pág. 114), episódio rigorosamente documentado, no qual os relatores tomaram imediatamente nota do ocorrido, que se verificou junto ao leito de morte do conhecido poeta e prosador norte-americano Horácio Traubel (1859-1919), que foi o Boswell de outro eminente poeta norte-americano, Walt Whitman. Ele fora íntimo amigo deste último e o estudara durante toda a vida com imenso amor, tal como Boswell estudara Samuel Johnson. Depois da morte do amigo, publicaram um Diário em muitos volumes, ilustrativos da vida e do pensamento da morto. Horácio Traubel, a seu turno, foi genial poeta da mesma escola de Walt Whitman e, para alguns críticos, as poesias do discípulo rivalizavam com as do mestre.

A Sra. Flora Mac Donald Denison, que assistiu à morte de Horácio Traubel, narra o que se segue:

“... No dia 28 de agosto, Horácio estava de espírito muito deprimido. A enfermidade de Ana e a partida de Bains eram amarguras fortes demais para a sua fibra. Mildred lhe fez companhia durante longo tempo e decidimos não o deixar só nem por um instante. Quando chegamos à varanda, a fim de o transportarmos para o interior, achamo-lo radiante de alegria. Assim que me viu, exclamou: “Flora, olha! Olha! Depressa! Ele se vai embora.” – “Onde? Que estás vendo, Horácio? Eu nada vejo.” – “Lá, naquela saliência da rocha. Walt me apareceu. Vi-lhe a cabeça e o busto. Trazia o chapéu. Estava esplêndido, radiante; parecia envolvido por uma auréola de ouro. Saudou-me com a mão, como a me reconfortar, e me falou. Ouvi distintamente o timbre de sua voz, mas unicamente uma frase compreendi: Vem; espero-te.” Nisso chegou Frank Brains, a quem ele repetiu a mesma narrativa e durante toda a noite se mostrou de espírito alevantado, radiante, feliz...

Na tarde de 3 de setembro, Horácio estava mal e eu lhe fiz companhia por algumas horas. Quando vi dirigirem-se lentamente para mim as suas pupilas imóveis, julguei estivesse entrando em agonia. Ao contrário, desejava mudar de posição. Enquanto lhe satisfazia o desejo, notei que ele parecia estar escutando alguma coisa. De repente, disse: “Ouço a voz de Walt. Ele me fala.” Perguntei: “Que te diz?” Respondeu: “Repete: Vem comigo. Vem. Espero-te.” Passados alguns instantes, acrescentou: “Flora, juntamente com Walt, aqui se acham todos os amigos. Está Bob, Buck e os outros...”

À noite veio o Coronel Cosgrave fazer companhia a Horácio e lhe aconteceu ver o fantasma de Walt Whitman, o qual, vindo do outro lado do leito, se lhe aproximou e bateu na mão direita, que ele tinha metida no bolso. Ao ser tocado pelo fantasma, o coronel sentiu uma espécie de choque elétrico. Também Horácio viu Walt e o disse. Essas aparições tiveram por efeito dissipar, como por encamo, o que de tétrico havia no ambiente. Ninguém mais se sentia acabrunhado: uma sensação de júbilo triunfal saturava a atmosfera daquela casa.”

(Assinado): Flora Mac Donald Denison.

O doutor Franklin, secretário da American Society F. P. R., escreveu ao coronel Cosgrave, pedindo-lhe mais esclarecimentos sobre o memorável fato. Da correspondência que daí se originou, extraio estes tópicos essenciais:

“Nos meses de agosto e setembro de 1919, vivi em íntimas relações com Horácio Traubel, que todos conhecem pelas suas obras e pelas suas nobilíssimas aspirações espirituais. Antes desse período eu não o conhecia pessoalmente, do mesmo modo que apenas superficialmente conhecia as obras e os idealismos de Walt Whitman. Assinalo tudo isto para demonstrar que a minha mentalidade consciente e subconsciente não estava de maneira alguma influenciada pelas obras, nem pelas ideologias dos dois mencionados escritores. Acrescento que o meu prolongado serviço militar na França, com o Exército Canadense, feito quase sempre na primeira linha, de janeiro de 1915 até ao armistício, naturalmente me familiarizara com a morte, de forma que o ambiente que cerca os moribundos, conquanto me inspirasse grande respeito, não produzia em mim a tensão nervosa e a sobre-excitação emocional que comumente se verificam em pessoas não familiarizadas com a morte. Também o faço para provar que me achava em condições normais de espírito, quando se deu o fato a cujo respeito lhe escreveu Flora Denison, fato que confirmo em todos os pontos. Resumindo, eis o que se passou:

Nas três noites que precederam a morte de Horácio Traubel, fui passar a seu lado as últimas horas da noite. Ele se extinguiu de paralisia e esgotamento, mas aparentemente não sofria. Estava semiconsciente e dificilmente articulava as palavras devido à paralisia da língua. Seus olhos, porém, sempre vivazes e expressivos, faziam que com facilidade lhe adivinhássemos os desejos. Na derradeira noite, pelas três da madrugada, seu estado se agravou inopinadamente: a respiração se tornou quase imperceptível e os olhos se fecharam; parecia haver caído em coma. Enquanto isso, o corpo era preso de movimentos convulsivos. Pouco depois reabriu os olhos, indicando com o olhar os pés da cama, ao mesmo tempo em que os lábios se lhe agitavam num esforço vão para falar. Supondo que precisasse respirar mais livremente, recoloquei-lhe delicadamente a cabeça na posição normal; mas ele logo se voltou, a fim de olhar de novo para o mesmo lugar, fixando extático um ponto situado a três pés acima do leito. Fui então levado a olhar para aquele lado. O aposento estava insuficientemente iluminado por pequena lâmpada posta por detrás de uma cortina, no ângulo mais distante do quarto. Gradativamente o ponto para onde se dirigiam os nossos olhares foi clareando; depois, apareceu uma ligeira nuvenzinha, que rápido se alargou e aumentou, tomando, dentro em pouco, a forma humana, em a qual se delineou o semblante de Walt Whitman, que afinal se apresentou de pé ao lado do leito do moribundo, vestido de uma roupa grossa, com o costumado chapéu na cabeça e a mão direita no bolso. Olhava para Traubel e lhe sorria afetuosamente, como a reconfortá-lo e dar-lhe as boas-vindas. Duas vezes lhe acenou com a cabeça e, pela expressão do semblante, se percebia que tinha o intento de animá-lo. Conservou-se visível durante cerca de um minuto, para em seguida dissipar-se gradualmente... Antes, porém, de evanescer-se, enquanto Horácio e eu o olhávamos atentamente, ele se moveu, aproximando-se de Horácio. Este que, pela paralisia, não podia permanecer longo tempo com a cabeça voltada para um lado, foi obrigado a retomar a posição normal e, ao fazê-lo, balbuciou: “Que é do Walt?” Ao mesmo tempo o fantasma se dirigiu para mim, atravessando aparentemente o leito, e me tocou a mão, como em sinal de adeus. Esse contacto eu o senti qual ligeiro choque elétrico. A seguir, Walt sorriu uma última vez para Horácio e nos desapareceu das vistas. Deu-se isto a 6 de setembro, duas horas antes que o enfermo expirasse, horas que lhe transcorreram, na sua maior parte, em coma, enquanto a paralisia lhe tirava o uso da língua, mesmo nos intervalos de vigília. O olhar, todavia, se lhe mantinha cheio de silenciosas mensagens, compreendendo-se que ele percebia outras manifestações que não víamos.”

(Assinado): Coronel Cosgrave.

Neste interessante episódio de visão coletiva junto ao um leito de morte, ressaltam indícios sugestivos em favor da objetividade do fantasma que apareceu, antes de tudo, pelas modalidades com que se foi produzindo, as quais começaram sob a forma de uma nuvenzinha luminosa que se alongou, condensou e aumentou de volume, até assumir as proporções e a semelhança do defunto poeta Walt Whitman, íntimo amigo do outro poeta moribundo. É sabido que tais modalidades de manifestações, ordinariamente, são as com que se deparam nos processos das materializações experimentais de fantasmas, quer quando se realizam de forma concreta, quer quando tomam forma imponderável (no nosso caso tratar-se-ia de um fantasma fluídico imponderável, tanto que capaz de passar através de um leito). Em segundo lugar, a presumível objetividade da aparição se colige de outra circunstância, a de o fantasma aproximar-se do percipiente e lhe tocar numa das mãos em sinal de saudação, contacto que aquele sentiu sob a forma de ligeiro choque elétrico. Não há negar que as duas mencionadas circunstâncias, conquanto não se possam considerar resolutivas no sentido da objetividade do fantasma, resultam suficientes para autorizar a conclusão de que as maiores probabilidades são a favor desta última explicação, que corroboraria fortemente a interpretação espírita dos fatos, interpretação que, ao demais, seria legítima, mesmo que se tratasse de um fantasma puramente telepático, transmitido pelo pensamento consciente do defunto ao seu amigo moribundo.

Acrescentarei que o modo pelo qual se iniciou o fenômeno da aparição, ou seja, sob as modalidades peculiares aos fenômenos de materialização incipiente, não teria sido o empregado, na hipótese “anímica” de uma presumível transmissão, ao percipiente, de um fantasma alucinatório que se houvesse originado da mentalidade do moribundo, hipótese esta última que insisto em discutir, embora os mais autorizados professores de patologia mental já a tenham declarado inaplicável às manifestações supranormais observadas coletivamente. Reservo-me, nada obstante, para lhe aplicar o derradeiro golpe nos comentários sobre o caso seguinte.

*

Este outro, do mesmo gênero, foi publicado no Light (1907, pág. 494).

O Dr. W. T. O’ Hara, médico dos transatlânticos da White Star Line, narrou que numa das suas viagens na linha de Yokohama, fora entregue aos cuidados do capitão uma menina de dez anos, que ficara órfã e que regressava ao Japão, onde a esperavam alguns parentes. Era tão graciosa, tão boa, tão inteligente, que logo conquistou os corações de todos os membros da equipagem, mas principalmente dos oficiais de bordo, inclusive o doutor que refere o fato. Quando o transatlântico chegou ao mar da China, a menina adoeceu gravemente de febre tropical e, apesar de todos os cuidados que lhe eram prodigalizados, foi piorando e todos perceberam que o desenlace seria fatal.

Nesse ponto, informa o doutor que, estando à cabeceira da menina, começou a experimentar a sensação inexplicável de uma presença no camarote, embora nada visse ao seu derredor. Cada vez mais fraco se tornava o pulso da menina e o doutor observava ansiosamente as mudanças que se lhe operavam na expressão do rosto, quando de súbito o camarote começou a iluminar-se de maneira misteriosa, se bem ainda viesse longe a alvorada. Em breve aquela luminosidade se tornou brilhante, como a aurora quando o Sol está prestes a romper. Em seguida pareceu condensar-se numa radiosidade palpitante, com ondulações azuis, brancas, douradas, que se concentravam em torno da cabeça da pequenina enferma. Durou isso algum tempo; depois, tudo se dissipou, voltando à sua primitiva semi-obscuridade o camarote, onde uma lâmpada fraca e velada era a única fonte luminosa.

Durante a produção do fenômeno, a doentinha olhara para o doutor com ar de quem desejava pedir-lhe explicações, tanto que murmurara: “Olhe! Olhe! Como é belo!” E, dizendo isso, os dedos de sua mão apertaram convulsivamente a mão do médico, cuja narrativa prossegue assim:

“De repente, ela dirigiu para o alto o olhar. Também eu olhei na mesma direção e vi, rente ao forro, por cima da sua cabecinha, formar-se um globo luminoso, de contornos imprecisos, resplandecente como um fanal envolto em densa névoa. Aumentou lentamente, conforme se dera com o outro fenômeno luminoso, e se tornou, por fim, uma esfera brilhante, de luz branco-azulada, em que a vida parecia palpitar. Apresentava certa semelhança com os fogos de Santelmo que aparecem nos topos da mastreação, durante as tempestades saturadas de eletricidade.

Também dessa vez a menina me olhara, murmurando “Olhe. Olhe!”

Lentamente – tão lentamente que por algum tempo o contemplei – aquele globo luminoso desceu sobre a menina e lhe circunvolveu a cabeça, imprimindo-lhe ao semblante suave de criança sofredora uma glória de radiosidade espiritual literalmente angélica. Jamais eu tivera ensejo de assistir a uma visão de semelhante beleza e jamais a outra assistirei no futuro.

Enquanto o globo luminoso girava e brilhava em torno da cabeça da moribunda, senti que sua mão apertava a minha, ao mesmo tempo em que ligeiro frêmito lhe perpassava o corpo. Ela fez um débil esforço para erguer a cabeça, exclamando com voz apagada e destacando as palavras: “Oh! mamãe, mamãe! Sim, sim, vejo a estrada radiosa. Como é bela! Como tudo resplandece!” A voz se lhe extinguiu num fraquíssimo sussurro incompreensível, do mesmo passo que o globo se elevava de um salto, atingia o teto e desaparecia. A cabeleira anelada da menina recaiu sobre os travesseiros. Percebi-lhe no corpo ligeira contração dos músculos, os dedos se lhe relaxaram, o pulso se tornou imperceptível, dos lábios se lhe escapou ligeiro suspiro, enquanto o seu rosto de anjo se fazia branco, branco como o linho. Ajoelhei-me, deixando correr as lágrimas que se me estrangulavam na garganta. Achava-me ali a sós com a minha morta.

Cruzei-lhe sobre o peito as mãozinhas e maquinalmente consultei o relógio: eram duas e trinta da madrugada. Estando eu ainda ajoelhado, a porta do camarote abriu-se e entraram o capitão e, em seguida, o primeiro e o segundo oficiais e mais dois oficiais substitutos. O capitão aproximou-se do leito, pôs a mão na fronte da morta e, voltando para mim, disse:

“Já o esperava.” E acrescentou: “Doutor, não acredito absolutamente em fantasmas, nem nos Espíritos, ou coisas semelhantes, e acho que entre nós não há quem acredite. Isto, porém, não obsta a que eu e estes quatro oficiais declaremos ter assistido, neste instante mesmo, a alguma coisa de extraordinário e essa “alguma coisa” era tão distinta e real, que exclui qualquer possibilidade de ilusão. Vimos um globo de luz azulada, que parecia um fogo de Santelmo em tempestade. Apareceu por sobre as nossas cabeças, no pequeno salão de fumar, e, estando nós a olhá-lo, atravessou o salão, dirigindo-se para a porta. Aí, parou um instante; depois, encaminhou-se para a porta deste camarote, onde desapareceu. Ouvindo isso, disse eu aos meus companheiros: “Rapazes, a nossa angélica criança acaba de morrer, neste momento.”

No comovente episódio que se acaba de ler, a particularidade teoricamente mais sugestiva está no fato de o globo luminoso ser visto pelo capitão e pelos oficiais de bordo, além de mostrar o mesmo globo, que o doutor e a menina moribunda viram, ser guiado por uma intencionalidade bem definida, pois que se dirigiu do salão dos oficiais para a porta do beliche onde, naquele momento, expirava a menina confiada aos cuidados do capitão, fazendo-se assim mensageiro de sua morte. Nenhuma dúvida, portanto, acerca da gênese transcendental da manifestação.

Mas, que representava aquele globo luminoso? Note-se que na coletânea dos casos mediúnicos, não são raros os em que, tanto os “Espíritos dos defuntos”, como os “Espíritos dos moribundos” aparecem aos percipientes sob a forma de globos luminosos e já numa de minhas monografias citei bom número de casos dessa natureza. Dentre eles destaca-se o episódio de uma mãe que, no momento mesmo em que o filho expirava, viu escapar-se-lhe da cabeça um globo luminoso que se elevou rapidamente e desapareceu no teto do aposento. Lembro também que o Dr. Baraduc conseguiu fotografar esse globo luminoso ao morrer sua própria esposa. Deve-se, portanto, deduzir que no caso em apreço o globo de luz azulada, guiado por uma vontade definida e visto coletivamente por seis pessoas, representava, a seu turno, uma das formas em que se manifestam os Espíritos dos defuntos e sob a qual se manifestou aos oficiais de bordo a mãe defunta da menina que se extinguia, ao mesmo tempo em que se manifestava a esta última em forma humana, com o intuito de dar-se a conhecer.

Assinalarei ainda a frase do relator ao dizer que, quando a menina entrou em agonia, ele experimentou a inexplicável sensação de uma presença, no beliche, conquanto nada visse em torno de si. Essa misteriosa sensação de “uma presença” é muito comum nos casos de telepatia no momento da morte, nos das “manifestações de defuntos” e nos dos fantasmas que se apresentam em “casas ou localidades assombradas” e concorre eficazmente para demonstrar a natureza “objetiva” do fantasma que se manifesta, subentendendo uma ação telepática sobre o percipiente, da parte do mesmo fantasma.

Note-se também que são freqüentes os casos em que o percipiente, absorto numa leitura ou noutro qualquer lugar, não daria pelo fantasma, se este não o levasse telepaticamente a voltar-se para o lado em que se produzia a manifestação. Esta última circunstância – a do fantasma não ser visível senão no ponto para o qual o percipiente é levado a olhar, por influência do mesmo fantasma – se transforma em ótima prova a favor da objetividade dos fantasmas que assim se comportam.

De outro ponto de vista, assinalo que no caso ora considerado foram seis as pessoas que, com a agonizante, observaram coletivamente uma ou outra fase das manifestações supranormais que se produziram, sendo que quatro dentre elas, que não se achavam no lugar onde o falecimento ocorria, o que viram foi um fenômeno dirigido por uma vontade ostensiva. Ora, em tais condições, ocioso se torna discutir a hipótese alucinatória.

Isto posto, chegou o momento de declarar que, conquanto nas páginas precedentes – apenas por não querer ficasse sem resposta as objeções dos opositores – eu tenha continuado a discutir sobre a hipótese alucinatória, mesmo depois de haver informado que os professores Richet e Morsélli eram concordes em considerá-la inaplicável às manifestações supranormais subconscientes, coletivamente observadas, convém insistir no fato de que, em semelhantes circunstâncias, essa hipótese é literalmente gratuita e arbitrária, uma vez que não se conhecem exemplos de verdadeiras e legítimas alucinações coletivas que tenham por origem uma influência contagiosa de transmissão telepática do pensamento. Nos tratados de Psicopatia encontram-se exemplos de alucinações coletivas, mas unicamente em coletividades fanatizadas por contágio místico, o que exclusivamente se dá por sugestão verbal e nunca por transmissão telepática do pensamento, o que equivale a dizer que entre as duas ordens de fenômenos um abismo se interpõe. É, portanto, inexplicável que os opositores persistam em valer-se de tão arbitrária extensão da hipótese alucinatória e que entre os que desse recurso se têm valido figurem nomes de eminentes pesquisadores, quais Podmore, Marcel Mangin, Eric Dingwal e o famigerado Professor Jastrow.

No rol deles, porém, não se conta o Prof. Richet que, no seu Tratado de Metapsíquica, repetidas vezes explana o tema das percepções coletivas de fantasmas, excluindo categoricamente a interpretação alucinatória dessas percepções. Assim, por exemplo, à página 321, observa: “Há monições sem dúvida objetivas: as percebidas coletivamente. Em tais circunstâncias, bem difícil é, para não dizer impossível, que não se haja exteriorizado qualquer coisa de objetivo, análoga aos fenômenos ordinários, que nos impressionam os sentidos normais...” Adiante (pág. 438): “Quando duas pessoas normais e de raciocínio perfeito descrevem o mesmo fantasma, impressionando-se simultaneamente e permutando simultaneamente suas impressões, as mais das vezes no momento mesmo em que a aparição se apresenta, fora absurdo presumir uma dupla alucinação idêntica, inteiramente subjetiva...” E, de maneira ainda mais explícita, à pág. 752: “Se se tratasse de um único caso do gênero, ou de um único percipiente, poder-se-ia acreditar numa alucinação, ou numa ilusão; mas, em realidade, semelhante explicação seria nimiamente infantil. Falam de alucinação para, com um vocábulo bastante cômodo, se desembaraçarem de um fato incomum, que perturba a nossa quietude científica; semelhante modo de proceder, no entanto, é, em verdade, por demais simplista. Chegam até a falar de “alucinações coletivas”; mas não existem alucinações coletivas; os alienistas desconhecem tal fenômeno...

Lembrarei, finalmente, que há um grupo de episódios análogos, em que é de ordem sucessiva a percepção do fantasma, o que quer dizer que um mesmo fantasma é percebido na mesma localidade por diversas pessoas, em épocas diferentes, ignorando cada pessoa o que as outras observaram. Casos são estes que infligem última e definitiva derrota aos propugnadores da hipótese alucinatória estendida aos casos de percepção coletiva de fantasmas.

*

Antes de passarmos a citar exemplos concernentes à categoria que, do nosso ponto de vista, é a mais importante, a das “aparições de defuntos algum tempo depois de serem tais”, julgo necessário referir-me a alguns fenômenos de outra natureza, tratados por mim numa monografia especial, os quais, se bem não ofereçam provas da presença de defuntos identificáveis, se produzem sob modalidades tais, que logicamente absurdo se torna o atribuírem-se os fatos a façanhas de personificações sonambúlicas, combinadas com os poderes da subconsciência.

O primeiro exemplo que apresento pertence à coleção dos casos de telecinesia a grande distância. Tiro-o dos Proceedings of the S. P. R., vol. VIII, pág. 218. Relatou-o a Sra. Anna Davies, conhecida pessoalmente por F. W. Myers, que escreveu a narrativa do caso, conforme lhe foi verbalmente contado por ela, que subscreveu o relato.

“... Uma noite fui procurada por uma certa Sra. Brown, nossa vizinha, que me deu uma caria proveniente da Índia e endereçada à Sra. J. W., pedindo-me que lha fizesse chegar por intermédio de meu irmão, que costumava encontrar-se com o irmão daquela senhora. Ao que parece, houvera demora e, talvez, descuido da Sra. Brown no encaminhar ao seu destino a carta. Tomei-a, prometendo entregá-la imediatamente a meu irmão. Era uma carta suja, de formato normal, com sobrescrito evidentemente traçado por pessoa inábil. Pula sobre a lareira da ante-sala e me sentei pouco distante, à espera de meu irmão. É bem de ver-se que semelhante carta não me podia interessar de maneira alguma. Decorridos poucos minutos, comecei a perceber certo batido característico sobre a coberta da lareira, o que me fez vir à mente que talvez alguém houvesse trazido para baixo um velho relógio existente no quarto de minha mãe. Levantei-me para certificar-me e verifiquei que ali não havia relógio nenhum, nem tão-pouco em qualquer lugar do aposento. Aquele batido, tão claro e vibrante, parecia vir do interior da carta! Fortemente surpreendida, tirei-a dali e a coloquei em cima da mesa de centro, depois sobre outros móveis. Mas, onde quer que eu a pusesse, o batido persistia, provindo, invariavelmente, do lugar em que de cada vez a colocava. Passou-se, assim, cerca de uma hora, ao cabo da qual, não me sentindo disposta a suportar por mais tempo tão espantoso mistério, passei para a sala contígua, a esperar meu irmão. Quando ele afinal chegou, levei-o à ante-sala e apenas lhe perguntei se percebia qualquer coisa. Ao que, sem hesitar, respondeu: “Ouço o bater de um relógio de bolso, ou de um despertador.” Como já eu disse, não havia na sala relógio de espécie alguma. Ele, então, guiado peso som, se aproximou do lugar onde estava a carta e exclamou: “Ora esta! o batido vem desta carta!” Pusemo-nos ambos a escutar; em seguida, tomamos da carta e a levamos de um lugar para outro, até que nos persuadimos, de modo absoluto, de que o batido provinha dela, embora o envelope só contivesse uma simples folha de papel. Era singular a impressão que nos produzia aquele batido: soava para nós como um apelo urgente à nossa atenção. Não me recordo se meu irmão expediu a carta à Sra. J. W. naquela mesma noite (a hora já ia adiantada), ou na manhã seguinte. O fato é que ela participava à destinatária a morte de seu marido, devida a um ataque de insolação, e fora escrita por um empregado seu, ou por um seu companheiro de viagem. É fora de dúvida que aquele batido inexplicável teve por fim compelir-nos a expedir a carta com mais pressa do que a usual.”

O irmão da Sra. Davies confirmou essa narração nos termos seguintes:

“... Quando entrei, achei a carta sobre a lareira. Assim eu, como minha irmã, percebemos claramente um batido semelhante em tudo ao de um relógio. Permanecemos longo tempo a escutá-lo. Produzia-se tão próximo da carta, que parecia provir do seu interior. Nada nos foi dado descobrir que pudesse, de qualquer maneira, desvendar o inexplicável mistério.” (L. A. Davies).

Este episódio pertence a um grupo de casos em que fenômenos do mesmo gênero ocorrem no momento preciso do recebimento de uma carta em que se participa ao destinatário a morte de um parente, fenômenos que, as mais das vezes, se dão sob a forma de uma série de pancadas, ou da queda de quadros, ou do retinir de campainhas ao longe, ou do despedaçamento de espelhos. Myers faz ressaltar a importância de tais fenômenos, do ponto de vista da possibilidade de os defuntos terem, às vezes, conhecimento de sucessos terrenos que lhes dizem respeito. É, com efeito, manifesto que, chegando-se a demonstrar que as coincidências dessa natureza se repetem com relativa freqüência, já elas não se podem explicar por meio de hipóteses exclusivamente anímicas, tendo-se em conta que, nos casos do gênero, a hipótese telepática fica fora de questão, pela circunstância de elas se darem quando já passados vários dias depois de ocorrida a morte.

Daí se segue que, no caso em apreço, eliminada a telepatia, não se sabe a que outra hipótese recorrer, para explicar o misterioso batido que se fazia ouvir próximo a uma carta em que havia a participação de um caso de morte, carta que, com efeito, não interessava aos percipientes, que, entretanto, tiveram a impressão de que aquela manifestação singular significava ser urgente a sua expedição à destinatária, em vez de continuar esquecida, como estivera durante algum tempo, em casa de outrem.

Frisado este ponto, repito quanto hei dito precedentemente, isto é, que, se bem do caso citado não ressaltem provas da presença de defuntos identificáveis, ele, contudo, se produziu sob modalidades bastante eloqüentes, no sentido da presença de uma intencionalidade dirigente do fenômeno, de modo a se tornar logicamente absurdo pretender-se explicar o fato com as hipóteses de que dispõem os “animistas totalitários”. Efetivamente, com que hipótese o explicariam? É evidente que se trata de um fenômeno “auditivo-objetivo”; mas, por que se produziu? Mesmo quando se presumisse que a energia indispensável a tal efeito provinha da percipiente, por possuir esta as qualidades mediúnicas necessárias, porque se teria o fenômeno produzido aquela única vez em sua vida e só diante de uma carta retardada, em que havia participação de morte? Convenhamos em que há coisa diversa nessa manifestação; mas já se compreende que, do ponto de vista científico, os fenômenos de tal natureza apenas adquirem valor teórico sob a condição de serem considerados cumulativamente com todos os outros da mesma natureza, assim como com os outros aqui contemplados. É por isso que me decidi a apreciar um deles, a título de exemplo, no presente trabalho.

*

Passo a referir um episódio constante da minha monografia sobre Fenômenos de transporte, em que figuram incidentes em que se notam características sugestivas de intervenções exteriores. Espero que essa monografia venha um dia a ser traduzida em inglês ou em francês e que então alguns eminentes cultores das pesquisas psíquicas, ainda duvidosos da existência de semelhantes fenômenos, dela se convençam baseados em fatos. Faço notar a propósito que, na classificação dos casos, me ative rigorosamente à regra de afastar todos os fenômenos conseguidos em plena obscuridade, exceção feita dos obtidos por solicitação, ou nos quais a natureza excepcional do objeto trazido tornava impossível qualquer prática fraudulenta. Em seguida, limitei-me a enumerar exclusivamente fenômenos de transporte conseguidos em plena luz, ou com luz suficiente.

Declaro, por fim, que se trata de uma categoria de fenômenos por mim experimentalmente pesquisados a fundo, durante um período nada breve de dez anos, com dois médiuns particulares, amigos meus caríssimos, apaixonados cultores de pesquisas psíquicas, assim como sócios do Círculo Científico Minerva, de Gênova, e logo depois investigados, também por mim, durante outros doze anos, com a célebre médium Eusápia Paladino.

E foi precisamente Eusápia Paladino quem me ofereceu o primeiro ensejo de discutir a tese segundo a qual, em bom número de fenômenos de transporte, se apresentam modalidades de manifestação inconciliáveis com a interpretação “anímica” dos mesmos fenômenos.

É este o curioso fato a que me refiro, ocorrido numa sessão a que não assisti, mas que tive de discutir longamente no dia seguinte com as três pessoas que nela tomaram parte.

Meu amigo Félix Avelino, secretário do Círculo Científico Minerva, desejando obter manifestações de caráter íntimo, em relação com a personalidade de um parente que se materializara na noite anterior, por intermédio de Eusápia Paladino, dispusera as coisas de maneira a realizar com ela uma sessão muito íntima, na sua própria residência. À sessão assistiram apenas ele, sua irmã e uma estudante russa, também sócia daquele Círculo. Na casa ninguém mais se achava, pois que a família do amigo Avelino andava em vilegiatura. Dito isso, entro a transcrever a parte do relato, concernente ao fenômeno de transporte que foi conseguido. Escreve Avelino:

“Setembro, 5. – ... A médium, por mim controlada, estava à minha direita e, à sua esquerda, minha irmã...

Ao fim da sessão, quando já fora obtido o que se desejava em matéria de fantasmas materializados, eis que do alto cai rumorosamente no meio da mesa qualquer coisa volumosa e pesada. Estendo o braço, palpando a mesa, e ponho a mão num objeto que não tardo a identificar como um grande pão, dos de quatro pontas denominado de “pasta soda”.

Desejando ver e analisar melhor aquele transporte, pedi a “John” permissão, que ele me concedeu, para acender a luz; mas, com geral surpresa, iluminada a sala, verificou-se que nada havia sobre a mesa. Procuramos por baixo desta, revistamos os mais recônditos ângulos do aposento, averiguamos o interior dos móveis e, afinal, as duas senhoras presentes apalpam a médium por todo o corpo. Tudo inútil, o pão não apareceu.

Só me restava recorrer a “John”, a quem pergunto se porventura fora ele que o escondera.

Dando forte pancada na mesa, respondeu pela afirmativa. Pedi-lhe então, vivamente, que mo restituísse, para que eu o mostrasse aos membros da minha família e aos meus amigos. Foi esta a resposta de “John”: “Pertence ao padeiro aqui do lado. Se te interessa reavê-lo, dá-me dois soldos.” Tirei imediatamente do bolso dois soldos e lhe pedi que os apanhasse. Ele ordenou tiptologicamente: “Apaga a luz.” Assim fiz e, ao mesmo tempo, formamos a cadeia. Eu controlava Eusápia com a mão esquerda e, segurando entre os dedos da mão direita a moeda de dois soldos, ergui o braço. Desce do alto uma mão e me arranca dos dedos a moeda. Transcorrem mais ou menos vinte segundos e outra queda rumorosa sobre a mesa se faz ouvir, idêntica à que anteriormente ouvíramos. Acesa de novo a luz, vemos diante de nós o grande pão de “pasta soda” desaparecido alguns momentos antes. Quanto à moeda de dois soldos, esta se foi de uma vez; não a encontramos em parte alguma.”

Para completar esse caso magnífico de transporte do mesmo objeto, fora de desejar que, na manhã seguinte, se houvesse tentado a prova de uma investigação junto ao padeiro que “John” indicara. Mas, ao meu amigo Avelino não passou pela idéia tentá-la, por se lhe afigurar que nenhum resultado daria, tratando-se, como se tratava, de uma bodega muito desordenada, cujo proprietário não se teria apercebido nem da falta de um pão, nem da existência, em caixa, de uma moeda a mais.

Apesar disso, esse tríplice fenômeno de transporte se conserva muito interessante, além de muito bem preservado de qualquer imputação de fraude. Tratava-se, com efeito, de um grande pão, que não era fácil de esconder-se sob as saias da médium, nem poderia escapar ao apalpamento a que a submeteram as duas senhoras presentes. Cumpre ainda observar que uma médium que lograsse realizar fraudulentamente o primeiro grande transporte, de certo não se aventuraria a fazê-lo desaparecer, correndo o risco de ser apalpada, como realmente foi. Note-se também que, quando ergueu o braço com a moeda entre os dedos, Avelino sentiu que uma mão descida do alto lha arrebatou, gesto que não podia ser efetuado por uma médium que se achava sentada e segura pelas mãos.

Resta comentar o ato de honestidade a toda prova implícito no fenômeno de transporte de um pão pertencente a outrem, ato de honestidade posto em evidência pela resposta do Espírito-guia “John”. Esta circunstância me vai oferecer oportunidade para demonstrar que as modalidades sob as quais se produzem os fenômenos em foco são inconciliáveis, na sua maioria, com a interpretação “anímica”. Por ora, pondero que essa correção de procedimento com relação à propriedade de outrem constitui regra geral para as personalidades mediúnicas que presidem aos fenômenos de transporte e essa notabilíssima característica, combinada com a de carecerem de valor comercial os objetos trazidos, o demonstra de forma impressionante. Daí decorre que, do ponto de vista da gênese presumível de boa porção dos fenômenos de transporte, aquelas circunstâncias assumem enorme importância teórica, conforme se verá pelas considerações apostas ao caso que me limito a referir e que me foi transmitido pelo professor Richet. Para ilustrar os fatos, reproduzo um trecho da carta na qual o meu grande amigo falecido me enviou o relato do mencionado caso.

“Caro Colega,

... Comunico-lhe aqui um fato que cabe inteiramente nos seus escritos sobre os fenômenos de transporte.

É inédito esse fato. Se lhe interessar, pode publicá-lo.

A pessoa que me escreveu esta memorável história é um dos meus excelentes amigos, em quem deposito absoluta confiança.

É o Visconde Saul De Vitray, neto da célebre Condessa de Ségur (Rostopchine em solteira), que tantos livros encantadores escreveu para as crianças...

Parece-me belíssima esta narrativa (inédita).

Infelizmente, o Conde e a Condessa De Vitray não continuaram suas experiências. Após o transporte de seu filhinho, tiveram medo e cessaram...

– Relato do Visconde Saul De Vitray-Ségur:

“Estas as manifestações que se produziram em Buenos Aires, no ano de 1891.

Quatro éramos os que nos reuníamos para interrogar a mesa: exercício que considerávamos simples passatempo.

As sessões se efetuavam num compartimento amplo, fracamente clareado por uma luz exterior, o que ocasionava relativa obscuridade, que, entretanto, permitia a fiscalização respectiva dos nossos movimentos. No curso de uma dessas sessões, pousou sobre a mesinha um grande punhado de fresquíssimas “violetas de Parma”, flores e hastes entrecruzadas. Podiam pesar uns cem gramas.

Perguntamos à mesa donde provinha semelhante mimo em pleno inverno e a resposta foi que procediam de Mar Del Plata, retiro estival dos habitantes de Buenos Aires, distante mais de 250 quilômetros dessa capital.

Em face do nosso espanto, acrescentou a mesa: “Para fazer que as flores aqui penetrassem, eu lhes decompus a matéria e em seguida a reconstitui.”

Essa explicação aumentou o nosso interesse, pelo que solicitamos: “Traze-nos uma nota de banco.”

Transcorridos alguns momentos, uma pancada seca nos avisou de que o fenômeno se operara. Vimos, com efeito, sobre a mesa uma nota de banco, inteiramente nova, de cinco centavos, valor mínimo da moeda naquela época.

Já isso constituía um belo resultado; entretanto, pedimos: “Traze-nos uma nota de banco de 1000 piastras.”

A esse pedido respondeu a mesa: “Não posso, porque seria um furto. Trouxe-vos uma nota de cinco centavos, que tirei da casa forte de um Banco, porque considero insignificante o dano causado; com uma soma avultada, não posso operar.”

Animados com os resultados obtidos, continuamos a interessar-nos pelo divertimento e, a pedido nosso, os mais diversos objetos existentes no aposento voavam e vinham pousar sobre a nossa mesinha. Quando o leve rumor causado pelo objeto trazido nos advertia de que o fenômeno se produzira, acendíamos a luz e verificávamos o prodígio. Ainda a pedido nosso, os mesmos objetos, bibelôs de toda espécie e chaves tiradas de fechaduras, voltavam a seus lugares.

Acontecia às vezes que, a pedidos que fazíamos insistentemente, nenhuma resposta era dada por muitas horas; a longa espera, porém, não nos cansava e prosseguíamos no nosso interessante passatempo.

Numa de tais sessões, que já durava havia três horas e se prolongou até às onze da noite, a mesa, evidentemente enfadada com a nossa insistência, ordenou: “Vão cear e depois voltem aqui.”

Erguemo-nos, a rir e pilheriar, e nos dirigimos para a sala de jantar, situada ao fundo de uma fileira de quartos, dos quais o primeiro era o nosso de dormir e, ao mesmo tempo, o das nossas sessões. Aí dormia o nosso filho, na sua caminha de ferro, cercado de alta grade. O nosso pequeno Paulo, que a guerra de 1914 nos arrebataria para sempre, tinha então nove meses e ainda não andava.

Para melhor apreciar-se o que se segue, direi que, a mandado meu, a ama se recolhera ao seu quarto e que no apartamento nenhum empregado dormia. Na casa, só estávamos com o menino nós quatro invocadores do Espírito.

Acabada a ceia, tomei de uma lâmpada de petróleo e, precedendo os demais, encaminhei-me para o quarto das sessões, onde, como já disse, havíamos deixado nosso filhinho a dormir. Ao chegar, porém, ao quarto contíguo, dei de improviso com o meu Paulinho acocorado junto de uma cadeira, no meio do aposento, com os olhos fechados, tontos de sono.

Esse espetáculo inaudito arrancou de todos nós exclamações de terror. Evidentemente, a criancinha fora transportada para aquele lugar por uma “força desconhecida”.

Esse acontecimento imprevisto e preocupante deu causa a que desistíssemos para sempre das nossas experiências.”

(Assinado): Visconde Saul De Vitray-Ségur.

Tal o interessantíssimo relato que me enviou o professor Richet. Aí, o fenômeno do transporte do menino, de um quarto para outro, é indubitavelmente importante; mas, do ponto de vista teórico, a sua importância é muitíssimo inferior à do outro fenômeno do transporte de uma nota de banco de ínfimo valor, combinado com a resposta que os experimentadores obtiveram, quando pediram lhes fosse trazida uma segunda nota de valor elevado, resposta que corresponde exatamente à de que já tratei, obtida nas nossas experiências de Gênova com Eusápia Paladino. Ora, tudo isso concorre para tornar mais evidente a existência de uma questão formidável a resolver-se, relativa à gênese dos fenômenos de transporte, os quais, por serem de ordem física, pareciam destituídos de qualquer valor teórico, em sentido espiritualista. Mas, ao contrário, os episódios do gênero deste acima exposto e a própria natureza dos objetos trazidos, sempre carentes de valor comercial, tendem a sugerir conclusões bem diversas.

Limitar-me-ei a demonstrá-lo e, com esse escopo, cumpre começar observando que os opugnadores da hipótese espirítica, quando discutem sobre transporte, se valem precisamente da circunstância de carecerem sempre de valor comercial os objetos trazidos, para insistirem na afirmativa dos fenômenos de que se trata não podem ter por origem senão um ato de vontade subconsciente. E, em apoio dessa afirmativa, fazem ressaltar, como absurdo e inverossímil, que uma entidade espiritual nada de melhor ache para presentear os vivos, senão uma pedra, um ramalhete, uma pérola falsa e assim por diante. Pois bem: para quem atente bastante nas coisas, essa circunstância de fato se revela, ao contrário, como sendo a mais formidável objeção que se pode infligir à tese da origem subconsciente dos fenômenos de transporte.

Importa, antes de tudo, lembrar que as personalidades mediúnicas explicam o fato da tenuidade e do nenhum valor dos objetos trazidos, ponderando, acordemente, que isso se dá por não lhes ser lícito roubar, e acrescentam às vezes que facilmente poderiam conduzir objetos de valor, sem dono, mas que não lhes é permitido fazê-lo, por não poderem prestar-se a satisfazer a baixas ganâncias de lucro.

Reconheço que uma análise superficial das explicações aduzidas leva a considerá-las “magras desculpas” que as personalidades sonambúlicas subconscientes propinam aos tolos; uma análise, porém, mais aprofundada das referidas explicações leva, ao invés, a conclusões diametralmente opostas. Reflitamos um momento.

Com efeito, para que se houvesse de procurar a explicação totalitária dos fenômenos de transporte na hipótese anímica, o que vale dizer: nos poderes inerentes à subconsciência humana, é manifesto que, em tal caso, não deveriam existir, na escolha dos objetos a trazer de fora, outras restrições além das relativas ao volume e ao peso deles. Significa isto que, se as vontades do médium e dos presentes se conjugassem acordemente, objetivando o transporte de um objeto, este se transportaria a seus pés, o que, sobretudo, devera ocorrer, indiferentemente, tanto no caso de pertencer a um dos presentes o aludido objeto, como no de pertencer a estranhos; quer se tratasse de uma moeda de cobre, quer de uma de ouro; assim com relação a uma pérola falsa, como a uma verdadeira. Mas, ah! todos sabem que não existe semelhante equivalência entre os objetos trazidos, isto é: quando um experimentador deseje o transporte de uma moeda de bronze, de um especial cartão de visita, de uma pérola falsa, verá com bastante freqüência satisfeito o desejo que manifestar; quando, porém, deseje, ainda que fortemente, o de uma moeda de ouro que não lhe pertença, ou de uma nota de banco pertencente a outrem, ou de uma pérola genuína existente numa joalheria, nunca poderá esperar seja satisfeita a sua solicitação. Por quê? Por quê? Que relação existe entre um fenômeno mediúnico de ordem física e os ditames da ética? Não é evidente que se alguma relação há, o fato se torna literalmente inexplicável por meio da hipótese do subconsciente? E não é, ao contrário, evidente também que a relação de que se trata se mostra plausibilíssima como base das explicações que dão as personalidades mediúnicas? Em outros termos: se a gênese dos fenômenos de transporte fosse puramente anímica, os tesouros contidos nos escrínios de terceiros poderiam ser transportados para junto dos experimentadores que os desejassem; mas, como semelhante portento, embora desejadíssimo por bom número de médiuns e experimentadores, nunca se realizou, nem se realizará jamais na prática, de que modo se hão de explicar, sem exorbitar da hipótese anímica, as severas restrições de ordem moral que presidem aos transportes? Com franqueza, quando se reflete serenamente sobre as misteriosas circunstâncias em apreço, não é logicamente lícito se persista em não querer admitir intervenções espirituais em tais fenômenos.

Para evitarem-se equívocos, observo que estas considerações não devem considerar-se fundadas sobre os dois casos que citei a título de exemplos, pois que são deduzidas dos resultados de oitenta anos de experiências sobre fenômenos da ordem dos que apreciamos. Os dois casos citados valem por melhor evidenciarem a verdade das mesmas considerações, devido às respostas explícitas que deram em tal sentido as personalidades mediúnicas que operavam, assim como pelo transporte efetivo de uma nota de banco de valor ínfimo, prova positiva de que as mesmas personalidades podiam – se o quisessem – trazer outras de qualquer valor. Daí a inevitável conclusão de que, se o não faziam, outra explicação não se podia dar, senão a explicação moral implícita nas respostas dos dois Espíritos-guia, um dos quais pediu lhe dessem em moeda o valor do transporte pedido, dizendo o outro que o transporte de notas de banco de grande valor equivaleria a um furto, que ele “não podia praticar”. Estas últimas palavras contêm uma afirmação resolutiva, corroborando as considerações expendidas. Por que, de fato, não podia ele operar, quando se tratava de uma nota de alto valor? Quem lhe impedia? Não parece claro que essas palavras equivalem exatamente às afirmações de tantas outras personalidades mediúnicas, que informam “não poderem fazê-lo, porque entidades espirituais superiores lho interdizem”? Então, não se é obrigado a reconhecer, em homenagem à lógica, que, se os fenômenos de transporte se produzissem com auxílio das faculdades supranormais subconscientes, as cobiças dos médiuns e dos presentes dariam em resultada virem-lhes aos pés os tesouros pertencentes a outros?

Considere-se também que, no modo de proceder das personalidades mediúnicas, outra particularidade há, sobremaneira eloqüente, em sentido espiritualista. É que elas igualmente se recusam a trazer objetos de valor que a ninguém pertençam, declarando que lhes é defeso fazê-lo, por não deverem prestar-se a satisfazer a baixas ganâncias. Como se há de explicar, com a hipótese do subconsciente, esta outra escrupulosidade, por assim dizer, exagerada das personalidades mediúnicas, no observarem as austeras regras de uma moralidade imaculada? Pretender-se-á, porventura, que tão admiráveis aplicações de moral evangélica sejam dons comuns a todas as personalidades integrais subconscientes? Respondo que jamais poderei entender que na subconsciência de um ladrão arrombador de cofres exista uma personalidade tão pura e ilibada, que se recuse a conceder-lhe a posse de bens que a ninguém pertençam.

Há, porém, ainda mais a assinalar, quanto a isso. Se se refletir que os metapsiquistas materialistas consideram as personalidades mediúnicas criações efêmeras do pensamento coletivo dos presentes, reconhecer-se-á mais que enorme a absurdidade de atribuir-se a personalidades fictícias de tal natureza princípios morais não somente sublimes, como igualmente em flagrante contraste com as vontades coletivas geradoras das citadas personalidades. E, se quiséssemos apelar para a outra hipótese propugnada por alguns deles, segundo a qual as personalidades mediúnicas seriam manifestações proteiformes da “personalidade integral subconsciente” dos médiuns, personalidade essa provida de faculdades supranormais capazes de produzir os fenômenos de transporte, ainda teríamos de perguntar porque uma personalidade integral subconsciente, destinada a extinguir-se com a morte do corpo, se mostraria tão evangélica, tão moralmente austera, tão indiferente ao bem-estar da seção consciente de si mesma, desde que esta última, como a primeira, é destinada a extinguir-se com a morte do corpo? Infinitamente mais lógicos eram os romanos da decadência, quando exclamava: “Embriaguemo-nos de vinho e de amor, saboreemos os prazeres que a riqueza proporciona, uma vez que a vida é breve e tudo acaba com a morte.”

Quando, finalmente, se quisesse recorrer à única hipótese logicamente sustentável, aceitando a sobrevivência (portanto a espiritualidade) da personalidade integral subconsciente, para, em conseqüência, lhe atribuir a produção em massa dos fenômenos de transporte, mais que verossímil seria então supô-la dotada de uma correspondente elevação moral. Mas, restaria sempre a resolver uma questão literalmente inconciliável com a moral imácula de que a queiram dotar: é que não se saberia como explicar que semelhante personalidade integral houvesse de mentir constantemente, insulsamente, infamemente, disfarçando-se em uma série de Espíritos desencarnados ligados aos presentes pelos laços da afeição.

É certo que na prática se dão em grande cópia mistificações de tal natureza, devidas à invasão nefasta dos “pseudomédiuns”; mas, nesses casos, não se trata da “personalidade integral subconsciente” dos médiuns e sim de uma efêmera personalidade sonambúlica (é sabido, com efeito, que a “personalidade integral subconsciente” só emerge nos estados de profunda hipnose e que não é sugestionável). Assim sendo, segue-se que não se poderia dotar com o atributo sublime de imaculada moralidade uma “personalidade sonambúlica” extremamente sugestionável, destituída de vontade, destinada a existir por uma hora, para em seguida dissipar-se no nada.

Convenhamos, pois, em que tudo concorre para demonstrar que não se poderia cogitar de uma prova mais eficaz do que a que aqui consideramos, para demonstrar, baseado em fatos, a intervenção de entidades espirituais na produção dos fenômenos de transporte.

Concluo, portanto, convidando os propugnadores extremados do “animismo totalitário”, a esclarecer-se a respeito, prevenindo-os de que, se responderem acolhendo como incontestáveis as minhas conclusões (e não pode ser de outro modo), mas objetando que não conhecem como autênticos os chamados fenômenos de transporte, eu me declararei plenamente satisfeito, nada mais pedirei, nem de mais coisa alguma cuidarei, uma vez que fatos são fatos e sabem impor-se por si mesmos, a despeito de tudo e de todos, como o demonstra a História de todos os tempos.

*

No intuito de demonstrar cada vez melhor que todos os fenômenos metapsíquicos podem ser “anímicos” ou “espiríticos”, conforme as circunstâncias, devido ao fato de que essas duas grandes categorias de fenômenos têm como causa o espírito humano, nas duas fases, de encarnação e de desencarnação, em que o dito espírito chega às vezes a manifestar suas faculdades supranormais, oportuno torna-se-me fazer notar que também nos fenômenos da “clarividência sobre o futuro” se apresentam características que não se podem atribuir aos poderes da subconsciência, sem contar que os fenômenos de tal natureza levam, por si mesmos, a inferir-se que existe no homem um espírito que sobrevive à morte do corpo.

Duas longas monografias publiquei sobre o assunto, nas quais foram classificados e comentados 214 casos de premonição, autopremonição, vaticínios e profecias, de sorte que me acho em condições de poder pronunciar-me, com conhecimento de causa, sobre o formidável tema, donde repontam conclusões importantíssimas de ordem metapsíquica, psicológica e filosófica. Desta última ordem é a prova da existência indubitável de um “fatalismo relativo” (não absoluto, veja-se bem) nas vicissitudes dos indivíduos e dos povos. A tão grande mistério – de que tratei demoradamente nas duas monografias citadas – terei ocasião de voltar mais adiante, ao comentar o terceiro dos episódios aqui relatados e que dizem respeito a um impressionante grupo de “premonições de morte acidental, cujas vítimas não se salvam, por tácito ou expresso consentimento da causa operante”. Acrescento que essa característica é de regra nos vaticínios de morte.

Eis um primeiro episódio notabilíssimo desse gênero, do qual foi protagonista o relator William Stead. Publicou-o em seu número de janeiro de 1909 a Fortnightly Review e o extraio do prefácio que Stead escreveu para o seu livro: Letters from Julia. Narra ele:

“Faz alguns anos, tinha eu como colaboradora uma senhora de grande talento, mas de temperamento desigual e de saúde precária. Seus modos se tornaram tão intoleráveis, que, em janeiro, estava a pensar seriamente em livrar-me dela, quando “Júlia” escreveu pela minha mão:

“Mostra-te longânime com E. M., que antes do fim do ano deverá estar aqui conosco.”

Fiquei espantado, pois que nada nela fazia pressupor tal coisa, Guardei para mim o aviso e desisti de mandá-la embora. O fato ocorrera, se bem me recordo, a 15 ou 16 de janeiro.

Em fevereiro, março, abril, maio e junho o aviso me foi repetido. De cada vez, a mensagem vinha como conclusão de uma comunicação mais longa: “Lembra-te de que E. M. terá de morrer antes do fim do ano.”

Em julho, E. M. engoliu casualmente um alfinete, que se lhe fixou no intestino, pondo-a gravemente enferma, a ponto de seus médicos assistentes desesperarem de salvá-la. Entrementes, perguntei a “Júlia”: “É esse o acidente que previas, quando me anunciaste a morte de E. M.?”

Com grande surpresa minha, recebi a seguinte resposta:

“Não; ela se curará; mas, ainda assim, terá de morrer antes do fim do ano.”

Efetivamente, E. M., com espanto dos médicos, se restabeleceu e, dentro em pouco, volveu à suas ocupações. Em agosto, setembro, outubro e novembro, foi-me repetido o aviso. Em dezembro, E. M. adoeceu de “influenza”.

Perguntei a “Júlia”: “É chegado o momento?”

“Não; ela não virá para cá por efeito de morte natural; mas virá antes de findo o ano.”

Eu me sentia consternado, mas sabia bem que nada obstaria a que o fato se desse.

Veio o Natal. E. M. não passava nada bem. Quando chegou o fim do ano, ela ainda vivia. “Júlia” então me disse:

“Poderei ter-me enganado de alguns dias, porém, o que anunciei acontecerá.”

A 10 de janeiro, “Júlia” me comunicou: “Vai amanhã visitar E.M., toma as providências adequadas ao caso e despede-te dela, porque não mais a verás na Terra.”

Fui visitá-la. Tinha febre e tosse insistente pois iam transportá-la para o hospital, a fim de lhe ser prestada melhor assistência. Conversou comigo sobre projetos que trazia em mente com relação a trabalhos que lhe cumpria executar. Quando me despedi, perguntei a mim mesmo se “Júlia”, ainda dessa vez, não se teria enganado.

Dois dias depois, recebi um telegrama no qual se me informava que E. M., num acesso de delírio, se atirara do 4° andar ao solo, onde se tornara cadáver.

A data do triste acontecimento ultrapassara de alguns dias os doze meses estabelecidos na primeira mensagem.

A autenticidade de tudo o que afirmo é comprovada pelos manuscritos de todas as mensagens originais e pelos atestados que firmaram os meus dois secretários, aos quais, sob promessa de segredo, eu comunicara os avisos de “Júlia”.”

É teoricamente notabilíssimo esse caso e o nome de quem o refere é garantia absoluta da sua autenticidade em todos os mais minuciosos pormenores.

Apontarei de passagem a circunstância de que das duas vezes que a pessoa indicada cai enferma antes do cumprimento do vaticínio, Stead julga chegado o momento fatídico e não obstante recebe resposta negativa, circunstância contrária à gênese subconsciente da mensagem premonitória e favorável à independência espiritual da personalidade de “Júlia”, visto que, se assim não fosse, a ação auto-sugestiva não teria deixado de exercer-se sobre o Eu subconsciente de Stead, levando-o a confirmar tudo quanto o Eu normal pensava.

Observarei; ao demais, que, da resposta de “Júlia”: “E. M. não virá para cá por efeito de morte natural”, ressalta que ela, além de consciente do fim próximo da senhora em questão, estava plenamente informada sobre o gênero trágico da morte que a aguardava, circunstância que oferece matérias de graves reflexões, pois que dela resulta que, se “Júlia” houvesse confiado o fato a Stead, este certamente houvera salvado da morte a enferma, providenciando para que a vigiassem. Surge então espontânea a pergunta: “Por que não o fez “Júlia”?” “Por que, podendo-o, não quis proferir uma palavra com que salvasse da morte uma pessoa?” Este o perturbador mistério para cuja elucidação uma só explicação se prestaria: Fazê-lo era vedado a “Júlia”, por não ser permitido a um Espírito obstar ao curso dos destinos humanos. Eis-nos, assim, em cheio na hipótese “fatalista”.

Finalmente, as mesmas considerações facultam ótimo argumento contra a hipótese da origem subconsciente de todas as premonições. Quando, com efeito, assim fosse, não se explicariam as reticências análogas à que acima anotamos, tendo-se em vista que para um Eu subconsciente não podem existir inibições superiores que o impeçam de salvar da morte uma pessoa, revelando o que saiba. Posta a quentão nestes termos, que outra razão aduzir para explicar os numerosos episódios em que se destacam reticências semelhantes? Em vão seria procurada, porquanto nenhuma pode existir.

Conforme eu disse, nas minhas monografias se contêm variadíssimos episódios do gênero deste, todos altamente sugestivos no mesmo sentido. Não podendo inseri-los num trabalho de síntese como este, me limito a escolher e citar, dentre eles, mais dois casos importantes.

O que se segue (68º nas minhas monografias) é bastante longo e circunstanciado, pelo que vou resumi-lo. Foi investigado pelo professor James Hyslop, que conheceu pessoalmente a percipiente.

Trata-se de uma mãe a quem morrera uma filhinha no incêndio do seu berço. Ora, aconteceu que desde agosto de 1897 até a hora fatal, em dezembro desse ano, a mãe da menina teve contínuos avisos supranormais do trágico acontecimento que a sobrepairava, mas sempre de forma bastante vaga para resultarem inúteis. Começaram os ditos avisos com um sentido obscuro de “prova dolorosa” para a família inteira, sentido que se renovou e intensificou a tal ponto, que levou a percipiente a falar do caso ao marido. Depois, uma voz subjetiva se fez ouvir, aludindo, veladamente, à natureza da “prova”, ou seja, à morte da criança, “que não mais precisaria de vestidinhos, de sapatinhos, de brinquedos, etc.” Em seguida, vem uma primeira alusão, também obscura, à causa da morte, sob forma olfativa, em virtude da qual a percipiente sentia cheiro de queimado, sem causa aparente, impressão que um dia se concretizou na visão complementar de um berço em chamas. Daí, os temores da percipiente se voltaram, de modo obsidente, para a idéia de perigo com relação aos fósforos e, na véspera do dia fatídico, foi ela presa de um impulso irresistível para destruir os mais perigosos, o que, entretanto, não fez, devido a uma intempestiva reflexão. Afinal, no momento da catástrofe, ouviu uma voz que lhe aconselhava “virar o colchão” (sob o qual presumivelmente ficara perdido um fósforo), operação que costumava fazer sempre, mas que naquela ocasião não fez, descuido e irresolução que sugerem fortemente qualquer coisa de fatal na “prova” a sobrevir.

Ressalta, portanto, que, se a percipiente teve a representação subjetiva de todos os elementos integrantes do quadro da catástrofe, tal se deu de maneira tão desastrada e confusa, que lhe impediu de concretizá-la numa percepção sintética reveladora do significado premonitório dos mencionados elementos; que, se o significado fora compreendido, conjurada estaria a catástrofe; mas... provavelmente, aquela desalinhada representação tinha a sua razão de ser.

Como quer que seja, também neste caso é patente que a personalidade mediúnica ou subconsciente estava perfeitamente a par do gênero de morte acidental que ameaçava a criança, de sorte que ainda desta vez surge espontânea a pergunta: “Por que a personalidade mediúnica, em lugar de prevenir vagamente do perigo de incêndio, ou de aconselhar, de modo igualmente vago, que virassem o colchão, não informou que debaixo deste havia fósforos espalhados, salvando assim a vida da menina?” Pretender-se-á, porventura, que as primeiras frases tenham sido telepaticamente transmitidas do subconsciente ao consciente e que a última haja ficado impérvia às vias de transmissão telepática? Como ninguém ousará sustentar tão absurda tese, forçoso será concluir que, em tais circunstâncias, não é de presumir se trate de personalidades subconscientes (as quais nenhum motivo teriam para esconder o que soubessem, desde que, falando, salvariam da morte uma pessoa cara), mas, sim, de entidades espirituais, às quais, por motivos imperscrutáveis, porém perfeitamente concebíveis, não é permitido obstar ao curso dos destinos humanos, só lhes sendo lícito, algumas vezes, avisar as vítimas do destino, por meio de frases vagas, reticentes, oraculares, indecifráveis, até que o acontecimento se dê, com o intuito de criar nas vítimas designadas um estado de temor benéfico, no sentido de predispô-las para o que vai acontecer.

Referirei agora um terceiro exemplo de “premonição de morte acidental”, donde ressalta, mais que nunca, indubitável a existência de uma fatalidade na vida, mediante a qual unicamente se podem explicar as reticências e os simbolismos que manifestamente objetivam não embaraçar a execução dos decretos do Destino. O vaticínio de morte que vou relatar se mostra de grande importância, sobretudo pelo lado probante, visto ser a data recentíssima e ter sido formulado por dois sensitivos, sem nenhuma ligação entre um e outro. Dá-se ainda que um deles insistiu sobre o mesmo acontecimento durante 14 sessões, depois de tê-lo anunciado 31 meses antes que se realizasse. Acrescente-se que, por uma ironia da sorte e por ordem supranormal, esse vaticínio de morte foi comunicado à vítima pelo sensitivo percipiente, que ignorava quem fosse o que teria de morrer. A vítima designada, ignorando, por sua vez, que o fato lhe dizia respeito, tomou dele nota cuidadosa, com o fim de lhe pesquisar de forma científica o desenvolvimento. Era o Dr. Gustave Geley, diretor do Instituto Metapsíquico de Paris.

O primeiro de tão memoráveis vaticínios ocorreu, sem ser procurado, nas experiências de “metagnomia” a que o Dr. Eugênio Osty procedia com diversos sensitivos. Escreveu ele:

“Ponho fim à presente enumeração de premonições de morte acidental, citando fragmentariamente as frases de um vaticínio, cujo desenvolvimento acompanhei por três anos, sem me aperceber, até verificar-se o fato, de quem era a pessoa a que ele se referia.”

(Extratos dos relatórios das sessões hebdomadárias de premonições, com a sensitiva-clarividente Mme. Peyroutet).

18 de março de 1922 – “... O senhor toma parte regularmente num jantar em que só homem se senta à mesa. Um deles empreenderá uma viagem e sofrerá um acidente seguido de morte...” (Eu participei regularmente de um só jantar periódico – o de 13 de cada mês – ao qual unicamente homens compareciam. Esse jantar foi combinado em junho de 1914 e éramos quinze os comensais, todos interessados nas pesquisas psíquicas e, na sua maioria, amigos. O Dr. Geley, diretor do Instituto Metapsíquico, era do número).

24 de abril de 1922 – “... Morte de um amigo seu, por desgraça acidental. Haverá queda e morte. É um homem de ciência...”

21 de maio de 1922 – “... O senhor saberá da morte de um amigo seu, devida a acidente grave. Serão duas as mortes...” (O Dr. Geley era o único passageiro do aeroplano que no dia 14 de julho de 1924 se precipitou ao solo, na Polônia. Ele e o piloto morreram imediatamente).

15 de julho de 1922 – “... Vejo sempre ao seu derredor a morte de um homem de ciência, seu amigo. Mas, em que consistirá a catástrofe?... Haverá duas mortes...”

23 de setembro de 1922 – “... Oh! doutor, vejo sempre ao seu lado este acontecimento de morte por acidente, que poderá dar lugar a um oferecimento que lhe será feito e que mudará a sua carreira profissional...” (Para os que o ignoram, direi que foi em seguida à morte do Dr. Geley que me propuseram assumisse eu a direção do Instituto Metapsíquico).

20 de janeiro de 1923 – “... O senhor virá a saber da morte, por acidente, de um homem de ciência... Morte súbita. Dupla morte, depois de uma viagem a país distante.”

17 de fevereiro de 1923 – “... Sempre acidente e morte de um homem de ciência muito seu conhecido. Acidente e morte por ocasião de uma partida.”

17 de março de 1923 – “... Oh! ser-lhe-á comunicada uma morte acidental, por fratura do crânio... Vejo uma morte que será para o senhor causa de alguma coisa como uma nova tarefa, um trabalho novo...”

21 de abril de 1923 – “... Oh! essa morte de um homem de ciência está sempre ao seu lado! Doutor, o senhor certamente não tem a intenção de subir num aeroplano, não é?”

1º de dezembro de 1923 – “... Oh! que triste notícia de morte o espera! Morte acidental por uma queda! Duas mortes. Aproxima-se o dia do senhor a receber. É sua amiga essa pessoa...”

22 de março de 1924 – “... Não tardará muito que saberá da morte de um homem de ciência, a quem o senhor conhece muito. Um doutor dará uma queda. Acidente de automóvel, ou de qualquer outra coisa, longe, longe, durante uma viagem...”

4 de abril de 1924 – “... Em torno do senhor há um fato de morte, que continuo a ver sempre. Morte acidental, no estrangeiro; qualquer coisa como uma embarcação que afundará...”

31 de maio de 1924 – “... Morte acidental de um homem muito seu conhecido. Morte por ocasião de uma partida, em pais estrangeiro...”

9 de julho de 1924 – “... Será uma morte que surpreenderá grandemente. Morte acidental. Partida durante uma viagem. Morte de um homem de ciência, que revolucionará a sua existência...”

Observa neste ponto o Dr. Osty:

“Cinco dias depois desta última sessão (14 de julho de 1924) o Dr. Geley partia de Varsóvia em aeroplano e logo depois a máquina se precipitava, causando-lhe a morte, assim como ao piloto. No dia 19 de julho, a vidente, Mme. Peyroutet, tornou a falar, pela última vez, da morte acidental, que a obsediava em todas as sessões, comigo, mas dessa vez assinalou a morte como ocorrida.” (Revista Metapsíquica. 1930, pág, 50-52).

Antes de comentar o inolvidável episódio exposto, cumpre-me reproduzir um outro relativo ao mesmo caso de premonição de morte acidental ainda distante e que, como o primeiro, ocorreu espontaneamente, mas de forma “auditiva”, tendo por percipientes o conhecido escritor, metapsiquista e também sensitivo-clarividente Pascal Forthuny. Numa conferência que fez, em maio de 1926, no Instituto Metapsíquico, tratou ele do caso nos seguintes termos:

“Sim, tenho a certeza absoluta de que, em muitas circunstâncias, o futuro é previsível para o clarividente... Se todos os clarividentes tivessem o cuidado, que hei tido sempre, de datar e conservar os textos de suas profecias, depositando-as em lugar seguro, para depois, a seu tempo, confrontá-las com os pormenores do acontecimento realizado, poderiam todos testificar, com plena consciência, que a previsão do que há de dar-se não é uma hipótese, porém realidade indiscutível, porque cem vezes verificada.

Limitar-me-ei agora a divulgar um de tais documentos-prova, referente a uma profecia trágica, da qual, desventuradamente, me tocou a mim ser o comunicante.

Um dia, no silêncio e na solidão do campo, estava eu no meu escritório, absorto numa composição poética, quando, de improviso, me ressoou ao ouvido uma voz autoritária a me ordenar fosse sem demora ao Instituto Metapsíquico, em Paris, comunicar ao Dr. Gustave Geley que eu fora prevenido da morte próxima de um médico francês na Polônia, vítima de um desastre de aviação. Obedeci, partindo imediatamente para Paris, onde me dirigi à residência do Dr. Geley, que era na própria sede do Instituto. Ele acabara, naquele momento, de jantar com a família e se achavam todos na respectiva sala. Fui acolhido com a costumada gentileza e expus sem demora o motivo da minha visita, narrando o que a “voz autoritária” me revelara. Faço notar que, então, o diretor do Instituto Metapsíquico nenhuma intenção tinha de ir à Polônia. Perguntou-me ele bruscamente: “E de quem e trata?” Foi-me dito depois que, a essa pergunta, eu visivelmente empalidecera. Como quer que seja, eu não sabia de quem se tratava, pois que não me fora declinado o nome da vítima. Mas aquela pergunta me deixou confuso. Procurei despertar as minhas faculdades pré-cognitivas. Pareceu-me que conseguia e mencionei um nome: o de um doutor ilustre. Enganei-me no que dizia respeito à pessoa; o Destino não me quis revelar completamente o seu segredo. Decorridos três meses o Dr. Geley se achava em Varsóvia; propuseram-lhe regressar de aeroplano a Paris e ele aceitou. Após um quarto de hora de vôo, o aeroplano se precipitou ao solo, ficando horrivelmente esfacelados os dois que nele viajavam. Da minha trágica profecia, verídica, se bem que incompleta, fora feito um registro por escrito, no momento em que a participei ao Dr. Geley, e esse documento encontramos entre os papéis do nosso desditoso amigo.” (Revue Métapsichique, 1926, página 368).

O trágico acontecimento de que se trata, percebido 31 meses e 3 meses antes por dois videntes, com todas as particularidades necessárias a assinalar infalivelmente a vítima designada, mas somente depois que o fato ocorresse, pode considerar-se conclusivo para demonstrar a existência de uma classe de premonições capazes de indicarem as vítimas de catástrofes acidentais, portanto, imprevisíveis, o que, do ponto de vista da hipótese fatalista, adquire enorme importância.

Procedamos, porém, com ordem. Antes de tudo, importa acentuar que o vaticínio em questão corresponde, de modo irrepreensível, a todas as exigências da documentação científica: de um lado, há 14 relatos do Dr. Osty, por ele escritos em face dos apontamentos tomados durante as sessões; do outro lado, há o relato de Pascal Forthuny, comprovado pelo testemunho de membros da família da vítima, bem como por um documento no qual a profecia foi registrada, na ocasião, pela própria vítima que o vaticínio designava. Deve-se, pois, concluir que, do ponto de vista probante, o caso em apreço é positivamente “crucial” em todos os seus minuciosos pormenores, dado que todas as particularidades que o constituem foram registradas muito tempo antes que o acontecimento se desse.

O professor Richet, citando o caso em seu livro L’Avenir et la Prémonition (O futuro e a premonição), conclui com a observação seguinte: “Verdadeiramente, a mim me parece que, depois da leitura desse íntimo episódio, deveria ser logicamente impossível duvidar ainda da existência da lucidez premonitória”. Assim é, com efeito, e a ninguém escapará a enorme importância teórica que apresenta o fato de possuir-se ainda que um só caso de “premonição de morte por acidente em longo prazo”, mas que corresponda às mais severas exigências científicas e se demonstre literalmente invulnerável, não só a todas as objeções legítimas, como também a todas as sutilezas sofísticas dos opositores misoneístas.

Firmado este ponto, se se compararem os dois vaticínios, verificar-se-á que no primeiro, notabilíssimo pela insistência com que a vidente volvia ao aviso de morte, faltam deles pormenores importantes que, ao contrário, se notam no segundo, os em que o vidente Pascal Forthuny não somente chega a designar qual o gênero de morte acidental que aguardava a vítima, isto é, morte pela queda de um aeroplano, como a precisar que o desastre se daria na Polônia. Contrariamente, no caso do Dr. Osty, a vidente não mencionou o nome do “país distante”, em que a catástrofe ocorreria, nem determinou de que gênero era a morte que esperava a vítima, tanto que foi levada a adivinhar, apontando um “presumível desastre de automóvel, ou de qualquer coisa assim”; depois, indicando “qualquer coisa, como o afundamento de uma embarcaçãozinha”. Entretanto, uma vez teve ela a intuição da verdade, pois que perguntou ao Dr. Osty: “Doutor, o senhor, de certo, não tem a intenção de subir em aeroplano, não é?” Esta pergunta comprova que no momento ela teve a intuição verídica do gênero da catástrofe que se preparava.

Em compensação, no curso da reiteração insistente que a premonição assumiu, depara-se com grande número de pormenores minuciosamente verídicos. De fato, a vidente começara por anunciar que a vítima era um doutor e um homem de ciência, amigo do Dr. Osty; que esse doutor participava, com o último, de um jantar periódico, a que só assistiam homens. Depois, acrescentara repetidas vezes que a morte prevista teria uma causa acidental e seria determinada por uma queda, na ocasião de uma partida; que haveria dois mortos; que o fato se daria durante uma viagem a terras distantes; e, finalmente, acrescentara repetidamente o pormenor preciso de que a morte do amigo do Dr. Osty daria lugar a que este último recebesse uma oferta que o levaria a tomar a si uma nova tarefa, de que resultaria verdadeira revolução na sua carreira.

O outro vaticínio, o de Pascal Forthuny, é menos difuso nos pormenores secundários, mas os essenciais nele se encontram todos, salvo naturalmente o nome da vítima, conquanto a entidade comunicante se haja expressado de maneira a demonstrar que sabia quem era aquele que tinha de morrer. Com efeito, a “voz autoritária” ordenara ao sensitivo que fosse imediatamente a Paris, comunicar a premonição de morte ao Dr. Gustave Geley, o que quer dizer: exatamente àquele que havia de morrer! Daí se segue, manifestamente, que a “voz autoritária” tinha consciência de coisas que não quis revelar e, assim sendo, é-se levado a concluir logicamente pela forma já antes formulada tantas vezes, isto é, que, de um lado, não podia tratar-se de uma premonição originária da subconsciência do sensitivo, pois, em tal caso, não existiriam motivos para que o Eu subconsciente de Pascal Forthuny calasse um pormenor que houvera salvado da morte um seu amigo; enquanto que, de outro lado, se há de concluir que, tendo-se a entidade espiritual comunicante abstido de revelar o pormenor mais importante da premonição, confirmava ulteriormente, com essa abstenção, tudo o que já se chegara a saber, mediante a análise comparada dos casos em questão, ou, seja, que não é lícito às entidades espirituais obstarem a que os destinos humanos se cumpram.

Como vimos, quando o Dr. Geley perguntou subitamente ao sensitivo quem era o que tinha de morrer, o sensitivo, não se achando em estado de lucidez, fiou-se na inspiração e proferiu erroneamente o nome de outro doutor, fato a cujo propósito observa: “O Destino não me quis revelar todo o seu segredo.” Foi exatamente assim, porquanto, se lho houvesse revelado, o Dr. Geley teria tido o cuidado de não subir num aeroplano em Varsóvia, furtando-se desse modo ao próprio destino. Como quer que seja, desse ponto de vista deve-se ponderar que a “voz autoritária” avançara demais – por assim dizer – na revelação das particularidades da catástrofe, pois, além de haver revelado que se tratava de um médico francês, amigo do Dr. Osty, que também era homem de ciência, pormenorizou que a morte se daria na Polônia, devida a uma catástrofe de aeroplano. Estas particularidades determinam com tanta precisão tudo quanto aconteceria, que é de causar surpresa não se houvesse o Dr. Geley lembrado de coisa alguma quando, na Polônia, decidiu-se a aceitar o oferecimento, que lhe fizeram, de regressar em aeroplano. Farei notar, entretanto, a propósito, que são freqüentes, em análogas circunstâncias, essas fatais “amnésias”, em relação às premonições de morte. Note-se também que a fatalidade do que sucedeu ainda mais patente se mostra, desde que se reflita na circunstância de que o Dr. Geley nenhuma intenção tinha de regressar de aeroplano a Paris. Como, porém, manifestasse o desejo de partir com urgência, visto ter de ir a Londres, para iniciar experiências de “fotografia transcendental”, foi-lhe sugerido viajar de aeroplano, sugestão que ele fatalmente aceitou.

Dever-se-ia então inferir que, para a realização do vaticínio de morte acidental, concorreu um conjunto de “coincidências fortuitas”; porém... talvez mais próximo da verdade se esteja, observando que tais “coincidências fortuitas” só na aparência existiam. Dir-se-á, antes, que uma misteriosa vontade exterior interveio, sugestionando telepaticamente várias pessoas, entre as quais a vítima, a fim de que todas as coisas fossem dispostas de maneira que os decretos do Destino se cumprissem.

E para quem quer que haja analisado e comparado bom número de manifestações desse gênero, não pode haver dúvida quanto à verdade incontestável das conclusões acima expostas, de sorte que, cedo ou tarde, os representantes do saber, assim como os povos da Terra terão de convencer-se de que uma fatalidade existe. Ao mesmo tempo, dou-me pressa em acrescentar que a análise comparada dos fenômenos premonitórios concorre eficazmente para demonstrar que, se é certo que uma fatalidade paira sobre os destinos humanos, com respeito às grandes linhas do seu desenvolvimento, igualmente certo é que ela deixa uma latitude de ação mais ou menos ampla (segundo a madureza espiritual de cada indivíduo) para o exercício do livre-arbítrio, no tocante às iniciativas pessoais. Fatalidade relativa, portanto, e nunca absoluta. Já eu disse e repito: “Nem livre-arbítrio, nem fatalismo absolutos governam a existência encarnada do Espírito, mas liberdade condicionada.”

Em reforço de tais conclusões, julgo oportuno citar um trecho de carta que o professor Richet me escreveu, poucos meses antes de sua morte, carta que publiquei na revista inglesa Psychic News (30 de maio de 1936), na qual ele, respondendo a considerações minhas acerca do fatalismo, me declarava francamente a sua opinião, nestes termos:

“Sou inteiramente do seu parecer: não creio, com efeito, na explicação simplista segundo a qual os acontecimentos da nossa existência e a direção da nossa vida são devidas exclusivamente ao acaso, embora não seja possível apresentar prova nesse sentido. O Fado existe, o que equivale a dizer: uma Força que nos guia e conduz aonde bem lhe pareça, por vias indiretas, tortuosas e muitas vezes estranhas. E, também fora da direção da vida, há coincidências tão estonteantes, que é bem difícil não se veja a obra de uma intencionalidade. (De quem? De quê?)...”

(Em seguida a essas considerações, o Professor Richet me referia algumas surpreendentes “coincidências”, ocorridas com ele pessoalmente, mas que me abstenho de relatar, em respeito à palavra “confidencial”, que as precedia).

Essa a opinião de um eminente fisiologista, nos últimos anos da sua longa e operosa existência – quer dizer: depois de meio século de pesquisas e meditações sobre os fenômenos da “clarividência no futuro”, considerados em relação às formidáveis questões filosóficas do livre-arbítrio e do fatalismo. Rejubilo-me, portanto, com o haver ele, a seu turno, acabado por aderir à única solução racional do enorme mistério, solução que consiste em reconhecer-se a validade de ambas as questões em apreço e em reconhecer-se, pois, a existência de duas leis espirituais antagônicas, a governarem o mistério do Ser, antagônicas, mas disciplinadas, condicionadas, harmônicas entre si, de modo a prevalecer uma ou outra, segundo a elevação espiritual de cada indivíduo.

Não menos verdadeiro é que, reconhecendo a existência de uma fatalidade na vida, defrontamos com outro mistério perturbador, concernente a certos decretos do Destino, considerados em relação à concepção humana de Justiça Eterna. Observa-se, com efeito, que, muito freqüentemente, o Destino fere os benfeitores da Humanidade – inclusive Jesus de Nazaré, Sócrates, Joana d’Arc – e os fulmina no momento em que eles desempenham com mais eficiência suas missões. No nosso caso, o Destino abateu, em pleno vigor da varonilidade, o mais insigne sustentador da sobrevivência, cientificamente entendida, donde reponta, em todo o seu conturbado aspecto, uma formidável interrogação: “Como explicar o fato de o Destino haver fulminado um grande apóstolo da causa espiritualista, no instante mesmo em que tudo fazia prever que, com o seu gênio e o vasto saber que possuía, em breve tempo ele houvera conquistado para aquela causa o mundo científico, resolvendo, em sentido espiritualista, o problema do Ser? Por que?... Por que?...”

Em face de tanto mistério, nada mais resta senão aceitar a explicação contida na seguinte mensagem psicográfica, obtida por uma médium inglesa:

“Provavelmente, a atividade do grande sábio espiritualista foi de súbito interrompida pela morte porque, em virtude da sua obra, se teria percorrido com demasiada rapidez a senda que conduz à demonstração científica da sobrevivência, determinando, em conseqüência, gravíssima crise para vigentes instituições religiosas e uma perturbação geral à coletividade civil, ainda imatura para acolher uma Verdade a que é preciso se chegue gradativamente, por lenta evolução através do século vinte. Assim sendo, ele terá sido chamado à existência espiritual, o que, do nosso ponto de vista, circunscrito e errôneo, parecerá um mal infligido a uma vítima inocente, quando, na realidade, é um bem e um galardão deferido a quem cumprira todo o seu dever na Terra. A existência terrena é um insignificante parêntese, diante da existência espiritual.”

Atingido este ponto e não podendo alongar-me mais a citar casos, informo que, no grupo das “premonições de acontecimentos mortuários, cujas vítimas não se salvam, por tácito ou expresso consenso da causa atuante”, um “subgrupo” se contém de auto-premonição de morte devida a causas acidentais, em que, igualmente, as vítimas vão de encontro ao destino que as aguarda, porque a mensagem supranormal é dada sob forma oracular, ou simbólica, ou reticente, de maneira a não permitir que quem quer que seja lhe interprete o significado, enquanto não se haja verificado o acontecimento.

Mais do que nunca, portanto, evidente se torna que essa categoria de premonições as isenta, em absoluto, de uma gênese subconsciente; mas, se houver quem de tal duvide, eu o convido a refletir que, então, forçoso lhe será postular a existência subconsciente de um “Eu integral” que se reconhece imortal e age de acordo com essa convicção, o que, do nosso ponto de vista, viria a dar no mesmo. E tudo isso pela consideração de que, nos casos de auto-premonição de morte, fora insensato admitir-se a existência de um “Eu subconsciente”, destinado a extinguir-se com a morte do corpo, senhor de si e do próprio destino e que, consciente da sorte fatal que paira sobre o seu “Eu consciente” – portanto, sobre si mesmo – e podendo salvá-lo da morte com o lhe transmitir informações exatas relativamente ao perigo que o ameaça, dele, ao contrário, as oculte cuidadosamente, ou lhas ministre em símbolos impenetráveis, até que o fato haja ocorrido, com o intento preciso de deixá-lo morrer e de deixar-se morrer. Uma vez reconhecido o absurdo lógico de semelhante interpretação dos fatos, segue-se que também no caso em que as premonições de que se trata tivessem origem na subconsciência dos videntes, ser-se-ia conduzido igualmente a reconhecer que as reticências intencionais em questão correspondem a uma finalidade ultraterrena. Por estas razões os que propugnam a origem subconsciente de todas as premonições seriam obrigados racionalmente a admitir a existência de um Eu integral, cônscio da sua imortalidade, a agir de acordo com essa certeza. Acrescentemos que os opositores a que nos referimos teriam de admitir também que, se o Eu integral subconsciente oculta, sob véus simbólicos, o sucesso de morte que paira sobre o seu Eu consciente, portanto sobre si mesmo, ele deve saber igualmente que o dito sucesso é preestabelecido, inexorável, fatal. Daí decorre que os propugnadores da subconsciência onisciente não poderiam furtar-se a admitir – de bom ou mal grado – as hipóteses Espiritualista e Fatalista.

Opostamente, quando se reconheça que as premonições de tal natureza não podem realizar-se senão por obra de entidades espirituais, logo se consegue explicar de modo claro e natural, visto não existirem dúvidas teóricas que impeçam se admita que um “Espírito desencarnado”, preso pelos laços da afeição a um vivo ameaçado de um acontecimento doloroso, se esforce por avisá-lo disso, telepaticamente. E se tal coisa constantemente se dá dentro dos limites de uma representação parcial ou simbólica, capaz apenas de fazer que o vivo o entreveja, de modo a criar nele um estado de temor benéfico, tendente a predispô-lo para o que vai acontecer, tudo se explica com as circunstâncias de fato aqui consideradas. Quer isso dizer que o Espírito comunicante é levado a conter-se em determinados limites, para não obstar ao curso inexorável dos destinos humanos, seja porque o que acontece deve acontecer em benefício da suposta vítima, seja porque lhe é defeso fazê-lo.

Vem daí que, por meio de inferências rigorosamente deduzidas dos fatos, chegamos a conclusões espiritualistas sumamente importantes, que se podem resumir nas três seguintes proposições:

Em primeiro, que os fenômenos premonitórios do gênero considerado, como todos os outros fenômenos supranormais, podem ser anímicos ou espíritas, conforme as circunstâncias;

Em segundo, que dos mesmos fenômenos ressalta indubitável a existência de uma fatalidade na vida, se bem que em combinação com uma dose conveniente de livre-arbítrio e em proporções diversas, acordemente com os graus que os indivíduos hajam galgado na escala ascendente da espécie humana;

Em terceiro, que, nas premonições de morte, se apresenta constantemente uma particularidade muito sugestiva, a de serem elas transmitidas em forma oracular, ou simbólica, ou reticente, de maneira a torná-las impenetráveis aos interessados, enquanto o acontecimento não se tenha dado, como se o agente transmissor cuidasse de maneira especial de não obstar, com a sua intervenção, ao curso dos destinos humanos e quisesse apenas fazer que a vítima ou os seus familiares entrevejam a “prova” dolorosa que lhes está preparada, com o fim de criar neles um estado de temor benéfico no sentido de predispô-los para a dita prova. Tudo isso demonstra que, em tais conjunturas, o agente transmissor não pode ser o subconsciente do médium, ou do sensitivo.

Finalmente, tomemos nota de que as premonições de casos de morte, da qual as vítimas não se salvam, por tácito assentimento da causa atuante, não podendo ser atribuídos nem a “inferências subconscientes”, nem a “personalidades subconscientes”, nem, ainda menos, ser explicados por meio das inefáveis hipóteses da “quarta dimensão” ou do “eterno presente”, em face das razões acima enumeradas, forçam necessariamente a concluir-se que uma parte dos casos premonitórios não é e nunca será explicável, se antes não se admitir a existência e a sobrevivência do espírito humano. E esta conclusão se impõe à razão, com a evidência de uma comprovação de fato.

*

Sempre com o objetivo de demonstrar, baseado nos fatos, que todos os fenômenos supranormais, sem exclusão de nenhum, podem ser anímicos ou espíritas, conforme as circunstâncias, vejo-me forçado a indicar também os fenômenos de psicometria, que pareceriam interpretáveis exclusivamente com os poderes supranormais da subconsciência, tendo em conta as modalidades sob as quais se produzem e que consistem em que, se se puser um objeto nas mãos de “sensitivos especiais”, eles lhe revelarão a história, ou descreverão a da pessoa que longamente o usou. Mistério profundo, de certo modo, mas que não impede se afirme, sem medo de errar, que nada existe, em metapsíquica, melhor comprovado e de mais fácil comprovação, do que os fenômenos de psicometria. Não sendo oportuno o momento para me alongar sobre o assunto, limitar-me-ei a recordar que publiquei uma extensa monografia sobre Os Enigmas da Psicometria, à qual envio quem quer que deseje enfronhar-se em tão formidável problema.

Tendo de cingir-me à tese aqui considerada, observarei que também os fenômenos de psicometria, como os fenômenos premonitórios, podem ser espiríticos, mesmo quando não haja indícios aparentes de intervenções estranhas. É o que se dá no episódio a seguir, o qual, pelas modalidades com que se desenvolveu, até pareceria uma ótima prova em contrário e como tal o considerou quem o obteve. Entretanto, se se quiser investigá-lo a fundo, descobrir-se-á nele uma particularidade aparentemente desprezível, mas que assume importância resolutiva em sentido espiritualista. Trata-se de um caso muito conhecido, mas, dado o seu valor teórico, deve ter um lugar neste capítulo de síntese geral tendente a desfazer o erro nefasto de pretender-se que a hipótese espirítica se funda unicamente nas bases inseguras dos casos de identificação pessoal dos defuntos.

Dito isto, passo a referir o famoso caso Lerasle, investigado magistralmente pelo Dr. Osty. (Annales des Sciences Psychiques, 1914, pág. 97, e 1916, pág. 130)

No dia 17 de março de 1914, o Sr. Mirault, residente em Cours-les-Barres (Cher), comunicava ao Dr. Osty que, havia quinze dias, era procurado inutilmente um velho de nome Lerasle, que, tendo saído para um passeio, não mais voltara. Primeiro os parentes e amigos, depois 80 pessoas reunidas pelo síndico, havia perlustrado metodicamente, por muitos dias, as circunvizinhanças, sem resultado algum. Nessa conjuntura, o Sr. Mirault enviava ao Dr. Osty um lenço de cambraia pertencente ao velho e lhe pedia consultasse a respeito uma das suas clarividentes. O Dr. Osty remeteu o lenço à Sra. Morel, sem explicação nenhuma. A sonâmbula descreveu minuciosamente a pessoa do velho desaparecido, de que modo estava vestido, a localidade onde residia, o caminho que percorrera na floresta no dia do seu desaparecimento, declarando, por fim, que o via próximo a um regato, cercado de mato denso. Organizaram novas buscas orientadas pelas informações da sonâmbula e quase de súbito descobriram o cadáver do velho Lerasle. Tudo o que a sonâmbula afirmara ou descrevera era escrupulosamente exato, exceção feita de um pormenor: ela vira o cadáver “deitado sobre o lado direito, com uma perna dobrada”, quando, em realidade, jazia em decúbito dorsal, com as pernas estendidas. Nas três consultas feitas à sonâmbula, essa visão se produziu três vezes de forma idêntica. Na segunda consulta, a sonâmbula acrescentava estas informações: “Ele não avança muito pela floresta... Sente-se mal, deita-se, morre...”

Essa tríplice visão errônea, conjugada à última frase transcrita, é de assinalar-se pelo seu grande alcance teórico, como vou demonstrar.

Antes de tudo, assinalo que o episódio em exame é um caso clássico de “criptestesia psicométrica”, verdadeiro e legítimo, em que não se percebem indícios de intervenção extrínseca. Todavia, desde que se investigue qual a modalidade de “criptestesia” que melhor corresponde à explicação do mesmo caso, fica-se perplexo e embaraçado, uma vez que o incidente da tríplice visão errônea da sensitiva tende a excluir todas as formas em que se manifesta a “criptestesia” propriamente dita. Vejamos.

Se se supuser tratar-se de um fenômeno de “visão à distância”, logo se nota que, em tal caso, resultaria inexplicável o tríplice erro de visualidade em que cai a sensitiva, vendo o cadáver deitado sobre o lado direito, com uma perna dobrada, quando ele jazia deitado de costas e com as pernas estendidas, o que demonstra de forma resolutiva que não podia tratar-se de visão à distância.

Pela mesma razão, tem-se igualmente de excluir a hipótese da exteriorização do “corpo fluídico” da sensitiva, pois que, do contrário, esta teria, indubitavelmente percebido o cadáver na posição em que jazia.

Ainda pela mesma razão, tem-se de excluir a hipótese da “telestesia”, porquanto, se o objeto entregue à sensitiva houvesse servido para estabelecer a relação psíquica entre ela e o cadáver a ser descoberto, ela o perceberia qual estava.

Nem tão-pouco se poderia sustentar a hipótese da “memória das coisas” (psicometria ou metagnomia tátil), visto que no lenço que pertencera ao desaparecido não podiam existir traços de acontecimentos ocorridos depois que aquele o usara pela última vez, ao passo que a outra circunstância, dos parentes e dos vivos tudo ignorarem a respeito, impõe a exclusão da hipótese de uma presumível relação psíquica estabelecida entre a subconsciência da sensitiva e a subconsciência de um vivo distante, ao corrente dos fatos.

Não resta, pois, senão a hipótese psicométrico-espirítica, segundo a qual a influência contida no lenço que pertencera ao velho Lerasle servira para estabelecer a relação com o seu Espírito, pondo-o em condições de transmitir telepaticamente à sensitiva uma série de imagens pictográficas tendentes a revelar a dolorosa história que lhe acontecera e tudo isso com o intento de conduzir à descoberta do cadáver. Ora bem: é neste ponto que o erro de visão em que cai a sensitiva se transforma numa admirável prova indutiva, em favor da interpretação espirítica dos fatos. Assim é, com efeito, pela consideração de que, se o informante da sensitiva foi o “Espírito do defunto”, tudo concorre para supor-se que a errônea imagem pictórica por ela percebida proveio realmente do defunto, com a última recordação sua do momento fatal em que se deitou sobre o lado direito e, havendo adormecido, passou do sono à morte.

É lógico supô-lo, pelas seguintes considerações: em primeiro lugar, porque o deitar-se de um lado é a posição natural que toma quem se dispõe a dormir; em segundo lugar, porque, ao sobrevirem os movimentos espasmódicos da agonia, o corpo do defunto, em virtude desses movimentos, acabou por tomar a posição supina (que é a posição de equilíbrio estável em que acaba por enrijar-se um corpo agitado por movimentos convulsivos), sendo então óbvio presumir-se que o moribundo se achasse em estado comatoso e que, por conseguinte, não se lembrasse disso como “espírito”. Nada, portanto, de mais natural do que, três vezes seguidas, haver transmitido à sensitiva a imagem pictórica do próprio cadáver jazendo sobre o lado direito, com uma perna encolhida, imagem verídica da sua última recordação terrena.

Segue-se que, aceita essa versão dos fatos (a única verossímil e capaz de explicá-los), o tríplice erro de visualidade, em que caiu a sensitiva, se converte em ótima prova a favor da tese sustentada, que é a de uma provável intervenção extrínseca, também em numerosos casos de psicometria.

*

Narrarei em resumo mais um episódio em apoio da verdade que propugno. Trata-se também desta vez de um caso bastante conhecido que despertou grande interesse na época em que se produziu. Acha-se exposto integralmente na minha monografia sobre Os Enigmas da Psicometria. Quem o relatou foi o próprio protagonista, o rico banqueiro australiano Hugh Junor Browne, que sofreu a desventura de perder seus dois filhos num “cruzeiro” que empreenderam, em seu iate, pelas costas de Melbourne. Vendo que os filhos não voltavam, o casal Browne, presa de graves angústias, recorreu, para informar-se do que acontecera, ao célebre médium curador Jorge Spriggs. A partir deste ponto, é a seguinte a narrativa do Sr. Browne:

“O médium chegou às 8 horas da manhã. Tomou da mão de minha mulher e pouco depois caía em sono profundo. Perguntou então: “Destes algum passeio pelo mar?” Minha mulher respondeu negativamente e ele continuou: “Noto uma grande depressão de espírito, em relação com o mar. Durante a noite estivestes muito agitada e chorastes.” (Era verdade.) Completou o seu diagnóstico e acabou repetindo: “As vossas perturbações têm relação com o mar.” Fiz então, pela primeira vez, ligeira alusão ao que me preocupava, perguntando: “Vedes, porventura, algum naufrágio no mar?” – Ao que o médium, sempre adormecido, respondeu: “Não posso ver se se acham no mundo dos Espíritos; mas, se me confiardes algum objeto que eles usavam e com o qual me oriente, poderei procurá-los.” Tomei os livrinhos de notas pertencentes aos meus filhos e lhos entreguei: Começou ele logo a falar nestes termos: “Vejo-os num pequeno barco, na curva de um rio, com uma vela muito grande e outra pequenina, soltas ao vento.”

Aqui, para não me alongar excessivamente, interrompo a citação do texto, declarando que o médium fez uma descrição minuciosa e completa de todas as peripécias do cruzeiro que os dois filhos do banqueiro Browne realizaram, até ao momento do naufrágio, descrição confirmada posteriormente pelas investigações a que procedeu ao pai. Em seguida um dos rapazes se manifestou pelo médium, dando ulteriores notícias sobre o drama, entre as quais o trágico esclarecimento de que o cadáver de seu irmão tivera mutilado um dos braços por um cação, fato que recebeu confirmação notável, pois que um cação foi pescado, em cujo ventre estava o braço de Hugh, e bem assim uma parte do colete, com o relógio e algumas moedas. O relógio parara às 9 horas, hora em que o médium indicara como tendo sido a do naufrágio.

Esta a parte substancial do dramático acontecimento verificado com a família do narrador, Sr. Browne. Agora, do nosso ponto de vista, cumpre acentuar a circunstância, teoricamente notabilíssima, de que, enquanto o médium segurou a mão da Sra. Browne, isto é, da mãe dos dois defuntos, ele nada conseguiu revelar sobre a sorte dos rapazes, o que só logrou quando lhe foram entregues os canhenhos que eles usavam. Desse contraste episódico ressalta, com a máxima evidência, que o papel do objeto “psicometrizado” é o de estabelecer a relação psíquica entre o sensitivo e a pessoa viva ou defunta, ligada fluidicamente ao objeto. Ressalta, sobretudo, a condenação de uma hipótese cara aos opositores, a de que os parentes, os amigos e os conhecidos “telepatizariam” todas as peripécias de suas vidas aos parentes, amigos e conhecidos, peripécias que se conservariam indelevelmente impressas nas suas subconsciências, donde os sensitivos as extrairiam, gerando-se assim a ilusão das comunicações com os defuntos. A circunstância assinalada confuta irrevogavelmente semelhante hipótese, pois que, se o médium, segurando com a sua a mão da mãe das vítimas, nada conseguiu revelar sobre a sorte de seus filhos, quer isso dizer que a subconsciência desta última absolutamente não colhera telepaticamente as peripécias do drama que se desenrolara, tanto mais que à dita prova negativa sucedeu imediatamente a contraprova positiva de o médium revelar tudo, logo que a influência dos filhos, conservada nos canhenhos que eles usavam, o colocou em condições de buscar alhures as informações desejadas.

Donde as tirou ele? Se o perquirirmos, seguindo o método científico da eliminação gradativa das hipóteses insustentáveis, resultará isto: posto que o médium não podia extrair dos canhenhos dos rapazes informações acerca de um drama ocorrido depois que eles haviam partido de casa para não mais voltarem, conseguintemente depois da última vez em que usaram os referidos canhenhos; posto que a circunstância há pouco discutida indica que o médium não as podia tomar à subconsciência dos pais; finalmente, posto que não as podia tirar da subconsciência de nenhuma pessoa viva, dado que não havia testemunhas do naufrágio, segue-se que a “influência” contida nos calepinos serviu para estabelecer a relação psíquica entre o médium e as personalidades desencarnadas daqueles que os tinham usado, conformemente a tudo quanto dissera o médium em transe e a quanto testificaram as comunicações mediúnicas que se seguiram à análise psicométrica e que os filhos defuntos deram pela boca do mesmo médium, fornecendo ulteriores pormenores sobre o drama de que foram vítimas, entre os quais o triste incidente autenticado e teoricamente importantíssimo, da mutilação de um dos cadáveres por um cação.

Estas as deduções rigorosamente lógicas que promanam dos fatos e, como não existem outras hipóteses capazes de explicá-los, forçoso é concluir que este segundo exemplo concorre com o primeiro para demonstrar que, se se analisam com a mais penetrante pesquisa os casos clássicos de suposta “criptestesia psicométrica”, cuja origem pareça atribuível exclusivamente às faculdades supranormais da subconsciência humana, se chega com muita freqüência a conclusões nitidamente espiríticas, devido a ligeiras circunstâncias de fato, não facilmente assinaláveis, mas que são teoricamente preciosas, visto que inexplicáveis por qualquer hipótese naturalística. Atentem nisso os propugnadores extremados do “animismo totalitário”.

*

Passando a citar exemplos de “manifestações e aparições de defuntos certo tempo depois da morte”, dos quais já referi alguns antecipadamente, quando se combinavam com manifestações de outra espécie, devo prevenir que, por se tratar de uma categoria de casos que compreende uma multidão de grupos e subgrupos vários, segue-se que, diante da impossibilidade de esgotar o tema neste trabalho de síntese da minha obra, terei de limitar e referir exemplos que surgem sob a forma de “assombrações”, de “obsessões” e de “aparições identificadas de fantasmas” vistas coletivamente e sucessivamente.

Começando pelos fenômenos de “assombração”, tema vastíssimo do qual tratei em duas longas monografias, cingir-me-ei a relatar casos que revestem as modalidades mais simples com que tais fenômenos se produzem, porém modalidades que são ao mesmo tempo as mais sugestivas, do ponto de vista aqui adotado.

Numa das minhas mencionadas monografias, eu me propus demonstrar que os fenômenos de assombração, em geral, são idênticos, pela sua natureza, aos que se obtêm experimentalmente nas sessões mediúnicas e isso até a ponto de haver casos experimentais de manifestações mediúnicas que se transformam em fenômenos de assombração, havendo outros casos em que se dá o inverso: os fenômenos de assombração se transformarem em fenômenos mediúnicas experimentais. Há ainda outros em que os fenômenos de assombração cessam para sempre, em conseqüência de uma sessão mediúnica realizada com esse intuito, no ambiente assombrado, ou cessam em virtude do cumprimento de uma promessa feita junto ao leito de morte e que não havia sido cumprida na época devida. Finalmente, fiz ver que numerosos casos ocorrem, nos quais se produzem irrupções assombradoras no ambiente onde se haja verificado, de pouco tempo, um suicídio ou um delito, ou mesmo, porém mais raramente, uma morte natural.

Ninguém há que não veja que tão impressionante agrupamento de fatos de ordens diversas, convergindo todos para demonstrar que os fenômenos de assombração e os mediúnicos são transformáveis, conversíveis, reversíveis uns nos outros, equivale cientificamente à prova irrecusável desse fato, tendo como conseqüência a realização de notável salto para frente na pesquisa das causas. Considere-se, com efeito, que dessa fusão das duas ordens de manifestações surgem combinações de episódios tão eloqüentes, que subvertem totalmente a interpretação teórica de todos eles, no sentido de que se, considerados separadamente, os referidos episódios parecem suscetíveis de ser interpretados por meio de hipóteses naturalísticas, combinados uns com os outros, excluem estas hipóteses.

Assim, por exemplo, num caso que citei, de campainhas que tilintavam no instante em que uma morte ocorria à distância, o fenômeno em si, quando se realizasse unicamente no instante da morte, poderia explicar-se pela hipótese telepática combinada com a telecinesia; mas, havendo as campainhas tilintado por mais de 40 dias, transformando aquela manifestação num caso de “assombração”, é de ver-se que as hipóteses em questão têm de ser excluídas, tornando forçoso admitir-se a intervenção do defunto, que se manifestava de tal modo, por ser essa, para ele, a única “via de menor resistência” de que dispunha e insistiu durante 40 dias com o objetivo de fazer notada a sua presença espiritual aos membros de uma família amiga, objetivo que conseguiu realizar.

Chegado a este ponto, para não me alongar, informo que conclusões análogas, em sentido espiritualista, são aplicáveis a todas as variedades de casos que colecionei na classificação de que se trata.

Referirei, pois, apenas dois episódios do gênero, um concernente aos casos em que os fenômenos “cessam em seguida a uma sessão mediúnica realizada para esse fim, no local da assombração”, e o outro referente a “irrupções de assombração em lugar onde ocorreu um suicídio e, mais raramente, uma morte natural”.

O caso seguinte pertence ao primeiro dos dois grupos indicados. Tomo-o à revista Psychic Science (janeiro de 1935), narrado e comentado pelo diretor da própria revista, o engenheiro Stanley De Brath. No episódio estão mudados os nomes dos dois protagonistas, por motivos que se tornarão patentes ao leitor. É este o resumo do episódio.

“No último andar de um velho edifício de Johannesburg (Sul da África), uma Sociedade de Arquitetos tinha os seus escritórios. Denominá-la-emos Sociedade Clarkes e Munroe, acrescentando que, embora ambos fossem associados na maior parte das construções empreendidas, cada um havia reservado para si a clientela que já possuía e com relação à qual operava por conta própria, sem dividir com o outro os lucros.

Havendo-lhe morrido a mulher e achando-se só, o engenheiro Munroe mobiliara um quarto da sede social e aí passara a morar definitivamente.

Aconteceu, no entanto, que também ele veio a morrer. O quarto que ocupava não era necessário à sociedade, pelo que retiraram dali a mobília pertencente ao escritório, deixando apenas um guarda-roupa e uma cômoda que pertenciam ao defunto. O quarto foi alugado a um jovem guarda-livros, que nele passou duas noites e se foi embora.

A segunda ocupante foi uma professora, que, depois de passar lá uma noite, se mudou.

O terceiro foi um construtor de viaturas, que apenas passou três noites.

Cada um contava a mesma história de rumores inqualificáveis que consistiam em estarem sempre a bater as portas do guarda-roupa e do gabinete, que se abriam e fechavam com estrondo, e em serem puxadas e empurradas rumorosamente as gavetas da cômoda. Mal se acendia a luz, cessava todo ruído e tudo se encontrava nos seus lugares.

Nessas conjunturas, um dia, o filho do defunto, Sr. Carlos Munroe, telefonou ao médium Victor James, seu amigo, para informá-lo de que o quarto em que seu pai residira estava assombrado.

Realizou-se então nesse quarto uma sessão em que tomaram parte o médium James, sua mulher e o filho do morto. Quase de súbito, como costuma suceder com o médium em questão, entrou a condensar-se sobre a mesa uma nuvenzinha de protoplasma, que se dirigiu para o lado, tomando a forma de um homem. Conquanto se conservasse vaporosa, sua luminosidade permitiu reconhecessem naquela forma a efígie do morto, o qual, entretanto, não chegou a ficar em condições de falar. Conseguiu, porém, impressionar a mentalidade da Sra. James, por meio de cuja mão ditou o que ele desejava comunicar e que era referente a um rolo de desenhos do projeto de um edifício de dez andares a ser construído para um Bazar, na rua dos Comissários. Carlos exclamou: “Mas, este é o projeto em que está trabalhando atualmente o engenheiro Clarkes, que dele, entretanto, fala como de um projeto seu.” Lenta e solenemente, a Sra. James pronunciou então estas palavras: “Não, o projeto é meu. A Sociedade que vai construir esse edifício foi sempre cliente minha exclusiva. Terminei os desenhos de todo o projeto há cerca de um ano; mas deixei de enviá-los logo por motivos particulares... O projeto é de propriedade de meu filho Carlos e não de Clarkes.”

A pedido do médium Victor James, o morto prometeu não mais provocar fenômenos de assombração naquele local, acrescentando, porém, que desejava descobrir e depois indicar onde tinham ido parar os desenhos do seu projeto. Propuseram-lhe então que ditasse o que houvesse de dizer ao médium James, em sua casa. Ele assim fez, informando que descobrira os desenhos e pedindo que realizassem uma sessão com a presença do filho. Durante essa sessão, ditou pelo médium as informações acerca do lugar onde se achavam os desenhos.

O filho ficou profundamente impressionado com o que fora escrito e no dia imediato, aproveitando o momento oportuno, foi ao escritório do Sr. Clarkes verificar o que havia de verdade nos fatos que seu pai revelara e encontrou guardados ou escondidos por detrás da grande prancheta de desenho do engenheiro Clarkes todos os traçados, plantas, secções e cotas do edifício em projeto e na prancheta uma cópia quase idêntica dos desenhos paternos, que Clarkes tencionava apresentar como seus. Sem dizer palavra, Carlos Munroe se apoderou dos desenhos paternos, que estavam completos, e os apresentou imediatamente à Sociedade interessada, que os examinou e aprovou com ligeiras modificações. A nova construção não tardou a ser iniciada, sob o nome e a direção do jovem engenheiro Carlos Munroe, sem que o engenheiro Clarkes ousasse manifestar suas pretensões. Ele compreendera.

Resta acrescentar que o quarto de que se trata acha-se agora ocupado por um empregado de Banco, que está satisfeitíssimo com a sua habitação e de nenhuma perturbação se queixou, nem de dia, nem de noite.” (Loc. cit., págs. 250-251).

Neste caso, adquire importância teórica de primeira ordem, para demonstração da presença real do defunto que se comunicou, a circunstância de seguir-se aos fenômenos de assombração uma sessão mediúnica em que se manifestou o aludido defunto, fornecendo provas de identificação pessoal e conseguindo que lhes reconhecessem a efígie. Considere-se, com efeito, que, se não houvessem produzido antes os fenômenos de assombração no local em que vivera o morto, os opugnadores sistemáticos da hipótese espirítica teriam dito que, não se podendo assinar limites à telepatia, era lícito afirmar-se que o médium houvera apanhado a informação verídica na subconsciência do sócio da firma, ainda vivo, o qual sabia bem que não era seu o projeto arquitetônico concebido e desenhado pelo outro.

Naturalmente, as pessoas de bom senso nenhum valor teriam dado a tão absurda quão arbitrária extensão da hipótese telepática, extensão que a lei da relação psíquica, assim como todas as experiências telepáticas até agora empreendidas infirmam. Porém, nada obstante, os opositores teriam triunfado, pois que desse modo propunham uma hipótese irrefutável, por ser indemonstrável. É o que constantemente se dá com os opositores sistemáticos: valem-se sempre de hipóteses irrefutáveis, por não serem demonstráveis. Ainda recentemente se viu o Prof. Barnard publicar um volume refutando a interpretação espiritualista dos fenômenos mediúnicos, volume em que, toda vez que defronta dificuldades intransponíveis do ponto de vista “anímico totalitário” ele se apega tenazmente à hipótese da telepatia onisciente com relação ao passado e ao presente, combinando-a com as hipóteses da “quarta dimensão” e do “eterno presente”, hipóteses estas ultrametafísicas e indemonstráveis, porquanto se conservarão eternamente impensáveis.

Acontece, porém, que no caso que estamos considerando, nem mesmo tais hipóteses, combinadas com a da telepatia onisciente, poderiam explicá-lo, devido à assombração que primeiro se produziu, ligada indissoluvelmente à manifestação de um morto que vivera naquele mesmo local. Quer isto dizer que a precedência da assombração demonstra positivamente que no caso em apreço os fenômenos dessa natureza eram provocados pelo defunto, com o intuito de chamar a atenção dos vivos e chegar desse modo a comunicar-se com seu filho, para avisá-lo de que se lhe arrebatara o fruto do labor paterno, intuito que realizou, cessando, em conseqüência e de súbito, os fenômenos de assombração. Insisto, mais uma vez, sobre o fato da cessação imediata desses fenômenos de acordo com a promessa feita pela entidade que se comunicara. Por que cessaram tão intempestivamente? Por que o mesmo fato ocorre em tantos casos análogos? Não será esta, porventura, uma preciosa contraprova, a confirmar que os causadores dos fenômenos eram mesmo os defuntos que, depois de se haverem declarado seus autores, o demonstravam por fatos, prometendo não os repetir e mantendo a promessa? Como, então, explicar-se toda essa concatenação de eventos, eloquentíssimos no sentido espirítico, mediante a hipótese telepática, ou à do subconsciente?

Não duvido que semelhante empresa pareça desesperada aos “animistas totalitários”; mas, como quer que seja, eu desejaria conhecer de que modo eles raciocinam em semelhante conjuntura, uma vez que – diga-se francamente – para quem quer que raciocine com lógica, é evidente que tão feliz combinação de fenômenos de assombração, seguidos de manifestações mediúnicas vigorizadas por provas de identificação pessoal, manifestações que determinam cesse a assombração, é evidente – digo – que tão eloqüente combinação de acontecimentos acarreta inevitavelmente a exclusão das hipóteses da telepatia e do subconsciente. Quanto às outras hipóteses a que recorrem os opositores em circunstâncias extremas – a da “quarta dimensão” e do “eterno presente” –, de maneira alguma cabem em semelhantes manifestações.

Segue-se que desta vez se pode considerar assegurado o triunfo do bom senso.

*

Este segundo exemplo, da mesma natureza, se refere às “irrupções de assombrações num local onde se haja dado um suicídio”.

O Sr. Will Goldston, conhecido prestidigitador, publicou recentemente um volume de memórias, intitulado A Magicians Swan Song (O Canto de Cisne de um Prestidigitador), no qual se encontra um episódio do gênero dos que estamos considerando. Esse episódio ele o havia publicado antes, quando se produzira, na revista semanal Titbit (12 de dezembro de 1931), pelo qual aí soube que o suicida fora seu inquilino e que certo dia lhe declarara não poder pagar o aluguel, ao que lhe respondera: “Está bem, bom homem; não se preocupe com isso. Pagar-me-á quando puder e não pensemos mais no caso.”

No livro reproduz com maior cópia de detalhes o episódio, narrando-o assim:

“Para que uma pessoa fique convencida da sobrevivência, nem sempre necessita recorrer a um médium. As provas muitas vezes se nos impõem espontaneamente: Alguns anos faz, um comerciante que alugara um escritório, no último andar do edifício em que neste momento trabalho (Green Street, Londres), se suicidou, asfixiando-se com gás de iluminação. Algumas semanas depois, achando-me no meu escritório em hora avançada da noite, inteiramente absorvido por um trabalho importante, fui de improviso despertado pelo ruído de passos pesados que subiam a escada. Sabia eu perfeitamente que àquela hora o portão do edifício estava fechado à chave, pelo que não era provável que o locatário de algum outro escritório viesse trabalhar a tal hora. Corri para o patamar da escada, exclamando: “Quem está aí? Que desejas?” Continuei a ouvir os mesmos passos, parecendo que havia chegado ao último andar. Renovei por isto as perguntas. Como não recebesse qualquer resposta, subi a correr a escada, repetindo as mesmas perguntas. Em seguida inspecionei a escada com uma lâmpada elétrica: não havia ninguém e todas as portas estavam fechadas.

Voltei ao escritório e retornei o meu trabalho. Pouco depois, ouvi novamente os passos pesados a descerem a escada. Corri outra vez ao patamar, mas inutilmente não havia ninguém. Comecei então a pensar no que seria aquilo e, quando me retirei, gostei bem de ter no bolso uma lâmpada elétrica.

Passadas algumas noites, repetiu-se o mesmo fato, que se reproduziu em seguida com tanta freqüência que quando me achava no escritório a horas tardias, escutava sempre o arrastar dos passos assombradores, sem mais me incomodar com a coisa.

Outro fenômeno curioso: quando negócios urgentes me obrigavam a prolongar excessivamente a minha estada no escritório, acontecia que três ou quatro pancadas fortes no espaldar da cadeira me sobressaltavam. Esse fato ocorreu muitas vezes durante aquele inverno, em que tive de dar conta de um trabalho enorme. Persuadi-me, então, de que as pancadas eram vibradas para me avisar de que já trabalhara bastante aquele dia...

Finalmente, uma noite fui abalado por um estrondo tremendo, semelhante ao ribombo do trovão, junto à porta do meu escritório. Chamei; nenhuma resposta... Por alguns instantes, fez-se de novo silêncio. Em seguida, troou uma pancada fortíssima na porta interna do escritório, não mais sobre a que dava para o patamar. Foi tal a violência da pancada, que o meu sobretudo, pendurado a um cabide pregado na porta, se agitou visivelmente. Dirigi a palavra à entidade que se manifestava daquele modo. Nenhuma resposta; mas a pancada não se repetiu e desde aquele momento não mais ouvi pancadas, nem passos na escada. Por que? Naturalmente, nada de positivo se pode afirmar a respeito. Sempre, porém, achei que a grande pancada final dada na porta equivalia a uma saudação. Fora, provavelmente, um último adeus. Acabara encontrando paz o Espírito errante do suicida, até então preso ao lugar onde praticara o ato insano. Esta, pelo menos, a explicação que me parece mais satisfatória.”

Concluiu assim a testemunha dos fatos e difícil me parece encontrar-se explicação melhor do que essa da presença do Espírito do suicida, naquele local, esforçando-se, como lhe era possível, por manifestar-se a quem se mostrara generoso para com ele. Semelhante explicação se revelará mais acertada que nenhuma outra, desde que se tenha presente que os casos da natureza do de que se trata nunca são considerados isoladamente, mas cumulativamente com todos os outros análogos, entre os quais são freqüentes os em que se produzem manifestações inteligentes de toda espécie e provas de identificação dos defuntos que se manifestam. Se assim é, se, em lugares onde se deram tragédias ou suicídios, ou mesmo, porém mais raramente, simples morte natural, com freqüência se verifica o fato de ocorrerem fenômenos espontâneos de assombração, ora sob a forma de passos pesados, de pancadas, de estrépitos e derribamento de objetos, ora sob a de fantasmas que não raro são reconhecidos pelos que os vêem, ou, ainda melhor, desconhecidos a quem os vê, mas identificados por este à vista de retratos, que se lhe mostrem; se for assim e se tal fenômeno se há produzido através dos séculos, necessariamente se terá de concluir da maneira acima dita, isto é, que existem realmente os Espíritos dos defuntos e que estes podem por vezes manifestar-se aos vivos, em circunstâncias especiais, não conforme o queiram, mas como possam, de acordo com os fluidos e as forças de que disponham.

Inversamente, pergunta-se: de que maneira a telepatia entra nos casos de defuntos que se manifestam durante meses e anos depois que morreram? E de que modo entram em tudo isso as hipóteses da “psicometria do local” e da “persistência das imagens”, dado que alguns fantasmas assombradores andam livremente pelos sítios e se mostram positivamente inteligentes, assim como cônscios do lugar onde se encontram, mirando os vivos, fazendo-lhes acenos, ou até mesmo com eles conversando? E de que maneira se há de fazer entrar a hipótese da “telecinesia” pura e simples, na produção dos fenômenos de pancadas, ruídos e arremesso de objetos, quando esses fenômenos vêm diretamente de uma inteligência que amiúde se comporta de forma supranormal, como quando os projéteis que atingem as pessoas nenhum mal lhes causam, ao passo que estilhaçam a louça em que batem?

Reconheço que os processos da análise comparada aplicada às convicções humanas ensinam que o meio em que vive o homem e os conhecimentos que assimilou em longos anos de estudos dominam a tal ponto a orientação do pensamento, que os fatos mais evidentes não bastam para converter aquele que esteja em erro. Que é, então, que se faz preciso para debelar o misoneísmo humano? Isto: pelo que concerne às manifestações assombradoras, direi que uma coisa é ler-lhes as descrições, outra coisa observá-las. Se aquele que lê tem uma mentalidade obscurecida por preconceitos de escola, sentir-se-á em dúvida por um instante, para depois tudo esquecer prontamente e tornar-se mais negador do que antes. Se, porém, o mesmo indivíduo assistir a uma manifestação de tal natureza, já não mais duvidaria, porquanto uma experiência dessa ordem põe por terra qualquer preconceito de escola.

Digo isto por experiência pessoal. Em setembro de 1907, suicidou-se um íntimo e muito querido amigo meu, por excesso de escrúpulos em ponto de honra. Foi envolvido num desastre financeiro e, temendo não poder fazer face aos seus compromissos (o que não se daria), preferiu a morte. Fui o executor do seu testamento. Logo depois de sua morte, surgiram graves contendas entre herdeiros e, por ordem do Tribunal, foram apostos selos à porta da casa. É este um pormenor importante em relação ao que sucedeu um mês depois. Era, com efeito, indubitável que naquele apartamento ninguém podia penetrar, sem arrancar os selos de metal cravados nas duas folhas da porta.

Pois bem, passado cerca de um mês, uma família inglesa, que residia no andar inferior, teve que se mudar à pressa, para evitar que a criadagem, inclusive uma ama de leite, se despedisse imediatamente. É que, durante a noite, ouviam as cadeiras e os outros móveis do apartamento de cima serem arrastados rumorosamente pelos aposentos, ao mesmo tempo em que passos pesados faziam tremer o forro. As oito famílias que ali moravam no edifício se acharam em grande barafunda, querendo ir-se embora, mal grado os contratos de locação. Fui de tudo informado pelo porteiro; mas, quando tentei reunir testemunhos para citar num relatório, chamou-me o advogado consultor dos proprietários e me proibiu com palavras pesadas de falar ou escrever a respeito, sob a ameaça de me acionar por danos, com seqüestro preventivo e outros vexames legais que me fizeram empalidecer de horror. Esta a razão pela qual tive de renunciar à publicação de uma narrativa dos fatos. Agora, porém, transcorridos 30 anos, ouso timidamente falar deles, esperando que não me lancem entre a cabeça e o pescoço os raios da lei. No subúrbio de Gênova, onde os fatos se deram, ainda hoje falam deles, mas... eu não o mencionei.

Concluindo: o que me importa assinalar, a propósito do triste acontecimento a que me refiro, é a repercussão psicológica que teve em mim. Já naquela época eu me ocupava, havia 17 anos, de pesquisas psíquicas e tinha conhecimento de centenas de fatos idênticos ao que acabo de expor. Pois bem, foi para mim como se nunca houvesse sabido que se dão tais fenômenos, tão profunda e indelével impressão me deixou aqueles, a cujo respeito eu tinha a certeza absoluta de que quem se manifestava de tal maneira, por não conseguir manifestar-se de outra, era o meu infeliz amigo. Por isso é que disse, em começo, que uma coisa é ler descrições e outra assistir pessoalmente aos fenômenos das manifestações dos defuntos pouco depois de se terem tornado tais.

Entendamo-nos: reconheço que se pode adquirir uma convicção científica da sobrevivência, fundada exclusiva e solidamente nas experiências de outrem, o que se consegue colecionando e classificando bom número de manifestações supranormais de toda espécie, para em seguida lhes aplicar os métodos de pesquisas científicas, os da análise comparada e da convergência de provas, trabalho que já então eu realizara, donde o já possuir uma convicção racional e científica, no sentido indicado. Muitíssimo diversa, porém, ela se me revelou, em confronto com uma fria aquisição do intelecto, que ainda não penetrara nos recessos da personalidade integral subconsciente, onde amadurecem as convicções e se tornam inderrocáveis por efeito do elemento emocional que as vitaliza. Esse elemento se me patenteou em toda a sua potencialidade quanto tive ensejo de assistir em pessoa ao desenvolvimento de uma manifestação com caracteres indubitáveis da intervenção, post mortem, de uma pessoa que me era cara, intervenção presumivelmente determinada pelo desejo ansioso que tinha o defunto de comunicar-se com os vivos, para reivindicar seus direitos de testador, direitos trapaceados pelos cavilosos sofismas de um advogado sem escrúpulos e que ao demais venceu a partida. Assim, o móvel de manifestação de “poltergeist” a que tive de assistir foi idêntico ao anteriormente relatado, de um arquiteto morto, a cujo filho queriam arrebatar o fruto do trabalho paterno.

Explicado isto, advirto que bem longe estou de esperar que os outros hajam de convencer-se baseados no que se passou comigo. Pretendi apenas expor as condições psicológicas que produziu em mim o caso de “poltergeist” em que me achei diretamente envolvido, desempenhando a função de “testamenteiro”.

*

Passando a citar exemplos de fenômenos de “obsessão”, tema ainda controvertido no campo das pesquisas metapsíquicas, devo antes expender breves considerações.

Há alguns anos publiquei extensa monografia intitulada Dos Fenômenos de Obsessão e Possessão e muito hesitei antes de escrevê-la, ponderando que poderia ser prematuro tratar sistematicamente de uma intricada e obscura fenomenologia, em que se contemplava a possibilidade da existência de indivíduos “obsidiados” ou possessos por entidades espirituais de defuntos, quase sempre – mas nem sempre – de categoria baixa, degradada, maléfica.

O professor Hyslop, a quem aconteceu topar com alguns casos espontâneos de manifestações supranormais de caráter obsidente, acabara por se convencer da realidade dos fatos e, tendo concebido a idéia de escrever um livro sobre o assunto, me pediu lhe enviasse todos os casos desse gênero registrados nas minhas classificações. Atendi ao pedido. Ele, porém, de súbito, morreu e, do livro que trazia em mente, não teve tempo de escrever senão o primeiro capítulo, que o Journal of the American S. P. R. publicou. Nesse capítulo, observa:

“Mesmo depois de haver alcançado a firme convicção da existência de um mundo espiritual – e foi preciso transcorressem dez anos de perseverantes pesquisas para chegar a esse ponto –, outros dez anos se passaram antes que me convencesse da realidade dos fenômenos de obsessão... Mas, as minhas prevenções se quebraram de encontro à evidência dos fatos...”

Em seguida, expõe e comenta três casos notabilíssimos, por ele próprio investigados. (Loc. cit., janeiro de 1925).

Alguns anos depois, era publicada no Estados Unidos, sobre o mesmo tema, a obra do Dr. Carlos A. Wickland, sob o título: Thirty Years among the Dead (Trinta anos entre os mortos), obra de alto valor, mas que o teve um tanto diminuído pelo fato de haver o autor exagerado a freqüência de tais fenômenos e pretendido mesmo descobrir-lhes os sintomas, nalgumas enfermidades do corpo, nalguns hábitos viciosos e nas bruscas alterações do caráter. Sem dúvida, há nisso, com freqüência, erro, escusável, porém, até certo ponto, dadas as circunstâncias em que se achava o Dr. Wickland, que, aplicando seu método eletromecânico de cura a numerosos pacientes atacados de morfinomania, cleptomania e dipsomania, conseguira curá-los radicalmente. Como quer que seja, os resultados que ele conseguiu são importantes, devendo-se, ao demais, reconhecer que, para obtê-los, contribuiu eficazmente a mediunidade da sua consorte, embora isso não baste para provar a origem obsidiante dos casos de tal natureza, cuja cura se poderia atribuir como mais provável à bem conhecida eficácia das práticas de sugestão e auto-sugestão. Reconheço, todavia, que da obra de que se trata ressaltam numerosos episódios que a sugestão e a auto-sugestão seriam impotentes para explicar, porquanto de não poucos dentre eles repontam manifestas e espontâneas as provas da presença de entidades espirituais.

Na minha monografia citei diversos desses notabilíssimos episódios; aqui, no entanto, prefiro referir dois casos devidos às pesquisas do Dr. Magnin, de Genebra, que apresentou sobre eles longo relatório ao Congresso de Pesquisas Psíquicas de Copenhague (Resenha, página 128), relatório no qual expõe e comenta com critério rigorosamente científico alguns casos de curas notabilíssimas obtidas na sua clinica hipnótico-magnética. Escreve ele:

“... Nestes últimos anos, entre os muitos doentes atacados de várias formas de neuroses e entregues aos meus cuidados por eminentes neurologistas e alienistas, quis a sorte se contassem alguns casos que parecem abrir novos horizontes à ciência terapêutica, pelo que me sinto no dever de dá-los a conhecer aos eminentes doutores e psicologistas que aqui se encontram reunidos, visto que são todos altamente competentes no assunto...”

Antes de expor, a título de exemplos, os dois casos incluídos no relatório do Dr. Magnin, devo adiantar algumas considerações indispensáveis à compreensão do singular comportamento de algumas personalidades obsidiantes que aquele doutor conseguiu catequizar, levando-as a sincero arrependimento. Comportamentos singulares, com efeito, mas, ao mesmo tempo, muito instrutivos, porque, se se analisam e comparam numerosos fatos desse gênero, forçoso é concluir que tudo concorre para demonstrar que, salvo casos excepcionais, o arrependimento dos “Espíritos obsessores” é mera conseqüência de que as práticas mediúnicas e hipnóticas, pondo-os em contacto com os experimentadores, logram despertá-los mais depressa, tirando-os das condições de “monoideísmo” sonambúlico em que se achavam e operavam. Essas condições determinavam nos aludidos Espíritos um estado permanente de “credulidade” análoga à dos estados hipnóticos, ou dos que, durante o sono, sonham, de modo que, na ilusão de ainda estarem vivos e não conseguindo perceber a situação absurda em que os punha essas ilusões, continuavam a querer executar a mesma ação especial que constituía o “monoideísmo” de que eram presas. Ora, como os casos dos “Espíritos obsessores” são, em sua maioria, determinados pelo fato de se acharem eles possuídos de desespero ou de ódio, ou tomados de instintos perversos, ou vítimas voluntárias de práticas viciosas, segue-se que se sentem estimulados com grande insistência a satisfazer seus ardentes desejos, pois que para eles, como para o hipnotizado, ou para aquele que sonha, a noção de tempo não existe. Assim, se lhes acontece ser atraídos para a órbita de um sensitivo que no seu próprio temperamento tenha alguma afinidade com o monoideísmo que os domina, eles influenciam o vivo no mesmo sentido, instigando-o ao vício e aos excessos ou tornando-o aparentemente dementado. E tudo isso fazem mantendo-se irresponsáveis, ou quase, do mal que causam, do mesmo modo que um paciente hipnótico ou um sonâmbulo são irresponsáveis pelo que realizam. Com efeito, analisando-se os casos de obsessão, verifica-se que, se alguma vez os Espíritos executam suas façanhas em prejuízo dos vivos, com propósitos bem determinados, demonstrando-se capazes de uma forma sui generis de raciocinar, esta é sempre a forma de raciocínio que se nota nos sonhos e nos pacientes hipnóticos, raciocínio que, se conduz à meta desejada, não é, entretanto, judicioso, porque, se há nele, como realmente há, uma lógica de execução, nunca se lhe descobre a lógica da razão.

Estas considerações precisariam ser completadas por outras observações contidas na minha monografia; mas, para a compreensão dos dois casos que se seguem, me parecem suficientes as que deixo expendidas.

Refere o Dr. Magnin:

“A senhora M., de 52 anos de idade, segundo os diagnósticos de quatro médicos consultados, se achava atacada de esclerose da medula espinhal. Acontecia continuamente ser atirada ao chão sem causa aparente e com tal violência, que já fraturara um braço, um pulso e o nariz. Essas estranhas quedas haviam começado sete anos antes e se tinham tornado constantemente mais freqüentes e mais violentas. Havia dois anos, ela se achava constrangida a andar engatinhando-se pela casa e, na rua, se encolhia toda para tornar menos graves as conseqüências das inevitáveis quedas. Os Drs. Iglésias, André Thomas, Abadie e Cardonel tentaram em vão toda espécie de tratamento.

Comecei por experimentar a cura pela reeducação psíquica, exigindo da enferma que deixasse de andar engatinhando-se ou agachada. Ela se submeteu de boa vontade e, apesar de freqüentes quedas, continuou a me procurar todos os dias.

Certa vez, depois do jantar, enquanto a doente esperava a sua vez no salão comum, entrou uma médium clarividente que eu chamara para lhe utilizar as faculdades em favor de outro doente. Quando mais tarde chamei a médium ao meu gabinete, ela, certa de me ser útil, informou ter visto, na “aura” da doente de quem se trata, o fantasma de uma entidade autoritária, brutal, malvada. Posso garantir que a médium não conversara com a Sra. M. e que não a vira caminhar. Quanto a mim, nunca lhe falara a respeito dessa senhora.

Semelhante visão, tida espontaneamente, me fez vir à mente que a enferma me dissera que seu pai morrera de congestão cerebral fulminante, num furibundo acesso de cólera, em seguida a uma discussão que com ela tivera. Esta concordância de dados me levou a pôr em relação as duas senhoras, deixando-as ambas reciprocamente ignorantes do que lhes dizia respeito.

Adormeci a médium, que imediatamente incorporou o Espírito pouco antes descrito e, conforme a descrição, a sua fisionomia se contraiu, tomando uma expressão de inflexível dureza. Voltou-se em seguida para a Sra. M., dizendo: “Minha filha, pobre da minha filha... Tenho-te feito tanto mal...” E, entrando a lamentar-se, falou de dores nas pernas, fez largos movimentos com os braços, como se vestisse um capote, e, depois de algumas inspirações profundas, tomou as mãos da Sra. M., repetindo: “Luísa, minha pobre Luísa, tenho-lhe feito muito mal.” E continuou: “Mas, por que me impedias de sair? Por que me seguias nos meus passeios?... Lembrais-te... o capote... Não deve repreender-me... Ah!... Este capote!...” (Nesse momento, reproduziu os movimentos largos com os braços, como se vestisse um sobretudo).

É de notar-se: 1°, que o nome Luísa estava certo, conquanto eu e a médium o ignorássemos completamente; 2°, que a causa da discussão entre o pai e a filha, discussão a que se seguiu a morte repentina do primeiro, fora o capote, que o pai se recusava a vestir, não obstante a sua idade avançada (80 anos) e estar fria a temperatura.

Afirmo que me eram desconhecidos todos esses pormenores.

O estado em que se achava a médium correspondia ao de “incorporação” espirítica. O pai figurava como presente e a enferma, bem como sua filha, declaravam reconhecer-lhe a identidade em todos os pormenores da representação espirítica: na voz, na expressão fisionômica, nos gestos, na ênfase com que falava e na manifestação do seu caráter. Diante disso, dispus-me a escutar com a máxima atenção o que a personalidade tinha a dizer por exculpar-se. Disse que, durante muitos anos antes de morrer, sua filha o vexava com excessivos cuidados, precauções e resguardos; que ele sempre tomara à má parte os seus conselhos, considerando-os uma verdadeira usurpação de autoridade, pelo que jamais quisera submeter-se-lhes, assim como jamais quisera saber dos chamados progressos realizados no fim da sua vida, quais a eletricidade, os banhos, as modas e as comodidades modernas. E acrescentou: “Morri possuído da idéia fixa de que minha filha Luísa criava obstáculos à minha vida, à minha independência, impedindo-me de sair, de dar os meus passeios e, por isso, me vinguei dela, para lhe fazer compreender o seu erro. Vós me abristes os olhos, libertando-a fisicamente e moralmente de mim...”

À vista do bom rumo que levavam os acontecimentos, tomei a iniciativa de falar e agir como um bom espiritista, exortando o Espírito presente a extirpar de si aquele rancor injustificável e infundado, restituindo à sua filha a liberdade de caminhar.

No correr do nosso diálogo, o Espírito comunicante perguntou à queima roupa: “E Maurício, ainda tem muita raiva de mim? Fi-lo passar bons pedaços.” Chamava-se Maurício o marido da doente, o que ignorávamos. Em seguida, acrescentou o Espírito: “Renato, bom coração, bela alma, tentou repetidas vezes afastar-me de sua mãe, livrando-a da minha perseguição. Mas eu, morto, me conservei qual era em vida: um teimoso irredutível, e nunca quis ceder. Agora, lamento-o.” Assinalo que também o nome de Renato estava certo; era o de um filho da doente, morto na guerra. Eu ignorava não só o nome, como a existência desse filho e as circunstâncias em que morrera...

A minha conversação com o Espírito que se comunicava terminou com a resposta que ele deu ao meu pedido de restituir a liberdade à sua filha. Voltou-se para esta e disse-lhe: “Luisa, estou disposto a abandonar, como Espírito, a casa que foi minha, tal como a abandonei quando tinha um corpo. Terás de novo o uso das tuas pernas; eu me vou embora com o Renato.”

A médium despertou e estava para retirar-se, quando teve novamente a visão do mesmo “homem autoritário e brutal, mas com a expressão fisionômica muito modificada, quase branda”.

Ela me fez dele a seguinte descrição textual: “Aparenta cerca de 78 anos, de tez uniformemente vermelho escuro, nariz longo e reto, olhos encovados, pálpebras intumescidas, maçãs pronunciadíssimas, faces cavadas, fronte convexa, ossos do crânio em relevo e marcadíssimos, cabeça calva, cabelos brancos em coroa, sobrancelhas espessas, enormes, desgrenhadas em todos os sentidos. É um velho, mas bem constituído, e nada absolutamente encurvado. Calculo a sua estatura em 1 metro e 70 centímetros. Vejo-lhe por cima da cabeça o número 1913.”

Era de exatidão maravilhosa essa descrição e o fato ainda mais notável se torna, porque o pai da enferma nunca consentiu em fotografar-se. A data 1913 correspondia ao ano de sua morte. Perguntei, com relação a esta, a data precisa e a médium respondeu: 17 de dezembro. A data exata, porém, era 18 de dezembro de 1913.

Descreveu, também, a médium o sobretudo fatal: “cinzento escuro, porém não preto, muito amplo, muito comprido, pois que lhe chegava aos tornozelos; na parte da frente, vejo duas pregas pretas, ou sombras verticais, que não consigo distinguir o que sejam.” Igualmente exatíssima se verificou ser essa outra descrição. As duas sombras verticais parece que eram as pregas do pequeno manto que se usava com os antigos sobretudos.

Agora me permito assinalar que a cura miraculosa da Sra. M. – como de muitos outros enfermos – consegui obtê-la, porque me julguei no dever de não descurar certas indicações, freqüentemente fortuitas, algumas vezes banais, a que a grande maioria dos médicos nenhuma importância teriam atribuído... Faço votos para que os médicos psicopatas, depois de haverem lançado mão, no interesse de seus doentes, de todos os recursos científicos autorizados, não se abstenham de empregar outros recursos ainda empíricos. Aludo às visões e audições que têm certas pessoas sujeitas a hiperestesias dos sentidos, pessoas a quem chamamos, certo ou errado, médiuns... Não vacilo em dizê-lo: o fato de não os ter desprezado, embora ainda se trate de processos ocultos, me prestou inestimáveis serviços no tratamento das neuroses que algumas sumidades médicas de Paris confiaram aos meus cuidados. Graças a esses métodos empíricos, foi que cheguei a curar grande número de enfermidades consideradas incuráveis, curas que, devido à ignorância das causas, foram qualificadas de “milagrosas”.”

O caso acima relatado se recomenda, antes de tudo, à atenção dos competentes, pelo método rigorosamente científico com que foi investigado, assim como pelos testemunhos de quatro doutores em Medicina e alienistas, que lhe acompanharam o desenvolvimento, o que faz que cada um dos incidentes nele contidos apresente o seu valor teórico, pois que se tem a certeza de estar em presença de fatos verificados. Assim sendo, cumpre se tomem em consideração também alguns pormenores de importância secundária, mas difíceis de conceber-se.

O episódio teoricamente mais importante é o em que a médium descobre casualmente que na “aura” psíquica de uma senhora que lhe era desconhecida se encontra um Espírito de fisionomia autoritária e brutal. Se se considerar que a médium não estava em sessão e que ninguém lhe pedira que observasse psiquicamente a senhora M., há de se convir em que essa circunstância basta para excluir de modo absoluto as hipóteses de sugestão e de auto-sugestão, porquanto com elas se poderia atribuir caráter subjetivo à visão. Assim sendo, dever-se-á concluir que a médium viu um fantasma na “aura” psíquica da Sra. M. porque efetivamente o fantasma ali se encontrava.

Note-se mais que, do fato dessa visão espontânea, surge outra consideração teoricamente importante, visto que serve para eliminar uma terceira hipótese muito cara aos opositores: a da “objetivação das formas do pensamento”. Sabe-se, com efeito, que, na “fotografia transcendental”, em que ficam impressas na chapa sensível formas espirituais que os experimentadores reconhecem, os opositores explicam que aqueles tinham em mente os defuntos fotografados, pelo que, na realidade, eles próprios haviam inconscientemente objetivado as correspondentes “formas do pensamento”, formas capazes de impressionar as chapas fotográficas. Pois bem: no caso em apreço, nem mesmo essa especiosa objeção teria qualquer valor, porquanto a Sra. M., que ia ao Dr. Magnin para se submeter ao tratamento magnético, muitíssimo longe estava de imaginar que a sua enfermidade tivesse origem num fenômeno de obsessão em que seu pai era o protagonista. Não podia ela, por conseguinte, pensar tão intensamente neste último, de modo a lhe objetivar a forma.

De tudo o que fica dito decorre que, para explicação da visão de que se trata, devem afastar-se em absoluto as hipóteses da sugestão, da auto-sugestão e da projeção de “formas do pensamento”. Mas, como não existem outras hipóteses à disposição dos opositores, só resta se admita a presença real do Espírito obsessor, no lugar da sua aparição, o que, ao demais, tem a confirmá-lo o fato de o mesmo Espírito dar em seguida, por sua própria conta, uma série admirável de provas de identificação espirítica.

Parece-me, portanto, que se há de considerar resolvida, em sentido afirmativo, a questão fundamental, a de que a estranha enfermidade de que sofria a Sra. M. tinha origem num fenômeno de obsessão. Apenas ficam por discutir as modalidades – por vezes difíceis de entender-se – sob as quais o fenômeno se produz.

Já fiz notar que o modo pelo qual procedia o “Espírito obsessor” demonstrava claramente achar-se ele em estado de “monoideísmo”, estado análogo ao em que atua um indivíduo hipnotizado, e que, por conseguinte, se devia concluir que, se ele tinha uma consciência sui generis do que fazia em prejuízo da filha, não tinha a responsabilidade do que praticava, porquanto, embora se notasse no seu modo de agir uma lógica de exceção, não havia aí a lógica da razão. É de assinalar-se, a esse propósito, o automatismo dos “movimentos largos dos braços, como se envergasse um sobretudo”, automatismo que demonstra estar o Espírito obsessor agindo em estado de monoideísmo, com repetição automática da ação constituinte desse monoideísmo tal como se dá na grande maioria dos casos de assombração, em que o fantasma repete incessantemente os atos que constituem o monoideísmo que o prende ao lugar onde viveu, condições análogas às do hipnotizado e do sonhador.

Assim, até certo ponto se compreende a circunstancia de o Espírito obsessor, reproduzindo automaticamente na “aura” de uma pessoa viva uma cena por ele vivido, não ter consciência do mal que faz. No caso aqui considerado, dever-se-ia dizer que o Espírito obsessor, reproduzindo automaticamente dentro da “aura” psíquica da filha a cena do capote que lhe custara a vida, repelia com tal violência, imaginária, a mesma filha, quando insistia para que ele o vestisse, que lhe causava inconscientemente contínuas quedas. Aliás, vimos que, quando as práticas magnéticas do Dr. Magnin lograram despertar o Espírito obsessor, este lhe ponderou: “Luísa não deve guardar rancor de mim... Eu não sabia que lhe estava a fazer mal... Foi o senhor que me abriu os olhos, libertando-a fisicamente e, a mim, moralmente.”

Afigura-se-me, pois, que o caso em apreço demonstra de forma experimentalmente manifesta a existência dos fenômenos de obsessão, visto que as únicas hipóteses naturalísticas à disposição dos opositores para explicarem o incidente fundamental da visão do fantasma por parte da médium, as hipóteses da sugestão, da auto-sugestão e da projeção de “formas do pensamento”, são absolutamente inaplicáveis ao aludido incidente.

*

Este outro episódio, tirado também do relatório do Dr. Magnin, apresenta a preocupante questão das “obsessões” de um ponto de vista diverso, que evidencia a necessidade científica e humanitária de pesquisar-se a fundo a mesma questão. Escreve aquele doutor:

“A Sra. G., de 25 anos de idade, sofria de cefalalgia periódica, com a qual lhe vinha um obsediante impulso ao suicídio. Não apresentava taras físicas, mas, pelo lado psíquico, deixava muito a desejar: era emocionável, imaginosa, sugestionável. Insistia principalmente num sintoma de “pressão angustiosa na nuca, de fazê-la enlouquecer”, acompanhada de uma sensação intolerável de peso sobre as espáduas. O fato mais grave consistia que, quando tais sintomas se manifestavam, ela se sentia fortemente impelida ao suicídio.

Submetida por mim a um interrogatório íntimo, a doente me informou que antes do seu casamento, fora cortejada por um oficial estrangeiro que ela amava, mas com quem seus pais não consentiram se casasse. O oficial acabara por engajar-se na Legião Estrangeira e em breve morria. Foi pouco depois desta morte que começaram seus males, com a propensão obsedante para o suicídio. Concluí dessas informações que, indubitavelmente, a idéia obsedante se ligava à morte do oficial amado e me pareceu que se impunha, antes de tudo, um tratamento psicoterápico. Muitas conversações demoradas com a doente, em estado de vigília, nenhum resultado deram. Tentei então a sugestão em estado de hipnose, mas inutilmente. Afinal, experimentei a psicanálise do conteúdo subconsciente da sua psique, valendo-me de todos os métodos conhecidos, porém não cheguei a descobrir novos elementos capazes de esclarecerem a situação. Entretanto, era urgente salvar aquela moça fatalmente condenada ao suicídio, visto que, mais cedo ou mais tarde, sem dúvida cederia à obsessão que a dominava.

Apeguei-me, pois, a um último recurso e, à revelia da enferma, fiz intervir uma vidente que, por várias vezes, me deixara estupefato com a nitidez das suas visões e com as suas descrições de “personalidades de defuntos”, com respeito aos quais tive freqüentemente ensejo de verificar a identidade.

Mal penetrou no aposento onde a enferma jazia profundamente adormecida, a vidente me descreveu um ser que parecia agarrar-se às costas da paciente. Sem deixar transparecer o meu espanto e o imenso interesse que ligava a essa visão, pedi à vidente que me descrevesse a posição exata em que via o ser para mim invisível. Ela o fez nestes termos: “Com a mão direita ele aperta a nuca desta senhora e com a esquerda cobre-lhe a fronte.” Em seguida, com a voz sufocada pela emoção, exclamou: “Ele se suicidou e quer que a senhora se lhe vá juntar.” A outro pedido que fiz, descreveu o semblante, a estranha expressão do olhar e o caráter do ser que estava vendo. Eu a escutava com crescente interesse e, embora céptico, lhe imitei o exemplo, pondo-me a conversar com aquele ser hipotético, como o faria um fervoroso discípulo de Allan Kardec. A médium mantinha fixo a olhar sobre a doente, transmitindo-me as respostas do Espírito perseguidor.

Foi longa e muito movimentada a conversação. As respostas do Espírito denotavam uma natureza violenta, apaixonada, obstinada. Por isso mesmo, a despeito do meu cepticismo, experimentei uma sensação de verdadeiro alívio quando a médium me disse que as minhas calorosas exortações acabaram convencendo o Espírito perseguidor que, compadecido da sua vítima, se comprometera a não persistir nos propósitos delituosos que alimentava, deixando-a em paz.

Só duas horas depois de ter-se ido a médium foi que despertei a paciente, de sorte que ela até ignora a existência da primeira. Naturalmente, não lhe dei palavra sobre o que ocorrera, o que tudo era preciso ignorasse para sempre. Ao despedir-se de mim, notei que pela primeira vez se sentia muito aliviada de espírito, observação animadora, que acolhi com verdadeiro júbilo.

Dois dias depois, a paciente se apresentou no meu consultório literalmente transformada, tanto na expressão do semblante, quanto na maneira de proceder e, até, no toalete. Tudo nela demonstrava mudança completa quanto ao modo de pensar. Declarou-me, com efeito, que de um momento para outro recuperara o seu caráter anterior; renascera-lhe a jovialidade perdida e lhe voltara o gosto pela arte e pela literatura.

Após a memorável sessão, tão fecunda em resultados práticos, a Sra. G. nunca mais teve a sensação de pressão na nuca, nem a sensação física de um peso sobre os ombros, nem tão-pouco a obsessão psíquica do suicídio. A saúde se lhe tornou perfeita em todos os sentidos e, ultimamente, fui informado de que agora é mãe ditosa de dois gêmeos vigorosos.

Ainda desta vez me abstive de tirar uma conclusão qualquer do caso exposto. Limito-me a referir escrupulosamente fatos. Julgo, entretanto, dever novamente recordar que a senhora G. estava fatalmente destinada ao suicídio e que para restituí-la à vida bastou que eu não cerrasse os olhos diante de um fenômeno de “vidência”, sob o especioso pretexto de que se tratava de uma manifestação inexplicável. Não devemos, ao contrário, ver em tudo isso um dos mais belos resultados a que já nos conduziram as pesquisas sobre os fenômenos psíquicos?...”

Assim falou o Dr. Magnin. Em outros relatórios que publicou sobre essa mesma ordem de fenômenos. exprime-se de modo a deixar transparecer sua convicção íntima de que os fatos dessa natureza só são explicáveis mediante a hipótese da obsessão espirítica. Contudo, na reunião solene do Congresso de Copenhague, onde defrontava eminentes homens de ciência que, embora persuadidos da existência das manifestações metapsíquicas em geral, se conservavam, em sua maioria, cépticos, ou, mesmo, hostis, no tocante à hipótese espírita, ele não só se absteve de expender a sua opinião acerca dessa hipótese, como, relativamente ao caso em questão, assinalou que o fato de a vidente ter visto um Espírito obsessor em atitude correspondente aos sintomas de que a enferma se queixava “tendia a fazer supor que, em tal circunstância, a idéia obsedante era tão intensa, que criava uma “forma-pensamento” perceptível ao médium”.

Como estou certíssimo de que o Dr. Magnin não crê nessa interpretação dos fatos, apresso-me a declarar que as considerações mais ou menos elementares que se seguem eu não as formulo para instruir sobre o assunto quem já o conheça a fundo, mas para servir aos leitores que, não sendo bastante versados sobre a técnica das manifestações metapsíquica, não chegarão talvez a discernir por que razões é insustentável a interpretação aventada. São as seguintes as principais razões:

1° – Porque as “formas-pensamento”, consistindo em vagas representações efêmeras, ou em “simulacros” fluídicos, não podem tomar parte ativa numa conversação, não podem ser catequizadas e não podem mostrar-se arrependidas de suas culpas.

2° – Porque, para que a enferma objetivasse o defunto, fora preciso se verificassem duas circunstâncias de fato: uma, que ela cresse na existência dos fenômenos de obsessão; a outra, que estivesse convencida de que quem a obsedava era o seu namorado defunto. Ora, ela nunca se ocupara de pesquisas psíquicas, ignorava tudo o que lhes diz respeito e estava muitíssimo longe de relacionar com aquele defunto os impulsos, que a dominavam, para o suicídio.

3° – Porque, à falta de qualquer sugestão da parte do Dr. Magnin (tendo sido ele quem adormecera a paciente, era também a única pessoa que se achava com ela em relação psíquica), não haveria como explicar o fato eloquentíssimo de a doente se sentir curada logo que despertou, fato esse em correspondência com a promessa feita pelo Espírito obsessor de deixar em paz s sua vítima.

4° – Porque não se deve olvidar a circunstância de que, no caso análogo anteriormente referido, ficou demonstrado que a hipótese das “formas-pensamento” não resiste à análise dos fatos, de modo que, se naquele caso havia, com efeito, um genuíno fantasma obsessor, outro tanto se deverá afirmar, por lei de analogia, no caso de que se trata, em que a percepção do fantasma foi obtida por intermédio da mesma vidente.

E me parece que basta para, também nesta outra circunstância, eliminar a hipótese especiosa das “formas-pensamento”.

Passando a discutir a questão puramente teórica das condições de consciência em que se encontrava o Espírito obsessor, forçoso será reconhecer que, nas circunstâncias em que se deram os fatos, não devia tratar-se de “monoideísmo sonambúlico” post-mortem. Quer isto dizer que não se trataria de um caso de automatismo irresponsável, mas de um monoideísmo raciocinante, porquanto brutal e que egoisticamente se apresentava, visto que o Espírito obsessor tinha por escopo impelir ao suicídio a pessoa por ele amada, a fim de se lhe reunir. Todavia, tendo-se em conta que, por efeito das exortações e dos argumentos do Dr. Magnin, ele acabou por se convencer de que fazia mal a quem amava, demonstrando-se arrependido, se tem de inferir que, se não é possível considerá-lo irresponsável pelo mal que praticava, de todo modo a sua responsabilidade resultaria atenuada por uma forma sui generis de incompreensão moral, muito semelhante à que caracteriza as obras dos “pacientes hipnóticos”.

Como quer que seja, repito que o caso exposto e o outro citado antes, em ambos os quais os espíritos obsessores parecem até certo ponto conscientes do mal que fazem às suas vítimas, não infirmam absolutamente a tese, aqui sustentada, da irresponsabilidade moral na grande maioria dos protagonistas da fenomenologia que consideramos, tese que se funda na análise comparada de 38 casos do gênero, por mim colecionados.

Concluo chamando a atenção de todos para o tema importantíssimo que apreciamos. Ele não só se reveste de imenso valor teórico, do ponto de vista metapsíquico, como é suscetível – conforme se há visto – de conduzir a fins eminentemente práticos e humanitários, quais os de curar enfermidades misteriosas, tidas por incuráveis, de salvar a vida de muitos infelizes obsidiados por tendências suicidas e a restituir o senso e a liberdade a muitos desgraçados erroneamente metidos nos manicômios.

*

Agora, referirei e comentarei alguns exemplos de “aparições de defuntos após certo tempo de suas mortes” trata-se de uma categoria de manifestações que, quando observadas coletivamente e sucessivamente por várias pessoas, excluem, de modo absoluto, as hipóteses da sugestão, da auto-sugestão e consecutivas objetivações alucinatórias, resultando muito particularmente eficazes em sentido espiritualista.

Este primeiro caso foi publicado por Myers, no volume VI, pág. 26, dos Proceedings of the S. P. R..

A percipiente e relatora – Sra. P. – não quis fossem publicados os nomes dos protagonistas e os motivos ressaltarão da exposição dos fatos. Eis o que narrou:

“No ano de 1867, casei-me... Minha vida correu tranqüila e feliz até aos fins do ano de 1869, quando a saúde de meu marido pareceu entrar em declínio, tornando-se ele de caráter sombrio e irritável. Em vão procurava descobrir as causas dessa mudança, insistindo nas minhas inquirições. Respondia-me que eu estava a fantasiar, que ele se sentia muitíssimo bem. Desisti de importuná-lo e os dias continuavam a correr tranqüilos, até à véspera de Natal. Na nossa vizinhança residiam dois tios nossos, que nos convidaram para almoçar com eles naquele dia.

Tendo de levantar-me cedo, cuidamos, à noite, de deitar-nos mais cedo do que de costume e, assim, às 9 horas subimos para os nossos aposentos, depois de havermos, como sempre fazíamos, fechado cuidadosamente portas e janelas. Eram 9:30. Nossa filhinha, que contava então 15 meses, tinha o hábito de despertar a essa hora para beber um gole de leite e dormir de novo. Não havendo ainda acordado, pedi a meu marido que se deitasse sem apagar a luz, enquanto eu permanecia recostada na cama do lado do berço, à espera de que a menina despertasse...

Como Gertrudes tardasse a acordar, eu me dispunha a tomar uma posição mais cômoda, quando, com grande espanto, vi em pé, ao fundo da cama, um gentil-homem com as divisas de oficial de Marinha, trazendo à cabeça um boné de pala... Para mim, seu rosto ficara na sombra, tanto mais que ele apoiava o cotovelo no espaldar da cama e com a mão sustentava a cabeça. Fiquei por demais espantada para ter medo; apenas perguntei a mim mesma quem poderia ser. Bati no ombro de meu marido que se achava voltado para o lado oposto, murmurando: “Willie, quem é este?” Ele se voltou, mirou por alguns instantes o intruso e, erguendo-se de um salto, gritou: “Senhor, que viestes fazer aqui?”

A forma se alçou lentamente e, em seguida, exclamou, com voz autoritária e indignada: “Willie! Willie!”

Olhei para meu marido: fizera-se lívido e se mostrava agitadíssimo. Pulou da cama, como para investir contra o intruso, mas, de súbito, parou perplexo ou espantado, enquanto a forma atravessava, impassível e solene, o quarto, dirigindo-se em linha reta para a parede. Quando passou por diante da luz, uma sombra escura se projetou sobre a parede e sobre nós, como se se tratasse de uma pessoa viva. Entretanto, desapareceu de modo inconcebível, através da parede. Sempre agitadíssimo, meu marido tomou da lâmpada, dizendo: “Vou percorrer a casa, para descobrir onde ele se meteu.” Também eu estava perturbada; contudo, lembrando-me de que a porta se achava fechada e que o misterioso visitante não se encaminhara para aquele lado, observei: “Más, ele não saiu pela porta.” Nada obstante, meu marido puxou o trinco, abriu a porta e se pôs a correr a casa. Tendo ficado só, pensava comigo mesma: “Vimos uma aparição. Que nos anunciará? Talvez meu irmão Artur esteja mal (ele era oficial de Marinha e andava em viagem pelas Índias). Sempre ouvi dizer que sucedem coisas dessas.” Pensava e tremia, apertando ao peito minha filha, que despertara, até que, por fim, meu marido reapareceu, ainda mais lívido e agitado. Sentou-se à borda da cama, cingiu-me com o braço e sussurrou: “Sabes quem foi que vimos?” “Sim – respondi – um Espírito; temo que se trate do Artur, mas não lhe vi o rosto.” Ele retorquiu: “Não, era meu pai.”

O pai de meu marido morrera, havia 14 anos. Quando moço, fora oficial de Marinha; depois, por motivos de saúde, deixara o serviço antes do nascimento de meu marido, que apenas uma ou duas vezes o vira fardado. Quanto a mim, nunca o conheci.

No dia seguinte, contamos aos tios o que ocorrera e todos tivemos ensejo de notar que não diminuíra a perturbação de meu marido, embora fosse céptico feroz com referência a manifestações que parecessem sobrenaturais.

À medida que os dias passavam, ele deperecia, até que teve de meter-se na cama gravemente enfermo. Só então me inteirei gradativamente do seu segredo. Andava, desde algum tempo, em graves dificuldades financeiras e, no momento em que seu pai lhe apareceu, estava para dar ouvidos aos tristes conselhos de um homem que o teria arrastado à ruína, ou talvez a coisa pior, por isso que tenho de me conservar reticente, ao falar do sucedido.

...Nem estados de “sobreexcitação nervosa”, nem medos supersticiosos poderiam provocar semelhante manifestação e, tanto quanto pudemos verificar pelos acontecimentos que se seguiram, aquele foi um aviso providencial, dado a meu marido pela voz e pela fisionomia da entidade a quem ele mais venerara em vida e a quem, acima de todos, teria obedecido.”

(O Dr. C. e sua esposa confirmam esta narrativa. O marido da relatora, Sr. P., a seu turno, a confirma nestes termos: “Não preciso acrescentar outros pormenores ao incidente narrado por minha mulher. Limito-me, pois, a testificar que a narração é rigorosamente exata e que os fatos se passaram como foram descritos”).

O memorável episódio que se acaba de ler é de ordem “coletiva” e “sucessiva”; mas, como as duas fases da percepção se verificaram com os percipientes no mesmo lugar, poderia dar-se que algum propugnador extremado da hipótese telepática a considerasse suficiente para tudo explicar. Observo, portanto, que, em tal caso, se deveria supor que o marido da narradora, estando prestes a meter-se numa empresa lesiva à sua honra, houvesse pensado intensamente na memória honrada do pai, provocando uma correspondente alucinação telepática em sua mulher que, a seu turno, atraindo-lhe a atenção para o campo da sua objetivação, lha teria transmitido, de sorte que ele, presa de remorso à vista do fantasma paterno, houvera sido vítima de uma complementar auto-alucinação verbal com que o mesmo fantasma lhe redargüia em tom imperioso e desdenhoso, auto-alucinação verbal que ele teria “retelepatizado” para a mulher.

Como se v ê, tratar-se-ia de uma explicação tão fantástica, contorcida e absurda, que qualquer pessoa sensata se negaria a discuti-la.

Excluída, portanto, tem que ser a explicação telepática. Mas, desde então, adquirem verdadeira eloqüência resolutiva, em demonstração da presença real, no lugar em que se deu o fenômeno, do fantasma paterno, vindo para impedir o filho de aventurar-se numa empresa lesiva à honra, as circunstâncias de ter sido a mulher a primeira a ver o fantasma, que lhe era desconhecido, e quem o assinalou ao marido, que a seu turno o viu, reconheceu e lhe dirigiu uma frase arrogante, provocando imediata reação do mesmo fantasma, que lhe retrucou solenemente, pronunciando-lhe duas vezes o nome em tom autoritário e desdenhoso.

E esta explicação é sobremodo revigorada pelo fato de haverem os dois percipientes observado de maneira idêntica as particularidades com que o fato se desenrolou: as deambulações do fantasma pelo quarto, a projeção da sombra à sua passagem por diante da lâmpada e o seu misterioso desaparecimento através da parede.

Ressalta daí evidente a enorme importância dos casos desta natureza, do ponto de vista adotado no presente capítulo, em que se propugna a grande verdade de que a demonstração experimental da existência e sobrevivência do espírito humano, longe de depender exclusivamente da identificação dos defuntos, tendo por base as informações pessoais que eles fornecem (como constantemente o subentendem os opositores nas suas conclusões animistas), se tunda, ao contrário, inabalavelmente, numa imponente série de manifestações supranormais de toda espécie, entre as quais devem também se ter na devida conta as a que aludem os opositores, isto é, as informações que fornecem os defuntos que se comunicam. Não nos esqueçamos, porém, de que as manifestações dessa espécie não representam mais do que simples unidade de prova, entre as variadíssimas unidades de prova – anímicas e espiríticas – resultantes da coletânea de casos supranormais e convergentes todos para a demonstração experimental da sobrevivência humana. Ter-nos-emos entendido desta vez?

*

Tomo este segundo episódio ao vol. V, pág. 440, dos Proceedings of the S. P. R.. Quem o relatou, a Sra. L. H., era pessoalmente conhecida de F. W. Myers, que, a pedido, lhe calou o nome.

A Sra. L. H. refere que no dia 24 de junho de 1874 (época em que contava 8 anos), deu-se o falecimento de sua mãe na residência familiar em Malta e que, por lhe respeitarem a vontade, seu sepultamento foi retardado até ao sétimo dia de sua morte. Daí, prossegue, assim:

“Na noite daquele dia, era sufocante o calor e calmo o tempo. Haviam-me levado para a cama mais cedo do que de costume; mas as janelas estavam abertas e a noite era tão bela que o quarto parecia suficientemente iluminado. A porta que dava para a sala estava semi-aberta, de modo que eu percebia a sombra da governanta curvada sobre o seu trabalho e lhe contemplava as mãos a ir e vir com irritante monotonia, até que, por fim, adormeci. Passou algum tempo acordei e, voltando-me para o lado da janela, vi minha mãe, de pé, ao lado da minha cama, a contorcer as mãos, chorando. Não me achava suficientemente desperta para no momento me lembrar de que ela morrera (tanto mais que costumava freqüentemente velar junto de mim, quando eu dormia). Por isso, exclamei em tom muito natural: “Porque choras, mamãe?” Depois, lembrando-me do que acontecera, pus-me a gritar. A governanta acorreu de pronto e começou a orar e a chorar. Quase ao mesmo tempo chegou meu pai pelo lado oposto e eu o ouvi exclamar: “Júlia! minha dileta Júlia!” A essas palavras, minha mãe volveu o olhar para aquele lado; depois, olhou-me e, contorcendo novamente as mãos em sinal de dor, se encaminhou para a sala e desapareceu. A governanta disse, em seguida, que a sentira distintamente passar a seu lado, mas era tal o estado de terror em que se mostrava que não se lhe podia dar valor ao testemunho. Meu pai lhe ordenou que se retirasse, depois do que se dirigiu mim, dizendo que eu sonhara e não se foi dali enquanto não adormeci de novo. No dia seguinte, entretanto, ele me confessou que também tivera a visão e esperava tê-la novamente, prevenindo-me de que, se mamãe me aparecesse outra vez, eu não devia amedrontar-me, antes devia dizer-lhe que o “papai deseja falar-lhe”, o que prometi fazer fielmente.

Inútil acrescentar que ela nunca mais apareceu... Muitos anos passados, falando-se de tal aparição, meu pai me declarou que minha mãe lhe prometera muitas vezes que, se fosse possível, lhe apareceria depois de morta.”

(A Sra. M.S.H., segunda esposa do pai da Sra. L.H., já falecido, confirma a narração acima, como também Lady E., amiga de L.H. e conhecida pessoalmente de Myers).

Não há como recorrer à hipótese alucinatória com relação a este caso, que é de visão coletiva e sucessiva, porquanto a primeira a ver o fantasma foi uma criança de oito anos que, despertando, tão pouco se emocionou ao dar com sua mãe, que lhe dirigiu a palavra, crendo-a viva. Os testemunhos sucessivos do pai e da governanta, que, mal chegaram à porta do quarto, viram o fantasma, também excluem aquela hipótese.

Há, além disso, a circunstância de o defunto volver o olhar para o marido, quando este a chamou pelo nome, e em seguida olhar amorosamente para a filha, prova de que também não se tratava de um simulacro subjetivo projetado telepaticamente pelo Espírito da morta, mas da sua presença espiritual naquele lugar. Assim sendo, explicável também se torna o gesto de dor com que se manifestou aos seus entes caros, desde que se considere que a morta era uma esposa muitíssimo jovem, prematuramente arrancada ao seu ninho de amor.

Os acontecimentos desta natureza são de uma eloqüência tal, em sentido espiritualista, que o próprio Dr. Eugênio Osty, adversário tão pouco sereno da hipótese espírita, que faz pensar nas bandeirolas vermelhas que enfurecem os touros nas touradas espanholas, o próprio Dr. Osty fica embaraçado, quando lhe acontece ter de aludir a casos de “aparições de defuntos, algum tempo depois de suas mortes”, percebidas coletiva ou sucessivamente por muitas pessoas. Ele então foge à dificuldade, dizendo:

“Compreende-se que, qualquer que ela seja, a explicação que se imagine carecerá de base sólida, quando se trate de projeções alucinatórias do tipo “aparições” que se manifestem, transcorridos meses ou anos após a morte daquele que “aparece”, tanto mais se, como às vezes acontece, ele fala ou desempenha encargos que assumiu em vida, que os percipientes desconhecem e que resultam verídicos, ou dá ao percipientes um conselho proveitoso. Estas circunstancia conferem a tais acontecimentos uma aparência imperiosa de iniciativa da parte do defunto.

É verdade, porém, que os casos deste gênero se encontram nas coletâneas em número menor do que os de “aparições de moribundos”. Todavia, entre os colecionados, alguns se contam que apresentam garantias de autenticidade, idênticas às que se obtém noutros casos dos melhor autenticados... Além disso, teoricamente falando, os acontecimentos dessa natureza parecem verossímeis, por serem análogos em tudo a outros conseguidos experimentalmente com pacientes a quem se sugira que entrem em relação com pessoas mortas desde algum tempo... Entre as duas séries de fatos, outra diferença não existe, senão a de serem diversas as explicações que a diversidade das circunstâncias aconselha se lhes atribua...” (Revue Métapsychique, 1933, págs. 34-35).

É precisamente assim.. Entre os casos de “aparição de mortos pouco tempo depois da morte” e os casos de “aparições telepáticas dos vivos”, “não há outra diferença, senão a de serem diversas as explicações que a diversidade das circunstâncias aconselha se lhes atribuam”. Isto, porém, equivale a reconhecer que, no caso das “aparições dos defuntos pouco depois das respectivas mortes”, se trata, com efeito, de um fenômeno que pode ser objetivo ou subjetivo, conforme as circunstâncias, mas que, de ambas as formas, se originam positivamente da vontade do defunto que se manifesta, do mesmo modo que, no caso das “aparições telepáticas dos vivos”, se trata, efetivamente, de um fenômeno que pode ser objetivo ou subjetivo, conforme as circunstâncias, mas que, de ambas as formas, se origina positivamente da vontade do vivo que se manifesta.

O Dr. Osty não se exprime exatamente nestes termos; porém, é constrangido a admitir a mesma verdade, adotando uma fraseologia prudentemente velada, o que não altera a substância e a importância de tudo quanto ele é levado a admitir, por força de imperiosa necessidade lógica.

*

Extraio este terceiro episódio da revista norte-americana Psychic Research (1928, pág. 430), órgão da American Society for Psychical Research.

Malcolm Bird, o oficial investigador dos casos que chegam ao conhecimento dessa sociedade, ouviu da boca dos percipientes a narrativa do fato sobre o qual escreveu ele:

“Relativamente a este episódio, não me acho obrigado a calar o nome do percipientes que mo relata. É o Sr. D. L. Dadirrian, membro da American Society for Psychical Research e industrial muito conhecido. Escrevi o relato do caso, conforme o ditou ele, que o aprovou, depois de lhe eu ler o que escrevera.

Devo, antes de tudo, dizer que o Sr. Dadirrian é quase totalmente cego, de tal modo que apenas consegue distinguir a luz da sombra a dez ou doze metros de distância, quando moderada a luminosidade.

...No dia 7 de setembro de 1927, pelas 7:15 horas, o Dr. Dadirrian e sua prima, a Sra. Hattie, se achavam sentados sob o alpendre de seu palacete. Essa sua parente assumira a direção dos negócios domésticos desde a morte, então ainda recente, da Sra. Dadirrian. Na ocasião a que nos referimos, a Sra. Hattie estava sentada do lado sul e o Sr. Dadirrian do lado norte do alpendre. Esperavam seu automóvel particular, para levá-los ao cemitério. Esperavam em silêncio e o Sr. Dadirrian informa que naquele momento não pensava em coisa alguma de particular; aguardava passivamente a chegada do automóvel. De repente, ouviu passos no saibro da aléia, vindos do lado sul do alpendre, a certa distância deste. Teve despertada a sua curiosidade, porquanto na casa não havia hóspedes, mas unicamente os empregados domésticos. Falou então à sua prima:

“Hattie, ouço passos no saibro da aléia. Provavelmente, é algum dos criados que vai sair. Quando estiver perto de ti, diga-me quem é.”

A Sra. Hattie respondeu que não ouvia rumor algum de passos, ponderando que ele porventura tomara como passos na aléia o ruído que faziam alguns meninos que brincavam na rua. (A rua distava uns cem pés do gabinete). O Sr. Darridian estava bem certo de que os passos que ouvira ressoando na aléia não provinham do lado da rua. Insistiu, pois:

“Não; trata-se de alguém que passeia pela aléia, bem defronte de nós.”

Enquanto falava, os passos se aproximavam cada vez mais e o rumor deles se tornava cada vez mais distinto. Chegaram, afinal, perto da escadaria... Ele perguntou novamente:

“Hattie, Hattie, não ouves esses passos? Ressoam agora bem à nossa frente. Quem chega?”

Dessa vez a Sra. Hattie não respondeu. O Sr. Darridian imaginou que se expressara com certa impaciência e que ela por isso se agastara.

Entretanto, os passos continuavam a fazer-se ouvir, mas, em vez de subirem a escada e de reboarem no pavimento, prosseguiram pela aléia que contornava o edifício, dirigindo-se para o lado norte e tornando-se gradativamente mais fracos.

Desistindo de obter qualquer resposta da Sra. Hattie, que ele supunha momentaneamente aborrecida, o Sr. Dadirrian perguntou em voz alta: “Quem está andando aí? Poteu, Margarida, Cecília, Roy?”

Nenhuma resposta, E o rumor dos passos se foi gradualmente extinguindo, à distância. Ele concluiu que provavelmente se tratava de algum empregado que não lhe ouvira a voz, ou fingira não a ter ouvido.

Nesse ínterim chegaram o automóvel e ambos partiram para o cemitério. Durou cerca de uma hora a excursão e o Sr. Dadirrian notou que sua prima se conservara calada todo o tempo, preocupada, moralmente abatida...

É costume do Sr. Dadirrian levantar-se de manhã cedo, vestir-se e esperar no quarto uma xícara de café, fumando um cigarro, depois do que habitualmente sua prima lhe vem ler os jornais.

Aquela manhã, a Sra. Hattie, mal entrou, lhe dirigiu palavra, exclamando:

“Tenho algo para te dizer, mas não quero te impressionar.” O Sr. Dadirrian bem longe estava de imaginar do que era que lhe queria falar sua prima, que continuou assim:

“Lembras-te de que ontem à tarde, quando estávamos sob o alpendre, me disseste que ressoavam passos no saibro da aléia e me pediste visse quem era que se aproximava da casa? Respondi que não ouvia coisa alguma e que provavelmente confundias o ruído que faziam uns meninos que brincavam na rua com passos na aléia. Respondeste que ouvias os meninos a brincar, mas que também escutavas claramente passos que pisavam a areia do jardim e que se aproximavam de nós. Lembras-te de que logo depois me falaste, repetindo que os passos ressoavam à nossa frente e me perguntaste se eu não via quem estava ali? Pois bem: olhei então e sabes quem vi? No ponto indicado estava Dolly (a Sra. Dadirrian), de fisionomia sorridente e feliz! Trazia uma veste comprida e tinha soltado os cabelos; mas não lhe vi nem os pés, nem as mãos. Parecia deslizar pela aléia. Continuou na direção norte e desapareceu na vereda que atravessa o pinheiral. Não respondi à tua pergunta, porque fiquei tão impressionada e aturdida, que sentia a fronte baldada em suor frio. Ouvira algumas vezes falar de pessoas que tinham visto fantasmas; eu, porém, nunca acreditara em semelhantes histórias, pelo que, quando vi Dolly na minha presença, fiquei assombrada e muda. Terás notado que, quando voltamos do cemitério, ocupei de novo o mesmo lugar no alpendre, embora já fosse tarde? Fi-lo, porque contava tornar a vê-la. Nada, porém, apareceu.”

...O Sr. Dadirrian julgou dever acentuar que, durante o acontecido, ele nada disse que pudesse indicar à sua prima a direção que tomaram os passos que ouvia e que avançaram para o norte, além da escadaria. Entretanto, como se há de ter notado, sua prima viu a aparição percorrer exatamente o caminho que o Sr, Dadirrian percebera, no meio de uma impressão auditiva, o que exclui, de modo resolutivo, a hipótese de que sua prima haja inventado uma fábula.”

O relator comenta o fato nestes termos:

“Pelo que me é dado saber, fundado nos conhecimentos que adquiri sobre metapsíquica, este episódio é único, devido à circunstância de a aparição ter sido vista por quem tinha o sentido da visão e ouvida pelo observador que apenas dispunha do sentido da audição para pôr-se em relação com o meio exterior. Não tenho bastante certeza de que, do ponto de vista da existência objetiva da aparição, essa circunstância de fato constitua prova ainda mais decisiva do que a que oferecem os costumeiros casos de visões coletivas de fantasmas. Como quer que seja, ela indubitavelmente forma uma variante muito sugestiva dos casos deste último gênero.”

Relativamente a estas últimas considerações do relator, observarei que os casos de aparições telepáticas de natureza coletiva, com as variantes que apresentam, devidas à diversidade dos médiuns, os quais percebem a mesma manifestação mediante impressões diversas dos sentidos, são bastante freqüentes na coletânea dos fatos telepáticos, como também na das aparições dos defuntos. Dentre os desta última categoria, lembrarei um episódio que referi noutro trabalho, episódio em que três percipientes tiveram três impressões diversas, mas igualmente exatas, da presença do mesmo fantasma. Um deles o viu, o outro lhe ouviu a voz e o terceiro sentiu um perfume de violetas silvestres, o que correspondia à circunstância de ter sido o cadáver da que aparecera literalmente coberto de violetas silvestres em seu leito de morte.

Todavia, o caso aqui considerado é realmente único, pela particularidade seguinte: aquele dos percipientes que pressentiu a presença do fantasma por uma impressão auditiva não poderia percebê-lo de outra maneira, dado que era cego. Dir-se-á, portanto, que sua falecida esposa, de intento, lhe impressionou telepaticamente o sentido da audição, por saber que não poderia manifestar-se-lhe de outra forma, e que, simultaneamente, se manifestou de forma objetiva à prima, a fim de que o marido viesse a saber donde provinha o eco dos passos que ele escutava. Conseguiu assim a morta que as impressões dos dois percipientes se completassem recíproca e admiravelmente e com a particularidade, também importante, de perceberem ambos o caminho por ela percorrido, de sorte a dar-lhes e ao mundo dos vivos uma prova incontestável da sua sobrevivência.

Devo, além disso, acrescentar que, do ponto de vista de quem propugna a presença espiritual, no lugar do fenômeno, de bom número de fantasmas telepáticos e de aparições de defuntos, o episódio em questão é mas demonstrativo, nesse sentido, do que aqueles em que a percepção dos fantasmas, embora coletiva, é unicamente visual, porquanto o outro contém em si duas provas distintas, que convergem para tal demonstração.

Em suma, no caso de que ora tratamos, a presença espiritual da defunta, no local da sua aparição, parece confirmada pela circunstância de o fantasma haver sorrido para seus parentes, sinal de que não era uma projeção puramente telepática do pensamento da morta. De todo modo, compreende-se que, quando mesmo se propendesse para esta última explicação, a gênese do caso não mudaria, visto que se trataria, ainda e sempre, de uma defunta a projetar telepaticamente a visão do seu simulacro aos entes que lhe eram caros, com o escopo de informá-los da sua sobrevivência.

Tomo ao Light (1923, pág. 729) este quarto episódio e quem o refere é Sir William Barrett, físico célebre, membro da Royal Society e fundador da Society for Psychical Research. Trata-se de um episódio notabilíssimo, no qual o fantasma de um pastor anglicano foi visto por cinco pessoas numa igreja de Dublin, onde ele oficiara durante 50 anos.

Sir William Barrett descreve assim o fato:

“Poucos dias depois da morte do cônego Carmichael LL. D., meu amigo íntimo, ele foi visto a subir os degraus do púlpito de uma igreja de Dublin, onde pregara durante 50 anos. Apareceu revestido de sobrepeliz e capa. Cinco pessoas o viram colocar-se ao lado do seu sucessor – o reverendo R. U. Murray – quando este pregava sobre o tema da sobrevivência. Disse-me o Rev. Murray que nada vira, mas que tivera a sensação de uma “presença” invisível, sensação a que nenhuma importância houvera atribuído ao cabo das duas horas do serviço religioso, se três senhores e uma senhora não tivessem acorrido a narrar-lhe o que tinham visto, antes mesmo que houvessem falado a respeito com outras pessoas. Achavam-se os quatro em pontos diversos da Igreja e três deles não se conheciam. A essas testemunhas uma quinta se veio juntar, na pessoa da Sra. Dixon, filha do cônego Carmichael, que logo depois do serviço religioso contou o que vira a um amigo e ao marido, ignorando absolutamente que outras pessoas houvessem percebido o fantasma de seu pai.

Ressalta absurda qualquer suspeita de um embuste combinado e por trás do púlpito não havia objeto algum que pudesse produzir uma ilusão de tal natureza. Quanto aos observadores – todos cépticos em matéria de aparições – nada podia predispô-los a se tornarem coletivamente alucinados. Note-se também que todos mencionaram pormenores idênticos com relação ao que tinham visto; o que quer dizer que todos foram acordes em referir que o cônego vestia a longa sobrepeliz do costume, que a suspendera ao subir os degraus ao púlpito, tal como fazia em vida; que, pelo aspecto, parecia absolutamente vivo e feliz, porém mais jovem do que quando subia ao púlpito nos últimos tempos. Além disso, todos haviam notado que dirigira um sorriso à filha, sentada próximo ao púlpito (ela me fez de tudo uma impressionante descrição). Ainda mais: cada um dos percipientes observara que o barrete do fantasma tinha uma cercadura vermelha, ao passo que na do Rev. Murray a cercadura era azul. Essa diferença existe os distintivos acadêmicos de LL. D. (doutor em leis) e de Litt. D. (doutor em belas letras), diferença que os observadores realmente ignoravam.

É impossível encontrar-se uma hipótese naturalística que explique todos esses testemunhos concordantes e independentes, assim como não é fácil reduzi-los a impressões subjetivas. Minha opinião pessoal é que o Espírito pode às vezes revestir temporariamente uma forma intangível, porém visível, em raras circunstâncias favoráveis de ambiente em virtude de um ato subconsciente de vontade criadora, de modo a dar a ver aos vives uma “forma-pensamento”, que é o simulacro de si mesmo, qual era em vida. Há ótimas provas de que o fenômeno também se produz muitas vezes no sono profundo. Tudo isso parece maravilhoso e incrível, mas a formação de uma criança no seio materno não é, sem dúvida, menos maravilhosa e incrível, desde que se pondere que a influência inconsciente da mãe guia as moléculas tangíveis da matéria para construir o simulacro físico e mental dos seus progenitores.”

Esse o interessante caso referido por Sir William Barrett, em primeira mão. Quer dizer que o defunto era seu amigo íntimo e que os pormenores do caso lhe foram narrados pelos dois protagonistas principais: a filha do morto e o Rev. Murray. Este último, com efeito, sentira próximo de si uma “presença”, ao mesmo tempo em que os cincos percipientes viam junto dele o fantasma do seu antecessor. Nenhuma dúvida acerca da autenticidade dos fatos, que são perfeitamente averiguados. Cumpre, pois, explicá-los e se este encargo parece simplíssimo com a intervenção real do defunto que se manifestou, inexeqüível é, ao contrário, por meio de qualquer hipótese naturalística.

Como se viu, Sir William Sarrett, a seu turno, assinala essa fortíssima condição do caso, em sentido espiritualista. Entretanto, legítimas se apresentam as suas considerações elucidativas da maravilhosa reprodução, no fantasma, das mais minuciosas características de identificação física, reprodução que ele atribui ao muito conhecido poder do pensamento e da vontade, capazes de plasmar, mesmo no mundo dos vivos, perfeitos simulacros físicos, até fotografáveis. Contudo, no caso em questão, tal fenômeno se deveria interpretar em sentido um tanto diverso, isto é, supondo-se que por ato da sua vontade o defunto haja revestido seu Espírito de um perfeito simulacro de si mesmo em paramentos sacros. Variante é esta necessária a explicar a circunstância importantíssima de o fantasma haver sorrido para sua filha, demonstrando com isso estar presente em espírito no seu simulacro. Acrescente-se que a outra circunstância, do Rev. Murray ter tido a sensação de uma presença próximo de si, localizada no ponto em que os outros viram o fantasma do defunto, concorre fortemente para demonstrar a sua presença espiritual ali.

De outro ponto de vista, pondero que, em meio século de pesquisas, os casos de aparições de defuntos vistos coletivamente ou sucessivamente por várias pessoas se foram acumulando em número imponente, contando-se nas minhas classificações muitas centenas deles. Ora, é preciso não esquecer que se trata de fatos que excluem qualquer explicação naturalística e que, em conseqüência, tomam aspecto de provas resolutivas em favor da sobrevivência. Assim sendo, mais uma vez insisto em assinalar o erro deplorável em que caem os que, na ilusão de haverem demonstrado não ser possível provar-se cientificamente a sobrevivência humana, tendo por base as informações pessoais que fornecem os defuntos que se comunicam, pensam que desse modo neutralizaram para sempre as esperanças de quem afirma, baseado em fatos, que a sobrevivência humana será um dia demonstrada experimentalmente, cientificamente, definitivamente, por meio das pesquisas metapsíquicas.

E, se assim é, se as “aparições dos defuntos pouco depois da morte, observadas coletiva ou sucessivamente por várias pessoas”, também bastam, por si sós, para confundir e desbaratar os propugnadores do “animismo totalitário”, como explicar o fato de haver, embora novos casos dessa natureza se sucedam constantemente, muitos pesquisadores científicos dos fenômenos mediúnicos que se conservam inamovíveis nas suas convicções materialistas?

Acrescente-se que o mesmo se dá com a grande maioria das pessoas cultas que têm relatos de acontecimentos análogos, sem colherem deles nenhum ensinamento. Nada disto se concilia com a lógica sã da razão; entretanto, assim é. Desde que, porém, se perquira a causa de tais coisas, ela ressalta patente ao critério do pensador, é simplíssima, podendo resumir-se na frase que formulei ao apreciar o caso de assombração ocorrido comigo mesmo. Essa frase se adapta, com ligeira variante, à presente circunstância: “Uma coisa é ler a narrativa dos casos de aparições de fantasmas de defuntos, outra coisa, muito diversa, é assistir a uma ocorrência dessa natureza.” Trata-se, pois, de uma interessante questão psicológica, sobre a qual será conveniente insistamos, ilustrando-a ulteriormente.

Na minha monografia citei o caso impressionante da Sra. Winifred Mundella, a quem, numa crise bastante grave da vida, apareceu o fantasma de sua mãe, a lhe indicar o caminho a seguir. O fantasma foi percebido simultaneamente por um cãozinho da defunta, o qual correu para o simulacro da sua dona, a lhe fazer festa. Aquela senhora terminou com as seguintes palavras a sua narrativa: “Os que hão visto sabem, de ciência certa, que não existe a morte.” Pois bem: esta última observação grande impressão produziu em mim, porquanto coincidia com a observação idêntica que eu fizera relativamente ao fato de assombração a que me foi dado assistir.

É absolutamente verdadeiro que os que hão visto os fantasmas autênticos de seus entes caros, a quem estes hajam sorrido ou dirigido a palavra, ou provado de outras formas que são fantasmas sensientes e inteligentes (como acontece nos episódios acima referidos), é absolutamente verdadeiro, digo, que esses nunca mais duvidarão, por toda a vida, do que se verifica para lá da tumba. Nunca mais duvidarão, visto conhecerem, por experiência, a verdade sobre o assunto. Somente eles sabem quais as sutis e infalíveis impressões objetivas e subjetivas do espírito que os fizeram chegar, de um golpe, à solução do mistério do ser. Segue-se que seus testemunhos afirmativos são muitíssimo mais importantes do que as opiniões gratuitas emitidas por teóricos catedráticos, que perdem o tempo a cunhar neologismos e a apresentá-los como demonstrações. Do mesmo modo, é igualmente verdadeiro que a grande maioria dos que se limitam a ler ou ouvir a narrativa de fatos sucedidos a outros, embora concordem, às vezes, em reconhecer o caráter espírita do último episódio de que tiveram ciência, se bem se conservem por certo tempo abalados e meditabundos, acabam invariavelmente esquecendo-se dele, como já haviam esquecido muitos outros análogos, de que antes souberam. O resultado é que recaem inevitavelmente na dúvida anterior, continuando por toda a vida a comportar-se da mesma maneira, passando de um caso a outro, de uma prova à outra, esquecendo sempre, esquecendo tudo, nada conservando e, portanto, aturdindo-se perpetuamente no vazio.

E esse fenômeno psicológico não se verifica somente com os leitores apressados e superficiais, destituídos de senso filosófico, mas com todas as classes de leitores e de estudiosos, mesmo com os mais eminentes cultores das disciplinas metapsíquicas. E verifica-se com tal freqüência que se é obrigado a deduzir que se trata de uma imperfeição congênita da mentalidade humana, que não consegue manter presente na consciência senão uma parte mínima do que virtualmente logra conhecer acerca de determinado assunto, donde decorre que o raciocínio humano quase sempre induz e deduz baseando-se em dados parcialíssimos e chegando a conclusões miseramente errôneas. Nada mais resta, então, senão nos resignarmos ante o inelutável, embora essa imperfeição do raciocínio humano seja motivo de espanto para os poucos que se encontram na posse da modesta mas capitalíssima faculdade de ter sempre em mente todos os dados da questão a resolver, dados que em nosso caso consistiriam nas inúmeras variedades de episódios metapsíquicos inexplicáveis por meio de qualquer hipótese naturalística. Considerando-se esses episódios reunidos numa síntese formidável, eles se transformam numa prova cumulativa, logicamente irresistível, da intervenção experimentalmente verificada dos Espíritos dos defuntos nas manifestações supranormais. Para os que possuem tal faculdade, a demonstração da existência e sobrevivência da alma é, de há muito tempo, conquista da ciência, baseada nos fatos, e somente a imperfeição congênita do raciocínio humano impede que os demais o reconheçam.

E, já que entrei no assunto, vale a pena assinalar outra classe de pesquisadores cépticos, que o são por se acharem atacados de uma forma bem mais conspícua de imperfeição do raciocínio, a qual lhes causa notáveis desvios do critério lógico. Confrontando estes últimos com os primeiros, dever-se-ia dizer que os primeiros são cépticos normais e racionais, para os quais há sempre a possibilidade de renderem-se um dia às provas cumulativas dos fatos, ao passo que os segundos, entre os quais se arrolam pessoas cultíssimas e respeitáveis, se mostram possuídos de formas de cepticismo que já não são raciocináveis e que nunca se dissiparão, nem mesmo que se lhes pusesse à disposição o imponente conjunto de todas as provas multiformes e admiráveis vindas à luz no passado e no presente, apenas porque suas mentalidades não se acham preparadas para acolher a grande verdade nova que surge no horizonte do cognoscível humano. Assim sendo, eles não chegam a assimilar a maravilhosa coletânea dos casos. Daí o assistir-se ao curioso espetáculo desses gentis-homens, que se entusiasmam em presença dos mais modestos incidentes de telecinesia, de telestesia, de psicometria, permanecerem impassíveis em face dos mais extraordinários fenômenos de “aparições de defuntos junto ao leito mortuário”, de “aparições de defuntos pouco depois da morte”, de “correspondências cruzadas”, de “xenoglossia egípcia, árabe e chinesa”, de “identificação espirítica” e assim por diante. Conquanto assimilem os primeiros, eles não lhes compreendem o valor e, não chegando a assimilar os segundos, se mantêm indiferentes.

Cumpre, por fim, acrescentar que, para eles – como para os outros a quem precedentemente aludimos – não existe a eficácia irresistível das provas cumulativas, uma vez que constantemente, sucessivamente, rapidamente, esquecem todos os episódios que contrastam com os seus preconceitos, mas conservam imperecível lembrança de todas as dúvidas inseparáveis de uma ciência que dá os primeiros passos, dúvidas que, conquanto reais, são de ordem secundária e não infirmam de modo algum o grande fato de havermos conseguido organizar imponentes classificações de variadíssimos fenômenos supranormais – anímicos e espiríticos – todos convergentes para a demonstração da existência e da sobrevivência do espírito humano, fenômenos que se convertem em provas cumulativas invulneráveis a todas as hipóteses e a todas as sutilezas sofísticas com que os assaltam desesperadamente os “animistas totalitários”.

Aplicam-se-lhes, portanto, as seguintes considerações do Dr. Gibier:

“É maior do que se possa crer o número das inteligências padecentes de “lacunas psíquicas”. Assim como há indivíduos totalmente refratários à música ou às matemáticas, também os há que não chegarão nunca a assimilar as verdades existentes fora de tudo quanto se pode denominar a sua “zona lúcida”, tomando esta imagem à função desses refletores elétricos que, à noite, lançam seu feixe luminoso em determinado ponto além do qual somente existem trevas ou caliginosidade. Todos os homens possuem sua “zona lúcida”, se bem que com amplitude e luminosidade infinitamente diversas. Daí decorre que há Verdades manifestas que se conservam inconcebíveis para muitas inteligências, o que se dá porque tais Verdades estão colocadas fora de suas respectivas “zonas lúcidas”.” (Dr. Gibier, Análise das Coisas, págs. 33-54).

É precisamente assim e a feliz imagem das “zonas lúcidas” se revela de tal modo correspondente à verdade, que resulta aplicável à humanidade inteira, sob múltiplos aspectos, mas aplicável, sobretudo, ao nosso caso, não o esqueçamos. Exorto, portanto, os leitores a tê-la presente, para dela se servirem oportunamente, quando se lhes apresente ocasião.

Resta assinalar o corolário curioso e inevitável dessa característica psico-fisiológica das “zonas lúcidas” na mentalidade humana. Esse corolário é que aqueles que não possuem uma “zona lúcida” orientada para a compreensão da nova “Ciência da Alma” vivem na ilusão de possuir discernimento íntegro em todas as direções e, por conseqüência, lançam aos outros a pecha de serem vítimas de preconceitos místicos. Posta a questão nestes termos, não há porque insistir em querer convencer a quem não pode compreender.

Apresso-me, porém, a dizer que, se é certo que eminentes homens de ciência se acham em condições análogas, de parcial obnubilação psíquica, isso não impede que lhes tributemos inalterada admiração e a nossa gratidão porque, com as “zonas lúcidas” de suas mentalidades, potentes em outras direções, eles têm trabalhado com proveito para a ciência em geral e para a metapsíquica em particular, uma vez que seus méritos não ficam diminuídos por uma condição psicológica inerente à constituição morfológica e à função fisiológica do órgão do pensamento.


Conclusões

O presente trabalho, embora seja apenas um resumo substancial de numerosas publicações minhas sobre o tema que me sugeriu o Conselho Diretor do Congresso Espírita de Glasgow, não deixa de revestir notável valor teórico, porquanto, da síntese de múltiplas publicações condensadas num livro de pequeno porte, faz ressaltar longa série de importantes conclusões secundárias, ou de categoria, tiradas das manifestações supranormais – anímicas e espiríticas – em todas as suas graduações. Conquanto de ordem particular, essas conclusões convergem, em imponente massa cumulativa, para uma conclusão solene, de ordem geral: a solução espírita da formidável questão pesquisada pela nova ciência que se chama Metapsíquica.

Não me parecendo oportuno repetir aqui todas as conclusões de ordem secundária a que cheguei, limitar-me-ei a recordar apenas três delas, de importância fundamental.

Em primeiro lugar, lembro haver demonstrado que as faculdades supranormais subconscientes não podem ser os germens de novos sentidos destinados a surgir e fixar-se de forma permanente na humanidade do futuro e isso pelas múltiplas razões que aduzi baseado nos fatos, mas, principalmente, porque tudo concorre a provar que a posse de sentidos supranormais não se conciliaria com a natureza humana, de modo que as instituições civis, sociais, morais, longe de retirarem daí qualquer vantagem, seriam abaladas em seus fundamentos, anuladas, demolidas, dando em resultado que a evolução psíquica da espécie pararia, degenerando, por não mais funcionar a grande lei biológica da “luta pela vida”.

Uma vez conseguida essa demonstração, aplanado estava o caminho para o conhecimento da verdadeira natureza das faculdades supranormais em apreço, faculdades que são os “sentidos espirituais” da personalidade integral subconsciente, os quais existem pré-formados, em estado latente, nos recessos da subconsciência, aguardando o momento de emergir e atuar no meio espiritual, depois da crise da morte, do mesmo modo que os sentidos terrenos existem pré-formados, em estado latente, no embrião, esperando o momento de emergir e atuar no meio terreno, depois da crise do nascimento.

Por outras palavras: se for indispensável que o embrião humano, destinado a viver e a atuar no meio terreno, tem de aí chegar provido de sentidos apropriados e pré-formados, prontos a exercitar-se depois da crise do nascimento, igualmente indispensável há de ser que o Espírito desencarnado tenha de chegar ao meio espiritual provido de sentidos apropriados e pré-formados, prontos a ser utilizados depois da crise da morte, porquanto não é possível que os sentidos espirituais sejam criados do nada no instante da morte. Segue-se que, se o Espírito sobrevive, tem que os possuir pré-formados, em estado latente, prontos a entrar em relação com o novo meio que o acolhe. Se assim não fosse, o Espírito não sobreviveria à morte do corpo. Donde se depreende que os fenômenos anímicos são os que facultam ao homem a prova mais solene e incontestável da sobrevivência.

Em segundo lugar, lembro que ficou demonstrado já ser possível circunscrever-se dentro de limites bem definidos os poderes supranormais da subconsciência, poderes designados pelos nomes de “clarividência no espaço e no tempo”, “telepatia”, “psicometria”, “telemnesia” (esta última no sentido de leitura nas subconsciências de outros, sem limites de distância), demonstração cuja conseqüência é privar os opositores da hipótese espírita da mais formidável arma de que dispunham para combatê-la e de que se prevaleciam até ao absurdo.

Em terceiro lugar, lembro que também ficou demonstrado que, mesmo quando se admita – a título de concepção teórica – que as faculdades subconscientes possuem o atributo divino da onisciência, não se conseguiria neutralizar a possibilidade de obter-se um dia a prova científica da sobrevivência humana, possibilidade solidissimamente firmada no conjunto inteiro das manifestações supranormais – anímicas e espiríticas – e não apenas sobre provas de identificação espírita fundada nas informações pessoais dadas pelos defuntos que se comunicam, conforme presumem constantemente os opositores.

Evidente, portanto, se faz que a solução, no sentido aqui indicado, das três questões fundamentais em apreço equivale à solução do problema do Ser, em sentido espiritualista, donde se segue que o Animismo prova o Espiritismo e de tal modo que, sem o Animismo, o Espiritismo careceria de base.

Ao mesmo tempo e como complemento das conclusões a que cheguei, discuti a fundo, em dois capítulos extensos, os casos das comunicações mediúnicas entre vivos e os fenômenos de “bilocação”, duas categorias de manifestações teoricamente importantíssimas por corroborarem as referidas conclusões, em sentido espiritualista.

No capítulo sobre casos de “comunicações mediúnicas entre vivos”, comecei por explicar que, produzindo-se por processos idênticos àqueles pelos quais se produzem as comunicações mediúnicas de defuntos, aquelas outras ofereciam a possibilidade de apreender-se melhor a gênese destas últimas, lançando luz nova sobre as causas dos erros, das interferências, das mistificações subconscientes que nelas se deparam e, sobretudo, contribuindo a provar com rara eficácia a realidade das comunicações mediúnicas com os defuntos, pela consideração de que, nas comunicações entre vivos, se pode verificar a realidade integral do fenômeno, interrogando as pessoas colocadas “nas duas extremidades do fio” e comprovando que os fatos se desenrolam conforme o diálogo supranormal o fazia supor. Daí a sugestiva dedução de que, quando “na outra extremidade do fio” se acha uma personalidade mediúnica que afirma ser um “Espírito de defunto” e o prova dando informações biográficas que todos os presentes ignoram, racionalmente se deve concluir que “do outro lado do fio” está o “Espírito de defunto” que se declara presente, do mesmo modo que nas comunicações entre vivos é positivamente certo que “no outro extremo do fio” está o vivo que se manifesta mediunicamente.

Uma vez posta a questão a resolver sobre bases, de fato, positivas, restava dissipar uma dúvida relativa às modalidades sob as quais se produzem as duas ordens de fenômenos, dúvida que consiste na aplicação da hipótese telepática como faculdade selecionadora de informações pessoais nas subconsciências de terceiros, sem limites de distância (telemnesia), hipótese esta última em que se escudavam os opositores para afirmar que, quando uma personalidade mediúnica dá informações biográficas que todos os presentes ignoram, isso não demonstra que o Espírito de um certo defunto esteja com efeito presente, uma vez que, não se podendo pôr limites às faculdades telepáticas, é sempre de supor-se que o médium haja extraído da subconsciência de pessoas distantes as informações que tenha prestado. Vimos, porém, que essa arbitrária hipótese está em erro na sua primeira proposição, porquanto demonstramos que se podem circunscrever, dentro de limites bem definidos, as faculdades inquirentes da telemnesia. Em seguida, analisando as comunicações mediúnicas entre vivos, chegamos igualmente a demonstrar que a referida hipótese erra também na sua segunda proposição, porquanto tais comunicações, longe de consistirem num processo fantástico da natureza citada, consistem numa verdadeira conversação entre duas personalidades subconscientes, o que equivale a colocar a questão em bases radicalmente diversas, uma vez que se tem de inferir que, se esta última circunstância de fato transforma as comunicações mediúnicas entre vivos em provas resolutivas de identificação pessoal dos vivos que se comunicam, forçosos será concluir-se no mesmo sentido, relativamente às comunicações mediúnicas com os defuntos, transformando-se estas, a seu turno, em provas resolutivas de identificação dos defuntos que se comunicam, tudo isso, bem entendido, sob a condição de que, num caso como no outro, se comprove que as conversações são da natureza indicada.

Firmado isto, segue-se que a solução, no sentido apontado, da importante questão referente às modalidades sob as quais se desenvolvem as relações supranormais entre “dois psiquismos de vivos” assume notabilíssimo valor teórico. Não será, pois, ocioso informar que o Dr Eugênio Osty já chegara às mesmas conclusões, investigando os fenômenos de “metagnomia” (lucidez sonambúlica), com respeito aos quais assinalara que, longe de tratar-se de faculdades supranormais capazes de selecionar informações na subconsciência de terceiros, o que há é uma conversação entre dois psiquismos postos em relação entre si. Eis como ele se exprime:

“... Na realidade, é-se vítima de uma ilusão quando, fundado em aparências, se imagina que o sensitivo tira de uma mentalidade latente as informações que fornece. Semelhante ilusão o observador a perde, desde que peça à prática a explicação ao fenômeno. Só então ele apreenderá de que modo o fenômeno se produz, verificando que, quando um sensitivo se propõe a revelar a outros informações sobre vidas vividas, o seu psiquismo se torna o incitador que provoca a atividade do psiquismo de revelar. É, pois, por uma espécie de conversação subconsciente e atual que a reprodução mental elabora esses conhecimentos supranormais. Daí decorre que não se tem de pedir ao sensitivo que revele o que, no momento da experiência, pense uma pessoa distante, porém que se comporte como se essa pessoa se achasse na sua presença. Só desse modo se consegue fazer que duas subconsciências conversem uma com a outra e o resultado de tal colaboração entre dois psiquismos se traduz pelas indicações que o sensitivo ministra sobre a personalidade distante e sobre as vicissitudes da sua vida.” (Revista Metapsíquica, 1926, págs. 14-15).

Assim se exprimiu o Dr. Osty, que é a maior autoridade em pesquisas dessa ordem. Como se vê, não fiz mais do que trazer uma contribuição de fatos excepcionalmente eficazes à confirmação e à corroboração de tudo quanto já ele assinalara, por sua conta, acerca do assunto.

Observarei agora que essa importantíssima solução teórica vale pela condenação definitiva da absurda hipótese segundo a qual as indicações que os médiuns fornecem com relação aos defuntos, e que muito freqüentemente todos os presentes ignoram, são tiradas pelos mesmos médiuns às subconsciências de pessoas distantes que se conheceram em vida, selecionando-as prodigiosamente no imenso emaranhado de impressões mnemônicas aí existentes em estado de latência (telemnesia).

Nenhuma dúvida tenho, portanto, de que a preciosa comprovação em apreço sirva a simplificar admiravelmente a questão das provas de identificação espirítica, restituindo todo o seu valor teórico às manifestações dos defuntos que forneçam indicações pessoais ignoradas de todos os presentes, sobretudo, portanto, em se tratando de defuntos que todos os presentes desconheçam, caso em que o exemplo das “comunicações mediúnicas entre vivos”, por meio das quais se demonstra ser impossível estabelecer-se a relação psíquica com pessoas desconhecidas, tornaria incontestável a interpretação espírita das aludidas manifestações.

A fim de não ser mal compreendido, lembro tudo quanto oportunamente expliquei a esse respeito, isto é, que dos casos de comunicações entre vivos também ressalta a possibilidade de estabelecer-se a relação psíquica com pessoas distantes, desconhecidas de todos os presentes, mas só sob a condição de apresentar-se ao sensitivo um objeto que haja trazido consigo longo tempo o indivíduo distante com quem se deseje entrar em comunicação (psicometria). É uma “exceção que confirma a regra”, visto que não muda por isso a base indispensável a toda relação psíquica, que consiste na “sintonização entre vibrações específicas”, sintonização que existe entre pessoas que se conhecem e que se pode conseguir indiretamente por meio de um objeto que tenha absorvido as “vibrações específicas” do indivíduo em questão. Ao mesmo tempo, faço notar que esse método indireto de conseguir-se a relação psíquica corrobora tudo o que se dá nas “comunicações mediúnicas com os mortos”, nas quais é analogamente possível estabelecer-se a relação psíquica com defuntos que todos os presentes desconheçam, sob a condição de apresentar-se ao médium um objeto que o defunto desconhecido, com quem se deseja comunicar, haja trazido longo tempo consigo. Lembro que este fenômeno se produzia ordinariamente com a mediunidade da Sra. Piper, como de regra se produz com qualquer médium que genuinamente o seja. Faço notar ainda, a esse propósito, que a analogia da “telegrafia sem fio” ajudará a compreensão de como se dá e fenômeno da “sintonização” – se assim me posso exprimir – entre vivos que não se conhecem e entre defuntos e vivos em condições idênticas. Quer dizer que o objeto saturado de fluidos vitalizados (ou vibrações específicas) do vivo ou do defunto desconhecidos do médium atua à maneira de uma “estação emissora” e outra “receptora”, sintonizadas sobre o mesmo comprimento de onda, entre as quais as mensagens expedidas pela primeira chegam infalivelmente à meta, porquanto as ondas elétricas se expandem globalmente ao infinito.

Passando a falar de outro capítulo em que tratei resumidamente dos fenômenos de “bilocação”, capítulo que, do ponto de vista teórico, é sobremodo importante, limitar-me-ei a observar que tive de insistir muito particularmente sobre os fenômenos dessa natureza, quando se dão no leito de morte, evidenciando que esta última modalidade sob as quais se opera o “animismo” bastaria por si só a demonstrar, com os fatos, a sobrevivência humana. E bastará, sobretudo, se se considerar que, com essa modalidade, se passa, sem solução de continuidade, dos fenômenos “anímicos”, quando tomam a forma de fantasmas de vivos exteriorizados na crise pré-agônica, aos fenômenos “espíritas”, quando tomam forma de “fantasmas de defuntos que se manifestam pouco depois da morte”, ou de “aparições de defuntos junto ao leito dos moribundos”, sem levar em conta as outras sugestivas modalidades sob as quais se manifestam os defuntos, modalidades referidas e comentadas amplamente no capítulo quinto.

Esse capítulo é o mais importante do presente livro, porquanto nele se demonstra, baseada em fatos, a evidência de que, embora se concedesse a onisciência divina à subconsciência humana, não se chegaria a anular a possibilidade de provar-se cientificamente a sobrevivência. Ora, assim sendo, lícito se torna afirmar que o material de fatos por mim reunido e comentado nesse capítulo derroca todas as hipóteses e todas as objeções legítimas ou sofísticas de que dispõem os opositores, fazendo triunfar a causa da verdade, por maneira teoricamente resolutiva. Digo teoricamente, porque, praticamente, haverá sempre os grupos dos irredutíveis, que descrevi nas conclusões do aludido capítulo, os quais, embora não consigam refutar o que ali se contém, se manterão do mesmo modo recalcitrantes ou cépticos, devido à existência bastante conhecida de uma forma de idiossincrasia psíquica que torna impermeáveis a verdades novas as vias cerebrais (misoneísmo).

Mesmo que se pusesse em plena claridade a verdade simples que aqui se propugna, manifesto se faz que a objeção acerca da presumível existência de uma “criptestesia onisciente” constituirá sempre a arma não só preferida dos opugnadores, como até reconhecida legítima por alguns dos mais eminentes propugnadores da hipótese espírita, os quais se esforçam por lhe anular a eficiência demolidora, invocando as razões do “bom senso”, que, segundo esses propugnadores, deveram bastar para excluir uma hipótese com que se conferem poderes divinos às faculdades subconscientes. Tinham eles razão de apelar para o bom senso contra as audácias inverossímeis da fantasia adversa; mas, as invocações desse gênero eram impotentes para demolir as afirmações dos que se faziam fortes com uma objeção irrefutável, porque indemonstrável. Era necessário, antes, demonstrar-lhes o enorme erro metapsíquicos em que incorriam, pretendendo que as provas experimentais da sobrevivência assentavam exclusivamente nos casos de identificação espirítica, fundados em informações pessoais fornecidas pelos defuntos que se comunicam, quando, na realidade, se fundam solidamente no conjunto inteiro da fenomenologia supranormal – anímica e espírita – em que todas as manifestações convergem para a demonstração da existência e da sobrevivência do espírito humano. Ora, é esta última verdade que se acha demonstrada no presente trabalho, baseando-se a demonstração em exemplos tomados às várias categorias de manifestações supranormais, reunidas e comentadas no capítulo quinto.

É realmente curioso que, até hoje, a ninguém houvesse ocorrido mostrar aos opositores o erro enorme em que caíram e persistiam, bem como que ninguém haja pensado em apontar a alguns eminentes propugnadores da hipótese espírita o erro deplorável em que, a seu turno, haviam incorrido, reconhecendo por justificada a hipótese dos adversários. Entre eles contava-se o genial propugnador de um espiritismo cientificamente compreendido, o Dr. Gustavo Geley, que considerou legítima a objeção de que se trata, reconhecendo-lhe a eficácia neutralizante e declarando-a, por enquanto, impossível de ser eliminada, embora fosse ela indubitavelmente fantástica e filosoficamente absurda. Por entender assim é que invocava as razões do “bom senso”. Erro curioso, num pensador da sua força, tanto mais se se ponderar que ele perseverou nesse erro durante toda a sua vida, porquanto, depois de haver admitido a eficácia anulatória de tal objeção, num de seus primeiros livros, admitiu-a francamente ainda no último período da sua nobre existência, dirigindo ao Congresso de Copenhague uma “mensagem”, onde se expressava nestes termos:

“... Por enquanto, seja qual for a prova direta e imediata em favor da sobrevivência, ela corre o risco de ser afastada peremptoriamente pela imensa maioria dos homens de ciência, inclusive os versados em metapsíquica, os quais observam que, a rigor, qualquer fenômeno pode explicar-se por meio das faculdades supranormais da subconsciência. E é manifesto que, se se reconhecerem nos médiuns capacidades multiformes de manifestação, poderes de ideoplastia subconsciente, de criptomnesia, de “leitura do pensamento” e de lucidez, não mais haverá lugar para uma prova segura de identificação espírita. A meu ver, seria inútil negá-lo, para permanecer obstinadamente na senda das identificações pessoais. A demonstração direta da sobrevivência humana, dado seja possível, não constituirá a base, mas o coroamento do edifício metapsíquicos.” (Anais, pág. 38).

Conforme deixei dito, muitos anos antes havia ele externado o mesmo conceito em seu livro: O Ser Subconsciente, deste modo:

“É evidente que, se se admitir um desenvolvimento ilimitado aos fenômenos de “exteriorização” e um poder correlato às faculdades subconscientes, se conseguirá explicar tudo, sem necessidade de recorrer-se à intervenção de entidades espirituais.” (Pág. 103).

Era, portanto, natural que o Dr. Osty colhesse de relance as infelizes declarações do Dr. Geley ao Congresso de Copenhague, para se valer delas como prova de que este último, no derradeiro período de sua vida, renunciara às convicções espíritas. Não perdeu ele a oportunidade para comentar o fato, observando que “a bela inteligência do Dr. Geley, aberta a todas as verdades, não deixara de perceber que tudo, em metapsíquica, é explicável por meio dos poderes transcendentais dos vivos”, conclusão distanciada da verdade, quer quanto à substância, quer quanto à referência pessoal. Mas, pelo que concerne à referência pessoal, dou-me pressa em acrescentar que o Dr. Osty estava de perfeita boa fé quando assim se exprimia, pois ignorava que o Dr. Geley houvesse formulado o mesmo conceito num dos seus primeiros livros, isto é, quando, incontestavelmente, era espiritualista convicto, qual, aliás, se conservou por toda a sua vida, conforme quem isto escreve o pode atestar, baseado nas últimas cartas que dele recebeu. O que, ao contrário, ressaltava efetivamente dela a reiteração do mesmo erro ao Congresso de Copenhague era isto: o Dr. Geley perseverara toda a sua vida em dar importância à suposição falaz de que não existiam outras manifestações supranormais em favor da sobrevivência, além dos casos de identificação espirítica fundados nas informações pessoais ministradas pelos defuntos que se comunicam.

A este propósito, ocorre acentuar que o erro em que caíram, de um lado, o Dr. Geley e, de outro lado, o Dr. Osty, constitui eloquentíssimo exemplo a confirmar tudo o que afirmei nas conclusões do quinto capítulo, com relação ao fenômeno psicológico referente à grande dificuldade – singularmente generalizada – de terem-se presentes sempre ao critério da razão todos os dados constitutivos da questão a resolver-se, dados perfeitamente conhecidos daquele que os olvida. A conseqüência é que o raciocínio humano quase sempre induz e deduz fundado em parciais ou, mesmo, parcialíssimos processos de síntese, tirando conclusões miseramente errôneas. Ora, no nosso caso, tanto o Dr. Geley, quanto o Dr. Osty conheciam a fundo todas as categorias de fenômenos que enumerei no capítulo quinto; todavia, em chegando o momento de utilizá-las, antes de concluírem, esqueceram-nas completamente, pelo que foram ambos ter a conclusões erradas, um no empenho de defender, o outro no de destruir as bases da solução espiritualista do problema do Ser!

Tudo isso revigora, de modo eficientíssimo, a seguinte observação de Stanley De Brath:

“É notabilíssimo o fato de que a grande maioria dos espiritualistas e, sobretudo, a grande maioria dos seus opositores dão prova de deplorável incapacidade para firmarem solidamente suas convicções, ou suas opugnações, sobre o conjunto dos fatos pesquisados.”

É precisamente assim e essa comprovação tem o valor de um ensinamento solene, que nunca se deverá esquecer.

*

Concluo, epilogando novamente as resultantes obtidas e o faço em forma de resposta à questão que me submeteu o Conselho Diretor do Congresso Espírita Internacional de Glasgow: “Animismo ou Espiritismo? Qual dos dois explica o conjunto dos fatos?”

Respondo: Nem um, nem outro, pois que ambos são indispensáveis à explicação do conjunto dos fenômenos supranormais, cumprindo se observe, a propósito, que eles são efeitos de uma causa única: o espírito humano que, quando se manifesta em momentos fugazes, durante a existência “encarnada”, determina os fenômenos anímicos e, quando se manifesta na condição de “desencarnado” no mundo dos vivos, determina os fenômenos espíritas. Decorre daí um importante ensinamento: que os fenômenos metapsíquicos, considerados em conjunto, a começar pela modestíssima tiptologia da trípode mediúnica e pelos estalidos no âmago da madeira, para terminar nas aparições dos vivos e nas materializações de fantasmas vitalizados e inteligentes, podem ser fenômenos anímicos ou espíritas, conforme as circunstâncias. É racional, com efeito, supor-se que o que um Espírito “desencarnado” pode realizar também deve podê-lo – embora menos bem – um Espírito “encarnado”, sob a condição, porém, de que se ache em fase transitória de diminuição vital, fase que corresponde a um processo incipiente de desencarnação do Espírito (sono fisiológico, sono sonambúlico, sono mediúnico, êxtase, delíquio, narcose, coma).

Segue-se que, em metapsíquica, faz-se necessário constantemente analisar, caso a caso, os fenômenos supranormais, antes de concluir acerca da gênese anímica ou espírita de cada um, o que equivale a reconhecer que o erro mais grave em que pode cair um pesquisador é o de apressar-se a generalizar, estender a todo um grupo de fenômenos supranormais as conclusões legitimamente aplicáveis a um só episódio. E é esse o erro em que muito amiúde incorrem tanto os “animistas totalitários” como os “espiritistas”. Nos primeiros, porém, semelhante erro constitui regra sistemática, pois, se assim não fosse, eles não seriam “animistas totalitários”.

FIM

Notas:


[1] Das aparições de defuntos no leito de morte – Tipografia Dante. – Città della Pieve.